Dossiê Rio São Francisco

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0 CツMARA DOS DEPUTADOS Brasília, 2005 DEPUTADO EDSON DUARTE

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Dossiê Rio São Francisco

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0CÂMARA DOS DEPUTADOS

Brasília, 2005

DEPUTADO EDSON DUARTE

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Sumário

Feitos de água......................... 3A geografia............................ 4

A radiografia................ 5A história............................. 8

A gente............................11Arte e cultura no Vale........... 15

O meio ambiente..............................18As barragens................................ 21A transposição............................. 25

Pronunciamento de Edson Duarte........ 27Bibliografia.............. 35

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FFEEIITTOOSS DDEE ÁÁGGUUAA

aquele vale, naqueles lugares, tudo flui para o rio SãoFrancisco. Os sonhos, as dores, a fartura e a miséria, asolidão e as metrópoles, os dias e as noites, a chuva e osol; também os lutadores, os crentes e os ateus, o ino-centes e os espertos.

Rio, que antes de ser São Francisco, foi "Rio-mar",Opará, como diziam os índios da região (depois extermi-

nados em nome da civilização).Foi lá que os colonizadores o encontraram há 500 anos. Descobriram o

que já existia. Descobriram o espanto: um mar de água doce espraiando-se do cerrado, sobre o nosso quase-deserto, o semi-árido, a caatinga, atévirar águas salgadas no Atlântico.

Um lugar como esse inspira profecias. A mais famosa, a de AntonioConselheiro, que afirmou, bem mais tarde, nos idos de 1893, que o sertãoiria virar praia e a praia ía virar sertão. E vieram as barragens e com elasapareceram os mares. Mas o sertão permanece sertão.

Esta publicação é a propósito do Velho Chico. Aqui se fala dos encon-tros e desencontros com o rio, com as gentes: com os índios que (diz alenda deles) nasceram do Velho Chico, e com os ditos civilizados, que odeixaram como está hoje. Também relata a saúde deste veio d'água sa-grado, que está definhando, perdendo o corpo. E do que fizeram os ho-mens e mulheres no Vale; e dos homens e mulheres que foram expulsosde suas margens.

Águas que geram energia, que geram alegria e também fome quandoprivilegiam uns poucos. A luz não é para todos e o São Francisco deixa deser santo. Nessa vala de uma história longa, ele se tornou latrina de muni-cípios e esgoto de indústrias. É a heresia da política e do capital. Que pe-na, o rio não veio para isto.

O sertanejo ou o cabra que mora no litoral, talvez na divisa de Alago-as com Sergipe, sabe que o rio é fonte de vida. Seu destino é dar destinoàs pessoas. Dar peixe, água, servir à plantação, servir aos dali e aos dacidade - irrigar a terra ou para nele se banhar.

Este rio foi descoberto pelos de fora há 500 anos. Foram precisos 500anos para descobrir que somos feitos de água. A mesma água que correnele. Para mim, que nasci às margens desse rio, existe uma felicidade emser feito desse rio – ele me inspira a sonhar com o mundo melhor paratodos.

Edson Duarte

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AA GGEEOOGGRRAAFFIIAA

Rio São Francisco nasce no município de São Roque deMinas, na Serra da Canastra, no chamado Chapadão doZagaia.

De Minas Gerais ele recebe a maior parte das águas:80%. Terras boas as de berço. E poderia ficar por aí, evirar lago, quem sabe? Mas não. O São Francisco se em-brenha pelo semi-árido, invade o sertão com seu frescor,

anunciando oásis.Vai crescendo e engordando no sentido Norte, atravessando o sertão

nordestino, do cerrado pro semi-árido brasileiro, desaguando no Atlântico,na divisa de Alagoas com Sergipe.

Vive solitário no sertão: é um dos raros rios perenes da região. Agrande maioria dos rios do semi-árido só têm água no período das chuvas.

O semi-árido é a caatinga. Um bioma que tem fauna e flora caracterís-ticas, plenamente adaptadas ao clima, ao solo - muito calor e pouca chuva(800 mm/ano em média).

Além do mais tem a seca.Ela faz parte da geografia, desse mundo. Há pelo menos 10 mil anos

elas ocorrem. Os ciclos têm 8 anos. Mas sempre ocorrem. Isto é, a chuvajá é pouca e a cada tempo elas desaparecem de vez. E se passam quatroanos sem cair uma gota d'água.

É por aí, por esse quase-deserto, que o São Francisco anda.

Os números da bacia do São FranciscoDimensão: 640 mil Km2O rio é dividido em quatro: Alto, Médio, Submédio e Baixo São Francisco.Municípios atingidos: 503População: 15 milhões de habitantesEstados: 83% - Minas Gerais e Bahia; 16% - Pernambuco, Alagoas e Sergipe; 1% -Goiás e Distrito Federal.

Principais afluentes do rio São FranciscoMargemesquerda Vazão Área da bacia Margem

direitaVazão Área da

baciaParacatu 436 m3/s 46.000 Km2 Paraopeba 115 m3/s 12.500 Km2

Urucuia 251 m3/s 26.000 Km2 Das Velhas 292 m3/s 29.000 Km2

Carinhanha 150 m3/s 18.000 Km2 Jequitaí 046 m3/s 8.830 Km2

Corrente 251 m3/s 35.000 Km2 Verde Grande 019 m3/s 35.000 Km2

Grande 262 m3/s 76.000 Km2

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AA RRAADDIIOOGGRRAAFFIIAA

Alto São Franciscostende-se desde as cabeceiras, na Serra da Canastra, mu-nicípio de São Roque de Minas, até a cidade de Pirapora(MG), abrangendo as sub-bacias dos rios das Velhas, Pará eIndaiá, além das sub-bacias dos rios Abaeté a oeste e Je-quitaí a leste.Trecho situadoem Minas Ge-rais, suas á-

guas alimentam a Usina hi-drelétrica de Três Marias.Apresenta um relevo aciden-tado, com serras e terrenosondulados, com altitudesvariando de 1.600 a 600 m.

A vegetação é constituídade florestas e cerrados. Éuma região de muitas chuvas(de 1.500 a 1.000 mm anu-ais) no verão, que caem denovembro a abril, responden-do por 3/4 do escoamentototal do Rio. A temperaturamédia anual é de 23 ºC.

Médio SãoFrancisco

Compreende o trecho desde Pirapora até a cidade de Remanso (BA),incluindo as sub-bacias dos afluentes Pilão Arcado a oeste, e do Jacaré aleste e, além dessas, as sub-bacias dos rios Paracatu, Urucuia, Carinha-nha, Corrente, Grande, Verde Grande e Paramirim, situando-se nos Esta-dos de Minas Gerais e Bahia. Suas condições climáticas vão se tornandomais características de uma região tropical semi-árida. Sua altitude variade 2.000 a 500 m.

Submédio São FranciscoAbrange áreas dos Estados da Bahia e Pernambuco, estendendo-se de

Remanso até a cidade de Paulo Afonso (BA). Inclui as sub-bacias dos riosPajeú, Tourão e Vargem, além da sub-bacia do rio Moxotó, último afluenteda margem esquerda. Nesta região, a altitude varia de 800 a 200 m.

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A precipitação média anual chega a 350 mm na região de Juazei-ro/Petrolina e a máxima é de 800 mm, nas serras divisórias com o Ceará.A temperatura média anual é de 27 ºC; a evaporação é da ordem de3.000 mm anuais e o clima é tipicamente semi-árido. A caatinga predomi-na em quase toda a área. As principais cidades são: Juazeiro e Paulo Afon-so, na Bahia; Petrolina, em Pernambuco.

Baixo São FranciscoEstende-se de Paulo Afonso à foz, no Oceano Atlântico, compreenden-

do as sub-bacias dos rios Ipanema e Capivara. Situa-se em áreas dosEstados da Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas. A altitude varia de 200m até o nível do mar, embora, na periferia, algumas serras atinjam 500m.

A vegetação é de dois tipos: caatinga no trecho mais alto, e mata, naregião costeira. O clima é considerado tropical semi-úmido. As principaiscidades são Propriá e Nossa Senhora da Glória, em Sergipe; Penedo, emAlagoas.

NavegabilidadeO Rio São Francisco oferece condições naturais de navegação entre

Pirapora (MG) e Petrolina (PE)/Juazeiro(BA), durante todo o ano, comvariação de calado (que é a distância entre a superfície da água e o leitodo rio) segundo o regime de chuvas.

É navegável em seus trechos Médio e Baixo, sendo o Médio SãoFrancisco compreendido entre Pirapora (MG) e Petrolina (PE) / Juazeiro(BA) e o Baixo entre Piranhas (AL) e a Foz.

Devido as diferentes características físicas existentes ao longo da vianavegável, subdivide-se o trecho Pirapora-MG à Petrolina (PE) /Juazeiro(BA) em três subtrechos:I) Pirapora (MG) à Pilão Arcado Velho (BA)

Este trecho tem 1.015 Km de extensão. Apresenta condições bastantedistintas entre o período de estiagem e o de cheia, ocorrendo variações deníveis de até 6 m.

