Direito dos Animais - TCC

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FACULDADE DE SÃO PAULO FASP Curso de Direito Direito dos Animais a alvorada de um direito emergente Rosanna Lopes Batista São Paulo 2011

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FACULDADE DE SÃO PAULO – FASP Curso de DireitoDireito dos Animais a alvorada de um direito emergente Rosanna Lopes BatistaSão Paulo 20112FACULDADE DE SÃO PAULO – FASP Curso de DireitoDIREITO DOS ANIMAIS a alvorada de um direito emergenteRosanna Lopes Batista RA: 0107110027Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Fasp como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação da Profª Bruna Soares Angotti Batista de Andrade,

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FACULDADE DE SÃO PAULO – FASP

Curso de Direito

Direito dos Animais

a alvorada de um direito emergente

Rosanna Lopes Batista

São Paulo

2011

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2

FACULDADE DE SÃO PAULO – FASP

Curso de Direito

DIREITO DOS ANIMAIS

a alvorada de um direito emergente

Rosanna Lopes Batista

RA: 0107110027

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Faculdade de Direito da Fasp como exigência

parcial para obtenção do título de Bacharel em

Direito, sob a orientação da Profª Bruna Soares

Angotti Batista de Andrade, e do Prof. José

Erivam Silveira Filho

São Paulo

2011

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3

FACULDADE DE SÃO PAULO – FASP

Curso de Direito

Direito dos Animais

a alvorada de um direito emergente

Rosanna Lopes Batista

COMISSÃO JULGADORA

MONOGRAFIA PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE BACHAREL EM DIREITO

Orientadores: ....................................................................................................

....................................................................................................

2º Examinador: .................................................................................................

3º Examinador: .................................................................................................

São Paulo

2011

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4

Agradeço aos meus orientadores, Prof. José

Erivam Silveira Filho, pela recepção benevolente

ao meu tema e pelo exemplo ao empregar em

cada gesto o sentido de justiça, e à jovem e

brilhante Profª. Bruna Soares Angotti Batista de

Andrade, pelo carinho e atenção inestimáveis que

iluminaram meu trabalho. A ambos, sem os quais

este trabalho não seria possível, desejo enorme

sucesso e alegrias.

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5

O erro da ética até o momento tem sido a crença de que só se deva

aplicá-la em relação aos homens. (Albert Schweitzer)

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 7

CAPÍTULO I

1. Introdução às bases históricas e filosóficas de nossa relação com os outros

animais 10

1.1 Os animais sob a perspectiva mítico-religiosa 11

1.2 O lugar do animal no pensamento racional 15

2. Da condição humana e não-humana 17

3. Propostas para um novo paradigma ético 21

3.1 Movimentos modernos pela causa animal 24

3.1.1 Utilitarismo 25

3.1.2 Abolicionismo 27

3.1.2.1 Tom Regan 27

3.1.2.2 Gary Francione 29

3.1.2.3 Bernard E. Rollin 30

3.1.3 Ecoterrorismo ou terrorismo ambiental 31

CAPÍTULO 2

1. Senciência como vínculo moral entre os animais 34

2. Experiências “científicas” e vivissecção 36

3. Pão e Circo: rodeio, vaquejada, farra do boi e outros festivais de sangue 43

3.1 Diversão e arte: arenas do medo 49

4. Maus-tratos 53

4.1 Violência gratuita e covarde: o estreitamento dos limites da impunidade 54

4.2 Ensaio de um crime ecológico 61

4.3 Jaulas douradas 63

4.4 Mercado das Almas: indústrias da morte 67

4.4.1 Fazendas-fábricas e o projeto da autofagia planetária 68

CAPÍTULO 3

1. Considerações sobre o status jurídico dos animais 72

2. Mobilizações do sistema jurídico relativas aos direitos dos animais 81

CONCLUSÃO 92

BIBLIOGRAFIA 95

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INTRODUÇÃO

Um dos aspectos curiosos sobre o tema que escolhi foi a reação que ele despertou

nas diversas pessoas com as quais o partilhei. Apesar do entusiasmo de alguns, a maioria das

pessoas oscilou entre um tom jocoso e um declarado desdém, demonstrando de um jeito ou de

outro o desprezo pelo objeto do tema, ou melhor, pelo sujeito do tema escolhido por mim, o

animal não-humano1, e seus direitos. Demonstrou este grupo, a arraigada, histórica e falsa

percepção que o ser humano tem de sua pretensa superioridade em relação às outras criaturas

vivas.

Apesar da crescente literatura e da já respeitada ciência ambiental, dentro da qual

o tema também se insere, vê-se que a resposta prática do sujeito médio expressa uma

consciência indiferente às questões éticas relativas à Natureza, particularmente no que se

refere à qualidade de vida do animal não-humano. O Direito, neste aspecto, é ainda incipiente

e tímido quanto à questão dos direitos dos animais, tomando-os apenas e ainda como objetos

de proteção mais do que como sujeitos de direitos.

Tomando o tema como oportunidade de assumida defesa da causa pela

reconsideração jurídica dos animais, não significa que se pretenda diminuir a relevância da

vida humana, mas constituir uma necessária reflexão no sentido de conciliar as

particularidades de um grupo e outro e, por fim, garantir-lhes o gozo pleno de suas

existências, definindo-os como igualmente sujeitos dignos de defesa jurídica. Sujeitos porque

entendidos como entidades orgânicas, vivas, sencientes2, isto é, capazes de reagirem, em

graus diferentes, física, psíquica e emocionalmente em relação ao mundo, o que por si só já é

valor digno de ser protegido ética e juridicamente.

Se tentará aqui demonstrar porquê este conjunto de atributos, com os quais nós

humanos partilhamos em nível diferente, é suficiente para que se estabeleça direitos

fundamentais a todo tipo de vida senciente, considerando-se a premissa moral de se tratar

1 A partir daqui, embora a expressão “animal” seja relativa a humanos e não-humanos, em nome da

simplificação do texto, o animal não-humano será, quando possível, referido apenas com a expressão “animal”,

em oposição a humano. 2 Senciência: embora não exista uma definição apropriada, ela é compreendida como a habilidade de

experimentar a dor, a qual o interesse individual busca evitar, acusando assim a existência de uma “vida mental”.

Ver PAIXÃO, Rita Leal e SCHRAMM, Fermin Roland. Experimentação animal: razões e emoções para uma

ética – Niterói: EdUFF, 2008, p.81-82.

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igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na busca de realizar uma melhor paridade

de condições, no caso estudo, naturalmente desiguais.

Partindo de um paralelo histórico em que assistimos as minorias sociais

reconquistando sua dignidade e ampliando seus direitos, vimos novamente que o Direito,

reflexo da dinâmica social, vem, movido pela crescente necessidade social de preservar o

meio ambiente, reconhecendo e acolhendo os animais em sua pauta com a perspectiva de

alterar seu status na sociedade. Tal mudança ocorre lentamente, porém vem frequentemente

despontando nas discussões filosóficas, jurídicas e políticas. Óbvio que tal movimento sofre

influência das forças de poder que dominam as relações sociais, políticas e econômicas do

mundo, e manter ou criar um paradigma depende muito do que tal poder entende necessário

fazer para sustentar-se.

Em razão especialmente das mudanças climáticas produzidas no último século,

fruto de acelerado desenvolvimento tecnológico e econômico mundial, os interesses

dominantes têm reconsiderado sua relação com a Natureza, dadas as perspectivas nefastas à

sobrevivência da humanidade. Neste sentido, a defesa pela qualidade da vida no planeta com

vistas à posteridade da espécie humana assumiu um vulto enorme nas últimas décadas, o que

tem alterado sua relação com o meio em que vive. Neste sentido, a luta do Direito assume um

caráter de interesse transgeracional e, por isto, a preservação dos animais é um fator a ser

considerado na questão da sustentabilidade da espécie humana. Como instrumento de paz

social, é de interesse do Direito e sua também a responsabilidade pelo futuro do ambiente

natural e de tudo o que o torna viável.

O Direito dos Animais, no entanto, não se restringe a esta finalidade. Sua

principal questão é a consideração do valor intrínseco da vida do animal, que por si só merece

respeito e garantias à sua dignidade.

Este trabalho busca apresentar o panorama em que se insere o Direito dos

Animais, seu histórico, os conceitos fundamentais, os movimentos, a situação atual no mundo

e, especialmente, no Brasil, além das perspectivas que apresenta. Apesar de direito novo, é

tema vasto, pois implica questões de variada natureza, especialmente éticas, obrigando a uma

composição transdisciplinar, a que não se poderá deixar de apresentar se se quiser garantir um

quadro mínimo, mas consistente, de sua importância para o leitor.

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9

Desta forma, o trabalho consiste, num primeiro passo, na apresentação do cenário

histórico, filosófico e religioso subjacente à visão humana, em especial a tradicional da

cultura ocidental, sobre os animais e sua importância na sociedade; posteriormente, em

demonstrar os principais aspectos dos diversos movimentos contemporâneos em torno da

questão dos direitos dos animais, para, em seguida e finalmente, apresentar os reflexos destes

movimentos e suas propostas na legislação brasileira, buscando apreender a quais tendências

o nosso direito e a sociedade civil estão mais sensíveis.

Mesmo sendo um pequeno trabalho de final de curso, limitado por exigências

acadêmicas, não é por isso menos pretensioso, pois, apesar de sua autora não poder abarcar

toda sua dimensão e eventualmente cometer alguns deslizes resultantes de suas próprias

deficiências, pelas quais assume total responsabilidade, deseja instigar o interesse para esta

nova vertente do campo jurídico e contribuir para que sirva de inspiração para trabalhos mais

robustos e ações mais incisivas a fim de promover desdobramentos futuros que alterem

beneficamente a qualidade de vida de todos os animais, humanos e não-humanos e lhes dêem

uma perspectiva de existências mais felizes.

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CAPÍTULO I

1. Introdução às bases históricas e filosóficas de nossa relação com os outros animais3

A humanidade sempre foi dependente do seu ambiente e, como espécie

relativamente mais nova na Natureza, encontrou um universo vivo que lhe recepcionou e

proporcionou as condições de subsistência. Tornou-se uma criatura onívora e habilidosa,

tendo desenvolvido diversas tecnologias, dentre elas, a da caça e do preparo do alimento, que

propiciaram a formação de sociedades organizadas, baseadas fundamentalmente na

agricultura e criação e domesticação dos animais. Isto possibilitou a constituição e a

estabilização de comunidades populacionais em territórios fixos e sua expansão.

Desde então a relação entre o humano e não-humano se deu sob a marca do

domínio do primeiro, marcada pela visão utilitária dos animais, que vêm “servindo” como

alimento, vestimenta, transporte, moeda etc, ou seja, os animais sempre foram considerados

coisas com valor econômico. Tal domínio com o tempo foi sendo justificado pela religião e

regulamentado pelas leis. Efetivamente nem todas as culturas desenvolveram uma visão

puramente utilitária, sendo consenso histórico que em sua origem a maioria mantinha com os

animais também uma relação de natureza mítico-religiosa. Modernamente, muitas ainda

sustentam este aspecto bastante vívido, como os índios americanos, algumas tribos africanas e

a maioria dos indianos.

Especialmente na cultura ocidental, com base na tradição greco-romana e mais

tarde judaico-cristã, o universo foi dicotomizado entre o bem e o mal, com o ser humano no

seu centro. Neste espaço, o papel dos animais foi justificado, pois o entendimento era de que

Deus outorgou ao ser humano a supremacia sobre a Natureza e o direito de sobre ela dispor

3 Compilação de leituras diversas, dentre as quais, destacam-se: ENGELS, F. A Origem da Família, da

Propriedade Privada e do Estado. 9ª Ed – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984 (p. 21-28); ENGELS, F.

Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. Disponível:

forumeja.org.br/files/F_ENGELS.pdf – Acesso em 18/04/10; MORRONE, E.C. & MACHADO, C.R.S. A

Natureza em Marx e Engels: contribuição ao debate da questão ambiental na atualidade – Revista Eletrônica do

Mestrado em Educação Ambiental. v.24, jan-jul de 2010. Disponível: www.remea.furg.br/

edicoes/vol24/art4v24.pdf - Acesso em 21/09/11; MONTAGU, A. Introdução à antropologia. 2ª Ed – São Paulo:

Cultrix, 1977 (p. 50-64; 143-157); MARCONI, Marina A. & PRESOTTO, Zelia M.N. Antropologia: uma

introdução. 7ª Ed – São Paulo: Atlas, 2010 (p. 56-61; 79-89; 119-125; 150-165; 173-176); MORAN, E.F.

Adaptabilidade Humana: uma introdução à antropologia ecológica. São Paulo: Edusp/Senac, 2010 (p. 67-83;

115-117).

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em seu exclusivo benefício. Na luta entre o bem e o mal, os outros animais ficaram pior

posicionados.

A despeito desta abordagem privilegiar a tradição ocidental, marcada pelo

cristianismo, se fará uma pequena panorâmica sobre outras tradições religiosas, pois, além da

religião ter precedido a filosofia como fenômeno cultural e social, suas várias manifestações

têm implicado na confluência de perspectivas diferentes no atual mundo globalizado. E isto

afeta de alguma forma as mentes e corações das pessoas, oferecendo-lhes novos modelos para

interpretar e agir no mundo.

1.1 Os animais sob a perspectiva mítico-religiosa

As várias culturas comportam diferentes visões a respeito da importância dos

animais da Natureza e em meio à sociedade humana. Todas, incluindo a que nos deu origem,

possuem forte traço mítico-religioso, pois nenhuma sociedade humana escapou de buscar sua

origem e sentido através de uma explicação sobrenatural e divina.

Observando atentamente, cada uma das religiões revela um anseio pela unidade

em torno da qual tudo ganha um sentido particular e único que define uma razão para a

existência das coisas e dos seres. Neste quadro, tanto o ser humano quanto as outras criaturas

atuam para além do mero impulso pela sobrevivência. Elas atuam no sentido de compor o

sentido da própria vida.

Os animais, particularmente, mais adaptados ao ambiente natural, acabaram por

serem tidos como veículos divinos, dadas as suas habilidades, mais aprimoradas que as dos

seres humanos. Tal relação de admiração fica evidente, por exemplo, entre os egípcios, uma

cultura que glorificava a vida, e em que todos os animais exprimiam a sacralidade da

Natureza, sendo assim representações divinas.

Num tempo e cultura em que a moral, a religião e o direito eram um instrumento

único, não é raro que muitas destas civilizações tomassem como sua origem a imagem de um

animal como fundador de seu povo ou o tomassem em sacrifícios e práticas divinatórias por o

considerarem uma criatura pura. A domesticação, em paralelo às necessidades de subsistência

e das referências divinas, também ganhou crescente traço afetivo. Além do mais, desde

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sempre os animais foram compelidos a participarem de demonstração de poder, sendo muito

usados em rituais ou nas guerras.

No hinduísmo, uma religião com quase seis milhões de seguidores, há a figura do

Senhor dos Animais, Pashupati, que representa a idéia de que há a presença da divindade em

cada ser individual, coroando uma concepção de mundo na qual toda vida e a natureza é

sagrada. Marcial Maçaneiro afirma que o hinduísmo védico, muito embora alimente um

sistema social de castas, “não confere à humanidade uma superioridade ontológica entre as

criaturas... pois a humanidade partilha o mesmo atman (presença interior do único Brahma)

com cada forma de vida e se insere no fluir da existência, comum a todos os seres” 4

. Esta

visão foi a base para a construção moral e ética de Gandhi, para quem um dos principais

preceitos de sua doutrina pacifista é justamente não prejudicar nenhum ser vivo, racional ou

irracional.

Tanto o hinduísmo quanto o budismo pregam o vegetarianismo, calcados na

consciência de que tudo o que vive é sagrado. O budismo também coloca o ser humano e os

animais num mesmo “lócus ontológico”, onde dividem uma igualdade existencial e universal,

ou equanimidade, na qual se reconhece uma mesma natureza a todos os seres, pois são todos

interdependentes. Esta concepção está de acordo com a perspectiva do Deep Ecology

(Ecologia Profunda)5 que, segundo Maçaneiro, entende que “o ser humano não teria estatuto

ontológico superior, nem central, sendo apenas uma manifestação consciente da ontologia

vital, que habita o organismo maior e auto-referido chamado Gaia (Planeta Terra)”6. Uma das

regras de conduta budista indica o esforço pela “ação adequada, no sentido de agir tendo

como proposta o bem de todos os seres”, o que implica em abster-se de matar e preservar a

vida.

No nosso candomblé, de raízes africanas, também vislumbramos a crença na

divindade de todas as coisas. Olorum, o Ser Supremo, se manifesta em toda forma de vida,

sendo sua única fonte, ligando todos os seres na teia da vida. Seus deuses todos são

4 MAÇANEIRO, Marcial. Religiões & ecologia: cosmovisão, valores, tarefas – São Paulo: Paulinas, 2011, p.

24-25. 5 “A Ecologia Profunda não separa do ambiente natural o ser humano nem qualquer outro ser. Vê o mundo como

uma teia de fenômenos essencialmente interrelacionados e interdependentes. Ela reconhece que estamos todos

inseridos nos processos cíclicos da natureza e somos dependentes deles" – citação de Fritjof Capra in

pt.wikipedia.org/wiki/Ecologia_profunda. Acesso em 12/09/11. 6 MAÇANEIRO, Marcial. op.cit., p. 36

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vinculados aos elementos da Natureza, constituindo seus orixás, segundo Maçaneiro, “uma

versão mítica da biodiversidade”7, e o uso ritual dos animais é encarado como um sacrifício

necessário para a manutenção do vínculo com as forças da Natureza8.

Segundo Maçaneiro, as religiões monoteístas é que tiveram o triste condão de

cristalizar um conceito moralmente inferior dos animais, ainda que hajam em suas escrituras

notas sobre a inclusão dos animais nas graças divinas. Vejamos as principais.

A locução “imago Dei” (à imagem de Deus), cunhada pelo cristianismo, expressa

uma ruptura com as raízes politeístas e panteístas, e reposiciona o ser humano no universo.

Indica inicialmente que a divindade ganha personificação única, e que se inaugura um status

novo ao ser humano diante da Criação, passando ele a ser seu usuário privilegiado, dada a

agora exclusiva origem divina e a disponibilização absoluta, dada pelo Deus único, da

Natureza, que passa a subordinar-se às suas regras e necessidades. Esta interpretação das

escrituras favoreceu e justificou uma relação exploratória insustentável da natureza pelo

humano, movido por interesses mais pragmáticos relacionados ao poder e pondo em risco o

futuro das espécies.

Mas esta não é a única interpretação possível dos textos bíblicos. O Talmud

reconhece a glória divina nas criaturas e “ensina que sempre se deve considerar o bem das

criaturas, antes de tomar decisões”9. Se inevitável, deve-se utilizá-las com vistas à sua

preservação, isto é, de forma sustentável. A Cabala, face mística do Judaísmo, reconhece uma

“centelha divina” nos corpos vivos, o que indica uma origem comum, que deve ser a base

para uma relação de respeito com a Natureza. Por isso, segundo Jacob Hadid, “a Torah só

permite matar um animal se há nele utilidade para o homem, como por exemplo, para

alimentação (já que a She‟hitá10

é permitida), cura ou para matar um animal perigoso”11

.

7 MAÇANEIRO, Marcial. op. cit., p. 51.

8 Além do candomblé, o hinduísmo, o islamismo e outras religiões praticam o sacrifício ritual de animais. No

Brasil, objeto de polêmica doutrinária, prevalece o entendimento em favor da manifestação cultural em

detrimento dos direitos dos animais. Não haveria colisão de direitos, segundo esta visão doutrinária. Os seus

críticos apontam a falta de lógica deste princípio, pois segundo este raciocínio seria aceitável manter práticas

culturais que aviltam a dignidade humana (p.ex. castigos físicos nos filhos). “Um critério seguro para determinar

se uma prática cultural é aceitável é o sofrimento humano”, segundo artigo de Maíra de Paula Barreto, “Os

direitos humanos e a liberdade cultural” in Revista Antropos – Volume 1, Ano 1, Novembro de 2007.

Dísponível: HTTP://revista.antropos.com.br/.../... - Acesso em 01.10.11). Este é também um dos principais

argumentos em favor dos direitos dos animais. 9 MAÇANEIRO, Marcial. op.cit., p. 61.

10 She’hitá” é a prática ritual da alimentação kasher (hebraica) de preparar o animal para a morte a fim de

consumi-lo, de forma que seja o mais rápido e menos doloroso possível. Consiste praticamente na degolação,

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Já para o Cristianismo a Natureza foi confiada por Deus aos homens com a missão

de que eles a “guardassem”, isto é, a preservassem. Maçaneiro entende que o sentido original

de “dominar” inscrita no Gn 1,26 não se refere à exploração desmedida dos recursos da

Natureza.

A noção de Cristo Cósmico remete à de que “a humanidade não habita a Terra

sozinha, mas com e em meio à teia da vida”12

, na qual todas as coisas estão ligadas entre si e

todas com a Trindade Divina. Podemos citar a abadessa do século XI, Hildegarda de Burgem,

para quem “aquele que crê, contemplando com os olhos carnais as criaturas ao seu redor,

enxerga Deus em todas as partes”13

, e a figura emblemática de Francisco de Assis e o seu

lindo “Cântico das Criaturas”, como exemplos de uma consciência cósmica, infelizmente não

predominante na conduta histórica das Igrejas, que conseguiu criar uma cisão entre o homem

e a Natureza, fazendo prevalecer a concepção antropocentrista e predatória que a cultura

ocidental herdou.

A mensagem original das escrituras, segundo estas poucas vozes, significa

entender os outros animais como parceiros na sobrevivência do planeta, O ser humano,

compreendido como criatura melhor capacitada a instrumentalizar seus recursos, deve ser o

maior responsável pela preservação do presente divino, a Natureza onde vivem todas as

criaturas. Francisco de Assis, para quem os animais tinham a mesma causa e valor que nós

humanos, percebia que eles partilham conosco o mesmo destino. Hoje, novas interpretações

da Bíblia e a decifração dos livros apócrifos14

tornam claro que esta é a interpretação original,

muito distante das ambições que a futura igreja projetou, e lamentavelmente pouco difundida

entre os cristãos.

No islamismo, Maçaneiro deduz do próprio Alcorão a visão de ser o homem o

legatário de Allah na Terra, devendo geri-la com responsabilidade15

, conforme é lembrado por

sem prévia insensibilização, com conseqüente escoamento total do sangue, e não há comprovação de que cause

menor suplício ao animal. No islamismo, a prática ritualística similar chama-se “halai”. 11

HADID, Jacob. A Moral e a Ética no Código Judaico - Rio de Janeiro: edição do autor, 2001, p. 89. 12

MAÇANEIRO, Marcial. op.cit., p. 74. 13

MAÇANEIRO, Marcial. Id., p. 80. 14

Edna Cardozo Dias em sua dissertação cita o Evangelho da Vida Perfeita ou Evangelho Aramaico e o

Evangelho Essênio da Paz como exemplos de escritos apócrifos onde Jesus teria falado em defesa da natureza e

dos animais in A Tutela Jurídica dos Animais. Disponível: www.sosanimalmg.com.br/pdf/tutela.pdf. Acesso em:

06.12.2010. 15

MAÇANEIRO, Marcial. op.cit., p. 95.

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15

Mahmud-Abedin16

: “os humanos (...) são responsáveis pela proteção e preservação daquilo

que lhes foi confiado por Deus. Toda a vida deve ser respeitada, de modo que não deve haver

caça, ou matança de animais ou a sua manutenção em cativeiro para prazer e lucro. Deve

evitar-se o desperdício e também o uso excessivo de recursos”. Neste ponto, o islamismo

assemelha-se ao budismo, pois prega o equilíbrio, ou o meio-termo, no uso dos recursos da

Natureza.

O fato é que estas religiões, por sua importância e abrangência, cumprem um

papel importante nas áreas da educação, da assistência social, da ética e outras tantas, que sua

influência na construção de uma consciência ecológica planetária deveria ser mais cultivada a

fim de colaborar com as ações que hoje buscam garantir um futuro às gerações que virão e ao

planeta que os receberá. Segundo Maçaneiro, tais religiões “tendem para o universal

corresponsável”17

, significando que ao ser humano está reservado um papel específico no

meio ambiente, contrapondo-se ao “universo ontológico” proposto pela Deep Ecology, que

propõe uma igualdade radical entre as criaturas18

.

1.2 O lugar do animal no pensamento racional

Interessante que na cosmologia grega a vida e todo o universo tenham surgido por

ação de Eros, o deus do amor. A visão de um Universo Uno e Harmônico permeou os

primeiros pensadores, dentre os quais podemos destacar Pitágoras, para quem todas as coisas

se irmanam na divindade e têm entre si uma relação de interdependência. Para ele o mundo é

um organismo vivo e em constante evolução, onde os animais são nossos irmãos

evolucionários e, como nós, possuem uma alma. Sua opção pelo vegetarianismo decorre deste

raciocínio. Demócrito de Abdera, Epicuro, Zenão, Plutarco, Ovídio e Sêneca, por exemplo,

são outros pensadores da antiguidade que perceberam os animais como seres capazes de

sentir, de sofrer, e de, a seu modo, desenvolver uma linguagem própria e um raciocínio

particular não limitado ao instinto, porém tais idéias não constituíram forte influência no seu

tempo nem para a posteridade.

16

MAHMUD-ABEDIN, Saleha apud MAÇANEIRO, Marcial. op.cit., p. 103. 17

MAÇANEIRO, Marcial. op.cit., p. 36. 18

MAÇANEIRO, Marcial. Id., p. 36.

Page 16: Direito dos Animais - TCC

16

Porém, com Sócrates a razão passou a ser a força unificadora do Universo, com o

ser humano e seus princípios morais em seu centro. Inaugurou-se o antropocentrismo. Esta

racionalidade possibilitava ao ser humano, segundo Platão, deduzir da Natureza as

peculiaridades dos animais e verificar sua perfeita adaptação à Natureza. Mas é um valor

deduzido da inteligência humana, que busca julgar a Natureza e sua função a partir da

perspectiva humana. Este conhecimento, veiculado pela linguagem articulada, própria do ser

humano, imprime-lhe o status de superioridade sobre as outras criaturas, permitindo a

construção de uma sociedade em torno de valores exclusivamente antropocêntricos. Na

sociedade em que viveram Platão e Aristóteles, a sociedade natural era aquela em que cada

indivíduo participava conforme a função que nela devia desempenhar naturalmente, em

submissão e conformidade a este papel. Aos animais, assim como aos estrangeiros e aos

prisioneiros, cabia a função de servir aos interesses dos cidadãos na condição de escravos.

Aristóteles, embora reconhecesse neles a capacidade de sentirem dor e prazer, apontava que

sua incapacidade de se comunicar (dos animais) não lhes conferia outro desígnio. Desta

forma, a superioridade humana justificava sua desconsideração para com os outros animais,

relegados à sua funcionalidade no sentido de satisfazer as necessidades da sociedade humana.

Basicamente esta foi a fonte do mundo antigo, assimilada e consolidada mais

tarde pela visão judaico-cristã (especialmente pela interpretação de Tomás de Aquino), e

posteriormente cristalizada na racionalidade filosófica pós-Idade Média, que determinou a

visão utilitarista dos animais e que persiste dominante até os dias atuais.

A visão antropocêntrica se firmou e alcançou seu ápice durante as Revoluções

Francesa e Industrial, geradoras do Liberalismo, que alteraram radicalmente o aspecto da

sociedade humana ocidental. A razão humana se consolidou como a matriz da sabedoria e a

bússola para o desenvolvimento do mundo a tal ponto que a vaidade intelectual, vestida de

robe e em frente à lareira19

, chega a “provar” que Deus existe por meio de um mero exercício

de lógica, através do exercício tido como exclusivo do ser humano: o pensar.

Guiado somente pelo atributo da razão, o mundo passa a ser moldado segundo a

visão daqueles que detinham ou buscavam deter a hegemonia política, econômica e social, e

para quem a cultura servia como justificativa para esta hegemonia. Assim se desenhava o

19

Descrição do próprio Descartes no Discurso do Método in Obras Escolhidas. 3ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand

Brasil, 1994.

Page 17: Direito dos Animais - TCC

17

mundo moderno. Neste mundo não cabiam direitos aos humanos mais fracos e muito menos

aos animais. Contrato social algum jamais considerou a hipótese de levar em conta outros

interesses que fugissem do padrão “humano-macho-branco-cristão-europeu”.

Neste quadro, todas as desigualdades são administradas a fim de assegurar a

harmonia nas relações, desde que cada qual se atenha ao seu papel na sociedade (etnias

diferentes, mulheres, crianças, idosos etc). Os animais, inabilitados de articular a linguagem

humana, sem condições assim de se manifestarem, não podem aderir a este pacto social e, por

isso, estão excluídos de sua abrangência. Por não poderem aderir ao pacto, não são

consagrados pelo direito que o legitima.

A religião dominante, base ética originária do direito, considerava os animais

inferiores simplesmente por terem sido oferecidos por Deus como recursos naturais e

propriedade do homem, e sua incapacidade de se assemelhar ao ser humano. Desta forma,

legitima-se que ”o estado de natureza e de guerra permanecem entre os homens e os animais

após o contrato social. Assim, um animal irracional está no direito de atacar um ser humano, e

vice-versa.” 20

Estes foram os fundamentos para consolidar-se o paradigma utilitarista em

relação aos animais e à natureza, e dos quais somos herdeiros.

