Regime Jurídico Do Divórcio

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    Diana Beatriz Campos

    Rita Niny de Castro

    Tiago Ribeiro Alves

    O REGIME JURDICO DO DIVRCIO EM PORTUGAL:

    evoluo histrica, modalidades e efeitos

    Professor Doutor Joo Zenha Martins

    dezembro de 2015

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    NDICE

    Introduo ..................................................................................................................................... 4

    1.Enquadramento do instituto ...................................................................................................... 5

    1.1. O divrcio no mbito das vicissitudes da relao matrimonial ......................................... 5

    1.2. Distino do divrcio face a outros institutos .................................................................... 7

    1.3. Concees de divrcio...................................................................................................... 10

    1.4. A questo do divrcio.................................................................................................. 11

    1.5. O direito ao divrcio ......................................................................................................... 13

    2. Evoluo histrica do regime jurdico do divrcio em Portugal ............................................. 16

    2.1. Breves notas da histria geral do divrcio ....................................................................... 16

    2.2.Evoluo do regime jurdico do divrcio em Portugal at Lei n 61/2008, de 31 de

    Outubro ................................................................................................................................... 17

    2.2.1. Decreto de 3 de Novembro de 1910 ......................................................................... 17

    2.2.2. No Decreto- Lei n 30615 de 25 de Julho de 1940 .................................................... 19

    2.2.3. Decreto- Lei n 47344 de 25 de Novembro de 1966 ................................................ 19

    2.2.4. Decreto-Lei 261/75, de 27 de Maio .......................................................................... 21

    2.2.5. O Decreto-Lei 6/76 de 10 de Janeiro......................................................................... 23

    2.2.6. Decreto-Lei 561/76 de 17 de Julho ........................................................................... 23

    2.2.7. Decreto-Lei 605/76 de 24 de Julho ........................................................................... 24

    2.2.8. Decreto-Lei 496/77, de 25 de Novembro ................................................................. 24

    2.2.9. Decreto-Lei 163/95 de 13 de Julho ........................................................................... 28

    2.2.10. A Lei 47/98, de 10 de Agosto .................................................................................. 29

    2.2.11. Decreto-Lei 272/2001, de 13 de Outubro e Decreto-Lei 324/2007, de 28 de

    Setembro ............................................................................................................................. 30

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    2.3. A nova conceo de divrcio com a Lei n 61/2008, de 31 de Outubro .......................... 30

    2.3.1. Os pontos chave da alterao legislativa de 2011 .................................................... 32

    Eliminao da culpa no divrcio litigioso .................................................................... 32

    Alteraes no regime do divrcio por mtuo consentimento .................................... 36

    Divulgao dos servios de mediao familiar ............................................................ 36

    3. Modalidades de divrcio ..................................................................................................... 38

    3.1. O divrcio por mtuo consentimento ......................................................................... 38

    3.1.1. Divrcio por mtuo consentimento por via administrativa ................................ 39

    3.1.2. Divrcio por mtuo consentimento por via judicial ........................................... 42

    3.2. Divrcio sem o consentimento de um dos cnjuges .................................................. 44

    3.2.1 Fundamentos ............................................................................................................. 44

    A separao de facto por um ano consecutivo ................................................................... 45

    A alterao das faculdades mentais .................................................................................... 47

    A ausncia sem notcias ...................................................................................................... 48

    A clusula geral da alnea d)do art. 1781 do Cdigo Civil ................................................. 48

    Uma perspetiva crtica ........................................................................................................ 52

    3.2.2. Processo de Divrcio ........................................................................................... 53

    A legitimidade ............................................................................................................. 53

    A tramitao do processo ........................................................................................... 54

    4. Efeitos do divrcio ............................................................................................................... 55

    4.1. Oponibilidade dos efeitos do divrcio ........................................................................ 55

    4.2. Efeitos pessoais do divrcio ........................................................................................ 56

    4.2.1. Direito ao nome................................................................................................... 56

    4.2.2. Afinidade ............................................................................................................. 57

    4.2.3. Direito de suceder como herdeiro legal e testamentrio do outro .................... 57

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    4.2.4. Benefcios em vista do casamento ...................................................................... 58

    4.2.5. Impedimentos ..................................................................................................... 59

    4.2.6. Exerccio das responsabilidades parentais .......................................................... 59

    4.3. Efeitos patrimoniais do divrcio ................................................................................. 78

    4.3.1. Partilha ................................................................................................................ 78

    4.3.2. Atribuio da casa de morada de famlia ............................................................ 88

    4.3.3. Responsabilidade civil entre cnjuges e ex-cnjuges ......................................... 94

    4.3.4. Direito a alimentos entre ex-cnjuges .............................................................. 114

    4.3.5. Compensaes e crdito compensatrio .......................................................... 128

    Concluso .................................................................................................................................. 132

    Bibliografia ................................................................................................................................ 134

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    Introduo

    A palavra divrcio tem a sua origem etimolgica no latim divortium, que significa separao,

    derivada de divertere, que por sua vez remete para a existncia de um afastamento. Define-se

    como sendo um fenmeno de rutura legal e definitiva do vnculo do casamento.

    Nas ltimas dcadas, assistimos a uma profunda transformao no seio da famlia. Portugal, a

    partir de 1974, acompanhou o movimento global de aumento da rutura conjugal que j se

    verificava noutros pases.

    Com efeito, o divrcio aumentou nos ltimos quarenta anos na sociedade portuguesa por vrias

    razes. Em primeiro lugar, mudou a prpria forma de encarar o casamento. Tal como refere o

    Supremo Tribunal de Justia no Acrdo de 9 de Fevereiro de 2012 A famlia transforma-senum espao privado, de exerccio da liberdade prpria de cada um dos seus membros, na

    prossecuo da sua felicidade pessoal, livremente, entendida e obtida, deixando o casamento de

    assumir, progressivamente, um carcter institucional, mxime, sacramental, sobretudo na

    componente da afirmao jurdico-estadual da sua perpetuidade e indissolubilidade, para passar

    a constituir uma simples associao de duas pessoas, que buscam, atravs dela, uma e outra, a

    sua felicidade e realizao pessoal.. Em segundo lugar, passou a depender-se menos do

    casamento como modo de vida. A entrada progressiva das mulheres para o mercado de

    trabalho, que em Portugal se verificou com mais nfase desde o incio dos anos 80, permitiu a

    ambos os cnjuges uma maior autonomia para se libertarem de relaes conjugais infelizes.

    Contudo, esta tendncia de aumento da rutura conjugal tem-se vindo a inverter nos ltimos

    anos. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatstica (INE), em 2008 foram registados 26110

    divrcios e em 2013 esse nmero diminuiu para 22525 divrcios.

    Apesar disto, o divrcio enquanto fenmeno social continua a estar bastante presente na

    sociedade portuguesa, razo pela qual decidimos realizar o presente trabalho.

    Propomo-nos, ento, a explorar os meandros do instituto jurdico do divrcio no Direito

    Portugus. Para tal, comearemos por tratar a evoluo histrica deste instituto no nosso

    ordenamento jurdico. De seguida, mencionaremos o regime legal das diversas modalidades do

    divrcio, e, por ltimo abordaremos os efeitos pessoais e patrimoniais do mesmo, luz das

    alteraes introduzidas pela Lei n. 61/2008, de 31 de Outubro, fazendo apelo no s doutrina

    portuguesa como tambm jurisprudncia atual dos tribunais portugueses.

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    1.Enquadramento do instituto

    1.1. O divrcio no mbito das vicissitudes da relao matrimonial

    O casamento tem uma vocao perptua quanto sua durao e inaltervel quanto ao seucontedo, no se podendo acordar a sua celebrao a prazo ou sob condio. J o Decreto n 1,

    de 25 de Dezembro de 1910, no seu art. 2, afirmava expressamente que o casamento

    perptuo. O atual Cdigo Civil na noo de casamento dada pelo art. 1577 no alude a qualquer

    presuno de perpetuidade, mas continua presente a ideia de que quando os nubentes

    estabelecem uma comunho de vida o fazem at que a morte os separe.

    Apesar desta tendncia, a relao matrimonial est sujeita a diversas vicissitudes que podero

    levar quer extino do casamento, isto , cessao do vnculo que unia os cnjuges, quer sua modificao. Foquemo-nos no primeiro caso.

    Uma das formas de extino do vnculo matrimonial o divrcio, mas no a nica. Fazendo

    um breve resumo, de forma a compreendermos o enquadramento deste instituto, o casamento

    poder extinguir-se: ou graas a um vcio originrio da sua celebrao, o que corresponde sua

    invalidade1; ou por causa posterior sua celebrao, dando-se a extino por dissoluo. Esta

    pode ser causada por morte, divrcio ou dispensa do casamento rato e no consumado.

    importante realar que quando o casamento se extingue por um vcio originrio, h uma

    destruio retroativa do vnculo conjugal. Se os cnjuges fossem solteiros data em que se

    casaram, voltaro a s-lo depois de o casamento ser considerado invlido. Por outro lado, a

    dissoluo do casamento, apenas tem efeitos para o futuro, tornando-se os cnjuges vivos,

    divorciados ou dispensados.

    Comeando por abordar o regime da invalidade2, o casamento civil invlido se se verificarem

    algumas das causas de inexistncia ou de anulabilidade, especificadas na lei. O art. 1627 do

    Cdigo Civil consagra, desta forma, o princpio da tipicidade, sendo as causas de inexistncia

    unicamente as que se encontram no art. 1628 do Cdigo Civil, e as causas da anulabilidade as

    previstas no art. 1631 do mesmo cdigo.

    1Seguimos o entendimento do Prof. Jorge Duarte Pinheiro. Outros autores, como Jorge Augusto Pais deAmaral no referem a invalidade do casamento, apenas indicando a nulidade ou anulao do

    casamento.2Sobre a invalidade do casamento, ver VARELA, Antunes, Direito da Famlia, vol. I, 5 ed., LivrariaPetrony, Lisboa, 1999, pp. 285 e seguintes.

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    A inexistncia do casamento est prevista nos artigos 1628 a 1630 do Cdigo Civil, sendo

    importante salientar que exclui a produo de quaisquer efeitos jurdicos do casamento,

    incluindo os efeitos putativos (n 1 do art. 1630 do Cdigo Civil). Por sua vez, a anulabilidade

    encontra-se nos artigos 1631 a 1646 do Cdigo Civil. Implica a cessao das relaes pessoais

    e patrimoniais entre os cnjuges, com carcter retroativo (n 1 do art. 289 e 1688 do Cdigo

    Civil). Tudo se passa como se o casamento no se tivesse realizado, ressalvados os limites

    impostos no caso do casamento putativo.