Pedras isoladas no leito do rio são devidamente sinalizadas para garantira navegação.II) Pilão Arcado Velho (BA) à Barragem de Sobradinho (BA)

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Neste trecho a navegação é feita pelo Lago de Sobradinho ao longo de314 km, caracterizando-se como navegação lacustre (isto é, de lago), comexcelentes profundidades.3º) Sobradinho (BA) à Petrolina (PE)/Juazeiro (BA)

Trecho com 42 Km de extensão e largura variando de 300 a 800 m, ga-rante calado de 2 m para uma vazão da barragem de Sobradinho de 1.500m3/s. A vazão regular da hidrelétrica de Sobradinho é de 2.063 m3/s.IV) Piranhas (AL) à foz do rio

Com uma extensão de 208 Km, apresenta navegação turística.

"Agora, por aqui, o senhor já viu: Rio é só o SãoFrancisco, o Rio Chico.

O resto pequeno é vereda. E algum ribeirão"

(João Guimarães Rosa, Grande Sertão: veredas)

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AA HHIISSTTÓÓRRIIAA

hegando de Lisboa, em maio de 1501, Américo Vespúcio,assessor científico do comandante Gonçalo Coelho, depoisde descobrir o Cabo Santo Agostinho (PE) e os rios SãoMiguel e São Jerônimo, em 4 de outubro do mesmo ano,chegou à foz do Rio São Francisco. Os índios o chamavamde Opará, ou "Rio-mar". mas como aquele era o dia de

São Francisco, a Igreja Católica rebatizou-o, homenageando seu santo.A exploração do rio pelos portugueses e pelos novos brasileiros (misto

de negro, índio e português) se fez lentamente. A prática era sair atrás demetais preciosos, mesmo que para isso fosse necessário aniquilar índiosou catequizá-los para fazê-los escravos. A corte favoreceu os invasores,concedendo as sesmarias, raiz dos latifúndios que existem até hoje.

A navegação facilitava o fluxo de gentes e negócios. Era o principalmeio de transporte. Até a década de 50, os barcos faziam grandes percur-sos, interrompidos apenas nos trechos onde haviam quedas d'água. Aestrada era o rio.

Até meados do século XX a região se destacava pela pecuária. O gadoera o básico, era o negócio, transportado em grandes tropas para as cida-

des de Salvador e, emmenor escala, para Recife.Daí surgiram as primeiraspousadas que deram ori-gem as duas metrópolesdo Nordeste. Só quandose construíram estradasde fato é que a agriculturase fez presente pra valerna bacia do São Francisco.

Ocorreu um fluxo mi-gratório do litoral para oVale do São Francisco,com foco na região do

Submédio, onde nascia Petrolina, do lado de Pernambuco, e Juazeiro, naBahia.

Por três séculos, enquanto atividade econômica de peso, só havia boino Vale do São Francisco. E por isso mesmo, e até hoje, o animal ficouassociado de um modo orgânico à cultura da região.

O gado era criado soltos na caatinga ou no cerrado. Sem limites muitodefinidos de propriedades. Cabia ao vaqueiro proteger e fazer o desloca-mento do gado do patrão (o “coronel”) nessa região inóspita.

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As atividades agrícolas eram reduzidas. Às margens do rio viviam ospobres, negros e remanescentes de tribos indígenas. Plantava-se o ali-mento de subsistência de acordo com as cheias e secas do rio: arroz, fei-jão, milho, batata. Na beira do rio havia a fartura necessária. O plantionas várzeas era produtivo porque feito na baixa das águas, depois que sedepositava o húmus de matéria orgânica extremamente rico em nutrien-tes. E tinham os peixes.

Com a chegada das estradas, a agricultura foi virando negócio e a situ-ação se complicou para muitos. O latifúndio foi se apossando das margensdo rio e expulsando os ribeirinhos para as áreas de sequeiro, para dentroda caatinga, onde a luta pela sobrevivência é mil vezes mais difícil - o soloé ruim, não tem água corrente, não chove e, em muitas regiões, se furarum poço a água é salgada!

Trazido do Oriente, o bode se adaptou plenamente ao semi-árido. Semmelindres alimentares, comendo de tudo que via, foi criado solto na caa-tinga. Foi a salvação do pobre: era carne, leite e couro para o sertanejo.Não fossem os caprinos, a miséria seria muito maior no Nordeste.

Com a industrialização da região a agricultura avançou. Nos anos 60,com introdução da agricultura moderna, a região deu um salto de produ-ção. No início há fartura. Nos anos 80 acaatinga produz uva e vinho de qualidade.A agricultura é mono: todo mundo plantacebola, melancia, arroz, tomate para indús-tria, soja, aspargo e tâmara.

Os antigos ribeirinhos foram despacha-dos para longe pelos novos donos. E o cul-tivo de várzea praticamente não existe maisporque o rio São Francisco agora tem bar-ragens e deixou de ser perene: ele vazaconforme os interesses energéticos do país. Então ali ninguém sabe maisquando virá a seca ou a cheia – quem decide é a economia que privilegiaos poderosos.

Os novos tempos trazem a agroindústria. Os produtores são contrata-dos para produzir para empresas. O tomate industrial é um exemplo. Aagroindústria cria a ilusão de fartura de emprego. Muitos acreditam: lar-gam a terra e se tornam empregados.

Na região de sequeiro, onde vivem os antigos ribeirinhos saídos naprimeira leva, criar bode já não é mais permitido. O latifúndio espalhacercas, aguardando um tempo em que tudo aquilo será valorizado.

Nos final dos anos 80 a poeira baixa na beira do rio. Nas Minas Geraisproliferam os grandes plantios de eucalipto e soja. O gado já não andamais solto e nem se desloca em tropas; é gado de raça, custoso de com-

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prar e manter, geneticamente evoluído, chique, não pode andar se espi-nhando nesse mundo árido.

Depois de dez anos, a agricultura moderna mostra seus resultados. Aquebradeira dos pequenos agricultores, por exemplo. Plantadores de me-lão e melancia, cebola e alho, estão vendendo as terras para pagar o ban-co. As terras estão envenenadas (devido ao uso de agrotóxicos), esturri-cadas (pelas máquinas e uso de insumos artificiais), salinizadas (devido aouso inadequado da irrigação). Quem fez contrato com indústria quebrou.Quem, seguindo determinação da extensão rural, implantou a monocultu-ra, acabou com seu solo, envenenou as águas, ficou mal de saúde, ficoudependente do mercado, acabou indo à falência. O agribusiness chega àsmargens do São Francisco. E, sem terra, sem emprego, sem perspectiva,o nordestino abandona a região.

Os que tinham mais recursos instalaram projetos de irrigação visandoexportação e até hoje vivem disso. Os valores neste negócio são elevados.Custa até 5 mil dólares um hectare irrigado. Quem se habilita? Só os ricos.

Chegamos ao ano 2005 e se mantém a prática: monocultura irrigadade coco, manga e goiaba. Quem determina é o mercado e não a razão.

O São Francisco continua lá. Mas para o agronegócio ele não é um rio,é apenas um insumo a mais na produção de commodities.

Quem não sabe falar inglês, não tem 5 mil dólares para investir na ter-ra e mais 5 mil para administrar a exportação, foi marginalizado.

Como na agricultura moderna não se planta alimentos, mas commodi-ties, então é muito mais negócio plantar maconha que plantar feijão, arroze milho. Há pelo menos 20 anos que o rio São Francisco também irrigaplantios de maconha.

O São Francisco hoje tem a cara do Brasil injusto. Suas margens mos-tram “ilhas de progresso” – riqueza, produção e agroindústria – cercadaspela miséria secular.

O semi-árido são várias regiões. A visão predatória, porém, vê o lugarcomo algo uniforme, onde a irrigação seria a panacéia do lugar, utilizadainclusive no “combate à seca”. Na verdade a aridez e a secura desta regi-ão fazem parte de sua vida – tem função e vida.

A situação é séria no vale do São Francisco. Em torno do rio são mui-tos os problemas sociais, ambientais e políticos. Após 500 anos de uso eabuso, a conclusão é óbvia: ou se muda a política de uso do rio ou ele vaidesaparecer. Exausto, doente, o velho Chico pede ajuda.

"Assim como o rio, promovo o abraço que a gente precisa /Em busca do que é mais novo / sim, ultrapasso a divisa

fazendo a ponte sem medo / Antonio, sou brasileiroJoão, Geraldo Azevedo / Petrolina e Juazeiro"

(Moraes Moreira, "São Francisco")

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AA GGEENNTTEE

o início eram os índios.Eles estavam por lá. Ocupavam toda região nordes-

tina. Há 40 mil anos, garantem estudos arqueológicos.“Admite-se que os índios brasileiros sejam os des-

cendentes de levas arcaicas que atravessaram o estrei-to de Bering, milhares de anos antes. As primeiras levasde paleoíndios chegadas às ribeiras do São Francisco

datam do oitavo milênio e devem ter aparecido no vale a partir do planaltogoiano, das cabeceiras do alto São Francisco e pela ampla rede de afluen-tes que desembocam no grande rio nordestino no sudeste da Bahia”.

Haviam os Tapuia e os Aimoré - denominação genérica e abstrata queos primeiros invasores e estudiosos deram aos indígenas da região. E en-tão se definem as famílias, como a Kariri (ou Cariri), presentes desde oCeará até a Paraíba. Um grupo, os Dzubukuá-Kariri habitaram o arco for-mado pelo submédio do rio São Francisco, divisa de Pernambuco com aBahia.