Lamentável que não tivesse prevalecido a compreensão de um Montaigne, para

quem era odiosa a crueldade com que os animais eram tratados, perseguidos impiedosamente

e sem a mínima defesa, contrariando a própria teologia que recomenda a benevolência com

toda forma de vida. Adiantando-se no tempo em relação à consciência ecológica e à defesa

legal dos animais, mostrava admiração pela adaptabilidade destes à Natureza, em relação à

qual o ser humano só conseguia produzir destruição e violar as leis de Deus. Assim, a

sociedade humana é injusta com a Natureza, e, por isso, fora da ordem divina, a quem deveria

obedecer, criando desarmonia entre os seres vivos.

2. Da condição humana e não-humana21

20

LIMA, Racil de. Direito dos Animais: aspectos históricos, éticos e jurídicos. Disponível: http://

www.anajus.com.br – Acesso em 15/10/09. 21

Compilação de leituras diversas, dentre as quais, destacam-se as já citadas referências na nota de rodapé n.3

deste texto, somadas a qualquer bom livro de história da humanidade. Para os apressados, há um bom panorama

em H.G.Wells ou Geoffrey Blainey, ambos com obra homônima Uma breve história do mundo, da L&PM e

Editora Fundamento, respectivamente.

Page 18: Direito dos Animais - TCC

18

A pequena história da humanidade - pequena em relação à idade do planeta -

demonstra que o ser humano, apesar de ter conquistado rápido desenvolvimento tecnológico e

desenvolvido uma cultura razoavelmente sofisticada, mantém ainda traços similares àqueles

antepassados que se distinguiram de outros primatas. Com eles compartilhamos a mesma

natureza predatória frente ao mundo que nos rodeia; antes movida pela necessidade de

sobrevivência, hoje resiste como pura manifestação de poder, marcada por um profundo e

inconsciente desprezo pela vida.

Se pensarmos bem, antes, ao lado do indefectível desejo de dominar o meio, pelo

menos existia na maioria das vezes um sentimento de reverência em relação às forças da

Natureza. Senão vejamos: da pré-história podemos resumir que toda organização insipiente

deu-se como forma de enfrentamento às hostilidades impostas pela natureza e assinalou a

engenhosidade do ancestral primata em adaptar a si e ao meio para garantir sua existência.

Nisto incluem-se provavelmente disputas com seus semelhantes e outras criaturas por áreas

mais favoráveis à sobrevivência. O domínio sobre a Natureza e sobre os semelhantes torna-se

a característica tendência do ser humano desde o princípio e foi justamente este traço que

permitiu a fundação das primeiras sociedades. Qualquer análise superficial de uma destas

nascentes culturas indica as estratégias humanas aplicadas para impor-se no mundo e na

história. Aí vemos um elemento comum, que é a ambiciosa trajetória pelo poder a qualquer

custo. Sejam culturas do oriente ou do ocidente, toda a sua história é marcada por lutas

infindáveis pelo predomínio de um povo sobre outro, e todos sobre a Natureza.

No percurso da trilha humana temos terríveis exemplos de guerras, genocídios,

traição, tortura, perseguição, escravidão, morte. As narrativas antigas estão repletas de

episódios escabrosos sobre o passado original de cada civilização e em nenhuma encontramos

um florescer pacífico.

Na particular visão ocidental encontramos na lembrança exemplos como a

inquisição, o genocídio das civilizações indígenas das Américas, a escravidão de negros e

índios, os horrores das Grandes Guerras Mundiais, especialmente a última na qual o mundo

assistiu com repulsa os maiores crimes contra a humanidade até então perpetrados.

Hoje, as pegadas ensangüentadas da humanidade ainda persistem em indicar um

futuro pouco alentador. Há qualquer coisa de podre na equação dignidade/justiça defendida

Page 19: Direito dos Animais - TCC

19

nas constituições e governos do mundo, que permite que 0,1% da população mundial

concentre toda a riqueza do mundo, enquanto mais de 100 mil pessoas morrem de fome todos

os dias ao redor do mundo, a cada quatro minutos uma criança fique cega por falta de

vitamina A e a cada sete segundos uma criança menor de dez anos morra devido à

desnutrição, conforme dados fornecidos por Jean Ziegler, relator da ONU sobre o Direito à

Alimentação.22

A Revolução Industrial, na qual o desenvolvimento e uso contínuo de novas

tecnologias propiciaram o consumo intensivo dos recursos naturais, gerando conseqüências

nefastas à qualidade de vida do ser humano e do planeta, refletiu-se no universo dos animais,

pois seu trato ganhou caráter industrial. Na época pós-industrial, o espírito predador do ser

humano foi potencializado com as novas tecnologias e a abertura de um mercado cada vez

mais globalizado, internacionalizando tradições nem sempre positivas à segurança dos

animais, assim como expandindo um altamente rentável mercado do tráfico.

Este quadro de fundo despertou preocupação quanto aos seus efeitos, pois, em

menos de um século, suas primeiras conseqüências prenunciavam um destino temerário à

humanidade. É o que se deduz ao ler Guy Tarade em “O Livro Negro da Poluição”23

, onde

são revelados dados alarmantes já na década de 1970, quando se contabilizava que 227

espécies de mamíferos e 321 espécies de aves já estavam em vias de extinção; 40% da vida

submarina havia desaparecido na quase totalidade dos mares do globo; por causa da poluição,

os recifes de coral estavam regredindo progressivamente, assim como a fauna aquática, vítima

de dejetos humanos. Em 1969, em 45 estados norte-americanos, 41 milhões de peixes foram

envenenados; começaram a surgir frequentes eventos de suicídios de baleias por todo o

mundo, espécie que parece ter perdido o desejo de viver, uma vez que, após 1900, perdeu

milhões de membros para a cobiça e vaidade humanas. A moda, por exemplo, cobrou 127 mil

focas mortas à paulada somente em março de 1973 no Canadá e uma média anual de 66 mil

focas entre os caçadores soviéticos, para a confecção de casacos de peles. O mesmo aconteceu

com 6 mil cães da Groelândia ou com outros tantos no Alaska, onde foram estrangulados,

pois “o estrangulamento provoca, com efeito, um levantamento dos pêlos e sua pele duplica o

seu volume. Alguns animais são torturados cinco ou seis vezes antes de serem mortos.”24

22

Disponível em www.cecac.org.br/MATERIAS/Miseria_concentracao_capital.htm - Acesso em 12/05/11. 23

TARADE, Guy. O Livro Negro da Poluição. Lisboa: Livraria Bertrand, 1980. 24

TARADE, Guy. op.cit., p. 184.

Page 20: Direito dos Animais - TCC

20

Milhares de animais migratórios viram-se obrigados a alterarem suas rotas tradicionais, pois

não conseguiam competir com a indústria humana pelos seus espaços naturais e propícios à

reprodução. Transformaram-se em exilados em seu próprio elemento.

São inúmeros os fatos e os motivos que levaram alguns pensadores e ativistas a se

reunirem pela causa dos animais. Ao lado da caça esportiva e da moda, há ainda a indústria

alimentícia e farmacêutica, a medicina, o tráfico, o lazer etc, que compõem outras formas de

interferência na existência dos animais e que ameaçam sua integridade e bem estar.

É este cenário degradante que motivou indivíduos como Peter Singer, Tom Regan

e outros, inspirados em Primatt, Salt e Gandhi, por exemplo, a repensarem o papel do ser

humano no planeta e, particularmente, sua relação com os outros seres vivos. Cada qual

apresenta propostas diferentes e que influenciam a condução dos processos sociais e jurídicos

em torno dos animais.

Alguns se preocupam com os animais em decorrência de uma visão ambiental

ampla, na qual a sua importância está relacionada ao equilíbrio da Natureza e à garantia da

sobrevivência humana – são os defensores do animal como objeto de proteção, reconhecido

como ser senciente, mas considerado em função do humano e suas necessidades; outros, para

além destas razões, enxergam neles seres vivos que merecem a mesma consideração moral

que é dada à espécie humana – são os que lutam pelo seu reconhecimento como sujeito de

direito. Estas linhas principais e suas nuances são o que compõem hoje o repertório filosófico

que pretende dar fundamento às ações sociais que desenharão o destino de todas as espécies

deste planeta.

Há quem diga que a condição da miséria está nas escolhas que os indivíduos

fazem, mas que escolha é possível a quem tem fome e nenhum recurso para sustentar-se, que

vive em pobreza crônica? Diante disto, não seria fútil a discussão sobre a condição dos

animais? Sem desconsiderar a urgência em lutar pela dignidade humana no mundo,

reduzirmos os animais a coisas insensíveis que não merecem qualquer esforço por uma

existência minimamente confortável em seu ambiente – natural ou não, com fim específico de

ser útil à sociedade humana, é não questionar o que significa vida e compaixão, e não

perceber que uma causa pode ser defendida concomitante a outra(s), sem romper com a

urgência de suas razões.

Page 21: Direito dos Animais - TCC

21

3. Propostas para um novo paradigma ético

É justamente pelo quadro até aqui exposto que se faz necessária a constituição de

uma ética preocupada com os direitos dos animais ou, mais apropriadamente, uma ética dos

animais, lembrando que “quando se fala em ética dos animais, não se entende que eles tenham

obrigação para com os homens, mas que seus direitos exigem as obrigações dos homens para

com eles”, de acordo com o Doutor em Educação da UNICAMP, Alvino Moser25

. Até aqui

vimos que tem se perpetuado na história da civilização humana um descaso crônico em

relação à Natureza e, em especial, em relação aos animais. Exceto algumas expressões

famosas em favor destes, aqui brevemente citadas, somente no século XVIII é que surgiu um

pioneiro na defesa por um direito que protegesse os animais e que foi inspiração para seus

modernos defensores. Seu nome é Humphry Primatt, teólogo inglês que, em 1776, lançou

uma obra em sua consideração, “The Duty of Mercy”, em que lançou 27 teses que pretendem

resgatar a dignidade dos animais e chamar à responsabilidade a sociedade humana. Por serem

fundamentais para nossa reflexão e englobarem aspectos importantes discutidos na atualidade,

as apresentamos na íntegra:

1ª tese: A concepção da dignidade humana está fundada erroneamente numa presunção de

superioridade discriminadora contra quem não têm a configuração da espécie humana;

2ª tese: A tradição nem sempre preserva um valor moral universal, ou é sinônimo de ética;

3ª tese: Crítica à complacência das autoridades morais;

4ª tese: Funções públicas implicam em autoridade moral;

5ª tese: A moralidade, quando é apenas sinônimo de preservação de privilégios morais,

mascara-se de argumentos pseudo-éticos;

6ª tese: Refinamento intelectual implica em dever de ser refinado no tratamento destinado

aos animais, não o contrário;

25

MOSER, Alvino apud LEVAI, Laerte Fernando in Os animais sob a visão da ética. Disponível:

www.mpgo.gov.br/.../os_animais_sob_a_visao_da_etica.pdf. Acesso em 23/12/10.

Page 22: Direito dos Animais - TCC

22

7ª tese: Dominar é saber cultivar, cuidar de algo;

8ª tese: A não-maleficência e a beneficência, como princípios racionais, são princípios

universais;

9ª tese: Dor é experiência intrinsecamente má, para qualquer ser que a sofre;

10ª tese: O malefício da dor e do sofrimento não depende de peculiaridades sociais,

intelectuais ou de outras diferenças na aparência;

11ª tese: A sensação de dor não depende do pensamento nem da razão. A linguagem não é

necessária à experiência sensível da dor;

12ª tese: As diferenças físicas, econômicas e intelectuais não aumentam nem diminuem a

sensibilidade à dor, não eliminam nem respondem pela sensibilidade à dor, mesmo que seja

diferente, em cada caso particular;

13ª tese: A singularidade da aparência natural, específica, não resulta do mérito. Por essa

razão, não pode servir para justificar privilégios morais;

14ª tese: Dotes naturais não devem ser confundidos com dotes ou mérito morais;

15ª tese: A ética funda-se na razoabilidade, coerência e reciprocidade, cerne da ‘regra de

ouro’: não faças a outro aquilo que não queres que te façam na mesma situação. Princípios

éticos não são descartáveis;

16ª tese: Ser imoral é incoerência. Desrespeitar os animais, alegando que são inferiores, mas

fazer a eles o que não admitimos que nos façam, quando estamos em condições inferiores, é

pura irracionalidade, manifesta, justamente, naquele que se autoproclama dotado de razão;

17ª tese: A imparcialidade é constitutiva de todo princípio ético, político e legal. Não se pode

abrir exceção para benefício pessoal, e, ao mesmo tempo, esperar que os outros considerem

tal privilégio sinônimo de justiça;

Page 23: Direito dos Animais - TCC

23

18ª tese: Isonomia e coerência moral. A justiça ordena tratar casos semelhantes de forma

semelhante;

19ª tese: Egoísmo expressa incoerência;

20ª tese: Crueldade significa causar mal, dor ou sofrimento injustificáveis, a seres

vulneráveis;

21ª tese: Há duas formas de crueldade. A brutal, praticada pelos seres humanos contra os

animais, e a humana, praticada pelos seres humanos contra os de sua própria espécie;

22ª tese: Crueldade é covardia, ainda pior quando praticada contra animais;

23ª tese: A morte é inexorável para todo ser vivo, o sofrimento, não;

24ª tese: Não é verdade que temos necessidade de lucrar com a morte alheia, por termos de

sobreviver;

25ª tese: Os seres humanos não são superiores aos animais no que toca à bondade;

26ª tese: Imitar o que se repudia é vil;

27ª tese: O dever humano mais sagrado, relativamente aos animais, de não-interferência

quando esta representa um malefício, equivale, na prática, ao dever de os deixar viver em

paz. 26

É extraordinária e impressionante a clareza, a concisão e a lógica inseridas nestas

poucas linhas. Vejamos: a) há um inegável paralelismo referente à questão da dignidade, que

propõe um valor de alcance único para humanos e não-humanos; b) revela que qualquer

distinção entre as espécies é falaciosa, feita para justificar o abuso sobre outros seres; c)

demonstra que os paradigmas até então seguidos não configuram verdades universais e não

26

FELIPE, Sonia T. Fundamentação ética dos direitos animais. O legado de Humphry Primatt. In Revista

Brasileira de Direito Animal. – Vol. 1, n.1 (jan. 2006). – Salvador: Instituto de Abolicionismo Animal, 2006 -

Anual, p. 212-227.

Page 24: Direito dos Animais - TCC

24

devem prosperar se não levarem em conta o respeito pelos outros; d) indica que os

representantes da sociedade devem assumir a responsabilidade de abraçarem uma nova

perspectiva ética, cujos princípios configurem novo paradigma no trato com a vida de todos

os seres; e) e esclarece que a justiça é o exercício do tratamento digno das criaturas, levando-

se em conta as suas diferenças.

3.1 Movimentos modernos pela causa animal

Mais de 200 anos depois, a visão de Primatt ecoa em teóricos e ativistas

modernos, alguns dos quais propõem um novo estatuto jurídico aos animais. Fundamentam

sua luta contra a discriminação moral dos animais principalmente no fato de encontrarem na

capacidade de sofrer um ponto comum de relevância moral tanto para os humanos quanto

para os não-humanos. Primatt e seu conterrâneo e seguidor Bentham defendiam “a tese de que

a ética não será refinada o bastante, enquanto o ser humano não estender a aplicação do

princípio da igualdade na consideração moral a todos os seres dotados de sensibilidade,

capazes de sofrer”27

, referindo-se ao dever dos humanos à compaixão com as outras criaturas.

O trabalho de ambos deu um passo fundamental na reflexão sobre o papel do ser humano

junto à natureza, em especial em relação às outras criaturas sencientes da Natureza e

promoveu as primeiras iniciativas práticas em favor da proteção aos animais a partir do século

XIX, como as primeiras sociedades protetoras e a inauguração de uma obra dedicada aos seus

direitos “Animal Rights” de Henry Salt. Tal evolução não passava de um anseio particular

para Primatt, muito próximo a uma utopia, mas em cujo terreno prosperou a semente da luta

pelo direito dos animais.

A crescente preocupação com o ambiente tem origem no temor natural pelos

possíveis riscos a que estamos expostos, nós e nossas futuras gerações. Os movimentos

organizados em defesa dos animais, em sua maioria, concentram suas ações no sentido de

preservá-los, lutando para que eles sejam objeto de crescente proteção legal, e, assim,

minimizar os efeitos destes riscos, salvaguardando o futuro do ser humano, e não por

entenderem que os animais têm valor por si só, “como seres vivos sensíveis, e não como

simples componentes da fauna”28

, portanto dignos de serem sujeitos de direito.

27

FELIPE, Sonia T., op.cit., p. 209. 28

LEVAI, Laerte Fernando. Os animais sob a visão da ética. Disponível:

www.mpgo.gov.br/.../os_animais_sob_a_visao_da_etica.pdf. Acesso em 23/12/10.

Page 25: Direito dos Animais - TCC

25

3.1.1 Utilitarismo

Os principais teóricos e ativistas modernos delimitam o teatro onde tais questões

atuam. Comecemos por Peter Singer, professor de bioética e especialista em ética aplicada,

influenciado, entre outros, por Bentham. Parte da premissa de é correto tudo o que for

favorável à maioria e que produzir resultados positivos ao bem geral. Neste quadro, a sua obra

“Libertação Animal”29

, tomada como marco moderno no questionamento sobre a

consideração moral dos animais e que impulsionou involuntariamente o movimento pelos

direitos dos animais, e na qual descreve as condições trágicas a que estão submetidos os

animais, em especial os utilizados na criação industrial, propõe que seja extensivo aos animais

o princípio ético no qual se baseia a igualdade humana.

Apesar de propor o princípio de igualdade para os animais, não defendeu

diretamente qualquer proposta em favor de seus direitos, mas demonstra simpatia à idéia e

entende que a vitória da luta pelos direitos dos animais depende de “minar a tese de que as

fronteiras da esfera dos direitos devem ser desenhadas de modo a incluir nela somente os

seres humanos”30

. Singer considera que os animais devem ser tutelados assim como os

humanos o são quando crianças, deficientes, doentes terminais etc.

Em sua obra revela as atrocidades que se comete contra os animais, reconhece que

a capacidade de sofrer já os inclui na questão moral, e opõe-se ao especismo31

. No entanto,

Singer admite sua utilização em experimentos, se forem necessários para o benefício humano,

desde que seja em benefício de uma causa que vise o bem geral, conforme sua premissa

teórica. Desta forma, a ideia de abate humanitário (ou “carne feliz”) não lhe é estranha nem

reprovável, pois evita o sofrimento desnecessário ao animal e beneficia a maioria (esta

maioria, fica óbvio, é a que pode se manifestar para o seu próprio benefício). Como esperar

uma decisão benéfica para o bem geral (do planeta inteiro?) de quem não respeita a própria

espécie? Singer entende que “a libertação animal também é uma libertação humana”32

, pois

“temos de considerar os interesses dos animais simplesmente porque eles têm interesses [de

viverem plenamente] e é injustificável excluí-los da esfera de consideração moral [mas] fazer

29

SINGER, Paul. Libertação Animal – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. 30

SINGER, Paul. Id., p. 449. 31

Especismo: preconceito de espécie, termo cunhado pelo sociólogo e filósofo britânico Richard D. Ryder em

1970; indica preferência a determinados seres pelo simples fato de serem membros de uma espécie dominante,

pelo que se justificaria sua maior importância moral e seu poder sobre eles. 32

SINGER, Peter. op.cit., p. 440.

Page 26: Direito dos Animais - TCC

26

com que essa consideração dependa de conseqüências benéficas para os seres humanos é

aceitar a implicação de que os interesses dos animais não merecem consideração por si

mesmos”33

.

Vista esta dificuldade lógica, dentre outras, para cumprir sua premissa, e o desafio

político que isto representa, Singer demonstra verdadeiro ceticismo quanto ao caráter e a

capacidade da humanidade no enfrentamento positivo da questão: “Será que uma exigência

como esta, uma exigência puramente moral, pode obter sucesso? Tudo indica que não. (...) A

libertação dos animais exigirá mais altruísmo da parte da humanidade do que qualquer outro

movimento de libertação, uma vez que os animais são incapazes de fazer por si mesmos essa

exigência ou de protestar contra sua exploração por meio do voto, de passeatas ou de bombas.

Será o homem capaz de um altruísmo tão genuíno? Quem sabe?”34

. A isto contrapõem-se, ele

aponta, os interesses da indústria, do comércio e da tradição e o comodismo das pessoas, pois

“apesar dos rumos geralmente favoráveis do debate filosófico a respeito da condição moral

dos animais, as concepções populares sobre o assunto ainda estão muito longe de aceitar a

ideia básica de que os interesses de todos os seres, independentemente de sua espécie, são

merecedores de igual consideração. A maior parte das pessoas ainda come carne e compra o

que é mais barato, indiferente ao sofrimento do animal que fornece a carne”35

.

Singer apóia os movimentos ativistas, embora não participe diretamente, e

comenta que “a suposição de que é preciso „amar os animais‟ para interessar-se por esses

assuntos é, por si só, uma indicação de que não se tem a menor ideia de que os padrões morais

aplicados aos seres humanos devam estender-se a outros animais”36

. Para ele, é difícil romper

com mais de dois mil anos do pensamento ocidental relativo aos animais37

, mas compreende

que a coerência comportamental relativa ao raciocínio e propostas que oferece implica em

uma revisão total do modo de vida da humanidade, a começar pela alimentação que deveria,

para o bem geral, ser absolutamente vegetariana, pois os prejuízos da alimentação tradicional

afetam a saúde humana, a qualidade de vida dos animais e a segurança do meio ambiente. A

falta de informação fomentada pelos interesses da agroindústria não permitem que as pessoas

percebam as conseqüências do seu modo de vida e rompam com seus condicionamentos. No

33

SINGER, Peter. op.cit.., p. 355. 34

SINGER, Peter. Id., p. 459-460. 35

SINGER, Peter. Ibid., p. 460. 36

SINGER, Peter. Ibid., p. 434-435. 37

SINGER, Peter. Ibid., p. 310.

Page 27: Direito dos Animais - TCC

27

capítulo “O Especismo Hoje”38

da sua obra inaugural, os principais argumentos especistas

são devidamente respondidos e explicam bem as raízes deste comportamento, além de

apresentar as dificuldades lógicas a serem enfrentadas para fundamentar a difícil empreitada

ética iniciada na década de 1970. Singer clama pelos mesmos princípios éticos do legislador

grego Sólon, que propõe a harmonização da ordem social e da conduta do indivíduo sob a luz

de uma “excelência espiritual”39

.

Há muita polêmica em torno de Singer e de suas obras posteriores. Sua postura

bem-estarista ou utilitarista, que busca melhorar as condições de vida e o tratamento aos

animais, sofre severas críticas, especialmente por admitir experimentos científicos com os

animais, o abate humanitário e conter uma série de outros aspectos que terminam por

flexibilizar muito o conceito da igualdade proposta.

De qualquer forma, é o melhor representante do ideário utilitarista ou bem-

estarista, inaugurado pelos seus antecessores, e que predomina modernamente, cultivando a

proposta de uma mudança no trato da Natureza com vistas à preservação da espécie humana.

3.1.2 Abolicionismo

3.1.2.1 Tom Regan

A teoria sobre direitos animais propriamente dita decorre do trabalho de Tom

Regan, considerado o fundador do atual movimento de direitos animais.

Influenciado pela leitura de Gandhi de quem aprendeu que “a grandeza de uma

nação e seu progresso moral pode ser julgado pelo modo como seus animais são tratados”40

,

tem como obra mais famosa “The Case for Animal Rights”, onde sustenta que a senciência

dos animais e seu “interesse em vida continuada e outros desejos” os tornam

“pacientes morais”41

, motivo suficiente para legitimá-los como sujeitos de direito.

38

SINGER, Peter. op.cit., p. 309-361. 39

BARROS, Gilda N. M. de apud LEVAI, Laerte Fernando, op.cit. www.mpgo.gov.br/.../

os_animais_sob_a_visao_da_etica.pdf. Acesso em 23/12/10. 40

Revista Brasileira de Direito Animal –Vol. I, n. 1 (jan.2006) – Salvador: Instituto de Abolicionismo Animal,

2006, p. 10. 41

Disponível: http://direitosanimaisunicamp.blogspot.com/ CC‐BY‐NC 2009 Direitos Animais - Acesso em

29/04/11.

Page 28: Direito dos Animais - TCC

28

Opõe-se à lógica bem-estarista, por ser contrário à compaixão pelos animais com

a finalidade de preservar a espécie humana e por entender que jamais uma causa nobre

poderia justificar o sacrifício de um ser vivo. Deve-se buscar alternativas que não

comprometam a existência e a segurança de uma criatura viva, humana ou não. Qualquer

coisa fora disto, seria imoral. Sua luta, veiculada através de seus livros (no Brasil, há

traduzido apenas “Jaulas Vazias”) e do site www.animalrightsnation.com, denuncia os efeitos

da superpopulação de animais de estimação, que cria um número enorme de abandonados

sistematicamente sacrificados pelo poder público, as condições desumanas em que vivem os

animais de produção, os rodeios, o abuso físico e psicológico em laboratórios científicos, em

circos e outros espetáculos, a vivissecção em escolas, a caça, entre outros. Apesar disso, não

escapa de um viés especista quando afirma que, na hipótese de um dilema de sobrevivência

entre um humano e um não-humano, deve-se escolher, dentre os “pacientes morais”, aquele

que tiver maior possibilidade de satisfação em vida e poder de julgar seu alcance42

. A dedução

é óbvia e também põe em risco os fundamentos da igualdade moral.

Outras questões duvidosas em sua teoria dos direitos dos animais se revelam,

como demonstra recente entrevista oferecida no Cahiers-antispecistes.org, onde, tentando

diferenciar-se da linha utilitarista, declara que temos o dever de tratar com respeito os animais

não pelo seu valor instrumental ao interesse humano, mas pelo valor inerente que os define

como sujeitos- de- uma- vida.

Sujeito-de-uma-vida, para Regan, já é condição suficiente, mas não necessária,

para se ter um valor inerente. Assim ele explica: “Em meu livro, defendo os direitos dos

animais levando em consideração um indivíduo mamífero normal, com a idade de um ano ou

mais. Mas é evidente que eu não considero que seja necessário que ele tenha um ano para

começar a ser sujeito-de-uma-vida. Simplesmente deixo a discussão para depois, a discussão

sobre onde colocar a fronteira entre os que são sujeitos-de-uma-vida e os que não o são (...)

deixamos em aberto a questão do que deve ser qualificado como sendo dor não necessária

(...) Tudo o que tento dizer em meu livro é que se você traça um círculo de seres que possuem

direitos e se você se limitar aos seres humanos, então você está errado. Este círculo inclui

também outros animais. Mas quais animais? Esta é uma outra questão (...) o melhor que

poderíamos fazer pelos seres sensíveis que não são sujeitos-de-uma-vida seria lhes aplicar os

42

Disponível: http://direitosanimaisunicamp.blogspot.com/2010/02/filosofos-da-libertacao-animal-tom.html -

Acesso em 29/04/11

Page 29: Direito dos Animais - TCC

29

princípios utilitaristas (...) o problema é que este direito que um animal sensível, mas não

sujeito-de-uma-vida tem de não sofrer vai ser um direito prima facie, quer dizer, um direito

não absoluto, condicional, que pode ser suprimido em algumas circunstâncias”43

(grifo

nosso).

Aparentemente há um difícil equilíbrio na lógica de Regan quanto a dar

fundamentos consistentes aos aspectos práticos de sua teoria de direitos, uma vez que está

claro que ela sugere um recorte com base em critérios nebulosos para garantir direitos aos

animais, deixando à deriva e para o futuro a difícil questão de “selecionar” a existência válida

para os propósitos de sua causa, além de demonstrar um forte traço utilitarista no horizonte

desta questão, o que sinaliza um fraco comprometimento no sentido de garantir o devido

respeito aos animais.

Regan, a despeito da inspiração em Gandhi, admite o uso da violência na defesa

da causa, embora não esteja abertamente à frente de nenhuma manifestação desta natureza.

Ele já expressou que, no entanto, como reformar injustiças só as prolongam, as mudanças

deverão ocorrer sem meias-medidas, sendo “colocadas diretamente no lixo” as práticas que

aviltam os animais. Ademais, as organizações que lutam pelos direitos dos animais devem

aliar-se à luta por outros direitos (por exemplo, nos EUA, direito das mulheres em relação à

liberdade reprodutiva, contra a discriminação sofrida pelos homossexuais, contra a opressão

dos negros, índios e mexicanos), alargando a extensão do seu engajamento e criando aliados

na corrente contra a injustiça.

3.1.2.2 Gary Francione

Gary Francione, filósofo e professor de direito, é representante da teoria

abolicionista, tida como a mais radical teoria de direitos animais44

.

Fundamentado no veganismo, estilo de vida que repugna o consumo de produtos

de origem animal e tudo o que se relaciona à exploração animal, esta teoria critica as leis de

regulamentação de bem-estar animal e o status de propriedade conferido aos animais. Tais leis

43

Disponível: KARCHER, Karin et al. Entevista com Tom Regan. CA n.2 (janeiro 1992). Disponível: http://

www.cahiers-antispecistes.org/spip.php?article354 - Acesso em 18/11/11. 44

Disponível: http://direitosanimaisunicamp.blogspot.com/search/label/Filosofos da libertacao animal. Acesso

em 29/04/11.

