Direitos e Garantias Fundamentais

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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 1 FINALIDADE. DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS DE DEFESA Na visão ocidental de democracia, governo pelo povo e limitação de poder estão indissoluvelmente combinados. O povo escolhe seus representantes, que, agindo mandatários, decidem os destinos da nação. O poder delegado pelo povo a seus representantes, porém, não é absoluto, conhecendo várias limitações, inclusive previsão de direitos e garantias individuais e coletivas, do cidadão relativam demais cidadãos e ao próprio Estado. Assim, os direitos fundamentais cumprem, de Canotilho, "a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: 1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; 2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de e positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)”. Ressalte-se que o estabelecimento de constituições escritas está diretamente ligado à edição de declarações de direitos do homem. Com a finalidade de estabelecimento de limites ao poder político, ocorrendo a incorporação de dir subjetivos do homem em normas formalmente básicas, subtraindo-se seu reconhecimento e garantia à disponibilidade do legislador ordinário. Pág. 59 1.1 Classificação dos direitos fundamentais A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu Título II os direitos e garantia fundamentais, subdividindo-os em cinco capítulos: direitos individuais e colet sociais; nacionalidade; direitos políticos e partidos políticos. Assim, a clas adotada pelo legislador constituinte estabeleceu cinco espécies ao gênero dire

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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 1 FINALIDADE. DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS DE DEFESA Na viso ocidental de democracia, governo pelo povo e limitao de poder esto indissoluvelmente combinados. O povo escolhe seus representantes, que, agindo como mandatrios, decidem os destinos da nao. O poder delegado pelo povo a seus representantes, porm, no absoluto, conhecendo vrias limitaes, inclusive com a previso de direitos e garantias individuais e coletivas, do cidado relativamente aos demais cidados e ao prprio Estado. Assim, os direitos fundamentais cumprem, no dizer de Canotilho, "a funo de direitos de defesa dos cidados sob uma dupla perspectiva: 1) constituem, num plano jurdico-objectivo, normas de competncia negativa para os poderes pblicos, proibindo fundamentalmente as ingerncias destes na esfera jurdica individual; 2) implicam, num plano jurdico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omisses dos poderes pblicos, de forma a evitar agresses lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa). Ressalte-se que o estabelecimento de constituies escritas est diretamente ligado edio de declaraes de direitos do homem. Com a finalidade de estabelecimento de limites ao poder poltico, ocorrendo a incorporao de direitos subjetivos do homem em normas formalmente bsicas, subtraindo-se seu reconhecimento e garantia disponibilidade do legislador ordinrio. Pg. 59 1.1 Classificao dos direitos fundamentais A Constituio Federal de 1988 trouxe em seu Ttulo II os direitos e garantias fundamentais, subdividindo-os em cinco captulos: direitos individuais e coletivos; direitos sociais; nacionalidade; direitos polticos e partidos polticos. Assim, a classificao adotada pelo legislador constituinte estabeleceu cinco espcies ao gnero direitos e

garantias fundamentais: direitos e garantias individuais e coletivos; direitos sociais; direitos de nacionalidade; direitos polticos; e direitos relacionados existncia, organizao e participao em partidos polticos. Modernamente, a doutrina apresenta-nos a classificao de direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira geraes, baseando-se na ordem histrica cronolgica em que passaram a ser constitucionalmente reconhecidos. Como destaca Celso de Mello, "enquanto os direitos de primeira gerao (direitos civis e polticos) - que compreendem as liberdades clssicas, negativas ou formais - realam o princpio da liberdade e os direitos de segunda gerao (direitos econmicos, sociais e culturais) - que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas acentuam o princpio da igualdade, os direitos de terceira gerao, que materializam poderes de titularidade coletiva atribudos genericamente a todas as formaes sociais, consagram o princpio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expanso e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade". Assim, os direitos fundamentais de primeira gerao so os direitos e garantias individuais e polticos clssicos (liberdades pblicas), surgidos institucionalmente a partir da Magna Charta. Referindo-se aos hoje chamados direitos fundamentais de segunda gerao, que so os direitos sociais, econmicos e culturais, surgidos no incio do sculo, Themistocles Brando Cavalcanti analisou que "o comeo do nosso sculo viu a incluso de uma nova categoria de direitos nas declaraes e, ainda mais recentemente, nos princpios garantidores da liberdade das naes e das normas da convivncia internacional. Entre os direitos chamados sociais, incluem-se aqueles relacionados com o trabalho, o seguro social, a subsistncia, o amparo doena, velhice etc.".

Por fim, modernamente, protege-se, constitucionalmente, como direitos de terceira gerao os chamados direitos de solidariedade ou fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado (1), uma saudvel qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminao dos povos e a outros direitos difusos, que so, no dizer de Jos Marcelo Vigliar, os interesses de grupos menos determinados de pessoas, sendo que entre elas no h vnculo jurdico ou ftico muito preciso. * 1. Conforme afirmou o Supremo Tribunal Federal, "Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: a consagrao constitucional de um tpico direito de terceira gerao" (RTJ 155/206). Pg. 60 Como conclui Manoel Gonalves Ferreira Filho, "a primeira gerao seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim, complementaria o lema da Revoluo Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade". Note-se que Celso Lafer classifica esses mesmos direitos em quatro geraes, dizendo que os direitos de terceira e quarta geraes transcendem a esfera dos indivduos considerados em sua expresso singular e recaindo, exclusivamente, nos grupos primrios e nas grandes formaes sociais. 2 NATUREZA JURDICA DAS NORMAS QUE DISCIPLINAM OS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS So direitos constitucionais na medida em que se inserem no texto de uma constituio cuja eficcia e aplicabilidade dependem muito de seu prprio enunciado, uma vez que a Constituio faz depender de legislao ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais, enquadrados entre os fundamentais. Em regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democrticos e individuais so de eficcia e aplicabilidade imediata. A prpria Constituio Federal, em uma norma-sntese, determina tal fato dizendo que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tm aplicao imediata. Essa declarao pura e simplesmente no bastaria se outros mecanismos no fossem previstos para torn-la eficiente

(exemplo: mandado de injuno e iniciativa popular). 2.1 Relatividade dos direitos e garantias individuais e coletivos Os direitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5. da Constituio Federal, no podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prtica de atividades ilcitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuio da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagrao ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito. Pg. 61 Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituio Federal, portanto, no so ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (Princpio da relatividade ou convivncia das liberdades pblicas). Desta forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intrprete deve utilizar-se do princpio da concordncia prtica ou da harmonizao de forma a coordenar e combinar os bens jurdicos em conflito, evitando o sacrifcio total de uns em relao aos outros, realizando uma reduo proporcional do mbito de alcance de cada qual (contradio dos princpios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precpua. Apontando a relatividade dos direitos fundamentais, Quiroga Lavi afirma que os direitos fundamentais nascem para reduzir a ao do Estado aos limites impostos pela Constituio, sem contudo desconhecerem a subordinao do indivduo ao Estado, como garantia de que eles operem dentro dos limites impostos pelo direito. A prpria Declarao dos Direitos Humanos das Naes Unidas, expressamente, em seu art. 29 afirma que "toda pessoa tem deveres com a comunidade, posto que somente nela pode-se

desenvolver livre e plenamente sua personalidade. No exerccio de seus direitos e no desfrute de suas liberdades todas as pessoas estaro sujeitas s limitaes estabelecidas pela lei com a nica finalidade de assegurar o respeito dos direitos e liberdades dos demais, e de satisfazer as justas exigncias da moral, da ordem pblica e do bem-estar de uma sociedade democrtica. Estes direitos e liberdades no podem, em nenhum caso, serem exercidos em oposio com os propsitos e princpios das Naes Unidas. Nada na presente Declarao poder ser interpretado no sentido de conferir direito algum ao Estado, a um grupo ou uma pessoa, para empreender e desenvolver atividades ou realizar atos tendentes a supresso de qualquer dos direitos e liberdades proclamados nessa Declarao". 3 DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS 3.1 Diferenciao entre direitos e garantias individuais Diversos doutrinadores diferenciam direitos de garantias fundamentais. A distino entre direitos e garantias fundamentais, no direito brasileiro, remonta a Rui Barbosa, ao separar as disposies meramente declaratrias, que so as que imprimem existncia legal aos direitos reconhecidos, e as disposies assecuratrias, que so as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias; ocorrendo no raro juntar-se, na mesma disposio constitucional, ou legal, a fixao da garantia com a declarao do direito. Pg. 62 Para Canotilho, rigorosamente, as clssicas garantias so tambm direitos, embora muitas vezes se salientasse nelas o carter instrumental de proteo dos direitos. As garantias traduzem-se quer no direito dos cidados a exigir dos poderes pblicos a proteo dos seus direitos, quer no reconhecimento de meios processuais adequados a essa finalidade (exemplo: direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos, princpios do nullum crimen sine lege e nulla poena sine crimen, direito de habeas corpus, princpio do non bis in idem). A mesma diferenciao faz Jorge Miranda afirmando que "clssica e bem actual a contraposio dos direitos fundamentais, pela sua estrutura,

pela sua natureza e pela sua funo, em direitos propriamente ditos ou direitos e liberdades, por um lado, e garantias por outro lado. Os direitos representam s por si certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruio desses bens; os direitos so principais, as garantias acessrias e, muitas delas, adjectivas (ainda que possam ser objecto de um regime constitucional substantivo); os direitos permitem a realizao das pessoas e inserem-se directa e imediatamente, por isso, as respectivas esferas jurdicas, as garantias s nelas se projectam pelo nexo que possuem com os direitos; na acepo jusracionalista inicial, os direitos declaram-se, as garantias estabelecem-se". 3.2 Direitos fundamentais e garantias institucionais Trata-se de clssica distino da doutrina alem, como lembra Canotilho, para a qual as garantias institucionais (Einrichtungsgarantien) compreendiam as garantias jurdico-pblicas (Institutionnelle Garantien) e as garantias jurdico-privadas (Institutsgarantie). As garantias institucionais, apesar de muitas vezes virem consagradas e protegidas pelas leis constitucionais, no seriam verdadeiros direitos atribudos diretamente s pessoas, mas a determinadas instituies que possuem sujeito e objeto diferenciado. Assim, a maternidade, a famlia, a liberdade de imprensa, o funcionalismo pblico, os entes federativos, so instituies protegidas diretamente como realidades sociais objetivas e s, indiretamente, se expandem para a proteo dos direitos individuais. Concluindo esse raciocnio, Canotilho afirma que "a proteco das garantias institucionais aproxima-se, todavia, da proteco dos direitos fundamentais quando se exige, em face das intervenes limitativas do legislador, a salvaguarda do `mnimo essencial' (ncleo essencial) das instituies". 4 DESTINATRIOS DA PROTEO O art. 5. da Constituio Federal afirma que todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade. Pg. 63 Observe-se, porm, que a expresso residentes no Brasil deve ser interpretada no sentido de que a Carta Federal s pode assegurar a validade e gozo dos direitos fundamentais dentro do territrio brasileiro, no excluindo, pois, o estrangeiro em trnsito pelo territrio nacional, que possui igualmente acesso s aes, como o mandado de segurana e demais remdios constitucionais. Igualmente, as pessoas jurdicas so beneficirias dos direitos e garantias individuais, pois reconhece-se s associaes o direito existncia, o que de nada adiantaria se fosse possvel exclu-las de todos os seus demais direitos. Dessa forma, os direitos enunciados e garantidos pela constituio so de brasileiros, pessoas fsicas e jurdicas. Assim, o regime jurdico das liberdades pblicas protege tanto as pessoas naturais, brasileiros ou estrangeiros no territrio nacional, como as pessoas jurdicas, pois tm direito existncia, segurana, propriedade, proteo tributria e aos remdios constitucionais (4). * 4. RF 226/81. O Supremo Tribunal Federal, inclusive, reconhece o direito a pleno acesso Justia gratuita s pessoas jurdicas (STF - Pleno - Reclamao (AgR-ED) n. 1.905/SP - Rel. Min. Marco Aurlio, deciso: 15-8-02. Informativo STF n. 277). Miguel ngel Ekmekdjian e Calogero Pizzolo observam que o art. 25.1 da Conveno Europia de Direitos Humanos habilita tanto as pessoas fsicas como as jurdicas a reclamar a proteo de direitos humanos, da mesma forma que o Tribunal Constitucional da Espanha, que reconheceu expressamente a existncia de direitos fundamentais relacionados pessoa jurdica, respeitando-se, por bvio, suas caractersticas prprias. Igualmente, a Lei Fundamental alem consagra que os direitos fundamentais so vlidos para pessoas jurdicas, medida que, pela sua essncia, sejam aplicveis s