À altura do município de Paulo Afonso (BA), divisa com Petrolândia(PE), viviam os Proká e os Pankararu. Mais para cima, no trecho de Jua-zeiro (BA) e Petrolina (PE), na desembocadura do rio Salitre no São Fran-cisco, há registros dos povos Okren, Sakrakrinha, Tamankin, Koripós, Ma-sakará e Pimenteiras. Mais ao Sul havia os Payaya.

Coripós era o antigo nome de Santa Maria da Boa Vista, a 100 Km dePetrolina, no lado Pernambucano.

No sertão, ao norte do São Francis-co, no Planalto da Borborema, serra dosKariris e do Araripe, mais povos indíge-nas: Ikó, Payaku, Kanindé, Otxukayana(Janduí e Tarariu), Inhamun, Calabaça,Xukuru,...

Conta-se que os povoadores da Ba-hia de Todos os Santos teriam sido osTapuia, dela expulsos pelos inimigos, osTupinaé, que tinham descido do sertãoatraídos pela fartura de terra e mar daprovíncia. Os Tupinaé teriam sido desa-lojados pelos Tupinambá, que vieram dealém do rio São Francisco.

As margens do rio foram habitadaspor centenas de povos, como Tuxás, Cariris, Coroados, Vermelhos, Caia-pós, Tapuás, Rodelas, Chacribás, Gamelas e, principalmente, os Jês, ex-

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pulsos do litoral pelos Tupis que, depois de terríveis batalhas, cederamsuas terras aos conquistadores que chegaram. Como seria isto? Centenasde povos cada qual com sua língua, sua cultura, seus costumes,...

“A obra evangelizadora missionária desenvolvida pela Igreja Católicapretendia, além da conversão dos indígenas ao cristianismo, aldeá-los emvilas sobre a proteção nominal de um santo padroeiro, para transformá-losem filhos de Deus e súditos do rei de Portugal”.

“Os contatos entre indígenas e portugueses, a partir de 1500, tiveramaspectos muito diferentes, segundo se tratasse do labor evangelizador demissionários católicos ou a simples expulsão dos índios das suas terras,para facilitar o assentamento das fazendas de gado. Em ambos os casos,porém, significará a destruição das culturas indígenas, quando não seuaniquilamento físico. Na medida em que a coroa portuguesa concedia di-reito de ocupação das terras sanfranciscanas aos sesmeiros, os índioseram exterminados ou escravi-zados quando não conseguiamfugir para lugares inacessíveisaos brancos, vale acima, ou seadentravam nas serras e nosvales dos rios Gurgéia e Piauí, nabacia do Paraíba”. Ou então fugi-ram em direção aos cerrados, oPlanalto Central.

O que restou dessa gente?Hoje são identificados 23 povosindígenas no Nordeste, localizados em seis estados (Bahia, Sergipe, Ala-goas, Pernambuco, Paraíba e Ceará). Eles são mais de 40 mil pessoas - ouseja, 17% da população indígena total do país. Em Pernambuco: Atikum,Pankararu, Xukuru, Truká, Kambiwá, Kapinawá, Fulni-ô. Na Bahia: Kiriri,Atikum, Tuxá, Xukuru-Kariri, Kaimbé, Pataxó. Alagoas: Pankaru, Xucuru-Kariri, Karapotó, Kariri-xocó. Eles ainda brigam por suas terras, ainda sãoassassinados impunemente, ainda são agredidos em sua cultura, aindasão discriminados.

E chegam os negros...Os primeiros negros chegaram ao Brasil logo após a invasão portugue-

sa. No Nordeste, foram utilizados como escravos pelos usineiros no serviçopesado da cana. Os engenhos moem cana e gente. Do litoral são levadosao interior para as guerras de conquista. O patrão lhes dá armas e obriga-os a guerrearem com os inimigos de ocasião.

Com o cerco e destruição do Quilombo dos Palmares, na Serra da Bar-riga, muitos negros sobreviventes fugiram para o interior mais profundo elá fundaram aglomerados, povoações - os quilombos. Seus remanescen-tes existem até hoje.

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Ainda no século XV, com o crescimento da colônia, os jesuítas fazemum acordo com os fazendeiros: os índios ficariam para a igreja, que ostornariam escravos da religião (as milhares de igrejas espalhadas por todopaís foram construídas com esta mão-de-obra grátis e descartável); osfazendeiros poderiam utilizar os negros vindos da África como escravosda nova civilização.

É dessa mistura de gentes que brota o sertanejo, o caboclo do sertão,morador das margens do São Francisco. Seu sangue é um pouco de cada:negro, índio e português. E mais algum DNA francês e holandês, das ocu-pações ocorridas no litoral.

A cultura é uma mistura de tudo isso, mais o meio ambiente,... E osnegócios...

A presença do gado faz surgir o boiadeiro. O que leva e traz as tropasde bois. Ele veste uma armadura: gibão, perneira, chapéu, sela, peitoral(dele e do cavalo), luvas, chicote,... Tudo de couro. Seu mundo é o êrmo -os sertões. Dorme ao relento levando o gado sobre touceiral de espinhos,de mandacaru, xiquexique, facheiro, coroa-de-frade. Seu mundo é espi-nhento. Por isso sua pele é de couro. Por isso sua comida é o boi que vaina frente. Um depende do outro pra viver.

Se nos mangues há o homem-caranguejo vivendo em mocambos, nosertão há o homem-boi.

O senhor do vaqueiro é o coronel (o poderoso do lugar). O regime éfeudal no sertão: o coronel é soberano do espaço e do tempo, com poderde vida e morte sobre todos. O coronel é o dono das águas também. Dorio São Francisco, dos rios pequenos, barragens, poços... Tudo pertenceao coronel. O coronelismo, infelizmente, sobrevive até hoje na região.

A industrialização expulsou os ribeirinhos do São Francisco. A agroin-dústria forneceu o sub-emprego, o sub-trabalho, a sub-vida. O lugar queexporta manga para os restaurantes finos da Europa tem um povo pas-sando fome.

A agricultura moderna determinou a todos os caboclos da região quejogassem fora o conhecimento de 10 mil anos sobre agricultura, solos,produção de alimentos.

Agora só uns poucos têm terra à beira do rio. E fora daí é bem pior. Amaioria não tem acesso à água, terra, postos de saúde, saneamento, es-tradas, trabalho,... Não tem nada. Sobrevivem. Até que vem a seca e aínão dá mais - têm que migrar para outro lugar. A miséria já existe, com aseca ela chega ao limite. No final de 2004, o Unicef informou que 70% dascrianças que nascem hoje no Nordeste passam fome. Exatamente como a400 anos.

Os homens se vão e ficam as mulheres para cuidar dos filhos menores,arranjar trabalho, sobreviver - são as "viúvas da seca". As meninas ficam

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mocinhas e se entregam à prostituição. E agora, sertão ou beira do SãoFrancisco, dá no mesmo.

Num lugar assim nascem os cangaceiros, os lunáticos, os beatos econselheiros. Essa gente nem sempre sabe porque está brigando, masbriga - do mesmo jeito que o rio sabe que tem que ir ao mar, o cangaceirosabe que tem que brigar.

E, apesar de tudo, a alegria...Apesar da ira do mundo contra ele, o sertanejo conseguiu preservar

uma cultura própria. É música, poesia, dança, culinária, jeito de falar ca-racterístico de cada parada do barco. Onde o rio toca, toca uma músicadiferente. E sempre o bom humor, a alegria, apesar de tudo.

"Para que não incorra em graves penas se promulgam as leis: que nenhum dosconfederados (índios e brancos) ousasse dali em diante comer carne humana; que não

fizesse senão com causa justa, aprovada por ele e os de seus conselhos; que se juntassemem povoações grandes, em forma de repúblicas; levantassem nelas igrejas fazendo casasaos padres da Companhia para que residissem entre eles, a fim de dar instrução dos

que quisessem converter-se"(Mem de Sá, Governador da Bahia, em 1558).

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AARRTTEE EE CCUULLTTUURRAA DDOO VVAALLEE

que mais impressiona na arte e cultura do povo do Valedo São Francisco é a quantidade e a originalidade. Osartistas e artesãos estão por toda parte. Fazem música,poesia, toadas, aboios, repentes, cantorias,... O amorpela sua terra e as rivalidades regionais manifestam-senos versos populares e nas provocações dos repentistas.

Quem não conhece estranha e teme pela vida dos repentistas naquelaarenga, na xingação entre eles. Até descobrir que a “briga” faz parte daarte, ela é somente nas palavras. Esses dois que discutem e se xingam,logo vão improvisar coisas belas, fazer poesias, ou vão brincar com a pla-téia levando-a ao riso.

Artistas dali tocam instrumentos dolugar, cantam a gente e as coisas dolugar, e cantam também o mundo. Entreforrozeiros e cantadores, brota o inusi-tado. Por isso não é de estranhar que,nessa terra do forró mais pé-de-serra,tenha nascido o mestre da bossa nova,João Gilberto, em Juazeiro da Bahia, eGeraldo Azevedo, em Petrolina, Pernam-buco.