    Por sua vez, o casamento catlico no pode ser anulado ou considerado inexistente, tendo a

    nulidade como desvalor exclusivo (art. 1625 do Cdigo Civil e art. 16 da Concordata entre a

    Republica Portuguesa e a Santa S, de 2004). A declarao de nulidade compete aos tribunais

    eclesisticos, produzindo estas decises efeitos civis, a requerimento de qualquer uma das

    partes, aps a reviso e confirmao, nos termos do direito portugus, pelo tribunal competente

    do Estado portugus (n 1 do art. 16 da Concordata de 2004 e art. 1626 do Cdigo Civil). Os

    efeitos da nulidade do casamento catlico so semelhantes aos da anulao do casamento civil.3

    de referir, ainda antes de abordarmos a dissoluo do casamento, o instituto do casamento

    putativo. O casamento anulado ou declarado nulo produz efeitos, como se fosse vlido, at ao

    trnsito em julgado da sentena de anulao ou at ao averbamento da deciso de nulidade no

    registo civil (nmeros 1 e 3 do art. 1647 do Cdigo Civil). Este instituto no se aplica aos

    casamentos inexistentes (n 1 do art. 1630 do Cdigo Civil).4

    A dissoluo por morte outra forma de extino do casamento5. A morte de um dos cnjuges

    (ou a morte simultnea de ambos) leva cessao da generalidade dos efeitos patrimoniais e

    pessoais do casamento (art. 1688 do Cdigo Civil), operando para o futuro. No entanto, alguns

    efeitos no so afetados pela morte do cnjuge, como o caso das relaes de afinidade que

    ligam o cnjuge sobrevivo aos parentes do outro (art. 1585 do Cdigo Civil) ou da conservao

    pelo cnjuge sobrevivo dos apelidos que tiver acrescentado ao seu nome (art. 1677-A do

    Cdigo Civil). So tambm atribudos ao cnjuge sobrevivo diversos direitos, por exemplo, o

    3Este reconhecimento, s sentenas de nulidade do casamento catlico dos tribunais eclesisticos, deefeitos civis poder gerar uma contradio com os efeitos da sentena de divrcio dos tribunais estatais.Sobre este tema, ver MARTINS, Rosa, O reconhecimento da sentena de nulidade do casamentocatlico dos tribunais eclesisticos em Portugala possvel contradio dos seus efeitos civis com os dasentena de divrcio dos tribunais do Estado, Famlia, conscincia, secularismo, religio, WoltersKluwer/ Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pp. 241273.4Sobre este instituto, ver LIMA, Pires de, O casamento putativo no Direito Civil portugus, Coimbra

    Editora, 1929.5Sobre este instituto, ver MENDES, J. Castro, SOUSA, M. Teixeira de, Direito da Famlia, AAFDL, Lisboa,1990/1991, pp. 182 e seguintes.

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    direito a ser alimentado pelos rendimentos dos bens deixados pelo falecido (art. 2018 do

    Cdigo Civil)6.

    Por outro lado, a declarao de morte presumida no dissolve o casamento (art. 114 e

    seguintes do Cdigo Civil). Segundo Jorge Duarte Pinheiro, no art. 116 do Cdigo Civil, olegislador, por lapso, apenas permite a celebrao de novo casamento ao cnjuge casado

    civilmente, o que contraria o art. 36, n2, da Constituio da Repblica Portuguesa.

    Desta forma, aps a declarao de morte presumida, o cnjuge do ausente, quer casado civil ou

    catolicamente, pode contrair novo casamento. Para este autor, a nica explicao plausvel

    a seguinte: a declarao de morte presumida torna o casamento do ausente dissolvel; no

    momento em que o cnjuge do ausente contrai novo casamento, dissolve-se o anterior.7Neste

    sentido, se o ausente regressar, ou houver notcias de que era vivo, quando foram celebradasas novas npcias, considera-se o primeiro casamento dissolvido por divrcio, data da

    declarao da morte presumida, tal como dispe a segunda parte do art. 116 do Cdigo Civil.

    Se o ausente no regressar, o primeiro casamento igualmente considerado dissolvido, por

    morte, data da declarao de morte presumida. Por ltimo, se se provar que o ausente faleceu,

    antes da celebrao de um segundo casamento, o primeiro dissolveu-se, data do bito.

    Por ltimo, a dispensa do casamento rato e no consumado uma causa de dissoluo do

    casamento catlico. regulado nos cns. 1142 e 1697 a 1706 do Cdigo de Direito Cannico.Segundo o cn. 1061, 1, por casamento rato entende-se aquele que foi validamente celebrado,

    enquanto o casamento no consumado aquele em que no houve cpula entre cnjuges. A

    dispensa tem estes dois pressupostos, alm de uma justa causa para a dissoluo, e pode ser

    concedida a pedido de ambos os cnjuges, ou de um s, mesmo contra a vontade do outro.

    reconhecida no art. 1625 do Cdigo Civil e no art. 16 da Concordata entre a Repblica

    Portuguesa e a Santa S, de 2004.

    1.2. Distino do divrcio face a outros institutos

    As crises que afetam a relao matrimonial podem conduzir, de forma gradativa, separao

    de bens, separao de pessoas e bens ou ao divrcio.

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    Lista completa sobre direitos e prerrogativas do cnjuge sobrevivo, ver PINHEIRO, J. Duarte, O Direitoda Famlia Contemporneo- Lies, 4 ed., AAFDL, Lisboa, 2013, pp. 618-619.7Idem, p. 646.

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    A separao de pessoas e bens e a separao de bens, diferentemente do divrcio, modificam

    o vnculo matrimonial, no o extinguindo mas apenas alterando o seu contedo.

    Na simples separao de bens, a alterao apenas atinge as relaes patrimoniais entre os

    cnjuges, ou seja, os seus bens. Os deveres pessoais mantm-se intocados. Este instituto

    consubstancia-se numa providncia cautelar concedida ao cnjuge que se acha em perigo de

    perder o que seu pela m administrao do outro. regulado pelos artigos 1767 a 1772 do

    Cdigo Civil.

    Antes da reforma de 1977 a separao de bens servia como remdio mulher casada, contra a

    m administrao do marido dos bens comuns e prprios da mulher. Atualmente, com o regime

    de igualdade de poderes de administrao, o instituto perdeu o seu interesse prtico. No

    entanto, ainda persistem casos em que um dos cnjuges poder administrar os bens comuns

    sozinho, tal como dispe o n 2 do art. 1678 do Cdigo Civil. Nestes casos, ainda faz sentido

    recorrer a esta figura.8

    A separao de pessoas e bens situa-se entre a simples separao de bens e a extino da

    relao matrimonial. Segundo o Professor Jorge Pais de Amaral, este instituto denota j um

    relaxamento no vnculo conjugal, visto que significa a suspenso da vida em comum e reduz de

    maneira drstica as relaes de carcter pessoal e patrimonial9. Desta forma, produz a cessao

    de alguns deveres conjugais e a extino das relaes patrimoniais, mas no dissolve os laos

    matrimonias, uma vez que os cnjuges continuam casados.

    Defrontados com uma crise matrimonial, os cnjuges podem optar pelo divrcio ou pela

    separao de pessoas e bens. Vrios autores chamam a nossa ateno para o facto de a lei

    preferir o divrcio separao de pessoas e bens, j que, se um dos cnjuges requerer o divrcio

    e outro a separao de pessoas e bens, sendo ambos os pedidos procedentes, a sentena deve

    decretar o divrcio, segundo o n 2 do art. 1795 do Cdigo Civil. Tambm o instituto da

    converso mostra esta preferncia da lei.

    Ao regime da separao de pessoas e bens aplicvel o regime do divrcio, com as necessrias

    adaptaes segundo a remisso do art. 1794 do Cdigo Civil. Esta figura afeta o dever de

    coabitao, que se extingue, e o dever de assistncia, que tambm se poder extinguir ou

    8Para estudo do regime da simples separao judicial de bens, ver COELHO, Francisco Pereira, OLIVEIRA,

    Guilherme, Curso de Direito da Famlia, Introduo ao Direito Matrimonial, vol. I, 2 ed., CoimbraEditora, Coimbra, 2001, p. 551.9Direito da Famlia e das Sucesses, Almedina, Coimbra, 2014, p.169.

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    assumir a configurao de obrigao de alimentos a cargo de um dos cnjuges. (art. 1795-A do

    Cdigo Civil). Os outros deveres conjugais subsistem, mas o seu incumprimento no assume

    muita relevncia. Relativamente aos bens, os efeitos produzidos so os mesmos da dissoluo

    do casamento por divrcio (2 parte do art. 1795-A do Cdigo Civil). Podemos ainda observar

    outros efeitos, nomeadamente, na filiao e no nome.10

    Este instituto termina com a reconciliao (art. 1795-C do Cdigo Civil) ou com a dissoluo do

    casamento por morte ou divrcio (art. 1795-D do Cdigo Civil). A converso em divrcio pode

    ser requerida a todo o tempo por ambos os cnjuges (n 2 do art. 1795-D do Cdigo Civil) ou

    por qualquer um deles, decorrido um ano sobre o trnsito em julgado da sentena ou da deciso

    do conservador que decretou a separao judicial de pessoas e bens, sem que os cnjuges se

    tenham reconciliado.

    Por ltimo, tambm a separao de facto no se confunde com o divrcio. Para esta se verificar

    tm de estar preenchidos dois elementos. Por um lado, no pode existir coabitao, tendo de

    faltar a vida em comum do casal (elemento objetivo), por outro, no pode haver propsito, uma

    disposio interior, de restabelecer essa vida em comum, por ambos ou por apenas um dos

    cnjuges (elemento subjetivo).

    Tradicionalmente, no conferida autonomia a esta matria, sendo reconduzida a uma das

    causas do divrcio sem consentimento de um dos cnjuges (alnea a) do art. 1781 do CdigoCivil). No entanto, como nos explica o Professor Jorge Duarte Pinheiro a separao de facto

    tem uma importncia que ultrapassa o seu impacto no domnio das causas do divrcio. Um casal

    pode viver separado de facto durante anos sem que venha a ser decretado o divrcio ou a

    separao de pessoas e bens11.

    A separao de facto est definida no n 1 do art. 1782 do Cdigo Civil tendo efeitos a

    diferentes nveis. Como exemplo, podemos chamar a ateno para as regras de exerccio das

    responsabilidades parentais previstas para o divrcio, para a separao de pessoas e bens e paraa invalidade do casamento, serem aplicveis aos cnjuges separados de facto (art. 1909 do

    Cdigo Civil)12.

    10Para estudo do regime da simples separao judicial de bens, ver AMARAL, Jorge Augusto Pais de,Direito da Famlia e das Sucesses, Almedina, Coimbra, 2014, p. 185.11O Direito da Famlia Contemporneo Lies, 4 ed., AAFDL, Lisboa, 2013, p. 597.12Para o estudo mais aprofundado do regime dos efeitos da separao de facto, ver BARBOSA, Paula, A

    separao de facto e os seus efeitos jurdicos no sistema jurdico portugusa evoluo legislativa, inDIAS, Berenice, PINHEIRO, Duarte, (coord.) Escritos de Direito das Famlias: uma perspectiva luso-brasileira, Magister, Portalegre, pp. 95-106.

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    1.3. Concees de divrcio

    A doutrina analisa o instituto do divrcio de acordo com trs concees: o divrcio-sano, o

    divrcio-remdio e o divrcio como simples constatao de rutura de casamento (ou divrcio-

    confirmao ou divrcio-falncia13).