mesmas. 5 DIREITO VIDA A Constituio Federal garante que todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade. O direito vida o mais fundamental de todos os direitos, j que se constitui em prrequisito existncia e exerccio de todos os demais direitos. Pg. 64 A Constituio Federal proclama, portanto, o direito vida, cabendo ao Estado assegur-lo em sua dupla acepo, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo (1) e a segunda de se ter vida digna quanto subsistncia (2). * 1. Anote-se que o Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), em seu art. 7., afirma que "a criana e o adolescente tm a proteo vida e sade, mediante a efetivao de polticas sociais pblicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condies dignas de existncia". E o art. 8. complementa esta garantia, afamando que "incumbe ao Poder Pblico propiciar apoio alimentar gestante e nutriz que dele necessitem". 2. Acrdo do Egrgio Tribunal de Justia, relatado pelo Desembargador Renan Lotufo, in Cadernos de Direito Constitucional e Cincia Poltica, n. 04, p. 299-302. O incio da mais preciosa garantia individual dever ser dado pelo bilogo, cabendo ao jurista, to-somente, dar-lhe o enquadramento legal, pois do ponto de vista biolgico a vida se inicia com a fecundao do vulo pelo espermatozide, resultando um ovo ou zigoto. Assim a vida vivel, portanto, comea com a nidao, quando se inicia a gravidez (4). Conforme adverte o bilogo Botella Lluzi, o embrio ou feto representa um ser individualizado, com uma carga gentica prpria, que no se confunde nem com a do pai, nem com a da me, sendo inexato afirmar que a vida do embrio ou do feto est englobada pela vida da me. A constituio, importante ressaltar, protege a vida de forma geral, inclusive uterina.

* 4. RJTJRS 104/418. "EMENTA: Ao nascituro assiste, no plano do Direito Processual, capacidade para ser parte, como autor ou como ru. Representando o nascituro, pode a me propor a ao investigatria, e o nascimento com vida investe o infante da titularidade da pretenso de direito material, at ento apenas uma expectativa resguardada." 6 PRINCPIO DA IGUALDADE A Constituio Federal de 1988 adotou o princpio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptido, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidados tm o direito de tratamento idntico pela lei, em consonncia com os critrios albergados pelo ordenamento jurdico. Dessa forma, o que se veda so as diferenciaes arbitrrias, as discriminaes absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, exigncia tradicional do prprio conceito de Justia, pois o que realmente protege so certas finalidades, somente se tendo por lesado o princpio constitucional quando o elemento discriminador no se encontra a servio de uma finalidade acolhida pelo direito, sem que se esquea, porm, como ressalvado por Fbio Konder Comparato, que as chamadas liberdades materiais tm por objetivo a igualdade de condies sociais, meta a ser alcanada, no s por meio de leis, mas tambm pela aplicao de polticas ou programas de ao estatal. Pg. 65 A igualdade se configura como uma eficcia transcendente de modo que toda situao de desigualdade persistente entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada no recepcionada, se no demonstrar compatibilidade com os valores que a constituio, como norma suprema, proclama. O princpio da igualdade consagrado pela constituio opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao prprio executivo, na edio, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisrias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situaes idnticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intrprete, basicamente, a autoridade

pblica, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitria, sem estabelecimento de diferenciaes em razo de sexo, religio, convices filosficas ou polticas, raa, classe social. A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma no razovel ou arbitrria um tratamento especfico a pessoas diversas. Para que as diferenciaes normativas possam ser consideradas no discriminatrias, torna-se indispensvel que exista uma justificativa objetiva e razovel, de acordo com critrios e juzos valorativos genericamente aceitos, cuja exigncia deve aplicar-se em relao finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razovel relao de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Assim, os tratamentos normativos diferenciados so compatveis com a Constituio Federal quando verificada a existncia de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado. Importante, igualmente, apontar a trplice finalidade limitadora do princpio da igualdade - limitao ao legislador, ao intrprete/autoridade pblica e ao particular. O legislador, no exerccio de sua funo constitucional de edio normativa, no poder afastar-se do princpio da igualdade, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. Assim, normas que criem diferenciaes abusivas, arbitrrias, sem qualquer finalidade lcita, sero incompatveis com a Constituio Federal. O intrprete/autoridade pblica no poder aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrrias. Ressalte-se que, em especial o Poder Judicirio, no exerccio de sua funo jurisdicional de dizer o direito ao caso concreto, dever utilizar os mecanismos constitucionais no sentido de dar uma interpretao nica e igualitria s normas jurdicas. Nesse sentido a inteno do legislador constituinte ao prever o recurso extraordinrio ao Supremo Tribunal Federal (uniformizao na interpretao da Constituio Federal) e o recurso especial ao Superior

Tribunal de Justia (uniformizao na interpretao da legislao federal). Alm disso, sempre em respeito ao princpio da igualdade, a legislao processual dever estabelecer mecanismos de uniformizao de jurisprudncia a todos os Tribunais. Finalmente, o particular no poder pautar-se por condutas discriminatrias, preconceituosas ou racistas, sob pena de responsabilidade civil e penal, nos termos da legislao em vigor. Pg. 66 Sobre o princpio da igualdade, indispensvel recordarmos a lio de San Tiago Dantas: "Quanto mais progridem e se organizam as coletividades, maior o grau de diferenciao a que atinge seu sistema legislativo. A lei raramente colhe no mesmo comando todos os indivduos, quase sempre atende a diferenas de sexo, de profisso, de atividade, de situao econmica, de posio jurdica, de direito anterior; raramente regula do mesmo modo a situao de todos os bens, quase sempre se distingue conforme a natureza, a utilidade, a raridade, a intensidade de valia que ofereceu a todos; raramente qualifica de um modo nico as mltiplas ocorrncias de um mesmo fato, quase sempre os distingue conforme as circunstncias em que se produzem, ou conforme a repercusso que tm no interesse geral. Todas essas situaes, inspiradas no agrupamento natural e racional dos indivduos e dos fatos, so essenciais ao processo legislativo, e no ferem o princpio da igualdade. Servem, porm, para indicar a necessidade de uma construo terica, que permita distinguir as leis arbitrrias das leis conforme o direito, e eleve at esta alta triagem a tarefa do rgo do Poder Judicirio." esta a direo interpretativa do princpio da igualdade na doutrina e na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal. 6.1 Princpio da igualdade e limitao de idade em concurso pblico A proibio genrica de acesso a determinadas carreiras pblicas, to-somente em razo da idade do candidato, consiste em flagrante inconstitucionalidade, uma vez que no se encontra direcionada a uma finalidade acolhida pelo direito, tratando-se de

discriminao abusiva, em virtude da vedao constitucional de diferena de critrio de admisso por motivo de idade (CF, art. 7., XXX), que consiste em corolrio, na esfera das relaes do trabalho, do princpio fundamental da igualdade (CF, art. 5., caput), que se entende, a falta de excluso constitucional inequvoca, como ocorre em relao aos militares (CF, art. 42, 1.), a todo o sistema de pessoal civil. certo que ficaro ressalvadas, por satisfazer a uma finalidade acolhida pelo direito, uma vez examinada luz da teleologia que informa o princpio da igualdade, as hipteses em que a limitao de idade se possa legitimar como imposio de natureza e das atribuies do cargo a preencher. Pg. 67 6.2 Tratamento isonmico entre homens e mulheres (art. 5., I) Afirma o art. 5., I, da Constituio Federal, que homens e mulheres so iguais em direitos e obrigaes, nos termos desta Constituio. A correta interpretao desse dispositivo torna inaceitvel a utilizao do discrmen sexo, sempre que o mesmo seja eleito com o propsito de desnivelar materialmente o homem da mulher; aceitando-o, porm, quando a finalidade pretendida for atenuar os desnveis. Conseqentemente, alm de tratamentos diferenciados entre homens e mulheres previstos pela prpria constituio (arts. 7., XVIII e XIX; 40, 1., 143, 1. e 2.; 201, 7.), poder a legislao infraconstitucional pretender atenuar os desnveis de tratamento em razo do sexo. 6.2.1 Critrios de admisso para concurso pblico A interpretao jurisprudencial direciona no sentido da inconstitucionalidade da diferena de critrio de admisso considerado o sexo (art. 5., inciso I, e 2. do art. 39 da Carta Federal), permitindo-se excees tendo em vista a ordem socioconstitucional. 6.2.2 Critrios para admisso de emprego A Lei n. 9.029, de 13-4-1995, probe a exigncia de atestados de gravidez e esterilizao, e outras prticas discriminatrias, para efeitos admissionais ou de permanncia de relao jurdica de trabalho. Igualmente, fica proibida a adoo de