Page 30: Direito dos Animais - TCC

30

atendem exclusivamente os interesses humanos, que entende os animais como bens de valor

econômico. Da mesma forma que Regan, Francione não vê justificativa para a exploração

animal, mesmo se em benefício dos humanos, e inclui no benefício do direito todos os seres

que possuam um sistema nervoso central, diferentemente de Regan, que acolhe apenas os que

demonstrem habilidades cognitivas (mamíferos, aves, peixes). Pacifista inspirado também em

Gandhi, admite a desobediência civil não-violenta e promove a educação vegana, que reprova

o consumo de produtos de origem animal que, segundo ele, provoca em sua produção tanto ou

mais sofrimento aos animais.

Francione foi o primeiro professor de teoria e legislação de direitos animais nos

EUA, e também lecionou a matéria no Canadá e na Europa, mantendo um escritório

específico nesta área, o Rutgers Animal Rights Law Clinic, onde seus alunos praticam e não

há cobrança de honorários.

3.1.2.3 Bernard E. Rollin

Bernard E. Rollin45

, filósofo e biomédico também é famoso ativista desde os anos

70, motivado pelo que assistiu em sua prática profissional nos laboratórios e escolas. É autor

de “Animal Rights & Human Morality”, onde proclama os animais sujeitos de direito.

Segundo ele, o interesse do ser vivo é ter uma existência continuada, dirigida a satisfazer suas

necessidades e realizar sua natureza própria, incluindo o interesse em não sentir dor. Tal

interesse, instintivo em todos os seres, já é suficiente para participar de uma comunidade

moral.

Apesar de contrário a toda forma de exploração animal (alimentação, vestuário,

esporte, entretenimento ou pesquisa científica, tem colaborado na elaboração de leis bem-

estaristas, sendo o principal personagem nas mudanças da lei federal americana Animal

Welfare Act de 1985, atualmente criticada por tornar a exploração animal mais eficiente. De

fato, a inovação de Rollin situa-se na consideração do animal como sujeito de direito.

De fato, devido às dificuldades que a questão apresenta no mundo prático, Rollin,

assim como Singer e outros, acredita que tais lei sejam avanços pequenos mas necessários

45

Disponível: http://direitosanimaisunicamp.blogspot.com/search/label/Filosofos da libertacao animal. Acesso

em 29/04/11.

Page 31: Direito dos Animais - TCC

31

para a construção de um futuro viável para todos, humanos e não-humanos, onde a

coexistência pacífica seja possível e a exploração institucionalizada seja abolida. Enquanto

isto, luta-se pelo sofrimento mínimo através de modificações estruturais no sistema jurídico.

3.1.3 Ecoterrorismo ou terrorismo ambiental

Há também grupos mais ou menos organizados que se utilizam de táticas

agressivas na defesa dos animais, entre outras causas ambientalistas, mas que provocam

confusão na compreensão dos objetivos e alcance da causa. As indústrias de cosméticos e

alimentos têm sido os principais alvos, pois são os principais responsáveis pela utilização e

experiências com animais com finalidade comercial. Os ataques que sofrem, contudo, não

produzem uma mudança significativa na consciência popular e não comprometem sua

capacidade de recuperação frente aos eventuais prejuízos, todos eles patrimoniais.

As primeiras manifestações desta natureza ocorreram a partir da década de 1970 e

atualmente encontram destaque nas fichas do FBI, sendo encabeçada por organizações como a

Animal Liberation Front e a Earth Liberatin Front, tendo cerca de meia dúzia de nomes entre

os mais procurados, tidos como eco-anarquistas e responsáveis por prejuízos de bilhões de

dólares.

Em grupo ou individualmente, todos os seus atos configuram violenta reação

frente ao que consideram antiético em relação à Natureza e, em especial, em relação aos

animais. Infelizmente, há personagens, como Jerry Vlasak que, ao defender o assassinato de

cientistas, põem em risco a causa animal.46

A sabotagem, meio mais comum de ação destes

grupos, consiste geralmente em destruição de equipamentos industriais ou laboratoriais que se

utilizam de animais para a fabricação dos seus produtos (shampoos, cosméticos etc). Alegam

tais ativistas que ecoterrorismo é o que estas empresas praticam ao sacrificarem seres vivos

para obterem lucro. Recentemente, no Brasil membros da Frente de Libertação da Terra –

FLT, a pretexto de comemorar a Semana Internacional de Libertação Animal e da Terra,

provocaram um incêndio em uma concessionária de Land Rover em São Paulo, por

46

Disponível: http://holocaustoanimalbrazil.blogspot.com/2007/11/dr-jerry-vlasak.html. Acesso em 12/08/11.

Page 32: Direito dos Animais - TCC

32

representar um dos utilitários esportivos mais poluentes ao planeta, conforme avaliação da

ONU47

.

Há outros grupos, porém, que atuam de maneira pacífica, condizente com a

tradicional prática da desobediência civil, eminentemente pacífica, embora entrem

eventualmente em confrontos perigosos. São grupos como o Sea Shepherd Conservation

Society e o Greenpeace, ambos liderados por Paul Watson, considerado um dos “heróis

ambientais do século 20” pela Time Magazine, por uma vida inteira dedicada à luta pela

defesa da Natureza e dos animais. Para Watson, “nós somos os piratas da compaixão,

perseguindo e destruindo os piratas do lucro”48

.

O Geenpeace tornou-se, após 40 anos de existência, uma organização de

referência internacional, que se mobiliza pela defesa da Natureza e dos animais em qualquer

parte do mundo, utilizando-se da ação direta, pacífica e com larga cobertura da mídia, como

forma de protesto. Atentos ao que acontece no mundo, no que diz respeito ao Brasil,

atualmente sua atenção se volta em torno do desmatamento da Amazônia e no Mato Grosso,

da exploração de petróleo em Abrolhos, da usina de Belo Monte e contra a proposta do novo

Código Florestal, em andamento no Senado, que também interessa à causa animal.49

Eles são

hoje o que mais próximo se conhece de movimento de desobediência civil, evitando ao

máximo e sem concessões o que Singer chama de “a espiral viciosa da violência”.

Como vimos até aqui, a tradição tanto nos países ocidentais quanto orientais, é

tratar os animais como bens que servem aos propósitos dos interesses humanos, sendo que

após a introdução da fase de industrialização da sociedade, esta exploração intensificou-se de

tal maneira que provocou o temor de que o conseqüente desequilíbrio na Natureza viesse a

por em risco o futuro da própria humanidade. As poucas vozes na história que propuseram um

comportamento mais ético em relação aos animais têm sido retomadas nesta era de incertezas

e preocupação ambiental, gerando diversos movimentos em torno da questão, sendo que

predomina a proposta de uma postura bem-estarista em relação aos animais, que recomenda a

continuidade do uso dos animais, mas com o compromisso de evitar-lhes sofrimento

desnecessário. Contrapõem-se a esta perspectiva os movimentos em prol dos direitos dos

47

Disponível: http://www.midiasemmascara.org/artigos/ambientalismo/11198-eco-terroristas-atacam-em-sao-

paulo.html - Acesso em 11.09.11. 48

Disponível: http://pt.wikiquote.org/wiki/Paul_Watson. Acesso em 21.08.11. 49

Visite http://www.greenpeace.org/brasil/pt/

Page 33: Direito dos Animais - TCC

33

animais que, nas suas diversas nuances, basicamente propõem o fim da relação de submissão

dos animais aos interesses humanos, buscando recuperar a individualidade dos animais,

sujeitos do direito de viverem livres e de acordo com sua natureza. Segundo eles, somos os

tutores da Natureza e temos a obrigação de tratá-la com respeito, não só pelas conseqüências à

humanidade, mas porque, no que tange aos animais, eles são seres sencientes, aptos de uma

razão e linguagem próprios, e cuja essência vital é idêntica à nossa, devendo ser tratados

como irmãos neste planeta.

No capítulo seguinte, exploraremos as diversas maneiras como aviltamos estes

seres e as descobertas sobre sua íntima natureza, aspectos que nos levarão ao último capítulo,

onde se justificarão os intentos por um direito que lhes seja específico.

Page 34: Direito dos Animais - TCC

34

CAPÍTULO 2

1. Senciência como vínculo moral entre os animais

O interesse atual relativo à condição dos animais deve-se, para a maioria das

pessoas, à crescente preocupação com a sobrevivência do planeta e, em especial, da espécie

humana, refletindo uma base utilitarista em conformidade com a tradição cultural que tem seu

foco no aspecto material da existência dos animais (alimento, produtos industrializados,

objetos de experiência “científica” para fins comerciais, entretenimento etc), e que hoje possui

um viés “humanitário”, pois busca evitar infligir sofrimento desnecessário (haverá algum que

seja necessário?) aos animais. Em paralelo a esta perspectiva, há diversos movimentos que

buscam o reconhecimento efetivo do valor moral da existência dos animais, transpondo a

duvidosa compaixão do bem-estarismo e lutando por direitos maiores, dentre os o de os

animais figurarem como sujeitos de direito, através da definição de uma disciplina jurídica

específica.

Contudo, antes de apresentar os aspectos jurídicos relativos à questão, faz-se

necessário apresentar o que efetivamente se sabe hoje sobre os animais e as inúmeras

situações pelas quais eles são obrigados a passar, a fim de deixar claros alguns dos motivos

que movem as ações modernas em favor dos animais e de seus possíveis direitos.

O que de fato sabemos sobre a percepção, os sentidos, a inteligência, as emoções

e outros aspectos anímicos e cognitivos dos animais? Quais as diferenças e semelhanças entre

humanos e não-humanos? Em que medida tais características devem ser relevadas em uma

discussão moral e ética sobre o valor da vida de ambos?

Darwin coroou com a aura da ciência o que a observação dos animais já

demonstrava à inteligência de muitos, o fato de que os animais em sua maioria tinham, tal

como os humanos, a capacidade de sentir uma grande gama de emoções e de reagir ao

ambiente e aos outros (humanos ou não), de forma a mostrar certa consciência de si e do que

ocorre no tempo e no espaço em que vivem. Segundo ele, “até os insetos exprimem raiva,

Page 35: Direito dos Animais - TCC

35

terror, ciúme e amor com sua estridulação”50

. Inclusive partilhamos com os animais os

mesmos movimentos ao expressarmos diferentes estados de espírito, movimentos tais que têm

a mesma raiz comportamental, inicialmente realizados de forma individual e consciente, para,

depois, serem transmitidos por imitação (aprendizagem), tornando-se habituais e, mais tarde

incorporando-se à memória atávica a ponto de serem comunicados de forma inata ou

hereditária, confundidas muitas vezes com ações instintivas.51

Hoje a ciência possui melhores evidências que demonstram a incontestável

capacidade emocional da maioria dos animais, além de sua inequívoca autoconsciência,

inteligência, memória, ciência de existirem como eus contínuos no tempo e no espaço, enfim,

de serem seres dotados de racionalidade, pois capazes de executar uma série completa de

intenções próprias, possuindo inclusive habilidades lingüísticas e de produção de ferramentas.

Inúmeros relatos científicos atestam em detalhe tais evidências, e podem ser consultados, por

exemplo, nas obras de Peter Singer, em especial em “Ética Prática”52

, e “Aprendendo a

respeitar a vida”53

, de Hildegard Richter, entre outros. O fato é que vários animais –

mamíferos ou não – revelam capacidade para contar (os corvos, por exemplo), aprender e

ensinar a língua de sinais (um gorila já demonstrou capacidade de usar corretamente cerca de

1.000 sinais e há relatos de chimpanzés terem transmitido este conhecimento a seus filhotes) e

o uso de instrumentos, sendo que algumas espécies até constroem suas próprias ferramentas

(macacos e alguns pássaros), desenvolver linguagem própria (baleias e golfinhos), reconhecer

a si e aos outros, tendo ciência de seus corpos, recordar-se de experiências passadas e

demonstrar expectativa de fatos futuros (macacos, elefantes, cães etc), solucionar problemas,

manifestarem afetividade, dor, angústia, raiva, solidão e tantos outras sensações e

sentimentos, revelando necessitar do conforto de seus companheiros e prole, assim com há

variados relatos de situações em que a relação animal-humano deu-se em padrões de profunda

solidariedade.

Não bastassem os exemplos das características psicológicas, emocionais e mentais

acima apontadas, foi a capacidade de sofrer dos animais o limite admitido com quase

unanimidade pela ciência como a característica fundamental para considerar a sua valorização

50

DARWIN, Charles. A expressão das emoções no homem e nos animais – São Paulo: Companhia das Letras,

2009, p. 297. 51

DARWIN, Charles. op.cit., p. 299-300. 52

SINGER, Peter. Ética prática. 3ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 119-143. 53

RICHTER, Hildegard Bromberg. Aprendendo a respeitar a vida. 2ª ed. – São Paulo: Paulus, 1997, p. 18-20,

60 e 67-68.

Page 36: Direito dos Animais - TCC

36

moral. Assim, os animais detentores de um sistema nervoso central, que lhes permite

demonstrar reações representativas de dor, é que têm garantido o passaporte para uma

eventual consideração moral por parte dos humanos. Assim, foi necessário encontrar um

ponto argumentativo irrefutável para que a defesa dos animais pudesse validar sua admissão

no plano moral dos humanos. O fato de sua linguagem ter limitações fisiológicas e a de sinais

ser insuficiente e sua capacidade de raciocinar ser inferior à humana, não significa que eles

não tenham interesses, especialmente o de continuarem a usufruir plenamente da vida, pelo

contrário, “a capacidade de sofrer e de desfrutar as coisas é uma condição prévia para se ter

quaisquer interesses” e “se um ser sofre, não pode haver nenhuma justificativa de ordem

moral para nos recusarmos a levar esse sofrimento em consideração”, como observa Singer54

.

Há controvérsias por parte dos que não acham relevante esta informação ante a

realidade humana, e muitas maiores em relação a outras criaturas que não apresentam um

sistema equivalente ou que apresentam consciência extremamente limitada (plantas e peixes,

por exemplo, constituindo tema controverso55

). A ciência só admite o que é possível

demonstrar, e parece que a Natureza é que deve demonstrar-se em uma linguagem que os

cientistas possam compreender. Sem este caminho, nada pode existir sob a luz da inteligência

humana, no alto de sua sabedoria. Este é um traço da arrogância humana de que dependem

inúmeras vidas e a possibilidade de uma coexistência verdadeiramente sadia entre as criaturas

vivas, assim como também, sob o ponto de vista ambiental amplo, a sobrevivência do planeta

e da espécie humana.

A lógica que leva do sofrimento ao direito será explorada mais detidamente no

capítulo seguinte. Por ora, já constatada a certeza da sensibilidade e da inteligência dos outros

animais, apresentaremos aspectos terríveis do universo que os escraviza aos interesses

humanos.

2. Experiências “científicas” e vivissecção

Laerte Levai sintetiza bem o que vem a ser as experiências praticadas em

laboratórios e escolas: “A experimentação animal, definida como toda e qualquer prática que

54

SINGER. Peter. Ética prática. 3ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 67. 55

DUNAYER, Joan. Os peixes: uma sensibilidade fora de alcance do pescador. Disponível: http://www.cahiers-

antispecistes.org/spiip.php?article338 – Acesso em 22/09/11.

Page 37: Direito dos Animais - TCC

37

utiliza animais para fins didáticos ou de pesquisa, decorre de um erro metodológico que a

considera o único meio para se obter conhecimento científico. Abrange a vivissecção, que é

um procedimento cirúrgico realizado em animal vivo”56

. A partir desta descrição sucinta,

podemos discutir alguns aspectos fundamentais a respeito da validade destas práticas.

Basicamente, a experiência em animais tem fundamentação em ideias

equivocadas que servem de pretexto para a prática de crueldade gratuita contra seres

indefesos. Tais ideias foram rebatidas por diversos cientistas renomados, em especial, pelo

Dr. Bernhard Rambeck, diretor do departamento bioquímico da Sociedade de Pesquisa em

Epilepsia, Bielefeld, Alemanha, autor profícuo no campo da bioquímica e da farmacologia

clínica, e membro da diretoria da Associação de Médicos contra Experiências em Animais, de

Frankfurt. São dele e de seus colegas as críticas feitas aos grandes mitos relacionados a este

nefasto sistema de pesquisa, e que tentaremos resumir e explicar57

:

1º mito: O conhecimento médico está baseado em experiências com animais

Em todas as épocas houve grandes mestres na arte da cura, cuja base de conhecimento não

incluiu pesquisas em animais, embora elas já existissem. Modernamente, muitas substâncias e

técnicas cirúrgicas prescindem de tal prática e dela não dependeram para obter sucesso, do

que se conclui que o desenvolvimento da medicina não se deve a ela.

2º mito: Foram as experiências em animais que possibilitaram o combate de doenças e,

desta forma, permitiram aumentar a vida média

As causas do declínio das doenças e melhoria das condições de vida devem-se às condições

de saneamento, consciência do valor da higiene e boa alimentação, assim como a elevada

mortalidade infantil em países pobres deve-se a problemas sociais, à pobreza, à desnutrição.

Em nenhum dos casos medicamentos ou vacinas tiveram ou têm relevância para a saúde

efetiva das populações.

3º mito: A pesquisa médica só é possível com experiências em animais

Já está assente que existem métodos alternativos para testar substâncias de natureza

terapêutica e outras, que dispensam os cruéis testes do tipo DL-50%, que determinavam a

56

LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. 2ª ed., Campos do Jordão, SP: Editora Mantiqueira, 2004, p.

63. 57

RAMBECK, Bernhard. Mito das experiências em animais. In RICHTER, Hildegard Bromberg. Aprendendo a

respeitar a vida. 2ª ed., São Paulo: Paulus, 1997, p. 11-17.

Page 38: Direito dos Animais - TCC

38

dose letal daquelas substâncias e seus efeitos orgânicos. Tais métodos utilizam processos in-

vitro com culturas celulares, tecidos e microorganismos, cromatografia e espectrometria de

massa, estudos clínicos, simulações computadorizadas, modelos matemáticos, teste CAME,

entre tantos outros, e são mais eficazes.

4º mito: Experiências em animais são necessárias porque as doenças mais importantes

ainda não têm cura

As diversas experiências não conseguiram tornar doenças importantes mais curáveis, nem

menos graves, provando-se inócuas para sua erradicação. O foco da pesquisa deve reverter-se

às causas, controle e profilaxia destas doenças, causadas em sua maioria por nós mesmos

através de um modo de vida artificial e neurotizante, que diminui nossa expectativa de vida.

5º mito: Experiências em animais são necessárias para afastar a ameaça de novas doenças

O fracasso com experimentos em animais nestes casos (a AIDS, por exemplo) somente

assinala a urgência da pesquisa epidemiológica e da observação clínica como a rota a ser

tomada.

6º mito: Os riscos de novos medicamentos e vacinas só podem ser determinados através de

experiências em animais

Testes como o DL-50% e o Teste Draize (estudo de irritação dos olhos do coelho)58

resultaram ineficazes a respeito da transferência de seus resultados do animal para o homem,

provando-se ser arriscado e sem sentido, além de extremamente cruéis.

7º mito: Experiências em animais não prejudicam a humanidade

Tais experiências são arriscadas (o caso da Talidomida e o CFC, antes considerados seguros,

são um exemplo). Segundo Rambeck, tais experiências “tornam as atuais doenças da

civilização ainda mais estáveis”, pois nos desmotiva a modificar nosso estilo de vida,

abolindo as verdadeiras causas das doenças (alimentação, fumo, álcool, stress etc). A

manipulação genética também aponta para desastrosas consequências na Natureza e para a

humanidade. Ele comenta: “Durante milhões de anos de evolução, a natureza deu prioridade à

saúde e à capacidade de adaptação dos animais. Nós, homens, produzimos animais com

doenças congênitas, aperfeiçoados para fins científicos e comerciais (...) A medicina atual é

58

Descrição desta abominação, e alternativas para ela, são encontradas em SHARPE, Robert. Inferno na terra. In

RICHTER, Hildegard Bromberg. Aprendendo a respeitar a vida. São Paulo: Paulus, 1997, p. 25-26.

Page 39: Direito dos Animais - TCC

39

cara demais, em muitas áreas, é francamente perigosa e – para as doenças realmente

importantes da época – é ineficaz (...) Um dos piores danos causados pelas experiências em

animais consiste no embrutecimento da cultura médica... afastando a medicina cada vez mais

da arte da cura, empurrando-a para uma medicina que conserta e coloca peças”59

.

8º mito: O animal não sofre durante a experiência

O sofrimento do animal ocorre em todo o processo da experiência, desde a sua confinação até

o final da experiência propriamente dita, que pode envolver envenenamento, tortura,

mutilação etc, normalmente culminando com sua morte. Não há experiência que não envolva

a dor no animal.

9º mito: Somente os especialistas sabem avaliar a necessidade, a validade e a importância

das experiências em animais

Os cientistas têm interesse em ocultar suas práticas, sob o pretexto de que elas estão além da

compreensão dos leigos. Querem evitar críticas e, assim como os políticos, os industriais, os

traficantes e outros que exploram ou permitem a exploração dos animais, continuar a se

beneficiar com isso. Os leigos por sua vez têm sido frequentemente assistidos por

especialistas, pela mídia e por grupos sociais organizados, compreendendo melhor a

verdadeira face da experiência com animais, sua extensão e gravidade, e capacitando-se para

sustentar uma postura mais crítica diante destes fatos.

10º mito: Não é possível abolir as experiências com animais

Como alternativa, os cientistas vivisseccionistas propõem um “mínimo indispensável” para

continuarem a promover a tortura aos animais. Henry Spira, famoso antivivisseccionista, que

conseguiu por seu ativismo que o Museu Natural de História de Nova York, assim como as

indústrias de cosméticos da Revlon, Avon e Bristol-Myers, buscassem alternativas para suas

pesquisas, infelizmente sucumbiu a esta proposta de redução das vítimas, crendo que fora

dado um passo importante para a causa, pelo que foi muito criticado60

. Como Rambeck bem

observa, “Na questão da abolição das experiências, deveríamos verificar como outros erros

históricos foram vencidos. Hoje está claro que a caça às bruxas, a exploração sem clemência

dos escravos, a separação desumana de raças, constituem crimes que não podem ser

59

RAMBECK, Bernhard. op.cit., p. 14-15. 60

PAIXÃO, Rita Leal e SCHRAMM, Fermin Roland. Experimentação animal: razões e emoções para uma

ética. Niterói: EdUFF, 2008, p. 48.

Page 40: Direito dos Animais - TCC

40

eliminados pela redução do número de vítimas ou por etapas. Só podem ser eliminados por

mudanças fundamentais, associadas a uma tomada de consciência. Assim, também a

vivissecção precisa ser eliminada em sua totalidade, como um caminho prejudicial

inaceitável”61

.

Tratados como ferramentas de laboratório, os animais são submetidos a toda

espécie de abusos: envenenamento, queimaduras, choques, radiação, fome, substâncias

tóxicas (fumo, drogas), amputações, privação de sono, confinamento e a doenças, entre outras

crueldades. Tais pesquisas pretendem experimentar no animal substâncias que se candidatam

a produtos para uso humano na indústria alimentícia, cosmética, farmacêutica, incluindo

testes com finalidades armamentistas. São violados física e psicologicamente, sem limitações,

até a exaustão e o colapso final. São milhões os animais que passam por esta experiência

todos os anos, privados de viverem suas vidas na plenitude. Isto porque são considerados

coisas de que o ser humano pode dispor à sua vontade. Assim foram tratadas muitas pessoas

em diversas épocas da história humana, pelo que hoje devemos a Declaração dos Direitos do

Homem e outros documentos internacionais, que nos fazem lembrar o peso que a ignorância e

a cobiça exercem nos destinos individuais e no caráter das sociedades, e de como a tomada de

consciência, aliada à organização, podem alterar o curso da história.

As organizações PETA (People for the Ethical Treatment of Animals) e a PEA

(Projeto Esperança Animal) relacionam em seus sites diversas listagens relativas aos avanços

científicos que dispensaram o uso de animais, diversos exemplos da ineficácia e perigo

(também para os humanos) destes experimentos, as empresas que fazem uso deles ou estão

relacionadas a elas, quais os seus produtos, e aquelas que não fazem62

. Marcas populares das

linhas da Nestlé, da Colgate-Palmolive, da Gessy Lever, Johnson & Johnson, Natura, Pfizer,

Calvin Klein, Scoth 3M, dentre outras, tem seus produtos, incluindo rações para pets,

relacionados a estas experiências. “A prática de testes em animais não humanos, da maneira

como é feita hoje, em todo o mundo, revela as conseqüências do especismo. Muitos

pesquisadores infligem dor aguda sem a mais remota perspectiva de benefícios para seres

humanos ou quaisquer outros animais. Esses experimentos não são exemplos isolados, mas

parte de uma indústria poderosa”, alerta Singer63

.

61

RAMBECK, Bernhard. op.cit., p. 16. 62

Visitem www.peta.org e www.pea.org.br. 63

SINGER, Peter. Libertação animal. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 53.

Page 41: Direito dos Animais - TCC

41

No Brasil, já temos algumas reações a respeito, como, por exemplo, a Ação Civil

Pública instaurada em São José dos Campos, contra a prática de vivissecção de animais em

universidade nos cursos de graduação e pós-graduação, apontando a crueldade com animais

utilizados como cobaias, “sem adotar os métodos alternativos preconizados na lei

ambiental”64

.

Encabeçada pelo Promotor de Justiça Laerte Fernando Levai, na Ação é lembrada

que a Lei Federal n. 6638/79 (Lei da Vivissecção), anterior às regras ambientais da

Constituição Federal de 1988, configura-se como lei permissiva de comportamento cruel para

fins científicos e didáticos, vedando somente seu uso em curso fundamental e a qualquer

menor de idade, admitindo seu efeito nocivo na formação moral dos jovens dada a brutalidade

desta prática. Também anterior à CF/88 é a Constituição Estadual de São Paulo que em seu

artigo 193, inciso X, já estabelece a proteção da fauna, incluindo animais domésticos,

vedando sua submissão a práticas cruéis. A Lei de Crimes Ambientais, Lei n. 9605/98,

penaliza “quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins

didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos”, devendo prevalecer sobre a

orientação da Lei de Vivissecção, pois obriga o cientista ou o docente a adotar métodos

substitutivos ao uso de animais em suas atividades. Segundo o texto da Ação Civil, “o

caminho para a substituição das cobaias de laboratório está sinalizado no artigo 32 § 1º da Lei

federal n. 9.605/98, regulamentada pelo Decreto n. 3.179/99: adoção dos métodos alternativos

à experimentação animal. Este dispositivo penal ajusta-se como luva ao mandamento supremo

expresso no artigo 225, § 1º, VII, da Constituição Federal, em que o legislador houve por bem

vedar as práticas que submetam animais a agressões e maus tratos”. A sentença proferida pela

5ª Vara Cível de São José dos Campos resultou com a concordância da requerida ao pedido

do MP e comprometeu-se em “abster-se (...) de utilizar cães ou quaisquer outros animais em

procedimentos experimentais que lhes causem lesões físicas, dor, sofrimento ou morte, ainda

que anestesiados, seja em estabelecimentos públicos ou privados de São José dos Campos, a

partir desta data”.

No mesmo sentido, houve recente decisão – ainda temporária - no Tribunal de

Justiça do Paraná, proibindo o uso de cães em experimentos na Universidade Estadual de

64

Autos n. 577.04.251938-9 – 5ª Vara Cível – MM. Juíza de Direito Dra. Ana Paula Theodoro de Carvalho, em

10/03/2010. Disponível: http:// www.pensataanimal.net/..../conheca-a-peticao-inicial-do-mpe-e-sentenca-inedita-

da-justica-sobre-vivisseccao&catid=46:laertelevai&Itemid=1– Acesso em 22/09/11.

Page 42: Direito dos Animais - TCC

42

Maringá. A decisão fundou-se nas condições precárias em que os animais são mantidos na

UEM (comprovado em relatório do próprio Conselho de Medicina Veterinária do Paraná) e

no fato de que tais experiências já vêm sendo realizadas em humanos desde 200165

.

Lamentavelmente, contrário a estes pequenos passos em direção ao crescente

movimento internacional pela abolição desta prática absurda, assistimos à formação de um

nefando comitê na PUC-Sorocaba, que tem por objetivo padronizar o uso dos animais em

experimentos a fim de, conforme declara a professora Mércia Tancredo Toledo, levar à

comunidade a “consciência que as pesquisas com animais seguem a ética da PUC-SP e têm

padrões de nível internacional”, representando “um grande estímulo para pesquisadores”66

. Os

cães da raça beagle da PUC-Sorocaba, criados com a finalidade de serem utilizados na área de

pesquisa odontológica, são “experimentados” entre as idades de um e dois anos, e são

mortos após 6 meses após o seu uso. A Universidade alega seguir os procedimentos

estabelecidos em lei, a saber, a execrável Lei Arouca (Lei n. 11.794/08), também criadora da

CONCEA (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal), regulamentado pelo

Decreto n. 6899/09, que representam “um retrocesso ético e político na legislação do país”,

segundo Alcindo Eduardo Bonella, Professor de Ética da Universidade Federal de

Uberlândia67

, pois contraria as diretrizes internacionais e as orientações do COBEA (Colégio

Brasileiro de Experimentação Animal) e da Declaração Internacional dos Direitos dos

Animais, da UNESCO, que orientam para o desenvolvimento de métodos alternativos e a

redução ao mínimo da utilização de animais, quando então deve-se prevenir e evitar quaisquer

desconforto, angústia e dor.