    No divrcio-sano, a tnica colocada na culpa de um dos cnjuges ao violar os seus deveres

    conjugais, pressupondo um ato ilcito e culposo. Corresponde a uma situao em que um dos

    cnjuges culposamente comete alguma das faltas conjugais descritas na lei, podendo o cnjuge

    inocente pedir o divrcio. Este instituto surge como uma sano contra o mau comportamento

    por parte do cnjuge culpado, refletindo-se esta ideia na legitimidade de propositura da ao -

    o divrcio apenas pode ser requerido pelo cnjuge inocente em situaes de grave ofensa ao

    outro cnjugee nas consequncias que a decretao deste divrcio acarreta para o cnjuge

    culpado.

    O divrcio-sano era o consagrado no Cdigo Civil de 1966. O Professor Pereira Coelho e

    Guilherme Oliveira apontam algumas crticas a este sistema14. Primeiro, se a lei tinha como

    objetivo castigar o cnjuge culpado, no se percebia porque recorria sano do divrcio. Uma

    vez que o divrcio j um mal s por si, no se entendia qual a razo de a lei escolher esta

    precisa sano e no qualquer outra. Seguidamente, apontam para o facto de poderem existir

    casos em que o cnjuge culpado aquele que deseja o divrcio. A lei, com o objetivo de o

    castigar, acabava por errar, premiando-o e no sancionando-o.

    Por outro lado, se atentarmos no efeito da violao de um dos deveres conjugais, o divrcio

    surge como um remdio, para uma situao matrimonial insustentvel. O divrcio-remdio

    serve para colmatar uma situao de crise que poder surgir por culpa de ambos os cnjuges,

    de um deles ou de nenhum. umateraputica jurdica para as situaes em que o casamento

    deixa de poder funcionar independentemente da culpa de qualquer dos cnjuges15. Assim,

    Concebe-se, agora, que se julguem carecidas do remdio do divrcio, no s as situaes em

    que a crise do matrimnio provm de culpa de algum dos cnjuges, mas tambm as situaes

    13A terminologia diverge na doutrina. Por exemplo, o Professor Joo Queiroga Chaves ou o ProfessorAmadeu Colao do-lhe o nome de divrcio-confirmao, enquanto o Professor Jorge Duarte Pinheiroou a Professora Cristina Arajo Dias lhe chamam divrcio-constatao da rutura do casamento.14

    Ver Curso de Direito da Famlia, Introduo ao Direito Matrimonial, vol. I, 2 ed., Coimbra Editora,Coimbra, 2001, p. 608.15COLAO, Amadeu, Novo Regime do Divrcio, 2 ed., Almedina, Coimbra, 2009, pp. 27-28.

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    em que a vida conjugal se tenha tornado intolervel por causas puramente objectivas, por caso

    fortuito (lato sensu)16.

    O estado de vida conjugal intolervel tem de ser causado por um dos cnjuges, visando libertar

    o cnjuge inocente, embora no se requeira, como j referi, que a situao de crise sejaimputvel ao outro cnjuge a ttulo de culpa. O divrcio remdio permite ao cnjuge, afetado

    pela crise matrimonial, mas que no a provocou, que se liberte do casamento, s podendo ser

    requerido por ele. No se pretende castigar um culpado que at pode no existir, mas sim

    libertar um inocente.

    Por ltimo, o divrcio confirmao surge como simples constatao da rutura da relao

    conjugal, j existindo uma separao de facto. O princpio da rutura (Zerrttungsprinzip,

    divorce-faillite, divorce-constant) vai mais longe do que o esquema tradicional de divrcio-sano e divrcio-remdio. H uma situao de rutura do casamento objetivamente

    considerada, independente da imputabilidade da situao a um ou outro cnjuge e de qualquer

    indagao de culpas. Por isto mesmo, qualquer dos cnjuges pode requerer o divrcio.

    importante distinguir tambm duas modalidades de divrcio: o divrcio por mtuo

    consentimento e o divrcio sem consentimento de um dos cnjuges (n 1 do art. 1773 do

    Cdigo Civil). O divrcio por mtuo consentimento , segundo a definio do Professor Amadeu

    Colao, a modalidade de divrcio na qual ambos os cnjuges requerem,em petio conjunta, esem meno da respectiva causa, a dissoluo do seu casamento17enquanto o divrcio sem

    consentimento de um dos cnjuges consiste na modalidade de divrcio requerido por um dos

    cnjuges contra o outro, em ao judicial, na qual invocada uma causa especifica da dissoluo

    do casamento18.Os seus respetivos regimes iro ser estudados neste trabalho.

    1.4. A questo do divrcio

    Segundo a Constituio da Republica Portuguesa, no n 2 do art. 36, admissvel a dissoluo

    por divrcio de qualquer casamento, independentemente da modalidade ou forma do

    casamento.

    16COELHO, Pereira, OLIVEIRA, Guilherme, Curso de Direito da Famlia, Introduo ao Direito

    Matrimonial, vol. I, 2 ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2001, p. 609.17Novo Regime do Divrcio, 2 ed., Almedina, Coimbra, 2009, p. 12.18Idem, p. 27.

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    A forma como o legislador regula o divrcio vai depender da conceo de casamento. Segundo

    a Professora Cristina Arajo Dias: Se o casamento, alm de simples contrato, tido como

    verdadeira instituio familiar estvel, as causas de divrcio sero restritas e este mais difcil deobter; se pelo contrrio, o casamento se assume como mero contrato entre duas pessoas, o

    divrcio tender a ser facilitado19.

    No entanto, a questo do divrcio saber se este deve ou no admitir-seque foi largamente

    discutida pela doutrina, pe-se, atualmente, em termos diferentes. A admisso do divrcio ,

    hoje, consensual correspondendo a uma prtica social generalizada.

    H autores que afirmam20que a querela das causas de divrcio est hoje resolvida, tendo sido

    alterado o foco da questo do divrcio, das suas causas para os seus efeitos, nomeadamente

    a proteo dos filhos menores e do ex-cnjuge, que a dissoluo do casamento resulte em

    situao econmica precria.

    Os Professores Pereira Coelho e Guilherme Oliveira chamam a ateno para o facto de no se

    poder dizer que a questo das causas do divrcio esteja definitivamente encerrada. A questo

    do divrcio continua realmente em aberto, mesmo no que s causas do divrcio se refere: a

    questo, hoje, a de saber se os condicionamentos e limitaes ao direito de pedir o divrcio

    que ainda subsistem se mantero ou iro caindo um a um, em nome de um irrestrito direito ao

    livre desenvolvimento da personalidade que no tolerar qualquer desses condicionamentos e

    limitaes 21.

    Num modelo puro do sistema de divrcio-constatao da rutura do casamento, o divrcio seria

    permitido sem quaisquer condicionamentos ou limitaes. A vontade de um ou de ambos os

    cnjuges bastaria para pr termo ao casamento, indiciando uma situao de rutura. No

    haveria, desta forma, qualquer ponderao de culpa.

    Aquando da obra destes autores, na edio de 2001, consideravam que: Ora nenhuma

    legislao consagra este modelo puro. Sobretudo a partir dos anos setenta as legislaes tm

    19Uma anlise do novo regime jurdico do divrcio Lei n 61/2008 de 31 de Outubro, 2 ed., CoimbraAlmedina, Coimbra, 2009, p. 9.20

    Idem.21Curso de Direito da Famlia, Introduo ao Direito Matrimonial, vol. I, 2 ed., Coimbra Editora,Coimbra, 2001, pp. 584 e seguintes.

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    feito caminho nesse sentido, mas subsistem condicionamentos ou limitaes de vria natureza

    ao direito de pedir o divrcio. E tambm assim acontece em Portugal22.

    Hoje-em-dia, com as modificaes da Lei de 2008, talvez possamos considerar que Portugal est

    mais perto deste modelo puro. No obstante, ainda no temos um modelo puro a funcionar nasua plenitude, havendo ainda algumas limitaes ao direito de pedir o divrcio que iro ser

    estudadas mais frente no trabalho.

    1.5. O direito ao divrcio

    O direito ao divrcio, na opinio do Professor Jorge Augusto Pais de Amaral, caracteriza-se

    pelo poder conferido a um dos cnjuges de, por um ato da sua exclusiva iniciativa, emboracoadjuvado por uma deciso judicial, produzir uma alterao na esfera jurdica do outro cnjuge,

    independentemente da sua vontade23.

    Assim, o direito ao divrcio um direito potestativo. Segundo Ana Prata, diz-se potestativo o

    direito que se caracteriza por o seu titular o exercer por sua vontade exclusiva, desencadeando

    efeitos na esfera jurdica de outrem independentemente da vontade deste24. Ao propor uma

    ao de divrcio, o autor, est, desta forma, a exercer um direito potestativo tendo o poder de

    produzir determinado efeito jurdico, a extino da relao matrimonial.

    No entanto, no suficiente um mero ato de vontade unilateral do titular para produzir a

    alterao pretendida, carecendo esse ato de vontade de ser ulteriormente integrado por um ato

    de uma autoridade pblica, judicial ou administrativa. Ao direito do autor no corresponde

    nenhum dever por parte do ru que se ter de sujeitar s consequncias jurdicas que

    advenham, caso a ao seja julgada procedente. A ao de divrcio declarativa constitutiva

    (alnea c)do n 2 do art. 10 do Cdigo do Processo Civil).

    Pode-se ainda classificar este direito potestativo como extintivo pois o efeito jurdico falado

    extingue uma relao jurdica. Os Professores Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira chamam

    a nossa ateno para esta classificao ter de ser entendida cum grano salis, j que existem

    22

    Idem, p. 585.23Direito da Famlia e das Sucesses, Almedina, Coimbra, 2014, p. 184.24Dicionrio Jurdico, vol.I, 5 ed., Almedina, Coimbra, 2012, p. 552.

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    efeitos do casamento que sobrevivem dissoluo por divrcio, tal como por exemplo a

    obrigao de prestar alimentos25.

    O direito ao divrcio caracteriza-se igualmente por ser um direito pessoal, inalienvel e

    intransmissvel, no sendo passvel de ser traduzido num valor econmico. Pertenceexclusivamente aos cnjuges (nmeros 1 e 3 do art. 1785 do Cdigo Civil). S estes tm a

    faculdade de decidir se, face sua relao matrimonial, querem ou no extingui-la. Por esta

    razo, o direito de divrcio tem de ser exercido pelos prprios, no podendo ser exercido por

    pessoas estranhas ao matrimnio. O Professor Jorge Augusto Pais de Amaral explica esta

    caracterstica, exemplificando que no tem legitimidade para propor a ao, o credor de um dos

    cnjuges com interesse patrimonial na dissoluo do vnculo conjugal26.