qualquer prtica discriminatria e limitativa para efeito de acesso a relao de emprego, ou sua manuteno, por motivo de sexo, origem, raa, cor, estado civil, situao familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipteses de proteo ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7. da Constituio Federal, constituindo crime a exigncia de teste, exame, percia, laudo, atestado, declarao ou qualquer outro procedimento relativo esterilizao ou a estado de gravidez; a adoo de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que configurem induo ou instigamento esterilizao gentica; promoo do controle de natalidade, assim no considerado o oferecimento de servios e de aconselhamento ou planejamento familiar, realizados atravs de instituies pblicas ou privadas, submetidas s normas do Sistema nico de Sade - SUS. 6.2.3 Constitucionalidade da prerrogativa do foro em favor da mulher e sua aplicao tanto para a ao de separao judicial quanto para a de divrcio direto A Constituio anterior, em seu art. 153, 1., tambm j vedava qualquer tipo de distino entre as pessoas; o que a vigente constituio fez foi apenas e to-somente reforar a igualdade do tratamento que pessoas de sexos diferentes devem receber. Assim, inexiste diferena entre os dois dispositivos. Pg. 68 Ambos expressam o mesmo princpio, de forma diversa. Tanto faz dizer todos so iguais perante a lei, sem distino de sexo, quanto todos so iguais perante a lei sem distino de qualquer natureza, destacando-se que homens e mulheres so iguais em direitos e obrigaes. O princpio da isonomia no pode ser entendido em termos absolutos; o tratamento diferenciado admissvel e se explica do ponto de vista histrico, tambm considerado pelo constituinte de 1988, j que a mulher foi, at muito pouco tempo, extremamente discriminada. O que se veda so as diferenciaes arbitrrias, as discriminaes absurdas. Alm disso, a viso instrumentalista do processo, preocupao dos modernos estudiosos do direito processual, reestuda os institutos bsicos do direito processual (jurisdio, ao, defesa, a relao jurdico-processual e o procedimento),

para demonstrar que a cincia processual, em que pese sua autonomia em relao ao direito material, deve ser encarada como um instrumento daquele mesmo direito material e, assim, o procedimento, que integra o conceito do processo, deve atender a essa viso teleolgica. Da o legislador prever, como no caso, regra especfica de competncia, para corrigir um defeito histrico de opresso do homem sobre a mulher, permitindo a esta demandar em seu foro, pois, "tcnica do direito processual, foro significa territrio; palavra de uso freqente na teoria da competncia. Na organizao das justias locais brasileiras, foro vem a ser; afinal de contas, o mesmo que comarca (municpio ou pluralidade de municpios contguos), que esto sujeitos competncia de um ou vrios juzes de primeiro grau ". Dessa forma, aplicar-se-ia o art. 100, I, do Cdigo de Processo Civil tanto separao judicial quanto ao divrcio direto (institudo pela Constituio Federal, que, por meio de seu art. 226, 6., ampliou as hipteses at ento previstas pela Lei n. 6.515, de 26-12-1977 - Lei do Divrcio). Em relao, especificamente, ao divrcio direto, o assunto pacfico no Estado de So Paulo, perante a Cmara Especial, que a competente para, nos termos do art. 187 do Regulamento Interno (4), julgar os conflitos de competncia suscitados em primeira instncia (5). * 4. V. tambm a Lei Complementar estadual n. 225/79, art. 11, II, e pargrafo nico, e o Provimento n. 35/92 do E. Tribunal de Justia do Estado de So Paulo. 5. Contra este posicionamento, o Egrgio Superior Tribunal de Justia j entendeu, como noticia Theotnio Negro (Cdigo de processo civil e legislao processual em vigor. 26. ed. So Paulo: Saraiva, 1995. p. 143), que "o art. 100, I, do CPC, no se aplica ao Divrcio Direto, eis que tendo a Constituio da Repblica institudo o Divrcio Direto e, na mesma, ter-se proclamado a igualdade jurdica entre os cnjuges, no se pode aceitar a interpretao extensiva do dispositivo..." (REsp n. 17.999-0, Rel. Min. Slvio de Figueiredo). Pg. 69

7 PRINCPIO DA LEGALIDADE O art. 5., II, da Constituio Federal, preceitua que ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei. Tal princpio visa combater o poder arbitrrio do Estado. S por meio das espcies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigaes para o indivduo, pois so expresso da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilgio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefcio da lei. Conforme salientam Celso Bastos e Ives Gandra Martins, no fundo, portanto, o princpio da legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, j que ele no tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura ao particular a prerrogativa de repelir as injunes que lhe sejam impostas por uma outra via que no seja a da lei, pois como j afirmava Aristteles, "a paixo perverte os Magistrados e os melhores homens: a inteligncia sem paixo - eis a lei". Como ressaltado por Garcia de Enterra, "quanto ao contedo das leis, a que o princpio da legalidade remete, fica tambm claro que no tampouco vlido qualquer contedo (dura lex, sed lex), no qualquer comando ou preceito normativo que se legitima, mas somente aqueles que se produzem `dentro da Constituio' e especialmente de acordo com sua `ordem de valores' que, com toda explicitude, expressem e, principalmente, que no atentem, mas que pelo contrrio sirvam aos direitos fundamentais". Importante salientarmos as razes pelas quais, em defesa do princpio da legalidade, o Parlamento historicamente detm o monoplio da atividade legislativa, de maneira a assegurar o primado da lei como fonte mxima do direito: trata-se da sede institucional dos debates polticos; configura-se em uma caixa de ressonncia para efeito de informao e mobilizao da opinio pblica; o rgo que, em tese, devido a sua composio heterognea e a seu processo de funcionamento, torna a lei no uma mera expresso dos sentimentos dominantes em

determinado setor social, mas a vontade resultante da sntese de posies antagnicas e pluralistas da sociedade. 7.1 Princpios da legalidade e da reserva legal O princpio da legalidade de abrangncia mais ampla do que o princpio da reserva legal. Por ele fica certo que qualquer comando jurdico impondo comportamentos forados h de provir de uma das espcies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional. Pg. 70 Por outro lado, encontramos o princpio da reserva legal. Este opera de maneira mais restrita e diversa. Ele no genrico e abstrato, mas concreto. Ele incide to-somente sobre os campos materiais especificados pela constituio. Se todos os comportamentos humanos esto sujeitos ao princpio da legalidade, somente alguns esto submetidos ao da reserva da lei. Este , portanto, de menor abrangncia, mas de maior densidade ou contedo, visto exigir o tratamento de matria exclusivamente pelo Legislativo, sem participao normativa do Executivo. Jos Afonso da Silva ensina que a doutrina no raro confunde ou no distingue suficientemente o princpio da legalidade e o da reserva legai. O primeiro significa a submisso e o respeito lei, ou a atuao dentro da esfera estabelecida pelo legislador. O segundo consiste em estatuir que a regulamentao de determinadas matrias h de fazer-se necessariamente por lei formal. Encontramos o princpio da reserva legal quando a constituio reserva contedo especfico, caso a caso, lei. Por outro lado, encontramos o princpio da legalidade quando a constituio outorga poder amplo e geral sobre qualquer espcie de relao. Assim, "tem-se, pois, reserva de lei, quando uma norma constitucional atribui determinada matria exclusivamente lei formal (ou a atos equiparados, na interpretao firmada na praxe), subtraindo-a, com isso, disciplina de outras fontes, quela subordinada". A Constituio Federal estabelece essa reserva de lei, de modo absoluto ou

relativo. Assim, temos a reserva legal absoluta quando a norma constitucional exige para sua integral regulamentao a edio de lei formal, entendida como ato normativo emanado do Congresso Nacional elaborado de acordo com o devido processo legislativo constitucional. Por outro lado, temos a reserva legal relativa quando a Constituio Federal, apesar de exigir edio de lei formal, permite que esta fixe to-somente parmetros de atuao para o rgo administrativo, que poder complement-la por ato infralegal, sempre, porm, respeitados os limites ou requisitos estabelecidos pela legislao. Como salienta Canotilho, "quanto a certas matrias, a Constituio preferiu a lei como meio de actuao das disposies constitucionais, mas no proibiu a interveno de outros actos legislativos, desde que a lei formal isso mesmo autorize e estabelea, previamente, os princpios e objecto de regulamentao das matrias (reserva relativa)". As hipteses de reserva legal relativa so estabelecidas diretamente pela Constituio Federal, que permitir, excepcionalmente, a complementao da legislao por atos normativos infraconstitucionais (4), pois em caso contrrio, como salienta Canotilho, "a lei deve estabelecer ela mesmo o respectivo regime jurdico, no podendo declinar a sua competncia normativa a favor de outras fontes (proibio da incompetncia negativa do legislador)". * 4. Como salientado por Nuno Piarra, essencial na separao dos poderes que se evite a excessiva delegao legislativa ao rgo executivo (Cf. A separao dos poderes como doutrina e princpio constitucional. Coimbra: Coimbra, 1989. p. 71). Pg. 71 8 TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA TORTURA (ART. 5., III E XLIII) O art. 5. da Constituio Federal prev que ningum ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (inc. III); bem como que a lei considerar crimes

inafianveis e insuscetveis de graa ou anistia a prtica da tortura, o trfico ilcito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evit-los, se omitirem. O art. 5., XLIII, da Constituio Federal uma norma constitucional de eficcia limitada, pois necessita da atuao do legislador infraconstitucional para que sua eficcia se produza. Assim, quanto inafianabilidade e insuscetibilidade de graa ou anistia foi editada a lei dos crimes hediondos (2), porm, no tocante definio do crime de terrorismo e tortura, foi, ainda, necessria a edio de lei infraconstitucional, de competncia da Unio (art. 22, I, da CF), tipificando-os, em razo do prprio preceito constitucional do art. 5., XXXIX. * 2. Lei n. 8.072/90. Questo controvertida, decidida pelo Supremo Tribunal Federal, considerou por maioria de votos (6 x 5), que j existe lei tipificando o delito de tortura, quando praticado contra criana ou adolescente, ao analisar a constitucionalidade do art. 233 do Estatuto da Criana e do Adolescente (3). * 3. STF - Pleno - HC n. 70.389-5/SP, Rel. Min. Celso de Mello; j. 23-7-94, v. u. "EMENTA: Tortura contra criana ou adolescente - Existncia jurdica desse crime no Direito Penal Positivo brasileiro - Necessidade de sua represso - Convenes internacionais subscritas pelo Brasil - Previso Tpica constante do Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei n. 8.069/90, art. 233) - Confirmao da constitucionalidade dessa norma de tipificao penal - Delito imputado a policiais militares - Infrao penal que no se qualifica como crime militar - Competncia da Justia comum do Estado-membro - Pedido deferido em parte." Nesse sentido tambm: HC 74.332-RJ, Rel. Min. Nri da Silveira, 24 set. 96 - Informativo STF n. 47. A controvrsia, porm, foi solucionada pelo legislador que, ao editar a Lei n. 9.455, de 7-4-1997, definiu os crimes de tortura (art. 1.) e, expressamente em seu art. 4., revogou o art. 233 do Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei n. 8.069/90). Assim, o crime de tortura exige o constranger algum com emprego de violncia