O artesão descendente dos índios, oumestiço de branco e negro, cria figurase objetos com a cerâmica. Tacaratu, e a vizinha Caraibeiras viraram ascidades das redes – as melhores redes do Brasil, dizem os de lá, se fazempor cá.

Se existe um barroco guarani lános pampas gaúchos, um dia talvezse fale do barroco saofranciscano.São talhas de madeiras nobres, re-tratando imagens de santos, nasci-dos de uma tradição secular, dasantigas missões católicas. E há ou-tras talhas de madeira e bordados daIlha do Ferro, em Mata da Onça.

E tem as carrancas. Talhadas emmadeira, elas adornavam as proas

dos barcos que singravam o rio. Com sua cara de coisa ruim, misto deleão e serpente d’água, tinham por função espantar os maus espíritos.

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Foram domesticadas pelo povo – hoje o visitante faz questão de levarumazinha, grandona ou pequenininha, como adorno ou chaveiro, bijuteria,lembrança do lugar. E lá vai o bicho, de olho arregalado, morar noutrosmundos distantes do Vale aonde nasceu.

A cultura é a língua. Até livros já escreveram sobre o assunto.O português falado na região do São Francisco mantêm uma estrutura

própria na qual se misturam palavras indígenas e arcaísmos portugueseshá muito esquecidos das grandes metrópoles. Fora dos clichês. O vocabu-lário é bem maior do que o dicionário: mistura do cósmico com o telúrico,fauna e flora. A fala da região é a correta expressão do mundo em quevive esse povo. E a gramática, nascida para explicar a língua, descobreque aí no Vale, como também em outros brasis, o matuto ou o acadêmicofalam o português correto. A norma culta, ensinada nas escolas, aí apren-

de a existir como apenas mais uma língua,e se dobra ante a riqueza da fala do vaquei-ro, artesão, comerciante, doutor ou parla-mentar.

E tem as festas. O carnaval rende, masquem rende mesmo é o São João, as festasjuninas. Talvez por causa da relação cons-truída entre essa gente e a terra, e o que aterra produz. No São João – que dura àsvezes todo mês de junho – as bandeirolas

enfeitam as ruas, o povo dança mais ainda os ritmos da região, e se comemuita comida derivada do milho: pamonha, manguzá, canjica, doces demilho, etc. Montam-se “quadrilhas” (danças grupais de origem francesa,com seus salamaleques e biquinhos); e aparecem as bandas de pífanos(inspiração do movimento tropicalista, comoreconheceu o cantor/compositor Gilberto Gil);e os grupos bacamarteiros (o bacamarte é oavô da espingarda).

As festas juninas são manifestações radi-cais de conversão do sagrado em profano. Naverdade, primeiro era o pagão – com os anti-gos povos europeus e árabes fazendo festapara o deus fogo, festejando o solstício deinverno, acendendo fogueiras e dançando emvolta. Aí a Igreja Católica catequizou o evento,dando nome de santo para a festa e estabele-cendo uma cara litúrgica, fazendo-a acontecernos quintais dos ricos. O rito pagão se converteu em festa de santo: SãoJoão, Santo Antonio, São Pedro.

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Mas o povo, do lado de fora espiou aquilo e fez a sua conversão. Man-teve os nomes dos santos e até o caráter devocional, mas acrescentou asbebidas, a comida, as danças com muita agarração, muito chamego. Istoé, o povo botou de novo a alegria que existia quando a festa era pagã.

Eis uma lista das manifestações folclóricas registradas no Vale do SãoFrancisco: Bacamarteiros, Banda de Pífanos, Benditos, Blocos Carnavales-cos, Cabocolinhos, Caboclo ou Quilombo, Cantigas de Louvor, Cavalhada,Chegança ou Marujada, Ciranda, Congada, Dança do Cansanção, Dança doCoco, Forró, Frevo, Guerreiro ee São Jorge, Malhação do Judas, Mamulen-gos, Menino Do Rancho, Mineiro-Pau, Os Cangaceiros, Pastoril, Os Peni-tentes, Quadrilha, Reisado, Repentista, Rodas de São Gonçalo, Toré, Va-quejada.

“Está secando o velho Chico.Está mirrando, está morrendo.

Já não quer saber de lanchas-ônibusnem de chatas e seus empurradores.

Cansou-se de gaiolase literatura encomiásticae mostra o leito pobre,

as pedras, as areias desoladasonde nenhum minhocão ou cachorrinha-d’água,

cativados a nacos de fumo forte,restam para semente

de contos fabulosos e assustados”.

(Carlos Drummond de Andrade “Águas e Mágoas do Rio São Francisco”)

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OO MMEEIIOO AAMMBBIIEENNTTEE

m rio não é só um rio. Ele é um ser vivo, e em tornoexistem outros seres que mantém uma relação perma-nente entre si. Ecologia: não existe um rio, existemrelações entre os seres vivos e o meio ambiente.

"Um rio é mais que água deslocando-se por um leitoescavado no solo. Trata-se de um ecossistema da natu-reza, de um conjunto orgânico, de um tecido complexo

que tem vida e onde o todo é mais que a soma das partes". (Clóvis Caval-canti)

O São Francisco corta o semi-árido nordestino, a caatinga, umbioma onde apenas 4% se presta a projetosde irrigação. É preciso, portanto, respeitar anatureza do semi-árido, que tem partes se-cas (muitas) e manchas verdes, distintas,diversas e complementares. Isto é a sua ri-queza, rara e frágil.

Daí se indaga como andam as relações doser humano com o Opará? Eis uma lista dosseus problemas atuais:

DesmatamentoA vegetação nativa que cobria as terras

banhadas pelo rio caiu de 85% para 35% noperíodo de 1970 a 1990. A cada ano sãodesmatados 360 mil hectares de cerrados(média de 1 mil por dia).

Não existe mais mata ciliar ao longo dorio São Francisco.

SalinizaçãoEm algumas regiões o abuso na utilização de água na irrigação (numa

região carente de água!) está produzindo largas extensões de solos salini-zados. Solo salinizado é solo imprestável para qualquer atividade agrícola- é uma espécie de deserto. Nada se planta aí porque nada cresce ai. Es-timativas de finais da década de 90 informam que 50% da área irrigadano Semi-árido está salinizada. O processo de desertificação cresce na re-gião.

PesticidasHá milhares de agricultores, pequenos e grandes, fazendo uso de agro-

tóxicos. Resíduos desses venenos - a maior parte cancerígenos - são des-pejados no São Francisco ou seus afluentes. Restos de produtos são lan-

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çados nos solos e riachos, embalagens vazias de pesticidas e equipamen-tos são descartados - veneno, veneno, veneno, tudo vai parar no SãoFrancisco.

CriançasEm Minas Gerais as empresas de reflorestamento empregam crianças e

adolescentes para o trabalho sujo e perigoso de aplicar venenos nas árvo-res. Em Felixlândia, meninas são contratadas por grandes empresas parao serviço. São as "meninas-formicida". Os patrões preferem as meninasporque são mais pacientes que os rapazes para localizar e botar o venenonos formigueiros.

EsgotosAté o final da década passada, 95% dos municípios situados às mar-

gens do rio lançavam nele seus esgotos urbanos. Despejam no São Fran-cisco desde metais pesados até bactérias patógenas. A grande Belo Hori-zonte, por exemplo, despeja seus esgotos em afluentes do São Francisco.

O processo é grotesco. É cada um por si. Um município pega água dorio e despeja nela seus esgotos. O que vem abaixo, pega essa água suja,trata, e também despeja os esgotos,...

IndústriaEm geral, as indústrias situadas as margens do São Francisco jogam

seus rejeitos sem o devido tratamento. Só a pressão da comunidade localfez com que algumas assumissem algum controle.

Ainda hoje se despeja no Velho Chico substâncias perigosas: resíduosquímicos de toda espécie, incluindo os letais ao ser humano.

IrrigaçãoEm Minas Gerais os rios Verde Grande e Gorotuba, afluentes do São

Francisco, secaram devido ao exagero no uso da irrigação. O Salitre, naBahia, que já provocou até mortes por conta da irrigação, praticamentesecou, hoje é um fio de água suja, um esgotofedorento.

O Velho Chico já chegou ao seu limite de o-ferta de água. E mesmo assim proliferam ospivôs de irrigação, os projetos se ampliam, ascidades continuam absorvendo cada vez maiságua dele. Não há um planejamento adequado,um gerenciamento único para as águas.

A possibilidade de privatizar as hidrelétricasao longo do seu curso aumenta mais ainda a possibilidade de caos numfuturo breve. Privatizando as barragens suas águas serão privatizadastambém. Uma amostra do que pode ocorrer veio com o apagão nacional(em 2001): para manter o mínimo de oferta de energia, as águas do riobaixaram a um nível nunca visto antes.

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ErosãoA agricultura, feita de modo intensivo e sem respeitar o meio ambien-

te, tem alimentado o processo de erosão em todo vale do São Francisco.As erosões são visíveis às margens do rio e também nos leitos de riachose córregos que lhe dão acesso. Não há controle sobre o fenômeno.

AssoreamentoA atividade agrícola permanente às margens do São Francisco, que

perdeu suas matas ciliares há muito tempo, faz com que toneladas deterra sejam diariamente despejadas sobre o seu leito. Com o tempo sur-gem novos bancos de terra, o rio se espalha e, por fim, como já aconteceem algumas regiões, vai se acabando. Estima-se que 30 toneladas de solocaem diariamente na represa de Sobradinho. Num futuro breve, a produ-ção de energia será inviabilizada.