Pior ainda foi a proposta do Projeto de Lei n. 4.548/98, que tentou vetar o artigo

32 da Lei de Crimes Ambientais, a já citada Lei n. 9605/98, objetivando retirar a proteção

jurídica dos animais domésticos, suprimindo a expressão “domésticos e domesticados” do

texto legal. Isto representaria a discriminalização das atrocidades praticadas contra os animais,

em nome da ciência ou do entretenimento. Além do mais seria um retrocesso legal e histórico

na luta pelos direitos dos animais. Configurado inconstitucional, tendo o fim de liberar os

maus-tratos aos animais no interesse da pior indústria nacional (experiências, rodeios,

65

Disponível: http://www.mp.go.gov.br/portalweb/9/noticia/94241...- Acesso em 19/10/11. 66

Disponível:http://blogs.jovempan.uol.com.br/petrede/acao-urgente-experimentos-em-animais-na-puc-sorocaba/

- Acesso em 12/10/11. 67

BONELLA, Alcino Eduardo. Animais em laboratórios e a lei Arouca. Disponível: www.scielo.br/

scielo.php........-31662009000300008&script=sci_arttext – Acesso em 28/10/11.

Page 43: Direito dos Animais - TCC

43

vaquejadas, rinhas etc), terminou sendo retirado temporariamente pelo deputado Carlos

Brandão (PSDB-MA), sob forte campanha popular e apoio político e jurídico de ativistas, que

aguardam seu arquivamento definitivo.68

Uma boa nova, contudo, desponta com o termo de cooperação assinado pela

Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e a Fiocruz, que firmam as estruturas de

um futuro Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos, que terá o objetivo de

desenvolver e validar metodologias alternativas de experimentação que não usam animais

para os produtos que serão expostos ao público69

.

Espera-se que iniciativa como esta e outras melhores ajudem a desenvolver a

cultura para um consumo consciente e preocupada com os animais70

. Mas conseguirão fazer

frente à rede de lucro envolvida e acabar com o extermínio de milhões de criaturas?

Conforme pesquisa de Singer, nos EUA, “em depoimento ao Congresso, em 1966,

a Laboratory Animal Breeders Association [Associação dos Criadores de Animais de

Laboratório] calculou que o número de camundongos, ratos, cobaias, hamsters e coelhos

utilizados para experimentação em 1965 foi de aproximadamente 60 milhões. Em 1984, o dr.

Andrew Rowan, da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Tufts, estimou que

cerca de 71 milhões de animais são utilizados a cada ano (...) O relatório de 1988 do

Departamento de Agricultura listou 140.471 cães, 42.271 gatos, 51.641 primatas, 431.457

cobaias, 331.945 hamsters, 459.254 coelhos e 178.249 „animais selvagens‟: um total de 1.

635.288 animais usados em experimentos (...) Outras nações desenvolvidas utilizam grande

número de animais. No Japão, por exemplo, um estudo muito incompleto publicado em 1988

chegou a um total de mais de 8 milhões de animais”71

. Este sacrifício é proporcional com os

avanços científicos da medicina ou é matéria-prima para a ganância das indústrias?

3. Pão e Circo: rodeio, vaquejada, farra do boi e outros festivais de sangue

68

Visitem www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=20954 e Placar Animal em

www.olharanimal.net/placar-animal/1391-placar-animal-pl-4.548/98. 69

Disponível: http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/974980-governo-quer-menos-testes-de-produtos-com-

animais.shtml - Acesso em 19/10/11 70

Acompanhem a evolução da questão no site www.1rnet.org/, especializada no assunto. 71

SINGER, Peter. Libertação Animal. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 54-55.

Page 44: Direito dos Animais - TCC

44

Tal como em Roma Antiga, a política de pão e circo é absolutamente aplicável na

situação destes eventos onde o sacrifício do animal assemelha-se ao destino dos gladiadores,

em sua maioria escravos levados a combater entre si até a morte para distrair o povo,

enquanto questões importantes à sociedade ficavam restritas aos interesses dos governantes.

Tal como os gladiadores, também os animais são objeto de atividade comercial legal,

passíveis de serem bens de troca, aluguel, venda e compra, mobilizando uma vasta rede

econômica no universo de entretenimento.

Não há qualquer pudor quanto as conseqüências sobre a vida dos animais nestes

eventos. O caso emblemático do bezerro morto na 56ª Festa do Peão de Boiadeiro de

Barretos72

, provavelmente será apagado gradualmente da memória mesmo daqueles que se

chocaram momentaneamente com o ocorrido. Neste evento, um novilho teve o pescoço

torcido, o que lhe provocou uma lesão cervical, paralisando-o definitivamente. Retirado da

arena, o filhote foi sacrificado, enquanto o vaqueiro foi suspenso por seis meses pela

Associação Nacional de Bulldog, instituição de praticantes desta modalidade de violência

(domínio de bezerro com as mãos), dada a repercussão negativa do fato. A organização da

festa não paralisou as atividades, considerando a ocorrência um acidente de trabalho sem

qualquer implicação séria.

São várias as modalidades “esportivas” envolvendo animais nestes eventos

regionais. Além do “bulldog”, há a vaquejada, onde os peões devem segurar fortemente o

animal pela cauda para ser contido na fuga; o “calf roping”, no qual bezerros de quarenta dias

de vida são tracionados, erguidos e lançados violentamente ao chão; o “team roping” ou

laçada dupla, onde dois peões laçam simultaneamente a cabeça e as pernas traseiras de um

garrote, que depois é esticado brutalmente, numa disputa de velocidade; o “bareback”, onde

se fincam as esporas no pescoço do cavalo em plena montaria, e uma de suas variações, o

“saddle bronc”, onde, após o pescoço, as esporas devem percorrer a barriga até a traseira do

cavalo, na tentativa de formar o maior ângulo possível para vencer a prova; o “bull riding” é a

versão para touros. Esta é uma amostra do roteiro macabro dos rodeios.

72

Disponível:http://eptv.globo.com/noticias/NOT,2,22,364595,Novilho+fica+ferido+no+bulldog+e+e+sacrificad

o.aspx - Acesso em 20/08/11.

Page 45: Direito dos Animais - TCC

45

Incapazes de resgatar e desenvolver seus próprios valores culturais, as

comunidades tornaram-se adeptas do que há de pior na cultura estrangeira, estimuladas por

empresários e políticos inescrupulosos, pouco preocupados com questões éticas.

As lesões sofridas pelos animais nestes eventos são inúmeras. O artigo da União

Internacional Protetora dos Animais (UIPA), publicado no site do Ministério Público de

Goiás, explica as implicações terríveis nos animais decorrentes destas práticas, como também

responde as objeções de quem confia em não fazer mal algum à integridade física e mental

dos animais durante os rodeios73

. Em um abaixo-assinado enviado ao Ministério Público

pelos cidadãos de Limeira, em São Paulo74

, há o triste resumo deste quadro de atrocidades:

Além da tortura prévia - choques e espancamentos - animais mansos são levados a

saltar e corcovear em desespero numa arena, devido ao uso de artifícios que os

induzem a um comportamento anormal.

Esporas – acessórios pontiagudos e cortantes usados nas botas do peão para golpear

o animal no baixo-ventre e pescoço que produzem lesões no couro e até nos olhos.

Quanto mais alto o peão esporear no pescoço do animal, mais pontos ganha.

Sedém – tira de couro ou crina usada para comprimir a virilha e os genitais do

animal.

Peiteira – tira de couro amarrada ao redor do tórax dos cavalos, provocando dor e

sensação de asfixia. Nos touros, a Corda Americana é usada para o mesmo fim.

Sinos – pendurados na peiteira, os sinos produzem sons causando pânico.

Laço ou corda – usado para laçar e imobilizar o animal em movimento; causa

quedas violentas, luxações, fraturas e até morte.

E esse sofrimento não fica limitado ao período do espetáculo, existem os treinos...

“Na lida do gado em fazendas, as derrubadas já são consideradas ultrapassadas pelas

atuais técnicas de produção pecuária, justamente por elevarem o risco de morte e

lesões, indesejáveis economicamente. O argumento de que as modalidades exibidas

em rodeios reproduzem as práticas executadas nas fazendas é, portanto, falso”.

A parafernália utilizada em rodeios já foi classificada como instrumento de

tortura, por exemplo, em decisão da Ação Civil Pública promovida em Itu (proc. n. 326/99, 5ª

Vara da Comarca de Itu), cujo pedido (proibição de uso de sedém, peiteiras e esporas,

equipamentos que causam dor e tormento) foi julgado procedente, com declaração de

inconstitucionalidade da Lei n. 10.359/99, que permite a utilização de animais em montarias

de rodeios ou festas do peão.

73

Disponível: http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/9/docs/artigo_-crueis_rodeios (a_exploracao_ economica_

da_dor) .pdf – Acesso em 18/10/11. 74

Disponível: http://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/6921 - Acesso em 18/10/11.

Page 46: Direito dos Animais - TCC

46

Eventos similares como a farra do boi, por exemplo, em que o boi fica sem comer

por dias para depois ser posto nas ruas da cidade a ser perseguido pela população, perdeu

qualquer justificativa de tradição cultural, para ser entendida como prática inconstitucional

(RE 153.531, rel. p/ o AC. Min. Marco Aurélio, j. em 03.06.97, DJ, 13.03.98).

Inúmeras decisões têm pressionado a organização de eventos desta natureza e têm

influído positivamente na formação de uma frente na defesa dos animais. Vejamos75

:

Proibição de rodeio – ACP proposta pela Promotoria do Meio Ambiente de São

José dos Campos contra evento que promove rodeio – Concedida liminar para que a

requerida se abstenha de usar sedém e esporas nos animais submetidos à montaria,

vedada também a realização de provas de laço – Sentença julgada procedente nos

termos da pretensão ministerial, já transitada em julgado sem interposição de recurso

(autos nº 1.200/03, 6ª. Vara Cível da comarca de São José dos Campos, juiz Marcius

Geraldo Porto de Oliveira).

Espetáculos cruéis – Espetáculos públicos que abusavam de animais, submetendo-

os a procedimentos incompatíveis com sua natureza, conforme apurado no Inquérito

Civil nº 06/99 – Responsabilidade municipal na concessão de alvarás - Ajustamento

de conduta celebrado entre o Ministério Público e a Prefeitura, com o intuito de

impedir atos cruéis - Proibição de práticas como “vaquejada”, “farra do boi”,

“bulldogging”, “pega garrote” e quaisquer outros eventos que envolvam laçadas ou

derrubadas de animais, assim como o uso de “sedéns”, “peiteiras” e “esporas” nas

provas de montaria em rodeios, festas de peões, feiras de exposição de animais e

similares (TAC celebrado na Promotoria do Meio Ambiente de Guarujá, aos

05.08.1999, pela promotora Martha Pacheco Machado de Araújo).

Crueldade em rodeio – Ação civil pública ajuizada pela Promotoria de Cravinhos a

fim de impedir rodeio. Festa regional que envolve maus tratos e crueldade.

Utilização de instrumentos e métodos que causam sofrimento a cavalos e touros na

arena. Concedida liminar para que os responsáveis pelo evento abstenham-se de usar

sedém, esporas de formato pontiagudo ou cortantes e de sinos no pescoço dos

animais, porque se constituem meios dolorosos de instigação (proc. nº 937/95,

Comarca de Cravinhos).

Farra do boi – crueldade a animais – alegação de que se trata de manifestação

cultural – inadmissibilidade – A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno

exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e difusão das

manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225

da CF, no que veda a prática que acabe por submeter os animais à crueldade -

Aplicação do art. 225 § 1º, VII, da CF – Voto vencido (RE nº 153.531-8 – Santa

Catarina, 03.06.1997, RT 753/101).

Rodeio – ação penal proposta contra organizadores do Vale Rodeio Show, em São

José dos Campos, por abuso e maus tratos a animais – responsabilidade penal em

face do uso de „corda americana‟ em touros e cavalos, à guisa de sedém –

comprovação de que se trata de equipamento capaz de provocar dor – Condenação

dos réus a pena de multa – Infringência ao artigo 32 caput da Lei nº 9.605/98 c/c

artigo 71 caput do Código Penal – Prescrição reconhecida, posteriormente, pela

75

Jurisprudência recolhida no decorrer da pesquisa principalmente através de e-mails emitidos por diversas

organizações e no Manual produzido por LEVAI, Laerte Fernando. Proteção Jurídica da Fauna. Disponível:

http://www.mpambiental.org/.../Manual_Protecao_Juridica_da_Fa... - Acesso em 20/10/11.

Page 47: Direito dos Animais - TCC

47

Superior Instância, prejudicado o exame de mérito (autos nº 813/98, 4a. Vara

Criminal de São José dos Campos).

E ainda:

TJ/SP - Mandado de segurança - CONTRAVENÇÃO PENAL - CRUELDADE

CONTRA ANIMAIS - CIRCO DE RODEIOS - ESPETÁCULOS QUE

MASCARAM, EM SUBSTÂNCIA, UM SIMULACRO DE TOURADAS -

CASSAÇÃO DE ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO - PRETENDIDA

VIOLAÇÃO DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO - PRETENSÃO REPELIDA -

SEGURANÇA DENEGADA - ILÍCITO PENAL - ATIVIDADE QUE INCIDE EM

NORMA PUNITIVA DA LEI DE CONTRAVENÇÕES PENAIS - INVOCAÇÃO

INADMISSÍVEL DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO - Uma vez que a autoridade

pública informa que a atividade exercitada pelo Impetrante, em seu chamado circo

de "rodeios" incide na norma punitiva do art. 64 da Lei das Contravenções Penais, a

segurança deve ser denegada. Ninguém pode pretender direito líquido e certo à

prática de um ilícito penal. Saber se os animais utilizados pelo Impetrante, na

realização de seus espetáculos, eram realmente tratados com crueldade, qual o

afirma, com presunção de verdade, a autoridade pública, constitui matéria de fato,

cuja apuração transcende o âmbito do mandado de segurança. O que, todavia, é fora

de dúvida, é que ninguém pode pretender direito, muito menos direito líquido e

certo, a perpetrar, sob a égide da Justiça, um ilícito penal" (RT 247/105).

Processo n. 320.01.2006.017365-4/000000-000 - nº ordem 2196/2006 - Ação Civil

Pública - MOUNTARAT - ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO AMBIENTAL X

CLUBE DOS CAVALEIROS DE LIMEIRA – (...) 10. Ante o exposto, e por tudo

mais que dos autos consta, julgo procedente em parte a ação civil pública, para o fim

de estabelecer as obrigações de não fazer por parte da requerida, consistentes em: a)

não efetivar os rodeios em áreas urbanas; b) não se utilizar nos rodeios os seguintes

instrumentos e meio: sedém, esporas, peteira, polaco, objetos pontiagudos, choques

elétricos e mecânicos, terebintina, pimenta, substâncias abrasivas, golpes e

marretadas, além da descorna. P.R.I.C. De Campinas para Limeira, 30 de novembro

de 2007. RICHARD PAULRO PAE KIM Juiz de Direito Designado.

Entre outras manifestações de natureza de espetáculo/entretenimento podem ser

incluídas no rol das infâmias que descrevemos que, infelizmente, não esgotam os casos:

Jegue no carnaval - Ação civil pública, com pedido de liminar, movida pela

Promotoria de Justiça da comarca de Porto Seguro/BA, em face da exploração

abusiva de um animal para o divertimento humano. Bloco carnavalesco “Jegue

Elétrico” cujo mascote – um jumento extenuado – puxava carroça com carga

estimada em 300 kg de equipamentos sonoros, com 2.000 watts de potência.

Hipótese típica de abuso em animal de tração (proc. nº 535549/99, Vara Cível da

comarca de Porto Seguro).

TV Animal – Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra

rede emissora de televisão que exibia imagens de maus tratos a animais, dentre as

quais luta livre entre caranguejos. A requerida, abstendo-se de fazê-lo, passou a

veicular campanhas ecológicas. Acordo homologado (proc. nº 89/00377540/7, da

19a Vara da Justiça Federal).

Page 48: Direito dos Animais - TCC

48

Dano moral – Ação civil pública proposta pelo Ministério Público contra emissora

de televisão que, durante filmagens de uma minissérie, perdeu animal em risco de

extinção (leopardo) cedido por determinada ONG mediante delegação do Ibama.

Objetivo de obter reparação pelos danos materiais e morais ocasionados à fauna

silvestre brasileira, haja vista o misterioso desaparecimento do felino sem que

houvesse a devida cautela pela rede televisiva (proc. nº 2.335/01, 4ª Vara Cível da

comarca de Jundiaí).

Lamentavelmente, os Judiciários locais não são sempre unânimes em acolher as

denúncias, admitindo que tais atividades continuem a existir, “desde que não configurem

crueldade aos animais” (AGRV n. 419.225.5/5, de 30.01.2007). Também há forte interesse

político obstando o movimento contrário a estas atividades. Segundo consta, “o STF ainda

não enfrentou a questão específica sobre os rodeios, estando pendente de julgamento a ADI

3.59576

, ajuizada pelo então Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, com pedido de

liminar, contra o Código de Proteção aos Animais do Estado (Lei estadual n. 11.977/2005),

que, entre outros pontos, proibiu, nesse Estado, as provas de rodeio e de espetáculos que

envolvam o uso de instrumentos que induzam o animal a se comportar de forma não

natural”77

. Note-se que o referido Código foi assinado, em 2005, pelo próprio governador

Geraldo Alckmin, e hoje se encontra suspenso por conta de liminar do mesmo. Afinal, na

esteira do “pão e circo” e dos interesses políticos e econômicos, é de importante reforçar a

prática da crueldade com seres vivos em nome da “manifestação cultural”. Sob a pressão, em

audiência pública78

, da Federação de Rodeio do Estado de São Paulo, da Confederação

Nacional de Rodeio, de associações e câmaras setoriais da indústria pecuária, da Sociedade

Rural Brasileira, do Pró-Reitor de Pesquisa da Universidade de São Paulo, e diversos

políticos, o Governo de São Paulo cedeu, ameaçando derruir todos os esforços até aqui feitos

e permitir que os crimes cometidos contra os animais continuem impunes.

A Lei 11.977/05 é tão bem-estarista quanto outro projeto do mesmo autor, o

deputado Ricardo Trípoli, Projeto de Lei n. 215/07, que pretende instituir o Código Federal do

Bem-Estar Animal. Ambos são alvo de críticas, tanto de ativistas pró e contra os animais, os

primeiros considerando a timidez e o vínculo aos interesses tradicionais, desfavoráveis aos

76

Disponível: http://m.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2328685 – Acesso em

29/10/11. 77

LENZA, Pedro. Jornal Carta Forense. 01/06/09. Disponível: http://www.cartaforense.com.br/

Materia.aspx?id=4225 - Acesso em 29/10/11. 78

Ver Ata da Reunião. Disponível: http://www.al.sp.gov.br/geral/comissoes/ ata.jsp?idAta= 3781&comissao=

8504... – Acesso em 29/10/11.

Page 49: Direito dos Animais - TCC

49

animais, destes projetos, e os outros, criticando o excesso de concessão a um ativismo

despropositado e que prejudica o comércio. Será um debate interessante a ser acompanhado.

3.1 Diversão e arte: arenas do medo

Outros abandonadores de animais são os circos, o que só é novidade para nós,

comuns espectadores, que nunca refletimos sobre o que acontece com os animais quando

adoecem ou ficam velhos. Afora isto, o sistema de treinamento implica em privações e

castigos, a fim de adestrar os animais.

Conforme parecer do deputado federal Antônio Carlos Biffi, “para realizar tarefas

como dançar, andar de bicicleta, tocar instrumentos, pular em argolas (com ou sem fogo),

cumprimentar a platéia, entre outras proezas, os animais são submetidos a treinamento que,

regularmente, envolve chicotadas, choques elétricos, chapas quentes, correntes e outros meios

que os violentam. A alimentação e o descanso desses animais são, muitas vezes, inadequados

e insuficientes. Há ainda uma perversidade adicional gerada pela presença de carnívoros nos

espetáculos circenses – é comum que cães e gatos vivos sejam fornecidos a eles como

alimentação, muitas vezes trocados por ingressos pelos moradores da localidade onde se

encontra o circo”79

.

Em depoimento ao jornal, o especialista em comportamento animal e treinador de

animais para propaganda, Jairo Motta, relata os métodos adotados no treinamento dos

animais. Segundo ele, os animais trabalham com medo, pois são condicionados por temor à

dor que lhes é infligida: “Os ursos dançarino são obrigados a pisar em chapas de metal

incandescente ao som de uma determinada música. No picadeiro, os ursos ouvem a música

usada durante a tortura e começam a se movimentar, dando a impressão de estar dançando,

mas na verdade apenas se lembram das chapas quentes e automaticamente começam a erguer

as patas. O domador de leões acerta o chicote na ponta dos dedos ou no lombo dos animais.

Depois de um certo tempo, o estalo de chicote no chão, o animal já se intimida e associa o

barulho à chibatada. Além disso são usadas barras de ferro.

Os macacos são chutados e apanham com chicote e pauladas na face. Muitos têm

seus dentes arrancados. Os elefantes, acorrentados, apanham com cabos de machados e paus 79

LENZA, Pedro. op.cit.

Page 50: Direito dos Animais - TCC

50

com ganchos e são frequentemente agarrados com instrumentos pontiagudos pelas trombas,

pernas traseiras e orelhas. Os cavalos são açoitados por detrás das orelhas e no nariz. Além

disso todos os animais estão sujeitos a constantes choques elétricos, privação de água e

comida e chicotadas (...) Todos os animais de circo são aprisionados até a sua morte. Além de

passar fome, os animais ficam confinados sem as mínimas condições de higiene, sujeito a

diversas doenças, inclusive doenças contagiosas ao próprio ser humano, como por exemplo a

tuberculose.

Tigres e leões ficam em jaulas tão pequenas que mal podem virar-se. Os elefantes

permanecem acorrentados o tempo inteiro. A apresentação dos animais é baseada no medo, na

tortura e na anulação dos seus próprios instintos (...) Os animais viajam constantemente por

muitos quilômetros, de cidade em cidade, dentro de carrocerias escuras e sem ventilação. As

carrocerias que transportam animais não possuem o controle de temperatura e os animais

sofrem muito por causa disso. Os elefantes ficam em pé, acorrentados no mesmo lugar por

horas a fio. Durante a viagem não há água ou alimentos frescos para os animais”80

.

Este é o quadro das condições em que tradicionalmente vivem os animais de circo

e do teatro de vaudeville, estes muito populares no passado próximo, e a indústria do

entretenimento, inclusive a televisão e o cinema, não dispensaram o uso dos animais para

divertir os humanos. Com raras exceções, nenhum animal deixou de sofrer para oferecer este

prazer cruel disfarçado de graça inofensiva.

Além disso, especialmente em circos, já houve vários incidentes envolvendo os

animais, sendo que no Brasil se tem notícia da morte de um menino no Circo Vostok,

ocorrido em Pernambuco em 2000, arrastado para o interior da jaula dos leões.

Diversos circos brasileiros estão se adaptando às novas exigências éticas impostas

pela nova mentalidade no universo dos circos, doando os animais a instituições (zoológicos,

ONGs), ou simples e infelizmente os abandonando. Os felinos, por se reproduzirem

facilmente e em quaisquer condições, são as mais freqüentes vítimas. O abandono, antes por

causa de doença e/ou velhice, hoje também ocorre em função da pressão e da proibição cada

vez mais ampla do uso de animais nos espetáculos.

80

Disponível: http://www.aila.org.br/circo1.htm - Acesso em 18/10/11.

Page 51: Direito dos Animais - TCC

51

Em 2006 o Circo Beto Carrero assinou um TAC (Termo de Ajustamento de

Conduta), por determinação do Ministério Público e em respeito à Lei paulista n.14.014/05,

liberando seus animais81

. As leis existentes, contudo, nem sempre surtem efeito, ante a

descarada desobediência destas empresas.

Foi o que aconteceu, por exemplo, com o Le Magic International Festival,

organizado por um dos donos do Le Cirque, que, proibido de apresentar-se com animais em

São Paulo, estreou em 2011 em Florianópolis, Santa Catarina, com o apoio de seu prefeito,

em desrespeito à lei municipal n. 183/05, assinada por ele mesmo, e que proíbe o

“funcionamento de espetáculos que utilizem, sob qualquer forma, animais selvagens,

domésticos, nativos ou exóticos...”. A medida cautelar do Ministério Público foi negada pelo

juiz local, caracterizando prevaricação do magistrado. Segundo consta, o histórico do Le

Cirque é marcado por maus-tratos e exploração de animais82

, e pesa sobre ela a ação civil

pública ajuizada pela Promotoria do Meio Ambiente de São José dos Campos, que, com base

no artigo 225, § 1o, VII, da Constituição Federal, artigo 193, X, da Constituição Estadual, no

artigo 21 da Lei Estadual n. 11.977/05 (Código Estadual de Proteção aos Animais), artigo 1° e

seguintes do Decreto n° 24.645/34 e artigo 32 caput da Lei Federal n° 9.605/98, concluiu (juiz

sentenciante, Gustavo Alexandre da Câmara Leal Belluzzo) pela inconstitucionalidade da

atividade circense exploradora de animais, decisão que cria jurisprudência em favor do

reconhecimento de direitos aos animais.

O Le Cirque, porém, foi beneficiado em outra decisão, no mesmo ano de 2011,

desta vez do desembargador João Timóteo de Oliveira, do TJDFT, que entendeu ter havido

falta de provas em acusar seus proprietários de maus-tratos, tendo eles sido alvo de

preconceito de fiscais do IBAMA. Os animais, antes confiscados e entregues a zoológicos,

deverão ser retomados ao circo. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

pretende recorrer ao STJ ou ao STF83

. Vemos assim a desarmonia estabelecida no universo da

jurisprudência.

Alguns outros exemplos da aplicação da lei em casos relacionados a circos:

81

Disponível: http://www.animaisdecirco.org/arquivo_2006.html - Acesso em 17/02/11. 82

Disponível: http://vegtemas.org/prefeitura-de-florianopolis-desrespeita-lei/ - Acesso em 17/02/11. 83

Disponível: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2011/02/17/ interna_cidadesdf,238242/

juiz-determina-que-animais-confiscados-de-circo-sejam-devolvidos-aos-donos.shtml> - Acesso em 28/02/11.

Page 52: Direito dos Animais - TCC

52

Circo – Animais silvestres utilizados em atividade circense – Maus tratos em razão

de acomodações inadequadas e falta de registro no Ibama – Apreensão em sede

cautelar e entrega ao depositário “Zôo Rio” as expensas do proprietário –

Encaminhamento imediato – Recurso provido (Agravo de Instrumento nº 108.871-5

– São Sebastião/SP, 14.12.1999, RTJ ESP 226/209).

Abuso em circo – Ação civil pública movida pelo Ministério Público contra

companhia circense que pretendia utilizar animais em exibições públicas. Hipótese

de abuso, consistente em obrigar tigres, macacos, elefante, urso, lhamas e cães,

dentre outros bichos, a perfazer atividades estranhas à sua natureza. Pedido de

liminar deferido, vedada a apresentação dos animais no circo. Decisão de natureza

satisfativa, extinguindo-se o feito sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267,

VI, do CPC (autos nº 585/03, 3ª Vara Cível de São José dos Campos).

Apreensão em circo – Utilização irregular de animais silvestres em circo.

Acomodações inadequadas e falta de registro dos animais no Ibama. Ocorrência de

maus tratos, ensejando ação civil pública pelo Ministério Público. Recurso contra

decisão judicial que liberava os animais ao depositário, sendo provido para que o

agravado faça a entrega dos animais à Fundação Zoológico da cidade do Rio de

Janeiro (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Agravo de Instrumento nº

108.871-5, São Sebastião).

No presente momento, está pronto para apreciação do plenário da Câmara dos

Deputados o Projeto de Lei n. 7291/06, aprovado por unanimidade da Comissão de Educação

e Cultura da Câmara Federal (CEC), que proíbe o uso de animais em circos. Eventualmente,

se aprovado, porá fim a qualquer dúvida quanto a aplicação da lei.

O chamado “circo contemporâneo ou novo” exclui a figura dos animais, focando

o espetáculo nas acrobacias e truques feitos por humanos e em cenários e música apurados.

Os circos novos prestigiam as proezas da criatividade humana feitas exclusivamente por

humanos, a exemplo do Cirque de Soleil, do Circus Oz, do Cirque Ahbaui e do nosso Circo

Popular do Brasil, do ator Marcos Frota. Com este novo perfil, gradualmente, a população

está sendo preparada a distinguir o bom espetáculo do circo de horrores.

Outras “diversões” compõem o quadro de violência contra os animais.

Desgraçadamente, existem as rinhas, organizadas por marginais que vivem à custa do

sacrifício de animais. Geralmente ligados a outros crimes, estes indivíduos treinam animais

para os colocarem em luta entre si, com a finalidade de lucrarem com apostas e prêmios.

Nestes eventos, geralmente promovidos em lugares afastados e desocupados, e chegando a

serem divulgados até pela internet, os animais são instigados a lutar e, em muitas das vezes,

terminam feridos até a morte. Há rinhas com cães, gatos, galos e pássaros, podendo ocorrer

com outras espécies, havendo o macabro rito de o perdedor, se não morrer em luta, ser

terrivelmente torturado, como castigo, pelo seu dono. Existe no mundo inteiro, e, no Brasil, o

Page 53: Direito dos Animais - TCC

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STF entende ser violação ao artigo 225, § 1ª, VII, por submeter os animais à crueldade (ADI

3.776, rel. Min. Cezar Peluso, j. 14.06.2007, DJ, 29/06/2007).