ou grave ameaa, causando-lhe sofrimento fsico ou mental (4). * 4. Cf. MALHEIROS, Sylvia Helena Steiner. Princpio da reserva legal e o crime de tortura na legislao brasileira. Revista Brasileira de Cincias Criminais, n. 13, p. 163, So Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. Pg. 72 9 LIBERDADE DE PENSAMENTO, DIREITO DE RESPOSTA E RESPONSABILIDADE POR DANO MATERIAL, MORAL OU A IMAGEM (ART. 5., IV E V) A manifestao do pensamento livre e garantida em nvel constitucional, no aludindo a censura prvia em diverses e espetculos pblicos. Os abusos porventura ocorridos no exerccio indevido da manifestao do pensamento so passveis de exame e apreciao pelo Poder Judicirio com a conseqente responsabilidade civil e penal de seus autores, decorrentes inclusive de publicaes injuriosas na imprensa, que deve exercer vigilncia e controle da matria que divulga. Atualmente, como ressalta Pinto Ferreira, "o Estado democrtico defende o contedo essencial da manifestao da liberdade, que assegurado tanto sob o aspecto positivo, ou seja, proteo da exteriorizao da opinio, como sob o aspecto negativo, referente proibio de censura". 10 LIBERDADE DE CONSCINCIA, CRENA RELIGIOSA, CONVICO FILOSFICA OU POLTICA E ESCUSA DE CONSCINCIA (ART. 5., VI E VIII) A Constituio Federal prev que ningum ser privado de direitos por motivo de crena religiosa ou de convico filosfica ou poltica, salvo se as invocar para eximir-se de obrigao legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestao alternativa, fixada em lei, pois "a liberdade de conscincia constitui o ncleo bsico de onde derivam as demais liberdades do pensamento. nela que reside o fundamento de toda a atividade poltico-partidria, cujo exerccio regular no pode gerar restrio aos direitos de

seu titular". Igualmente, o art. 15, IV, da Carta Federal, prev que a recusa de cumprir obrigao a todos imposta ou prestao alternativa acarretar a perda dos direitos polticos. Dessa forma, dois so os requisitos para privao de direitos em virtude de crena religiosa ou convico filosfica ou poltica: no-cumprimento de uma obrigao a todos imposta e descumprimento de prestao alternativa, fixada em lei. O direito escusa de conscincia no est adstrito simplesmente ao servio militar obrigatrio, mas pode abranger quaisquer obrigaes coletivas que conflitem com as crenas religiosas, convices polticas ou filosficas, como, por exemplo, o dever de alistamento eleitoral aos maiores de 18 anos e o dever de voto aos maiores de 18 anos e menores de 70 anos (CF, art. 14, 1., I e II), cujas prestaes alternativas vm estabelecidas nos arts. 7. e 8. do Cdigo Eleitoral (justificao ou pagamento de multa pecuniria), e, ainda, obrigatoriedade do Jri. Pg. 73 10.1 Liberdade religiosa e Estado laico ou leigo A conquista constitucional da liberdade religiosa verdadeira consagrao de maturidade de um povo, pois, como salientado por Themistocles Brando Cavalcanti, ela verdadeiro desdobramento da liberdade de pensamento e manifestao. A abrangncia do preceito constitucional ampla, pois sendo a religio o complexo de princpios que dirigem os pensamentos, aes e adorao do homem para com Deus, acaba por compreender a crena, o dogma, a moral, a liturgia e o culto. O constrangimento pessoa humana de forma a renunciar sua f representa o desrespeito diversidade democrtica de idias, filosofias e a prpria diversidade espiritual. Saliente-se que na histria das constituies brasileiras nem sempre foi assim, pois a Constituio de 25 de maro de 1824 consagrava a plena liberdade de crena, restringindo, porm, a liberdade de culto, pois determinava em seu art. 5. que "a Religio

Catholica Apostolica Romana continuar a ser a Religio do Imprio. Todas as outras Religies sero permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem frma alguma exterior de Templo". Porm, j na 1. Constituio da Repblica, de 24 de fevereiro de 1891, no art. 72, 3., foram consagradas as liberdades de crena e de culto, estabelecendo-se que "todos os indivduos e confisses religiosas podem exercer publica e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposies do direito commum". Tal previso foi seguida por todas as nossas constituies. Assim, a Constituio Federal, ao consagrar a inviolabilidade de crena religiosa, est tambm assegurando plena proteo liberdade de culto e a suas liturgias. Salienta Canotilho que a quebra de unidade religiosa da cristandade deu origem apario de minorias religiosas que defendiam o direito de cada um verdadeira f, concluindo que "esta defesa da liberdade religiosa postulava, pelo menos, a idia de tolerncia religiosa e a proibio do Estado em impor ao foro ntimo do crente uma religio oficial. Por este facto, alguns autores, como G. Jellinek, vo mesmo ao ponto de ver na luta pela liberdade de religio a verdadeira origem dos direitos fundamentais. Parece, porm, que se tratava mais da idia de tolerncia religiosa para credos diferentes do que propriamente da concepo da liberdade de religio e crena, como direito inalienvel do homem, tal como veio a ser proclamado nos modernos documentos constitucionais". Pg. 74 Ressalte-se que a liberdade de convico religiosa abrange inclusive o direito de no acreditar ou professar nenhuma f, devendo o Estado respeito ao atesmo. 10.2 Escusa de conscincia e servio militar obrigatrio O art. 143 da Lei Magna prev que o servio militar obrigatrio nos termos da lei (Lei n. 4.375, de 17-8-1964, regulamentada pelo Decreto n. 57.654, de 20-1-1966), competindo s Foras Armadas, na forma da lei, atribuir servios alternativos aos que,

em tempo de paz, aps alistados, alegarem imperativo de conscincia, entendendo-se como tal o decorrente de crena religiosa e de convico filosfica ou poltica, para se eximirem de atividades de carter essencialmente militar. A Lei n. 8.239, de 4-10-1991, regulamentando o art. 143, 1. e 2., da Constituio Federal, dispe sobre a prestao de servio alternativo ao servio militar obrigatrio. Assim, ao Estado-Maior das Foras Armadas compete, na forma da lei e em coordenao com o Ministrio da Defesa e os comandos militares, atribuir servios alternativos aos que, em tempo de paz, aps alistados, alegarem imperativo de conscincia decorrente de crena religiosa ou de convico filosfica ou poltica, para se eximirem de atividades de carter essencialmente militar. Entende-se por "servio militar alternativo o exerccio de atividades de carter administrativo, assistencial filantrpico ou mesmo produtivo, em substituio s atividades de carter essencialmente militar". O servio alternativo ser prestado em organizaes militares da atividade e em rgos de formao de reservas das Foras Armadas ou em rgos subordinados aos ministrios civis, mediante convnios entre estes e o Ministrio da Defesa, desde que haja interesse recproco e, tambm, que sejam atendidas as aptides do convocado. Ao final do perodo de atividades previsto, ser conferido certificado de prestao alternativa ao servio militar obrigatrio, com os mesmos efeitos jurdicos do certificado de reservista. A recusa ou cumprimento incompleto do servio alternativo, sob qualquer pretexto, por motivo de responsabilidade pessoal do convocado, implicar o nofornecimento do certificado correspondente, pelo prazo de dois anos aps o vencimento do perodo estabelecido. Findo o prazo previsto no pargrafo anterior, o certificado s

ser emitido aps a decretao, pela autoridade competente, da suspenso dos direitos polticos do inadimplente, que poder, a qualquer tempo, regularizar sua situao mediante cumprimento das obrigaes devidas. A citada lei foi regulamentada pela Portaria n. 2.681 - Cosemi, de 28-7-1992, aprovando o Regulamento da Lei de Prestao do Servio Alternativo ao Servio Militar Obrigatrio.

Pg. 75 10.3 Limitaes ao livre exerccio do culto religioso A Constituio Federal assegura o livre exerccio do culto religioso, enquanto no for contrrio ordem, tranqilidade e sossego pblicos, bem como compatvel com os bons costumes. Dessa forma, a questo das pregaes e curas religiosas deve ser analisada de modo que no obstaculize a liberdade religiosa garantida constitucionalmente, nem tampouco acoberte prticas ilcitas. Obviamente, assim como as demais liberdades pblicas, tambm a liberdade religiosa no atinge grau absoluto, no sendo, pois, permitidos a qualquer religio ou culto atos atentatrios lei, sob pena de responsabilizao civil e criminal. 10.4 Religio e cultura O ensino religioso poder, desde que sempre de matrcula facultativa, constituir disciplina dos horrios normais das escolas pblicas de ensino fundamental (CF, art. 210, 1.). Ressalte-se que essa previso constitucional dever adequar-se s demais liberdades pblicas, dentre elas a liberdade de culto religioso e a previso do Brasil como um Estado laico. Dessa forma, destaca-se uma dupla garantia constitucional. Primeiramente, no se poder instituir nas escolas pblicas o ensino religioso de uma nica religio, nem tampouco pretender-se doutrinar os alunos a essa ou quela f. A norma constitucional pretende, implicitamente, que o ensino religioso dever constituir-se de regras gerais sobre religio e princpios bsicos da f. Em segundo lugar, a Constituio garante a liberdade das pessoas em matricularem-se ou no, uma vez que, conforme j salientado, a plena liberdade religiosa consiste tambm na liberdade ao atesmo. Em relao cultura, a lei dispor sobre a fixao de datas comemorativas, inclusive feriados religiosos, de alta significao para os diferentes segmentos tnicos nacionais (CF, art. 215, 2.).

10.5 Assistncia religiosa A previso constitucional do inciso VII, do art. 5. (" assegurada, nos termos da lei, a prestao de assistncia religiosa nas entidades civis e militares de internao coletiva"), encerra um direito subjetivo daquele que se encontra internado em estabelecimento coletivo. Assim, ao Estado cabe, nos termos da lei, a materializao das condies para a prestao dessa assistncia religiosa, que dever ser multiforme, ou seja, de tantos credos quanto aqueles solicitados pelos internos. Pg. 76 Logicamente, no se poder obrigar nenhuma pessoa que se encontrar nessa situao, seja em entidades civis ou militares, a utilizar-se da referida assistncia religiosa, em face da total liberdade religiosa vigente no Brasil. No entanto, dentro dessa limitao natural, a idia do legislador constituinte foi fornecer maior amparo espiritual s pessoas que se encontram em situaes menos favorecidas, afastadas do convvio familiar e social. Alm disso, visa-se, por meio da assistncia religiosa, a melhor ressocializao daquele que se encontra em estabelecimento de internao coletiva em virtude de sua natureza pedaggica. Trata-se de uma norma constitucional de eficcia limitada, cuja regulamentao em relao s Foras Armadas foi dada pela Lei n. 6.923/81, parcialmente alterada pela Lei n. 7.672, de 23-9-1988, ambas recepcionadas pela nova ordem constitucional. No tocante aos estabelecimentos prisionais, a Lei n. 7.210/84 (Lei das Execues Penais), igualmente recepcionada, em seu art. 24, estabelece que a assistncia religiosa, com liberdade de culto, ser prestada aos presos e aos internados, permitindo-lhes a participao nos servios organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instruo religiosa. Alm disso, prev-se que no estabelecimento prisional haver local apropriado para os cultos religiosos e que nenhum preso ou internado poder ser obrigado a participar de atividades religiosas. No nos parece procedente a crtica que alguns doutrinadores fazem a esse inciso