    Uma manifestao do carcter pessoal deste direito, como j referimos, a suaintransmissibilidade quer inter vivos, quer mortis causa. Como exceo, tal como dispe o n3

    do art. 1785 do Cdigo Civil, temos a possibilidade de a ao de divrcio, se o cnjuge autor

    falecer na pendncia da causa, poder ser continuada pelos herdeiros do autor, no que toca a

    efeitos patrimoniais. Assim, os herdeiros do cnjuge titular do divrcio no podem intentar a

    ao, mas podero continu-la. Para os mesmos efeitos, pode a ao prosseguir contra os

    herdeiros do ru.

    O princpio do exerccio pessoal do direito ao divrcio tambm admite vrias excees. Emprincpio no admitida a representao voluntria, mas so excecionados os casos do processo

    de divrcio sem consentimento do outro cnjuge, em que, na tentativa de conciliao,

    admissvel a representao das partes por mandatrios especiais, no caso de estarem ausentes

    do continente ou das ilhas onde estiver a decorrer o processo (n 1 do art. 931 do Cdigo de

    Processo Civil). Esta representao tambm admissvel nos mesmos termos na conferncia no

    processo por mtuo consentimento (n 2 do art. 995 do Cdigo de Processo Civil e no n 8 do

    art. 14 do Decreto-Lei n 272/2001, de 13 de Outubro). Por outro lado, o requerimento do

    divrcio na modalidade de mtuo consentimento pode ser assinado por procuradores dos

    cnjuges (promio do n 1 do art. 1775 do Cdigo Civil).

    Por outro lado, a representao legal admitida, tendo o representante legal do cnjuge

    interdito a possibilidade de intentar, em nome deste, mediante autorizao do conselho de

    famlia, a ao contra o outro cnjuge (1 parte do n2 do art. 1785 do Cdigo Civil). Alm deste

    25

    Ver Curso de Direito da Famlia, Introduo ao Direito Matrimonial, vol. I, 2 ed., Coimbra Editora,Coimbra, 2001, p.593.26Direito da Famlia e das Sucesses, Almedina, Coimbra, 2014, p. 184.

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    caso, se o representante legal daquele que pode pedir o divrcio for o prprio cnjuge, mediante

    autorizao do conselho de famlia, a ao pode ser intentada por qualquer parente na linha

    reta ou at ao terceiro grau da linha colateral do interdito (2 parte do n2 do art. 1785 do

    Cdigo Civil).

    Outra caracterstica do direito de divrcio a sua irrenunciabilidade, o que decorre da sua

    conexo com a liberdade matrimonial, por um lado, e da tutela da personalidade judiciria, por

    outro. necessrio ter em ateno que o divrcio permite a reaquisio da capacidade

    matrimonial e pe fim a um compromisso com alcance amplo no plano pessoal27. A lei quer que

    o cnjuge tenha sempre a faculdade de decidir, com liberdade e face s circunstncias atuais,

    sobre o seu direito ao divrcio.

    Nas palavras dos Professores Pereira Coelho e Guilherme Oliveira a insusceptibilidade derenncia relaciona-se com a lei pretenderdefender os cnjuges contra a sua precipitao, que

    poderia lev-los a renunciar se a lei o permitisse a exercer ou a exercer livremente o seu

    direito ao divrcio28. O direito ao divrcio no pode ser renunciado antecipadamente, ou seja,

    antes de se ter verificado uma causa legal de divrcio ou de esta ser conhecida pelo cnjuge,

    nem pode existir a renncia superveniente com base em factos j verificados.

    Tambm a renncia genrica e a renncia especfica no so permitidas. A primeira consistindo

    na renncia a pedir o divrcio em geral por qualquer dos fundamentos da lei e a segunda narenncia a pedir o divrcio com base num ou em vrios fundamentos determinados.

    Por ltimo, o direito ao divrcio insuscetvel de renncia total e parcial. O direito ao divrcio

    no pode ser limitado atravs da obrigao dos cnjuges de s o exercerem em certas condies

    ou com certos encargos ou sujeitando-os a certas sanes.

    A lei no dispe sobre a irrenunciabilidade do direito do divrcio, tal como fazia a Lei do

    Divrcio de 1910, no seu art. 54. Mas podemos basear-nos, para o concluir no princpio geral

    do art. 69 do Cdigo Civil, Ningum pode renunciar, no todo ou em parte, sua capacidade

    jurdica, e num argumento histrico que consiste na eliminao no Projeto do Cdigo Civil de

    1966 do art. 34, do Anteprojeto Gomes da Silva-Pessoa Jorge, onde era consagrado a soluo

    27 PINHEIRO, Jorge Duarte, O Direito da Famlia ContemporneoLies, 4 ed., AAFDL, Lisboa, 2013,

    p.624.28Curso de Direito da Famlia, Introduo ao Direito Matrimonial, vol. I, 2 ed., Coimbra Editora,Coimbra, 2001, p. 594.

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    da renunciabilidade. Desta forma, nas palavras do Professor Antunes Varela, o esprito da lei

    abertamente contrrio renncia ao direito a requerer o divrcio29.

    Ainda nas palavras deste autor: Considerando o divrcio como um instituto de interesse e ordem

    pblica, a lei pretende que cada um dos cnjuges tenha os movimentos completamente livrespara optar, quando se verifique qualquer das causas de dissolubilidade do casamento, pela

    manuteno ou pela dissoluo do matrimnio30.

    2. Evoluo histrica do regime jurdico do divrcio em Portugal

    2.1. Breves notas da histria geral do divrcio

    A dissoluo do casamento pelo divrcio existe desde a Antiguidade tendo sido praticado pelos

    mais diversos povos, por vezes com discriminao entre o homem e a mulher. O Antigo

    Testamento reconhecia a legitimidade do repdio no caso extremo de infidelidade da mulher.

    Os romanos, cujo direito marcadamente individualista, utilizavam o divrcio por

    consentimento (bona gratia) e por vontade de apenas um dos cnjuges (repudium). O direito

    romano, com to grande influncia nas instituies jurdicas dos povos da Pennsula Ibrica,

    concebia o casamento como uma situao jurdica duradoura, deveria permanecer enquanto

    durasse o sentimento (affectio maritallis), o elemento volitivo-emocional que estava na sua

    base. A forma de exteriorizar a cessao desse sentimento era precisamente o divrcio.

    Tambm no velho direito germnico, o dissoluo do casamento, em vida dos cnjuges, era

    aceite, por diversas formas.

    Ainda hoje-em-dia, em alguns povos muulmanos, o repdio de um dos cnjuges pelo outro, ou

    pelos parentes do outro, ainda aceite largamente na legislao e utilizado na prtica.

    Em contraste, o Cristianismo trouxe a ideia da indissolubilidade do casamento, elevando-o a

    uma categoria de instituio divina. Conferiu ao casamento a propriedade da perpetuidade,

    alm do atributo da unidade, com a condenao da poligamia, que j era reconhecido pelo

    direito romano. Tal como nos explica Joo Queiroga Chaves: certo que o cristianismo, pondo

    a tnica na espiritualidade e na perpetuidade do matrimnio, serviu de travo ao uso

    indiscriminado do direito de denncia, sem embargo de na Bblia (Antigo Testamento) se aludir

    29Direito da Famlia, vol. I, Livraria Petrony, Lisboa, 1982, p. 416.30Idem, p. 417.

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    ao repdio do marido quando ocorria a infidelidade da mulher31. O matrimnio foi considerado

    um sacramento.

    Os povos europeus aceitaram este pressuposto de indissolubilidade at ao sculo XVII. Apenas

    com a reforma protestante, na primeira metade do sculo XVI, comeou um movimento que seinsurgiu contra este carcter sacramental do casamento. Este foi prosseguido por telogos

    galicanos, pelo pensamento iluminista, pela escola racionalista do direito natural e pelo

    enciclopedismo, acabando por restabelecer divrcio nalguns pases, com fundamento no

    adultrio e em outras causas.

    O carcter indissolvel do casamento grandemente questionado com a Revoluo Francesa.

    Foi durante esse perodo que se concebeu o casamento como um contrato, aceitando, neste

    sentido, o divrcio. Surgiu, ento, a Lei revolucionria de 20 de Setembro de 1792, que restaurouo divrcio, admitindo o divrcio litigioso por causas especificadas na lei, assim como, o divrcio

    por mtuo consentimento e o divrcio por incompatibilidade de gnios.

    O Cdigo Civil francs, de 1804, adotou o divrcio em termos mais moderados, j que suprimiu

    o divrcio por incompatibilidade de gnios, restringiu as causas de divrcio litigioso e dificultou

    o divrcio por mtuo consentimento. Este Cdigo tornar-se-ia um modelo para outros pases.

    2.2.Evoluo do regime jurdico do divrcio em Portugal at Lei n 61/2008, de

    31 de Outubro

    2.2.1. Decreto de 3 de Novembro de 1910

    At 1910, o divrcio no era admitido em Portugal. O Cdigo Civil de 1867 apenas regulava o

    regime da separao de pessoas e bens, nos artigos 1204 e seguintes.

    Com a instaurao da Repblica, publicado o Decreto de 3 de Novembro de 1910, conhecido

    como a Lei do Divrcio, j que introduziu este instituto em Portugal, antes at de consagradas

    as Leis da Famlia.32 Esta lei, bastante liberal para a poca, determinava no art. 1 que o

    casamento se dissolve pela morte de um dos cnjuges ou pelo divrcio.

    O divrcio era, ento, concebido como a forma de produzir a rutura do casamento durante a

    vida de ambos os cnjuges. Esta lei fixava as duas vias para a concesso do divrcio: a litigiosa e

    31

    Casamento, Divrcio e Unio de Facto, Quid Juris?Sociedade Editora, Lisboa, 2009, p. 196.32A separao de pessoas e bens por mtuo consentimento s foi admitida pelos Decretos n 4343 e4431, de 30 de Maio de 1918.

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    o mtuo consentimento. Para esta ltima modalidade os nicos requisitos legais exigidos

    consistiam em ambos os cnjuges possurem mais de 25 anos de idade e encontrarem-se

    casados h mais de 2 anos.

    Para o caso do divrcio litigioso, analisando o art. 4 deste decreto, percebemos que so fixadastanto causas subjetivas como objetivas, Nas causas subjetivas, verificava-se a culpa de um dos

    cnjuges, direta ou indiretamente, sendo o divrcio encarado como divrcio-sano; nas causas

    objetivas, independentes da culpa, estava subjacente a ideia de divrcio-remdio e de divrcio-

    consumao.

    O Professor Amadeu Colao, na obra Novo Regime do Divrcio, distingue as causas subjetivas

    das objetivas, do art. 4, deste decreto: Como causas subjetivas constavam ento as seguintes:

    i) Adultrio;

    ii) Condenao efectiva de um dos cnjuges a qualquer das penas maiores fixas dos artigos 55

    e 57 do Cdigo Penal;

    iii) As sevcias ou injrias graves;

    iv) O abandono completo do domicilio conjugal por tempo no inferior a trs anos;

    v) O vcio inveterado do jogo de fortuna ou azar;

    Como causas objetivas constavam as seguintes:

    i) A ausncia, sem que do ausente haja notcias, por tempo no inferior a quatro anos;

    ii) A loucura insanvel quando decorridos, pelo menos, trs anos sobre a sua verificao por

    sentena passada em julgado, nos termos dos artigos 419 e seguintes do Cdigo do Processo

    Civil;

    iii) A separao de facto, livremente consentida, por dez anos consecutivos, qualquer que seja o

    motivo da separao;

    iv) A doena contagiosa reconhecida como incurvel, ou uma doena incurvel que importe

    aberrao sexual33.

