Direito Constitucional II Curso de Direito Constitucional Tomo I · 2021. 3. 19. · Curso de...

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Direito Constitucional II Curso de Direito Constitucional Tomo I Regente: prof. Carlos Blanco Morais Mafalda Luísa Condelipes Boavida

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Direito Constitucional II

Curso de Direito Constitucional

Tomo I

Regente: prof. Carlos Blanco Morais

Mafalda Luísa Condelipes Boavida

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Funções do Estado como Atividades Jurídico-Públicas

Atividades jurídicas e não jurídicas

Os interesses gerais prosseguidos pelo Estado-Ordenamento consistem nos seus

fins ou tarefas dominantes.

Tradicionalmente, os fins principais ou existenciais do Estado consistem na

segurança, justiça e bem-estar.

Esses fins encontram-se, na totalidade, ou em parte, enunciados na ordem

constitucional portuguesa vigente, em diversas alíneas do art. 9 da CRP.

A persecução dos fins do Estado realiza-se através de atividades públicas. Estas,

conforme pressuponham, ou não, a prática de atos jurídicos podem decompor-se em

atividades jurídicas e não jurídicas.

Ao Direito Constitucional interessam, fundamentalmente, as atividades jurídicas.

Importa, todavia, referir que o caráter jurídico de uma atividade, deve ser medido

pela natureza jurídica dominante dos atos produzidos ao seu abrigo, o que não implica,

contudo, que todos os atos ou condutas devam ter, necessariamente, essa natureza.

Por exemplo, no exercício da função política em sentido estrito, os órgãos

constitucionais podem aprovar:

Þ Atos políticos que produzem efeitos jurídicos (moção de censura, etc.);

Þ Atos e condutas políticas desprovidas de natureza jurídica (mensagens

avulsas do Presidente, etc.).

Conceito de função do Estado

Consideram-se funções estaduais todas as atividades jurídico-públicas

desenvolvidas pelas autoridades do Estado-Ordenamento, tendo em vista a realização

dos seus fins.

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Uma atividade estadual pode ser caracterizada, por seu turno, como o conjunto de

atos produzidos permanentemente por decisão de autoridades públicas e que se

agrupam numa relação de homologia ou semelhança, em razão de critérios identitários

de natureza material, formal ou orgânica. Por exemplo, a atividade legislativa é

composta por atos jurídicos que, em comum, possuem vários atributos homólogos: são

produzidos por órgãos com competência legislativa (critério orgânico); assumem caráter

permanente ou indefinido, caracterizando-se pela inesgotabilidade do poder que os

edita (critério institucional); envolvem um conteúdo político (atributo material); e dispõe

de uma forma própria de força geral (atributos formais em sentido amplo).

Conceções Doutrinais sobre as Funções do Estado

Existem inúmeras conceções a começar na Antiguidade Clássica com os filósofos

gregos, com Aristóteles, passando pela Idade Moderna e pelo Iluminismo.

É de referir com especial importância a divisão feita por Locke e por Montesquieu.

John Locke, expoente referência do liberalismo aristocrático e individualista que

justificou doutrinalmente a Monarquia Constitucional inglesa erigida pela “Glorious

Revolution”, no séc. XVII.

O teórico inglês esboçou uma quadripartição das funções do Estado, que foram

decompostas nas seguintes atividades: a legislativa (erigida a função suprema); a

executiva (centrada a aplicação das leis); a federativa (respeitante ao exercício de

atividades de política externa); e a atividade prerrogativa (aprovação de atos de guerra,

exceção e necessidade). Ao Parlamento foi atribuída a função legislativa, enquanto as

restantes foram cometidas ao Monarca. O poder judicial não mereceu para o autor

grande importância.

Montesquieu defendeu uma forma de governo misto e procedeu a uma definição

tripartida dos poderes do Estado: função legislativa (à qual reconheceu o primado);

executiva (condensaria os poderes de segurança interna, guerra e política externa); e

jurisdicional (faculdade de punir crimes e resolver litígios). A conceção de um modelo de

equilíbrios e contrapesos constitui o ponto essencial da sua tese plasmada no “Espirito

das leis” e traduzida na fórmula “só o poder limita o poder”, defendendo que este não se

deve concentrar nas mesmas mãos e preconizando uma separação com harmonia.

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Doutrina portuguesa no contexto das constituições sociais

Em Portugal, Marcelo Caetano elaborou uma construção “integral” das funções do

Estado. As funções não jurídicas e as funções jurídicas, foram diferenciadas entre si na

base, cumulativa, de critérios materiais, orgânicos e formais. Nas funções não jurídicas,

o ilustre jus-publicista arrumou as atividades política e técnica. Nas jurídicas posicionou

a legislativa e a executiva.

Gomes Canotilho e Marcelo Rebelo de Sousa elaboraram uma quadripartição de

funções: a política, a legislativa, a administrativa e a jurisdicional, partindo das

referências específicas às mesmas são feitas na Constituição de 1976.

Finalmente, Jorge Miranda, esboçou uma tripartição caracterizada por uma função

política (decomposta nas atividades legislativa e política em sentido estrito), uma função

administrativa e uma função jurisdicional.

Posição Adotada sobre a Natureza das Funções do Estado

Pontos fortes e debilitantes da posição adotada

Considera-se como construção operativamente preferível a que radica na tricotomia

gizada por Jorge Miranda, por duas razões fundamentais.

Em primeiro lugar, a conceção descrita alude às funções do Estado que pressupõem

a prática de atos jurídicos, lateralizando outras funções estaduais de caráter auxiliar ou

instrumental (como sucede com a função técnica), as quais não revelam para as

construções do Direito Constitucional sobre os poderes estaduais.

Em segundo lugar, esta posição consome na função política, concebida no seu

sentido amplo, as atividades que pressupõem a adoção de critérios políticos de decisão

e que são a atividade legislativa e a atividade política em sentido estrito, reconhecendo

paralelamente que os atos dimanados da atividade política strito sensu produzem, por

regra, efeitos jurídicos.

Como elementos de maior fragilidade desta construção, os quais não prejudicam o

seu relevo como opção preferencial, cumpre destacar:

Þ A circunstância de a função política implicar que a atividade legislativa,

indubitavelmente a mais importante de todas as atividades do Estado, seja

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reduzida a uma subfunção, o que não é, ainda assim, um elemento decisivo

em razão da sua mera dimensão semântica.

Þ A circunstância de as responsabilidades públicas no domínio da política

externa não terem sido autorizadas, acabando por se decompor em atos

políticos e atos normativos reconduzidos à atividade política strito sensu, na

sua vertente externa.

Função subordinante e função subordinada

A função política constitui uma atividade primária ou dominante, apenas vinculada

no plano interno à Constituição ou a outros atos oriundos da mesma função política,

pressupondo que os fins do Estado sejam preenchidos com uma ampla liberdade de

conformação.

Tal sucede, seja com a atividade legislativa, seja com a atividade política em sentido

estrito.

As funções de natureza administrativa e jurisdicional constituem funções

secundárias, dominadas ou subordinadas. Com efeito, elas vinculam-se à atividade

legislativa, como componente normativa subordinante da função política (art. 205 nº 1 e

266 nº 2).

Essa vinculação ostenta, contudo, dimensões relativas.

A função jurisdicional, por exemplo, pressupõe uma dimensão especifica e

autónoma, que é a do controlo de constitucionalidade e que consiste numa atividade

repressiva e corretiva da lei que derroga uma escrita submissão dos tribunais à

legalidade, em nome do primado de um bloco normativo mais alto que é o da

constitucionalidade. Assim, os tribunais, nos termos do nº 1 do art. 205 conjugado com

o art. 204 devem aplicar a lei ordinária ao caso concreto, salvo se esta ofender uma lei

de hierarquia superior que é a Constituição.

Função Política em Sentido Amplo

A política, como função, consiste numa atividade de ordenação da vida coletiva

assente em valores, ideologias e programas e exercida em benefício da mesma

coletividade.

No contexto de um Estado de direito democrático e soberano a mesma atividade

supõe que os órgãos competentes para o seu exercício tomem, com um expressivo grau

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de liberdade e mediante os atos constitucionalmente prescritos para o efeito, decisões

fundadas no bem comum que definam inovatoriamente o interesse público a prosseguir,

no preenchimento dos fins do Estado.

A Constituição da República alude ao exercício da atividade política, nomeadamente,

quando dispõe sobre as competências “politica e legislativa” da Assembleia da

República (art. 161).

Uma interpretação textual da Constituição distinguiria a função política da função

legislativa (art. 161, 197 e 198). Contudo, verifica-se no plano doutrinário e

jurisprudencial que a função legislativa é, por excelência a mais importante atividade

política dos poderes constituídos, já que a lei se define como um típico critério político

de decisão.

Temos assim que a função política, no seu sentido amplo, constitui uma macro

atividade pública com caráter multidigitado, ou seja, assume-se como um poder

dominante que emerge de entre as funções constituídas e que supõe o exercício de

responsabilidades normativas e de “gubernatio”, destinadas a definir primariamente o

interesse públicos de uma coletividade.

Encontra-se, deste modo, a presente caracterização das atividades públicas

marcada por critérios orgânicos (órgãos competentes para o exercício da mesma

função); formais (atos que nos termos constitucionais se encontram aptos para o

exercício dessa atividade naturalmente livre e inovatória); e materiais ( “liberdade” e

“novidade” na definição das políticas públicas que preenchem os fins do Estado).

O exercício da função política implica a tomada de decisões e de critérios de decisão,

inovatórios ou primários, na medida em que, por regra, é a Constituição a principal fonte

dos respetivos limites jurídicos. Daí que, por regra, exista um grau expressivo de

liberdade, não apenas na interpretação dos fins do Estado, mas na definição do modo

como estes devem ser preenchidos, bem como na escolha dos meios necessários para

esse mesmo preenchimento.

Existem ainda assim, diversos graus de liberdade no exercício da função política.

Existem situações em que a Constituição determina relações de dependência:

Þ Entre atos praticados no âmbito da mesma atividade ou subfunção

integrativa da função política;

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Þ Entre atos oriundos das diferentes atividades que compõem a função

política.

Assim, no primeiro caso descrito, existem leis que se subordinam a outras leis

dotadas de hierarquia material superior (caso dos decretos-lei complementares

subordinados às leis de bases, nos termos do nº 2 do art. 112 da CRP.

No segundo caso referido, haverá a considerar situações como a da: subordinação

da atividade legislativa ao sentido vinculante de uma decisão referendária, na qualidade

de norma atípica da atividade política em sentido estrito (nº 1 do art. 115); e

subordinação do decreto presidencial que de clara o estado de sítio e estado de

emergência à lei orgânica correspondente (nº 7 art. 19).

Em suma, existem dimensões sub-primárias de liberdade no exercício da função

política em sentido lato que se caracterizam pela observância de limites impostos por

outras manifestações qualificadas e subordinantes de exercício relativas à mesma

função.

A atividade legislativa

De acordo com o critério estrutural a atividade ou função legislativa define-se

compositamente, na base de critérios materiais formais e orgânicos.

Critérios materiais Julga-se que o princípio da legalidade democrática (nº 3 do art. 3) e a exigência da

submissão dos Tribunais e da Administração Pública ao mesmo critério (respetivamente

art. 203 e no nº 2 do art. 266) conjugados com o princípio da tipicidade da lei (nº 5 do

art. 112), permitem identificar a atividade legislativa.

Esta pode ser concebida, substancialmente, como um poder de criação. E

modificação da ordem jurídica, mediante a aprovação de normas com conteúdo político

e eficácia externa que, fundadas e submetidas ao princípio da constitucionalidade,

regulam a vida coletiva e prevalecem sobre a generalidade dos atos emanados das

demais funções constituídas do Estado.

O conceito de poder normativo primacial alude à circunstância de a função legislativa

implicar, em regra, o exercício de uma política pública reguladora, marcada por um

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programa intencional de valores e interesses e que se proteja na edição de critérios de

decisão que modificam a ordem jurídica interna. Neste sentido, os atos da atividade

legislativa, não só não podem, por regra, ser revogados ou integrados, com eficácia

externa, por atos emitidos ao abrigo de outras funções (art. 112 nº 5), como também

constituirão parâmetro de validade destes atos emitidos ao abrigo de atividades

subordinadas.

Normatividade política, inovação e supremacia sobre funções não políticas, na órbita

dos poderes constituídos, conformam os três pilares de uma identificação desta

atividade pública.

Critério formal Sob o ponto de vista formal, resulta ser possível, nos termos do nº 1 do art. 112,

reconduzir a função legiferante à prática permanente de atos jurídico-públicos que

devem revestir uma das três formas específicas de lei previstas no referido preceito: a

lei, o decreto-lei e o decreto legislativo regional.

Critério orgânico A função legislativa, nos termos da alínea c dos art.s. 161, 198 e 227, consiste numa

atividade jurídico-pública que se encontra, respetivamente, reservada à competência da

Assembleia da República, do Governo e das assembleias legislativas das regiões

autónomas.

Definição Podemos assim, no âmbito de uma caracterização estrutural, definir abreviadamente

a função legislativa como a atividade político-normativa traduzida num poder inovador

de criação e modificação da ordem jurídica exercido pelos órgãos competentes para o

efeito, cujos atos assumem a forma de lei e vinculam o exercício das demais funções

estaduais.

Atividade política em sentido estrito

A função política em sentido estrito é simples de diferenciar da atividade legislativa.

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Critério substancial É possível sustentar que a função política “stricto sensu” no ordenamento português

resulta ser juridicamente mais livre do que a atividade legislativa.

Ela assenta na produção de atos e na externalização de condutas que corporizam,

predominantemente: o sistema de freios e contrapesos do sistema político, o exercício

da política externa, o uso de poderes excecionais de defesa da república e forma de

exercício da democracia direta ou semi direta.

Critérios orgânico-formais É possível referir, como elemento distintivo de ordem formal que, enquanto o

exercício da atividade legislativa se traduz na emissão de normas jurídicas, o exercício

da atividade política “stricto sensu” envolve, tanto a emissão de atos singulares, como

de atos normativos.

Ainda no plano formal, enquanto os atos emitidos ao abrigo da atividade legislativa

assumem necessariamente a forma de lei, os atos normativos e não normativos da

atividade política assumem formas muito variadas, todas elas de caráter não legislativo.

Para o Direito Constitucional positivo interessarão apenas aqueles que se encontrem

aptos a produzir efeitos jurídicos. Assim, moções de censura parlamentar ao Governo

aprovadas sem maioria absoluta constituem atos políticos desprovidos de eficácia

jurídica.

Categorização de atos políticos portadores de eficácia jurídica

Introdução e conceitos Os atos políticos podem ser imputados quer aos órgãos do Estado quer aos órgãos

das regiões com autonomia político-administrativa.

Os atos políticos fluem, por excelência no universo de interdependência de poderes

(art. 111 nº 1).

A Constituição como estatuto do poder político, limita e ordena em termos funcionais,

sendo impensável que, mesmo no quadro de uma separação de poderes, um dos

órgãos de soberania pudesse exercer as suas competências sem controlo dos restantes

ou que os mesmos não colaborassem articuladamente entre si, na persecução do

interesse público.

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Atos de direção política Os atos de direção política, consistem em decisões que envolvem uma escolha

potencialmente livre de opções primárias relativas ao funcionamento das instituições do

Estado e determinam objetivos de ação política, fixando, se for caso disso, meios ou

vias para a sua persecução.

A direção política não implica a possibilidade de um órgão de soberania poder

arrogar-se a uma posição de hierarquia em relação a outro, nem a faculdade de lhe dar

ordens, instruções ou injunções, realidade que é liminarmente excluída pelo Tribunal

Constitucional (ac. 214/2011). Supõe, ao invés, o exercício de faculdades de “indirizzo”

político que tanto podem envolver poderes positivos de escolha e orientação, como

também poderes constitutivos exercidos no contexto de relações pontuais de primazia

de um órgão sobre outro e no estrito âmbito de relações especiais de responsabilidade

política fixadas na Constituição.

O Presidente da república é, por excelência, o órgão que dispõe de uma maior

panóplia de atos dessa natureza.

Nos que envolvem nomeações de titulares de órgãos constitucionais, enquanto

alguns atos são formalmente independentes (nomeação dos representantes da

república nas regiões autónomas e a nomeação do primeiro ministro tendo em conta os

resultados eleitorais) já outros envolvem uma competência partilhada com o Governo

(nomeação e exoneração dos membros do Governo sob proposta do Primeiro Ministro).

Contudo, todos eles, salvo o primeiro, também incorporam uma dimensão de

controlo político interorgânico: por exemplo, o Presidente pode dissolver o Parlamento

por razões de oportunidade política centradas num juízo negativo de mérito sobre o

desempenho de um Governo suportado numa maioria parlamentar.

Outros atos implicam ainda o exercício de poderes diretivos sobre o funcionamento

de órgãos colegiais: é o caso da convocação extraordinária da Assembleia da

República.

Finalmente, outras decisões implicam a prática de atos de projeção institucional

relevante para a proteção da República e da vontade popular diretamente expressa, no

contexto de competências partilhadas: é o caso da declaração dos estados de sitio e de

emergência sujeita a autorização parlamentar.

Também a Assembleia da República exerce importantes poderes de direção, como

é o caso do Executivo, quando aquele órgão parlamentar vota moções de censura e de

confiança ao Governo e quando submete a votação, o seu programa.

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A proposta de convocação de referendos é, como vimos, outro modo de expressão

do poder de direção num procedimento político partilhado com o Presidente.