da Constituio Federal, afirmando que no h compatibilidade entre um Estado laico e a previso, como direito individual, de prestao de assistncia religiosa, uma vez que o Estado brasileiro, embora laico, no ateu, como comprova o prembulo constitucional, e, alm disso, trata-se de um direito subjetivo e no de uma obrigao, preservando-se, assim, a plena liberdade religiosa daqueles que no professam nenhuma crena. 11 INDENIZAO POR DANO MATERIAL, MORAL OU A IMAGEM A Constituio Federal prev o direito de indenizao por dano material, moral e imagem, consagrando, no inciso V, do art. 5., ao ofendido a total reparabilidade em virtude dos prejuzos sofridos. A norma pretende a reparao da ordem jurdica lesada, seja por meio de ressarcimento econmico, seja por outros meios, por exemplo, o direito de resposta (4). * 4. Conferir: art. 1.538, 1., Cdigo Civil de 1916, atual 949; Lei n. 5.250/67 (Lei de Imprensa); Lei n. 8.389/91 (Poltica nacional de arquivos pblicos e privados); Lei n. 9.507/97 (regula o direito de acesso informao e disciplina o rito processual do habeas data). Pg. 77 O art. 5., V no permite qualquer dvida sobre a obrigatoriedade da indenizao por dano moral (1), inclusive a cumulatividade dessa com a indenizao por danos materiais (2). * 1. Conferir, em relao possibilidade de indenizao exclusivamente por danos morais: STF -1. T - RExtr. n. 105.157/SP - Rel. Min. Octvio Gallotti, Dirio da Justia, Seo I, 18 out. 1983, p. 18.459. 2. Smula STJ n. 37 - "So cumulveis as indenizaes por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato" (cf. tb. RSTJ n.s 23/260, 27/268 e 289, 33/526, 542 e 599, 34/445, 50/305, 57/286; JTJ 146/253, 152/88; RT 586/210, 683/188, 700/213, 703/57). Como decidiu o Superior Tribunal de Justia, "sobrevindo, em razo de ato ilcito, perturbao nas relaes psquicas, na tranqilidade, nos sentimentos e nos afetos de

uma pessoa, configura-se o dano moral, passvel de indenizao, inclusive em relao aos danos estticos (4). * 4. Como decidiu o Supremo Tribunal Federal, "no afronta o princpio da legalidade a reparao de leses deformantes a ttulo de dano moral (art. 1.538, 1., do Cdigo Civil)" (2. T - RExtr. n. 116.447/DF - Rel. Min. Clio Borja-RTJ 141/611). No mesmo sentido: STJ A indenizao relativa ao dano moral abranger a pertinente ao dano esttico, ressalvadas eventuais repercusses econmicas. Juros - Ilcito extracontratual - Smula 54" (3. T - REsp n. 41.492-0/RJ - Rel. Min. Eduardo Ribeiro Ementrio STJ, 10/157). Como ensina Rui Stocco, "pacificado, hoje, o entendimento de que o dano moral indenizvel e afastadas as restries, o preconceito e a m vontade que a doutrina ptria e aliengena impunham tese, com o advento da nova ordem constitucional (CF/88), nenhum bice se pode, a priori, antepor indenizabilidade cumulada". Limongi Frana traz-nos o conceito de dano moral, afirmando ser aquele que, direta ou indiretamente, a pessoa fsica ou jurdica, bem assim a coletividade, sofre no aspecto no econmico dos seus bens jurdicos. Ressalte-se, portanto, que a indenizao por danos morais ter cabimento seja em relao pessoa fsica, seja em relao pessoa jurdica e at mesmo em relao s coletividades (interesses difusos ou coletivos); mesmo porque so todos titulares dos direitos e garantias fundamentais desde que compatveis com suas caractersticas de pessoas artificiais. 11.1 Direito de resposta ou de rplica A consagrao constitucional do direito de resposta proporcional ao agravo instrumento democrtico moderno previsto em vrios ordenamentos jurdicoconstitucionais, e visa proteger a pessoa de imputaes ofensivas e prejudiciais a sua dignidade humana e sua honra. Pg. 78 A abrangncia desse direito fundamental ampla, aplicando-se em relao a todas as ofensas, configurem ou no infraes penais.

Nesse sentido, lembremo-nos da lio de Rafael Bielsa, para quem existem fatos que, mesmo sem configurar crimes, acabam por afetar a reputao alheia, a honra ou o bom nome da pessoa, alm de tambm vulnerarem a verdade, cuja divulgao de interesse geral. O cometimento desses fatos pela imprensa deve possibilitar ao prejudicado instrumentos que permitam o restabelecimento da verdade, de sua reputao e de sua honra, por meio do exerccio do chamado direito de rplica ou de resposta. O exerccio do direito de resposta, se negado pelo autor das ofensas, dever ser tutelado pelo Poder Judicirio, garantindo-se o mesmo destaque notcia que o originou. Anote-se que o ofendido poder desde logo socorrer-se ao Judicirio para a obteno de seu direito de resposta constitucionalmente garantido, no necessitando, se no lhe aprouver, tentar entrar em acordo com o ofensor. A Constituio Federal estabelece como requisito para o exerccio do direito de resposta ou rplica a proporcionalidade, ou seja, o desagravo dever ter o mesmo destaque, a mesma durao (no caso de rdio e televiso), o mesmo tamanho (no caso de imprensa escrita), que a notcia que gerou a relao conflituosa. A responsabilidade pela divulgao do direito de resposta da direo do rgo de comunicao, e no daquele que proferiu as ofensas. Ressalte-se que o contedo do exerccio do direito de resposta no poder acobertar atividades ilcitas, ou seja, ser utilizado para que o ofendido passe a ser o ofensor, proferindo, em vez de seu desagravo, manifestao caluniosa, difamante, injuriosa. 12 EXPRESSO DA ATIVIDADE INTELECTUAL, ARTSTICA, CIENTFICA E DE COMUNICAO (ART. 5., IX) A liberdade de expresso e de manifestao de pensamento no pode sofrer nenhum tipo de limitao prvia, no tocante a censura de natureza poltica, ideolgica e artstica. Contudo, possvel lei ordinria a regulamentao das diverses e espetculos, classificando-os por faixas etrias a que no se recomendem, bem como

definir locais e horrios que lhes sejam inadequados. Caber tambm lei estabelecer meios de defesa das pessoas e das famlias quanto a programas de rdio e televiso que descumpram os princpios determinados no art. 221, I a IV, como respeito aos valores ticos e sociais da pessoa e da famlia (arts. 220, 3., e 221). A inviolabilidade prevista no inciso X do art. 5., porm, traa os limites tanto para a liberdade de expresso do pensamento como para o direito informao, vedando-se o atingimento intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas. Pg. 79 A censura prvia significa o controle, o exame, a necessidade de permisso a que se submete, previamente e com carter vinculativo, qualquer texto ou programa que pretende ser exibido ao pblico em geral. O carter preventivo e vinculante o trao marcante da censura prvia, sendo a restrio livre manifestao de pensamento sua finalidade antidemocrtica. O texto constitucional repele frontalmente a possibilidade de censura prvia. Essa previso, porm, no significa que a liberdade de imprensa absoluta, no encontrando restries nos demais direitos fundamentais, pois a responsabilizao posterior do autor e/ou responsvel pelas notcias injuriosas, difamantes, mentirosas sempre ser cabvel, em relao a eventuais danos materiais e morais. Como salienta Miguel ngel Ekmekdjian, a proibio censura prvia, como garantia liberdade de imprensa, implica forte limitao ao controle estatal preventivo, mas no impede a responsabilizao posterior em virtude do abuso no exerccio desse direito. O autor, inclusive, cita julgado da Corte Suprema de Justia argentina no qual se afirmou: "apesar de no regime democrtico a liberdade de expresso ter um lugar eminente que obriga a particular cautela enquanto se trata de decidir responsabilidades por seu desenvolvimento, pode-se afirmar sem vacilao que ela no se traduz no propsito de assegurar a impunidade da imprensa". A liberdade de imprensa em todos os seus aspectos, inclusive mediante a vedao

de censura prvia, deve ser exercida com a necessria responsabilidade que se exige em um Estado Democrtico de Direito, de modo que o desvirtuamento da mesma para o cometimento de fatos ilcitos, civil ou penalmente, possibilitar aos prejudicados plena e integral indenizao por danos materiais e morais, alm do efetivo direito de resposta. 13 INVIOLABILIDADE INTIMIDADE, VIDA PRIVADA, HONRA E IMAGEM Os direitos intimidade e a prpria imagem formam a proteo constitucional vida privada, salvaguardando um espao ntimo intransponvel por intromisses ilcitas externas. A proteo constitucional consagrada no inciso X do art. 5. refere-se tanto a pessoas fsicas quanto a pessoas jurdicas (2), abrangendo, inclusive, necessria proteo prpria imagem frente aos meios de comunicao em massa (televiso, rdio, jornais, revistas etc.) (3). * 2. O Superior Tribunal de Justia j consagrou o cabimento de indenizao por danos morais s pessoas jurdicas: A honra objetiva da pessoa jurdica pode ser ofendida pelo protesto indevido de ttulo cambial, cabendo indenizao pelo dano extrapatrimonial da decorrente" (STJ - 4. T. - REsp n. 60033/MG - Rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, Dirio da Justia, Seo I, 27 nov. 1995, p. 40.893). 3. Em relao ao direito prpria imagem, decidiu o STF que "Direito proteo da prpria imagem, diante da utilizao de fotografia em anncio com fim lucrativo, sem a devida autorizao da pessoa correspondente. Indenizao pelo uso indevido da imagem. Tutela jurdica resultante do alcance do direito positivo" (2. T. - Rextr. n. 91328/SP v. u. - Rel. Min. Djaci Falco, Dirio da Justia, Seo I, 11 dez. 1981, p. 12.605). No mesmo sentido: STF 1. T. - Rextr. n. 95872/RJ - Rel. Min. Rafael Mayer, Dirio da Justia, Seo I, 1. out. 1982, p. 9.830. Pg. 80 Os conceitos constitucionais de intimidade e vida privada apresentam grande interligao, podendo, porm, ser diferenciados por meio da menor amplitude do primeiro, que encontra-se no mbito de incidncia do segundo.