    Por outro lado, interessante notar que a concesso do divrcio no estava dependente de uma

    prvia separao de pessoas e bens, classificando-se como um divrcio direto.

    33Novo Regime do Divrcio, 2 ed., Almedina, Coimbra, 2009, p. 28.

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    2.2.2. No Decreto- Lei n 30615 de 25 de Julho de 1940

    A 7 de Maio de 1940, assinada a Concordata entre Portugal e a Santa S. Esta significou uma

    completa rutura na conceo do sistema de dissoluo do casamento. O Decreto-Lei n 30615,

    de 25 de Julho de 1940, que se seguiu, consagra a proibio do divrcio para os casamentos

    catlicos, celebrados a partir de 1 de Agosto de 1940. Face aos casamentos civis, o divrcio

    manteve-se nos mesmos termos.

    Como fundamento para esta alterao nos casamentos catlicos, provocando uma dualidade

    entre estes e os civis, a Concordata partia da presuno que os nubentes, ao optarem pelo

    casamento catlico, renunciavam ao direito ao divrcio34.

    importante notar, de forma a perceber o alcance desta alterao, que entre o ano da

    assinatura da Concordata e 1975, cerca de 90% da populao portuguesa que contraiu

    casamento, o fez de forma catlica.

    2.2.3. Decreto- Lei n 47344 de 25 de Novembro de 1966

    O Decreto- Lei n 47344, de 25 de Novembro de 1966, revogou o anterior Cdigo Civil de 1867

    e aprovou o Cdigo Civil vigente. Relativamente aos casamentos catlicos, a proibio de

    divrcio manteve-se, aplicando-se tambm aos casamentos civis quando, a partir de 1 de Agosto

    de 1940, tivesse sido celebrado casamento catlico entre os mesmo cnjuges.

    O mbito do divrcio foi, ainda, restringido, j que nos casamentos civis foi abolida a

    possibilidade do divrcio por mtuo consentimento ser diretamente requerido. Explicando, caso

    ambos os cnjuges estivessem de acordo em divorciar-se, teriam de requerer a separao

    judicial de pessoas e bens, numa primeira fase, podendo esta posteriormente vir a ser

    convertida em divrcio. Para isso, qualquer um dos cnjuges tinha de requerer o divrcio,

    decorridos trs anos sobre a sentena, que tinha decretado a separao de pessoas e bens, ou

    poderiam requerer o divrcio a todo o tempo, no caso de um dos cnjuges ter cometido

    adultrio depois da separao.

    34Artigo 24 da Concordata estabelecia:

    Em harmonia com as propriedades essenciais do casamento catlico, entende-se que, pelo prprio factoda celebrao do casamento cannico, os cnjuges renunciaro faculdade civil de requererem odivrcio, que por isso no poder ser aplicado pelos tribunais civis aos casamentos catlicos.

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    Desta forma, h uma preferncia pela separao de pessoas e bens face ao divrcio. A proibio,

    acabada de referir, do requerimento direto do divrcio por mtuo consentimento, foi realizada

    na expectativa de que durante a separao consensual, muitos dos cnjuges se reconciliassem,

    tal como nos explica o Professor Antunes Varela. Nas suas palavras esta preferncia tem o

    manifesto intuito de pugnar pela estabilidade da famlia35.

    Para a separao de pessoas e bens mantiveram-se os requisitos de ambos os cnjuges

    possurem mas de 25 anos e encontrarem-se casados por um perodo superior a 3 anos.

    A converso da separao judicial de pessoas e bens em divrcio no operava de forma

    automtica, podendo o tribunal indeferi-la. Por esta razo, o divrcio por mtuo consentimento,

    em ltima anlise, no dependia exclusivamente da vontade dos cnjuges, dependendo da

    apreciao do tribunal sobre se as circunstncias do caso aconselhavam ou no a dissoluodo casamento36.

    Por outro lado, a restrio do divrcio tambm se deu com a eliminao dos fundamentos de

    natureza objetiva da modalidade do divrcio litigioso, mantendo-se apenas os fundamentos

    subjetivos estando a culpa sempre pressuposta.37O Cdigo Civil consagrava, ento, o divrcio-

    sano, mas no um puro sistema de divrcio sano, j que segundo os Professores Pereira

    35Direito da Famlia, vol. I, Livraria Petrony, Lisboa, 1982, p. 391.36O artigo 1794 do Cdigo Civil na redao do decreto- Lei n 47344 de 25 de Novembro de 1966estabelecia:O tribunal na sentena final pode decretar, em vez do divrcio, a separao judicial de pessoas e bens,mesmo que esta no tenha sido pedida, se entender que as circunstancias do caso, designadamente, aviabilidade de uma reconciliao, aconselham a no dissoluo do casamentoPara o professor Amadeu Colao a expresso designadamente permitia ao juiz invocar causas diferentes

    da viabilidade de reconciliao ver Novo Regime do Divrcio, 2 ed., Almedina, Coimbra, 2009, p. 14.37Artigo 1778 do Cdigo Civil na redao do decreto- Lei n 47344 de 25 de Novembro de 1966estabelecia:A separao litigiosa de pessoas e bens pode ser requerida por qualquer dos cnjuges com fundamentoem algum dos factos seguintes:a) Adultrio do outro cnjugeb) Prticas anticoncecionais ou de aberrao sexual exercidas contra a vontade do requerente;c) Condenao definitiva do outro cnjuge, por crime doloso, em pena de priso superior a dois anos,seja qual for a natureza desta;d) Condenao definitiva pelo crime de lenocnio praticado contra descente ou irm do requerente, oupor homicdio doloso, ainda que no consumado, contra o requerente ou qualquer parente deste nalinha recta ou at ao terceiro grau da linha colateral;

    e) Vida e costumes desonrosos do outro cnjuge;f) Abandono completo do lar conjugal por parte do outro cnjuge, por tempo superior a trs anos;g) Qualquer outro facto que ofenda gravemente a integridade fsica ou moral do requerente.

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    Coelho e Guilherme Moreira, os factos que fundamentam o divrcio apenas o justificavam

    quando comprometessem a possibilidade de vida em comum dos cnjuges.38

    2.2.4. Decreto-Lei 261/75, de 27 de Maio

    Outro momento com grandes repercusses na evoluo histrica deste instituto, d-se com a

    Revoluo de 25 de Abril de 1974. A contestao relativa indissolubilidade do casamento

    catlico foi fortalecida pela queda da ditadura.

    Logo no ano seguinte, em 15 de Fevereiro de 1975, Portugal assina o Protocolo Adicional

    Concordata de 194039, que altera o art. 24 da Concordata40, na Cidade do Vaticano. Pelo

    Decreto-Lei n 261/75, de 27 de Maio, o divrcio passa a ser admissvel para todos oscasamentos, quer na modalidade de mtuo consentimento, quer no divrcio litigioso,

    restabelecendo a igualdade de condies entre os casamentos civis e catlicos (revogao dos

    artigos 1790 e 1794 do Cdigo Civil). No relatrio deste diploma, podemos ler que a

    modificao do regime vinha a ser exigida insistentemente por um largo sector da opinio

    pblica.

    interessante referir que a Santa S inseriu neste protocolo a seguinte advertncia A Santa S,

    reafirmando a doutrina da Igreja Catlica sobre a indissolubilidade do vnculo matrimonial,recorda aos cnjuges que contraram o matrimnio cannico o grave dever que lhes incumbe

    de se no valerem da faculdade civil de requerer o divrcio. Desta forma, proclamou a doutrina

    da Igreja Catlica sobre a indissolubilidade do casamento e o dever de no requerem o divrcio,

    passando este dever a ser um dever de conscincia perante a Igreja.

    Os artigos 4 e 5 do Decreto-Lei 261/75, de 27 de Maio, permitiram que os cnjuges que se

    encontravam casados catolicamente pedissem, nos dois anos subsequentes, o divrcio ou a

    separao de pessoas e bens, com fundamento em factos que se tivessem verificado

    38 Curso de Direito da Famlia, Introduo ao Direito Matrimonial, vol. I, 2 ed., Coimbra Editora,Coimbra, 2001, p. 608.39Protocolo Adicional Concordata foi aprovado para ratificao pelo Decreto n 187/75 de 4 de Abril.40Artigo 24 da Concordata alterado pelo Protocolo Adicional Concordata de 15 de Fevereiro de 1975:Celebrando o casamento catlico, os cnjuges assumem por esse mesmo facto, perante a Igreja, aobrigao de se aterem s normas cannicas que o regulam e, em particular, de respeitarem as suaspropriedades essenciais.

    A Santa S, reafirmando a doutrina da Igreja Catlica sobre a indissolubilidade do vnculo matrimonial,recorda aos cnjuges que contrarem o matrimnio cannico o grave dever que lhes incumbe de se novalerem da faculdade civil de requerer o divrcio.

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    anteriormente. Por outro lado, possibilitaram que em aes pendentes, se o pedido realizado

    tivesse sido a separao de pessoas e bens, fosse alterado para divrcio.

    A necessidade de requerer previamente a separao judicial de pessoas e bens foi mantida,

    assim como os seus requisitos. Contudo, a exigncia do decurso do prazo de 3 anos, sobre otrnsito em julgado da separao judicial de pessoas e bens, foi eliminado, para que um dos

    cnjuges tivesse a possibilidade de requerer a converso desta em divrcio.

    Por outro lado, o juiz deixou de ter a possibilidade de indeferir a converso da separao judicial

    de pessoas e bens em divrcio, caso entendesse que as circunstancias do caso aconselhassem a

    no dissoluo do casamento.

    Relativamente aos fundamentos do divrcio litigioso, este Decreto-Lei no alterou os

    anteriormente estabelecidos, pelo Decreto-Lei n 47344, de 25 de Novembro de 1966, que

    relembremos assentavam na culpa. Contudo, acrescentou dois novos fundamentos41, sendo

    importante atentar na alnea h)que estabelecia: A separao de facto livremente consentida,

    por 5 anos consecutivos. Tal como refere o Professor Amadeu Colao42: Nesta nova alnea h)

    verificamos o afloramento da primeira exceo ao conceito de divrcio -sano, constante da

    verso inicial do Cdigo Civil de 1966. Explicando a afirmao deste Professor, a alnea h)volta

    a consagrar uma causa objetiva, como fundamento do divrcio litigioso, independentemente da

    culpa dos cnjuges. A ideia de divrcio-consumao volta a aparecer.