O Governo e os respetivos órgãos, exercem poderes de direção quando, por

exemplo, o primeiro ministro propõe ao presidente a nomeação de titulares de órgãos

constitucionais.

Atos de controlo Já os atos de controlo político implicam um poder de escrutínio e vigilância por parte

de determinados centros de poder sobre outros órgãos ou titulares de órgão, bem como

sobre os respetivos atos. Enquadram-se nesta categoria os seguintes tipos de decisões:

Þ Decisões de responsabilização política e jurídica interorgânica (ex: iniciativa

do processo de impeachment do Presidente);

Þ Poderes de livre apreciação do mérito dos atos de outros órgãos (veto e

promulgação presidencial de atos legislativos bem como a ratificação de

tratados e assinatura de acordos);

Þ Autorizações, atestações e confirmações (referenda ministerial dos atos do

Presidente da República, etc.);

Þ Atos de garantia jurídica da ordem constitucional (promoção do controlo

preventivo e sucessivo da constitucionalidade das normas pelo Presidente,

o Primeiro Ministro e pelos deputados).

Função Administrativa

A função em epigrafe consiste numa atividade traduzida na concretização e

execução das leis e na satisfação permanente das necessidades coletivas legalmente

definidas, mediante atos, contratos e atuações materiais, dimanados de órgãos e

agentes dotados de iniciativa e parcialidade na prossecução do interesse público.

Critério material Os elementos substanciais da definição reportam-se, nomeadamente, à natureza

dependente ou secundária da função administrativa; aos objetivos que prossegue; e aos

princípios típicos que presidem à atuação dos seus órgãos.

A natureza subordinada desta atividade resulta do facto de a função administrativa

se vincular, não apenas à Constituição, mas também à lei (art. 266 nº 2).

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A prossecução do interesse público através da satisfação permanente das

necessidades coletivas conforma, também, no plano substancial os objetivos desta

atividade.

Finalmente, os centros de decisão administrativa devem exigir iniciativa e

parcialidade na prossecução do interesse público (seguindo objetivos políticos traçados

por lei e atuando como parte interessada na realização das referidas necessidades.

Constitucionalidade, legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça,

imparcialidade e boa-fé são alguns dos princípios constitucionais gerias que, nos termos

do nº 2 do art. 266, devem ser observados no exercício da atividade administrativa.

Critérios Orgânicos Quanto aos elementos orgânicos da definição, eles traduzem-se na menção aos

órgãos e agentes que desenvolvem a atividade administrativa, nos termos do art. 266

nº 2: enquanto os órgãos são centros autónomos e institucionalizados que desenvolvem

funções públicas administrativas em nome de uma pessoa coletiva, os agentes

colaboram com órgãos, numa posição subordinada em relação a estes.

O Governo é, nos termos do art. 182 da CRP, o “órgão superior da administração

pública” exercendo poderes de hierarquia ou direção sobre a administração indireta e

poderes de tutela ou controlo sobre a administração autónoma (alínea d do art. 199).

Critérios formais Os elementos formais da caracterização reportam-se às manifestações externas do

exercício da atividade administrativa, importando apenas destacar as que produzem

diretamente efeitos jurídicos, ou seja, os atos e contratos. As atividades materiais de

administração, referentes à produção de bens e prestação de serviços, embora

frequentemente precedidas de atos e contratos, não assumem, por si próprias, natureza

jurídica.

No tocante aos atos da Administração, importa distinguir:

Þ Os atos normativos, os quais assumem a natureza de regulamentos

administrativos, que para o efeito do CPA e nos termos do art. 135 do mesmo

código são normas jurídicas gerias e abstratas que, no exercício de poderes

jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos;

Þ Os atos administrativos que, nos termos do art. 148 do CPA, são decisões

que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos

jurídicos externos numa situação individual concreta.

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Quanto aos contratos administrativos estes caracterizam-se como acordos

plurilaterais de vontade celebrados entre entidades públicas ou entre estas e

particulares e que se destinam à constituição, modificação ou extinção de uma relação

jurídica administrativa.

Função Jurisdicional

Critérios materiais O elemento substancial da caracterização exposta centra-se:

Þ No objeto da função, traduzido na operação intelectual de resolução de

questões que envolvem a aplicação do direito;

Þ No fim ou escopo da atividade jurisdicional, traduzido na composição concreta

ou abstrata, de conflitos e litígios derivados de posições e interesses

contrapostos, mediante a resolução de uma questão jurídica, tendo em vista a

garantia da justiça material e da paz jurídica;

Þ Na sua natureza secundária ou subordinada, como atividade jurídico-pública

destinada a dar, predominantemente, a aplicação à Constituição e à lei.

Importa considerar que a posição subordinada dos tribunais em relação à lei não

inibe os mesmos órgãos de proceder, embora sem força obrigatória geral, à sua

interpretação e integração autorizada. O disposto no nº 5 do art. 112 apenas impede,

fora do campo do controlo da constitucionalidade, operações jurisdicionais de

interpretação e de integração que sejam dotadas de eficácia externa e força obrigatória

para os sujeitos situados fora do processo onde um determinado feito se encontra em

julgamento.

Critério orgânico O elemento orgânico reporta-se aos tribunais como centros institucionais de poder

formados por juízes que, com independência, desenvolvem especificamente a função

jurisdicional. A independência do tribunais manifesta-se, seja em face aos demais

órgãos do poder, seja entre si, sem prejuízo do regime de recurso para instancias

superiores.

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Critério formal O elemento formal reconduz-se às decisões jurisdicionais. Estas decisões, quando

vertem sobre o fundo da controvérsia, são qualificáveis como “sentenças” e corporizam

o resultado do exercício desta função.

No plano de in critério misto – formal e material – o conteúdo das sentenças é, em

regra, individual e concreto ressalvada a exceção de certos efeitos das declarações de

inconstitucionalidade proferidas pelo Tribunal Constitucional.

As Funções do Estado e o Princípio da Separação de Poderes

O sentido do princípio da separação com interdependência de poderes na ordem

Constitucional portuguesa

Separação de poderes

A separação de poderes, tal como se encontra enunciada no art. 2 e no art. 111 da

CRP, não tem uma relação de significado idêntica ao princípio da divisão de poderes do

liberalismo setecentista e oitocentista o qua, implicava que a cada órgão de soberania

fosse atribuída uma função do Estado , como pressuposto institutivo de um governo

moderado que evitasse formas extremas de autarcia e até de democracia.

Este princípio nasceu com a revolução liberal inglesa e foi teorizado por Locke, no

quadro de uma monarquia mista, a qual garantiria os valores primaciais da segurança,

propriedade e de liberdade individual, constituindo um obstáculo contra a tirania.

Montesquieu, na linha da sua interpretação sobre o funcionamento da monarquia

constitucional inglesa, foi o seu grande estudioso e divulgador.

De todo o modo, quatro razões afastam na atualidade, a leitura da divisão de poderes

oitocentista em relação ao paradigma da separação de poderes no Estado constitucional

de direito do tempo presente.

1º - Mutações na morfologia do princípio da separação de poderes derivadas de

transformações nas funções e nos fins do Estado.

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O princípio da separação de poderes, no esteio da construção liberal originária,

nunca teve uma efetividade evidente na prática constitucional. Mesmo a Constituição

norte-americana, que é afinal o texto constitucional que mais se aproxima da pureza do

mesmo modelo, acaba por derrogá-lo pontualmente.

2º - A liberdade conformadora do constituinte para configurar diversas modalidades

ou formas de expressão da separação de poderes.

Impera o entendimento segundo o qual, a ordenação das funções do Estado se

afere, não em função de um arquétipo teorético fixo ou rígido, mas sim em razão da

arquitetura orgânica das atividades e competências estabelecidas por cada Constituição

em concreto, o que exclui a ideia de uma separação estrita de funções públicas por

órgãos necessariamente distintos.

3º - Os limites políticos e jurídicos fixados pela teoria do “núcleo essencial” ao poder

constituinte e aos poderes constituídos como garantia identitária do princípio da

separação de poderes.

A ideia de flexibilidade e ductilidade da incidência do princípio de acordo com a

configuração própria de cada Constituição, acabada de observar, tem os seus limites,

sob pena de subversão de um critério estruturante e inseparável do “ethos” do Estado

de direito democrático.

Por maior que seja o esbatimento de fronteiras entre as funções do Estado e por

mais extensa que também seja a aptidão da Constituição para configurar em concreto

o modo de exercício das competências dos órgãos de soberania, existem parâmetros

teleológicos que, caso sejam ultrapassados, impedem que se possa invocar o respeito

pelo princípio da separação de poderes.

Não seria admissível que os órgãos que exercem o primado de uma função, o

viessem a perder em favor de outro órgão a quem coubesse, em tese, o primado de

uma função distinta.

No que toca ao poder constituinte, o princípio da separação de poderes não pode

ser desfigurado pela arrumação constitucional específica das competências dos

poderes soberanos em termos que envolvam a negação do seu “centro de gravidade”,

o qual radica em 3 dos seus pilares axiológicos e objetivos funcionais: a partilha do poder

político por uma pluralidade de titulares como forma de o limitar; a preclusão de uma

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concentração omnicompetente do poder “numa só mão”; e a proibição de ingerência de

certos órgãos no objeto medular das competências de outros.

Ora essa distribuição de funções, operada por via de uma repartição de

competências conforme com o princípio da separação de poderes implica o respeito

pelo núcleo essencial deste princípio – Teoria do núcleo essencial. Desta tese resulta o postulado de que a nenhum órgão soberano podem ser

cometidas funções de que resulte quer o esvaziamento das funções materiais atribuídas

a outro órgão quer a intromissão no círculo indisponível das funções que, por razões de

essencialidade material, devam pertencer a outro órgão.

Assim, se por força da Constituição um órgão parlamentar soberano cumulasse o

exercício da função legislativa com o exercício da atividade administrativa e com a

função jurisdicional, este quadro de repartição de competências não respeitaria o

princípio da separação de poderes.

O poder constituinte, sendo juridicamente ilimitado, não pode sob um ponto de vista

político, no contexto do Estado de direito democrático impor, pelo menos, uma realidade:

a entronização do princípio da separação de poderes, a par de uma contraditória

configuração de competências dos órgãos de soberania que negue a teologia daquele

princípio, centrada no objetivo de precludir abusos de poder e fenómenos de

despotismo, maioritário ou minoritário.

4º - A complementaridade incindível entre separação e interdependência de poderes.

Em qualquer ordem constitucional é excluída qualquer possibilidade de lateralidade

estanquista do exercício de funções. Emerge, neste contexto, o princípio da

interdependência de poderes (art. 111 nº 1), critério complementar e inseparável do

axioma da separação e que o Tribunal Constitucional designou como “dimensão

negativa do princípio da separação de poderes”. (ac. 214/2011).

Nestes termos, o princípio da separação de poderes implica que cada órgão

constitucional a quem é atribuído o núcleo essencial de uma função do Estado, se deva

conter nos limites das competências que lhe são constitucionalmente atribuídas, de

modo que seja assegurado um modelo de repartição que observe exigências de

essencialidade nuclear na distribuição das atividades públicas, de desconcentração e

de responsabilidade jurídica e política no exercício dessas atividades.

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17

Escassíssimos são os casos em que o TC se pronunciou sobre a intromissão dos

tribunais em funções de ordem não jurisdicional.

Já o fez, contudo, em acórdãos não isentos de controvérsia, no tocante à incursão

de órgãos administrativos na função jurisdicional (ac. 630/95) e de órgãos legislativos

na função administrativa (ac. 1/97 e ac. 214/2011).

Como corolários do princípio da separação de poderes, na esfera dos órgãos de

soberania, importa sublinhar:

Þ A repartição da atividade política stricto sensu entre o Presidente, a

Assembleia e o Governo;

Þ A repartição da atividade legislativa entre a Assembleia e o Governo, sem

prejuízo do primado da Assembleia e da centralidade do Governo no exercício

dessa função;

Þ A exclusão da atribuição da função administrativa, com eficácia externa, à

Assembleia;

Þ A reserva de jurisdição confiada aos tribunais.

O princípio da separação de poderes não constitui um exclusivo dos órgãos de

soberania já que envolve, ainda, a repartição de funções e competências, operada

através da Constituição, entre os órgãos de soberania e outros órgãos constitucionais

do Estado, a quem a Constituição reconhece a titularidade de poderes autónomos, no

exercício das atividades políticas e legislativas e da função administrativa.

Assim, nas relações dos órgãos soberanos com as regiões autónomas e autarquias

locais a atividade legislativa é repartida entre o Governo e a Assembleia e as

assembleias legislativas das regiões. Quanto à função administrativa esta é repartida

entre o Governo e as assembleias legislativas das regiões, os governos regionais e as

autarquias locais.

Neste espectro de repartição de funções, a ordenação de poderes entre órgãos das

regiões autónomas. Nestas, os corolários são distintos:

Þ A função política é repartida pelos representantes da República, assembleias

das regiões e governos regionais;

Þ As assembleias das regiões têm a reserva da atividade legislativa;

Þ A função administrativa é repartida entre as assembleias e os governos das

regiões.

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Manifestações do princípio da interdependência de poderes

A insuficiência de uma separação de poderes sem interdependência entre os

mesmos pode sustentar-se em duas razões fundamentais.

A primeira reside na constatação de que não basta uma repartição de competências

entre órgãos soberanos e a atribuição, a cada um deles, do primado ou do núcleo de

uma dada função para que se garanta o objetivo fundamental da limitação de poder.

Tendo em consideração que só o “poder limita o poder” e tendo ainda em conta que

existem relações variáveis de primazia e interdependência entre esses poderes, regista-

se que a limitação da autoridade ocorre por força dos controlos interorgânicos, que os

órgãos soberanos exercem entre si.

A segunda razão prende-se às exigências de eficiência do funcionamento do sistema

político, as quais reclamam uma articulação recíproca na repartição de diferentes tarefas

sobre a mesma atividade e cooperação interorgânica no exercício de certos poderes.

A ideia de interdependência de poderes, configurada no art. 111 da CRP traduz a

ideia de que a repartição de funções e competências pelos órgãos de poder, no quadro

constitucional adotado não prejudica relações de colaboração e a aplicação de institutos

de responsabilização e controlo entre os mesmos órgãos.

Trata- se, fundamentalmente, do universo dos freios e contrapesos estabelecidos

entre os órgãos do poder político.

Pág. 83 – 91

Os Atos Jurídico-Públicos

Atributos e tipologia do ato jurídico

Conceito

Podemos definir ato jurídico-público como a decisão imputada aos órgãos de uma

entidade coletiva que se mostra apta à produção de consequências jurídicas na

prossecução dos fins públicos a que o mesmo ente se encontra adstrito.

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Na qualidade de decisão, o grau de vinculação pode ser mais ou menos intenso

conforme a natureza da função:

Þ É maior numa função dominante como a política, podendo no caso da

subfunção ou atividade legislativa falar-se em liberdade conformadora do

conteúdo dessa vontade, a qual varia na sua intencionalidade em razão dos

limites a que se encontra submetida pela Constituição, pelo direito

internacional público e por parte de leis interpostas;

Þ É menor em funções subordinadas ao império da legalidade como é o caso

da atividade administrativa (onde imperam graus variáveis de

discricionariedade e vinculação na atuação dos centros de poder executivo) e

jurisdicional (onde o conteúdo das sentenças é mais ou menos ativista em

razão do tipo de jurisdição que as profere, da margem de indeterminação que

a norma aplicada deixa ao interprete e da ousadia do juiz em transpor as

fronteiras da separação de poderes através de “sentenças normativas”).

Por regra, essa mesma vontade é imputada ao poder funcional do órgão de uma

pessoa coletiva que assume, por regra, natureza pública. Existem, contudo, situações

em que o ato é praticado por um ente de natureza jurídica privada, embora atuando no

desempenho de funções públicas e ao abrigo de um poder público de autoridade que

lhe foi concedido por uma pessoa coletiva pública, como é o caso da concessão de

serviço público.

A Constituição da República contém uma previsão específica do princípio da

constitucionalidade dirigida aos atos jurídico-públicos (e que vincula as entidades

públicas sem exceção), quando reza no nº 3 do art. 3 “a validade das leis e dos demais

atos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer entidades

públicas, depende da sua conformidade com a Constituição”.

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Pressupostos e Elementos do Ato

Pressupostos: órgão, vontade psicológica e competência

São pressupostos jurídicos do ato os parâmetros que condicionam a sua prática.

Trata-se de realidades pré-existentes ao ato e que devem encontrar-se

indispensavelmente reunidas, para que o mesmo possa ser produzido de um modo

conforme ao direito.

Podem os mesmos assumir natureza subjetiva (como é o caso do órgão e da vontade

funcional) e natureza mista, isto é, uma dimensão subjetiva e objetiva, nos termos que

serão adiante explicitados (competência).

Os órgãos são definíveis como os centros institucionais de poder que, em nome de

uma pessoa coletiva pública, exprimem uma vontade funcional da qual resulta a prática

de um ato jurídico-público. Trata-se de unidades funcionais através das quais uma

pessoa coletiva pública prossegue os seus fins que são alcançados mediante a tomada

de decisões unitariamente consideradas.

Sem órgão validamente criado para exercer uma dada competência não existe ato.

A vontade psicológica consiste na formação intelectiva da volição dos titulares de um

determinado órgão quanto à tomada de uma decisão que, na qualidade de vontade

declarada assume natureza de um ato jurídico-público.

os órgãos, como instituições abstratas, decidem mediante a sua atuação de pessoas

físicas que são os seus titulares. O querer do titular implica por parte deste uma ação, a

qual envolve uma escolha pública das opções que, dentro de uma pluralidade de

condicionamentos jurídicos, políticos, técnicos e fácticos, o mesmo decisor estime como

mais adequadas para configurarem o conteúdo de um comando jurídico expresso em

ato.

