Discutindo a gestão dos objetivos e resultados desse negócio peculiar que é o futebol.

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Gestão Esporte Clube S/A: Discutindo a gestão dos objetivos e resultados desse negócio peculiar que é o futebol. Anderson Leonardo de Castro Seabra Os clubes de futebol ao longo dos anos e de maneira muito gradual começaram a alterar a forma como percebem tal esporte, deixando de se basearem somente em valores e tradições para se tornarem organizações que enfatizam critérios de eficiência, rentabilidade e competitividade (RODRIGUES e SILVA, 2009). Consequentemente essas organizações esportivas vem se convertendo em empresas complexas, intrinsecamente preocupadas com questões economicas, financeiras. Quanto à estrutura organizacional, já não são tão diferentes de outras empresas do setor privado e operam em semelhantes estruturas jurídicas e de governança. Desta forma, a importância social do futebol tem aumentado a medida que o esporte profissional torna-se uma parte estável nas estruturas economicas orientadas para o lucro. No entanto, apesar da sua popularidade, o esporte ainda não recebe o tratamento profissional que seu impacto economico sugere. No contexto do Brasil, onde o jogo bonito encontra-se num território mais social e emocional que empresarial, ainda encontram-se muitas lacunas a serem exploradas. Ademais, igualmente como acontece com todos os setores da economia, o negócio do futebol está operando em um clima econômico difícil. Em decorrência desta transformação, advém então, a necessidade de uma gestão mais profissional voltada principalmente para a obtenção de resultados financeiros e econômicos. Adicionalmente, os recentes debates pré e pós Copa do Mundo acerca da profissionalização da gestão do futebol no país podem está a revelar outra tendência para a forma que o esporte é conduzido. Embora o objetivo prioritário dos clubes de futebol seja, em teoria, a obtenção de títulos (LEONCINI; SILVA, 2000; MYSKIW, 2006), Fernandes (2000) enfatiza a lucratividade como finalidade de qualquer organização e Soriano (2010) e Barros, Assaf e Earp (2010) completam afirmando que o desempenho financeiro deve estar conectado ao esportivo. Desta forma, passa a ser semelhante o desafio dos clubes esportivos e das empresas, que é implementar modernas técnicas administrativas, adotando métodos de gestão que permitam às mesmas serem competitivas. Apesar dessas similaridades citadas com as organizações de outros setores da economia, os clubes de futebol são empresas incomuns. São organizações julgadas pelo que acontece dentro e fora do campo de jogo. Ademais elas existem em um espaço emocional e social peculiar, onde as relações entre organização (os times) e partes interessadas (torcedores, comunidade, patrocinadores) são reconhecidamente fortes. Não é novidade que elas possam interferir no comportamento empresarial e de tomada de decisão: por exemplo, os objetivos do clubes de futebol, em particular o desejo de sucesso de campo, são susceptíveis de ter implicações para a tomada de decisões de negócios, observam Rezende e Pereira (2005, p. 1). É facilmente notável que parte dos torcedores ainda não se importa com os gastos e arrecadação de receitas, e sim com os títulos e as contratações de jogadores. Tudo isso acima mencionado leva a um dilema que torna o negócio do futebol ainda mais singular: É mais importante maximizar os lucros/receitas ou maximizar os títulos? Não se deve esquecer que os clubes disputam títulos e, assim sendo, a gestão estratégica do clube de futebol procura gerir de forma eficaz os recursos, para obter a maximização das receitas e o controle de custos simultaneamente à obtenção de títulos (PEREIRA et al, 2004). O ideal não seria administrar para conquistar ambos os objetivos?

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Gestão Esporte Clube S/A: Discutindo a gestão dos objetivos e

resultados desse negócio peculiar que é o futebol.

Anderson Leonardo de Castro Seabra

Os clubes de futebol ao longo dos anos e de maneira muito gradual começaram a alterar a forma como percebem tal esporte, deixando de se basearem somente em

valores e tradições para se tornarem organizações que enfatizam critérios de eficiência, rentabilidade e competitividade (RODRIGUES e SILVA, 2009). Consequentemente essas organizações esportivas vem se convertendo em empresas complexas,

intrinsecamente preocupadas com questões economicas, financeiras. Quanto à estrutura organizacional, já não são tão diferentes de outras empresas do setor privado e operam

em semelhantes estruturas jurídicas e de governança. Desta forma, a importância social do futebol tem aumentado a medida que o esporte profissional torna-se uma parte estável nas estruturas economicas orientadas para o lucro.

No entanto, apesar da sua popularidade, o esporte ainda não recebe o tratamento profissional que seu impacto economico sugere. No contexto do Brasil, onde o jogo

bonito encontra-se num território mais social e emocional que empresarial, ainda encontram-se muitas lacunas a serem exploradas. Ademais, igualmente como acontece com todos os setores da economia, o negócio do futebol está operando em um clima

econômico difícil. Em decorrência desta transformação, advém então, a necessidade de uma gestão mais profissional voltada principalmente para a obtenção de resultados financeiros e econômicos. Adicionalmente, os recentes debates pré e pós Copa do

Mundo acerca da profissionalização da gestão do futebol no país podem está a revelar outra tendência para a forma que o esporte é conduzido.

Embora o objetivo prioritário dos clubes de futebol seja, em teoria, a obtenção de títulos (LEONCINI; SILVA, 2000; MYSKIW, 2006), Fernandes (2000) enfatiza a lucratividade como finalidade de qualquer organização e Soriano (2010) e Barros, Assaf

e Earp (2010) completam afirmando que o desempenho financeiro deve estar conectado ao esportivo. Desta forma, passa a ser semelhante o desafio dos clubes esportivos e das

empresas, que é implementar modernas técnicas administrativas, adotando métodos de gestão que permitam às mesmas serem competitivas.

