Divórcio: Causa de cancelamento da permanência de estrangeiro no Brasil?

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DIVÓRCIO: CAUSA DE CANCELAMENTO DO REGISTRO NACIONAL DE ESTRANGEIRO? Av. das Américas, 3500, Bloco 6, Sala 215, Le Monde Office Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, RJ, CEP: 22;640-102 Tel.: (+55) (21) 3495-3185 – [email protected] – www.brazilbs.com Paira, entre a comunidade estrangeira no Brasil e não só, uma ideia generalizada de que o divórcio constitui motivo para o cancelamento do registro nacional de estrangeiro. Estamos evidentemente a falar da situação de casamento entre cidadão brasileiro e pessoa de nacionalidade estrangeira, através do que obteve esta a permanência definitiva no Brasil. Com efeito, estabelece o artigo 4.º da Lei n.º 6.815, de 19/08/1980 – Estatuto do Estrangeiro –, que ao estrangeiro que pretenda entrar no território nacional pode ser concedido visto permanente, tendo este como pressuposto a intenção do mesmo de se fixar definitivamente no Brasil, nos termos do disposto no artigo 16 da mesma Lei. Na esteira da permissão aberta pela mencionada disposição legal, a concessão de visto permanente com fundamento em casamento encontra-se regulamentada pela Resolução Normativa n.º 108, de 12/02/2014, do Conselho Nacional de Imigração, cujo artigo 1.º estabelece que “O Ministério das Relações Exteriores poderá conceder visto temporário ou permanente, a título de reunião familiar, aos dependentes de cidadão brasileiro ou de estrangeiro temporário ou permanente no Brasil”. A concessão de um visto pressupõe que o interessado se encontre no exterior e que o requeira junto de uma repartição consular brasileira, sendo, por outro lado, que, se o mesmo se encontrar no Brasil, poderá requerer a permanência junto do Ministério da Justiça, nos termos do disposto no artigo 9.º da referida Resolução Normativa. Para o que agora releva, consideram-se dependentes, para efeitos de concessão de visto permanente ou de permanência definitiva, de acordo com o artigo 2.º, inciso IV, da RN 108, entre outros, o “cônjuge ou companheiro ou companheira, em união estável, sem distinção de sexo, de cidadão brasileiro ou de estrangeiro temporário ou permanente no Brasil” . Uma vez concedido o visto permanente ou a permanência definitiva, o estrangeiro requer o seu registro junto do Ministério da Justiça, sendo-lhe atribuído um número de identidade, conhecido como RNE – Registro Nacional de Estrangeiro –, e uma carteira de identidade onde tal número fica a constar – Carteira de Identidade de Estrangeiro (artigos 30 e 33 do Estatuto do Estrangeiro). Por seu turno, as hipóteses de cancelamento do registro de estrangeiro encontram-se previstas no artigo 49 do Estatuto do Estrangeiro, sendo de referir que o divórcio não consta no respectivo elenco. Não existe, assim, previsão legal que autorize o cancelamento do registro nacional de estrangeiro por motivo de divórcio, e tampouco alguma que condicione a validade e eficácia do

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DIVÓRCIO: CAUSA DE CANCELAMENTO DO REGISTRO NACIONAL DE ESTRANGEIRO?

Av. das Américas, 3500, Bloco 6, Sala 215, Le Monde Office

Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, RJ, CEP: 22;640-102 Tel.: (+55) (21) 3495-3185 – [email protected] – www.brazilbs.com

Paira, entre a comunidade estrangeira no Brasil e não só, uma ideia generalizada de que o divórcio constitui motivo para o cancelamento do registro nacional de estrangeiro.

Estamos evidentemente a falar da situação de casamento entre cidadão brasileiro e pessoa de

nacionalidade estrangeira, através do que obteve esta a permanência definitiva no Brasil.