A vontade psicológica antecede à vontade declarada, a qual configura a forma e o

conteúdo do ato decidido.

A competência pode ser definida como a atribuição a um órgão, com eventual

exclusão dos demais, do poder funcional de aprovar atos jurídico-públicos no âmbito de

uma determinada matéria e nos limites de um determinado espaço e de um determinado

tempo.

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Trata-se de um pressuposto eclético ou misto do ato, pois comporta uma

componente subjetiva (já que implica o seu exercício por parte de um órgão a quem o

mesmo poder é cometido e outra objetiva (dado que supõe o reconhecimento normativo

de uma Potestas, exercida ao abrigo de uma função do Estado-Ordenamento e no

âmbito de uma determinada matéria e espaço territorial).

Elementos fundamentais: forma e conteúdo

Da vontade funcional declarada no ato, emergem dois atributos objetivos que devem

necessariamente encontrar-se presentes em qualquer decisão jurídico-pública.

Trata-se da forma e do conteúdo do ato.

A forma consiste no modo como o ato é produzido e revelado.

A cada órgão corresponde uma competência e a esta última inere um poder funcional

de praticar atos, cuja formação corre por um itinerário específico – procedimento

produtivo.

A revelação em sentido estrito consiste no título jurídico ou legenda que é aposto ao

ato formado ou declarado com base na tramitação descrita e que permite a sua

identificação externa.

A Constituição regula diretamente um número reduzido de procedimentos produtivos

de atos jurídico-públicos, com relevo para a lei.

Impõe ainda assim, nos atos cujo procedimento não regula formalidades produtivas

avulsas que devem ser respeitadas no procedimento genético de outros atos.

Já no que concerne à revelação dos atos jurídico-públicos, a Constituição estipula

expressamente, no nº 1 do seu art. 112 e no art. 116, os títulos formais legislativos, os

títulos de certas normas típicas da função política e reporta-se ainda aos títulos de

alguns atos político stricto sensu.

Quanto ao conteúdo do ato, este reconduz-se ao seu objeto e fim.

O objeto reconduz-se às disposições materiais que configuram a vontade declarada

(objeto imediato); e o domínio abstrato (o conjunto de situações fácticas ou jurídicas)

sobre o qual essa declaração incide (objeto mediato).

O fim consiste no escopo ou no objetivo que o ato visa preencher.

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Um ato considera-se prefeito se comtemplar todos os elementos e pressupostos e

imperfeito se apresentar vícios.

Em síntese, o valor positivo do ato conforme à Constituição resulta do facto de a sua

génese se mostrar conforme aos respetivos pressupostos constitucionais e de a sua

forma e conteúdo ostentarem uma relação de respeito pelos parâmetros fixados na Lei

Fundamental.

Tipologia elementar de atos jurídico-públicos

Assim, atentando ao critério da vontade, haverá a considerar os:

Þ Atos livres (quando o autor goza da faculdade de os praticar, situação que se

exemplifica no regime geral de promulgação e no veto político presidencial);

e os atos devidos (quando o autor é obrigado a praticá-lo, como é o caso do

veto por inconstitucionalidade do Presidente ou a obrigação de promulgação

de lei confirmada pelo Parlamento);

Þ Atos simples (praticados por um só órgão, como é a nomeação do primeiro-

Ministro pelo Presidente e a dissolução da Assembleia pelo Presidente,

ouvido o Conselho de Estado); atos complexos unipessoais (que implicam um

concreto de vontades diversas de órgãos e titulares pertencentes à mesma

pessoa coletiva, como é o caso do procedimento legislativo parlamentar que

resulte de um ato de iniciativa do Governo ou dos deputados); e atos

complexos pluripessoais ou procedimentos complexos (que resultam de um

concreto de vontades de órgãos, alguns dos quais pertencem a pessoas

coletivas distintas, como é o caso do processo de revisão dos estatutos

político-administrativos das regiões iniciados pelas suas assembleias e

aprovados pela Assembleia da República);

Þ Decisões (atos de vontade de um órgão singular, como é o caso dos decretos

presidenciais respeitantes a atos livre do Presidente) e deliberações (atos

jurídicos de vontade imputados a órgãos colegiais, como a Assembleia ou o

Conselho de Ministros).

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Em razão do objeto, haverá a considerar:

Þ Atos de eficácia interna (esgotam a sua produtividade na esfera jurídica do

órgão que emite o ato, como é o caso de atos administrativos aprovados por

órgãos da Assembleia tendo em vista a sua gestão interna); e atos de eficácia

externa (projetam os seus efeitos em destinatários diversos do órgão que

emite o ato, como é o caso da generalidade das leis e decretos-leis);

Þ Atos declarativos (os que atestam uma situação jurídica já constituída

precedentemente, como é o caso da declaração de inconstitucionalidade com

força obrigatória geral, proferida pelo TC); e atos constitutivos (os que geram,

pela sua prática, um status jurídico novo, criando, modificando ou extinguindo

situações jurídicas, como é o caso da generalidade das leis;

Þ Atos-condição (atos que vinculam o conteúdo dos outros, sendo pressuposto

necessário da sua produção ou da sua validade, como é o caso das leis de

bases da reserva parlamentar em relação aos decretos leis complementares);

e atos-objeto (atos vinculados no seu conteúdo pelos atos condição, como é

o caso de um decreto-lei complementar ou autorizado);

Þ Atos normativos (os que implicam a aprovação de leis, bem como de outros

atos jurídico-públicos de conteúdo geral e abstrato, como os regulamentos; e

atos não normativos (decisões públicas não legislativas com conteúdo

individual e concreto, como os atos políticos e os atos administrativos.

Pág. 92 – 124

Conceito e Estrutura do Ato Normativo

Aceções de Norma Jurídica na Ordem Constitucional Portuguesa

Ausência de um conceito unitário de norma jurídica na Constituição

O nº 1 do art. 277 dispõe que o sistema de fiscalização da constitucionalidade tem

por objeto uma “norma”. Mas no amplo universo dos atos jurídico-públicos que, de

acordo com o do nº 3 do art. 3 da CRP, se encontram sujeitos ao império da Constituição,

como identificar aqueles que assumem a natureza de normas jurídicas?

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Considerámos, oportunamente, que a “desmaterialização” do conteúdo geral e

abstrato dos atos legislativos, iniciou-se no termo do pontificado do Estado Liberal,

tornando-se prática corrente num Estado social caracterizado pela emissão de leis

singulares destinadas a reger realidades contingentes. Trata-se de um fenómeno

caracterizado pela produção de leis medidas e leis individuais e concretas destinadas a

incidir sobre situações particulares carentes de regulação e pela necessidade de acorrer

a cenários de necessidade legislativa que se convertem em prática comum, libertando-

se velozmente grandes quantidades de normas legais, designadas por aluviões

legislativos.

Na ordem jurídica portuguesa a generalidade e abstração, com predicados

substanciais do conceito de norma, apenas são exigidos relativamente a leis que

disciplinem certas matérias (nº 3 do art. 18 no tocante a leis restritivas de direitos

liberdades e garantias) ou se encontram pressupostas (no tocante ao fator

generalidade), no conteúdo exigível a certas categorias legais em razão da sua natureza

paramétrica e incompleta (como é o caso das leis de bases). É pois legitima a inferência

de que a lei poderá assumir um conteúdo muito variável, o qual se mostra passível de

abarcar disposições gerais e concretas e individuais e concretas.

O ato administrativo constitui uma manifestação singular da atividade executiva, a

qual, por natureza e definição, se encontrava vinculada à lei. O seu conteúdo não é

politicamente inovador como o da lei, nem supõe qualquer liberdade conformadora na

sua edição; a sua forma não é a legal; e a sua potência é menos intensa do que a da

força de lei. A haver leis que esgotem efetivamente o seu conteúdo num ato

administrativo, elas, para lá, de outras difusões de natureza lógica e teleológica

passíveis de problematizar em certos casos a sua validade constitucional, dificilmente

poderiam passar por normas.

Não faria, deste modo, sentido elaborar um conceito material e unitário de norma

jurídica centrado na ideia de decisão, associado à produção de efeitos jurídicos.

Semelhante noção de norma dificilmente se conjugaria com o conceito de normatividade

inerente aos regulamentos, o qual deriva fundamentalmente do seu conteúdo geral e

abstrato. E dificultaria, igualmente, a distinção entre leis individuais auto-aplicativas e

atos administrativos.

Mas ao invés, no caso de se elaborar um conceito de norma caracterizado, no

mínimo, pela generalidade, caíram fora de muitas leis singulares, que, todavia, não se

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reduzem ao conteúdo de um ato administrativo, já que contém previsões políticas de

caráter inovador.

Surge, portanto, uma situação dilemática.

Aceção material de norma na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo

Fundamentos de uma distinção entre norma legal e ato administrativo Normas legais, seriam, assim, segundo o STA, todos os atos inovadores produzidos

por órgãos titulares da função legislativa que revestissem forma de lei e que detivessem

conteúdo geral e abstrato. E o ato administrativo seria uma decisão que no exercício de

poderes jurídico-administrativos vise produzir efeitos externos numa situação individual

e concreta, independentemente da forma com que seria emitida, a qual poderia ser

regulamentar ou legal.

A noção de norma em exame desvaloriza, deste modo, os seus atributos de

caracterização formal, em termos de se poder considerar como não normativos, e como

tal impugnáveis em sede de contencioso administrativo de anulação, os atos de

conteúdo singular aprovados sob a forma legislativa. Assim, comandos contidos em

seus direitos seriam tidos como atos administrativos (ac. do STA de 24/05/94), podendo

esses atos, pese o facto de estarem contidos em diploma legislativo, enfermarem do

vício de violação de lei, por colisão com prévia norma geral que deveria constituir o seu

parâmetro (ac. do STA de 31/05/2000).

Normas legais e as normas regulamentares: A norma legal seria geral e abstrata e de hierarquia superior ao regulamento.

O conceito “funcional” de norma na jurisprudência do Tribunal Constitucional

Subsídios para uma noção “paradigmática” de norma Norma, em sentido funcional, será toda a regra de conduta ou critério de decisão que

tenha por destinatários os particulares, a administração e os tribunais (ac. nº 80/86). –

Definição tópica e insatisfatória do ponto de vista lógico (prof. Blanco Morais).

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A necessidade de abranger figuras jurídicas de forma e conteúdo distinto levou o

Tribunal Constitucional a conter na sua conceção “funcional”, uma noção dualista de

norma, passível de abarcar realidades estruturalmente diversas:

Þ De um lado, os comandos jurídicos sob forma de lei, que seriam sempre

norma jurídica para o efeito da sua submissão ao sistema de fiscalização

da constitucionalidade;

Þ De outro lado, os restantes atos normativos desprovidos de forma legal, os

quais para integrarem o conceito funcional de norma deveriam conter os

comandos caracterizados pela sua generalidade e abstração.

Norma legal de conteúdo singular (medida), ato administrativo e regulamento Para o TC, um conceito de norma adequado à função que a Constituição confere ao

Tribunal é aquele que inclua todo o ato do poder público que “contenta uma regra de

conduta para os particulares e para a Administração, ou um critério de decisão dessa

última para o juíz”, o que acontecerá ainda “com os preceitos legais de conteúdo

individual e concreto, ainda mesmo quando possuam eficácia constitutiva”, pois que,

tendo eles também como parâmetro de validade imediato não a lei mas a Constituição,

nada justificaria que o seu exame escapasse ao controlo específico da

constitucionalidade.

No que respeita ao controlo das normas não legislativas, o Tribunal Constitucional

estimaria que o seu conteúdo geral, ou geral e abstrato, constituiria o critério

determinante da sua inclusão no objeto do sistema de fiscalização, como sucede com

as resoluções parlamentares de conteúdo normativo (ac. 405/87 e 63/91) e com os

regulamentos administrativos em geral (ac. 34/86).

Posição Adotada

De “iure condendo”, a generalidade deveria constituir, por regra, o elemento

estrutural de caracterização de uma norma jurídica. Norma seria, por regra, um critério

de decisão aplicável a uma pluralidade indeterminada ou imediatamente determinável

de destinatários, independentemente de se esgotar numa situação concreta o numa

pluralidade de situações. Já a abstração não deveria no nosso entendimento, constituir

mais um elemento permanente de definição na norma, pois não abrange regras que se

esgotam na regulação de um facto determinado e circunscrito no tempo, as quais

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assumem caráter normativo em razão da natureza geral do seu comando. A

repetibilidade não é um elemento decisivo da noção de norma, embora possa ser

atributo exigível para certas normas (leis restritivas de direitos, liberdades e garantias e

a grande maioria dos regulamentos).

Dando uma definição: as normas são, por regra, gerais e também abstratas, exceto

se revestirem a natureza de atos legislativos, os quais se caracterizam por ser critérios

de decisão de conteúdo político, dotados de forma e de força geral de lei,

independentemente de o seu conteúdo ser geral e abstrato, geral e concreto ou até,

individual e concreto.

Categorias dos Atos Normativos na Ordem Constitucional Portuguesa

Normas legislativas: introdução

Os atos legislativos constituem a categoria normativa mais importante de natureza

sub-constitucional sendo tratados em capítulo próprio mais adiante.

Normas “Atípicas” da Atividade Política em Sentido Estrito

Ato Referendário Nacional

Natureza jurídica

O referendo constitui uma forma de expressão da democracia semi-direta, exercida

no âmbito da função política, porque a sua realização depende da combinação da

vontade representativa dos órgãos do poder político que o propõem (AR e o Governo)

e o convocam (Presidente da República), com vontade do eleitorado que aprova ou

rejeita, mediante sufrágio, a questão referendada (componente da democracia direta).

E integra-se, nos termos dos nº 1 e 3 do art. 115 da CRP, no exercício da função política

em sentido estrito, porque se trata de um instituto de expressão da vontade popular,

através de sufrágio, que incide sobre questões de “relevante interesse nacional” que

devam ser decididas pelo Governo ou pelo Parlamento, contudo, a decisão referendária

assuma forma de convenção ou de ato legislativo. Deste modo, o resultado do referendo

integra-se substancialmente no âmbito da função política.

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É certo que a doutrina maioritária considera o referendo vinculativo um ato político

não normativo, referindo mesmo que o facto de incidir sobre matérias de competência

legislativa dos órgãos de soberania não o converteria em norma. Ora, uma decisão regra

com conteúdo vinculativo tem, necessariamente, alcance normativo.

Esse mesmo alcance torna-se patente quando o legislador é obrigado a alterar uma

lei para compatibilizar com o sentido de uma decisão referendária (resposta positiva),

ou quando se vê precludido de alterar uma lei ou alterá-la num dado sentido (resposta

negativa). Neste contexto o ato referendário é, também, um parâmetro da lei, o que o

converte em “norma sobre a normação”.

Dir-se-á que o resultado vinculativo do referendo consiste numa resposta a uma

questão, resposta essa cujo conteúdo é excessivamente abstrato e etéreo, em termos

de densidade reguladora, para poder ser traduzido numa norma equiparada a lei.

Dir-se-á, também, que os seus efeitos se projetam apenas na estrutura organizativa

do poder político, um pouco como os atos políticos, não possuindo eficácia externa.

Contudo, o referendo está sujeito a publicação e os seus efeitos de ordem positiva sobre

o decisor normativo assimilam o mesmo instituto ao regime de uma lei de autorização

legislativa, a qual não produz por si própria eficácia direta sobre os destinatários, antes

se configurando como um comando sobre o decisor legislativo. Ora, se ninguém nega

caráter normativo a uma lei de autorização legislativa, pelo facto de a mesma ter como

destinatário imediato o legislador e não os cidadãos, tão pouco se pode negar natureza

normativa ao referendo pelo facto de exprimir a sua vinculatividade imediata sobre o

decisor normativo.

Conclui-se, deste modo, pelo entendimento segundo o qual a decisão referendária

tem conteúdo normativo.

Objeto

O objeto do referendo nacional incide sobre questões de relevante interesse nacional

que devam ser decididas pelo Governo ou pelo Parlamento através da aprovação de

convenção internacional ou ato legislativo (art. 115 nº 3) com exclusão daquelas que se

encontram expressas nas seguintes matérias: alterações da Constituição; questões e

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atos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro; e matérias previstas no art. 161

da CRP; e as matérias da reserva absoluta de competência da AR.

Por não terem natureza de lei ou convenção ficam excluídos atos políticos, atos e

normas administrativas e atos jurisdicionais.

Diversamente do que entende alguma ilustre doutrina, a expressão convenção

internacional abrange tratados e acordos internacionais, não havendo, devido à

aproximação dos regimes de conclusão destas duas convenções e da sobreponibilidade

conteudística entre a grande maioria de tratados e acordos aprovados pelo Parlamento,

qualquer fundamento plausível para excluir do referendo os acordos internacionais.

Âmbito e extensão

De acordo com o art. 115 nº 6 da CRP, cada referendo incide sobre uma só matéria

(evitando-se manipulações em que a resposta favorável ou desfavorável a uma questão

principal, possa conduzir por arrastamento a uma votação de sentido idêntico noutras

questões sensíveis).

O nº de perguntas não deve exceder o máximo de três (nº 1 do art. 7 da Lei do

Referendo), executadas as convenções internacionais, relativamente às quais é apenas

autorizada uma questão.