"Quando eu vim do sertão, seu moço, do meu Bodocó / Amalota era um saco e o cadeado era um nó / Só trazia a cora-gem e a cara / Viajando num pau-de-ara / Eu penei, mas a-

qui cheguei"(Guio de Moraes - Luiz Gonzaga "Pau-de-arara")

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AASS BBAARRRRAAGGEENNSSs águas desciam soltas. Mas aí resolveram prendê-las embarragens para que gerassem energia. Para uns poucos.Porque no Nordeste um quarto da população ainda não temenergia elétrica.

Fizeram as barragens e mandaram o povo sumir.Ao longo do Rio São Francisco foram construídas seis

barragens: Sobradinho, Itaparica, Moxotó, Paulo Afonso I, II e III, PauloAfonso IV e Xingó.

Barragem Localização Área máx.inundada(em Km2)

potênciainstalada(em MW)

Inícioda

cons-trução

início en-chimentodo lago

entradaem ope-

ração

Sobradi-nho

40 Km, a mon-tante de Juazeiro

e Petrolina

4.226 1.050 1973 1977 1979

Itaparica 30 Km a jusantede Petrolândia

(PE)

834 2.500 1979 1988 1988

Moxotó Paulo Afonso(BA)

90 440 1970 1977

PauloAfonso I

Paulo Afonso(BA)

4,8 (PA I,II e III)

180 1948 1955

PauloAfonso II

Paulo Afonso(BA)

... 480 1955 1961

PauloAfonsoIII

Paulo Afonso(BA)

... 864 1967 1971

PauloAfonso IV

Paulo Afonso(BA)

14,6 2.460 1975 1979

Xingó A 179 Km da fozdo rio

60 3.000 1987 1994 1994

"O homem chega, já desfaz a natureza, tira gente põe represa, diz quetudo vai mudar". (Sá e Guarabira). E muda para pior.

A construção de barragens no Brasil, de acordo com o Movimento dosAtingidos por Barragens (MAB), já expulsou 1 milhão de pessoas de suasterras. A prática governamental inclui a entrega das margens do lago aosapadrinhados e a expulsão dos ribeirinhos.

Eis principais os impactos causados pelas barragens:Meio físico- Modificações climáticas

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- Sismicidade (tremores deterra) induzida

- Inundação de jazidas mine-rais

- Inundação de áreas férteis- Modificação no uso do solo- Processo erosivo das mar-

gens- Alteração na qualidade da

água- Eutrofização (quantidade

excessiva de oxigênio na água)- Inundação de áreas com

plantas nativas ou agricultura

Meio biótico- Desaparecimento de espécies endêmicas (as que só existem na-

quele lugar) ou ameaçadas de extinção.- Proliferação de plantas aquáticas- Interrupção na migração de peixes- Alterações na composição da fauna aquática

Meio antrópico (humano)- Transferência compulsória de populações- Modificação nas atividades sócio-econômicas- Modificação na infraestrutura regional- Disseminação de moléstias endêmicas- Perda do patrimônio cultural, histórico, arqueológico e paisagístico.- Modificação nas condições de navegabilidade.

A expulsão de famílias de uma determinada região representa umatragédia pessoal e social. Mesmo quando se oferece casa nova, terrenonovo, cidade nova (o que rarissimamente ocorreu até hoje), a mudançanão deixa de ser trágica.

Isto porque as pessoas estão ligadas à sua terra. É uma relação afeti-va, pessoal, que não tem preço. Muitas gerações estavam ali, naquelabeira de rio, ou mesmo naquela cidade antiga, e agora a mulher, o mari-do, os avós, são obrigados a abandonarem por causa de uma inundaçãoartificial.

Ao longo do tempo as pessoas construíram uma relação ecológica como rio. Dele tiram o alimento, usam-no para se banhar, lavar roupa, fazercomida e para irrigar a plantação. Os mais velhos conhecem as manhas do

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São Francisco: quando é dia de peixe e quando não é; a hora e o lugar deatravessá-lo no barco; onde está cada pedra, cada barranco.

Com a inundação tudo isso é jogado fora. Essa relação - feita de co-nhecimento e carinho - não conta.

A construção das barragens foi feita pela empresa estatal, Chesf(Companhia Hidrelétrica do São Francisco). O tratamento da Chesf às po-pulações ribeirinhas no processo de remanejamento devido às inundaçõestem sido atabalhoado, complicado e suspeito. Ela fez o caos na região.

Os quadros abaixo mostram cada barragem e as populações afetadascom as construções:

SobradinhoOrigem Famílias

atingidasPercen-

tualÁrea RuralJuazeiro 223 2,8Sento-sé 3.597 45,2Xique-xique 86 1Casa Nova 2.847 35,9Remanso 1.200 15,1TOTAL 7.953Área urbanaSento-sé 291 8,9Casa Nova 632 19,5Remanso 1.983 61,3Pilão Arcado 328 10,3TOTAL 3.234

Itaparica Zona ruralEsta-do

Município Famíliasatingidas

Per-cen-tual

PE 4.491 67,8Belém de S.

Francisco959 14,5

Floresta 757 11,4Itacuruba 1.015 15,3

Petrolândia 1.760 26,6BA 2.1312 32,2

Abaré/Curaçá

170 2,6

Chorrochó 309 4,7Glória 530 8

Rodelas 1.123 16,9TOTAL 6.623

MoxotóOrigem Famílias

atingidas% da

popula-ção

atingida

Glória (BA) 563 56 %Petrolândia (PE) 231 23 %Delmiro Gouveia (BA) 178 17,6 %Paulo Afonso (BA) 35 3,4 %TOTAL 1.007

Itaparica Zona urbanaUF Muni-

cípioFamíliasatingidas

%

PE 3.965 78,3Petro-lândia

3.432 68

Itacu-ruba

533 10,5

BA 1.095 21,7Rode-

las739 14,5

B. doTarra-

chil

356 7

TOTAL 5.060

Número de pes-soas atingidascom a construçãoda barragem:56 mil.

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No caso de Sobradinho, o reassentamento das famílias foi feito sem omínimo cuidado. Foi tudo imposto.

Com Itaparica foi diferente. O povo da região tinha aprendido com So-bradinho e não permitiu que a história se repetisse. Os sindicatos e outrasentidades se uniram em torno do Pólo Sindical do Submédio São Franciscoe estabeleceram uma mobilização que implicou no atendimento de grandeparte de suas reivindicações.

Como a empresa se recusava a atender as reivindicações, em dezem-bro 1986 os agricultores ocuparam o canteiro e paralisaram as obras deItaparica. Na ocasião foi estabelecido um acordo para a instalação da in-fra-estrutura básica para os projetos de assentados.

E há o exemplo dos índios Tuxá. Eles foram expulsos de Rodelas com aconstrução da barragem de Itaparica pela CHESF. Hoje vivem na periferiada cidade, com um salário pago pela própria CHESF. Há mais de 20 anos,quando começou a construção da barragem de Itaparica, a empresa pro-meteu assentá-los em um novo lugar, mas não o fez. Pior, ainda dividiuessa gente: parte do povo Tuxá foi instalado em Ibotirama, há 500 quilô-metros de Rodelas, local em que ficaram o outros. Por conta de tais ações,o povo Tuxá corre o risco de desaparecer. Já se percebe nos jovens umdistanciamento dos laços com a cultura Tuxá.

Os vários projetos de assentamento não andam. A infraestrutura pro-metida em acordo não foi implantada em boa parte deles. Desconfiandoque teria havido desvio de recursos do Banco Mundial para o projeto, oPólo solicitou do banco a instalação de uma auditoria. Mas aí o GovernoFHC interviu e o caso foi abafado.

Tentou-se privatizar a Chesf e utilizar o dinheiro da venda para criarum novo problema: a transposição do São Francisco.

"Nós vamo a São Palo, que a coisa tá feia / Por terras alêia nós vamo vagá / Se onosso destino não fô tão misquinho / Pro mermo cantinho nós torna a vortá.

(Patativa do Assaré, "A triste partida")

A ÁGUA NO MUNDO

A Terra possui 1,36 bilhão de metros cúbicos de água, dos quais97,2% são salgadas e 2,8% são doces, sendo deste total de água doce 2,15%em geleiras e 0,65% disponíveis como águas subterrâneas.

O Brasil dispõe de 16% do total da água doce disponível no mundo.

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AA TTRRAANNSSPPOOSSIIÇÇÃÃOO

retende o Governo Lula captar as águas do São Fran-cisco e levar para outras regiões. Antes, no Governo FHC,era apenas uma transposição. Agora são sete! Dois sis-temas independentes, denominados EIXO NORTE e EIXOLESTE, captarão água no rio São Francisco entre as bar-ragens de Sobradinho e Itaparica. Elas seriam levadaspara beneficiar bacias hidrográficas no Ceará, Paraíba,Rio Grande do Norte e Pernambuco, através de uma rede

de canais, estações de bombeamento de água, pequenos reservatórios eusinas hidrelétricas para auto-suprimento.