Apesar dessas similaridades citadas com as organizações de outros setores da

economia, os clubes de futebol são empresas incomuns. São organizações julgadas pelo que acontece dentro e fora do campo de jogo. Ademais elas existem em um espaço

emocional e social peculiar, onde as relações entre organização (os times) e partes interessadas (torcedores, comunidade, patrocinadores) são reconhecidamente fortes. Não é novidade que elas possam interferir no comportamento empresarial e de tomada

de decisão: por exemplo, os objetivos do clubes de futebol, em particular o desejo de sucesso de campo, são susceptíveis de ter implicações para a tomada de decisões de

negócios, observam Rezende e Pereira (2005, p. 1). É facilmente notável que parte dos torcedores ainda não se importa com os gastos e arrecadação de receitas, e sim com os títulos e as contratações de jogadores.

Tudo isso acima mencionado leva a um dilema que torna o negócio do futebol ainda mais singular: É mais importante maximizar os lucros/receitas ou maximizar os

títulos? Não se deve esquecer que os clubes disputam títulos e, assim sendo, a gestão estratégica do clube de futebol procura gerir de forma eficaz os recursos, para obter a maximização das receitas e o controle de custos simultaneamente à obtenção de títulos

(PEREIRA et al, 2004). O ideal não seria administrar para conquistar ambos os objetivos?

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Independente do que prioriza a organização que vive do futebol, o bom

desempenho financeiro é aspecto que deve ser considerado para sobrevivência de um clube ou de uma liga, assim como também é uma parte importante da boa governança.

Isso tem a ver com a capacidade de avaliar as informações financeiras, gerir os fundos efetivamente e implementar boas práticas. Muitas vezes, os organismos de futebol ou clubes nomeiam um diretor financeiro com alguma experiência em contabilidade para

assumir esta responsabilidade. No entanto, cada membro do conselho deve ter um entendimento de contas de um clube e relatórios financeiros. Este conhecimento vai

ajudar com o planejamento estratégico, prestação de contas, governança corporativa e gestão de risco eficaz como defende Omondi (2010).

Porém essa não é a realidade da maioria dos clubes de futebol no Brasil. E

mesmo após sucessivas mudanças de gestão, os problemas que têm atormentado essas equipes há anos ainda são evidentes. As raízes dos problemas estão nos anos de

gerências inconsequentes de diretores que buscam conquistas imediatas a qualquer preço em detrimento do sucesso a longo prazo levando os clubes a se afogarem em dívidas, sangrarem dinheiro em contratações e esvaziar os estádios. Se os principais

clubes de elite fossem negócios comuns em outros setores já estariam falidos. Neste sentido estamos diante de uma necessidade real de um modelo de

avaliação e mensuração de desempenho que irá considerar as especificidades do clube de futebol como um negócio, dado que a análise dos fatores internos e externos de uma organização, além do relacionamento entre essas variáveis, é de fundamental

importância para o seu gerenciamento , uma vez que possibilita interação adequada entre os componentes (FREZATTI, 1999).

A maioria das pesquisas em recursos econômicos e financeiros do futebol analisam a relação entre o desempenho esportivo e renda, esperando-os a ser positivo. Com exceção de Gerrard (2002) e Noll (2002), grande parte destes trabalhos avaliou e

encontrou, a partir de métodos empíricos, correlações estatisticamente significativas entre salários e desempenho esportivo (SZYMANSKI; KUYPERS, 1999; ANDREFF,

2007; SHACKLETON, 2000; GUZMÁN; MORROW, 2007; KUPER; SZYMANSKI, 2010; BARROS; GARCIA-DEL-BARRIO; EACH, 2009; BARROS; LEACH, 2007; BARROS; LEACH, 2006; POZZI, 1999;)

Contudo, não há evidência que confirme se desempenho em campo é a causa definidora dos níveis de receita e consequentemente do sucesso financeiro, ou se estas

receitas, juntamente com estrutura de fundos, são eles próprios a origem de melhores performances seja no futebol inglês, seja no Brasil. Em qualquer caso, nós podemos argumentar a existência de uma relação que poderia constituir um círculo virtuoso: bom

desempenho implica um maior volume de negócios e fundos que podem ser investidos na melhoria os resultados desportivos.

Apesar das diferentes atitudes, uma demanda para a sinergia de esportes e resultados financeiros é evidente, e sempre foi mais ou menos presente em todos os clubes. Assim, ambos, sucesso no esporte e sucesso financeiro representam os dois

principais fatores para avaliar a eficiência de um clube de futebol (Barros & Leach, 2006). Barros et al. (2010) sublinham a importância da otimização de esportes e

resultados financeiros, e a importância crescente da avaliação da eficiência, principalmente devido ao fato da hipotética existência de uma relação direta entre os resultados desportivos de um clube e sua posição financeira no longo prazo .

Desse cenário, advém então a necessidade urgente de uma gestão mais profissional voltada principalmente para a obtenção de resultados financeiros e

econômicos. Neste sentido estamos diante de uma necessidade real de um modelo de gestão que irá considerar as especificidades dos clube de futebol como um negócio.

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Afinal, como em todo tipo de negócio, a melhora na renda é um objetivo chave,

assim, o desempenho financeiro é de extrema relevância para os clubes. Quanto mais renda um clube de futebol gerar, maior será sua capacidade de investir em seus ativos.

Portanto, dinheiro, ou mais consideravelmente a busca de mais dinheiro, inegavelmente motiva os clubes a alcançar avanços em competições, muito mais que o status de vitorioso e o espírito vencedor.

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