Formulação da questão referendária

As questões devem ser formuladas com objetividade, clareza e precisão e dirigidas

a respostas de sim ou não (nº 6 do art. 115) de forma a evitar, respetivamente, tanto a

confusão dos eleitores sobre o seu sentido, como a ambiguidade na interpretação dos

resultados. Não devem as mesmas questões sugerir, direta ou indiretamente, o sentido

da resposta (nº 2 do art. 7 da LR) ou ser precedidas por considerações preambulares

(nº 3 do art. 7 da LR).

Síntese procedimental

Iniciativa A iniciativa primária para a convocação de um referendo nacional compete à AR e

ao Governo, mediante resolução parlamentar ou resolução do Conselho de Ministros,

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respetivamente, devendo essas propostas incidir no âmbito das matérias da sua

competência, nos casos previstos na Constituição e na lei (nº 1 do art. 115).

O nº 2 do art. 115 prevê, também, uma iniciativa condicionada ou uma pré-iniciativa

apresentada em sede parlamentar que é reconhecida a grupos de cidadãos eleitores

(em nº mínimo de 60.000, de acordo com o art. 16 da LR). O seu caráter condicionado

decorre da circunstância de a Constituição determinar que o impulso referendário dos

cidadãos só se formaliza com iniciativa legislativa se não for rejeitado pela Ar, fixando a

Lei do Referendo, nos termos e prazos da apresentação e de apreciação parlamentar.

Trata-se no fundo de um instituto atípico em que a iniciativa popular se exerce junto do

Parlamento e não junto do Presidente.

Controlo preventivo obrigatório da constitucionalidade e legalidade O Presidente submete, obrigatoriamente, nos termos do nº 8 do art. 115, as

propostas referendárias a um controlo preventivo de constitucionalidade e legalidade

junto do TC (sendo o parâmetro legal, a lei orgânica do referendo), devendo fazê-lo nos

oito dias subsequentes à publicação da proposta parlamentar ou governamental (art. 26

da LR). O Tribunal, dispõe de 20 dias para decidir – art. 30 da LR.

A formulação imperativa do preceito leva a concluir que, mesmo que pretenda não

convocar o referendo, o Presidente deverá sempre submeter as propostas ao controlo

preventivo.

Convocação O Presidente tem plena liberdade política para convocar, ou não, mediante decreto,

um referendo que lhe seja proposto (art. 115 nº 1), não se encontrando o decreto

correspondente sujeito a referenda ministerial (art. 140). Tão pouco, no caso de recusa

da convocação, pode a mesma ser superada por efeito de uma confirmação

parlamentar. As propostas do referendo recusadas pelo Presidente não podem ser

renovadas na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da AR ou demissão do

Governo (nº 10 do art. 115). A mesma liberdade decisória do Presidente no processo de

convocação é aplicável à consulta direta nacional relativa à instituição em concreto das

regiões administrativas (nº 3 do art. 256).

O Presidente dispõe de 25 dias para decidir sobre a convocação do referendo no

caso do TC se pronunciar pela não inconstitucionalidade da proposta (art. 34 da LR). O

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Referendo deverá ter lugar, nos termos do nº 2 do art. 35 da LR, entre o sexagésimo e

o nonagésimo dia após a data da publicação do decreto presidencial de convocação.

Parece por demais evidente que o ato de fiscalização precede a decisão política e

que o Presidente violaria o nº 8 do art. 115 da CRP e os art. 226 e 34 da LR se tivesse

decidido não convocar por razões políticas o referendo sem ter previamente submetido

a correspondente proposta ao TC.

São excluídas a convocação e a efetivação de referendos entra a data de

convocação e a realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, de governo

próprio das regiões autónomas e do poder local e de Deputados ao parlamento europeu.

Princípios e regras eleitorais São aplicadas ao referendo, com adaptações, as normas constantes dos nºs 1, 2, 3,

4 e 7 do art. 113.

Capacidade eleitoral ativa Participam no referendo todos os cidadãos eleitores residentes em território nacional

e cidadãos residentes no estrangeiro regularmente recenseados e com laços de efetiva

ligação à comunidade nacional, quando a questão referendária recaia sobre matéria que

lhes diga respeito (nº 12 art. 115). Podem igualmente os cidadãos de países de

expressão portuguesa com estatuto de igualdade de direitos políticos (nº 3 do art. 15).

Efeitos do referendo

Pressupostos para a produção de efeitos jurídicos O referendo só terá efeito vinculativo quando o nº de votantes for superior a metade

dos eleitores inscritos no recenseamento (nº 1 do art. 115)

Efeitos puramente políticos No caso de o requisito previsto no nº anterior não se verificar, o referendo terá o

efeito político equivalente a uma consulta não vinculativa.

Mas, cumpre referir que em nenhum dos referendos realizados até 2008 votou a

maioria dos eleitores inscritos no recenseamento, como impõe a norma do nº 11 do art.

115 para a decisão ser vinculativa mas, mesmo sem essa vinculação, o decisor político

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acatou o seu sentido durante mais de uma década, o que não deixa de ser significativo,

em termos de avaliação político-psicológica do peso da vontade popular direta.

Efeitos jurídicos no contexto de uma resposta negativa Sendo o referendo vinculativo e a resposta negativa, o sentido da decisão

referendária será um comando normativo de sentido proibitivo que impedirá o legislador

parlamentar ou governamental de aprovar um ato legislativo ou convenção internacional

sobre a matéria na parte correspondente às perguntas objeto de resposta negativa,

salvo nova eleição da AR, ou realização de novo referendo com resposta afirmativa (art.

243 da LR).

Por outro lado, verifica-se que novas propostas de referendo objeto de resposta

negativa do eleitorado não podem ser renovadas na mesma sessão legislativa (no

mesmo ano), salvo eleição da AR ou, em caso de iniciativa oriunda do Governo até a

formação de um novo executivo (art. 244 da LR).

Em caso de violação da obrigação de não legislar, considera-se que a lei emitida na

base de decisão referendária será ilegal, nos termos do nº 3 do art. 112 e da alínea b)

do nº 1 do art. 281 da CRP. Essa ilegalidade que pode ser sujeita ao controlo do TC em

fiscalização concreta e abstrata sucessiva, tem como efeito a invalidade da lei

correspondente.

Efeitos jurídicos no contexto de uma resposta positiva De acordo com o art. 241 da LR, se a decisão referendária dor vinculativa e da

votação resultar resposta positiva a AR ou o Governo devem aprovar num prazo não

superior, respetivamente, a 90 ou a 60 dias, a convenção internacional ou o ato

legislativo de sentido correspondente à decisão referendária.

O presidente não pode vetar um ato legislativo ou recusar a ratificação ou assinatura

de convecção internacional aprovados na sequência de um ato referendário de sentido

positivo (art. 242 da LR), com fundamento na discordância em relação ao conteúdo da

norma que resultar da decisão referendária.

Poderá, contudo, exercer o veto fundado numa discordância em relação as normas

do diploma que não resultem diretamente do sentido do referendo.

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No caso de os órgãos competentes não emitirem o ato dentro do prazo legal prescrito

para o efeito, verificar-se-ia, segundo um setor da doutrina, uma inconstitucionalidade

por omissão, cuja apreciação não caberia, contudo, na moldura do art. 283 da CRP que

tem por objeto, apenas, normas constitucionais não exequíveis por si próprias.

Se, ao invés de um cenário de inação, for aprovada uma lei ou convenção

desconforme com o sentido positivo do referendo, abrem-se duas opções a saber:

Þ Se o ato normativo vier a ser aprovado depois da renovação da Ar por nova

eleição e a formação de novo Governo, não haverá obstáculos à sua validade

(solução integrativa de lacuna e fundada na aplicação analógica do art. 244

para as respostas negativas);

Þ Se o ato normativo for aprovado em divergência com os limites circunstanciais

referidos no nº anterior, ele violará, no nosso entendimento, o art. 240 da LR

que determina a vinculatividade do ato referendário, sendo como tal, ilegal.

Nota sobre os referendos regional e local

O nº 2 do era. 232 e o nº 13 do art. 115 consagram o referendo de âmbito regional,

o qual também é regulado pela lei nº 15-A/98.

Quanto ao referendo local, este encontra-se previsto no art. 240 da CRP e na lei

orgânica nº 4/2000, de 24/08.

As Resoluções Normativas

Introdução

A Constituição reporta-se à figura da resolução como um ato da competência da AR

e das assembleias legislativas das regiões.

No que concerne às resoluções da AR, embora a lei fundamental não defina a

natureza da decisão em análise, verifica-se que o facto de o nº 5 do art. 116 d CRP a

configurar como forma de ato do Parlamento consagrada residualmente para decisões

que não revistam outro título ou legenda implica que a resolução parlamentar possa ser

qualificada como ato da função política em sentido estrito. Isto, na medida em que não

é um ato legislativo e dado o facto de a AR não exercer a função administrativa (com

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eficácia externa) nem tão pouco a função jurisdicional. Por identidade de razão,

considerações idênticas podem valer para as assembleias legislativas regionais.

No que toca ao Governo, as resoluções do Conselho de Ministros não têm

consagração constitucional, encontrando-se, todavia, a sua emissão prevista da alínea

b) do nº 3 do art. 3 da lei 74/98 de 11/11, relativa à publicação, identificação e formulário

dos diplomas.

Importa, todavia, sublinhar que as resoluções do Conselho de Ministros, tanto podem

revestir a natureza de atos administrativos e regulamentos administrativos, como a de

atos e normas da função política, assumindo, assim, no seu corpus, funções e

conteúdos variáveis.

Um atributo comum a todas as resoluções referidas é o de que não se encontram

sujeitas a promulgação pelo Presidente.

Os regimentos

Natureza Os regimentos dos órgãos colegiais constituem normas estatutárias interna corporis

e como tal, regras relativas à organização e funcionamento dos mesmos centros de

poder, podendo ainda dispor sobre os direitos e deveres dos seus titulares.

No que toca aos órgãos constitucionais, as normas regimentais têm uma função

subsidiária em face da Constituição e da Lei. Quanto ao Governo, o nº 2 do art. 198 da

CRP remete para a reserva do decreto-lei matéria da organização interna do Executivo,

pelo que caberá no objeto do regimento do Conselho de Ministros, as matérias que o

Governo entenda que não devem ser inseridas na legislação orgânica do mesmo

governo e dos ministérios.

No que tange às Assembleias legislativas das regiões autónomas, existem sobre

elas disposições organizativas e funcionais na Constituição e nos estatutos político-

administrativos. As normas regimentais devem observar não apenas o disposto na

Constituição, mas também nos estatutos, podendo ser julgadas ilegais, ao abrigo da

alínea c) do nº 1 do art. 281 da CRP se violarem normas estatutárias (ac. 645/2013).

As normas regimentais são aprovadas pela AR, nos termos constitucionais, sob

forma de resolução e o Conselho de Ministros, sob forma de resolução do Conselho de

Ministros.

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Poderemos qualificar os regimentos como normas atípicas da função política em

sentido estrito.

Contudo, enquanto o regimento da AR e os regimentos das assembleias das regiões

são atos normativos com relevância constitucional, o regimento do Conselho de

Ministros não possui relevância constitucional, podendo, em tese, nem sequer existir.

Eficácia e vinculatividade As regras regimentais são normas jurídico-públicas com eficácia externa. A alínea f)

do nº 1 do art. 119 da CRP determina a publicação do Diário da República, dos

regimentos da Assembleia da República, das assembleias regionais do Conselho de

Estado.

Quanto ao regimento do Conselho de Ministros este foi, até há não muitos anos

“secreto” e as próprias diretrizes de redação e sistematização de normas, constavam de

uma deliberação não publicada do mesmo conselho.

Com a publicação do Regimento do Conselho de Ministros do DR, na medida em

que passou a ser aprovado por resolução do mesmo Conselho o pseudo-segredo foi

totalmente desvendado.

Também o regimento do Conselho de Ministros tem eficácia externa, na medida em

que, as suas normas podem projetar-se sobre a esfera jurídica de outros órgãos. Ora,

na qualidade de normas jurídico-públicas com eficácia externa podem as mesmas ser

objeto de fiscalização da sua constitucionalidade.

No que respeita à sua vinculação jurídica, esta surge claramente diminuída no que

concerne à sua parametricidade em relação aos atos políticos e legislativos.

A Constituição não atribui às normas regimentais caráter vinculativo.

Resoluções parlamentares incidentes sobre o conteúdo e sobre a eficácia de outros

atos normativos

Apreciação parlamentar para efeito de cessação ou suspensão de eficácia de decretos-leis e decretos legislativos regionais

Considera o TC (ac. 405/87) que assumem natureza normativa as resoluções da

Assembleia da República que determinam a cessação de vigência ou a suspensão de

decretos-leis (salvo os emitidos ao abrigo da competência do governo, bem como de

decretos legislativos regionais autorizados (art. 169 e nº 4 do art. 277). Essas resoluções

são aprovadas no âmbito do instituto de apreciação parlamentar de atos legislativos

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emanados de outros órgãos, o qual conforma um controlo interorgânico exercido no

âmbito da função política, mas que garante instrumentalmente o primado da AR quanto

ao exercício da atividade legislativa.

Estas resoluções corporizam uma derrogação expressa ao princípio da tipicidade da

lei (nº 5 do art. 112) na medida em que, apesar de não revestirem forma de lei,

determinam uma cessação de vigência de atos legislativos (com eventual efeito

repristinatório do direito por aqueles revogado) ou a sua suspensão. Ainda assim, não

podem as mesmas resoluções assumir o conteúdo material típico de um ato legislativo

e fixar alterações a decretos-leis e decretos legislativos regionais.

A serem consideradas normas jurídicas, estas resoluções poderão ser suscetíveis

de fiscalização sucessiva (abstrata e concreta) da sua constitucionalidade, ao abrigo do

nº 1 do art. 277.

Resoluções que aprovam tratados No campo das resoluções que aprovam e rececionam o conteúdo de outras normas,

assumindo caráter normativo, haverá a destacar as resoluções da Ar que aprovam

tratados internacionais (nº 6 do art. 166), encontrando-se nessa qualidade sujeitas a

fiscalização preventiva da sua constitucionalidade (nº 1 do art. 278).

Declaração dos Estados de exceção

Introdução à figura e pressupostos

Quando conformado com a ameaça de lesão ou com a própria lesão dos bens

jurídicos mais essenciais do ordenamento estadual o poder político pode, se a

legalidade ordinária se mostrar insuficiente para a defesa dos mesmos valores, sacrificar

transitoriamente certos bens jurídicos de menos essencialidade.

O estado de sítio e o estado de emergência configuram estados de exceção

integrados numa legalidade de crise, cujo regime e efeitos principais se encontram

regulados no art. 19 da Constituição.

Podem, deste modo, os dois institutos, integrar a figura de um estado público de

necessidade justificante. O sacrifício temporário de um conjunto delimitado de bens

jurídicos, traduzido na suspensão de direitos, liberdades e garantias, tem-se justificado

pela necessidade de preservar bens mais importantes, os quais, se ofendidos, poderiam

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importar, para além de outras consequências, o sacrifico mais agravado ou permanente

dos primeiros.

O que é que distingue o estado de sítio do estado de emergência:

Þ Os pressupostos da declaração dos estados excecionais que revestem

caráter comum (nº 2 do art.19) devem assumir “menor gravidade” no estado

de emergência do que no estado de sítio (nº 3 do art. 19), pelo que a opção

por um ou por outro instituto, considerada essa gravidade, deve ser feita no

respeito pelo princípio da proporcionalidade (nº 4 do art. 19).

Þ A declaração do estado de emergência reveste, necessariamente, caráter

parcial no tocante aos direitos fundamentais que num plano horizontal logra

afetar, dado que “apenas pode determinar a suspensão de alguns direitos,

liberdades e garantias suscetíveis de serem suspensos” (nº 3 do art. 19).

Þ Nos termos da lei que regula o respetivo regime, enquanto a declaração do

estado de sítio pode envolver a intervenção ativa das forças armadas da

respetiva execução, essa mesma intervenção não tem lugar no estado de

emergência.

A natureza e o conteúdo do decreto presidencial de declaração dos estados de

exceção

Compete exclusivamente ao Presidente da República a declaração dos estados de

exceção (alínea d do art. 134) a qual, todavia, se conforma como um ato complexo já

que implica a concorrência de atos de controlo de outros órgãos constitucionais para

que possa validamente produzir os seus efeitos jurídicos.

A declaração de uma norma atípica da função política, atenta:

Þ A natureza do decreto presidencial, traduzida na necessidade de edição de

critérios de decisão de conteúdo geral que determinem especificamente a

suspensão, no todo ou em parte, de direitos, liberdades e garantias

suscetíveis de serem abrangidos pela mesma declaração (nº 6 do art. 19),

bem como a fixação de limites a essa suspensão, as condições de intervenção

de forças militares se for caso disso, bem como regras sobre a duração do

estado de exceção declarado e o seu âmbito territorial.

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Þ A essência não legislativa do decreto, já que o chefe de Estado não legisla e

o decreto não se encontra incluído na reserva de lei, o que em conjugação

com a liberdade primária que subjaz à prática do ato, bem como o seu

conteúdo necessário (nº 4 e segs. do art. 19) e, ainda, à preferência das suas

regras sobre as leis e outras normas da função política, permite extrair o

conteúdo político do referido ato.

Þ A natureza vinculada da referida norma à Constituição e, referencialmente, à

lei do estado de sítio e estado de emergência, incluída na reserva de lei

orgânica.