As águas iriam para outros rios e para os açudes, de onde seriam dis-tribuídas para o abastecimento da população. Essa obra faraônica devecustar US$ 6,5 bilhões; isto é, mais de R$ 20 bilhões de reais. Só em le-vantamento cartográfico e ações similares, já foram gastos mais de R$ 36milhões. Em 2004 o Governo Lula pagou R$ 1 milhão a um consórcio deempresas privadas (Ecology Brasil/Agrar) para realizar os estudos prelimi-nares de viabilidade. Transposição, como se percebe, já é um bom negóciopara uns.

Mas o projeto não tem cabimento."Neste contexto de abundância de ó-

timas áreas com potencial de irrigação,pensar em conduzir suas águas atravésde extensos e quilométricos canais é,para ser delicado, uma grande estultice".(...) "Temos em nosso poder algunsdocumentos que atestam tecnicamente ainviabilidade da transposição. Um delesfoi elaborado pela Gerência da Divisãode Planejamento da Geração Elétrica, daCompanhia de Eletricidade da Bahia-COELBA. Nele, há uma perspectiva de redu-ção significativa da oferta de energia elétri-ca nas Regiões Norte e Nordeste do Brasil,caso se concretize a transposição." (JoãoSuassuna, Fundação Joaquim Nabuco).

Outro técnico, Manoel Bonfim, da Comissão Executiva de Estudos Inte-grados do Vale do São Francisco (Ceeivasf), afirma que a solução para aquestão das águas está no subsolo, onde se encontram 20 bilhões de me-tros cúbicos de água.

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A questão ambiental do rio São Francisco está complicada: margensdevastadas, despejos de agrotóxicos, assoreamento, lixo industrial e ur-bano,... Quando se resolverá isto?

Indaga-se também, quem operará a distribuição da água? A questãofundiária, será resolvida ou agravada no trajeto?

Infelizmente os técnicos do Governo não estão considerando o conhe-cimento adquirido pelo nordestino em sua convivência com a seca. Sãoséculos de conhecimento sobre o meio ambiente, de como viver e sobrevi-ver na caatinga, encontrando soluções a partir do cotidiano, que não estãosendo relevadas. O presidente deveria ter humildade e ouvir os da regiãoantes de promover esta empreitada.

As experiências regionais mostram que, antes de fazer a transposiçãode um rio, deveria ser desencadeado um grande projeto de localização,armazenamento e conservação da água existente, utilizando a tecnologiadesenvolvida na região. É o caso, por exemplo, das barragens subterrâ-neas, cisternas, recuperação de mananciais.

O fundamental é perceber que a seca é parte da história ambiental esocial do povo da região. Não se combate a seca mas se minimiza seusefeitos.

Os opositores à transposição têm várias críticas ao projeto, mas umaem especial se destaca: o rio São Francisco vai muito mal de saúde. Antesde partir para um projeto desse nível, para evitar uma catástrofe maior, ogoverno deveria investir num projeto de revitalização. Recursos estãosendo alocados para uma “revitalização” feita às pressas, em benefício doprojeto de transposição.

O apagão fez o Governo anterior arquivar o projeto. Mas, infelizmente,volta aos planos do atual Governo que, sem avaliar a realidade, quer im-por esse projeto. Nossa expectativa é de que, antes de tentar implementaro projeto, se conheça as alternativas possíveis para combater os efeitos daseca, priorizando aquelas que são mais viáveis. E que, antes que ocorraum desastre sócio-ambiental, seja feito um grande debate nacional.

"Desde que no Alto Sertão um rio seca / a vegetação em volta, embora de u-nhas / embora sabres, intratável, agressiva / faz alto à beira daquele leito tumba /

faz alto à agressão nata: jamais ocupa / o rio de osso areia, de areia múmia"(João Cabral de Melo Netto, "Na morte dos rios")

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PRONUNCIAMENTO DO DEPUTADO EDSON DUARTEem 22 de agosto de 2003

O SR. EDSON DUARTE (PV-BA),Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,

Venho a esta tribuna nesta manhã para dedicar o meu pronunciamen-to ao rio São Francisco, ao nosso querido Velho Chico.

A transposição do rio São Francisco1 é assunto que sempre volta àbaila. E eu não poderia, diante dessa nova discussão, deixar de me pronun-ciar sobre esse tema, já que sou oriundo da bacia do Rio São Francisco,mais especificamente das barrancas do rio. Nasci e fui criado às margensdo Velho Chico, tomando banho naquele rio e assistindo à sua lenta agonia,pois ele padece com tanta degradação e falta de cuidados.

Para me referir à transposição de águas, preciso falar sobre o rio SãoFrancisco, patrimônio fantástico dos brasileiros.

Por dádiva divina, o rio que nasce no coração do Brasil, na Serra daCanastra, em Minas Gerais, faz um longo percurso em busca do oceano, doencontro das águas salgadas, destino natural dos rios. O rio São Franciscopoderia até percorrer caminho mais curto, mas resolveu fazer o percursomais longo e cortar todo o semi-árido, a região mais seca do Brasil, levandoágua para quem está com sede e possibilitando a produção de alimentospara os que passam fome.

Esse rio foi descoberto no dia 4 de outubro, data de São Francisco deAssis. Por conta disso foi batizado com seu nome, e por ter o rio históriaparecida com a do próprio santo, que larga sua base próspera, rica, para sededicar aos mais pobres e mais carentes.

O rio São Francisco banha 503 Municípios, e sua bacia se estendepor 640 mil quilômetros quadrados. Trata-se de extraordinária bacia hidro-gráfica, uma das maiores e mais importantes do mundo, não só pelo tama-nho, mas também pelo local em que está inserida num país subdesenvolvi-do - região extremamente pobre, com pluviosidade tão baixa e que apresen-ta desigualdades tão fortes. A civilização são-franciscana foi lá estabelecida,por conta do rio São Francisco.

Hoje são 15 milhões de pessoas, 15 milhões de almas, 15 milhões deviventes que precisam desse rio e precisam do desenvolvimento da bacia do

1 Inicialmente o Vice-presidente da República, José Alencar, foi designado pelo pre-sidente Lula, como responsável pelo projeto da Transposição. Posteriormente, ele foisubstituído pelo ministro da Integração nacional, Ciro Gomes.

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rio São Francisco para continuar vivendo, para continuar alimentando espe-ranças, para criar os seus filhos, para produzir e fazer com que a vasta erica cultura do Vale do São Francisco seja também uma vasta e rica situa-ção social e econômica.

Mas essa não é a realidade. As pessoas que moram às margens oupróximas ao rio são tão ou mais pobres do que aquelas que moram no inte-rior do semi-árido. Isso mostra que água não tem sido a única solução. Detal forma que se desmonta o discurso de que a solução no Nordeste passaúnica e exclusivamente pelo acesso à água. É o bem mais importante eestratégico, mas não é o único. É preciso uma série de medidas, que nãoforam tomadas até então, a fim de que a água, fator primordial, principal,seja a base, o alicerce para a construção de uma vida melhor.

Surge a idéia da transposição das águas do rio São Francisco e, no-vamente em pauta, pregam que ela deve ser feita, porque semelhantestransposições foram realizadas com sucesso em outras bacias hidrográficasno mundo. No entanto, é importante lembrar que essas transposições foramfeitas em locais onde havia água, mas não havia solo apropriado para aprodução.

A transposição de águas deve ser feita para atingir solos agricultáveise, portanto, permitir a realização da agricultura para a produção de alimen-tos, para gerar renda, divisas, trabalho, tão importante em todos os cantosdo mundo. Mas esse não é o caso da transposição do São Francisco. Só oVale do São Francisco tem 35 milhões de hectares próprios para a agricultu-ra que ainda não foram utilizados.

No Vale do rio São Francisco há 8 milhões de hectares que não foramirrigados por falta de recursos. Como se deve justificar, então, o fato de selevar água e irrigar a 500 quilômetros, quando isso não é feito nem a 500metros do rio? E onde se levou água para os agricultores, a maioria deles,por conta de uma série de fatores, está inadimplente, porque não conseguepagar sequer o bombeamento da água. Portanto, qual é o interesse? É pro-duzir alimentos ou estabelecer uma disputa regional, provinciana e injustifi-cável, se o argumento é do ponto de vista econômico?

Concedo com muito prazer aparte ao Deputado Luiz Carreira, que foidurante muitos anos Secretário de Planejamento da Bahia. S.Exa. é umambientalista e tem atuado nas questões de desenvolvimento e sustentabili-dade.

Deputado Luiz Carreira – Meus agradecimentos ao nobre DeputadoEdson Duarte, meu amigo e um baiano verdadeiramente lutador pelas cau-sas do rio São Francisco. Com toda convicção, V.Exa. é um dos Deputadosque reúne as melhores condições para explicitar essas questões de forma

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bem clara e construtiva, como V.Exa. está fazendo nesta manhã de sexta-feira na Câmara dos Deputados. V.Exa. fez referência nesta semana à idado Vice-Presidente da República, José Alencar, à Bahia. S.Exa. foi recebidocom a tradicional cordialidade dos baianos em evento realizado na sede doDesenbanco, que contou com a presença do Governador Paulo Souto, doSenador Antonio Carlos Magalhães e de diversas lideranças, inclusive doPartido dos Trabalhadores, como o Líder Nelson Pellegrino, de V.Exa. e deoutros.