Assim, intimidade relaciona-se s relaes subjetivas e de trato ntimo da pessoa, suas relaes familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relaes comerciais, de trabalho, de estudo etc. Encontra-se em clara e ostensiva contradio com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1., III), com o direito honra, intimidade e vida privada (CF, art. 5., X) converter em instrumento de diverso ou entretenimento assuntos de natureza to ntima quanto falecimentos, padecimentos ou quaisquer desgraas alheias, que no demonstrem nenhuma finalidade pblica e carter jornalstico em sua divulgao. Assim, no existe qualquer dvida de que a divulgao de fotos, imagens ou notcias apelativas, injuriosas, desnecessrias para a informao objetiva e de interesse pblico (CF, art. 5., XIV), que acarretem injustificado dano dignidade humana autoriza a ocorrncia de indenizao por danos materiais e morais (2), alm do respectivo direito resposta. * 2. Nesse sentido, j decidiu o Tribunal de Justia de So Paulo: A Constituio da Repblica expressa no garantir a indenizabilidade da leso moral, independente de estar, ou no, associada a dano ao patrimnio fsico. A indenizao por dano moral arbitrvel, pois, nada dispondo a lei a respeito, no h critrios objetivos para clculo, e esse dano nada tem com as repercusses econmicas do ilcito" (2. CCivil - AC n. 170376-1- Rel. Des. Cezar Peluzo - JTJ/SP - LEX 142/94). No restrito mbito familiar, os direitos intimidade e vida privada devem ser interpretados de uma forma mais ampla, levando-se em conta as delicadas, sentimentais e importantes relaes familiares, devendo haver maior cuidado em qualquer intromisso externa. Dessa forma, conclumos como Antonio Magalhes, no sentido de que "as intromisses na vida familiar no se justificam pelo interesse de obteno de prova, pois, da mesma forma do que sucede em relao aos segredos profissionais, deve ser igualmente reconhecida a funo social de uma vivncia conjugal e familiar margem de

restries e intromisses". Por outro lado, essa proteo constitucional em relao queles que exercem atividade poltica ou ainda em relao aos artistas em geral deve ser interpretada de uma forma mais restrita, havendo necessidade de uma maior tolerncia ao se interpretar o ferimento das inviolabilidades honra, intimidade, vida privada e imagem, pois os primeiros esto sujeitos a uma forma especial de fiscalizao pelo povo e pela mdia (4), enquanto o prprio exerccio da atividade profissional dos segundos exige maior e constante exposio mdia. * 4. Nesse sentido decidiu o Tribunal de Justia de So Paulo: "Os polticos esto sujeitos de forma especial s crticas pblicas, e fundamental que se garanta no s ao povo em geral larga margem de fiscalizao e censura de suas atividades, mas sobretudo imprensa, ante a relevante utilidade pblica da mesma, e em contrapartida d-lhes a sistemtica constitucional de imunidade para, por sua vez, criticarem e censurarem outrem" (Apelao Cvel n. 235. 627-1- Barretos - Rel. Marco Csar - CCIV 5 v. u. - 20 out. 1994). Pg. 81 Essa necessidade de interpretao mais restrita, porm, no afasta a proteo constitucional contra ofensas desarrazoadas, desproporcionais e, principalmente, sem qualquer nexo causal com a atividade profissional realizada (1). * 1. Conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal: "Crime contra a honra e discusso poltico-eleitoral: limites de tolerncia. As discusses polticas, particularmente as que se travam no calor de campanhas eleitorais renhidas, so inseparveis da necessidade de emisso de juzos, necessariamente subjetivos, sobre qualidades e defeitos dos homens pblicos nelas diretamente envolvidos, impondo critrio de especial tolerncia na sua valorao penal, de modo a no tolher a liberdade de crtica, que os deve proteger; mas a tolerncia h de ser menor, quando, ainda que situado no campo da vida pblica ou da vida privada de relevncia pblica do militante poltico, o libelo do adversrio ultrapassa a linha dos juzos desprimorosos para a imputao de fatos mais

ou menos concretos, sobretudo, se invadem ou tengenciam a esfera da criminalidade" (Pleno - Inqurito n. 503/RJ - questo de ordem v. u. - Rel. Min. Seplveda Pertence, Dirio da Justia, Seo I, 26 mar. 1993, p. 5.001). No mesmo sentido: STF - Pleno Inqurito n. 496/DF v. u. - Rel. Min. Ilmar Galvo, Dirio da Justia, Seo I, 12 nov. 1993, p. 24.022; STJ 1. Seo - CC n. 22/PR - Rel. Min. Jos de Jesus - Ementrio n. 01/267. 14 INVIOLABILIDADE DOMICILIAR (ART. 5., XI) O preceito constitucional consagra a inviolabilidade do domiclio, direito fundamental enraizado mundialmente, a partir das tradies inglesas, conforme verificamos no discurso de Lord Chatham no Parlamento britnico: O homem mais pobre desafia em sua casa todas as foras da Coroa, sua cabana pode ser muito frgil, seu teto pode tremer, o vento pode soprar entre as portas mal ajustadas, a tormenta pode nela penetrar, mas o Rei da Inglaterra no pode nela entrar. No sentido constitucional, o termo domiclio tem amplitude maior do que no direito privado ou no senso comum, no sendo somente a residncia, ou ainda, a habitao com inteno definitiva de estabelecimento. Considera-se, pois, domiclio todo local, delimitado e separado, que algum ocupa com exclusividade, a qualquer ttulo, inclusive profissionalmente, pois nessa relao entre pessoa e espao, preserva-se, mediatamente, a vida privada do sujeito. Como j pacificado pelo Supremo Tribunal Federal, domiclio, numa extenso conceitual mais larga, abrange at mesmo o local onde se exerce a profisso ou a atividade, desde que constitua um ambiente fechado ou de acesso restrito ao pblico, como o caso tpico dos escritrios profissionais. Como salientado por Gianpaolo Smanio, "aquilo que for destinado especificamente para o exerccio da profisso estar dentro da disposio legal". A Constituio Federal, porm, estabelece excees inviolabilidade domiciliar. Assim, a casa asilo inviolvel do indivduo, ningum nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar

socorro, ou, ainda durante o dia, por determinao judicial. O Supremo Tribunal Federal j decidiu que mesmo sendo a casa o asilo inviolvel do indivduo, no pode ser transformado em garantia de impunidade de crimes, que em seu interior se praticam. Pg. 82 Assim, violao de domiclio legal, sem consentimento do morador, permitida, porm somente nas hipteses constitucionais: Dia: flagrante delito ou desastre ou para prestar socorro, ou, ainda, por determinao judicial. Somente durante o dia, a proteo constitucional deixar de existir por determinao judicial. Noite: flagrante delito ou desastre ou para prestar socorro. 14.1 Questo do dia e da noite Para Jos Afonso da Silva, dia o perodo das 6:00 horas da manh s 18:00, ou seja, "sol alto, isto , das seis s dezoito", esclarecendo Alcino Pinto Falco que durante o dia a tutela constitucional menos ampla, visto que a lei ordinria pode ampliar os casos de entrada na casa durante aquele perodo, que se contrape ao perodo da noite. Para Celso de Mello, deve ser levado em conta o critrio fsico-astronmico, como o intervalo de tempo situado entre a aurora e o crepsculo. o mesmo entendimento de Guilherme de Souza Nucci, ao afirmar que noite " o perodo que vai do anoitecer ao alvorecer, pouco importando o horrio, bastando que o sol se ponha e depois se levante no horizonte". Entendemos que a aplicao conjunta de ambos os critrios alcana a finalidade constitucional de maior proteo ao domiclio durante a noite, resguardando-se a possibilidade de invaso domiciliar com autorizao judicial, mesmo aps as 18:00 horas, desde que, ainda, no seja noite (por exemplo: horrio de vero). 14.2 Violao de domiclio por deciso administrativa ou parlamentar. Impossibilidade - clusula de reserva jurisdicional

A possibilidade de invaso domiciliar, durante o dia, sujeita-se a denominada clausula de reserva jurisdicional (6), consistente na expressa previso constitucional de competncia exclusiva dos rgos do Poder Judicirio, com total excluso de qualquer outro rgo estatal, para a prtica de determinados atos. * 6. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a existncia constitucional da clusula de reserva jurisdicional, afirmando: As Comisses Parlamentares de Inqurito no podem determinar a busca e apreenso domiciliar, por se tratar de ato sujeito ao princpio constitucional da reserva de jurisdio, ou seja, ato cuja prtica a CF atribui com exclusividade aos membros do Poder Judicirio (STF - Pleno - MS n. 23.642/DF - Rel. Min. Nri da Silveira, deciso: 29-11-2000 - Informativo STF n. 212. Conferir transcries nos Informativos STF n. 151, 162, 163). Pg. 83 Como salientado pelo Ministro Celso de Mello, "nem a Polcia Judiciria, nem o Ministrio Pblico, nem a administrao tributria, nem a Comisso Parlamentar de Inqurito ou seus representantes, agindo por autoridade prpria, podem invadir domiclio alheio com o objetivo de apreender, durante o perodo diurno, e sem ordem judicial, quaisquer objetos que possam interessar ao Poder Pblico. Esse comportamento estatal representar inaceitvel afronta a um direito essencial assegurado a qualquer pessoa, no mbito de seu espao privado, pela Constituio da Repblica". Conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal, "a essencialidade da ordem judicial para efeito de realizao das medidas de busca e apreenso domiciliar nada mais representa, dentro do novo contexto normativo emergente da Carta Poltica de 1988, seno a plena concretizao da garantia constitucional pertinente inviolabilidade do domiclio". Da a advertncia - que cumpre ter presente - feita por Celso Ribeiro Bastos, no sentido de que " foroso reconhecer que deixou de existir a possibilidade de invaso por deciso de autoridade administrativa, de natureza policial ou no. Perdeu portanto a

Administrao a possibilidade da auto-executoriedade administrativa". 24.3 Inviolabilidade domiciliar e fisco Como destaca o Ministro Celso de Mello, "esse amplo sentido conceitual da noo jurdica de `casa' revela-se plenamente consentneo com a exigncia constitucional de proteo esfera de liberdade individual e de privacidade pessoal (RT, 214/409; RT, 467/385; RT, 637/341). por essa razo que a doutrina - ao destacar o carter abrangente desse conceito jurdico - adverte que o princpio da inviolabilidade estende-se ao espao em que algum exerce, com excluso de terceiros, qualquer atividade de ndole profissional (Pontes de Miranda, Comentrios constituio de 1967 com a emenda n. 1 de 1969, tomo V/187, 2. ed./2. tir.,1974, RT; Jos Cretella Jnior, Comentrios constituio de 1988, v. I/261, item n. 150, 1989, Forense Universitria; Pinto Ferreira, Comentrios constituio brasileira, v. 1/82, 1989, Saraiva; Manoel Gonalves Ferreira Filho, Comentrios constituio brasileira de 1988, v. 1/36-37, 1990, Saraiva; Carlos Maximiliano, Comentrios constituio brasileira, v. III/91, 1948, Freitas Bastos; Dinor Adelaide Musetti Grotti, Inviolabilidade do domiclio na constituio, p. 70-78, 1993, Malheiros, v.g.). Sendo assim, nem a Polcia Judiciria e nem a administrao tributria podem, afrontando direitos assegurados pela Constituio da Repblica, invadir domiclio alheio com o objetivo de apreender, durante o perodo diurno, e sem ordem judicial, quaisquer objetos que possam interessar ao Poder Pblico. A Constituio Federal prescreve, no art. 145, 1., que a administrao tributria est sujeita, na efetivao das medidas e na adoo de providncias que repute necessrias, ao respeito incondicional aos direitos individuais, dentre os quais avulta, por sua indiscutvel importncia, o direito inviolabilidade domiciliar. Da a observao de Ives Gandra Martins - reiterada por Sacha Calmon. Navarro Coelho - no sentido de que os poderes de investigao do Fisco esto essencialmente limitados pelas clusulas subordinantes da Constituio Federal cujas prescries proclamam a