Com efeito, estabelece o artigo 4.º da Lei n.º 6.815, de 19/08/1980 – Estatuto do Estrangeiro –,

que ao estrangeiro que pretenda entrar no território nacional pode ser concedido visto

permanente, tendo este como pressuposto a intenção do mesmo de se fixar definitivamente no Brasil, nos termos do disposto no artigo 16 da mesma Lei.

Na esteira da permissão aberta pela mencionada disposição legal, a concessão de visto

permanente com fundamento em casamento encontra-se regulamentada pela Resolução

Normativa n.º 108, de 12/02/2014, do Conselho Nacional de Imigração, cujo artigo 1.º

estabelece que “O Ministério das Relações Exteriores poderá conceder visto temporário ou

permanente, a título de reunião familiar, aos dependentes de cidadão brasileiro ou de estrangeiro temporário ou permanente no Brasil”.

A concessão de um visto pressupõe que o interessado se encontre no exterior e que o requeira

junto de uma repartição consular brasileira, sendo, por outro lado, que, se o mesmo se

encontrar no Brasil, poderá requerer a permanência junto do Ministério da Justiça, nos termos do disposto no artigo 9.º da referida Resolução Normativa.

Para o que agora releva, consideram-se dependentes, para efeitos de concessão de visto

permanente ou de permanência definitiva, de acordo com o artigo 2.º, inciso IV, da RN 108,

entre outros, o “cônjuge ou companheiro ou companheira, em união estável, sem distinção de sexo, de cidadão brasileiro ou de estrangeiro temporário ou permanente no Brasil”.

Uma vez concedido o visto permanente ou a permanência definitiva, o estrangeiro requer o seu

registro junto do Ministério da Justiça, sendo-lhe atribuído um número de identidade,

conhecido como RNE – Registro Nacional de Estrangeiro –, e uma carteira de identidade onde

tal número fica a constar – Carteira de Identidade de Estrangeiro (artigos 30 e 33 do Estatuto do Estrangeiro).

Por seu turno, as hipóteses de cancelamento do registro de estrangeiro encontram-se previstas

no artigo 49 do Estatuto do Estrangeiro, sendo de referir que o divórcio não consta no respectivo

elenco. Não existe, assim, previsão legal que autorize o cancelamento do registro nacional de

estrangeiro por motivo de divórcio, e tampouco alguma que condicione a validade e eficácia do

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visto permanente ou de permanência definitiva com fundamento em casamento na subsistência da situação matrimonial.

Importa lembrar que estamos no domínio do direito público-administrativo, em que preside o

princípio da legalidade, o que significa que as autoridades administrativas devem obediência ao

estipulado na lei, podendo apenas recorrer a juízos de discricionariedade quando tal possibilidade se encontrar expressamente prevista, o que não ocorre na situação sob análise.

Não ignoramos que o artigo 75, inciso II, alínea a), estabelece que não poderá ser expulso o

estrangeiro que tiver cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou

de direito, e desde que o casamento tenha sido celebrado há mais de cinco anos.

Acontece, porém, que esta norma em nada diz respeito à situação em análise. Efetivamente, a

expulsão é uma medida penalizante de um determinado comportamento culposo do

estrangeiro, o que resulta claramente do disposto no artigo 65 do Estatuto do Estrangeiro, nos

termos do qual:

“É passível e expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma, atentar contra a segurança

nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais.”

Mostra-se, portanto, totalmente incorreto proceder a uma interpretação a contrario sensu

desta norma, estendendo-a às situações de estrangeiro, com visto permanente ou permanência

definitiva com fundamento em casamento, que se divorcie do seu cônjuge brasileiro, pois o respectivo campo de aplicação é estritamente circunscrito às situações de expulsão.

É a este nível consensual a jurisprudência da Justiça Federal, a qual não apenas censura o

cancelamento do registro de estrangeiro por motivo de divórcio como também determina que

qualquer reanálise da situação jurídica daquele no Brasil deverá obedecer aos princípios do

devido processo legal, contraditório e ampla defesa, consagrados no artigo 5.º, incisos LIV e LV,

da Constituição Federal de 1988.