Naquela oportunidade, foi possível dar início a uma nova discussãosobre esse projeto. Lembro-me bem de que, na qualidade de Secretário dePlanejamento do Governo da Bahia durante os 8 anos passados, estiveinúmeras vezes - não diria uma centena, mas pelo menos algumas dezenasde vezes - no Ministério do Meio Ambiente, no Ministério da Integração Re-gional, no Ministério dos Transportes, lutando para que fossem iniciados osestudos, os projetos e as obras para a revitalização do rio São Francisco.

Quero deixar claro, e creio que também seja esta a opinião de V.Exa.,que nós, baianos, não apresentamos qualquer óbice a se levar água para osnordestinos que mais precisam. Nunca lutamos contra isso. Estamos sem-pre chamando a atenção sobre a magnitude do projeto e quanto à necessi-dade de se fazer os estudos e projetos executivos adequados, além de sediscutir amplamente com a sociedade. Após tudo isso, se viável for e se oGoverno Federal dispuser de recursos, poderá fazê-lo. O que me causaespécie, mais uma vez, é que, diante de todos os nossos reclamos, inclusi-ve para o saneamento ambiental dos mais de 500 municípios que integrama Bacia, não pedimos só para a Bahia, mas também para Minas e outrosEstados. Isso é uma coisa relativamente simples e pequena que já poderiater sido feita ao longo desses 8 anos, e aqui não culpo apenas o Governo doPresidente Luiz Inácio Lula da Silva, estou preocupado apenas com a reto-mada do projeto nas mesmas bases anteriores, mas nada de novo foi a-crescido até agora que justificasse a sua retomada. Esses investimentos jápoderiam ter sido feitos. Lembro, por exemplo, que foram cortados do Or-çamento, por diversas vezes, até recursos que já estavam alocados para arevitalização da Bacia do São Francisco nos programas de saneamento, aexemplo de Sobradinho, Casa Nova, que sofreram cortes orçamentário e,portanto, tiveram seu sistemas de esgotamento sanitário inviabilizados. Anossa preocupação é no sentido de que esse projeto seja retomado, mas,infelizmente, apesar de toda a boa vontade do Governo da Bahia, que re-cepcionou muito bem o Vice-Presidente, acabaram surgindo alguns cons-trangimentos durante a reunião, exatamente porque o projeto talvez tenhasido passado tecnicamente a S.Exa. como um produto acabado, o que efeti-vamente não existe, e V.Exa. tem apontado isso aqui com muita precisão.

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Todos nós estamos imbuídos do firme propósito de contribuir para a soluçãodefinitiva da questão da água em todo o Nordeste, sobretudo naqueles Es-tados que mais precisam, a exemplo do Ceará, da Paraíba, que realmentetêm déficits enormes. Estaremos lutando juntos e precisamos, antes de maisnada, promover a revitalização urgente do rio, que está morrendo. Temosresponsabilidade sobre ele. Muito obrigado pelo aparte, nobre Deputado,continuarei atento à sua brilhante apresentação.

O SR. EDSON DUARTE – Agradeço ao nobre Deputado o aparte e oincorporo ao meu pronunciamento.

Destaco alguns pontos no aparte de V.Exa. Primeiro, a visita do Vice-Presidente da República, José Alencar, à Bahia e aos Estados que têm re-lação direta com a Bacia do Rio São Francisco.

Mas aponto o equívoco, já levantado pelo Deputado Luiz Carreira,que estão novamente cometendo. Infelizmente o Governo que apoio volta arepetir o mesmo erro de outros Presidentes. É importante lembrar que esseprojeto tem 150 anos e nunca foi viabilizado. Coincidentemente, na maioriadas vezes, voltou à tona em momentos eleitorais, invertendo a ordem.

O que o Presidente Lula, por intermédio do Vice-Presidente, deveriater feito era primeiro determinar estudos que envolvesse todos os técnicos,ouvisse todas as opiniões, mobilizasse a sociedade, as instituições científi-cas, as universidades, o movimento ambientalista, os pescadores, os indí-genas, que envolvesse a todos, inclusive aqueles que passam sede emtodas as partes do Nordeste, as autoridades políticas, esta Casa, para, ten-do então certeza de que o projeto é viável, aí, sim, fazer articulação política.

Mas inverteram a ordem, primeiro estão fazendo articulação em bus-ca de sustentação política para depois realizar os estudos. É importantelembrar que no final do Governo Fernando Henrique Cardoso uma ação naJustiça impediu que o projeto tivesse andamento, ao suspender as audiên-cias públicas. O Deputado Luiz Carreira teve participação direta nesse mo-vimento nacional. Questão básica estabelecida na Constituição Federal, art.225, em resolução do CONAMA, definida de forma muito clara na lei queinstituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, obriga a realização de estu-dos de impacto ambiental. E, pasmem V.Exas., para um projeto dessa en-vergadura não foi realizado estudo de impacto ambiental. Não conhecem aBacia do Rio São Francisco, não sabem a capacidade desse rio para ofertaras águas previstas nos projetos já existentes e nos programados.

E como tocar esse projeto colocando o Vice-Presidente em situaçãoconstrangedora, Deputado Luiz Carreira? Que situação difícil para o Vice-Presidente da República, que está peregrinando pelo Nordeste em busca deapoio para um projeto que não tem sustentação técnica porque os estudos

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não foram feitos. E se tentarem tocar o projeto novamente, já há jurispru-dência, a Justiça deve impedir mais uma vez. Que situação difícil! Que situ-ação a do Vice-presidente da República e sua equipe.

Faço este alerta até porque não somos contra a transposição pelatransposição, como disse o Deputado Luiz Carreira. Quero que provem queo projeto é viável, e então seremos defensores do projeto. Voltarei a estatribuna - digo publicamente - para defendê-lo. Mas quero que provem que éviável, que essa é a melhor proposta para se combater os efeitos da seca,porque outros estudos a que tive acesso mostram a possibilidade de seabastecer as comunidades atingidas pela seca por diversas formas quenão a transposição, que é uma proposta cara. O Governo não responde enenhum outro conseguiu responder quem pagará a conta para transporessa água, que tem um custo alto.

Ouço com prazer o nobre Deputado Luiz Carreira.

Deputado. Luiz Carreira – Quero falar exatamente sobre essa ques-tão dos recursos. Foi dito que o projeto, incluindo as 7 transposições, comoV.Exa. bem frisou, está orçado em torno de 6, 5 bilhões de dólares. Ora,quando vemos que dos 14 bilhões de reais deste ano do Orçamento daUnião apenas 4 bilhões de reais serão gastos em investimento, fico a meperguntar de onde virá esse dinheiro efetivamente? Do Banco Mundial nãoacredito que venha porque sem estudo ambiental adequado nenhum bancointernacional vai financiar referido projeto. O interessante é que se explicitebem claramente quais são as obras que vão ser prejudicadas, por conta deum nova obra que sequer tem projeto concluído. Cito, por exemplo, umprojeto que V.Exa. conhece muito bem, o PRO-ÁGUA, que está paralisado.São cerca de 15 obras paralisadas, sendo 8 licitadas aguardando recursos.Mas de repente surge a possibilidade de se começar um projeto dessamagnitude.

O SR. EDSON DUARTE - Isso é verdade e bem lembrado. Há contin-genciamento de recursos no Brasil. Há obras iniciadas que estão paradas.Como justificar 6,5 bilhões de dólares para um projeto que não tem nemsustentação técnica? Um projeto que, segundo o Vice-Presidente, não éprojeto, mas uma idéia que já está no PPA. Os projetos que estão prontosnão estão; e os que não estão prontos estão. Não estou conseguindo com-preender, quero que me expliquem. Como estamos tratando da transposi-ção do Rio para atender a diversos Estados do Nordeste, é preciso que issofique claro. Apresentaram, na verdade, não uma proposta de transposição; oVice-Presidente está apresentando uma nova proposta, como frisou o Depu-tado Luiz Carreira, com sete transposições, ou seja, mais seis novas pro-

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postas para atender aos Estados de Minas, Bahia e Sergipe. Quero aquideixar minha opinião clara sobre essas propostas. Se houver estudo quecomprove a viabilidade econômica, social e ambiental desses empreendi-mentos eles devem ser feitos. E vou cobrar. Mas não podem, e não voupermitir, que sejam utilizados como moeda de troca. Na Bahia, pelo menosda minha parte, não estamos participando da discussão da transposiçãovisando a esse ou àquele projeto. O Rio São Francisco não está a leilão. Enão vamos aceitar que o Rio São Francisco seja leiloado. Se os projetospropostos para beneficiar o Estado da Bahia são viáveis, eles precisam serfeitos independente da transposição.