    Face interpretao deste fundamento objetivo, a doutrina e a jurisprudncia divergiram. Para

    alguns autores, a separao de facto livremente consentida pressupunha um acordo e uma

    41Artigo 1778 do Cdigo Civil na redao do Decreto- Lei n 261/75, de 25 de Maio estabelecia:1. A separao litigiosa de pessoas e bens pode ser requerida por qualquer dos cnjuges comfundamento em algum dos factos seguintes:a) Adultrio do outro cnjuge

    b) Prticas anticoncecionais ou de aberrao sexual exercidas contra a vontade do requerente;c) Condenao definitiva do outro cnjuge, por crime doloso, em pena de priso superior a dois anos,seja qual for a natureza desta;d) Condenao definitiva pelo crime de lenocnio praticado contra descente ou irm do requerente, oupor homicdio doloso, ainda que no consumado, contra o requente ou qualquer parente deste na linhareta ou at ao terceiro grau da linha colateral;e) Vida e costumes desonrosos do outro cnjuge;f) Abandono completa do lar conjugal por parte do outro cnjuge, por tempo superior a trs anos;g) O decaimento em ao de divrcio ou separao na qual tenha sido feitas imputaes ofensivas dahonra e dignidade do outro cnjuge;h) A separao de facto livremente consentida, por 5 anos consecutivos;i) Qualquer outro facto que ofenda gravemente a integridade fsica ou moral do requerente.

    2. O prazo a que se reporta a alnea h) do nmero anterior relevante, mesmo que iniciado ou decorridoanteriormente data de publicao do diploma que altera a redao deste artigo .42Novo Regime do Divrcio, 2 ed., Almedina, Coimbra, 2009, p. 31.

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    deliberao por parte dos cnjuges. Para outros, a separao poderia ser espontaneamente

    provocada por um dos cnjuges, bastando ser aceite tacitamente pelo outro, desde que

    decorressem os cinco anos previstos sem que este demonstrasse algum inteno no sentido de

    pr fim separao.

    Por outro lado, a alnea i)dispunha: Qualquer outro facto que ofenda gravemente a integridade

    fsica ou moral do requerente.Era interpretada pela jurisprudncia como causa residual, em

    que se enquadravam quase todas as violaes dos deveres conjugais que no estivessem

    previstas nas alneas anteriores.

    2.2.5. O Decreto-Lei 6/76 de 10 de Janeiro

    O Decreto- Lei 6/76, de 10 de Janeiro, veio prever situaes que teriam escapado ao Decreto-

    Lei 261/75 e que teriam de ser previstas imediatamente por razes de justia e em ordem

    legitimao da famlia.

    No mbito do divrcio litigioso, o diploma vem regular a situao dos separados judicialmente

    de pessoas e bens, a quem por morte do outro cnjuge j no possvel requerer a converso

    em divrcio de tal separao e que ho-de aguardar o prazo internupcial, no obstante h muito

    haverem contrado nova ligao, da qual j nasceram filhos43

    .

    Neste caso, estipulado que cessaria o impedimento do prazo internupcial, se houvesse

    separao judicial de pessoas e bens, dos cnjuges casados catolicamente, decretada h mais

    de 180 dias, no caso do homem, ou 300 dias, no caso da mulher, e um dos cnjuges tivesse

    falecido data da sua entrada em vigor.

    2.2.6. Decreto-Lei 561/76 de 17 de Julho

    O Decreto-Lei 561/76, de 17 de Julho, modificou a j referida alnea h)do n1 do art. 1778 do

    Cdigo Civil. Relembrando a redao anterior, esta alnea estabelecia como fundamento do

    divrcio litigioso A separao de facto livremente consentida, por 5 anos consecutivos. Foi

    alterada, por um lado retirando-se a expresso livremente consentida e por outro

    aumentando o prazo de 5 para 6 anos. Passou, assim, a estabelecer A separao de facto, por

    seis anos consecutivos.

    43Prembulo do Decreto-Lei 6/76 de 10 de Janeiro.

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    Esta mudana trouxe a possibilidade a um dos cnjuges poder obter o divrcio,

    independentemente da existncia de culpa, o que j acontecia, mas, sobretudo,

    independentemente da vontade do outro cnjuge. Para isso, apenas precisava de alegar e

    provar a separao de facto por um perodo de 6 anos consecutivos. Este diploma vem assim

    alargar a vertente do divrcio-consumao. Neste sentido, estabelece o prembulo do Decreto-

    Lei 561/76, de 17 de Julho:

    O instituto do divrcio e de separao de pessoas e bens tem assumido, paralelamente

    natureza de uma soluo legal destinada a pr termo a situaes em que o vnculo conjugal,

    independentemente do comportamento ilcito ou moralmente reprovvel de um dos ou de

    ambos os cnjuges, se encontra irremediavelmente comprometido na sua subsistncia.

    A experiencia mostra que, pelos mais variados motivos, se criam situaes em que os cnjugesse desinteressam completamente um pelo outro, rompendo os laos afectivos e renunciando,

    irrevogavelmente, vida em comum.

    ()

    Considera-se oportuno, pois, facultar a providncia legislativa adequada satisfao dos

    interesses legtimos dos cnjuges que, criando situaes com as descritas, no dispem,

    atualmente, de meios legais para lhes pr termos e reorganizarem a sua vida familiar.

    2.2.7. Decreto-Lei 605/76 de 24 de Julho

    O Decreto-Lei 605/76, de 24 de Julho, na modalidade do divrcio por mtuo consentimento,

    reduziu o prazo de separao de facto para a apresentao do pedido de divrcio de 3 para 2

    anos. A exigncia de ambos os cnjuges terem 25 anos ou mais permaneceu.

    Este diploma introduziu tambm alteraes ao nvel processual nas duas modalidades de

    divrcio44.

    2.2.8. Decreto-Lei 496/77, de 25 de Novembro

    A Reforma do Cdigo Civil de 1977 introduziu grandes modificaes no Cdigo Civil,

    designadamente no mbito do direito da famlia. Desde logo, importante referir a consagrao

    44Sobre alteraes processuais introduzidas pelo Decreto-Lei 605/76 de 24 de Julho ver COLAO,Amadeu, Novo Regime do Divrcio,5 ed., Almedina, Coimbra, 2009, pp. 15 e seguintes e p. 33.

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    do princpio de que o casamento se baseia na igualdade de direitos e deveres dos cnjuges (ver

    o n1 do art. 1671 do Cdigo Civil). Aos deveres de fidelidade, coabitao e assistncia foram

    adicionados os deveres de respeito e cooperao.

    Os Professores Pereira Coelho e Guilherme Oliveira chamam a nossa ateno para duasalteraes de ordem sistemtica45. Em primeiro lugar, o divrcio passou a ter uma regulao

    completa na lei, para a qual se remete ao regular o regime da separao de pessoas e bens, tal

    como nas leis estrangeiras. Dado o maior nmero de divrcios que separaes, deu-se esta

    inverso, j que no Cdigo de 1966 era regulada a separao de pessoas e bens com detalhe,

    aplicando-se esta ao divrcio atravs de uma remisso.

    Em segundo lugar, o divrcio por mtuo consentimento passou a preceder o divrcio litigioso,

    o que acabava por sugerir uma certa preferncia da lei por a primeira modalidade. Alm disso,a lei passou a obrigar o juiz a procurar o acordo dos cnjuges para o divrcio por mtuo

    consentimento, no caso de no resultar a tentativa de conciliao no processo de divrcio

    litigioso, e permitiu s partes convolar o processo de divrcio litigioso em divrcio por mtuo

    consentimento em qualquer altura do processo.

    Focando-nos no regime do divrcio por mtuo consentimento, deixou de ser necessrio a fase

    da separao judicial de pessoas e bens. Este passou, assim, a poder ser requerido diretamente.

    Alterou ainda o regime processual desta modalidade de divrcio (como do divrcio litigioso)46

    .

    Paralelamente, os requisitos legais para o divrcio por mtuo consentimento foram

    modificados. Em primeiro lugar, o prazo mnimo de durao do casamento, para poder ser

    requerido o divrcio por mtuo consentimento, foi elevado de 2 para 3 anos.

    Por outro lado, a exigncia da idade mnima de 25 anos foi eliminada. Dando a lei aos indivduos

    a capacidade para celebrarem casamento a partir de certa idade, no faria sentido que lhes

    negasse a capacidade para se divorciarem, j que o divrcio no um ato de maior

    responsabilidade que o casamento.

    Por ltimo, passou a constituir requisito o prvio acordo dos cnjuges em matrias como a

    prestao de alimentos ao cnjuge que dele carecesse, o poder paternal, o destino da morada

    45Curso de Direito da Famlia, Introduo ao Direito Matrimonial, vol. I, 2 ed., Coimbra Editora,

    Coimbra, 2001, p. 590.46Sobre alteraes processuais introduzidas pelo Decreto-Lei 496/77 de 25 de Novembro ver COLAO,Amadeu, Novo Regime do Divrcio,5 ed., Almedina, Coimbra, 2009, pp. 17 e seguintes e p. 34.

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    de famlia e o regime provisrio a vigorar na pendncia do processo sobre as matrias

    referidas47.

    No caso do divrcio litigioso, regressamos a um sistema misto de causas objetivas e subjetivas,

    previsto inicialmente pelo Decreto de 3 de Novembro de 1910. Assim, o divrcio litigioso passoua conter duas variantes, o divrcio fundado na violao culposa dos deveres conjugais e o

    fundado na rutura da vida em comum.

    Na primeira variante, o n 1 do art. 1779 do Cdigo Civil, dispunha: Qualquer dos cnjuges

    pode requerer o divrcio se o outro violar culposamente os deveres conjugais, quando a violao,

    pela sua gravidade ou reiterao, comprometa a possibilidade da vida em comum. Desta forma,

    h um abandono das causas tipificadas de divrcio, passando a adotar-se um sistema de causa

    geral, onde no se especificam as violaes que so causa do divrcio, utilizando-se, em vezdisso, uma clusula geral.

    Nas palavras dos Professores Pereira Coelho e Guilherme Oliveira, face ao Cdigo de 1966, A

    enumerao legal das causas de divrcio traduzia, no fundo, o carcter repressivo e penal de que

    o divrcio se revestia na teoria clssica do divrcio-sano. Era, de alguma maneira, uma

    expresso do princpio nullum crimen sine lege: a pena do divrcio s devia ser imposta aos

    deveres conjugais como tais tipicizados na lei48.Como nos explicam, com a reforma de 1977,

    no fazia sentido esta tipificao permanecer. Os deveres conjugais podem ser violados dediversas formas sendo o catlogo sempre deficiente. Olhando para o direito comparado, poucas

    legislaes tm um sistema de numerus clausus, inserindo, quase todas, uma clusula geral.

    Nesta variante a ideia do divrcio-sano no foi esquecida, estando a culpa de um dos cnjuges

    sempre presente. Esta conceo de divrcio era visvel por um lado, na legitimidade para a

    interposio da ao que apenas cabia ao cnjuge inocente49, e por outro, nas consequncias

    decorrentes da declarao do cnjuge culpado (nico ou principal) pelo divrcio.