As rinhas estão implicitamente proibidas na Constituição Federal e evidentemente

na Lei de Crimes Ambientais, porém, há grande esforço em descriminalizar a prática, como se

vê nos esforços de muitas leis estaduais sobre as quais atuam várias ADINs, e mesmo o já

citado Projeto de Lei n. 4.548/98, que pretende alterar o artigo da Lei n. 9.605/98,

descriminalizando toda e qualquer gênero de exploração e maus-tratos aos animais.

4. Maus-tratos

Poderíamos talvez considerar maus tratos como gênero, onde a experimentação, o

rodeio e outras práticas que abusam física e psicologicamente dos animais são espécies. O

abuso sofrido pelos animais tem diversos aspectos, tanto quantos foram ou ainda são possíveis

os sofridos pelos humanos. Em comum, o alvo são os seres mais frágeis na cadeia da

sociedade humana. Enquanto não houver respeito à vida – de quem quer que seja, humano ou

não, a sociedade ainda não merecerá o discutível status de civilização. "A grandeza de uma

nação e seu progresso moral se pode julgar de acordo com a maneira com que se trata seus

animais", disse Gandhi.

A Constituição Federal prevê em seu artigo 225, § 1º, inciso VII, que, para

assegurar o equilíbrio do meio ambiente, é responsabilidade do Estado a proteção, entre

outros, da fauna, condenando qualquer prática que provoque a extinção de espécies ou

submeta qualquer animal à crueldade. A Lei Federal n. 9605/98, em seu artigo 32 – alvo do

PL n. 4.548/98, citado em parágrafos anteriores, criminaliza a prática de maus-tratos, abuso,

mutilação ou ferimentos em animais domésticos ou domesticados, expandido pelo artigo 17

do Decreto Federal n. 3.179/99, que abrangeu todos os animais, e impôs as penas tidas como

necessárias e suficientes.

Contudo, a despeito destas previsões legais, é ainda comum o desprezo por tais

proibições, tanto por parte da população como até pelas próprias autoridades responsáveis,

muitas vezes complacentes com as infrações e crimes cometidos. Como a competência é

comum entre União, estados e municípios, às vezes estes últimos ignoram a providência de

decretar leis próprias e fiscalizar devidamente quaisquer assuntos ambientais, seja por

Page 54: Direito dos Animais - TCC

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indiferença, conivência ou falta de estrutura. De qualquer modo, a linha de denúncias está

disponível para todos, sendo possível recebê-las seja através do IBAMA, à polícia militar

ambiental e à Secretaria do Meio Ambiente local, e aos CCZ – Centro de Controle de

Zoonoses, e a apuração criminal a cargo das Delegacias de Polícia ou, quando existe, ao

Grupo Especial de Meio Ambiente.

Além disso, a população dispõe do boletim de ocorrência eletrônico e do

Ministério Público, em suas promotorias criminais ou de meio ambiente. As diversas ONGs

também são um meio de pôr a público questões que passam despercebidas à população e

pressionar os órgãos públicos no sentido da devida apuração. É por força destes movimentos

que hoje a causa do direito dos animais tem tido maior visibilidade e sido posta na pauta dos

debates políticos e das ações sociais. São estes grupos que sugerido diretrizes e analisado as

propostas das fontes oficiais, denunciando muitas vezes o oportunismo e as distorções levadas

à votação como, por exemplo, projetos de lei que, em nome da ecologia e dos direitos dos

animais, mais ameaçam a segurança ambiental e põem em risco as conquistas pela defesa dos

animais, como as questões já apontadas referentes ao Código Federal do Bem-Estar Animal,

ao Código de Proteção aos Animais, e, indiretamente, à construção da Usina Elétrica de Belo

Monte e ao novo Código Florestal, por exemplo.

4.1. Violência gratuita e covarde: o estreitamento dos limites da impunidade

Segundo levantamento feito pela ONG ARCA Brasil, com a colaboração de Sônia

Fonseca (Fórum Nacional de Proteção Animal), Irvênia Prada (Veterinária Solidária

Honorária) e Laerte Levai (Promotor Público especializado em Direito Animal), “pelos 15

casos de condenação de atos de agressões contra animais no país, a maioria deles nos últimos

4 anos (...) terminavam em acordos entre as partes, antes mesmo do julgamento...”84

. Mas há

exemplos diversos, apontando para uma (re)ação mais incisiva por parte da justiça.

Vejamos85

:

Abandono (Florianópolis, SC – 2003) - A partir da denúncia feita pela ong Amigos

dos Animais, um homem, identificado pela placa do veículo que dirigia, foi

condenado a doar meio salário mínimo para o GAPA (Grupo de Apoio aos

Portadores de AIDS) - Acusação: abandonar um poodle em uma grande avenida.

(Fonte: Poder Judiciário de Santa Catarina)

84

INSTITUTO NINA ROSA. Clipping INR. Em email da autora em 18/06/11. 85

Disponível: http:// www.arcabrasil.org.br/noticias/0911_quintao.html - Acesso em 28/07/11.

Page 55: Direito dos Animais - TCC

55

“Serial Killer” (Recife, PE - 2005) - O servidor federal José Epaminondas da

Rocha, 50 anos, foi condenado com base no art. 32 da Lei nº 9605, a pena de 12

meses de reclusão em regime semi-aberto e multa de dez reais por dia durante a

prisão. Não se sabe se o advogado de defesa recorreu - Acusação: envenenamento

de 20 gatos e um cachorro pertencentes à sua vizinha, Lindalva Barros da Silva, que

passou a suspeitar do matador desde 1998, quando ocorreu a primeira morte. Após

suas denúncias, a polícia passou a investigar. (Fonte: JC OnLine)

Vai pra cadeia por matar cachorro (Almirante Tamandaré, PR - 2006) - O juiz

Jaime Souza Pinto Sampaio, de Almirante Tamandaré, condenou o representante

comercial Bernardo Ernesto Nunes da Silva a um ano de detenção + doze dias-

multa. Após recurso, a pena foi reduzida para prestação de serviços comunitários à

escola Municipal, oito horas por semana, durante sete meses - Acusação: envenenar

“Pisco”, cachorro da raça basset, que pertencia a seus vizinhos Marcelo dos Santos e

Maria Letícia Mendonça Furtado (Fonte: Paraná Online)

Justiça condena dois por maus tratos (São Vicente – SP – 2006) - O caso foi

levado à Vara do Juizado Cível e Criminal, que acatou a denúncia de crime de

crueldade contra animais oferecida pela promotora de Justiça Flávia Maria

Gonçalves. A juíza Fernanda Souza Pereira de Lima Carvalho, do Juizado Especial

Cível e Criminal de São Vicente condenou os dois acusados, com base no art. 32 da

Lei Nº 9605. Josefa teve que ressarcir a proprietária do animal, Rita de Cássia Vieira

dos Santos, em 19 parcelas de R$ 30, pelos gastos com veterinário e cirurgias.

Moacir foi condenado a prestar serviços toda quarta-feira, por um período de três

horas, durante dois anos. Ele ainda teve que comparecer mensalmente ao cartório

informando e justificando suas atividades - Acusação: Josefa J. da Conceição

Cabral, de 68 anos, e seu enteado, Moacir Donato da Silva, foram condenados por

maus tratos praticados contra um cachorro de nome Negão. Ambos teriam sido

responsáveis pela mutilação do animal, um vira-lata cujo único crime teria sido

cruzar com a cadela Dira. A idosa e seu enteado teriam castrado o cachorro durante

a cópula (Fonte: A Tribuna Online)

Mutilou cachorro (Bocaiúva, PR - 2006) - Condenado com base no Art. 32 da lei

9.605 a cinco meses de detenção (perda de liberdade em regime aberto) e multa de

dez salários mínimos vigentes na época, destinados ao Conselho da Comunidade

daquele Foro Regional - Acusação: Claudinei S. Viana mutilou um cão conhecido

como Falcão, cortando-lhe as duas patas traseiras por suspeitar que o animal

houvesse comido algumas de suas galinhas (Fonte: Gazeta do Povo)

Condenado por abandonar Lilica (Bauru, SP - 2007) - O juiz Jaime Ferreira

Menino, da 2ª Vara Criminal de Bauru, condenou o lavrador Alex Aparecido

Caldeira a três meses e 15 dias de detenção (os quais puderam ser cumpridos em

liberdade), além de multa de R$ 140 - Acusação: abandonar uma cadela ao mudar-

se de casa. Alex Aparecido Caldeira deixou “Lilica” amarrada ao trocar de

residência e o animal foi obrigado a se alimentar das próprias fezes até ser

encontrado, após quinze dias (Fonte: Jornal da Tarde)

Condenado criminalmente por surrar cachorro (São Gabriel, RS - 2007) - Após

recurso, foi mantida a decisão da pena de três meses de detenção, em regime aberto,

mais e pecuniária de 10 dias-multa contra Claudiomir Menezes Falk pelo crime

tipificado no artigo 32 da Lei nº 9.605/98 - Acusação: Claudiomir surrou, com

crueldade e em via pública, o seu próprio cão, que uivava de dor. De acordo com

testemunhas, ele usou uma corda ou corrente. Após intercederem ele parou, mas

logo recomeçou, até que chamaram a polícia (Fonte: Ministério Público do Rio

Grande do Sul)

Matou o próprio animal (Feira de Santana, BA - 2007) - Dorgival Nunes foi

condenado a prestar serviços, cuidando de cães e gatos de uma ONG - Acusação:

matar sua cadela de estimação em Feira de Santana na Bahia. Após ser denunciado

por um vizinho, ele assumiu o crime e foi processado judicialmente.

Page 56: Direito dos Animais - TCC

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Justiça gaúcha condena carroceiro por maltratar cavalo (Porto Alegre, RS -

2007) - O Juizado Especial Criminal do Rio Grande do Sul condenou um homem a

prestar serviços à comunidade, por maltrato a animal. Os benefícios da transação

penal não foi proposto ao réu, por já haver antecedentes criminais - Acusação:

agressão a cavalo forçado a puxar uma carroça com excesso de peso. Conforme a

denúncia do Ministério Público, o carroceiro atingiu a cabeça e a cara do animal

com um facão. Ele foi levado à delegacia por um policial que passava no local. O

relator do recurso, juiz Alberto Delgado Neto, destacou que a existência do fato e a

sua autoria ficaram comprovadas pela prova testemunhal e pelo boletim de

ocorrência. “Houve consciente e evidente prática de maus tratos a animal

domesticado, que inclusive estava muito debilitado em função das agressões

desmedidas praticadas pelo réu, conforme depoimento do policial militar” (Fonte:

www.cojur.com.br)

Agressão a felino (Taubaté, SP - 2007) - A Justiça de Taubaté condenou o

estudante universitário Guilherme Lobato de Abreu, de 26 anos, a pagar multa de R$

200 em fraldas geriátricas. A decisão foi do juiz Eduardo Sugino, da 2ª Vara

Criminal - Acusação: O estudante do curso de Direito teria agredido a gata que

dormia próximo ao portão de sua casa em novembro de 2006 (Fonte: Agência

Estado)

Envenenou cão do vizinho (Erval Grande, RS – 2007) - Edir Carlos Balena

condenado pela sentença de primeiro grau, por maus tratos a animal, teve o apelo

negado pela Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais do RS. A condenação

foi fixada em três meses e 15 dias de detenção, em regime aberto, e 30 dias-multa no

valor de um trigésimo do salário mínimo vigente à época do fato - Acusação:

envenenamento do cachorro de seu vizinho. O cão Thor, da raça bulldog inglês,

morreu poucos minutos após ingerir estricnina. Os fatos se passaram no Município

de Erval Grande (RS) - apenas 5.460 habitantes, situado no norte do Estado (Fonte:

www.jurisway.org.br)

Condenado por maltratar cavalo (Florianópolis, SC - 2009) - Uma ação por

crime ambiental movida pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) resultou

na condenação de Elias Voltz a quatro meses de prisão em regime aberto e ao

pagamento de 12 dias-multa. O juiz Samir Oseas Saad permitiu que a pena fosse

substituída por prestação de serviços à comunidade na Associação de Pais e Amigos

dos Excepcionais (Apae), pelo mesmo período da condenação - Acusação: maltrato

a cavalos que utilizava como animais de tração. Na ação, o Promotor de Justiça Rui

Arno Richter, relata que, em abril de 2008, Elias fazia mudança do Bairro Campeche

para o Bairro Santa Mônica, com uma carroça puxada por dois cavalos, quando um

deles caiu e não teve forças para levantar. O caso teve repercussão na mídia

catarinense. Laudo veterinário posterior apontou que o animal estava anêmico,

debilitado, com lesões no corpo e sem a proteção de ferraduras (Fonte: Diário

Catarinense e G1)

Matou cão abandonado a facadas (São Marcos, RS - 2009) - A Turma Recursal

Criminal dos Juizados Especiais do Estado condenou homem no Município de São

Marcos a pena de 4 meses e 20 dias de detenção, que deve ser substituída por

restritiva de direito, além de impor multa. Sendo a condenação inferior a seis meses,

é impossível a substituição por prestação de serviços à comunidade. O Juiz

responsável pela execução definirá qual será a pena restritiva de direito em

substituição à privativa de liberdade - Acusação: atraiu para a residência dele cão

abandonado, pisou no pescoço para imobilizar o cachorro e o matou com diversas

facadas (Fonte: Carta Forense)

Casal abandona vira-lata que morreu (Cascavel, PR - 2009) - O casal foi

condenado pela Justiça do Paraná a pagar R$ 965,00 - Acusação: abandonar um cão

vira-lata que acabou morrendo na cidade (Fonte: Folha de S.Paulo)

Page 57: Direito dos Animais - TCC

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Cadela Preta (Pelotas, RS - 2007) - O estudante Alberto Conceição da Cunha

Neto, 23 de idade, foi condenado pelo juiz José Antônio Dias da Costa Moraes, do

Juizado Especial Criminal de Pelotas (RS), a um ano de detenção em regime aberto

no Presídio Regional daquela cidade. Na sentença, o juiz não permite a reversão da

detenção em pena alternativa, e estipula ainda o pagamento de uma multa -

Acusação: Cunha Neto era o réu contra quem pesava a acusação mais forte, no

processo aberto em 2005, denunciado por ser um dos responsáveis pela morte da

cadela Preta e como proprietário e motorista do carro que arrastou o animal pelas

ruas do Centro de Pelotas, em 9 de março daquele ano (Fonte:

www.espacovital.com.br.)

Neste último, o “Caso Preta”, o crime é assim descrito em reportagem do Zero

Hora, de 12/08/10:

MASSACRE DE ANIMAL - Punição para uma crueldade

HUMBERTO TREZZI - [email protected]

A história de um massacre ganhou uma rara e exemplar punição na Justiça gaúcha.

Em votação unânime, três desembargadores da 21ª Câmara Cível do Tribunal de

Justiça do Estado (TJ) condenaram um dos autores do assassinato da cadela Preta –

amarrada a um carro e arrastada até a morte em Pelotas, há cinco anos – a indenizar

a comunidade por danos morais coletivos.

O acórdão estabelece que Alberto Conceição da Cunha Neto terá de pagar R$ 6 mil,

revertidos como doação para o canil municipal pelotense.

A decisão é rara por dois motivos. O primeiro é que o trio de desembargadores

votou da mesma forma, num consenso que não costuma ser usual. Com isso, não

cabe recurso à sentença no TJ e, se quiser recorrer, o advogado de defesa do

condenado deverá apelar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.

A segunda excepcionalidade é que o “dano moral coletivo” reconhecido na

condenação é uma novidade poucas vezes vista na história do Judiciário brasileiro.

O STJ costuma negar a existência de “dano moral coletivo”.

Os desembargadores gaúchos foram na contramão dessa tendência. Cunha Neto

tinha sido absolvido em primeira instância, em Pelotas, pela juíza Gabriela Irigon

Pereira. Na sentença, ela considerou que o jovem já havia sido punido

criminalmente, em outro processo (em 2007, foi sentenciado a um ano de detenção

pelo crime, em regime aberto). Além disso, o rapaz – estudante da Universidade

Católica de Pelotas – foi suspenso das aulas na faculdade, se mudou de município e

teve uma parente dele agredida dentro do fórum daquela cidade, por pessoas

indignadas com a morte do animal.

Os desembargadores levaram ontem 20 minutos para decidir. Numa sessão assistida

apenas por três estudantes de Direito, o desembargador Armínio da Rosa lembrou

que a cadela foi “desintegrada” ao ser arrastada por cinco quadras, “com pessoas

assistindo”.

O desembargador José Francisco Moesch afirmou que a cadela Preta era estimada

em Pelotas e sua morte, “por pura diversão”, gerou incredulidade e repulsa. A

posição final veio do desembargador Genaro Baroni Borges, para quem a reparação

financeira ajuda a “apagar a afronta a valores muito caros da comunidade

pelotense”.

O defensor de Cunha Neto, Henrique Boabaid, não compareceu à sessão e não foi

localizado por Zero Hora. Os outros dois jovens que participaram do massacre não

Page 58: Direito dos Animais - TCC

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foram processados porque se dispuseram a doar R$ 5 mil, cada, ao canil municipal

de Pelotas.

A morte de Preta

Estimada e adotada informalmente por frequentadores de um bar no centro de

Pelotas, a cadela vira-latas Preta foi amarrada a um Ka e arrastada por cinco

quarteirões, até a morte.

O crime aconteceu em 9 de março de 2005. Os autores do massacre foram três

jovens universitários. Eles disseram que o animal não parava de latir,

admitiram que ataram o animal a um poste, mas negaram tê-lo arrastado de

carro.

O veículo pertencia a Alberto Cunha Neto, que foi condenado ontem por danos

morais.

Outro caso escabroso é o do “Cão de Quintão”, no qual “em 20 de junho de 2009,

três indivíduos entre 17 e 22 anos mataram um vira-lata de porte médio aos risos, golpeando

sua cabeça com um pedaço de madeira. Não satisfeitos, gravaram tudo e, de forma inédita até

então, postaram no You Tube, onde ficou disponível na rede mundial com o título de „Game

Over Dog‟ durante vários dias”86

. O processo, após um ano e meio, já produziu sentença

condenatória “que conduz os réus – incluindo a tia de um dos envolvidos, considerada autora

intelectual do crime – à reclusão. Se a sonora conquista ainda corre o risco de perder força

com a troca da pena por serviços à comunidade (algo previsto em lei), há elementos inéditos

na decisão, como o fato dos menores de 18 anos envolvidos irem a julgamento e receberem

pena exemplar, baseada no art. 32 da Lei 9.605/98, a Lei dos Crimes Ambientais”, informa o

Centro de Zoonoses de Piracicaba87

.

Configuram maus-tratos também, as condições em que são mantidos os animais

nos vários mercados populares espalhados pelo país, que expõem animais engaiolados para

comércio. Casos como o mercado municipal Kenji Yamamoto, situado na Cantareira, em São

Paulo, ou o Mercado Central de Belo Horizonte, onde os animais são comercializados para

consumo, abate, rituais religiosos, e são mantidos sem liberdade de movimentos, privados de

luz e ventilação adequados, misturados às suas próprias excreções, sem água ou alimento ou

86

Disponível: http://www.integracaonoticias.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id =432:

assassinos-do-cao-de-quintao-vao-a-julgamento-amanha-9&catid=82:us-politics&Itemid=498 – Acesso em

25/06/10. 87

Disponível: http://www.zoonoses.piracicaba.sp.gov.br/site/noticias/619-caso-de-quintao.html - Acesso em

18/11/11.

Page 59: Direito dos Animais - TCC

59

com eles absolutamente sujos, formando um verdadeiro “campo de concentração zootécnico”,

como descreve Laerte Levai88

.

Nossas autoridades também desapontam. Os Centros de Zoonoses do país

também demonstram incapacidade para satisfazer seus objetivos sociais. Desprovidas de

estrutura e preparo, geralmente mantém os animais em condições precárias, assemelhando-se

às piores penitenciárias humanas, onde os animais são privados de espaço, luz, expostos a

doenças, umidade, lixo, fome, em permanente estado de estresse e sem cuidados veterinários

apropriados, ficando sem condições para a adoção. O descaso dos donos dos animais, que não

se ocupam da saúde dos seus animais, esterilizando-os, ou deles se desinteressam porque

velhos ou inconvenientes, provoca uma superpopulação que termina nas ruas, abandonada.

Quando não terminam mortos nas ruas, seja por doenças, acidentes ou nas mãos de sádicos,

são recolhidos pelas carrocinhas e cambões (que podem provocar lesões graves) dos CCZs,

onde vivem em condições que por si só já caracterizam maus-tratos, eventualmente

aguardando a eutanásia, embora ela seja proibida em animais sadios nos CCZs, pois acabam

se ferindo e/ou adoecendo. Há nota de que alguns destes Centros enviam animais capturados

a instituições de pesquisa e universidades para servirem de cobaia (como o Canil de São

Bernardo do Campo para a Santa Casa de São Paulo) ou executam sumariamente centenas de

animais indiscriminadamente em câmaras de gás (CCZ de Belo Horizonte)89

.

Sobre alguns CCZs pesam algumas ações90

:

SCZ de Guarujá – Captura e matança generalizada de cães e gatos errantes –

Cadáveres dos animais deixados a céu aberto, no aterro sanitário do município –

Ausência de política pública de esterilização, adoção e posse responsável –

Ajustamento de conduta firmado com a Municipalidade, estipulando-se inúmeras

obrigações de não fazer – Vedação à captura de animais não nocivos e que não

estejam doentes, salvo para fins de vacinação, tratamento médico e castração –

Garantia do retorno dos animais ali recolhidos ao lugar em que viviam, exceto nos

casos de reconhecida necessidade da eutanásia – Proibição do uso de câmara de gás

ou de qualquer outro método que cause sofrimento aos animais – Implantação dos

serviços de registro e de atendimento médico veterinário gratuito – Melhorias nas

dependências do SCZ – Treinamento técnico trimestral, garantido o

acompanhamento das entidades de proteção animal – Obrigatoriedade de

comunicação escrita à autoridade policial e à Promotoria sempre que o SCZ tiver

conhecimento de ocorrência de maus tratos (TAC firmado por Martha Pacheco

88

LEVAI, Laerte Fernando. Sobre o Mercadão das Almas. Disponível: http://www.anda.jor.br/?p=56486.

Acesso em 31/08/10. 89

Disponível: http://mypet.terra.com.br/NOTICIAS.asp. e http://www.midiaindependente.org/pt/red/

2004/05/281190.shtml - Acesso em 01/11/11. 90

LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos animais – 2ª Ed. – Campos do Jordão, SP: Editora Mantiqueira, 2004.

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60

Machado de Araújo, então promotora de Justiça do Meio Ambiente de Guarujá, aos

26.04.2001).

CCZ de São Vicente – TAC firmado pelo Ministério Público com a Prefeitura, em

São Vicente, objetivando à proibição da morte, no CCZ local, de animais recolhidos

da ruas e que não sejam nocivos à saúde e à segurança de seres humanos, bem como

daqueles que não estejam em fase de doença terminal ou que possam ser tratados –

Dentre as outras obrigações de fazer incluem-se o controle de população felina e

canina do município, a implantação de serviço permanente de castração no CCZ, a

obrigatoriedade do registro de animais e as melhorias nas condições de alojamento

animal. Dentre as obrigações de não-fazer, a abstenção de recolher – a pedido do

dono – animais saudáveis para sacrifício no CCZ, e a não-cessão de animais para

fins de experimentos ou vivissecção (TAC celebrado aos 2.2.2002 pelo promotor

Fernando Reverendo Vidal Akaoui).

CCZ de Salvador – Mudanças estruturais no CCZ de Salvador/BA – Ajustamento

de conduta entre o MP baiano e a Prefeitura – Necessidade de melhorar as condições

dos animais ali recohidos, propiciando-lhes vacinação, esterilização, registro e

adoção, além de contínuo tratamento médico-veterinário – Proibição do sacrifício

indiscriminado de animais (TAC firmado pelo promotor Luciano Rocha Santana,

aos 03.07.2002).

Felizmente há iniciativas que visam combater algumas das violências de que são

alvo os animais. Em relação às CCZs, por exemplo, em Porto Alegre é mantido um fórum

mensal entre entidades de bem-estar animal e representantes do poder público (MP e Câmara

Municipal) para se acompanhar os trabalhos e se discutir os rumos a serem tomados no

controle da população animal, a fim de reduzir o número de eutanásias. Outro exemplo é a Lei

n. 11.488/03, que proíbe a cordotomia, cirurgia que silencia cães e gatos, extirpando suas

cordas vocais, e impõe forte multa ao veterinário que a praticar. Em 2003, foi inaugurado em

São Paulo o Centro de Planejamento de Natalidade Animal (CPNA), que visa realizar a

castração de cães e gatos a preços populares e, assim, conter a superpopulação de animais

abandonados na cidade; existem várias campanhas de adoção de animais, através de feiras de

doação, visando dar um lar aos abandonados e refrear o comércio; o número de denúncias

contra maus-tratos tem aumentado, encorajando a participação da população nas questões

referentes à saúde e segurança dos animais, entre outros.

No Brasil contamos, em todas as áreas, com a morosidade na justiça e a falta de

recursos para tudo (fiscalização, capacitação, órgãos especializados etc), por isso é necessária

a articulação das forças de organizações não-governamentais, de órgãos jurídicos e políticos,

de setores educacionais, além da população, para que melhorar o sistema em todos os seus

níveis, especialmente em questões operacionais, quanto à aplicação da justiça. No que tange

especificamente aos animais, é preciso também manter intercâmbio das experiências com

outros países, a fim de orientar e aprimorar condutas. Por exemplo, uma ocorrência como a

Page 61: Direito dos Animais - TCC

61

acontecida em Montgomery, nos EUA, na qual o dono de um cão ateou-lhe fogo em 2007,

causando-lhes terríveis lesões, foi condenado em 2009 pelo Conselho de Perdão e

Condicional à prisão até 2012, quando poderá tentar condicional, enquanto aqui em Itajaí, um

homem que enforcou seu cão e ia enterrar outro, morto também por ele, assinou apenas um

termo circunstanciado, após pagar pequena multa91

.

4.2. Ensaio de um crime ecológico

Infelizmente, a ignorância é democrática e a crueldade não conhece fronteiras. No

mundo inteiro há casos reportados sobre a crueldade sofrida pelos animais. No site BBC, para

falar em um site jornalístico respeitado internacionalmente, assim como nos principais órgãos

de proteção animal (PETA, ARCA, Instituto Nina Rosa, Olhar Animal, VEDDAS, Pensata

Animal, PEA, Tribuna Animal e outros), encontram-se diversos relatos das atrocidades que

configuram violência generalizada com os animais, desde violência doméstica até verdadeiros

massacres promovidos pela indústria de alimentos. São exemplos disso, por exemplo, o

recente e triste episódio ocorrido na Inglaterra, também filmado e veiculado, em que um gato

foi posto sequenciadamente em microondas, secadora de roupas e um freezer, por um

psicopata (acompanhado por dois menores), que terminou por ser condenado a 126 dias de

prisão e proibido de possuir um animal por dez anos; o caso de um adolescente britânico

condenado pela Justiça por ter roubado um gato, forçado o animal a inalar fumaça de

maconha depois de prendê-lo em um saco, que foi fechado e girado diversas vezes; de um

casal americano que ministrou LSD em seu cão, que terminou sacrificado; o ridículo episódio

em canal de TV britânico, em que, num reality show, os participantes mataram e comeram um

rato por dinheiro; a criação de cães São Bernardo por um casal na Polônia para venda de

banha, cujos donos foram multados; da britânica filmada jogando uma gata no lixo que foi

condenada por um tribunal britânico a pagar 250 libras (mais de RS$ 660) de multa.

Casos com maior repercussão internacional podem ser exemplificados pela

infame caça anual aos golfinhos no Japão (retratado no filme The Cove92

) e na Dinamarca (no

Brasil esta caça e a de baleias é proibida), a caça de focas no Canadá (só em 2006, foram

mortas 323 mil), a caça de tubarões (80 milhões por ano na China); o uso de coelhos para

91

Disponível: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2010/08/eua-rejeitam-libertacao-de-condenado-por-atear-fogo-

cao.html e http://www.valenoticiassc.com.br/?p=3923. Acesso em 21/11/11. 92

Disponível no YouTube, e no site www.thecovemovie.com/

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62

produção de biocombustíveis na Suécia; a contaminação dos oceanos (por exemplo, a

empresa Chisso Corporation lançou durante quatro décadas 27 toneladas de mercúrio no

oceano, contaminando peixes e frutos do mar, além de provocar morte e doenças em milhares

de pessoas; o petroleiro Exxon Valdez, ao colidir com rochas submersas na costa do Alasca,

derramou 40 milhões de litros de óleo que contabilizou 100 mil aves mortas e 2 mil

quilômetros de praias contaminadas), dentre tantos outros casos.