Neste sentido, como ato normativo, o decreto é suscetível de fiscalização sucessiva,

concreta e abstrata na sua constitucionalidade nos termos do nº 1 do art. 277. Já a

fiscalização da sua legalidade, por inobservância da lei do estado de sítio e estado de

emergência, não parece possível, na medida em que, salvo o caso do referendo, apenas

os atos legislativos podem ser objeto de fiscalização da legalidade, com fundamento em

violação de lei com valor reforçado (alínea b do nº 1 do art. 280).

Tramitação de um ato normativo complexo

O ato de declaração começa por se encontrar sujeito, no plano introdutório, a parecer

obrigatório, mas não vinculativo do Governo, nos termos da alínea f do nº 1 do art. 197

e da alínea l do art. 138.

É seguidamente o mesmo ato sujeito a uma habilitação política da Assembleia da

República, a qual é competente para autorizar, ou não, a declaração dos estados

excecionais, mediante resolução (alínea l do art. 161, conjugada com o nº 5 do art. 166

e o nº 1 do art. 138).

Dispõe o nº 1 do art. 16 da lei orgânica nç 1/2012, de 11-05 que “ a resolução de

autorização da declaração do estado de sitio ou do estado de emergência conterá a

definição do estado a declarar e a delimitação pormenorizada do âmbito da autorização

concedida em relação a cada um dos elementos referidos no art. 14. Por seu turno, o

sobredito art. 14 elenca o conteúdo que a declaração deve corporizar.

Em primeiro lugar, a Constituição limita-se a atribuir a normatividade da decisão

inerente aos estados de exceção concretamente declarados, ao decreto presidencial

que contém a referida declaração (nº 5 e nº 8 do art. 119) e não o ato de autorização

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parlamentar cujo conteúdo a Constituição não define. É pois duvidoso que um ato infra

constitucional, uma lei orgânica, possa atribuir ao conteúdo da resolução autorizativa,

um conteúdo normativo sub-primário sobre a delimitação da autorização concedida, o

qual a Constituição não prevê nem implicitamente credencia.

A natureza condicionante do ato autorizativo ou habilitante que a Constituição atribui

à resolução parece incompatível e contraditória com a simultânea natureza

concretizadora e condicionada que o art. 16 da lei orgânica nº 1/2012 lhe confere.

Em suma, admitindo-se que a resolução autorizativa da declaração dos estados de

exceção possa condicionar limitadamente aspetos de eficácia da declaração autorizada,

sem alterar ou restringir o seu conteúdo normativo, considera-se que a sua função

concretizadora do conteúdo da declaração criada pelo legislador carece de sentido

lógico jurídico e de amparo em habilitação constitucional.

Em segundo lugar, não se vê como é que a legislação ordinária e a normação

regulamentar que venha a ser emitida na exclusão e cumprimento dos estados de

exceção declarados deva qualquer espécie de vinculação jurídica às normas de

resolução autorizativa que pormenorizam o conteúdo da declaração presidencial.

É que, nem a Constituição nem a própria lei orgânica impõem ao legislador ordinário

o imperativo de respeitar o conteúdo de uma resolução parlamentar na parte em que

esta, sem apoio constitucional, complemente o conteúdo normativo da declaração

presidencial. Por outro lado, não é possível sustentar a ilegalidade desses atos

legislativos com fundamento em violação na lei orgânica dos estados de exceção, já que

esta não lhes determina uma relação de subordinação em relação às nomas da

resolução autorizativa que pormenorizam a declaração.

O mesmo se diga dos atos normativos e individuais da Administração que executem

medidas excecionais.

Quando a Assembleia não se encontrar reunida ou não for possível reuni-la

imediatamente, a autorização é dada pela Comissão Permanente, devendo o referido

ato ser confirmado pelo Plenário, quando for possível reuni-lo (nº1 e 2 do art. 138).

Obtida a autorização, carece ainda a declaração de ser referendada

ministerialmente, no quadro de um controlo certificatório (nº 1 do art. 140), antes da

respetiva publicação do CR. Essa publicação constitui um requisito de eficácia.

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Pág. 124 -133

Normas da Função Administrativa: o Regulamento

Introdução ao poder regulamentar

A administração pública não só resolve problemas concretos inerentes à satisfação

das necessidades coletivas que a função administrativa prossegue, mas também supõe

a edição de normas gerais e abstratas que, seja em execução das leis, seja habilitadas

por estas, regulam as relações jurídicas administrativas, constituindo fundamento para

a prática de atos administrativos. Essas normas designam-se por regulamentos

administrativos.

A art. 135 do CPA define regulamentos, para efeitos do disposto no mesmo código

como, “as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes

administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos.”

Trata-se de uma definição com 3 atributos constitutivos:

Þ Elemento substancial: são normas jurídicas gerais e abstratas;

Þ Elemento funcional: são normas produzidas no “exercício de poderes jurídico-

administrativos. Trata-se de uma invocação dos poderes funcionais de

autoridades que se distinguem de outras categorias normativas.

Þ Atributo consequencial no âmbito da eficácia: de acordo com a definição legal,

os regulamentos são normas administrativas que visam “produzir efeitos

externos”. Ou seja, só serão regulamentos para efeitos de aplicação do CPA

as normas administrativas sujeitas a publicação e que, para além desse

requisito, sejam aptas para produzir eficácia intersubjetiva ou plurisubjetiva.

Parâmetros normativos das normas regulamentares

O art. 143 do CPA inova ao elencar um conjunto de normas que constituem

parâmetro de validade dos regulamentos. Trata-se da Constituição, do direito europeu

e das convenções internacionais, da lei ordinária, dos princípios gerais de Dto.

Administrativo, bem como, de outros regulamentos de hierarquia superior ou investidos

numa posição funcional de prevalência.

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Sinopse sobre o parâmetro de legalidade dos regulamentos

A ordem jurídica portuguesa prevê a existência de:

Þ Regulamentos independentes, os quais podem conter disciplinas tendencial

ou parcialmente inovatórias, em termos próximos das leis, carecendo,

contudo, pelo menos, para poderem ser editados, que uma lei defina a

competência objetiva ou subjetiva para a sua emissão devendo os mesmos

regulamentos independentes, assumir a forma de decreto regulamentar se

forem aprovados pelo Governo;

Þ Regulamentos autónomos, que são normas administrativas (independentes

ou de execução) emitidas por órgãos integrados na Administração autónoma,

a qual, por definição, prossegue interesses próprios, como será o caso das

autarquias, universidades e regiões com autonomia político-administrativa.

Þ Regulamentos de execução, são os que dispõem de menor densidade

reguladora e que se limitam a complementar ou a concretizar as normas

legais.

Devem assim, sob pena de inconstitucionalidade formal, os regulamentos de

execução invocar expressamente a lei que complementam ou concretizam e os

regulamentos independentes proceder à invocação da lei que define a competência para

a sua produção. Essa inovação não necessita de figurar numa parte ou trecho

determinado da norma regulamentar, bastando que a menção à lei figure no texto da

norma administrativa, mormente no preâmbulo ou no seu preceituado.

A norma do nº 6 do art. 112 da CRP impõe, como vimos, que os regulamentos

independentes do Governo assumam a forma de decreto regulamentar.

Assim sendo, infere-se que será inconstitucional, toda a norma legislativa que, sem

definir um regime jurídico, remeta para outro regulamento do Governo que não o decreto

regulamentar a disciplina desse mesmo regime, limitando-se a estabelecer a

competência objetiva e subjetiva para a emissão da norma regulamentar

correspondente.

A constituição não admite regulamentos delegados, ou seja, normas administrativas

que, mediante uma habilitação ou autorização legal, derroguem, integrem ou

interpretem atos legislativos, pois tal hipótese é proibida pelo princípio da tipicidade da

lei – art. 112 nº 5.

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Introdução às Relações de Hierarquia e Lateralidade entre Regulamentos

Administrativos

A hierarquia entre regulamentos estriba-se nos seguintes critérios: a posição

hierárquica ou subordinante do órgão competente; a solenidade da forma; a inovação

material; e o âmbito espacial de aplicação em domínios concorrenciais alternados e

paralelos.

Na orbita dos regulamentos governamentais:

A norma do nº 3 do art. 138 do CPA fixa a seguinte ordem de prevalência:

1. Decretos regulamentares;

2. Resoluções normativas do conselho de ministros;

3. Portarias;

4. Despachos normativos.

A hierarquia do decreto regulamentar está sustentada nos critérios orgânico, formal

e material; a hierarquia da resolução do Conselho de Ministros no critério orgâncio e

formal; e a hierarquia das portarias sobre os despachos normativos, estaria fundada

quer num critério orgânico e num mero critério de solenidade de formas criado pelo

próprio nº 3 do art. 138 do CPA.

Pág. 148 – 206

O Ordenamento Jurídico Português

Ordenamento Estadual como Sistema Fundado na Constituição

Deve-se ao positivismo normativo a primeira e mais bem sustentada conceção da

ordem jurídica como um sistema.

Podemos identificar o sistema como um conjunto de elementos que se encontram

associados e reciprocamente ordenados, no respeito de exigências comuns da unidade

interna.

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A conceção adotada pelo prof. Carlos Blanco Morais é a de sistema jurídico

autojustificado, porque fundado numa decisão política soberana e juridicamente

incondicionada que produz a norma de referência do mesmo sistema.

Para além da influência que esta conceção recebe do positivismo existencialista, ela

é igualmente tributária do positivismo inclusivo e do positivismo sociológico da teoria

aberta dos sistemas.

Do decisionismo extrai-se a valorização do poder de autoridade como componente

do ordenamento, o caráter existencial, supremo e conformador da decisão constituinte

soberana e a ideia de ordenamento jurídico como um complexo ordenado de decisores

e decisões. Já do positivismo sociológico retira-se a ideia de comunicação aberta entre

ordenamento e sistema social, realidade incontornável na “idade da comunicação”.

Finalmente, do positivismo integrador ou inclusivo recolhe-se o protagonismo da

Constituição como norma de referência do ordenamento jurídico, distinção entre a moral

e direito e a possibilidade de a Constituição poder incorporar e atribuir caráter jurídico a

alguns cânones morais de natureza objetiva, os quais podem constituir fatores exógenos

de integração e interpretação da lei fundamental.

As Componentes do Ordenamento: Decisões e Decisores

Sendo o ordenamento estadual um sistema geral gerido pelo direito e radicando a

essência do mesmo direito na existência de normas jurídicas, o facto é que não é

possível reduzir as componentes do referido sistema a um complexo de normas

jurídicas, como defende o positivismo normativo da Teoria Pura do Direito.

Decisões jurídicas

A positividade do ordenamento jurídico determina que o direito que releva no mesmo

sistema geral é o direito decidido, ou seja, o direito criado no respeito a atos de vontade

imputados a centros institucionais de poder competentes para o efeito.

Nesse complexo de decisões constam quer as normas do poder constituinte quer as

normas dos poderes constituídos. E, em sede constitucional, as normas de referência

do sistema integram tanto regras jurídicas como princípios jurídicos constitucionais.

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A par de alguns princípios imanentes do direito, os princípios constitucionais são,

eles próprios, direito decidido e não direito revelado ou imposto por um dever-ser

metapositivo.

Mesmo no que toca à enunciação de princípios que enunciem valores morais, eles

foram incorporados na Constituição por uma decisão ou ato livre de vontade do

legislador constitucional.

É inequívoco que as normas jurídicas ocupam um papel central na configuração do

ordenamento, já que as mesmas, determinadas por factos sociais, não só regulam as

relações individuais coletivas e outras situações da vida, como acabam também por

reger a sua própria criação. É até possível aludir a uma certa ideia de autorreprodução

normativa, avançada pelas doutrinas auto-referêndárias da Teoria dos Sistemas.

Contudo, torna-se óbvio que existem outros atos jurídicos não normativos que se

revelam essenciais ou relevantes para a génese, execução e para a validade das

próprias normas jurídicas. Trata-se, por exemplo:

Þ Dos atos administrativos e jurisdicionais que lhe dão aplicação concreta;

Þ E das sentenças integradas nos processos de fiscalização jurisdicional da

constitucionalidade e legalidade que, para além do seu importante papel

interpretativo do direito decidido, invalidam regras de direito contrárias aos

respetivos parâmetros.

As normas configuram o sistema normativo, como realidade principal e os restantes

atos integram outros sistemas ou subsistemas conformados pelo primeiro.

O sistema normativo configura a componente medular do ordenamento jurídico. São

as normas que regem a vida social e política. Os restantes atos jurídicos operam em

função das normas – condicionando-as, aplicando-as, interpretando-as ou fiscalizando-

as –. E as autoridades que produzem, aplicam e controlam as normas são também por

elas regidas, na medida em que as mesmas regulam o seu estatuto jurídico.

Os decisores jurídicos

Os atos jurídico-públicos não nascem de geração espontânea: são o produto da

vontade humana e esta exprime-se e formaliza-se em decisões tomadas pelos titulares

de órgãos que servem pessoas coletivas de direito público, encimadas pelo Estado.

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Haverá que separar o órgão da norma que o cria, regula e que pelo mesmo centro

de poder pode ser produzida, controlada, executada ou interpretada.

É a imputação dos atos jurídicos a uma decisão expressa por centros de poder

competentes que designamos de “autoridades” que lhes confere, sob um ponto de vista

orgânico-formal, positividade.

A ordem constitucional portuguesa é, sintomaticamente, bastante rigorosa tanto no

modo como distribui os diversos atos jurídico-públicos por centros de poder, quanto a

forma de qualificação destes últimos, a partir do art. 110 da CRP, em órgãos soberanos

e não soberanos, bem como ainda na conceção do modelo que utiliza para delimitar as

competências dos primeiros.

Elementos de Agregação do Ordenamento: unidade, coerência articular e relação

de pertença

Os elementos que compõem o sistema jurídico geral são conjuntos ordenados e

articulados em torno de uma exigência de unidade, a qual postula necessariamente um

imperativo de coerência.

Na esfera da Constituição de 1976, os princípios centrais da unidade política e

jurídica do ordenamento são por ela definidos de uma forma explicita. Quanto aos

critérios que determinam a coerência nas relações entre os atos editados pelas

autoridades referidas, eles deduzem-se da própria inesgotabilidade das funções

jurídicas-públicas, ou encontram-se explicitamente contidos em normas sobre a

normação. Qualquer sistema pressupõe a existência de critérios que determinam

relações de pertença dos seus elementos específicos relativamente ao conjunto

articulado que o mesmo abarca.

Concluindo, a Constituição não só identifica ou cria pressupostos de identificação e

qualificação dos órgãos e atos que revelam na ordem jurídica interna, como gera

mecanismos garantísticos de natureza jurisdicional que salvaguardam coercitivamente

a rigorosa aplicabilidade dos “critérios de pertença” que soldam o sistema jurídico aos

seus elementos, e que expulsam do mesmo conjunto outros elementos que lhe sejam

estranhos ou que ostentem deformidades contraditórias com as suas exigências de

validade.

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A Lei na Ordem Constitucional de 1976

A reserva de lei em sentido horizontal e vertical

A problemática do conteúdo da lei A Constituição da República Portuguesa de 1976 não nos dá uma noção de lei, no

entanto, dá-nos critérios positivos e negativos para a sua caracterização.

Toda a doutrina convergiu na edificação de um sentido eclético de ato legislativo

tendo, no mesmo, os jusprivatistas privilegiado a sua vertente material e os

juspublicistas a sua dimensão formal.

O cerne da controvérsia radica em saber se os atos individuais e concretos, ou gerais

e concretos (designados em sentido amplo como leis medida) que são aprovados como

a forma de lei, assumem efetiva natureza legislativa. É importante verificar se a

Constituição autoriza a lei a assumir qualquer conteúdo ou lhe impõe, antes, um

conteúdo necessariamente geral ou geral e abstrato.

Ora, existe sim, uma reserva total de lei, em sentido horizontal, ou seja, a lei pode

dispor sobre todas as matérias sem exceção.

A situação revela ser bem mais complexa no plano vertical. Dispondo a lei de um

expressivo poder de concretização na disciplina de uma dada matéria, importa saber se

essa densidade reguladora poderá ser de tal modo intensa que implique a expropriação

por via legal do domínio confiado constitucionalmente à autonomia privada, à atividade

administrativa e à atividade jurisdicional.

A reserva vertical de lei e os seus limites implícitos respeitantes à esfera da autonomia privada e a domínios reservados à Administração

O Tribunal Constitucional fez revelar a existência de domínios de autonomia privada

garantidos contra excessos de intromissão da lei no plano vertical. Assim, no ac.

374/2004 é referido que a lei, mesmo nas zonas de reserva, não pode ser tão densa ao

ponto de esvaziar o conteúdo de um direito reconhecido aos privados.

No que em particular respeita à tensão entre as funções legislativa e administrativa

está em causa aferir o grau de legitimação dos atos do poder legislativo, como atividade

jurídico-pública dominante ou primária, em pré-ocupar o domínio material da

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Administração, substituindo-se a um poder administrativo dimanado de uma função

secundária ou subordinada.

A doutrina jurisprudencial concorda na ideia segundo a qual o princípio da separação

de poderes veda à lei a faculdade de absorver integralmente, no plano vertical, mediante

uma disciplina caracterizada pelo seu caráter singular, o universo material útil

correspondente exercício da função administrativa, deixando-a sem campo próprio de

atuação.

Na verdade, até o Tribunal Constitucional o faz, no campo da delimitação de funções

e competências entre o Parlamento e o Governo e não na órbita do modo como o

Governo, que dispõe simultaneamente de competências legislativas e administrativas,

calibra no plano vertical o domínio material dos atos correspondentes às duas

atividades.