    Quanto a estas consequncias, a primeira a assinalar prendia-se com a eficcia das liberalidades

    a favor dos cnjuges, ou seja, enquanto o cnjuge declarado culpado perdia todos os benefcios

    47Ver o n 2 do art. 1775 do Cdigo Civil na redao dada pelo Decreto-Lei 476/77, de 25 deNovembro.48Curso de Direito da Famlia, Introduo ao Direito Matrimonial, vol. I, 2 ed., Coimbra Editora,Coimbra, 2001, p. 612.49Artigo 1785 na redao doDecreto- Lei n. 496/77, de 25 de Novembro:1. S tem legitimidade para intentar aco de divrcio, nos termos do artigo 1779., o cnjuge ofendidoou, estando este interdito, o seu representante legal, com autorizao do conselho de famlia; quando o

    representante legal seja o outro cnjuge, a aco pode ser intentada, em nome do ofendido, porqualquer parente deste na linha recta ou at ao terceiro grau da linha colateral, se for igualmenteautorizado pelo conselho de famlia.

    http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=781&tabela=leis&ficha=1&pagina=1&so_miolo=http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=781&tabela=leis&ficha=1&pagina=1&so_miolo=http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=781&tabela=leis&ficha=1&pagina=1&so_miolo=http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=781&tabela=leis&ficha=1&pagina=1&so_miolo=
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    recebidos, ou a receber, do outro cnjuge, ou de terceiro, em vista do casamento ou em

    considerao do casamento, o cnjuge inocente, ou o que no fosse declarado principal

    culpado, conservava esses benefcios, mesmo estipulados em clusula de reciprocidade. O

    cnjuge inocente podia renunciar a esses benefcios por declarao unilateral, mas no caso de

    haver filhos, s poderia renunciar a favor deles50.

    As consequncias relativamente ressarcibilidade dos danos no patrimoniais causados pelo

    divrcio tambm se distinguiam. O cnjuge principal ou nico culpado teria de reparar os danos

    no patrimoniais que causassem ao outro em virtude da dissoluo do casamento51.

    Quanto ao direito a alimentos, por norma o cnjuge nico ou principal culpado estaria obrigado

    a prestar alimentos ao outro. Em casos excecionais, por motivos de equidade, poderia ser o

    cnjuge inocente, ou menos culpado, a ficar obrigado a prestar alimentos, tendo emconsiderao a durao do casamento e a colaborao prestada pelo cnjuge inocente

    economia do casal52.

    Por ltimo, na partilha, o cnjuge declarado nico ou principal culpado no podia receber mais

    do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado sobre o regime da comunho de

    adquiridos53.

    Esta disposio garantia a proteo do cnjuge inocente, j que este assegurava todos os bens

    que tivesse levado para o matrimnio ou que tivesse entretanto adquirido a ttulo gratuito (por

    herana ou doao). Por outro lado, era uma sano patrimonial para o cnjuge declarado nico

    ou principal culpado no sentido de evitar que este recebesse na partilha metade dos bens

    referidos.

    A segunda vertente do divrcio litigioso consistia, como j referi, na rutura da vida em comum,

    sem estar dependente da culpa por parte de um ou dos dois cnjuges. O art. 1781 segundo a

    redao dada pelo Decreto-Lei 476/77, de 25 de Novembro, estabelecia:

    So ainda fundamentos do divrcio litigioso:

    a) A separao de facto por seis anos consecutivos;

    b) A ausncia, sem que do ausente haja notcias, por tempo no inferior a quatro anos;

    50Ver o art. 1791 do Cdigo Civil na redao dada pelo Decreto-Lei 476/77, de 25 de Novembro.51Ver o art. 1792 do Cdigo Civil na redao dada pelo Decreto-Lei 476/77, de 25 de Novembro.52

    Ver a alnea a) do n 1 e o n 2 do art. 1775 do Cdigo Civil na redao dada pelo Decreto-Lei 476/77,de 25 de Novembro.53Ver o art. 1790 do Cdigo Civil na redao dada pelo Decreto-Lei 476/77, de 25 de Novembro.

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    c) A alterao das faculdades mentais do outro cnjuge, quando dure h mais de seis anos e,

    pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum.

    As alneas a)e b)so preenchidas com a ideia de divrcio-consumao, que ia sendo valorizada

    no nosso ordenamento jurdico. No entanto, nos dois casos continuava a existir a imposio dojuiz declarar a culpa dos cnjuges54, se esta existisse, mantendo-se presente a ideia do divrcio-

    sano.

    Por outro lado, na alnea c) est presente a vertente do divrcio-remdio. No entanto, a

    alterao das faculdades mentais como fundamento do divrcio poderia ser afastado no caso

    de se presumir que o divrcio viesse a agravar consideravelmente o estado do mental do ru.

    Alm disto, o cnjuge ru teria o direito de exigir ao cnjuge requerente alimentos e a reparao

    de danos no patrimoniais causados pela dissoluo do casamento55

    .

    Nesta variante, a lei especificou trs situaes que permitem ao cnjuge requerer o divrcio,

    utilizando um sistema de tipicidade das causas do divrcio. As causas so, desta forma,

    determinadas, sendo factos que a lei individualiza e especifica com preciso.

    Os Professores Pereira Coelho e Guilherme Oliveira caracterizam o sistema vigente como um

    sistema de compromisso, em que a componente dominante a do divrcio-constatao da

    ruptura do casamento mas que continua a dar culpa um lugar aprecivel. No aceitou o nosso

    direito o modelo puro de ruptura, em que a causa do divrcio a prpria ruptura em si,

    independentemente das razes que a tenham determinado56.

    2.2.9. Decreto-Lei 163/95 de 13 de Julho

    O regime do divrcio sofreu outras alteraes na sequncia do Decreto- Lei 131/95, de 6 de

    Junho, que alterou o Cdigo do Registo Civil. O Decreto-Lei n 163/95, de 13 de Julho, atribui

    competncias aos Conservadores do Registo Civil para decretarem o divrcio e a separao de

    pessoas e bens por mtuo consentimento, paralelamente aos tribunais. Alm dos outros

    54Ver o n 2 do art. 1782 do Cdigo Civil na redao dada pelo Decreto-Lei 476/77 de 25 de Novembro,quanto separao de facto, e o art. 1783 do Cdigo Civil na redao dada pelo Decreto-Lei 476/77, de25 de Novembro quanto ausncia.55Ver o n1 do art. 1775 e a alnea b)do n1 do art. 2016 do Cdigo Civil na redao dada peloDecreto-Lei 476/77, de 25 de Novembro.56

    Curso de Direito da Famlia, Introduo ao Direito Matrimonial, vol. I, 2 ed., Coimbra Editora,Coimbra, 2001, p. 610.

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    requisitos substantivos, exigia-se que o casal no tivesse filhos menores, ou no caso de os ter,

    que j estivesse judicialmente regulado o exerccio do poder paternal.

    O processo do divrcio por mtuo consentimento passou a ter duas formas: a forma de processo

    administrativo, nos casos que acabei de referir, em que requerido na conservatria do registocivil, ou a forma de processo judicial, quando o poder paternal no se encontrasse regulado ou

    quando o processo de divrcio se tivesse iniciado como litigioso, mas os cnjuges tivessem

    decidido a sua converso para a modalidade de mtuo consentimento, sendo requerido e

    decidido em tribunal.

    As decises do conservador civil passaram a produzir os mesmos efeitos que as sentenas

    judiciais.

    2.2.10. A Lei 47/98, de 10 de Agosto

    Atravs da Lei n 47/98, de 10 de Agosto, o divrcio por mtuo consentimento passou a poder

    ser requerido pelos cnjuges a todo o tempo. Deste modo, foi eliminada a exigncia do decurso

    do prazo de 3 anos de casamento.

    Este prazo tinha subjacente a necessidade de permitir aos cnjuges adaptarem-se ao novo

    estado de casados, evitando que no tomassem uma deciso precipitada. Os Professores Pereira

    Coelho e Guilherme Oliveira a este respeito referem Em face daquelas alteraes, legtimo

    perguntar se o divrcio por mtuo consentimento assenta na suposio da lei de que haja uma

    causa que permitia a um dos cnjuges, ou a ambos, requerer o divrcio litigioso, nos termos dos

    artigos. 1779 e 1781 do CCivil, uma causa que os cnjuges apenas no tm de revelar, ou se

    o divrcio assenta pura e simplesmente na vontade dos cnjuges de porem termo ao casamento,

    que ficaria sujeito, sob este aspecto ao regime geral dos contratos (art. 406, n1), sendo este o

    novo esprito desta modalidade de divrcio57

    .

    No divrcio litigioso o prazo para que a separao de facto pudesse constituir fundamento foi

    reduzido de 6 para 3 anos. Introduziu-se, ainda, a possibilidade de o divrcio ser decretado em

    caso de separao de facto pelo perodo de um ano, desde que no se verificasse a oposio do

    outro cnjuge.

    Foi igualmente reduzido de 6 para 3 anos, o prazo de durao da alterao das faculdades

    mentais do outro cnjuge que pela sua gravidade pudessem comprometer a possibilidade de

    57Idem, p. 597.

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    vida em comum. A situao na qual fosse de presumir que o divrcio agravaria

    consideravelmente o estado mental do ru deixou de ser uma causa de indeferimento do

    divrcio com base na alterao das faculdades mentais de um dos cnjuges.

    Por ltimo, o perodo mnimo de ausncia de um dos cnjuges, sem que do ausente haja notcia,como fundamento do divrcio, diminui de 4 para 2 anos.

    2.2.11. Decreto-Lei 272/2001, de 13 de Outubro e Decreto-Lei 324/2007, de 28 de

    Setembro

    O Decreto-Lei 272/2001, de 13 de Outubro, e o Decreto-Lei 324/2007, de 28 de Setembro,

    alteraram o processo administrativo e judicial do divrcio por mtuo consentimento.58

    Alm disto, entre outras alteraes, o Decreto-Lei n 272/2001, de 13 de Outubro, atribuiu aos

    Conservadores do Registo Civil a competncia exclusiva para os processos de separao e

    divrcio por mtuo consentimento, excecionando os casos que resultarem da converso de

    divrcio litigioso. Desta forma, alargou-se o mbito do processo administrativo, reduzindo a

    aplicao do processo judicial.

    Gostaramos tambm de chamar a ateno para o facto de se ter mantido a obrigatoriedade de

    o Conservador do Registo Civil, no divrcio por mtuo consentimento, submeter o acordo dos

    pais apreciao do Ministrio Pblico, quando o poder paternal no se encontrasse regulado.

    Desta forma, os interesses dos filhos menores so protegidos com a participao ativa do

    Ministrio Pblico.

    2.3. A nova conceo de divrcio com a Lei n 61/2008, de 31 de Outubro

    Iremos dar particular ateno Lei n 61/2008, de 31 de Outubro, uma vez que esta modificou

    profundamente o regime do divrcio. Segundo o Projeto de Lei n 509/X, na base dos Decretos

    ns 232/X e 245/X e da Lei 61/2008, de 31 de Outubro, o objetivo desta Lei retomar o esprito

    renovador, aberto e moderno que marcou h quase 100 anos a I Repblica, adequando a lei do

    divrcio ao sculo XXI.