Não há limites também para a vaidade e falta de visão humana. Recentemente nos

EUA, houve uma fuga aparentemente provocada em um zoológico particular, que resultou na

morte de 49 dos 56 animais exóticos mantidos em cativeiro pela polícia local; a invasão dos

habitats naturais dos animais tem provocado inúmeros confrontos nos quais os animais são

sempre os perdedores, oferecendo inúmeras manchetes do tipo “Jacaré é encontrado no lixo

em cidade chinesa”, “Onça invade quintal e é capturada por bombeiros no interior de São

Paulo”, “Ornitorrinco é resgatado de esgoto de cidade australiana”, “Morrem 3 filhotes de

elefante atropelados por trem no Sri Lanka”; “Animais são resgatados nas obras do

Rodoanel”, “Invasão de lixo humano ameaça animais em parque natural da África”, e por aí

vai, facilmente encontradas na internet e em jornais. Recentemente também, no Brasil

assistimos a polêmica exposição na Bienal de um artista local, em cuja “obra de arte”

figuravam aves vivas, urubus-de-cabeça-amarela, com autorização do IBAMA. Mal inspirado

em exemplo estrangeiro, em que outro expositor apresentou vacas, porcos e ovelhas vivas

grafitadas, este “artista” original teve a exposição proibida por ordem judicial e sobre forte

pressão popular.

Exemplos como estes, não apenas refletem uma cultura com traços predatórios,

como também indicam a banalização da vida, aprendidas em sociedade, e que extrapolam o

elo feito pelos perfis traçados por órgãos como o FBI e a Scotland Yard, que indicam “a

relação entre a crueldade para com os animais e futuras violências com humanos”93

. Em

decorrência das mazelas de proporções internacionais em relação à Natureza, e pela falta de

estruturação dos Estados em promover sua defesa, aprende-se também que pouco valor

merecem os nossos irmãos animais e o meio em que vivemos, preparando-se, assim, o terreno

para a destruição de dimensão global.

93

Disponível: http://mundoanimalmaceio.blogspot.com/2010/03/arca-brasil-vai-ao-sul-defender-os.html -

Acesso em 01/11/11.

Page 63: Direito dos Animais - TCC

63

4.3 Jaulas douradas

A existência de zoológicos e aquários mantém-se sob a argumentação de que são

necessários à preservação dos animais, à pesquisa científica, à educação e ao entretenimento,

mas todas as justificativas visam o interesse humano, não se levando em conta os benefícios

reais aos animais. São mantidos em cativeiro em um ambiente artificial, sob condições

controladas nas quais seus instintos ficam restringidos, daí a dificuldade de consumar-se a

reprodução nestes espaços. Além do mais, existem alternativas como, por exemplo, os

parques biológicos, onde os animais ficam soltos e as visitas são restritas, e hoje contamos

com inúmeras produções extraídas de observação da vida animal, que melhor fazem pela

compreensão de sua dinâmica. Assim, são mais instrutivos e não afetam o modo de vida dos

animais que, ao serem levados a zoológicos, são extirpados de seu ambiente e seus

semelhantes, às vezes com o custo da morte destes, e transferidos em condições sempre

difíceis para um espaço exíguo, tendo que adaptar-se duramente, se sobreviver a todo o

processo (apreensão, drogas de contenção, transporte, alimentação inadequada, exposição a

doenças etc).

Nos aquários não é diferente. Chuahy afirma que “o transporte desses animais e os

métodos usados para capturá-los muitas vezes lhes causam sofrimento e morte. Só na Grã-

Bretanha, todo ano, 70% dos peixes provenientes de recifes de corais e transportados para

aquários morrem logo no primeiro ano devido ao estresse e a doenças” 94

. Além disso, estão

expostos a tratamentos incorretos, tanto de funcionários quanto de visitantes, pelos quais os

animais terminam por adoecer e se machucar, quando sobrevivem. Conta-se ainda com a

exposição constantes da iluminação excessiva e do barulho decorrentes de sua exibição.

Todos os animais confinados em aquários apresentam comportamentos anormais

decorrentes do tratamento que recebem e, contrariando as pretensões educativas destes

lugares, nenhum material ou orientação didática relevante é produzido desta experiência na

maioria dos zoológicos e aquários do mundo.

Os animais enjaulados ou que vivem em cativeiro não podem gozar de liberdade

para explorar novos ambientes, buscar alimentos, procriar naturalmente e proteger seus filhos,

brincar e procurar parceiros, sendo submetidos a ambiente controlado, geralmente 94

CHUAHY, Rafaella. Manifesto pelos direitos dos animais – Rio de Janeiro: Record, 2009, p. 81.

Page 64: Direito dos Animais - TCC

64

inapropriado às suas necessidades naturais. A expectativa de vida nestes ambientes é muito

baixa, justamente em função destas condições, o que é exemplificado pelos golfinhos que

vivem em média menos de 6 anos em cativeiro, contra cerca dos 25 possíveis no oceano, e as

baleias orcas que, no oceano, chegam a viver cerca de 70 a 100 anos, nestes espaços

raramente ultrapassam os 10 anos95

.

A existência destes espaços tem sido questionada no mundo inteiro, com atenção

também a espaços dedicados a zoológicos particulares. No Brasil as condições também são

alarmantes, com um número grande de zoológicos não licenciados que obrigou o IBAMA a

criar um programa nacional para a legalização destes lugares chamado “Zoo Legal”, e

promover o fechamento de diversos deles. Além do mais, tanto licenciados ou não, carecem

de boa administração, com falta de biólogos, veterinários e funcionários capacitados para

tratar os animais.

Recentemente (2004-2005) tivemos um terrível evento ocorrido num dos maiores

zoológicos do país, a Fundação Parque Zoológico de São Paulo (em 1994, o Guinness

Book outorgou o diploma de maior Zoológico do Brasil), onde foram vitimados 103 animais

(dentre eles um elefante) por uma suposta contaminação alimentar, e cujos responsáveis ainda

estão sendo apurados. Segundo uma reportagem da Folha de São Paulo96

, “as análises feitas

nas vísceras dos animais detectou que a maioria foi morta por envenenamento provocado por

uma substância conhecida por fluoracetato de sódio, altamente letal, presente em venenos

para ratos e proibida no país. Os bichos podem ter ingerido o veneno em meio a comida

fornecida a eles. Entre os animais mortos estavam porcos-espinhos e chimpanzés, além de

outros que figuravam na lista de espécies em extinção. (...) Entre os suspeitos estavam oito

funcionários da instituição. Investigações feitas à época davam conta que a maior parte deles

já teve envolvimento com a venda ou posse irregular de animais ou eram os que detinham as

chaves das jaulas”. Até hoje, 2011, não se tem notícia da solução deste caso, sobre o qual foi

decretado sigilo. Por quê segredo de justiça neste caso, a ponto de impedir, por exemplo, o

acompanhamento do processo pela Coordenadoria de Direito dos Animais da OAB-SP?

Mortes continuam a ocorrer no Zoológico como, por exemplo, de uma girafa de 5

anos com suspeita de timpanismo (distúrbio comum em ruminantes) e de um leão de 17 anos,

95

CHUAHY, Rafaella. op.cit., p. 84. 96

Disponível: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u493810.shtml - Acesso em 05/11/11.

Page 65: Direito dos Animais - TCC

65

resgatado de um circo, em procedimento de sedação para exames (ele sofria de problemas

renais). Note-se que ambos os males comumente são resultantes de dieta inadequada. A

reportagem G1recebeu a seguinte explicação do zoológico: “a média de óbitos de animais por

ano é considerada normal, entre 6% e 10% do acervo, o que sempre é reposto com os

nascimentos”97

. Sem comentário.

Do Zoológico de Goiânia temos o caso denunciado, em 2005, pela diretora de

Educação Ambiental do Zoo, Maria de Lourdes França Rabelo, aqui reproduzido de uma rede

de notícias (Rádio Câmara) da Câmara de Deputados98

:

O Zoológico de Goiânia não exerce controle sobre os animais que entram ou saem

de suas dependências. A denúncia é da diretora de Educação Ambiental do Zoo,

Maria de Lourdes França Rabelo.

Na sessão desta quarta-feira da CPI da Biopirataria, a diretora disse ter obtido, entre

funcionários mais antigos, informações de que o Zoo de Goiânia contava em 2001

com uma superpopulação de 11 mil animais e de que hoje o número de animais é de

cerca de mil. Segundo a diretora, não há registro da saída desses animais.

A denúncia foi encaminhada ao prefeito de Goiânia, Iris Resende, e ao Ibama, na

forma de relatório, antes de chegar às mãos da Polícia Federal, disse a depoente.

Segundo ela, o prefeito afirmou que aguardaria os primeiros resultados apresentados

pela Polícia Federal e o Ibama omitiu-se.

A diretora fez ainda outras denúncias graves envolvendo práticas cotidianas no

local. Afirmou que a maior parte dos funcionários do Zoológico de Goiânia

compactua com o esquema de desvio do plantel público de animais.

Maria de Lourdes confirmou que os animais são retirados à noite em gaiolas e que

existe relação direta entre a saída dos animais e a destinação deles ao criador de

animais silvestres e exóticos em Goiás, Noel Gonçalves Lemes, suspeito de estar

promovendo tráfico internacional de animais provenientes dos zoológicos de

Brasília e de Goiânia através de negociação via Internet.

A diretora, que afirmou ter sido ameaçada de morte e proibida de entrar nas

dependências do zoo, denunciou ainda que o filho de Noel costuma permanecer dias

inteiros no local atirando nos animais com armas tranqülizantes.

Segundo ela, em troca dos animais desviados, o Zoo teria recebido material de

construção fornecido pelo comerciante e criador de animais silvestres goiano.

Maria de Lourdes falou ainda que há crueldade praticada contra os animais. Cavalos

abandonados nas cercanias do Zoo seriam sacrificados por funcionários e sua carne

distribuída entre os animais de grande porte do zôo. Papagaios também estariam

sendo sacrificados e depenados, disse ela.

97

Disponível: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/07/girafa-morre-em-zoologico-de-sp.html - Acesso

em 05/11/11. 98

Disponível: http://www.camara.gov.br/internet/radiocamara/?selecao=MAT&Materia=24929 - Acesso em

05/11/11.

Page 66: Direito dos Animais - TCC

66

O desvio de animais do plantel do Zoo de Goiânia foi confirmado pelo diretor da

Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Ivan de Araújo Jorge. Embora o Zoo não

esteja subordinado à Secretaria, ele diz ter acompanhado o trabalho de Maria de

Lourdes.

A suposição de que exista ação criminosa organizada e ilegal entre os dois

zoológicos e o negociante de animais silvestres, manifestada pelo delegado regional

da Polícia Federal, Francisco Serra Azul, em seu depoimento do dia anterior, foi

reafirmada após os novos depoimentos, pelo deputado e membro da Comissão, Dr.

Rosinha, do PT do Paraná.

"Crime vem sendo cometido dentro de ambos os zoológicos e há retirada de animais.

Tudo indica ser ilegal e há grupo dentro dos zoológicos fazendo tráfico de animais.

No Zoológico de Brasília foram feitos atestados de óbitos falsos. Os animais estão

vivos. Portanto está se falsificando documentos. Alguns desses animais não estão

dentro do Zoo. Aí prova crime. E o depoimento de Goiânia mostra o sumiço de

animais e que há irregularidades, porque não há registro de entrada e saída desses

animais".

A audiência pública da CPI da Biopirataria foi encerrada em razão do início da

votação, em plenário. As duas testemunhas que não depuseram nesta quarta-feira - o

diretor do Jardim Zoológico de Goiânia, Fernando Silveira, e o ex-diretor, Luiz Elias

Bouhid de Camargo, serão ouvidas futuramente pela CPI.

De Brasília, Eduardo Tramarim - quarta-feira, 4 de maio de 2005

Em 2009 o Zoológico é interditado, em função de mortes inexplicáveis e

desnecessárias de animais, muitas provocadas pelas péssimas condições do local99

. Enquanto

dura a interdição, no cumprimento de uma TAC, o zoológico sofreu uma reforma. Sua

reinauguração está prevista para 2012, após ter sido adiada por três vezes. Segundo consta,

existem atualmente 480 animais100

.

O deputado federal Carlos Alberto Lereia, em 2010, fez o seguinte declaração na

tribuna da Câmara Federal: “Uma soma esdrúxula ilustra a real situação da instituição. No ano

de 2009, 70 animais morreram no Zoológico da capital goiana. Esse número é ainda maior,

pois no decorrer de 2010, já somam 29 óbitos. Nunca faleceram tantos animais como nessa

atual gestão da prefeitura. O fato é que irregularidades acontecem para a aceleração da morte

desses animais. A ausência de uma política melhor no trato dos animais é um ponto a ser

debatido e modificado. Destaco a precariedade no abrigo desses animais. O espaço físico

para comportar os animais silvestres, no qual deveriam ser espaçosos, é infinitamente inferior

ao ambiente necessário. Um lugar inadequado que propõe a angústia e o sofrimento particular

desses animais. Outra ocorrência que chamo a atenção das demais autoridades responsáveis

são as inúmeras denúncias sobre tráfico de animais silvestres dentro do zoológico de Goiânia.

99

Disponível: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u598372.shtml - Acesso em 05/11/11. 100

Disponível: http://g1.globo.com/goias/noticia/2011/10/reabertura-do-zoologico-de-goiania-e-adiada-para-

2012.html – Acesso em 05/11/11.

Page 67: Direito dos Animais - TCC

67

Situação preocupante que segue no mesmo ritmo do desaparecimento oculto nas jaulas do

recinto. Hoje no Brasil, o tráfico de animais só perde para o tráfico de armas e de drogas. O

dinheiro envolvido por ano nessa transação ilegal é enorme e deve ser combatido. Peço mais

veemência e dedicação por parte do Ministério Público de Goiás, juntamente com o Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Ministério

Público Federal para averiguar o real sentido desses animas estarem morrendo. Destaco

também o apoio da Polícia Federal para que investigue as denúncias recentes de morte e

desaparecimento de animais”101

.

O diretor do Zoológico na época das denúncias, Raphael Cupertino, ainda

continua na administração do Zoo e, segundo o jornal virtual MTGoiano, teve seu salário

aumentado recentemente em 1.000%102

pela Prefeitura de Goiânia, aumento por enquanto

suspenso por liminar.

O fato é que zoológicos, aquários e parques que exploram o entretenimento com

uso de animais, são grandes fontes de renda e nenhuma de suas atividades contribui para o

bem estar dos animais que ali estão. Cabe à população e ao Ministério Público fiscalizar e

denunciar abusos para que sejam coibidas tais irregularidades e lutar para que o Poder Público

busque e implemente alternativas que visem salvaguardar os animais e reprima fortemente os

seus exploradores.

4.4. Mercado das Almas103

: indústrias da morte

A exploração dos animais alimenta diversas indústrias, legais ou ilegais, e é a base

de um economia que gera bilhões de dólares em todo o mundo. Mas será que esta economia,

para sobreviver, precisa necessariamente sustentar-se sobre vidas inocentes? Tal economia

não se sustenta somente sobre o trabalho mal remunerado que proporciona a seus

empregados, mas também o custo diário de bilhões de vidas de aves, porcos, bois e vacas,

entre outros, sem contar as espécies marinhas. Além disso, representa um custo ambiental

profundo e compromete a saúde pública.

101

Disponível: http://carlosalbertolereia.com.br/zoologico-de-goiania-e-uma-vergonha-para-a-populacao/ -

Acesso em 05/11/11. 102

Disponível: http://www.matogrossogoiano.com.br/site/politica/ultimas-noticias/goias/3420-zebra-no-paco-

prefeito-eleva-salario-do-diretor-do-zoo-em-1000 - Acesso em 05/11/11. 103

Inspirado em artigo de Laerte Fernando Levai, Sobre o Mercadão das Almas, já citado.

Page 68: Direito dos Animais - TCC

68

4.4.1 Fazendas-fábricas e o projeto da autofagia planetária

A questão relativa aos animais dedicados ao abate para o suprimento de

alimentação humana resvala na indagação sobre a necessidade de o ser humano precisar

alimentar-se de carne animal e, ainda, no impacto que esta dieta representa sobre o meio

ambiente.

Montagu explica que “os macacos antropóides são herbívoros, o que quer dizer

que se alimentam de vegetais, e possuem os longos intestinos de todos os herbívoros. O

homem também. O homem herdou o tubo gastrointestinal herbívoro, mas é onívoro em toda

parte...”104

. Assim, a rigor, não haveria motivos fisiológicos para precisarmos comer carne.

Além do mais, é fato que existem culturas eminentemente vegetarianas que construíram

sociedades tão desenvolvidas quanto qualquer outra, provando que a alimentação carnívora

não é uma necessidade. Os fatores que levaram à alimentação carnívora, hoje não existem

mais, e a tecnologia da agricultura desenvolveu-se de forma a podermos prescindir desta

prática.

As condições em que são criados os animais de quem nos alimentamos (aves,

mamíferos e peixes) geralmente são inconvenientes e perigosas tanto para eles quanto para

nós. Confinados em unidades superlotadas, ferindo-se a si próprios, obrigados a existirem

sobre seus excrementos, sem sol, água e alimentação adequados, os animais terminam por

desenvolver, entre outras coisas, doenças que muitas vezes completam seus ciclos dentro de

nossos corpos. Assim a contaminação dos animais, seja pela alimentação cheia de

componentes químicos (hormônios, pesticidas e outras toxinas para o crescimento acelerado,

para evitar doenças, para aumentar a produtividade etc), seja pelas doenças inevitáveis que

desenvolvem pelas condições físicas em que vivem, acaba por nos atingir. Até suas rações são

produzidas com restos de outros animais, levando “um animal vegetariano a tornar-se

carnívoro”, por exemplo, acrescentam riscos indiretos para os humanos105

. Afinal, a máxima

104

MONTAGU, A. op.cit., p. 148. 105

“...há mais de 20 anos, principalmente nos Estados Unidos e Canadá, as vacas são alimentadas com „rações de

proteínas‟, feitas com vísceras, sangue e carne de outros animais, como outras vacas e ovelhas [...] Ainda hoje, é

considerado legal no país que a ração de animais de abate contenha: pedaços de outros animais incluindo

estrume seco, restos de comida de restaurantes e padarias, sangue e pus animais, comida contaminada com

extrato de baratas, de pássaros e de ratos desde que tenham sido tratados para destruir organismos patogênicos,

antibióticos em dosagens baixas, hormônios, herbicidas, metais pesados, arsênicos e outras toxinas.” In O perigo

de comer carne animal. In CHUAHY, Rafaella. op.cit., p. 148-149 e 162.

Page 69: Direito dos Animais - TCC

69

“somos o que comemos” é verdadeira. Exemplos como das gripes suína e aviária e a doença

da vaca louca são conseqüências destes procedimentos e que atingem os seres humanos.

Além do mais, de acordo com os dados colhidos por Chuahy106

, devido ao

aumento do consumo de carne e laticínios decorrente da Revolução Industrial, “a degradação

de áreas agrícolas, o desmatamento, a redução das fontes de água potável disponíveis e a

pesca excessiva” têm assinalado um futuro pouco alentador para a humanidade. “Hoje, 22

bilhões de bois, vacas, porcos, galinhas e perus são criados em fazendas para alimentar 6

bilhões de seres humanos107

. Estima-se que a demanda por cereais e grãos necessários para

alimentar o gado e os frangos terá aumentado em 40% entre os anos 1990 e 2020. Não há

água suficiente para a produção... No ano 2025, 40% das 2,7 toneladas de cereais produzidos

no mundo serão utilizadas para alimentar animais de abate, não seres humanos”108

. Estamos

assim caminhando, conclui Chuahy, para um “esgotamento do capital natural da Terra”.

Os dejetos animais emitem 80 milhões de toneladas de gás metano por ano,

elevando o efeito estufa, e os abatedouros drenam enormes quantidades de água e poluem

rios, agravando os riscos de um desastre ambiental num planeta que possui uma quantidade

fixa de água. Esta renova-se muito lentamente e não tem capacidade de fazer frente aos

interesses econômicos em sua sanha por lucro. “A dieta americana, rica em carne, gasta em

média 5,4 metros cúbicos de água por dia, pelo menos o dobro de uma dieta vegetariana, que

é tão ou mais nutritiva”, indica Chuahy, reproduzindo pesquisa divulgada pela Inter Press

Service 109

.

Os efeitos do abuso econômico sobre o planeta e a relação com a pecuária

industrial são perceptíveis no exemplo da Amazônia, onde parte significativa de sua área tem

sido destruída pela pecuária, maior responsável de seu desmatamento110

. Segundo a WWF,

“em 50 anos a região se transformará em uma grande plantação de soja e em pasto destinado

ao gado bovino, ou até em um deserto”.111

106

CHUAHY, Rafaella. op. cit., p. 165-180. 107

Atualmente celebramos 7 bilhões de habitantes no planeta. Disponível: http://noticias.uol.com.br/ultimas-

noticias/efe/2011/10/31/onu-celebra-7-bilhoes-de-pessoas-no-mundo-e-alerta-suas-contradicoes.jhtm. Acesso em

19/11/11. 108

CHUAHY, Rafaella, op. cit., p. 166-167. 109

MEKAY, Emad, correspondente da IPS, Apud CHUAHY, Rafaella, op. cit, p. 168. 110

“a pecuária é responsável por cerca de 80% de todo o território desmatado na região”, CHUAHY, Rafaella,

op.cit, p. 174. 111

ARIAS, Juan, “A destruição da selva. A Amazônia da discórdia”, Apud CHUAHY, Rafaella, op.cit, p. 175.

Page 70: Direito dos Animais - TCC

70

Quando Peter Singer iniciou o debate sobre a libertação animal na década de

1970, dedicou um capítulo inteiro sobre a alimentação humana e sua origem, o quanto isto

representa no mercado agropecuário e o quanto desta relação revela-se uma equação mortal

para todos os seres vivos envolvidos112

. Singer descreve pormenorizadamente as condições de

criação dos animais do que ele chamou de fazendas-fábricas, dadas as características de linha

de produção empregada no trato com os animais, como, por exemplo, o processo de

debicagem de aves (corte dos bicos para que não se firam em confinamento superpopuloso),

causador de mais traumas físicos e exposição a doenças. São verdadeiras unidades de criação

intensiva, em condições precárias, chegando a aglomerações em cada uma com números

superiores a milhões. Aos porcos, vitelos, vacas leiteiras e gado de corte, o tratamento não é

menos cruel. Uma agência ambiental americana, por exemplo, lançou em 2004 um alerta nos

EUA sobre os riscos de, anualmente, cerca de 600 mil crianças americanas serem expostas ao

risco de nascerem com deformações e desenvolver problemas neurológicos sérios pelo fato de

suas mães terem ingerido peixes contaminados com mercúrio113

. A indústria tem se

preocupado em produzir mais a fim de obter o maior lucro, pouco preocupada com as

condições e conseqüências do que faz, portanto ignorando qualquer escrúpulo de natureza

ética.

Além dos procedimentos cruéis a que são submetidos, o transporte dos animais

para abate114

também é outra forma de tortura, pois não há qualquer preocupação com as

condições físicas dos animais, desde que não alterem a margem de lucro por quilo.

Geralmente os que chegam vivos ao seu destino estão semi-mortos, cheios de lesões sérias e

desesperados. Tais condições propiciam profundo sofrimento para estes animais, mas também

grandes riscos à saúde humana115

. Atualmente, estima-se que o número de animais mortos

para tornarem-se alimento, sem incluir animais marinhos, chega a 50 bilhões por ano. Todos

tratados de forma a maximizarem os lucros das corporações, e, por isso, padecendo das piores

torturas possíveis.

112

SINGER, Peter. Visita a um criador industrial in Libertação Animal. São Paulo: Editora WMF Martins

Fontes, 2010, p. 139-231. 113

CHUAHY, Rafaella. op.cit, p. 150. 114

Veja Transporte de bovinos vivos para o abate - rota Brasil Líbano - (vídeos 1 e 2) no YouTube. – Acesso em

19/11/11. 115

Disponível: http://enextranet.animalwelfareonline.org/.../resources_Farmed%20Animals...– Acesso em

19/11/11.

Page 71: Direito dos Animais - TCC

71

Embora Singer discuta favoravelmente sobre formas de abate “humanitário”,

desfiando as vantagens da criação hoje chamada “orgânica”, o fato é que as razões para a

continuidade da alimentação carnívora não têm como sustentar-se e, para além disso, a

alternativa vegetariana mostra-se como a única alternativa que resta para a sustentabilidade

planetária, para o nosso próprio bem e dos animais.

Sobre animais projetados (e patenteados) por seres humanos (iniciado nos EUA

em 1968), Singer assinala que “a engenharia genética, revolucionária em um sentido, em

outro é apenas mais uma forma de curvar os animais ante nossos propósitos”116

, ressaltando

que a manipulação genética não tem sido uma possibilidade real, considerando os custos

sobre a saúde dos animais e dos humanos. A engenharia genética, especialmente no que diz

respeito aos animais e às plantas, tem efetivamente se assemelhado àqueles parques de

horrores, deixando-nos em dúvida sobre a validade de empregar-se tanto capital em suas

pesquisas. Desde as suas formas mais simples representadas pela proliferação de raças de

vários animais, principalmente cães, geralmente portadores de sérias deficiências, até as

elaboradas em grandes laboratórios, produzindo clones de ovelhas, gatos fluorescentes e ratos

transgênicos, e plantas modificadas, como os alimentos transgênicos117

e os biopesticidas que

têm comprometido o meio ambiente e a cadeia viva da natureza, mostra-se um campo de

exercícios macabro pautado em justificativas pouco convincentes.

Infelizmente não temos espaço para o aprofundamento destes e outros temas tão

sensíveis ao objeto deste pequeno estudo. Cada um deles mereceria um estudo próprio para

que todos os aspectos fossem abordados. Não é trabalho que está ao meu alcance, no

momento. Resta apenas dizer que buscou-se abordar os temas mais evidentes e exemplares do

descaso com que tratamos os animais, temas que devem estar na nossa pauta de

responsabilidade com a vida em sua mais ampla acepção. Há outros temas, sem dúvida tão

importantes – o tráfico de animais, o comércio de peles, a caça ilegal, a biopirataria etc - e que

só podem ser aqui referidos como sugestão para futura pesquisa pessoal, minha e dos leitores,

a fim de ampliar a visão crítica deste universo e realizar nele os caminhos que a inteligência

apontar.

116

SINGER, Peter. Libertação Animal – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 231. 117

Disponível: http://www.mda.gov.br/portal/nead/arquivos/view/.../arquivo_251.doc - Acesso em 18/11/11.

Page 72: Direito dos Animais - TCC

72

CAPÍTULO 3

1. Considerações sobre o status jurídico dos animais

Recentemente118 um tribunal judaico ultraortodoxo de Jerusalém pretendeu

condenar um cão à morte por apedrejamento, por entender que ele seria a reencarnação de um

advogado que teria insultado os juízes daquele tribunal. O cão conseguiu escapar, felizmente.

Consta que na Idade Média era comum o julgamento e condenação de animais por

infrações e crimes supostamente cometidos intencionalmente por eles. “O júri era igual ao

aplicado aos humanos – e até a advogados os animais tinham direito. A interpretação da

criminalidade animal provavelmente vinha das crenças judaico-cristãs. Em uma passagem

bíblica, a morte por apedrejamento é citada: „E se algum boi escornear homem ou mulher, que

morra, o boi será apedrejado certamente, e a sua carne se não comerá; mas o dono do boi será

absolvido‟ (Êxodo, capítulo 21, versículo 28)”119

. Segundo Kathryn Shevelow, “os crimes

eram geralmente homicídio ou crimes sexuais, como de humanos que fazem sexo com

animais. Nessa época, os homens consideravam os animais moralmente responsáveis por seus

atos”120

.

De acordo com João Luís Gonçalves, Procurador da República de Portugal e

colaborador da imprensa, o julgamento de animais ainda vigorava em diversos sistemas

jurídicos até o início do século XX, “inclusive no Direito Romano (Lei das XII Tábuas e no

Digesto), e até na própria Bíblia...”121

. Ele acrescenta que os animais tanto podiam ser

condenados como absolvidos, havendo inclusive admissão de seus testemunhos, a avaliação

de seus antecedentes criminais, o direito de apresentar provas e testemunhos abonatórios etc.

Parece evidente que estas comunidades, do passado e do presente, buscam adaptar

a realidade às suas crenças particulares, imersas na sombra do que lhes é possível perceber

como verdadeiro. Cada um de nós também possui a percepção marcada por uma arquitetura

118

Disponível: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/06/110618_israel_tribunal_cachorro_rp. shtml?

print=1 – Acesso em 22/07/11. 119

Disponível: http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/ANIMAIS+ERAM+JULGADOS+E+ATE+EXECUTA

DOS +NA+IDADE+MEDIA.html – Acesso em 22/07/11. 120

Idem. 121

Disponível: http://www.dnoticias.pt/impressa/diario/opiniao/255808-julgamento-de-animais - Acesso em

02/04/11.

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ideológica particular, que geralmente entendemos como a única verdadeira. O preconceito

nasce desta certeza. E como todo preconceito é sedimentado pela presunção, é difícil não

suspeitar de suas razões e lógica. Calcados nele é que muitos críticos do direito dos animais

entendem que se pretenda identificar os animais com os seres humanos.

Este entendimento tem raízes no temor de que haja uma ruptura no pensamento

clássico sobre as relações entre o sujeito e as coisas. Esta tradição compreende a idéia de que

no mundo as coisas e os seres humanos são coisas dissociadas, sendo as primeiras

subordinadas a estes últimos, pois estes possuem o atributo da razão. Assim, o raciocínio

antigo dividiu o mundo entre o bem (atribuído à figura humana) e o mal (todo o resto, que

ganha significado apenas pela sua utilidade ao homem, que sobre ele pode dispor livremente,

incluídos os animais, pois não compartilham daquele atributo). Tudo o que é bom é aquilo

que é engendrado pelo homem e o mundo é apenas matéria-prima para a sua inteligência.