Nota doutrinal sobre o conteúdo da lei e os respetivos limites Numa perspetiva radicalmente substancialista, Luís Pereira Coutinho propugnou por

uma materialidade necessária do conteúdo das leis. Segundo este entendimento, seria

de rejeitar a tese segundo a qual, fora dos domínios onde a Constituição imporia um

conteúdo geral e abstrato (art. 18 nº 3), dos atos legislativos poderiam assumir qualquer

conteúdo.

No quadro de uma visão substancialista pragmática, Jorge Miranda, embora admita

a validade de leis individuais e concretas que, por detrás dos respetivos comandos,

“tenham uma prescrição ou um princípio geral”, considera que “desejavelmente” se

justificaria uma lei em sentido material advertindo que, se a Assembleia da República

vier a provar uma lei cujo conteúdo se resuma a um ato administrativo, a mesma será

organicamente inconstitucional, pois este órgão não é titular da função administrativa.

Paulo Otero e Manuel Afonso Vaz admitem a validade de atos administrativos

praticados sob forma legal, se apliquem as exigências constitucionais impostas aos atos

administrativos, entre as quais, a obrigatoriedade de fundamentação ou justificação.

Numa dimensão mais politicista e formalista, autores como Gomes Canotilho ou

Marcelo Rebelo de Sousa deram o seu respaldo à validade dos conteúdos individuais e

concretos assumidos pelos atos legislativos desde que conformes com as regras e os

princípios constitucionais e sem prejuízo do disposto no nº 4 do art. 268. Evoluíram,

contudo, no sentido de reconhecerem uma reserva de ato administrativo, mormente no

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âmbito dos poderes de direção do Governo a qual não é plenamente apropriável por lei

parlamentar.

Posição adotada: uma aceção estrutural de lei limitada pelos domínios

constitucionalmente reservados à Administração

Apreciação crítica às teses substancialistas Em primeiro lugar, a aceção constitucional de lei tem necessariamente de partir

daquilo que a lei é no dto. Constitucional positivo e não de uma “mitologia de lei” radicada

em soluções de “jure condendo”. Assim sendo, os próprios princípios estruturantes do

Estado como o da separação de poderes e do Estado de direito democrático devem ser

interpretados à luz do sistema político de governo vigente e da teleologia do exercício

da função legiferante à luz da Constituição concreta e positiva.

Salvo nos casos em que a própria Constituição impõe à lei, explicita ou

implicitamente, conteúdos gerais (leis de bases) ou gerais e abstratos (leis restritivas de

direitos, liberdades e garantias) ela exibe sensível indiferença sobre o conteúdo dos

comandos legislativos, habilitando implicitamente o decisor legislativo a desenhar ou

recortar esse mesmo conteúdo. Considerar, como faz a doutrina substancialista em

apreço, que a imposição constitucional de generalidade como condição de validade

normativa se aplicaria não só a essas situações determinadas, mas a todas as demais

seria converter a imposição do art. 18 numa não imposição e como tal, numa previsão

inútil, questionando-se a coerência do pensamento do legislador.

Em segundo lugar, a proceder de jure constituto a construção substancialista em

exame, a sua adoção pela Justiça Constitucional implicaria a inconstitucionalidade de

todos os atos legislativos singulares editados desde 1982, porque a suposta incidência

limitativa ao poder concretizador da lei em termos da sua singularização, deveria em

boa lógica ter expresso os seus efeitos vinculantes desde a primeira revisão

constitucional.

Em terceiro lugar, é indubitável que o princípio do Estado de direito democrático

supõe, na sua relação conectiva com o corolário da separação dos poderes que

nenhuma função do Estado se substitua a outra e ocupe o seu núcleo fundamental.

Não é pois, em conclusão, possível erigir a imposição genérica do paradigma de lei

geral e abstrata, sem mais, a parâmetro de constitucionalidade dos atos legislativos,

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independentemente de tal ser, eventualmente, desejável, no quadro de uma futura

recomposição das funções do Estado, em que a intervenção legislativa na Economia

recue ainda mais em benefício da regulação administrativa e em que, pelo menos, as

leis parlamentares ganhem claramente em ater-se ao domínio da materialidade

normativa, em nome da subtração do exercício da função administrativa à Assembleia

da República.

Exclusão de uma aceção puramente formal de lei A maioria da doutrina e da jurisprudência constitucional entende que não existe na

Constituição de 1976 uma reserva geral na Administração, mas sim uma pluralidade

circunscrita de espaços reservados.

No plano governamental existem domínios que decorrem de imposição implícita da

Constituição ditada pelo princípio da separação de poderes entre órgãos de soberania.

Este princípio assegura uma esfera de poder próprio do Governo, em face do

Parlamento, para poder concretizar a lei no universo administrativo, com subordinação

a esta, mas com a garantia de que a lei não irá assumir o conteúdo de um puro ato

concretizador.

Lei e Regulamento Þ Limites ao poder legislativo:

Fora dos domínios específicos onde seja suposta uma reserva necessária de

regulamento – autarquias locais, regiões autónomas e certas autoridades

administrativas independentes – a lei pode dispensar a sua concretização por parte das

normas administrativas.

Registou-se, contudo, alguma evolução na jurisprudência. A ideia-força que se pode

extrair é a de que, não existindo uma reserva geral de regulamento, a lei parlamentar

pode, em razão de hierarquia superior, revogar normas regulamentares e pré-ocupar

domínios antes regidos por regulamentos, sem prejuízo de a mesma lei dever observar

um conjunto de limites ao seu poder revogatório e conformador, derivados de um

necessário respeito pelo núcleo da função administrativa reservada ao Governo.

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Þ A sucessão da lei no tempo e o seu impacto na esfera regulamentar:

o Caducidade:

Foi positivado um novo regime de caducidade dos regulamentos nas normas dos nº

1 e 2 do art. 145 do CPA, o qual não difere dos ensinamentos doutrinai de referência

sobre a matéria.

Determina-se no mencionado preceito legal que um regulamento caduca:

à Com a verificação do respetivo termo dou condição resolutiva, quando os

regulamentos aos mesmos se encontrem sujeitos;

à Com a revogação das leis que regulamentam, salvo se forem compatíveis com

a lei nova e enquanto esta não for regulamentada.

O segundo fundamento de caducidade suscita algumas reflexões.

1º - Embora estivesse assente na doutrina o critério da caducidade regulamentar em

caso de revogação da lei-parâmetro, subsistiam dúvidas sobre se essa caducidade seria

automática. Ora, foi precisado no preceito que a caducidade dos regulamentos de

execução, em caso de revogação de lei exequenda, não é automática, mantendo-se as

normas dos primeiros em vigor se não forem incompatíveis com a lei nova.

2º- Coloca-se a dúvida sobre se o nº 2 do art. 145 do CPA se aplica a regulamentos

independentes. Ora, se a lei habilitante for revogada sem nova lei que a substitua é

possível sustentar que o regulamento independente caduque por ter cessado o

fundamento da competência subjetiva e objetiva para a subsistência do poder

regulamentar. Contudo, se a lei habilitante for substituída por outra, de cujo preceituado

se permita retirar a interpretação, segundo a qual, a competência regulamentar da lei

anterior é conservada pela lei nova, não existe fundamento para a caducidade dos

regulamentos independentes editados ao abrigo da lei revogada se os mesmos não

forem contrários à lei nova.

o Revogação inter-regulamentar:

De entre os limites à revogação, a norma do nº 2 do art. 146 recupera parte da norma

do nº 1 do art. 119 do CPA antigo, elimina a menção à revogação global e acrescenta

inovatoriamente um parâmetro conformado por normas europeias. Assim, o preceito em

exame proíbe a Administração de revogar regulamentos de execução de leis em vigor,

bem como de direito da união europeia, sem que essa revogação seja acompanhada

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por uma nova regulamentação precludindo-se, deste modo, a ocorrência de vazios

jurídicos e a génese de potenciais omissões regulamentares.

A norma do nº 3 do art. 146 do CPA adita um efeito garantistico do cumprimento da

proibição ínsita no nº 2 do referido art. Assim, no caso de uma norma determinar a

revogação supressiva de regulamentos de uma dada lei que seja emitida

regulamentação substitutiva, determina-se que, para todos os efeitos, as normas

regulamentares do diploma revogado não cessem vigência, sendo esta mantida até à

entrada em vigor do novo regulamento que completar a lei exequenda.

O nº 4 do art. 146 do CPA determina o dever de os regulamentos revogatórios

mencionarem expressamente a norma revogada. Não proíbe, contudo,

inequivocamente, as revogações táticas que lhes comina um efeito de ineficácia, dado

que as mesmas configuram um instituto dogmático da ordem jurídica.

Lei e ato administrativo A liberdade de escolha dos meios de criação legal e respetiva execução é vasta,

num órgão como o Governo que exerce simultaneamente a função legislativa e a função

administrativa e que, por razões de oportunidade, prefere não poucas vezes dispensar

o exercício da segunda.

Não podemos deixar de exprimir algumas dúvidas sobre a constitucionalidade de

decretos-leis que disponham sobre os domínios próprios da reserva da administração,

a qual é não só uma reserva de atividade como também de forma.

Noutro universo, situa-se a densificação de uma hipotética reserva de ato

administrativo do Governo em face da lei parlamentar.

Por um lado, haverá que reconhecer a existência de domínios da reserva da

Administração e do Governo que decorrem de atividades específicas que a Constituição

atribui ao executivo com o objeto material devidamente identificado. Assim, frente ao

poder legislativo da Assembleia da República emerge a reserva governamental de

execução orçamental.

Outra questão convertida consiste em saber se existe uma reserva administrativa do

Governo, em face do Parlamento no respeitante ao exercício das competências de

direção de superintendência e de tutela que a Constituição lhe reconhece, nos termos

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da alínea d) do art. 199, respetivamente, sobre a administração direta, a administração

indireta e a administração autónoma do Estado.

A administração direta compreende os serviços não personalizados do Estado e os

poderes hierárquicos ou de direção do Governo sobre este setor traduzem-se na

emissão de ordens ou injunções. Relativamente às mesma o Governo exerce um poder

de superintendência, traduzido na emissão de diretrizes e orientações gerais. A

administração autónoma é composta por entes públicos com autonomia administrativa

e financeira que prosseguem interesses próprios. O governo exerce poderes de controlo

ou tutela de legalidade sobre este setor.

Trata-se de competências que, exercendo-se nos termos da lei, pressupõem um

núcleo executivo imune à concretização legislativa.

Mais evidente parece ser a existência de uma reserva de ato administrativo na esfera

dos poderes hierárquicos do Governo, decorrentes das suas responsabilidades de

direção dos serviços da administração direta do Estado, civil e militar. Consideram-se,

nesse contexto, feridas de inconstitucionalidade orgânica, leis singulares do Parlamento,

que procedam, por exemplo, à nomeação, classificação ou responsabilização disciplinar

de funcionários civis e militares; que contenham ordens ou injunções das quais sejam

destinatários órgãos e agentes da Administração pública; ou que interfiram na gestão

corrente da Administração.

Síntese sobre a problemática do conceito e do conteúdo da lei A positividade dos critérios constitucionais implícitos da definição da lei fornece as

teses que caracterizam esta última em razão da sua forma, conteúdo político e força

geral, as expensas das construções que previligiam a forma e a necessidade existencial

de uma hipotética “intenção de generalidade”. Isto porque a Constituição identifica

taxativamente a lei na base de uma tipificação formal e hierárquica e apenas impõe,

cumulativamente, exigências de generalidade ou de abstração ao seu conteúdo a um

número circunscrito de leis.

Neste sentido, a caracterização de lei que será proposta nas presentes linhas funda-

se em critérios de ordem positiva e estrutural.

Quanto à essência estrutural da lei, esta impõe que a respetiva caracterização se

faça com necessário apelo a atributos permanentes que se destaquem nos seus

pressupostos, nos seus elementos internos, ou nos seus efeitos protótipos.

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O conteúdo político do ato legislativo deriva do critério político de decisão que subjaz

à deliberação da lei.

No que respeita à forma observa-se que o princípio da “tipicidade das formas de lei”

determina a inexistência de atos legislativos fora dos 3 tipos específicos nele previstos

– lei; decreto-lei; decreto legislativo regional.

A força geral de lei constitui um elemento consequencial que integra igualmente a

caracterização de ato legislativo. Trata-se de uma noção compósita, resultante do nexo

causal entre a superioridade hierárquica da lei sobre as demais normas da natureza não

política dos poderes constituídos e a potência jurídico-normativa que dela resulta em

termos operativos. Trata-se de uma potência de valor que se estriba quer no princípio

da legalidade, o qual supra-ordena os atos da função legislativa face aos demais (art.

203 e 266/2), e no princípio da tipicidade da lei que proíbe a suspensão, alteração,

integração ou revogação desta por outros atos normativos de distinta natureza (art.

112/5).

Pode, portanto, definir-se ato legislativo como todo o critério político de decisão

produzido e revelado sob a forma de lei pelos órgãos titulares da função legislativa e

que exprime uma relação de supremacia sobre as demais normas internas e

infraconstitucionais, desprovidas de natureza política.

Quanto ao conteúdo da lei, a constituição não coloca barreiras ao conteúdo – o

legislador pode debruçar-se sobre aquilo que julgar oportuno, salvo se a CRP impuser

as leis que incidam sobre certos domínios exigências de generalidade e abstração, ou

se a CRP consagrar domínios de reserva total para a Administração Pública que vedem

a intromissão vertical dos atos legislativos no núcleo da atividade regulamentar.

A Reserva de Lei

A noção de reserva geral de lei ou de reserva de lei em sentido amplo corresponde

a um domínio material necessário de legalidade, o qual implica uma prioridade exclusiva

de regulação primária de matérias previstas na Constituição. A normas legal deve ser

inovadora e razoavelmente densa/com razoável pormenor; supremacia da lei sobre o

regulamento, o qual deve ser interpretado de acordo com a lei; a interdição de

deslegalizações na esfera das matérias que a Constituição atribui à lei.

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A reserva de lei funda-se no princípio da separação de poderes.

A tipicidade da lei

No seu sentido amplo, a forma e a força de lei são valoradas nos nº 1 e 5 do art. 112

da CRP pelo princípio da tipicidade da lei. Deste preceito decorre que:

Þ A fonte da lei reside na Constituição;

Þ A lei decompõe-se em três formas especificas: lei, decreto-lei e decreto

legislativo regional;

Þ A lei não pode ser objeto de interpretação, integração, modificação,

suspensão e revogação com eficácia externa, por atos não legislativos, nem

que ela própria o autorize, daqui resultando a expressão de uma força geral

de lei, ou seja, de uma potência de valor emergente de um nexo de conexão

entre a posição hierárquica da lei no ordenamento e a sua aptidão para

revogar e para resistir à revogação intentada por outros atos não legislativos;

Þ Nenhuma lei pode criar outras formas e categorias de atos legislativos, na

medida em que só a Constituição é título habilitante para o efeito, sendo pois,

de excluir, por exemplo, a possibilidade de uma lei reforçada criar outra lei

também de valor reforçado;

Þ Certos tipos de deslegalização devem ter-se como manifestamente proibidos.

Pressupostos de Admissibilidade das Deslegalizações

A deslegalização consiste numa operação determinada pela lei, através da qual esta

confere natureza regulamentar a normas que, precedentemente, revistam forma e valor

legal.

Existem formas de deslegalização claramente inconstitucionais. É o caso das leis

que desgraduam alguns dos seus preceitos, ou preceitos de outras leis, conferindo-lhes

natureza regulamentar, pese o facto das mesmas incidirem sobre matérias que a

Constituição compete à reserva de lei (não é possível regulamentar a matéria dos

direitos, liberdades e garantias, por exemplo). O mesmo acontece quando a lei permite,

sem mais a sua revogação ou modificação por regulamentos, situação que viola o art.

112 nº 5, ou ainda o cenário em que uma lei deslegaliza uma matéria, mas limita-se a

conferir a sua regulação a um regulamento de execução, como uma portaria, quando a

sua emissão reclamaria a forma de decreto parlamentar.

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No plano regional, os estatutos desempenham por força da Constituição, um papel

importante como normas legais distribuidoras de tarefas no seio da região. Como tal, no

caso do decreto legislativo regional revogar um regime inovador contido noutro decreto

legislativo regional e respeitante a uma matéria de reserva de ato legislativo regional

enunciada no estatuto e remeter a disciplina de uma parte dessas opções gerais e

primárias para a norma regulamentar, ele operará uma deslegalização ilegítima, pois

violará a reserva de lei regional determinada pela lei estatutária sobre essa matéria (ac.

187/2012).

Fora da reserva de lei, um ato legislativo pode desgraduar algumas das suas normas

para um nível regulamentar, ou remeter para um regulamento administrativo.

O Caráter Taxativo da Tricotomia das Formas Específicas de Lei

O nº 1 do art. 112 da CRP enuncia 3 formas específicas de lei ordinária previstas na

ordem jurídica constitucional: a lei, o decreto-lei e o decreto legislativo regional. Trata-

se de uma enumeração taxativa.

Quando a Constituição se refere a uma classe de ato legislativo como “lei orgânica”,

“lei de bases”, etc. elas não se classificam como novas formas especificas de lei,

reportando-se antes a categorias legais que se reconduzem às formas previstas pelo

art. 112.