necessidade de efetiva submisso do Poder estatal aos direitos individuais assegurados pela Lei Fundamental. Por isso mesmo, assinala Ives Gandra Martins (Comentrios Constituio do Brasil, v. 6., tomo I, p. 64, 1990, Saraiva). De incio, o direito de fiscalizar um direito inerente Administrao dentro das regras prprias do direito administrativo. E como a Constituio garante os direitos individuais, evidncia, garante a inviolabilidade do domiclio nos termos do art. 5., XI, com o que o Fisco, pela nova Constituio, no tem mais direitos do que aqueles que tinha com a Constituio pretrita". Pg. 84 15 SIGILO DE CORRESPONDNCIA E DE COMUNICAO (ART. 5., XII) inviolvel o sigilo da correspondncia e das comunicaes telegrficas, de dados e das comunicaes telefnicas, salvo, no ltimo caso, por ordem judicial, nas hipteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigao criminal ou instruo processual penal. Ocorre, porm, que apesar de a exceo constitucional expressa referir-se somente interceptao telefnica, entende-se que nenhuma liberdade individual absoluta, sendo possvel, respeitados certos parmetros, a interceptao das correspondncias e comunicaes telegrficas e de dados sempre que as liberdades pblicas estiverem sendo utilizadas como instrumento de salvaguarda de prticas ilcitas. Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal pela possibilidade excepcional de interceptao de carta de presidirio pela administrao penitenciria, entendendo que a "inviolabilidade do sigilo epistolar no pode constituir instrumento de salvaguarda de prticas ilcitas". A anlise do direito comparado refora a idia de relatividade dessas inviolabilidades. O art. 72 da Constituio do Reino da Dinamarca, promulgada em 5-61953, expressamente prev que qualquer violao do segredo de correspondncia postal, telegrfica e telefnica somente poder ocorrer se nenhuma lei justificar exceo particular, aps deciso judicial.

O art. 12 da Lei Constitucional da Finlndia prev que ser inviolvel o segredo das comunicaes postais, telegrficas e telefnicas, salvo as excees estabelecidas em lei. Igualmente, o art. 15 da Constituio Italiana prev que a liberdade e o segredo da correspondncia e de qualquer outra forma de comunicao so inviolveis. Sua limitao pode ocorrer somente por determinao da autoridade judiciria, mantidas as garantias estabelecidas em lei. Pg. 85 Importante destacar que a previso constitucional, alm de estabelecer expressamente a inviolabilidade das correspondncias e das comunicaes em geral, implicitamente probe o conhecimento ilcito de seus contedos por parte de terceiros. O segredo das correspondncias e das comunicaes verdadeiro princpio corolrio das inviolabilidades previstas na Carta Maior. O preceito que garante o sigilo de dados engloba o uso de informaes decorrentes da informtica. Essa nova garantia, necessria em virtude da existncia de uma nova forma de armazenamento e transmisso de informaes, deve coadunar-se com as garantias de intimidade, honra e dignidade humanas, de forma que se impeam interceptaes ou divulgaes por meios ilcitos. 15.1 Possibilidade de interceptao telefnica Interceptao telefnica a captao e gravao de conversa telefnica, no mesmo momento em que ela se realiza, por terceira pessoa sem o conhecimento de qualquer dos interlocutores. Essa conduta afronta o inciso XII do art. 5. da Constituio Federal. Nos casos de interceptaes telefnicas, a prpria Constituio Federal, no citado inciso XII, do art. 5., abriu uma exceo, qual seja, a possibilidade de violao das comunicaes telefnicas, desde que presentes trs requisitos: ordem judicial; para fins de investigao criminal ou instruo processual penal;

nas hipteses e na forma que a lei estabelecer. Em relao ao ltimo requisito (nas hipteses e na forma que a lei estabelecer), a doutrina dividia-se sobre a recepo e a possibilidade de utilizao do Cdigo de Telecomunicaes, enquanto no fosse editada lei regulamentando as interceptaes telefnicas, tendo porm o Plenrio do Supremo Tribunal Federal, decidindo a questo, afirmado a no-recepo do art. 57, II, e, da Lei n. 4.117/62 (Cdigo Brasileiro de Telecomunicaes), vedando-se qualquer espcie de interceptao telefnica, at edio da legislao exigida constitucionalmente, sob pena de decretar-se a ilicitude da prova por esse meio obtida. Ressalte-se que o entendimento do Pretrio Excelso sobre a impossibilidade de interceptao telefnica, mesmo com autorizao judicial para, na investigao criminal ou instruo processual penal, ausente a edio da lei exigida constitucionalmente, foi mantido at a edio da Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996, quando ento a hiptese foi regulamentada. Pg. 86 15.2 Lei n. 9.296, de 24-7-1996 - Interceptaes telefnicas A Lei n. 9.296, de 24-7-1996, foi editada para regulamentar o inciso XII, parte final do art. 5., da Constituio Federal, determinando que a interceptao de comunicaes telefnicas, de qualquer natureza, para prova em investigao criminal e em instruo processual penal, depender de ordem do juiz competente da ao principal, sob segredo de justia, aplicando-se, ainda, interceptao do fluxo de comunicaes em sistemas de informtica e telemtica (1), cessando assim a discusso sobre a possibilidade ou no deste meio de prova e, conseqentemente, sobre sua licitude, desde que realizado aps a edio da lei, que no contm efeito retroativo (2). * 1. O Supremo Tribunal Federal negou medida liminar em sede de ao direta de inconstitucionalidade proposta em face do art. 1. da Lei n. 9.296/97, que instituiu a possibilidade de interceptao do fluxo de comunicaes em sistema de informtica e telemtica (STF - Pleno - Adin n. 1.488-9/DF - medida liminar - Rel. Min. Nri da Silveira,

Dirio da Justia, Seo I, 26 nov. 1999. p. 63). Entendemos inexistir qualquer inconstitucionalidade no citado artigo da lei (conforme salientado em MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 2. ed. So Paulo: Atlas, 1998. p. 150-152). Nesse mesmo sentido: GOMES, Luiz Flvio, CERVINI, Ral. Interceptao telefnica. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 171-176; STREK, Lenio Luiz. As interceptaes telefnicas e os direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 42; JESUS, Damsio E. Interceptao de comunicaes telefnicas: notas Lei n. 9.296, de 24-9-1996. RT 735/458. 2. STF 2. T. - HC n. 74.116/SP - Rel. Min. Nri da Silveira, Dirio da Justia, Seo I, 14 mar. 1997, p. 06.903. " ilcita a prova induzida mediante escuta telefnica autorizada por magistrado, antes do advento da Lei n. 9.296, de 24-7-96, que regulamentou o art. 5., inc. XII, da Constituio Federal; so igualmente ilcitas, por contaminao, as dela decorrentes: aplicao da doutrina norte-americana dos frutos da rvore venenosa." No mesmo sentido: STF 2. T. - HC n. 73.250-0/SP - Rel. Min. Marco Aurlio, Dirio da Justia, Seo I, 17 out. 1997, p. 52.490. A citada lei vedou a realizao de interceptao de comunicaes telefnicas quando no houver indcios razoveis da autoria ou participao em infrao penal ou a prova puder ser feita por outros meios disponveis, consagrando a necessidade da presena do fumus boni iuris, pressuposto exigvel para todas as medidas de carter cautelar, afirmando Antonio Magalhes Gomes Filho que deve ser perquirida a exclusividade deste meio de prova, "diante da forma de execuo do crime, da urgncia na sua apurao, ou ento da excepcional gravidade da conduta investigada, a ponto de justificar-se a intromisso". Importante ressaltar, ainda, que somente ser possvel a autorizao para a interceptao quando o fato investigado constituir infrao penal punida com recluso. Assim, a partir da edio da citada lei, fixando as hipteses e a forma para a interceptao das comunicaes telefnicas, a mesma poder ser determinada pelo juiz,

de ofcio ou a requerimento da autoridade policial (somente na investigao criminal) ou do representante do Ministrio Pblico (tanto na investigao criminal, quanto na instruo processual penal), sempre descrevendo-se com clareza a situao objeto da investigao, inclusive com a indicao e qualificao dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada, Pg. 87 Feito o pedido de interceptao de comunicao telefnica, que conter a demonstrao de que sua realizao necessria apurao de infrao penal e a indicao dos meios a serem empregados, o juiz ter o prazo mximo de 24 horas para decidir, indicando tambm a forma de execuo da diligncia, que no poder exceder o prazo de 15 dias, renovvel por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova (1). Haver autuao em autos apartados, preservando-se o sigilo das diligncias, gravaes e transcries respectivas. * 1. Adotamos novo posicionamento, diverso das trs primeiras edies dessa obra onde defendamos a possibilidade de uma nica renovao da medida. Entendemos, melhor refletindo sobre o tema, que h circunstncias onde a indispensabilidade desse meio de prova possibilitar sucessivas renovaes (por exemplo: trfico ilcito de entorpecentes). Como observado pelo Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, a lei adotou o sistema de verificao prvia da legalidade condicionando a interceptao autorizao judicial, ressaltando, porm, como nossa posio que "melhor seria se a lei houvesse optado, como exceo, pelo sistema da verificao posterior da legalidade. Em outras palavras, a autoridade policial e o representante do Ministrio Pblico poderiam tomar a iniciativa; concluda a diligncia encaminhariam-na ao magistrado; se no contivesse vcio e fosse pertinente, seria anexada aos autos. Caso contrrio, destruda, implicando eventual responsabilidade criminal. Nessa direo, o moderno Cdigo de Processo Penal da Itlia (art. 267.2). Com efeito a prova caracterizao de um fato; poder ser