De fato, a capacidade de trabalho, inspirada pela razão e a necessidade de

sobreviver ao ambiente com tão poucos atributos naturais de defesa, foi o que diferenciou o

ser humano das outras criaturas, melhor adaptadas ao meio. Esta capacidade de transformar a

Natureza, adaptando-a às suas necessidades (ao contrário dos outros seres que se adaptaram a

ela), conferiu ao ser humano o privilégio de tornar-se “um ser histórico; isto porque cada

geração recebe condições de vida e as transmite a gerações futuras, sempre modificadas –

para pior ou para melhor”122

. Assim, tal trajetória foi condicionada pelas formas como o

trabalho se produzia e se reproduzia. Em virtude deste processo, o ser humano apartou-se da

Natureza ao refletir sobre a realidade, que lhe parecia fruto de sua superioridade e,

eventualmente, sua ligação com o divino. Esta visão sobre seu papel no mundo, é que lhe

imprimiu esta particular compreensão de estar acima ou no domínio da dinâmica da vida, e

vem servindo de justificativa para a sua relação com a Natureza.

A interpretação materialista da história desenvolvida por Marx superou esta

dicotomia sujeito-objeto ou homem-mundo, identificando que o esforço inconsciente

(trabalho alienante) do homem para operar no mundo o torna escravo das condições materiais

que lhe permitem a existência. Aqueles dentre eles que detêm o domínio destas condições

(meios de produção) assumem o poder sobre os outros e para se manterem nesta posição

devem reproduzir as condições que a permitem. Desta forma, são levados a construir um 122

SADER, Emir. In Apresentação in MARX, Karl. A ideologia alemã – São Paulo: Boitempo, 2007, p. 14.

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74

arcabouço conceitual que justifique este poder sobre os outros, de modo que eles aceitem a

exploração a que são submetidos como naturais e não ameacem os padrões estabelecidos. Este

arcabouço ideológico dá, através das instituições sociais, sustentação moral ao domínio sobre

as forças produtivas, sobre o restante dos homens e sobre toda a Natureza. No corpo deste

ideário, a Natureza e tudo que nela existe constitui valor econômico e é considerado coisa,

matéria-prima, fonte de riqueza, e, por isso, a base dos meios de produção.

Desta forma, o que se pode deduzir é que o temor de uma dilação dos direitos

humanos para os animais não-humanos tem raiz na convicção ideológica tradicional de que

(1) o ser humano é superior ao tudo o que existe no mundo, (2) o mundo é propriedade do ser

humano, que pode possuí-lo, gozá-lo e dele dispor livremente, e (3) os animais compõem a

relação de coisas com valor econômico que podem e devem ser exploradas.

Assim, o preconceito decorrente destas equivocadas certezas, tidas como

verdades, é fruto de uma ideologia fundamentada na crença de que é natural, e portanto

legítimo, o ser humano explorar ilimitadamente tudo o que o rodeia, e a repulsa a conferir

direitos aos animais do temor de que esta verdade seja arruinada, pois, uma rompidas as

clássicas relações de poder e a estrutura que a sustenta, abala-se o status quo de quem é

beneficiado por elas. Concluindo, as críticas contra o direito dos animais fundam-se no receio

da mudança das relações de poder e do status humano como único sujeito de direito.

Mas quais são os aspectos levados em conta na questão dos direitos dos animais?

Tais questões são definitivamente apontadas como matéria para reflexão a partir

de Peter Singer na sua já citada obra, “Libertação Animal”, e aprofundada em “Ética Prática”.

Nesta última obra, Singer consegue relacionar as principais objeções feitas pelos opositores

dos movimentos em prol dos animais e tenta responder a elas com uma lógica bastante sólida,

concluindo que, “para mim, comparar um ser humano a um animal não equivale a dizer que o

ser humano deve ser tratado com menos consideração, mas que o animal deve ser tratado com

mais...” 123

.

É nesta vereda que se inscreve o Caso Suíça, que aqui tentaremos resumir. A

chimpanzé Suíça, após a perda de seu companheiro de jaula no Zoológico de Salvador, na 123

SINGER, Peter. Ética prática. 3ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 365.

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Bahia, apresentou sinais de stress e depressão graves, e, após constatação em relatório de

vistoria de que suas condições físicas e mentais eram agravadas também pelas más condições

do local do seu confinamento, o Ministério Público tomou a iniciativa de buscar sua

transferência para um santuário no interior de São Paulo, para que lá pudesse conviver com

um grupo de sua espécie, em local amplo e aberto, restabelecendo sua sanidade, e impetrou

um pedido de Habeas Corpus124

para a sua liberação, num ato pioneiro no Brasil.

Impetrado sob a liderança do Promotor de Justiça do Meio Ambiente e Professor

da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Católica de

Salvador, Heron José de Santana, doutor em Direito Animal, o HC fundamenta-se em larga e

profunda argumentação de ordem ético-filosófica e científica, apresentando o pensamento de

muitos juristas sobre a questão, inclusive o de Kelsen, que “não considerava nenhum absurdo

que os animais fossem considerados sujeitos de direito, pois para ele a relação jurídica não se

dá entre o sujeito do dever e o sujeito de direito, mas entre o próprio dever jurídico e o direito

reflexo que lhe corresponde. Para o mestre de Viena, o direito subjetivo nada mais é do que o

reflexo de um dever jurídico, uma vez que a relação jurídica é uma relação entre normas, ou

seja, entre uma norma que obriga o devedor e outra que faculta ao titular do direito exigi-

lo”125

.

Assim a relação jurídica se estabelece em torno do bem jurídico protegido, seja

ele coisa ou ser, e na obrigação normativa que ela gera. Isto é o que permite a prerrogativa de

direito a entidades não humanas como as empresas, por exemplo. Santana lembra o

constitucionalista americano Laurence Tribe, para quem “os argumentos que normalmente são

utilizados para negar o reconhecimento dos direitos dos animais não-humanos não passam de

mitos, já que há muito tempo o Direito desenvolveu a teoria da pessoa jurídica, permitindo

que mesmo seres inanimados possam ser sujeitos de direito”126

, acrescentando que, segundo

Brinz e Bekker, a construção técnica de “pessoa jurídica” é desnecessária, “uma vez que o

fenômeno podia muito bem ser explicado pela teoria dos direitos sem sujeito”127

. Ensina

Santana, que “a teoria da pessoa jurídica não é uma criação arbitrária do Estado, mas um fato

real reconhecido pelo Direito, através do processo técnico da personificação”, segundo o qual

124

HABEAS CORPUS N. 833085-3/2005, in Revista Brasileira de Direito Animal. – Vol. 1, n. 1 (jan. 2006) –

Salvador: Instituto de Abolicionismo Animal, 2006, p. 261-280. 125

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito; 1987, p.180, apud HC n.833085-3/2005, op.cit., p. 267. 126

TRIBE, Laurence. Ten Lessons our Constitutional Experience… In Animal Law Review, 2001, p.3, apud HC

n.833085-3/2005, op.cit., p. 273. 127

Idem. Ibidem, p. 164, apud HC n. 833085-3/2005, op.cit., p. 273.

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76

“para que um ente venha a ter personalidade é preciso apenas que incida sobre ele uma norma

jurídica outorgando-lhe status jurídico”128

, para, em consequência, ser titular de direitos como

o do devido processo legal, o direito à igualdade, direito de ação, da participação em contratos

etc.

No entanto, frente à idéia de que o direito é constituído em razão do homem, a

questão dos conceitos de pessoa e de personalidade esbarra em algumas considerações. Pela

doutrina tradicional, a personalidade “exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e

contrair obrigações”129

, sendo pessoa “o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e

obrigações”130

. Neste sentido, segue a compreensão de Goffredo Telles Jr., para quem “a

personalidade não é um direito... é objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa”131

, isto é, a

personalidade é aquilo que atribui o direito à pessoa através da norma. Então é a norma que

empresta personalidade à pessoa. É o que confirma Kelsen, para quem pessoa “não é... um

indivíduo ou uma comunidade de pessoas, mas a unidade personificada das normas jurídicas

que lhe impõem deveres e lhe conferem direitos”132

. Lembra José Cretella Junior que “pessoa

é noção eminentemente jurídica, que não se confunde com homem”133

.

No que diz respeito anda à palavra “pessoa”, Maria Helena Diniz, com base em

Washington de Barros Monteiro, explica suas variadas acepções no curso da história e

distingue três significados fundamentais:

“a) a vulgar, em que a pessoa seria sinônimo de ser humano, porém não se pode

tomar com precisão tal assertiva, ante a existência de instituições que têm direitos e

deveres, sendo, por isso, consideradas como pessoas e devido ao fato de que já

existiram seres humanos que não eram considerados pessoas, como os escravos; b) a

filosófica, segundo a qual a pessoa é o ente, dotado de razão, que realiza um fim

moral e exerce seus atos de modo consciente; c) a jurídica, que considera como

pessoa todo ente físico ou moral, suscetível de direitos e obrigações. É nesse sentido

que pessoa é sinônimo de sujeito de direito ou sujeito da relação jurídica.”134

128

MACIEL, Fernando Antonio B. Capacidade e Entes não Personificados. 2001, p. 42, apud HC n. 833085-

3/2005, op.cit., 273. 129

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 1º volume: teoria geral do direito civil – 24 ed. – São

Paulo: Saraiva, 2007, p. 114. 130

DINIZ, Maria Helena, op.cit., p. 113. 131

DINIZ, Maria Helena, Id., p. 118. 132

DINIZ, Maria Helena, Ibid., p. 114. 133

CRETELLA JUNIOR, José in Curso de Direito Romano apud HC n.833085-3/2005, op.cit., p. 272. 134

DINIZ, Maria Helena, op.cit., p. 113.

Page 77: Direito dos Animais - TCC

77

Diniz acrescenta Rosa Nery para esclarecer “que a pessoa deve, para individuar-se

como sujeito de direito, apresentar: capacidade, status, fama, nome e domicílio”135

, que, na

leitura que se segue, são chamados direitos da personalidade ou “os direitos subjetivos da

pessoa de defender o que lhe é próprio [...] direitos subjetivos „excludendi alios‟, ou seja,

direitos de exigir um comportamento negativo dos outros, protegendo um bem inato, valendo-

se de ação judicial”136

.

Dentre os direitos de personalidade estão a integridade física (direito à vida e

direito ao corpo vivo), a integridade intelectual (liberdade de pensamento, direito de autoria e

invenção etc) e a integridade moral (liberdade, segurança, honra, habitação, identidade etc),

ou seja, tudo aquilo que permita a individuação do sujeito de direito. Não há, seguindo o

raciocínio e a referência etimológica dos termos, qualquer indicação de que, mesmo

inspirados pelos interesses humanos, tais direitos devam restringirem-se à humanidade e não

possam ser extensíveis, por analogia, a outros animais, especialmente aqueles que partilham

com os humanos características comuns ou similares, os chamados “indicadores de

humanidade” (uma inevitável comparação antropocêntrica) que reconhecemos na maioria dos

animais como “inteligência mínima, auto-consciência, auto-controle, noção de tempo, passado

e futuro, capacidade de se relacionar e de se preocupar com os outros, comunicabilidade,

controle da existência, curiosidade, mudança e mutabilidade, equilíbrio entre racionalidade e

sentimento, idiossincrasias e funcionamento neocortical”137

. A observação científica tem

provado frequentemente que seres como os grandes primatas, os golfinhos, as orcas, os

elefantes e animais domésticos, entre outros, partilham conosco tais atributos.

Ora, considerando que os termos “personalidade” e “pessoa” já foram aqui

delimitados, não há por que os animais, como titulares do direito de proteção a partir do inciso

VII do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, não mereçam ter defendidos seus direitos

de personalidade, visto possuírem, pelo menos, reconhecidamente o direito à integridade

física e moral.

O fato de o inciso LXVIII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 dispor que

o habeas corpus deva ser concedido a “alguém” que sofrer ou for ameaçado de sofrer

135

DINIZ, Maria Helena, op.cit., p. 113. 136

DINIZ, Maria Helena, Id., p. 118. 137

FLETCHER, J. Humanness apud HC n.833085-3/2005, op.cit., p. 274.

Page 78: Direito dos Animais - TCC

78

violência138

, não impõe a interpretação vulgar de que “alguém” se refira especificamente a

“pessoa humana”, vez que “alguém” vem de “aliquem”, acusativo masculino de “aliquis”,

significando literalmente “quem ou o que é o outro”, isto é, ser ou coisa, opostos e diferentes

de mim, cabendo perfeitamente ao animal não-humano139

.

Na esteira da interpretação lingüística, Santana lembra que “o artigo 2ª do novo

Código Civil substituiu a palavra “homem” por “pessoa” ao indicar o início da personalidade

civil, demonstrando claramente que pessoa natural e ser humano são conceitos independentes,

uma vez que existem seres humanos (anencéfalos, morto cerebral e feto decorrente de

estupro) que não são vistos juridicamente como pessoas”140

. Porém, dado que “a própria

expressão „ser humano‟ costuma ser utilizada em sentidos que nem sempre se harmonizam e,

se num primeiro momento, ela se refere ao conjunto dos integrantes da espécie Homo sapiens,

outras vezes ela exige „indicadores de humanidade‟, como a consciência de si, autocontrole,

senso de passado e futuro, capacidade de se relacionar, se preocupar e se comunicar com os

outros e curiosidade, o que poderia excluir os portadores de deficiência mental ou intelectual

grave e irreversível, como a idiotia, a imbecilidade, a oligofrenia grave v.g”141

.

Desta forma, legitima-se o uso do habeas corpus na defesa dos interesses da

chimpanzé, como obrigação jurídica por “se tratar de um direito outorgado em proveito de

outras pessoas, como no caso dos incapazes”142

. Com efeito, argumenta ainda o Promotor

baiano que, como “o direito subjetivo implica sempre uma vantagem para o beneficiário, que

tem a prerrogativa de exigir em juízo, por si próprio ou através de representação, o

cumprimento dos deveres que lhes são correlatos”, com base em argumento científico

evolucionista que estabeleceu um novo modelo taxonômico que comprova o parentesco entre

os grandes primatas e o ser humano (pertencem à mesma família dos hominídeos143

), torna-se

plausível “a concessão imediata de direitos fundamentais aos grandes primatas, tais como o

direito à vida, à liberdade individual e à integridade física, pondo fim a toda sorte de

138

BRASIL. Constituição de 1988. Legislação de Direito Ambiental (obra coletiva da Editora Saraiva). 2ed. –

São Paulo: Saraiva, 2009. 139

Disponível: http://en.wiktionary.org/wiki/aliquis - Acesso em 25/11/11. 140

“Ainda hoje, muitos povos desconhecem o conceito de ser humano como uma categoria geral, e acreditam

que os membros de outras tribos pertencem a uma espécie distinta” in HC n. 833085-3/2005, op. cit., p. 265 e

275. 141

HC n. 833085-3/2005, op. cit., p. 272. 142

HC n. 833085-3/2005, op. cit., p. 277. 143

Mammals Species of the World, do Smithsonian Institute, apud HC n.833085-3/2005, op.cit, p.

Page 79: Direito dos Animais - TCC

79

aprisionamento em zoológicos, circos, fazendas ou laboratórios científicos, outorgando-lhes

uma capacidade jurídica semelhante a que concedemos aos recém nascidos ou deficientes”144

.

Assim a solução nos conflitos que envolvam a integridade dos animais, proposta

na petição, encontra-se na paridade com as regras referentes aos humanos incapazes145

,

constituindo-se como sujeitos de direito com capacidade jurídica sui generis146

, dependendo,

como aqueles, da devida assistência ou representação, lembrando que a incapacidade de

exercer direitos (capacidade de fato) não significa que se seja incapaz de ser sujeito de

relações jurídicas147

.

O Juiz de Direito Edmundo Lúcio da Cruz, que proferiu a sentença sobre o

Habeas Corpus impetrado a favor de Suíça, observou que admitiu o enfrentamento da ação,

apesar ter conhecimento de caso parecido em favor de um pássaro aprisionado ter sido

indeferido pelo Ministro-Relator Djaci Falcao do STF148

, inspirado na exortação de Vicente

Rao, em sua obra “O Direito e a Vida dos Direitos”:

Os juristas não devem visar aplausos demagógicos, de que não precisam. Devem, ao

contrário, firmar corajosamente, os verdadeiros princípios científicos e filosóficos

do Direito, proclamá-los alto e bom som, fazê-los vingar dentro do tumulto

legislativo das fases de transformações ditadas pelas contingências sociais, deles

extraindo as regras disciplinadoras das novas necessidades, sem sacrifício da

liberdade, da dignidade, da personalidade do ser humano.149

Lamentavelmente, enquanto aguardava a resposta da autoridade impetrada

coatora, a Diretoria de Biodiversidade da SEMARH, responsável pelo zoológico onde se

encontrava Suíça, teve, através desta mesma autoridade, a notícia de que Suíça “veio a óbito

no interior do Jardim Zoológico de Salvador, esclarecendo o comunicante, que o fato

144

HC n. 833085-3/2005, op. cit., p. 270. 145

Na legislação brasileira são absolutamente incapazes de exercer diretamente os atos da vida civil os menores

de 16 anos, os deficientes mentais e aqueles que não poderem exprimir a sua vontade (art. 3º do CC), e

relativamente incapazes os maiores de 16 e menores de 18 anos, os ébrios, adictos, alguns tipos de deficientes

mentais e os pródigos (art.4º do CC). 146

Referência a L’animale quale soggeto do diritto, de Cesare Goretti, de 1928, citado na Tese apresentada e

aprovada no 11º Congresso de Meio Ambiente do Ministério Público do Estado de São Paulo, em São Roque,

em 28/10/07. Disponível: http://www.pensataanimal.net/index.php?......promotoria-de-defesa-animal&catid

=46:laertelevai.... – Acesso em 18/10/11. 147

O sujeito do direito não necessariamente precisa ser o sujeito do processo: “Para Laurence Tribe, as situações

atípicas demonstram claramente que a objeção de que os animais não podem ser sujeitos de direitos, por não

poderem ser submetidos a deveres, é inconsistente, uma vez que isto já ocorre com os nascituros, as crianças e os

deficientes mentais“, in HC n. 833085-3/2005, op.cit., p. 279. 148

“Animal não pode integrar uma relação jurídica, na qualidade de sujeito de direito, podendo ser apenas objeto

de direito, atuando como coisa ou bem” (STF RHC – 63/399) in HC n. 833085-3/2005, op.cit., p. 282. 149

HC n. 833085-3/2005, op.cit., p. 283.

Page 80: Direito dos Animais - TCC

80

lamentável se deu „apesar de todos os esforços olvidados e mesmo diante dos cuidados

sempre existentes com a chimpanzé‟”150

. Atendendo o artigo 659 do Código de Processo

Penal (“se o Juiz ou Tribunal verificar que já cessou a violência ou coação ilegal, julgará

prejudicado o pedido”), decretou a extinção do processo, sem julgamento do mérito, dado o

perecimento do objeto, isto é, a coação ilegal da sua liberdade de locomoção.

Em artigo posterior ao encerramento do caso, o Dr. Heron José Santa Gordilho151

declara que:

Em sentença publicada no Diário do Poder Judiciário de 5 de outubro de 2005 (data

comemorada como o dia mundial dos animais) o Juiz Edmundo Lúcio da Cruz, da

9a Vara Criminal do TJ/BA, julgou o Habeas Corpus nº 833085-3/2005, abrindo um

precedente histórico para o mundo jurídico, ao admitir uma chimpanzé como sujeito

de direito em uma demanda judicial.[...] Com efeito, antes de receber a petição o juiz

teve de decidir se a chimpanzé Suíça podia ou não ser titular do direito a liberdade

de locomoção, se o seu juízo era competente para julgar o feito e se os impetrantes

tinham capacidade processual e postulatória para ingressar com o writ. [...] Na

sentença, o próprio juiz admite que poderia ter extinguido o feito, ab initio litis,

julgado inepta a petição inicial, por impossibilidade jurídica do pedido ou por falta

de interesse de agir, face de uma suposta inadequação do instrumento processual.

É importante destacar que o processo, apesar de interrompido, não pode ser

considerado inválido, mesmo porque, na fundamentação da sentença, o juiz deixou

claro que o writ preenchia todas as condições da ação, ou seja, que a tutela

jurisdicional pleiteada era suscetível de apreciação, que as partes eram legítimas e

que a via processual do Habeas Corpus era um instrumento necessário e adequado e,

portanto, poderia ensejar um resultado satisfatório para a paciente.

Ainda que a chimpanzé Suíça não houvesse falecido, e o juiz indeferisse o writ,

considerando, por exemplo, que o santuário para o qual se pretendia transportar

Suíça não oferecia melhores condições do que a jaula do zoológico de Salvador, o

feito já havia se tornado inédito, pois o importante neste julgamento foi o

reconhecimento de um animal não humano como titular do direito de reivindicar

seus direitos em juízo. [...] Em suma, as leis ambientais e a própria Constituição

Federal reconhecem que os animais são seres sensíveis que podem ser prejudicados

diretamente, razão pela qual proíbem as práticas que os submetam a crueldade, e

ninguém pode negar que a finalidade preliminar dessas normas é proteger a vida, a

liberdade e integridade física dos animais.

A história está do nosso lado, com a possibilidade do Brasil se tornar uma referência

mundial positiva em um dos mais importantes debates éticos da atualidade: a

inclusão dos animais em nossa esfera de consideração moral. Alguns países da

Comunidade Européia como a Espanha, Alemanha e a Suíça tem dado alguns

passos nessa direção.

Não obstante, o principal fundamento para a impetração de Habeas Corpus em favor

de chimpanzés ainda se encontra dentro do paradigma antropocêntrico, nada mais

sendo do que o alargamento do nosso circulo de consideração moral com a extensão

de direitos humanos para esses hominídeos.

150

HC n. 833085-3/2005, op.cit., p. 284. 151

Disponível: http://www.nipeda.direito.ufba.br/noticias.php?noticia=6 – Acesso em 28/11/11.

Page 81: Direito dos Animais - TCC

81

Um passo como esse, que terá o condão de destruir as bases do preconceito secular

especista deverá incentivar ainda mais o uso do litígio judicial nas campanhas

abolicionistas, pois o verdadeiro refinamento moral da humanidade, o

esclarecimento, em uma palavra, o humanismo, somente se realizará por completo

quando o homem entender que ele pode ter uma vida ética plena prescindindo de

todo e qualquer violência contra os animais.

Para finalizar, destacam-se as impressões de Adede y Castro: “a dogmática

jurídica indica que somente o homem pode ser sujeito de direitos, mas que esta lógica se

inverte quando falamos de direito ambiental, que aceita a idéia de que o homem é mero

representante dos animais, em juízo, como acontece com as pessoas jurídicas. Assim, o direito

dos animais, em termos de processo, administrativo ou judicial, é beneficiado pelas mesmas

garantias asseguradas aos homens. Mesmo que entendesse que o homem, ao ingressar com

um pedido ou uma ação, estivesse representando seu próprio interesse, obrigatoriamente, teria

o órgão para o qual requer, de assegurar o contraditório, a ampla defesa e o devido processo

legal”152

.

Estas são algumas das considerações apresentadas à questão da situação jurídica

dos animais e que, mesmo acompanhadas de outras reflexões ético-filosóficas e de direito,

além de fatos científicos, ainda não conseguiram obter um reconhecimento expressivo no

universo jurídico. Ainda a questão se depara com a resistência do pensamento clássico que

atende aos interesses até aqui expostos, temeroso em acompanhar os movimentos da

consciência atual e antecipar-se em questões que apontam para novos modos de vida e valores

da sociedade moderna. É um pensamento marcado por uma perspectiva arcaica, engessada em

fórmulas antiquadas, que tem confinado o Direito a andar a reboque da história, condenado a

traduzir muitas vezes o que não existe mais, sistematizando fatos superados.

2. Mobilizações do sistema jurídico relativas aos direitos dos animais

Diante do inequívoco fato de os recursos naturais apresentarem franco declínio em

função da exploração desenfreada pela ação humana, e de os riscos que isto representa

ameaçar a sobrevivência da espécie humana, inúmeras foram as providências internacionais, a

partir da década de 1970, especialmente, de se regulamentar a intervenção humana na

Natureza.

152

CASTRO, João Marcos Adele y. Direito dos animais na legislação brasileira. Porto Alegre: Sergio Antonio

Fabris Ed., 2006, p. 45.

Page 82: Direito dos Animais - TCC

82

O Direito Ambiental projeta-se então no panorama mundial e, com a sua

consolidação, o animal perdeu um pouco do perfil de bem econômico, mas nem por isto sua

existência esquivou-o da sina de servir o homem. Isto porque os chamados direitos de 3ª

geração, que ultrapassam a visão individualista e passam a valorizar os interesses coletivos,

visam a sobrevivência e o desenvolvimento da sociedade humana. Para tanto, a necessidade

de reavaliar a relação com o planeta e a Natureza foi inevitável. Assim, a fauna deixou de ser

“res nullium” para tornar-se bem de uso comum do povo, “res omnium”.

À medida que a preservação ambiental depende da conservação dos recursos

naturais, os animais, neste panorama, passaram a ser incluídos entre os bens de valor jurídico

a serem protegidos de forma mais abrangente. Desta feita, o Direito Ambiental e a grande

maioria dos documentos legais ou convencionados como referência internacional para a

proteção e conservação ambiental caracterizaram-se pela finalidade de preservar a

sobrevivência humana no planeta através de ações sustentáveis. Este é o caráter impregnado,

por exemplo, na Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna

Selvagem em Perigo de Extinção (1973), na Convenção da biodiversidade (1992), na

Declaração sobre ética experimental (1981), entre outros153

. No que diz respeito aos direitos

dos animais, em 1978, a UNESCO, por proposta da União Internacional dos Direitos dos

Animais, proclama a Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Esta iniciativa, atrelada

ao movimento ecológico nascente, desencadeia forte influência nas constituições do mundo,

principalmente as novas, dentre as quais nos interessa a brasileira Constituição de 1988, na

qual se incluiu tópico próprio à proteção ambiental e, especificamente, se inscreveu no inciso

VII, §1º, do artigo 225, o repúdio à crueldade contra os animais.

As constituições anteriores à atual sempre trataram a natureza como recurso ou

bem de valor econômico. Antes da atual, houve uma primeira legislação de proteção aos

animais somente em 1934, por ato do Governo de Getúlio Vargas (Decreto 24.645/34),

referente a maus tratos contra os animais, que passou a ser contravenção, fixando-se em 1941

no artigo 64 da Lei das Contravenções Penais. Este decreto estabelecia medidas de proteção

aos animais nas esferas civil e penal e assinalava a sua assistência em juízo pelo Ministério

Público, seu substituto legal, indicando serem os animais, domésticos ou selvagens, tutelados

153

DIAS, Edna Cardozo. A Defesa dos Animais e as Conquistas Legislativas do Movimento de Proteção Animal

no Brasil. Disponível: http://jus.com.br/revista/texto/6111/a-defesa-dos-animais-e-as-conquistas-legislativas-do-

movimento-de-protecao-animal-no-brasil - Acesso em 15/10/11.

Page 83: Direito dos Animais - TCC

83

do Estado. Lamentavelmente, o nefasto Presidente Collor o revogou, por decreto (Decreto n.

11/91) e sem aprovação do Congresso Nacional.154

Posteriormente, surgiram diversas leis regulamentando o trato dos animais, como

o Código de Pesca (Decreto-lei 221/67), a Lei dos Zoológicos (Lei 7.173/ 83) e a Lei de

Vivissecção (Lei 6.638/79), por exemplo, todas de cunho antropocêntrico e utilitarista. Mais

próxima do compasso da regra constitucional atual foi a Lei de Proteção à Fauna (Lei

5.197/67) que, em 1988, com a alteração dada pela Lei 7.653, tornou crime inafiançável os

atentados aos animais silvestres nativos, muito embora descambe “para uma série de

subterfúgios e exceções que regulamentam práticas relacionadas ao exercício da caça amadora

e científica, à utilização de espécies provenientes de criadouros, à destruição de animais

silvestres considerados nocivos à agricultura e à saúde pública, a montagem de parques de

caça, clubes e sociedades amadoristas de caça e de tiro ao vôo, à criação de animais silvestres

para fins econômicos e industriais, a permissibilidade – a contrario sensu – no uso de armas

de fogo e a distância de tiro deferida aos caçadores, a concessão de licença permanente para

cientistas estrangeiros que estejam no Brasil coletando material para fins científicos e a

distribuição final dos produtos de caça e pesca”155

.