Da mesma forma não podemos permitir que a revitalização estejacondicionada à transposição. É preciso revitalizar urgentemente o Rio SãoFrancisco, coisa que nunca fizeram. Muito discurso, mas pouca ação práti-ca. O Governo apresenta proposta de revitalização do Rio, mas não dispõede recursos para contratar fiscais do IBAMA e não existe fiscalização, por-que não há dinheiro. Como revitalizar se nem a fiscalização conseguemfazer? Destinam 1 bilhão de dólares para a revitalização, mas é muito pou-co. São necessários 10 bilhões, no mínimo, para um projeto que precisa seriniciado urgentemente, sob pena de perdermos o Rio São Francisco, comoestamos perdendo. O rio está morrendo. Falo isso, porque nasci e me crieiàs margens do rio, na minha querida Juazeiro, próximo ao Angary. Sobre-voar o rio é chocante porque percebemos que a terra do seu fundo está nalâmina da água, os peixes estão desaparecendo e há poluição. Só restam5% de matas ciliares. Quase todos os rios contribuintes, secundários e aflu-entes do São Francisco estão morrendo, e alguns já morreram. Precisamosver o Rio São Francisco com outros olhos. O Rio São Francisco precisa serenvolvido como um todo.

Dessa forma, precisamos valorizar o Comitê de Bacia Hidrográficaque pouca importância tem tido nas discussões sobre este rio. Precisamosestabelecer um plano de desenvolvimento sustentável para a bacia do RioSão Francisco. Precisamos estudar esse rio e todas as formas e possibili-dades de combater o terrível flagelo da seca que ainda continua vitimandoculturas, matando animais, levando tantas pessoas ao sofrimento, provo-cando o êxodo que causa tantos danos à vida nas cidades, gerando umasérie de conseqüências sociais. Precisamos combater o flagelo e a desi-gualdade no semi-árido de forma responsável e coerente. No Brasil de hojenão podemos mais errar com um projeto deste tamanho.

Querem transpor o Rio São Francisco para 500 quilômetros. Fizeramuma transposição de 500 metros do Rio São Francisco para o Rio Salitre. Oprojeto está parado e inviável, porque o Governo Federal diz que não temcondições de pagar a conta da transposição. O Governo Estadual diz que

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não foi ele que fez, portanto, não é sua responsabilidade. A Prefeitura nãotem condições de bancá-la; os agricultores também não; as barragens su-cessivas do projeto salitre estão paradas.

Como justificar projeto dessa envergadura? Quero que provem, por-que não há recurso para brincarmos mais neste País. Chega de transama-zônica, de Programa Nuclear Brasileiro. Gasta-se tanto, mas não há dinhei-ro para projetos viáveis, que custam pouco. Não há 10 mil reais para umpoço artesiano. Há pouco dinheiro para um Programa de Cisternas, defen-dido por este Governo, que está precisando de suporte financeiro. Em mui-tos lugares do mundo, inclusive no Brasil, vencemos as dificuldades do se-mi-árido com projetos localizados, viáveis, sustentáveis e que garantirammudança na qualidade de vida das pessoas. Tenho medo de que a transpo-sição seja motivo para alguém usar a fome, a pobreza, a sede da popula-ção, e diga que vai acabar com a sede do Nordeste. E, amanhã, não terácondições de operacionalizar o projeto implantado de 6,5 bilhões, pois serámais uma das grande ilusões das quais o povo brasileiro já está cansado.

De tal forma, que vou continuando o debate. Por isso, venho a estatribuna. O Presidente Lula é um nordestino sensível e tem bons represen-tantes no Ministério, como a Ministra Marina, que precisa ser ouvida nesteGoverno pela sua competência, pela sua capacidade extraordinária. O Go-verno precisa abrir a discussão.

Na Bahia, algumas informações técnicas foram apresentadas ao Vice-Presidente, que ficou chocado ao ver os dados sobre a sede, da necessida-de de abastecimento hídrico do povo do semi-árido e o volume de água hojeexistente na região sem utilização.

Sr. Presidente, precisamos de água, mas também de uma política dedesenvolvimento que inclua esse povo marginalizado. Chega de megaproje-tos, essa mania de grandeza que temos no Brasil, como se essas grandesobras fossem a solução final para todos os dramas do País.

Temos assistido o que esses grandes projetos têm feito nas contaspúblicas, alimentando a corrupção. É importante que se diga isso. Há con-centração de riquezas, quando, na verdade, precisamos de pouco dinheiropara projetos sustentáveis, se parassem para ouvir a comunidade local.Pergunte àquela comunidade o que ela precisa. Pergunte qual seria a solu-ção. Com muito pouco, estaríamos resolvendo tantos problemas de tantascomunidades.

Temos de continuar esse debate sobre a situação de pobreza do Se-mi-Árido.

Digo isso porque, embora eu tenha nascido nas margens do rio SãoFrancisco, meu pai e minha mãe foram criados na caatinga, onde estão atéhoje meus tios e meus parentes, que são pequenos proprietários rurais,

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criadores de bode, de caprinos. Conheço o drama da seca. Portanto, possofalar com toda a segurança e com a leveza da minha alma, porque sei o queé o sofrimento da seca dos meus parentes, dos meus conterrâneos e dosmeus contemporâneos. Salvem o rio São Francisco e salvem o povo doNordeste.

“Oh que saudadeDo luar da minha terra

Lá na serra branqueandoFolhas secas pelo chão

Esse luar cá da cidade tão escuroNão tem aquela saudade

Do luar lá do sertão”(Catulo da paixão cearense, “Luar do sertão)

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Bibliografia

Revista do Sindicato dos Engenheiros do Estado de Pernambuco - 2000Oficina do São Francisco - várias entidades/ OxfamSactes/ Sociedade

Nordestina de Ecologia (SNE) – 1992Manifesto da CáritasManifesto dos alunos do Colégio São Paulo (Salvador)Nota Técnica do Partido dos Trabalhadores sobre o projeto de Transposi-

ção do rio São Francisco - Titan de Lima e Alexandra Reschke, 2001Transposição do rio São Francisco - artigo de Clóvis CavalcantiTransposição do rio São Francisco - Vera Schumann "A tarde", 1998Nordeste - Infraestrutura - Cadernos 211 - Memélia Moreira - agosto/1999Os jovens e o submédio São Francisco - Koinonia/Pólo Sindical do Sub-

médio São Francisco - 1998Rio São Francisco - Uma caminhada entre a vida e a morte - Frei Luiz

Flávio Cappio, Adriano Martins, Renato Kirchner - Ed. Vozes, 1995História dos índios do Brasil - Organização Manuela carneiro da Cunha,

Ed. Companhia das Letras, 1998Rio São Francisco: www.rio.saofrancisco.nom.br

PPaarraa ssoolliicciittaarr mmaaiiss eexxeemmppllaarreess ddeessttaa ccaarrttiillhhaa,, tteelleeffoonnee oouu eessccrreevvaa ppaarraa::DDEEPPUUTTAADDOO EEDDSSOONN DDUUAARRTTEE ((PPVV--BBAA))

Brasília/DFCâmara dos Deputados, Anexo IV - Gab 535 CEP 70160-900 Fone: 61-215 5535

Fax: 61-215 [email protected]

Contatos na Bahia:Salvador: (71) 3491 4238 (PV)

Juazeiro: (74) 3612 5923 (PV)

WWW.partidoverde.org

Para saber mais sobre o Rio São Francisco visite o sítio:www.rio.saofrancisco.nom.br

Vale do RioSão Francisco

RIO SÃO FRANCISCO - DOSSIÊ 500 ANOS é uma publicação dogabinete do Deputado Edson Duarte

Pesquisa de texto, diagramação e redação: Dioclécio LuzProibida a venda

Vale do S. Francisco

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Baiano de Juazeiro, cidade localizada na margem di-reita do Rio São Francisco, Edson Gonçalves Duarte, é

filiado ao Partido verde desde 1993.Nascido em 1965, Edson tem formação como técnico em agropecuária e

Pedagogia (UCSAL). É pai de dois filhos: Iasmin e Kira e casado com TatianeDuarte.

Edson começou a sua vida nos movimentos da Igreja Católica, liderandogrupos de jovens. Participou da fundação dos grêmios estudantis, CentrosAcadêmicos e Grupos ecológicos, com destaque para o GEMA e a AssociaçãoPra Barca Andar. Desenvolveu atividades com cooperativas e associações,trabalhando no desenvolvimento rural integrado e participativo. Atuou noIBAMA onde desenvolveu experiência em Educação ambiental e é conselheirode diversas entidades ambientalistas da Bahia. Foi membro da Anistia Inter-nacional na luta pelos direitos humanos e atuou em várias campanhas de soli-dariedade.

Foi vereador em Juazeiro e, por duas vezes, elegeu-se deputado estadu-al, quando foi líder do Bloco de Oposição. Hoje é deputado federal, Líder doPV na Câmara Federal, presidente do PV da Bahia, e integra a Direção Nacio-nal do Partido.

Edson Duarte integra a Comissão de Meio Ambiente e DesenvolvimentoSustentável; Comissão de Direitos Humanos e Minorias; Comissão da Amazô-nia e de Desenvolvimento Regional; Comissão Especial Reforma Tributária;Comissão de Segurança Pública e combate ao crime organizado, violência enarcotráfico; Comissão de Orçamento e da Comissão Especial de Integraçãoe Revitalização de Bacias Hidrográficas; CPI da biopirataria. Integra aindadiversas Frentes Parlamentares, a exemplo da Indígena, e a de Defesa dosAtingidos por Barragens, onde é coordenador, e de Desenvolvimento susten-tável, onde atua como secretário. Edson Duarte coordena o Grupo de Traba-lho que atua no combate à Desertificação e o GT que trata da fiscalizaçãonuclear.

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