Pág. 206 – 285

Relações entre Categorias de Leis no Ordenamento Português

Princípios estruturantes das relações Inter-legislativas

Os critérios estruturantes das relações entre leis devem ter precedência aplicativa

sobre os princípios constitucionais de ordem substancial na medida em que, antes de

se examinar num controlo de constitucionalidade, se uma lei é, no plano material,

proporcional ou respeitosa da dignidade da pessoa humana, importará verificar se a

mesma é eficaz ou então, orgânica e formalmente válida. Daí que, num percurso de

verificação da constitucionalidade do ato legislativo, o conhecimento de critérios que

regem a vigência da lei e a apreciação da ocorrência de vícios orgânico-formais deverá

ter precedência sobre questões de validade de ordem material, não sendo admissível

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que princípios de ordem substancial tenham a pretensão de sanar deformidades de

ordem orgânica ou formal, ou que possam concorrer com os primeiros em juízos de

ponderação sobre a constitucionalidade de uma norma.

As Antinomias no Contexto das Relações Inter-legislativas

As antinomias legislativas, em sentido amplo, podem definir-se como situações reais

ou aparentes, de desconformidade ou oponibilidade, total ou parcial, entre o conteúdo

de atos legislativos quando os mesmos atos prosseguem fins comuns ou idênticos sobre

o mesmo domínio material espacial, pessoal e temporal.

As antinomias podem ser classificadas como:

Þ Aparentes: quando solucionadas, no plano da eficácia, através de critérios

objetivos de ordem lógica que são imediatamente aplicáveis;

Þ Perfeitas ou próprias: quando a colisão entre leis não contraria o disposto na

Constituição;

Þ Imperfeitas ou impróprias: quando uma norma legal colide invalidamente com

outra, nomeadamente por violação de reservas de competência, de

procedimento ou de parâmetros vinculantes constantes de leis interpostas,

tornados vinculativos pela Constituição;

Þ Totais: quando a colisão envolve dois preceitos normativos; e

Þ Parciais: quando a mesma proposição se restringe a parcelas normativas.

A objetivação do processo de solução de antinomias dá corpo a um pensamento

dogmático que intenta reduzir a problemática dos cenários de colisão entre normas ao

terreno de meras inseguranças suportáveis, determináveis e tendencialmente

resolúveis.

Critérios Estruturantes das Relações Inter-legislativas no ordenamento Português

A operatividade dos atos legislativos é guiada por princípios ou citérios dogmátivos

de ordem lógica e teleológica, destinados a solucionar eventuais antinomias entre as

diversas categorias legais.

Enquanto os princípios lógicos emergem em qualquer ordenamento democrático-

pluralista, independentemente da sua constitucionalização explícita, dado que são

condições imanentes da sua coerência, unidade e vocação de completude, os princípios

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teleológicos resultam de uma opção específica de programação política constitucional

para a estruturação das relações entre leis num Estado em concreto. A sua consagração

depende:

Þ Da arquitetura do sistema político de governo;

Þ Da divisão de tarefas entre órgãos e do modelo de organização territorial;

Þ E do “ethos” da democracia instituída.

Critérios lógicos

Critério da Cronologia O fundamento primário do princípio cronológico no Estado de direito contemporâneo

funda-se, essencialmente, na inesgotabilidade da função legislativa e na renovação do

direito.

O sentido de inesgotabilidade da atividade legiferante impõe que o decisor possa

legislar a todo o tempo e que a manifestação mais recente da sua vontade se

sobreponha à anterior. Este princípio faz referir a vontade de legitimidade política mais

recente relativamente à vontade mais antiga e pressupõe que a atividade legislativa seja

exercida contínua e adaptativamente, prevenindo antinomias suscetíveis de serem

geradas por leis incidentes sobre a mesma situação de facto, em tempos diferentes.

Nos regimes pluralistas, o princípio democrático, simplificado no enunciado de que

os mais devem governar os menos e no seu corolário de alternância entre opções de

governo diversas, pressupõe um mandato ao decisor para que este possa executar os

seus programas políticos e fazer prevalecer uma vontade legitimada pelo consentimento

popular, em relação às vontades normativas que temporalmente a precederam.

Os pressupostos positivos de aplicação do princípio são:

Þ Sucessão cronológica entre as leis;

Þ Existência de um conteúdo isomórfico (identidade de fim) e isotérmico

(identidade de âmbito de aplicação) das duas leis em tensão;

Þ Existência, num quadro alternativo, de uma intenção revogatória expressa da

lei mais recente ou então, uma antinomia entre o conteúdo das duas leis, a

qual propicia uma revogação tácita.

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A força ativa de lei transporta esse mesmo poder inovatório, modificação e, também,

da suspensão da eficácia da legislação antecedente.

No que respeita aos pressupostos negativos, observa-se que o critério cronológico

reveste caráter supletivo em face dos demais, não se aplicando mesmo, em certas

circunstâncias +, com o princípio lógico da especialidade.

Serão as antinomias aparentes aquelas que se perfilam como objeto primário de

incidência do critério cronológico.

Por outro lado, em termos de extensão de colisão quer as antinomias totais quer as

parciais são abrangidas pela lógica do princípio em estudo.

Princípio da especialidade O critério em observação reza que quando duas leis de densidade ou extensão

distinta regularem de modo diverso a mesma situação de facto, o ordenamento concede

prevalência à previsão menos ampla (lei especial) sobre a mais ampla (lei geral).

O que significará exatamente a afirmação de que uma lei é “especial” relativamente

a outra?

Poderá significar, numa primeira análise, a existência de uma relação de cabimento

de uma posição legal menos extensa e mais densa, no âmbito da previsão mais extensa.

Uma lei que regula uma “facto-species” (um objeto factual de regulação) mais ampla

ou extensa e que se denomina de lei geral é, necessariamente, não só, menos densa,

detalhada ou pormenorizada do que outra lei que dispõe sobre aspetos parcelares ou

particulares da mesma realidade, como também terá a si agregados comandos jurídicos

portadores de uma maior “generalidade” (pluralidade de destinatários) e “abstração”

(multiplicidade de situações jurídicas reguláveis a título permanente ou sucessivo.

A lei especial envolve um regime normativo parcial, relativamente a uma dada

disciplina legal que é horizontalmente mais extensa, incidindo limitadamente em relação

a esta, num dado setor, para o qual determina uma normação própria.

A coerência do ordenamento jurídico impõe que se não deixe espaço imediato para

uma dupla valoração da mesma realidade, sendo dada prioridade à disciplina singular,

já que a mesma atende às particularidades próprias da situação de facto por ela

regulada.

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Quanto aos pressupostos positivos de aplicação do critério entende-se que, para

além da presença de uma isomorfia e isometria entre dois atos, se deverá assinalar a

existência de uma “relação de cabimento” da lei de conteúdo especial em relação a outra

que contenha uma previsão mais extensa.

No tocante aos seus pressupostos negativos pode sintetizar-se que o critério da

especialidade prevalece a título relativo, nos termos expostos, sobre o princípio da

cronologia, mas cede perante um confronto com qualquer dos critérios teleológicos

previstos no ordenamento.

Em suma, as antinomias cobertas pelo critério da especialidade são perfeitas,

próprias, e do subtipo total-parcial, tal como este último se encontra definido pela

doutrina juspublicistas clássica.

Nos termos da mecânica operativa do princípio enunciado no nº 3 do art. 7 do CC, a

lei especial prevalece tanto sobre a lei geral antecedente como sobre a lei geral

sucessiva, salvo existência, neste último caso, de uma intenção inequívoca manifestada

pelo legislador no sentido de ser conferida uma prevalência revogatória à regra posterior

de caráter geral.

A lei especial não derroga (no sentido de revogar parcialmente) a lei geral

antecedente, mas antes desaplica ou bloqueia durante a sua vigência, a eficácia das

normas da primeira que consagrem um regime diferente da segunda. Toda a doutrina

coincide com a ideia de que em caso de revogação puramente supressiva de lei

especial, a lei geral antecedente retoma automaticamente a plenitude da sua vigência,

então deverá aceitar que a lei especial não derroga a lei geral limitando-se a privá-la

parcialmente da sua eficácia.

Critérios teleológicos

Princípio da hierarquia

Em tese, na lógica positivista clássica e normativa, o critério hierárquico supõe uma

estrutura escalonada entre leis, no âmbito da qual as de escalão superior prevalecem

sobre as de escalão ou grau inferior. Verifica-se, contudo, que o princípio experimentou

modernamente algumas transformações.

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Þ Hierarquia formal e plena:

O critério hierárquico-formal traduz-se na aptidão de uma lei, reconhecida pelo

ordenamento como detendo um grau superior, em poder revogar ou condicionar a

validade de outra ou de outras leis de grau inferior sem que o inverso possa suceder.

Tese da norma de reconhecimento à uma lei posiciona-se num escalão superior em

face das demais quando essa hierarquia, traduzida numa manifestação de

superioridade “erga omnes” sobre as restantes leis, é reconduzida expressa ou

implicitamente por via de norma superior, ínsita na Constituição.

Trata-se de uma construção compatível como “princípio da tipicidade da lei” – art.

112 nº 5 – que faz radicar apenas na Constituição, a capacidade para determinar a força

dos diversos atos legislativos ordinários.

Os estatutos político-administrativos de autonomia regional constituem a única sub-

categoria legal erigida no ordenamento português suscétivem de ocupar uma posição

de norma legal ordinária de hierarquia formal superior às restantes, já que a Constituição

– alíneas c e d do nº 1 do art. 281 – os destaca simultaneamente, dentro do seu objeto,

como parâmetro material vinculante e padrão de controlo da legalidade de todas as

restantes categorias normativas. Não existe, deste modo, a possibilidade de se

conceder a ilegalidade do estatuto por colisão com leis reforçadas. Pode assim,

observar-se a mecânica da prevalência ditada pelo critério da hierarquia, tanto no campo

da validade (capacidade de vinculação material de leis estaduais e regionais no âmbito

do seu objeto) como no da eficácia (poder revogatório supressivo de legislação

contrária, sem que o contrário suceda no âmbito do objeto estatutário).

Þ Hierarquia material:

Trata-se da faculdade detida por certas leis-sujeito de natureza subordinante em

poderem vincular o conteúdo de outras leis que com elas devam coexistir numa posição

subordinada (legislação-objeto).

Em contraste com a hierarquia formal, que reveste caráter integral, a hierarquia

material é, em regra, uma hierarquia parcial, já que a supremacia da lex superior se

exprime, fundamentalmente, no condicionamento por certas leis-parâmetro do conteúdo

de categorias específicas de atos legislativos que as primeiras se encontram

expressamente subordinados.

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O princípio da hierarquia material pode revestir uma incidência impulsionadora e

subordinante:

Þ Impulsionadora, porque justifica a incidência de leis inovatórias ou primárias,

destinada a fazer brotar legislação sub-primária especialmente vocacionada para

regular uma multiplicidade de relações jurídicas gerais ou especiais, com uma

densidade ou detalhe considerável que lhe propicie a faculdade de descer ao

particular e ao singular;

Þ Subordinante, já que condensa grandes orientações políticas, destinadas a servir

como um denominador comum de “indirizzo” a leis sub-primárias, operando as

respetivas normas como parâmetros materiais e padrões de controlo de validade

de outros atos legislativos deles dependentes.

A densidade reguladora das normas materialmente paramétricas de outras é

variável, sendo reduzida em categorias legislativas como as leis de bases, sendo mais

expressiva nas leis-quadro.

A prevalência material situa-se no cenário típico de duas leis coexistentes dentro da

mesma matéria, mas em que um dos atos legislativos goza de um “status” normativo de

proeminência sobre o outro, vinculando positiva ou negativamente o seu conteúdo.

A prevalência material ocorre em 3 quadros de concorrência previstos no

ordenamento jurídico português, a saber:

Þ A concorrência complementar usualmente reconduzida à relação entre leis de

bases e leis de enquadramento, de um lado, e atos legislativos de

desenvolvimento ou concretização, de outro;

Þ Concorrência derivada que integra a relação entre uma lei de autorrealização

parlamentar e atos legislativos autorizados que a mesma habilita e condiciona,

mas que podem nos limites da autorização revogar normas legislativas

previamente emitidas pelo poder delegante;

Þ Concorrência alternada, no âmbito da qual leis de bases ou de

enquadramento vinculam o conteúdo de diplomas legais que as invoquem

como seu parâmetro de referência, não se encontrando toda a matéria

envolvida nessa relação atribuída à competência exclusiva de nenhum dos

órgãos de soberania.

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Já a chamada concorrência paralela diz respeito, nomeadamente, às relações de

tensão entre os decretos legislativos regionais comuns (alínea a do nº 1 do art. 227) e

as leis da República que operam nas esferas das matérias subtraídas à reserva

expressa de competência exclusiva dos órgãos de soberania.

Princípio da Competência O princípio da competência justifica a atribuição de um determinado órgão do poder

de editar atos legislativos em relação a uma matéria e, se for caso disso, num espaço

territorial determinado e num prazo devido.

Pressupõe este critério uma separação de órgãos, de categorias legais, de esferas

materiais e, em certas circunstâncias, de domínios territoriais e de tempo de vigência.

Os fundamentos constitucionais do critério da competência no ordenamento

português repousam genericamente, no princípio da separação de poderes e, em

especial, no quadro da divisão de tarefas e de colaboração legislativa entre o Governo

e o Parlamento e na moldura especifica de repartição da função legislativa entre os

órgãos de soberania e as regiões dotadas de autonomia politico-administrativa.

A competência, como núcleo do critério em observação, reveste estruturalmente uma

natureza mista, dado que abarca elementos de caráter formal e material:

Þ Os elementos formais assimilam os órgãos de poder e as legendas ou títulos

legislativos que chancelam as normas aprovadas pelos mesmos órgãos (art.

112 nº 1);

Þ Os elementos substanciais respeitam: à titularidade do poder legislativo que

é cometida a certos órgãos institucionais; à reserva material onde o referido

poder incide; e ao âmbito territorial e eventualmente temporal da sua

incidência normativa.

A titularidade define-se como a assunção por parte de um dado órgão, de um poder

específico que o habilita, em nome próprio, ao exercício da função legislativa.

Pode a titularidade assumir duas modalidades principais que são: a titularidade

competencial primária e a titularidade competencial sub-primária.

Por titularidade primária entende-se a faculdade cometida constitucionalmente a um

órgão para ditar atos legislativos, de conteúdo inovatório, sobre determinadas matérias,

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legislando sem vinculação as outras normas de direito interno que não a Constituição.

A AR é o órgão que detém a excelência deste tipo de titularidade.

A titularidade competencial sub-primária determina que o órgão que dela seja

portador deva uma necessária observância a limites paramétricos fixados por certas leis

interpostas entre a Constituição e as normas legais que são adotadas ao abrigo do

mesmo poder.

A reserva material da lei pode decompor-se numa reserva total e num domínio

preservado.

A reserva total, pressupõe que todo o regime inovatório e substantivo de uma matéria

deva ser esgotada pela legislação de um órgão determinado. Já o domínio reservado

predica a existência de dois âmbitos materiais presentes na órbita da mesma matéria,

afetos à regulação de leis diferentes que poderão, ou não, ser emitidas por órgãos

também diferentes.

A título principal, os efeitos aplicativos do princípio da competência traduzem-se em

relações negativas ou de separação caracterizados pela indiferença ou lateralidade

entre atos legislativos.

Existe, ainda assim, um efeito secundário e eventual do princípio da competência,

articulado com o da cronologia, o qual pressupõe fenómenos de tensão constitutiva

entre atos legislativos que se encontram normalmente lateralizados por reservas

orgânicas de poder. Trata-se do caso das autorizações legislativas em que, por

exemplo, o diploma autorizado emitido pelo Governo como “órgão eventualmente

competente” revoga, essencialmente por razões lógicas, um conjunto de legislação

precedente da AR como órgão normalmente competente.

O princípio da competência prevalece sobre os critérios lógicos e sobre o critério da

hierarquia e pode servir-se do princípio do procedimento agravado como auxiliar de

demarcação do tracejado identificador de certos domínios reservados, dotados de

contornos difusos de separação.

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Þ Atributos do princípio da competência no subsistema legislativo português:

o Reserva de constituição na delimitação das competências legislativas:

Os poderes legislativos de cada órgão competente para o efeito resultam da Lei

Constitucional e por isso nem se presumem nem pode ser definidos através de lei

ordinária (Art. 110 no 2).

o Consumação de uma reserva de densificação total:

Quando a um órgão é atribuída competência legislativa para reger normativamente

o âmbito integral de uma reserva ou o âmbito parcelar de um domínio reservado, ele

deve esgotar essa reserva ou esse domínio com uma disciplina legal.

o Taxatividade constitucional das delegações legislativas:

Do nº 2 do art 111 da CRP resulta que as autorizações legislativas de um órgão a

outro dependem de uma expressa habilitação constitucional.

o Tempus regit actum:

Se as normas constitucionais atributivas de competências legislativas a um órgão

forem objeto de revisão constitucional, tal facto não afetará a validade das leis

produzidas ao abrigo do direito constitucional antigo, valendo o efeito da revisão

constitucional apenas para o futuro. Trata-se de uma imposição do princípio da

segurança jurídica bem como do critério do respeito pelo mandato democrático do

legislador ao tempo da aprovação dessas leis.

Assim, os atos que foram praticados por um órgão que era competente naquela

altura, não deixam de ser válidos porque o órgão deixou de ser competente.

o Restrições ao regime de fixação de limites à atividade legislativa:

Um órgão só pode limitar o exercício da competência legislativa de outro, nos termos

estritos da Constituição.

o Incidência supletiva do princípio da subsidiariedade:

Verifica-se uma complementação da operatividade do princípio da competência pela

incidência supletiva da dimensão interna do princípio da subsidiariedade (art. 6 nº 1)

relativamente a áreas dilemáticas de repartição de poderes legislativos situadas, por

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exemplo, no universo da concorrência legislativa paralela. Entre Estado-Pessoa e

regiões autónomas.