154

BENJAMIN, Antonio Herman. A natureza do direito brasileiro: coisa, sujeito ou nada disso. Disponível:

http://www.jusdem.org.pe/.../BenjaminAntonioetica/AmbietaTextopublicacaoestrangeira.doc - Acesso em

23/12/10; “Em 19 de fevereiro de 1993, o Decreto nº 761/93 (publicado no D. O. U. 20.02.93), por sua vez,

revogou o Decreto n.º 11/91, mas não deu efeito repristinatório nem ao Decreto nº 24.645/34 e nem a quaisquer

dos outros Decretos que haviam sido revogados expressamente pelo Decreto n.º 11/91. Caso houvesse interesse

do Poder Executivo em voltar a ter novamente em vigor o Decreto nº 24.645/34, este seria o momento adequado,

ou seja, no corpo do Decreto nº 761/93 dar efeito repristinatório ao Decreto em análise. Em não o fazendo, não

mais poderia ser restaurado pelo Poder Executivo o citado Decreto nº 24.645/34, a partir de 19 de fevereiro de

1993 [...] A apologia feita ao ser estimulada a aplicação de um Decreto não mais existente no sistema jurídico,

por já ter ele sido revogado pelo Presidente da República, caracteriza o que se chama de desobediência civil,

pregada pelos pensadores anarquistas. Em pesquisa feita não foi encontrada uma só condenação de alguém, pelo

Poder Judiciário, por maus-tratos aos animais, que tenha por base o Decreto nº 24.645/34. As condenações que

ocorreram foram pela aplicação do art. 64 da Lei das Contravenções Penais, até o ano de 1998, e após 1998, A

penalização por maus-tratos ocorre por infração à Lei de Crimes Ambientais.”, de acordo com José Tadeu Viana,

advogado e médico veterinário. Disponível: http://bioterio.ufpel.edu.br/Repristina.pdf - Acesso em 29/11/11;

“Muito se tem discutido em relação à revogação ou não deste decreto pelo Decreto Federal n. 11, de 18 de

janeiro de 1991, que aprovou a estrutura do Ministério da Justiça e dava outras providências, estabelecendo em

seu art. 4º que estariam revogados os decretos relacionados em seu bojo, dentre os quais o decreto 24.645 de 10

de julho de 1934. Esta indubitavelmente não ocorreu, pois o citado decreto é equiparado a lei, já que foi editado

em período de excepcionalidade política, não havendo que se falar em revogação de uma lei por um decreto”, diz

Renata de Freitas Martins, advogada ambientalista. Além disso, no Distrito Federal, a Lei 2095/1998 faz

referência ao Decreto-lei 24.645/1934 em sua definição dos casos de maus tratos. Disponível:

http://www.proanima.org.br/.../cartilha-de-protecao-animal-da-proanima - Acesso em 29/11/11. 155

LEVAI, Laerte Fernando. Os animais sob a visão da ética. Disponível em

www.mp.go.gov.br/.../os_animais_sob_a_visao_da_etica.pdf - Acesso em 23/12/10.

Page 84: Direito dos Animais - TCC

84

De qualquer forma, a proteção jurídica da Natureza tornou-a bem jurídico com

vistas à conservação e preservação da humanidade e configurou-se como sujeito de direito

assistido pelo Ministério Público, que passou a ser o “guardião do meio ambiente e curador

dos animais”156

.

Assim, a incorporação na Constituição Federal de 1988 dos interesses ambientais,

inspirou a lei ambiental (Lei 9.605/98) que, em seu artigo 32, criminaliza a conduta de quem

“praticar ato de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou

domesticados, nativos ou exóticos”, em consonância com artigo 225, § 1º, VII, da CF/88, que

proíbe a crueldade contra os animais, e que, como vimos, está sendo ameaçado por projeto de

lei que pretende vetá-lo157

.

Alguns Estados e Municípios se submeteram ao padrão constitucional, com

poucas inovações.

O Rio Grande do Sul foi o primeiro Estado brasileiro a editar um código de

proteção aos animais (Lei n. 11.915/03). No Paraná pela Lei n. 14.037/03, e em 2005, São

Paulo instituiu o seu próprio código (Lei Estadual 11.977/05), hoje suspenso, por força da

liminar do Governador Geraldo Alckmin, como já foi explicado anteriormente158

. O Estado

do Rio de Janeiro também possui seu próprio Código Estadual de Proteção aos Animais (Lei

Estadual n. 3900/02), tendo criado até o conceito de animal comunitário, para aqueles que se

encontram abandonados e que, por força do Decreto n. 23.989/04, passaram a ser

responsabilidade de todos os cidadãos voluntários, em nome da saúde pública. Segue-lhe os

passos a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, ao criar uma Secretaria Especial de

156

LEVAI apud NOIRTIN, Célia Regina Ferrari Faganello & MOLIN, Silvia Maria Guerra. Proposta de

mudança do status jurídico dos animais nas legislações do Brasil e da França. REID – Revista Eletrônica

Internacional Direito e Cidadania. Disponível: http://www.iedc.org.br/REID/print.php?CONT=00000084 –

Acesso em 23/12/10. 157

Vide p. 42. CAPEZ, Fernando. Maus-tratos contra animais - a importância da repressão jurídica: “se a

Constituição Federal, no inciso VII do §1º do art. 223, determina a punição de atos de crueldade contra animais,

não cabe ao legislador ordinário restringir a proteção legal. Nem se propugne que o art. 64 da Lei das

Contravenções Penais, que também tipificava a crueldade contra animais, serviria de “soldado de reserva”, na

medida em que, com o advento do art. 32 da Lei n. 9.605/98, aludida contravenção acabou sendo revogada pelo

mencionado Diploma, cuja tutela é específica e mais abrangente, com imposição de penas mais severas. Portanto, o

art. 64 da LCP não mais existe no mundo jurídico, de forma que, caso o art. 32 da Lei n. 9.605/98 tenha a sua

redação suprimida, os animais domésticos e domesticados, que forem vítimas de crueldade, deixarão de ser objeto

de qualquer proteção penal, estimulando os maus-tratos contra eles. Diante desse „vazio legal‟, como ficarão os

inúmeros relatos de comércio ilegal, agressões, mutilação, tortura em rinhas, extermínio, aprisionamento, abate

ilegal, morte por estricnina ou meios cruéis etc?”. Disponível:

http://www.conteudojuridico.com.br/?colunas&colunista=3414&ver=624 - Acesso em12/10/11. 158

Vide p. 48.

Page 85: Direito dos Animais - TCC

85

Promoção e Defesa dos Animais – SEPDA, que visa pôr em prática programas de

conscientização da população sobre os cuidados e deveres com os animais, mantendo

inclusive uma fazenda modelo onde funciona o Centro de Proteção Animal, além de editar

leis municipais específicas de proteção que visam atender aos preceitos previstos na Lei de

Proteção a Fauna - Lei n. 5.197/67 e nas portarias do IBAMA, bem como os da Lei de Crimes

Ambientais - Lei n. 9.605/98 e do Decreto n. 3.179/99, que a regulamentou: Lei Municipal n.

4.731, crime de crueldade e abandono; Lei Municipal n. 3402/02, quanto à proibição de

exibição de animais em circos e espetáculos congêneres; Decreto Municipal n. 19432/01, que

proíbe a vivissecção e práticas cirúrgicas experimentais em estabelecimentos municipais,

entre outros.

Em São Paulo existe uma forte campanha pela criação da 1ª Promotoria de Defesa

Animal, cuja mobilização gerou o GECAP – Grupo de Combate aos Crimes Ambientais e

Parcelamento do Solo Urbano dentro do Ministério Público estadual para atuação no combate

a crimes contra animais, tendo entre seus maiores defensores o Professor e Deputado Estadual

Fernando Capez e o Procurador-Geral de Justiça, Fernando Grella Vieira. A intenção é criar a

Promotoria de Defesa Animal dentro do Ministério Público de São Paulo, na tentativa de

diminuir a “dificuldade de realizar denúncias, apurações, colheita de dados estatísticos em

relação aos maus tratos contra animais (...) constituindo acima de tudo um importante

instrumento para dar efetividade à legislação protetiva dos animais”159

. Enquanto isso, os

crimes contra os animais ainda são reportados à Delegacias de Polícia, Delegacia de Crimes

Ambientais, ou, agora, também na Delegacia de Proteção e Defesa dos Animais, sendo a

primeira do gênero inaugurada em Campinas e que, até recentemente, vinha funcionando nas

dependências da 4ª Delegacia de Polícia da cidade e hoje já tem endereço e equipe próprios.

1. Apesar dos avanços legislativos e da modernização da Justiça brasileira, na última

década, os animais continuam discriminados pela indiferença humana, pelo estigma

da “insignificância jurídica” e pela vala comum destinada às condutas de “menor

potencial ofensivo”.

159

O Deputado Fernando Capez, em 2010, solicitou o encaminhamento à Assembleia Legislativa do Estado de

São Paulo de Projeto de Lei visando à criação da Promotoria de Defesa Animal e o Pedido de criação do "Grupo

de Atuação Especial de Defesa Animal, visando à futura criação da Promotoria de Defesa Animal, além da

Formulação de Indicação ao Sr. Governador para a criação da Delegacia de Proteção aos Animais, no âmbito do

Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania - DPPC. Disponível:

http://capez.taisei.com.br/capezfinal/index.php?secao=1&subsecao=0&con_id=5845 - Acesso em 18/11/11. A

idéia tem origem em tese acadêmica de autoria do Promotor de Justiça, Dr. Laerte Fernando Levai, que trata da

Promotoria de Defesa Animal, apresentada e aprovada no 11º Congresso do Meio Ambiente do Ministério

Público do Estado de São Paulo, em São Roque, outubro de 2007 – Disponível em

http://www.sentiens.net/promotoria-de-defesa-animal. Acesso em: 26/03/2010.

Page 86: Direito dos Animais - TCC

86

2. As estatísticas indicativas da população de animais domésticos em São Paulo e os

índices de abandono e crueldade para com eles, afora a matança institucionalizada

no Centro de Controle de Zoonoses e nas atividades vivisseccionistas, equivalem a

um autêntico massacre animal.

3. Na Capital, a tutela jurídica dos animais – conferida por lei ao Ministério Público

- tem sido exercida de maneira tímida, desarticulada, confusa e fragmentada,

gerando descrédito social, o que requer urgente mudança na sua forma de atuação.

4. Para que se possa reconhecer e, mais que isso, reivindicar em juízo os direitos dos

animais, faz-se necessário sair do tradicional paradigma antropocêntrico e enxergar

o animal por seu valor inerente, sujeito-de-uma-vida, não como objeto, recurso ou

bem ambiental.

5. A Promotoria de Justiça de Defesa Animal, uma vez criada por lei e devidamente

provida, poderá atuar eficazmente no combate à exploração dos animais, realizando

um trabalho compassivo de grande relevância social e digno das tradições do

Ministério Público Paulista.

Estas são as conclusões articuladas na tese apresentada e aprovada no 11º

Congresso do Meio Ambiente do Ministério Público do Estado de São Paulo160, em São

Roque, em 28 de outubro de 2007, pelo Promotor de Justiça e Professor de Pós-graduação em

Direito Ambiental e Especialista em Bioética, Laerte Fernando Levai.

Em função das crescentes pressões por parcela da população, a maioria

organizada pelo terceiro setor161 em torno da causa ambiental e pela proteção dos animais, o

Poder Público têm dado maior atenção a estas questões e buscado meios de fazer frente às

carências por elas indicadas. É pelo Ministério Público, contudo, que esta ação tem sido

exercida com maior contundência. O Ministério Público constitui-se em órgão que, dentro da

estrutura pública, legitimado pela Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 9.437/85), melhor tem

condições para a defesa da Natureza e dos direitos dos animais, a fim de se cumprir o

determinado no artigo 225 da Constituição Federal de 1988.

160

LEVAI, Laerte Levai. Promotoria de Defesa Animal. Disponível:

http://www.pensataanimal.net/index.php?option=com_content&view=article&id=56:promotoria-de-defesa-

animal&catid=46:laertelevai&Itemid=1 – Acesso em 18/10/11. 161

Por exemplo, a Liga de Prevenção da Crueldade contra o Animal que propôs e lutou para a aprovação do

artigo 32 da Lei Ambiental 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas às condutas e

atividades consideradas lesivas ao meio ambiente: [...] Art. 32 - Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou

mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses a um

ano, e multa. § 1º - Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda

que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. § 2º - A pena é aumentada de um

sexto a um terço, se ocorre morte do animal. A mesma LPCA já havia conquistado anteriormente a inclusão do

inciso VII, do §1º, do artigo 225 da CF/88, e é sua a redação do Código de Proteção aos Animais que tem

servido de modelo a vários Estados brasileiros. (Dados oferecidos por DIAS, Edna Cardozo. op.cit.).

Page 87: Direito dos Animais - TCC

87

Infelizmente, conforme observa Edna Cardozo Dias, “ o que se vê na prática é que

os atentados contra a fauna são punidos timidamente, e de forma imediata só quando o crime

se insere nas modalidades de crime ecológico, ou seja, quando o ato ameaça a função

ecológica de um animal silvestre no ecossistema (...) enquanto a lei considera os animais

silvestres como bem de uso comum do povo, ou seja um bem difuso indivisível e

indisponível, já os domésticos são considerados pelo Código Civil como semoventes passíveis

de direitos reais. Assim que é permitida a apropriação dos animais domésticos para integrar o

patrimônio individual, diferentemente do que ocorre com o bem coletivo. Quando o Poder

Público aplica a Lei de Crimes Ambientais em defesa da função ecológica dos animais a

atitude é aceita pela doutrina majoritária e pela crença dominante. Ao contrário, quando se

procura inibir maus tratos aos animais existe uma resistência, que se esbarra não só na

insensibilidade generalizada, mas no falso conceito de que existem vidas que valem mais que

as outras”162.

Isto é confirmado pela impressão de Levai: “Se os animais possuem, do ponto de

vista teórico, um amplo sistema de tutela jurídica, a legislação protetora funciona melhor nas

hipóteses em que eles estão inseridos em determinado contexto ambiental, o de bichos com

função ecológica ou sob risco de extinção. Basta constatar, a propósito, que a vedação à

crueldade é um dispositivo inserido no capítulo do Meio Ambiente (artigo 225) da Carta da

República. Afora isso, matar, perseguir, caçar, apanhar e utilizar animais silvestres configura

crime, conforme previsão legal inserida na Lei de Crimes Ambientais (artigo 29)”163, mas

aqueles que se encontram em situações de risco e não possuem “relevância ambiental” não

encontram uma voz uníssona a seu favor por parte da lei, “daí a necessidade, no plano

jurídico, de ser criada no Brasil uma pioneira Promotoria de Justiça de Defesa dos Animais,

com estrutura material e humana suficientes e atribuições cumulativas para fazer valer o

princípio da precaução, para processar sádicos e malfeitores, para reverter os desmandos do

poder público nesse setor, para enfrentar os grandes interesses econômicos que ditam as

regras da exploração animal e, enfim, para questionar o sistema social que transforma seres

sencientes em objetos descartáveis ou perpétuos escravos”164.

162

DIAS, Edna Cardozo. op.cit. - Acesso em 15/10/11. 163

LEVAI, Laerte Levai. Promotoria de Defesa Animal. Disponível:

http://www.pensataanimal.net/index.php?option=com_content&view=article&id=56:promotoria-de-defesa-

animal&catid=46:laertelevai&Itemid=1 – Acesso em 18/10/11. 164

LEVAI, Laerte Levai. Id.

Page 88: Direito dos Animais - TCC

88

Levai lembra que “até meados da década de 1980, vale lembrar, existia uma

interpretação jurisprudencial no sentido de que o crime de “dano” (artigo 163 do Código

Penal) cometido em animal doméstico pertencente a alguém, prevalecia sobre a contravenção

penal “crueldade contra animais” (artigo 64 da Lei das Contravenções Penais, então em

vigor), demonstrando que, naquele tempo – como ainda hoje, para alguns renomados juristas

– a vida animal, na escala dos valores morais humanos, estava em patamar inferior à tutela da

propriedade privada. Ainda que a ocorrência de crueldade para com animais, outrora simples

contravenção penal, tenha se transformado em crime ambiental, pouca coisa mudou em

termos processuais. Isso porque a pena cominada àqueles que maltratam e que abusam de

animais é irrisória (3 meses a 1 ano de detenção, e multa), o que permite ao autor dos fatos

livrar-se de persecução penal caso possa celebrar transação perante o Juizado Especial

Criminal. Sem esquecer, é claro, do fundado risco da prescrição, sempre que o feito se tornar

moroso”, por isso é que entende que, em nome de sua proposta por uma Promotoria

especializada: “se os promotores de justiça utilizassem todas as armas que a lei põe ao seu

alcance, em prol dos verdadeiros ideais de Justiça, talvez um mundo menos violento pudesse

amanhecer”165.

Em final de setembro deste ano de 2011, foi instalada a Frente Parlamentar em

Defesa dos Animais166, presidida pelo Deputado Ricardo Izar, que pretende “além da

proibição de animais em circos, a frente vai debater e sugerir medidas relacionadas ao

controle populacional de animais, ao combate da caça ilegal e do tráfico de animais silvestres,

às condições de transporte e abate de bichos, ao aperfeiçoamento da legislação vigente e à

proteção do habitat natural”. Não resta dúvida quanto ao seu caráter bem-estarista, porém a

sugestão de se lutar por uma lei unificadora é bem-vinda: “atualmente, existem vários projetos

sobre animais tramitando no Congresso. Nosso objetivo é fazer a consolidação das leis de

defesa dos animais”. Porém, é importante que esta unificação preze pela coerência e não

prejudique os avanços já alcançados por força dos movimentos de defesa dos animais.

165

LEVAI, Laerte Levai. Promotoria de Defesa Animal. Disponível:

http://www.pensataanimal.net/index.php?option=com_content&view=article&id=56:promotoria-de-defesa-

animal&catid=46:laertelevai&Itemid=1 – Acesso em 18/10/11. 166

LIMA, Gustavo. Instalada a Frente Parlamentar em Defesa dos Animais. Agência Câmara de Notícias.

Disponivel: http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/MEIO-AMBIENTE/203352-INSTALADA-A-

FRENTE-PARLAMENTAR-EM-DEFESA-DOS-ANIMAIS.htm - Acesso em 01/11/11.

Page 89: Direito dos Animais - TCC

89

Comentou-se atrás167

sobre o Código de Proteção aos Animais de São Paulo (Lei

11.977/05) e sua momentânea limitação, e de outro projeto do mesmo autor, o deputado

Ricardo Trípoli, Projeto de Lei n. 215/07, que pretende instituir o Código Federal do Bem-

Estar Animal. Segundo avaliação de ativistas168

, este projeto, atualmente aguardando

apreciação por uma comissão a ser constituída na Câmara de Deputados, é pernicioso à causa

dos animais, uma vez que prevê a matança de animais em situação de fragilidade, por doença

ou ferimento, ou, mesmo simples abandono, pois, em caso de recolhimento pelo Centro de

Zoonoses, após três dias de internação, são eutanasiados, ou seja, é a institucionalização de

práticas que vêm sendo combatidas. Vejamos alguns comentários das veterinárias, Dra.

Andréia Lambert e Dra. Vanice Orlandi, ativistas da ANIIDA - Associação Nacional de

Implementação dos Direitos dos Animais, e da UIPA – União Internacional Protetora dos

Animais169

, respectivamente:

No caso de ele ser sancionado, as Leis Estaduais e Municipais, em todo o Brasil,

que proíbem a matança de animais nos CCZ, Canis Públicos e Congêneres não

terão mais validade em vários de seus artigos [...] proíbe a doação de mordedores

(que podem ser confirmados apenas por comprovação testemunhal), ou seja, se você

não quiser mais seu cachorro basta dizer no CCZ que ele mordeu alguém pra ele ser

morto, proíbe também a doação de cães com doenças degenerativas, ou fraturas

recentes. Não seria mais prudente confirmar a sintomatologia de animais com sinais

de doença infectocontagiosas por exame de sangue comprobatório, conforme obriga

a Lei Estadual Paulista 12916/08? O Código vai contra o que preconiza a

Organização Mundial da Saúde. Várias cidades que capturam seus animais, castram

e os devolvem ao local e origem, terão que parar de fazê-lo. (...)

Recente publicação da OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde, recomenda

o método de esterilização e devolução dos animais à comunidade de origem,

declarando que a eliminação de animais não só foi ineficaz para diminuir os casos de

raiva, mas aumentou a incidência da doença. (Justificativa da Lei Paulista

12916/08).(...)

Se aprovado por lei federal, por reger toda a matéria, o tal Código revogará o

Decreto nº 24.645/34 e o art.32 da Lei 9.605/98, normas protetivas, que de tão

genuínas, são suficientes à defesa de seus tutelados.

E tudo por nada, à medida que é farta a nossa legislação pátria protetiva. Como

ensina Marco Aurélio Mendes de Faria Mello ”são dispensáveis outras leis;

imprescindíveis são homens que as cumpram.

O risco que se apresenta é justamente este: o de fazer retroceder o que de positivo

já se conquistou no âmbito social e jurídico, pois isto feriria o princípio do retrocesso social.

167

Ver p. 48. 168

Disponível:http://www.anda.jor.br/20/05/2010/ongs-alertam-que-pl-federal-que-cria-codigo-federal-de-bem-

estar-animal-preve-a-matanca-de-animais - Acesso em 12/10/11. 169

Idem.

Page 90: Direito dos Animais - TCC

90

Vale lembrar que o princípio de retrocesso social visa proteger os direitos conquistados

“contra a ação supressiva e mesmo erosiva por parte dos órgãos estatais”170

. Trata-se da

aceitação de medidas “que representem significativo esvaziamento do comando maior”,

conforme explica Aline Bonna, assinalando as advertências de Canotilho: “o princípio em

análise justifica, pelo menos, a subctração à livre e oportunística disposição do legislador, da

diminuição de direitos adquiridos [...] O reconhecimento desta protecção de direitos

prestacionais de propriedade, subjectivamente adquiridos, constituiu um limite jurídico do

legislador, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente. Esta

proibição justificará a sanção de inconstitucionalidade relativamente a normas

manifestamente aniquiladoras da chamada justiça social”171

, e de Streck: “dito de outro

modo, a Constituição não tem somente a tarefa de apontar para o futuro. Tem, igualmente a

relevante função de proteger os direitos já conquistados. Desse modo, mediante a utilização

da principiologia constitucional (explícita ou implícita), é possível combater alterações feitas

por maiorias políticas eventuais, que legislando na contramão da programaticidade

constitucional, retiram (ou tentam retirar) conquistas da sociedade”.

Assim, o legislador ordinário não pode retroceder através de edição de lei

ordinária superveniente que venha a reduzir o alcance da norma constitucional, sob pena de

ser declarada inconstitucional. Em outras palavras, o princípio do retrocesso social implica na

vedação de legislação posterior suprimir ou reduzir o direito até então garantido, pelo que

ficariam ameaçados a segurança jurídica e o repertório das conquistas sociais, que configuram

o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado, como bem observou Canotilho.

Vale lembrar também, que o teor das propostas aqui apresentadas conflitam

substancialmente com a essência da determinação constitucional insculpida no inciso VII, do

artigo 225, da Constituição Federal de 1988. Ou será que precisaremos determinar o que é

“crueldade” contra os animais e quais os seus limites? O que é considerado crueldade sob o

ponto de vista das várias tendências: utilitarista, bem-estarista, abolicionista etc? Adede y

170

SARLET, Ingo Wolfgang. Notas sobre a assim designada proibição de retrocesso social no

constitucionalismo latino-americano. Revista do TST, Brasília, vol. 75, n. 3 (jul-set/2009), p. 121 - Disponível:

www.tst.gov.br/Ssedoc/.../revistadotst/.../sarletingowolfgang.pdf - Acesso em 02/11/11. 171

BONNA, Aline Paula. A vedação do retrocesso social como limite à flexibilização das normas trabalhistas

brasileiras, p. 58. Revista TRT-3ªRegião, Belo Horizonte, v. 47, n. 77 (jan-jun/2008). Disponível:

www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_77/Aline_Bonna.pdf - Acesso em 02/11/11.

Page 91: Direito dos Animais - TCC

91

Castro aponta que o que se deve evitar é que prepondere o interesse meramente econômico

ante o compromisso de se cumprir a promessa constitucional172.

172

CASTRO, João Marcos Adede y. op.cit., p. 39.

Page 92: Direito dos Animais - TCC

92

CONCLUSÃO

Viu-se até agora que o preconceito humano em relação aos animais é baseado na

falsa percepção de sua superioridade; que tal percepção tem se deslocado sob pressão da

realidade ambiental do mundo moderno e que, em função disto, os valores éticos, antes

concentrados na figura humana, têm se estendido à toda Natureza. Viu-se que se tem

reconhecido, especialmente com o auxílio da ciência, que a vida dos animais encerra valor

moral e deve ser levada em consideração sob o ponto de vista ético e jurídico. Contou-se um

pouco sobre as bases culturais que formaram nossa consciência como humanos e de como

moldaram o tratamento dado aos animais não-humanos no decorrer da história.

O desenvolvimento da civilização humana desencadeou forças que escaparam do

seu controle, na medida em que fomentaram as raízes de sua própria destruição. Temerosos de

nossa própria extinção, a preocupação com a Natureza e os modos de interferência sobre ela

passaram a ser a prioridade das preocupações contemporâneas, resultando numa mudança de

foco para ações sustentáveis.

Viu-se que, em função disto e seguindo uma tendência mundial, já existem no

Brasil, graças ao forte apoio e impulso dos movimentos a favor dos direitos dos animais,

algumas leis que procuram avançar a fronteira do utilitarismo, tendendo a uma aplicação bem-

estarista, mas ainda bem distante das pretensões abolicionistas. Reputa-se que o caráter bem-

estarista é, apesar de tudo, um avanço importante para a causa animal e a mobilização a seu

favor já se instalou em parte do Ministério Público brasileiro e em alguns setores públicos,

para além e por força dos movimentos populares que militam pela causa dos animais e seus

direitos.

Porém, não bastasse o estranhamento natural com a nova idéia sobre a

responsabilidade humana quanto à Natureza e aos animais, conta-se com a falta de estrutura

por aqueles setores preocupados do Poder Público para dar suporte à devida proteção aos

animais a fim de proporcionar-lhes o adequado tratamento jurídico, e, também, com a

oposição daqueles que não querem mudanças, com a falta de unidade legislativa e de

congruência das propostas até agora apresentadas. Somente a história contará a trajetória

percorrida pelas ideias e práticas que predominarão.

Page 93: Direito dos Animais - TCC

93

O Direito, sendo uma das principais áreas de conhecimento e regulação das

chamadas sociedades civilizadas, é um dos instrumentos institucionais mais valiosos através

dos quais as mudanças que se fazem necessárias possam ser efetivadas, pois é a partir de sua

estrutura que a sociedade pode vislumbrar condições de se desenvolver e proporcionar a

justiça para seus membros. Como bem nota Miguel Reale, o Direito tem por mister a

atualização crescente de Justiça, sendo uma projeção do espírito, realizando os valores de

convivência, “sem ofensa ou esquecimento dos valores peculiares às formas de vida dos

indivíduos e dos grupos”, representando uma exigência do todo coletivo173.

Hoje, ante a constatação do valor da vida de todos os seres do planeta, boa parte

de nossos companheiros de estrada passaram a ser levados em conta como membros-irmãos

nesta sociedade biodiversificada, tal como o foram no passado os escravos, os negros, os

índios, as mulheres e todos aqueles que, por alguma conveniência de um grupo, foram

desconsiderados como pessoas. Viu-se que a história tendeu e tende para a integração de

todos sob a luz de uma mesma ética e que, se quisermos sobreviver, precisamos agir no

sentido de oferecer chances de sobrevivência não só aos futuros humanos, mas também a

todas as criaturas do planeta.

Neste sentido, é que o mundo está, ainda que timidamente, fazendo um ajuste de

conduta em relação em torno destes novos valores. O animais, ainda agora tidos, no melhor

das hipóteses, como coisas de propriedade comum, aguardam que os esforços relativos aos

seus direitos encontrem caminhos mais eficazes. Mas a iniciativa está sendo tomada, lenta e

gradativamente, pois é recente a consciência de que temos mais em comum do que diferenças

com os outros animais.

Compreende-se que as leis aguardam da realidade sua evocação. Que elas estão

sempre buscando responder às necessidades sociais, normalmente após a depuração dos

debates pela vias democráticas. Se não se produzem assim, correm o risco de sedimentar

injustiças, pelas quais os maiores prejudicados sempre são os mais fracos. Mas é preciso ter

paciência, “pois as forças do conservadorismo são invariavelmente mais poderosas a curto

prazo do que as forças reformistas”174.

173

REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20 ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 699-703. 174

HC n. 833085-3/2005, op. cit., p.264.

Page 94: Direito dos Animais - TCC

94

Espera-se que o tempo e a experiência possam sanar as distorções ideológicas

incutidas em nossas consciências, e que possamos superar tais barreiras a fim de conquistar a

liberdade para todos, a fim de que todos possam gozar a plenitude de suas existências. “Uma

máxima jurídica pouco difundida entre nós estabelece que „quando a razão da norma cessa, a

regra também deve cessar‟, pois nenhuma norma pode sobreviver mais tempo do que sua

razão de ser”175. Torçamos então para que o Direito esteja atento ao seu tempo, que consiga

transformar-se e adequar-se às exigências concretas da vida e da sociedade, buscando cumprir

o seu “momento de Justiça”. Assim, talvez consiga ser contemporâneo na defesa dos

explorados e diminuir as barreiras que permitam que interesses egoístas e ultrapassados

vinguem sobre eles.

Assim, espera-se que tais mudanças sejam possibilitadas pelo comprometimento

da sociedade em entender e participar da dinâmica política e social, e que aqueles que operam

no sentido de aplicar a justiça estejam atentos aos sinais que os tempos revelam, aplicando-se

no exercício de realizar a pacificação social em compasso com o direito de princípios que hoje

se descortina e tem sua base ética no respeito à vida.

175

KELCH, Thomas G. apud HC n. 833085-3/2005, op. cit., p.266.

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