    58

    Sobre alteraes processuais introduzidas por estes diplomas ver COLAO, Amadeu, Novo Regime doDivrcio,5 ed., Almedina, Coimbra, 2009, pp. 20 e seguintes.

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    O novo regime tenta acompanhar as transformaes econmicas e sociais que ocorreram na

    sociedade portuguesa e que afetaram a forma de pensar e viver o casamento, contribuindo para

    o aumento do nmero de divrcios nos ltimos 40 anos.

    Por um lado, a lgica tradicional da famlia em torno do patriarca, que decidia o casamento dosfilhos, desapareceu, surgindo o modelo de famlia conjugal moderna em que se parte do

    casamento para definir a famlia.

    Por outro lado, com a entrada de mulheres no mercado de trabalho diminui a dependncia do

    casamento como modo de vida, o que significou maior autonomia financeira para ambos os

    cnjuges.

    Com a desruralizao e o crescimento das classes mdias, os aspetos estritamente patrimoniais

    tm menos importncia na deciso de casar, havendo mais liberdade. O centro desta deciso

    passa a ser os afetos e o bem-estar dos indivduos.

    O Projeto de Lei n 509/X refere uma tendncia de sentimentalizao, individualizao e

    secularizao. Sentimentalizao no sentido em que os afetos esto no centro da relao

    conjugal e na relao pais-filhos. Esta dimenso afetiva torna decisiva a felicidade individual,

    no permitindo tolerar um casamento que se tornou uma fonte de mal-estar: Passou a

    considera-se que os indivduos no seriam obrigados a manter a qualquer preo a instituio ()

    Aceitar o divrcio passou a ser sinal, no de facilitismo, mas de valorizao da conjugalidade

    feliz e conseguida59.

    A individualizao significa a liberdade de assumir para si, e aceitar nos outros, a escolha de

    modos prprios de encarar e de viver a vida privada, nesta caso a esfera familiar. Segundo o

    Projeto de Lei n 509/ X: A afirmao da igualdade entre homens e mulheres, e ainda, Maior

    liberdade na vida privada, mais margem de manobra individual quanto conduo da vida

    conjugal e familiar, maior afirmao dos direitos individuais entre pares, so sinais de

    individualizao que se refletem no casamento.

    Por ltimo, a secularizao expressa a retrao das referncias religiosas para a esfera mais

    ntima da vida privada, como visvel na diminuio dos casamentos catlicos.

    O mesmo Projeto de Lei sintetiza a conceo atual do divrcio no Estado Portugus, sobre a

    qual todo o nosso trabalho se ir debruar:Sendo a rutura conjugal, com muita frequncia, um

    processo emocionalmente doloroso, a tendncia tem sido tambm, ao nvel legislativo, e nos

    59Projeto de Lei n 509/X.

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    pases europeus que nos vo servindo de referncia, para retirar a carga estigmatizadora e

    punitiva que uma lgica de identificao de culpas s pode agravar. Incentiva-se ainda o recurso

    a formas de dirimir o conflito atravs da mediao familiar como soluo de proximidade e no

    sentido de evitar arrastamentos judiciais penosos e desgastantes. Sempre que a modalidade do

    mtuo acordo seja impossvel e no haja consentimento de uma das partes, a lei procura

    assentar em causas objetivas a demonstrao da rutura da vida em comum e a vontade de no

    a continuar.

    2.3.1. Os pontos chave da alterao legislativa de 2011

    Eliminao da culpa no divrcio litigioso

    Comeando pelas alteraes relativas ao divrcio litigioso, este passa a ser designado divrcio

    sem consentimento de um dos cnjuges60 61. A modificao da sua designao desperta,

    imediatamente, a nossa ateno para a eliminao da culpa, quer como fundamento, quer

    quanto aos efeitos desta modalidade de divrcio. Este a ideia principal que rege o novo regime

    jurdico do divrcio. A exposio de motivos do Projeto de Lei n 509/X explica esta nova

    conceo de divrcio: ningum deve permanecer casado contra a sua vontade ou se considerar

    que houve quebra do lao afetivo. () A invocao da rutura definitiva da vida em comum deve

    ser fundamento suficiente para que o divrcio possa ser decretado.

    Neste sentido, a lei de 2008 eliminou da ordem jurdica portuguesa o divrcio-sano, deixando

    culpa conjugal de ser a causa basilar da dissoluo do casamento. Segundo a Professora Cristina

    M. Arajo Dias, a violao culposa dos deveres conjugais perde autonomia como pressuposto

    do divrcio. Sobre esta alterao pronuncia-se a Professora Fidlia Proena de Carvalho: As

    noes de culpa e correspondente sano que durante tanto tempo aprisionaram o instituto do

    divrcio, so cada vez mais incompreensveis e injustificadas, quando comparadas com o

    60O Presidente da Repblica pronunciou-se sobre o afastamento da culpa na ao de divrciofundamentando a no promulgao do Decreto n 232/X da Assembleia da Repblica. Ver a esterespeito a mensagem do Presidente da Repblica ao Presidente da Assembleia da Repblica em20.08.2008, pontos 4 a 8 e 11. No obstante a reapreciao do Decreto da AR n 232/X em17.09.2008, foi aprovado em Plenrio da Assembleia da Repblica o Decreto da AR n 245/X que deulugar Lei n61/2008, onde foi mantida a opo legislativa de eliminao da culpa como fundamento da

    modalidade de divrcio sem consentimento do outro cnjuge.61Apesar da substituio por divrcio sem consentimento continuam a existir vrias disposies legaisonde a expresso divrcio litigioso se mantm. A ttulo de exemplo, ver o art. 1829 do Cdigo Civil.

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    conceito de conjugalidade atual que o casamento no poder ser considerado um vnculo

    jurdico indissolvel e que apenas deve perdurar enquanto se mantiver a affectio conjugalis62.

    Tendencialmente, a legislao europeias tambm tm abandonado a culpa como fundamento

    do divrcio, assentando este instituto na simples constatao da rutura do casamento. Noentanto, a culpa continua a ter algum relevo quanto s causas e efeitos do divrcio tanto em

    alguns sistemas de cariz continental (como no caso francs) como em common law.

    Agora o divrcio litigioso , unicamente, requerido com fundamento em causas objetivas

    amplas. Como corolrio desta opo legislativa, no mbito da ao judicial, o tribunal no pode

    determinar ou graduar a eventual violao culposa dos deveres conjugais, com vista aplicao

    de quaisquer sanes patrimoniais ou outras.

    Consagrou-se uma nova causa geral objetiva, na alnea d)do 1781 do Cdigo Civil, alargando-

    se os fundamentos da rutura conjugal. Atualmente, basta qualquer facto que demonstre a

    rutura definitiva do casamento, independentemente da culpa dos cnjuges, para o divrcio

    poder ser requerido. Para compreendermos a razo desta clusula geral podemos ler na

    exposio de motivos do projeto de lei n 509/X na base da Lei n 61/2008: se o sistema do

    divrcio rutura pretende reconhecer os casos em que os vnculos matrimonia is se perderam

    independentemente da causa desse fracasso, no h razo para no admitir a relevncia de

    outros indicadores fidedignos da falncia do casamento. Por isso, acrescenta-se uma clusulageral que atribui relevo a outros factos que mostram claramente a rutura manifesta do

    casamento, independentemente da culpa dos cnjuges e do decurso de qualquer prazo.

    Com esta alterao, segundo o Prof. Joo Queiroga Chaves a inteno do legislador foi

    claramente a de facilitar a concesso do divrcio63. Diminuram os prazos para a concesso do

    divrcio fundado em causas objetivas, nomeadamente para que a separao de facto, alterao

    de faculdades mentais e ausncia possam fundamentar o divrcio. O prazo passou a ser igual

    para todas situaes, designadamente 1 ano64

    .

    interessante notar que a violncia domstica no est prevista expressamente como

    fundamento para requerer o divrcio. Segundo o Projeto de Lei acima citado, a violncia

    domstica exemplo tpico da clusula geral da alnea d)do art. 1781 do Cdigo Civil. Caber

    62 O conceito de culpa no divrcioCrime e Castigo,Comemoraes dos 35 anos do Cdigo Civil e dos25 anos da Reforma de 1977. Direito da Famlia e das Sucesses , vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2004,p. 589.63

    Casamento, Divrcio e Unio de Facto, Quid Juris?Sociedade Editora, Lisboa, 2009, p. 220.64O prazo de um ano foi igualmente previsto para a converso da separao judicial de pessoas e bensem divrcio (art. 1795D).

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    ao juiz apreciar em funo da rutura do casamento a violncia domstica, podendo

    desvalorizarem-se factos que so qualificados pela lei penal como crime e no se acautelarem

    devidamente os direitos das mulheres vtimas de violncia domstica65, segundo a Professora

    Cristina Arajo Dias.

    No parecer da Associao Portuguesa de Mulheres Juristas (APMJ) face ao Decreto n232/X,

    defende-se: Na opinio da Associao Portuguesa de Mulheres Juristas, um sistema que

    suprima o divrcio litigioso por violao culposa dos deveres conjugais no pode deixar de prever

    expressamente a violncia domstica contra as mulheres e os maus-tratos s crianas, como

    causas do divrcio sem o consentimento do outro cnjuge.

    Caso contrrio, a lei est a contribuir para a invisibilidade da violncia e para a perpetuao da

    discriminao das mulheres e das crianas, continuando o Cdigo Civil a refletir a concepotradicional de famlia como santurio e a imunidade do agressor.

    Neste parecer, a mesma associao acrescenta ainda outra dimenso do problema: Entende a

    Associao Portuguesa de Mulheres Juristas que, face ao princpio da unidade do sistema

    jurdico, no possvel afirmar que a violncia domstica um facto ilcito civil e penal e no

    obstante inclui-lo no elenco das causas objetivas do divrcio, ou seja das que decorrem

    independentemente da culpa, no constituindo assim facto culposo.

    A no ser, naturalmente, que se considere que a vitimao por violncia domstica constitui,

    para as mulheres, um risco inerente ao casamento, sem culpa de ningum!!!

    ()

    As mulheres vtimas de violncia domstica, culpadas pelo agressor de todos os problemas

    familiares, precisam que, nos processos de divrcio, os Tribunais de Famlia reconheam o seu

    sofrimento e a culpa do agressor.

    importante salientar que o art. 178666do Cdigo Civil que estabelecia o prazo de caducidade

    do direito ao divrcio foi revogado pela Lei de 2008. Consequentemente, a ao de divrcio,

    65Uma anlise do novo regime jurdico do divrcio Lei n 61/2008 de 31 de Outubro, 2 ed., Almedina,Coimbra, 2009, p. 37.66 Artigo 1786 do Decreto-Lei n 496/77, de 25 de Novembro, alterado pelo Decreto- Lei n 605/76, de24 de Julho:(Caducidade da aco)1. O dir