passageiro. O crime no tem hora marcada. Acontece a qualquer momento, mesmo fora do expediente Judicirio. Se no for tomada medida imediata, perder importncia. No creio que a autorizao verbal (art. 4., 1.) possa cobrir todas as hipteses". A diligncia ser conduzida pela autoridade policial, que poder requisitar auxlio aos servios e tcnicos especializados s concessionrias de servio pblico, sempre com prvia cincia do Ministrio Pblico, que poder acompanh-la, se entender necessrio. Se houver possibilidade de gravao da comunicao interceptada, ser determinada sua transcrio, encaminhando-se ao juiz competente, acompanhada com o devido auto circunstanciado, que dever conter o resumo das operaes realizadas. Aps o trmino da diligncia, a prova colhida permanecer em segredo de Justia, devendo ento, caso j haja ao penal, ser possibilitado ao defensor sua anlise, em respeito aos princpios do devido processo legal, contraditrio e ampla defesa. Ressaltese que a natureza da diligncia impede o conhecimento anterior do investigado e de seu defensor, pois, como ressalta Antonio Scarance Fernandes, "obviamente, se informado o ru ou o investigado, nunca iria ele efetuar qualquer comunicao comprometedora. O contraditrio ser diferido, garantindo-se, aps a gravao e transcrio, ao investigado e ao acusado o direito de impugnar a prova obtida e oferecer contra-prova". Pg. 88 Dessa forma, a produo dessa espcie de prova em juzo est em plena consonncia com o princpio do contraditrio e da ampla defesa, permitindo-se defesa impugn-la amplamente (1). * 1. Cf. MAILLO, Alfonso Serrano. Valor de Ias escuchas telefnicas como prueba en el sistema espafiol. Nulidad de Ia prueba obtenida ilegalmente. Revista Brasileira de Cincias Criminais, n. 15, p. 13, So Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. Contra o sentido do texto: Roberto Delmanto e Roberto Delmanto Junior afirmam que "apesar da nova lei estar em aparente consonncia com o art. 5., XII, da CF/88, que permite a

violao das comunicaes telefnicas para fins de investigao criminal ou instruo processual penal, parece-nos que a interceptao telefnica durante a instruo judicial colide com as garantias constitucionais da igualdade (art. 5., caput), do contraditrio e da ampla defesa (art. 5., LV), do direito lealdade processual (fair play), abrangido pela garantia do devido processo legal (art. 5., LIV), e da prpria inviolabilidade do exerccio da advocacia (art. 133), esta ltima no caso de interceptao de comunicao telefnica entre o acusado e seu defensor" (A permisso constitucional e a nova lei de interceptao telefnica. Boletim IBCCrim, n. 47, p. 2, out. 1996).. Ressalte-se, por fim, que no haver possibilidade de interceptao da comunicao telefnica entre o acusado e seu defensor, pois o sigilo profissional do advogado, no exerccio da profisso, garantia do prprio devido processo legal. A interceptao somente ser possvel se o advogado estiver envolvido na atividade criminosa, pois nesta hiptese no estar atuando como defensor, mas como participante da infrao penal. 15.3 Gravao clandestina Diferentemente da gravao resultante de interceptao telefnica, as gravaes clandestinas so aquelas em que a captao e gravao da conversa pessoal, ambiental ou telefnica se do no mesmo momento em que a conversa se realiza, feita por um dos interlocutores, ou por terceira pessoa com seu consentimento, sem que haja conhecimento dos demais interlocutores. Dessa forma, no se confunde interceptao telefnica com gravao clandestina de conversa telefnica, pois enquanto na primeira nenhum dos interlocutores tem cincia da invaso de privacidade, na segunda um deles tem pleno conhecimento de que a gravao se realiza. Essa conduta afronta o inciso X do art. 5. da Constituio Federal, diferentemente das interceptaes telefnicas que, conforme j analisado, afrontam o inciso XII do art. 5. da Carta Magna. Elimar Szaniawski, ao expor as diferenas entre as gravaes lcitas e ilcitas, afirma que

"as primeiras (gravaes lcitas) consistem na realizao do registro de conversaes, depoimentos, conferncias ou narrativas dos mais diversos fatos como a ocorrncia de acidente, desabamentos, homicdios, fenmenos naturais etc. Nesta espcie de gravao, as licitas, verificamos que sua principal caracterstica que, no momento em que foi realizada a captao do som, voz ou imagem do indivduo, tinha este o pleno conhecimento da feitura das gravaes ou dos interlocutores, tratando-se de fixao de uma conversao. Pode, ainda, a gravao ser realizada perante autoridade policial ou administrativa onde se assegurem todas as garantias constitucionais de respeito liberdade da pessoa humana, de sua dignidade e o respeito sua pessoa. J o segundo grupo, o das gravaes ilcitas, se caracteriza pelo fato do desconhecimento por parte do indivduo, interlocutores, ou grupos de pessoas, de que sua voz ou imagem estejam sendo captadas e registradas por intermdio de algum aparelho em fitas para poder ser reproduzida. Inclui-se na espcie a captao da imagem por meio de fotografias do tipo chapa fotogrfica, filme negativo, dispositivos (slides) ou outros meios de fixao da imagem. As gravaes ilcitas podem ser classificadas em: interpolaes, montagens e gravaes sub-reptcias". Pg. 89 Em relao gravao sub-reptcia, continua dizendo ser aquela "que se d clandestinamente, isto , quando a voz, a imagem ou a imagem e a voz, simultaneamente, so fixadas por aparelhos sem o conhecimento da pessoa que fala e cuja imagem aparece. So captaes clandestinas geralmente realizadas por aparelhos ocultos ou disfarados. A maioria dos autores denomina de gravaes ilcitas aquelas que so realizadas s ocultas sem conhecimento por parte daquele cuja voz ou imagem estejam sendo gravadas. Para ns, qualquer desses meios de se captar a voz ou a imagem, clandestinamente, bem como qualquer tipo de distoro de uma gravao, constitui-se em gravao ilcita, nesta ltima, mesmo que a gravao original tenha sido realizada com o conhecimento e

expressa autorizao da pessoa cuja voz ou imagem tenham sido captadas, qualquer espcie de corte ou outro tipo de distoro ou alterao caracterizam sua ilicitude". Assim, a tutela constitucional das comunicaes pretende tornar inviolvel a manifestao de pensamento que no se dirige ao pblico em geral, mas a pessoa, ou pessoas determinadas. Consiste, pois, no direito de escolher o destinatrio da transmisso. Nelson Nery Jnior relata que no tocante ao processo civil, houve caso lder decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no admitindo prova de adultrio obtida por gravao clandestina em fita magntica, em ao de antigo desquite. O plenrio da Corte Suprema, novamente, decidiu pela inadmissibilidade, como prova, de laudo de gravao de conversa telefnica obtido por meios ilcitos (art. 5., LVI, da Constituio Federal), por se tratar de gravao realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, havendo a gravao sido feita com inobservncia do princpio do contraditrio, e utilizada com violao privacidade alheia (art. 5., X, da CF). Como salientou o Ministro Celso de Mello, "a gravao de conversao com terceiros, feita atravs de fita magntica, sem o conhecimento de um dos sujeitos da relao dialgica, no pode ser contra este utilizada pelo Estado em juzo, uma vez que esse procedimento - precisamente por realizar-se de modo sub-reptcio - envolve quebra evidente de privacidade, sendo, em conseqncia, nula a eficcia jurdica da prova coligida por esse meio. O fato de um dos interlocutores desconhecer a circunstncia de que a conversao que mantm com outrem est sendo objeto de gravao atua, em juzo, como causa obstativa desse meio de prova. O reconhecimento constitucional do direito privacidade (CF, art. 5., X) desautoriza o valor probante do contedo de fita magntica que registra, de forma clandestina, o dilogo mantido com algum que venha a sofrer a persecuo penal do Estado. A gravao de dilogos privados, quando executada com total desconhecimento de um dos seus partcipes,

apresenta-se eivada de absoluta desvalia, especialmente quando o rgo da acusao penal postula, com base nela, a prolao de um decreto condenatrio". Pg. 90 Em concluso, no se pode deixar de reconhecer que toda gravao apresenta grandes possibilidades de manipulaes, atravs de sofisticados meios eletrnicos e computadorizados, pelos quais se podem suprimir trechos da gravao, efetuar montagens com textos diversos, alterar completamente o sentido de determinadas conversas ou, ainda, utilizando-se de aparelhos modernssimos, realizar montagens de frases utilizando-se de padres vocais de determinada pessoa, motivos pelos quais, como regra geral, devem ser inadmitidas como prova. Alm dessa possibilidade de manipulao probatria, tambm mister reconhecer que a gravao clandestina de conversas acaba por atentar frontalmente com diversos direitos constitucionalmente. garantidos e, principalmente, contra a inviolabilidade da vida privada e da intimidade. Excepcionalmente se admite a possibilidade de gravao clandestina com autorizao judicial, mesmo ausente lei especfica que regulamente o assunto (3). * 3. Conforme afirmou o Ministro Moreira Alves: "Penso que o sistema brasileiro similar ao italiano, onde a tutela do sigilo das comunicaes no abrange a gravao, descabe cogitar da exigncia da interposio de qualquer outro provimento legislativo regulamentador" - voto-relator no HC n. 74.678-1/SP - Ementrio STF n. 1.878-02. Cf. sobre o tema, nesse mesmo captulo, item 23.1. 16 INVIOLABILIDADE DE DADOS (ART. 5., X E XII): SIGILOS BANCRIO E FISCAL 16.1 Inviolabilidade constitucional da privacidade e do sigilo de dados A garantia do sigilo de dados como norma constitucional previso recente, pois foi trazida com a Constituio Federal de 1988. Com a inovao vieram inmeras dvidas e conseqncias jurdicas (4).

* 4. A Lei Complementar n. 105, de 10-1-2001, dispe sobre o sigilo das operaes de instituies financeiras. Essa lei complementar foi regulamentada pelo Decreto n. 3.724, de 10-1-2001, relativamente aquisio, acesso e uso, pela Secretaria da Receita Federal, de informaes referentes a operaes e servios das instituies financeiras e das entidades a elas equiparadas. Pg. 91 A inviolabilidade do sigilo de dados (art. 5., XII) complementa a previso ao direito intimidade e vida privada (art. 5., X), sendo ambas as previses de defesa da privacidade regidas pelo princpio da exclusividade, que pretende assegurar ao indivduo, como ressalta Tercio Ferraz a "sua identidade diante dos riscos proporcionados pela niveladora presso social e pela incontrastvel impositividade do poder poltico. Aquilo que exclusivo o que passa pelas opes pessoais, afetadas pela subjetividade do indivduo e que no guiada nem por normas nem por padres objetivos. No recndito da privacidade se esconde pois a intimidade. A intimidade no exige publicidade porque no envolve direitos de terceiros. No mbito da privacidade, a intimidade o mais exclusivo dos seus direitos". Desta forma, a defesa da privacidade deve proteger o homem contra: a) a interferncia em sua vida privada, familiar e domstica; b) a ingerncia em sua integridade fsica ou mental, ou em sua liberdade intelectual e moral; c) os ataques sua honra e reputao; d) sua colocao em perspectiva falsa; e) a comunicao de fatos relevantes e embaraosos relativos sua intimidade; f) o uso de seu nome, identidade e retrato; g) a espionagem e a espreita; h) a interveno na correspondncia; i) a m utilizao de informaes escritas e orais; j) a transmisso de informes dados ou recebidos em razo de segredo profissional. Com relao a esta necessidade de proteo privacidade humana, no podemos deixar de considerar que as informaes fiscais e bancrias, sejam as constantes nas prprias instituies financeiras, sejam as constantes na Receita Federal ou organismos

congneres do Poder Pblico, constituem parte da vida privada da pessoa fsica ou jurdica. Como salienta Celso Bastos, "no possvel atender-se tal proteo (intimidade) com a