Princípio do Procedimento Agravado O critério em consideração justifica o regime jurídico traduzido por uma maior rigidez

passiva libertada por certas leis ordinárias, como consequência da associação entre

uma reserva de competência exclusiva de ato legislativo e um trâmite de produção

especializado e agravado que a Constituição determina para o mesmo ato.

A reserva das leis ordinárias rígidas é uma “reserva fechada de ato” dado que

pressupõe que uma área material se encontre exclusivamente afetada de uma lei de

tramitação especializada, encontrando-se, por seu turno, a mesma esfera substancial,

inserta concentricamente no domínio da reserva absoluta de competência de um órgão

parlamentar.

Resulta ser a essencialidade política da matéria coberta pela reserva que justifica a

finalidade da garantia atribuída pela Constituição à normação que rege a matéria

integrada numa reserva clausurada ou fechada procurando esse tipo de reserva

corporizar o mais elevado grau de exclusividade existente na legislação ordinária.

No que concerne precisamente ao procedimento produtivo, este só revela como

condição de reforço de uma dada lei se ostentar não apenas natureza especial, mas

também caráter agravado.

O procedimento especial representa sempre um desvio em relação a um

procedimento que a Constituição fixa como principal. Um procedimento especial é

agravado se o “quid pluris” que acrescenta ao procedimento principal se traduzir numa

exigência formal que releve diretamente na limitação da vontade do decisor.

A tramitação agravada destina-se a produzir uma decisão que é política e

normativamente mais intensa do que a comum, em razão da maior dificuldade ou

exigência na sua obtenção, a qual reclama consensos políticos mais alargados, que

tornarão mais complexa a criação, revogação e alteração das normas correspondentes,

as quais terão vocação para uma maior curabilidade.

As leis orgânicas, que disciplinam matérias às quais se reconhece uma essência

paraconstitucional e que são aprovadas por maioria absoluta dos deputados efetivos,

constituem a categoria legal mais típica das leis regidas pelo princípio do procedimento

agravado.

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As leis com procedimento agravado podem revogar ou alterar leis de caráter comum,

mas não podem em caso de modificação, conferir ou transmitir a rigidez que lhes é

própria às normas legais simples a cuja alteração procedem.

Cúmulo, colisão e preferência de critérios

O critério da competência afigura-se como o princípio estruturante “mais forte”,

limitando a incidência dos demais.

O critério hierárquico prevalece sobre os critérios lógicos, completa o critério da

competência e pode combinar-se, em relações várias, com o critério de procedimento

agravado.

O critério do procedimento agravado promove relações de separação ou lateralidade

entre categorias legais atribuídos à competência do mesmo órgão. É, pois um critério

complementar em relação aos princípios da hierarquia e da competência.

Os critérios lógicos revestem natureza supletiva em face dos teleológicos, ocupando

o critério cronológico a última posição na cadeia de supletividade.

Qualidades Operativas dos Atos legislativos

Noção de operatividade legislativa

A operatividade de um ato legislativo pode ser definida como “lei em ação”, ou seja,

como o conjunto de efeitos manifestados pela norma legal, nas suas relações de tensão

com outros atos administrativos, seja da mesma natureza, seja de natureza distinta.

A operatividade da lei pressupõe na ordem jurídica portuguesa, duas dimensões

distintas. Uma dimensão vertical que constitui um reflexo da estrutura hierárquica do

ordenamento e integra os atributos que concorrem para a própria definição de lei; e uma

dimensão horizontal respeitante às relações travadas entre leis ordinárias. Abordaremos

apenas aqueles que subjazem à operatividade horizontal.

A operatividade funda-se num conjunto de pressupostos e de elementos.

A forma e o valor normativo são pressupostos permanente da operatividade da

norma legal. Já a força e a parametricidade material configuram-se como os seus

elementos dinâmicos e consequências que, sendo condicionados pelos pressupostos

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do ato legislativo, se exprimem através dos efeitos que o mesmo projeta sobre outros

atos.

Enquanto, a força geral de lei se assume como atributo permanente da própria

operatividade legislativa a parametricidade, que resulta das leis dotadas de uma

hierarquia material sobre outras, constitui um atributo de caráter eventual e exclusivo

desses atos legislativos hierarquicamente superiores.

Pressupostos

Forma de lei: forma específica e forma geral de lei A forma especifica de lei é-nos dada pela determinação constitucional das três

classes singulares de ato legislativo – lei, decreto-lei e decreto legislativo regional.

Valor normativo de lei Quando o art. 112 nº 1 determina que lei, decreto lei e decreto legislativo regional

têm o mesmo valor alude a uma paridade hierárquico-formal de certas categorias legais,

pretende referir-se ao regime operativo de certas leis nas relações de respeito que

impõem a outros atos legislativos.

É através do reconhecimento do regime jurídico de uma lei determinada que se torna

possível chegar à noção de “categoria legal”. Esta define-se como um conjunto de atos

legislativos que se caracterizam por um regime jurídico específico que lhes confere uma

produtividade própria.

A configuração do regime jurídico, resulta da incidência de critérios lógicos

(cronologia e especialidade) e teleológicos (hierarquia, competência e procedimento

agravado) na morfologia dessa categoria legal.

Atributos consequenciais

Atributos com natureza permanente – a força de lei A força especifica de lei consiste numa manifestação relacional de prevalência do

ato legislativo. Esta traduz-se numa potência relacional que permite a uma dada lei

revogar, alterar ou suspender outro ato legislativo (força ativa), bem como, se for caso

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disso, resistir à afetação da sua eficácia por parte de determinadas normas legais

supervenientes (força passiva).

A força especifica caracteriza-se por ser uma manifestação de prevalência ocorrida

na esfera das relações entre leis e que produz imediata e necessariamente

consequências jurídicas no universo da eficácia.

Preenchidos os pressupostos constitucionais que permitem a duas leis entrar numa

relação secante, a prevalência manifesta-se através de institutos próprios como os da

revogação em sentido amplo e da suspensão ou privação de eficácia de uma lei

originária, por parte de uma lei superveniente.

Contrariamente à força geral, que prima pela constância virtualmente uniforme, a

força específica reveste caráter variável,

A força especifica de lei ostenta duas vertentes já referidas: a da força ativa, que

habilita uma lei afetar a eficácia de outros atos legislativos anteriores; e a da força

passiva, que lhe permite resistir à revogação ou suspensão por parte de atos legislativos

supervenientes.

Da força de lei deve distinguir-se a noção de “força afim da de lei”, expressão

referencial que não reveste caráter homogéneo nas suas diversas manifestações,

aproximando-se o seu “poder de obrigar”, mais do fenómeno da imperatividade, do que

da força legal em sentido próprio. Assume aqui especial destaque a “força obrigatória

geral” inerente às declarações de inconstitucionalidade com eficácia “erga omnes”

ditada pelo TC.

Atributos de caráter eventual: a parametricidade como atributo eventual da operatividade das leis investidas numa posição de hierarquia material

A parametricidade material constitui um atributo eventual dos atos legislativos, tendo

em conta que só manifesta a sua presença em leis materialmente interpostas, ou seja,

leis de hierarquia material superior a outras.

Podemos defini-la como fenómeno de prevalência material que resulta da

capacidade outorgada constitucionalmente a uma categoria legal para poder

condicionar, em termos de validade, o conteúdo de outra categoria de lei.

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Distinção entre força de lei e parametricidade material

Uma determinada sensibilidade doutrinária solda a noção de força especifica de lei

à noção de parametricidade material. Força especifica consistiria “na peculiar

consistência atribuída a certas leis em face de outras, na medida em que não podem

ser afetadas ou contraditadas por elas, à margem do postulado lex posterior.

Não é possível concordar com o entendimento da mesma ilustre doutrina.

Em primeiro lugar, força de lei e parametricidade material não devem ser confundidas

ou assimiladas.

Enquanto a força de lei constitui um atributo permanente da operatividade desta

norma, comporta uma dimensão ativa e passiva, a parametricidade material afirma-se

como um atributo eventual, apenas presente em certas leis de hierarquia superior e que

reduz os respetivos efeitos a uma dimensão ativa, no sentido do condicionamento do

conteúdo de outras leis.

Enquanto a força pode implicar, com prevalência formal, a substituição de uma lei

por outra na regulação de uma situação de facto (a lei mais nova revoga a lei antiga), a

parametricidade destaca-se como um fenómeno de prevalência material, pautado pela

coexistência simultânea das normas que são sujeito e objeto da mesma relação.

Enquanto a força de lei exibe preponderantemente os seus efeitos na esfera de

eficácia e apenas muito circunscritamente no da validade quando situado na esfera da

força passiva, já a parametricidade material liberta a sua consequencialidade

exclusivamente no universo da validade.

Em segundo lugar, se a posição doutrinária adota a propósito da sua quadritomia de

força de lei uma noção centrada na eficácia da lei não se entende como é que logra

conciliá-la com uma noção de força específica de lei que liga duvidosamente aos efeitos

de uma parametricidade material que não tem diretamente a ver com o poder de uma

lei revogar ou suspender outras leis, mas com as relações de vinculação entre o

conteúdo de leis de diferente hierarquia substancial.

Em terceiro lugar, no plano doutrinal a parametricidade material nunca poderia ser,

em bom rigor, expressão de uma força especifica ativa ou passiva de lei, nem à luz de

toda a doutrina comparada nem sequer à luz da quadritomia gizada pela ilustre posição

doutrinária em exame a respeito das forças de lei.

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Categorias de Atos Legislativos

Atos legislativos comuns e atos legislativos com valor reforçado

Os atos legislativos comuns, no ordenamento constitucional positivo português

devem definir-se, cumulativamente, como todos aqueles:

Þ Cujo procedimento formativo corresponda ao itinerário geral de produção

ordinária fixado na Constituição;

Þ Cujas normas se encontrem investidas numa hierarquia comum, no

respeitante aos demais atos legislativos, nos termos dos nº 1 e 2 do art. 112

da CRP.

Já as leis com valor reforçado, atenta a conjugação dos critérios previstos nos art.

112 nº 3 e no art. 281 nº 1 alínea b), são todas as normas legais que, nos termos da

constituição, se devam fazer respeitar, passiva ou ativamente, por outros atos

legislativos, sob pena de ilegalidade destes últimos.

A relação de respeito passivo é dada por procedimentos agravados de produção,

como o das leis orgânicas, das leis aprovadas por dois terços e das leis geradas por

reservas heterónomas de iniciativa que aumentam a rigidez das respetivas normas e

impedem a sua revogação por outros atos produzidos através do procedimento distinto.

A relação de respeito ativo é dada pela aptidão de certas leis em condicionarem, nos

termos constitucionais, o conteúdo de outras, constituindo-se como seu parâmetro

necessário, como sucede com as leis de bases, leis de enquadramento e leis de

autorização.

A noção de lei reforçada no texto constitucional em vigor

Uma identificação pretoriana de lei reforçada centrada na construção dualista A revisão constitucional de 1997 optou por conceber uma noção de lei com valor

reforçado pautada pela intenção pragmática de criar um bloco composto por leis de

regime heterogéneo que pudessem funcionar como padrão de controlo de legalidade de

outras leis. O decisor acabou, no esteio desta intenção, por convocar todos os critérios

doutrinários examinados nas subsecções precedentes, aproximando-os da posição

dualista.

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è Dois critérios procedimentais:

Por um lado, mediante a inserção de dois critérios formais, o art. 112 passou a

identificar explicitamente como reforçadas, certas subcategorias procedimentais como

as leis orgânicas (primeiro critério) e leis aprovadas por maioria de dois terços (segundo

critério).

è Critério material da parametricidade pressuposta:

Por outro lado, mediante um terceiro critério, este de recorte material, foi inserido um

conceito jurídico indeterminado passível de permitir que por via interpretativa fossem

identificadas como reforçadas as leis que sejam pressuposto normativo necessário de

outras, a saber as leis de bases, as leis de autorização legislativa e as leis de

enquadramento. Do nº 2 do art. 112 retira-se a natureza pressuposta das mesmas leis

a qual assenta no seu poder subordinante em relação ao conteúdo de decretos-leis que

às mesmas se encontram submetidos.

è Critério residual da imposição ativa e passiva de respeito:

Finalmente, através de um critério misto de caráter residual determinou-se que

seriam reforçadas as leis que, nos termos da Constituição, por outras devem ser

respeitadas. Trata-se de um critério indeterminado que absorve aparentemente os

outros anteriormente referidos e abarca outras leis reforçadas extravagantes. Na

verdade, ele permite atribuir valor reforçado:

Þ A leis que, não sendo ato-condição ou pressuposto necessário da emissão de

outras, devam fazer-se respeitar nos termos constitucionais por certos atos

legislativos que venham a ser emitidos, o que será o caso das leis de bases,

etc.;

Þ A leis duplamente reforçadas, seja pela sua força passiva ditada por um

procedimento agravado, seja sobre a sua parametricidade material

relativamente a outros atos legislativos (estatutos político-administrativos das

regiões autónomas).

Apelando apenas aos conceitos jurídicos indeterminados previstos no nº 3 do art.

112 a novidade desta alteração constitucional face à de 1989 constituiu na atribuição de

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valor reforçado às leis materialmente paramétricas (reduzíveis à nova noção de leis

pressuposto e às leis que segundo a Constituição se deveriam fazer respeitar por

outras).

No fundo, os quatro critérios operativos acabaram por se reconduzir

teleologicamente a dois critérios centrais, passíveis de se acumularem:

Þ Da atribuição de valor reforçado a leis que, em razão do seu procedimento

especial e agravado, soldado a uma reserva parlamentar, ostentem uma

maior rigidez ou força passiva do que a legislação comum;

Þ A da atribuição de valor reforçado às leis que, nos termos constitucionais,

sejam parâmetro material de outras, seja por constituírem seu pressuposto

necessário, seja porque devam ser respeitadas pelas segundas.

Opção constitucional por um critério não dogmático de definição de lei com valor reforçado

Lei com valor reforçado equivalerá à noção de “bloco legal de constitucionalidade” a

que as doutrinas espanhola e francesa fazem menção como padrão de controlo de

constitucionalidade, composto por normas sub-constitucionais, mas complementares na

Constituição. Em Portugal esse complexo normativo assume a característica particular

de “bloco de legalidade qualificada”, pelo facto de o mesmo complexo de leis reforçadas

constituir um padrão de fiscalização da legalidade de leis que se define como um

controlo de validade normativo paralelo ao controlo de constitucionalidade.

A lei com valor reforçado passou, portanto, a ser definida, não em razão de atributos

estruturais e permanentes de caráter próprio, mas sim em função de um regime

jurisdicional extrínseco às mesmas, que as garante contra violações perpetradas por

atos legislativos de distinta natureza.

São deste modo consideradas, na Constituição vigente, leis com valor reforçado os

atos legislativos que, nos termos da mesma Constituição devam ser respeitados por

outras leis, constituindo o sistema de fiscalização da legalidade o instituto de garantia

jurisdicional que assegura essa exigência de respeito.

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Observações críticas à noção de lei com valor reforçado plasmada pela revisão de 1997

Semelhante conceção de lei reforçada gerada pela revisão de 1997 merece um

conjunto de severos reparos.

Primeiramente, desfigurou-se uma noção dogmática preexistente de lei reforçada

centrada na rigidez de certas categorias legais, para converter o novo conceito num

“albergue espanhol” de leis de regime totalmente dissemelhante, apenas com o fim de

reanimar a fiscalização da legalidade das leis que consiste num sistema de controlo

normativo inútil, moribundo e redundante.

Em segundo lugar, utilizou-se para a identificação das mesmas leis uma criteriologia

tecnicamente deficiente, pautada pela mistura não cumulativa de critérios formais e um

critério material, podendo um quarto critério, o da relação de respeito, englobar

redundantemente todas as subespécies reforçadas.

Em terceiro lugar, criou-se pragmaticamente uma noção de lei reforçada para todas

as estações, que mostra ser portadora de uma empobrecedora tautologia

caracteriológica, a qual leva a que a definição de lei reforçada não possa ser operada

sem o apelo ao conceito de controlo de legalidade e o controle de legalidade não possa

ser definido sem a convocação da categoria de lei com valor reforçado.

Em quarto lugar, estamos igualmente perante uma conceção de lei reforçada que

conduziu a soluções absurdas, já que permitiu até 2004 a atribuição desse valor aos

princípios fundamentais das leis gerais da República, as quais constituíram até então a

esmagadora maioria da legislação concorrencial do Estado.

Por último, com a ilegalidade circunscrita pela prática da justiça constitucional à

violação de parâmetros constantes dos estatutos regionais terá chegado o momento

para repensar, em próxima revisão constitucional, a eliminação do controlo da legalidade

e, com ele, a recondução da noção de lei reforçada ao conceito tradicional de lei

rigidificada em razão do seu procedimento agravado.

Leis reforçadas em sentido próprio e em sentido impróprio e leis duplamente reforçadas

No plano da estrutura normativa, enquanto as leis reforçadas pelo procedimento

estribam o seu valor normativo em elementos constitutivos orgânico-formais, a

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hierarquia material ou a parametricidade assume-se como um atributo puramente

substancial.

Tomando como referência a esfera político-institucional do poder legislativo

enquanto que as leis reforçadas pelo procedimento constituem uma expressão exclusiva

do poder parlamentar, as leis reforçadas pela hierarquia material resultam de uma

titularidade pluri-institucional da função legiferante.

No que concerne ao respeito do regime operativo, enquanto as leis reforçadas

procedimentalizadas constituem atos de densidade variável que manifestam os seus

efeitos lateralizadores da incidência de outras normas legais através da rigidez presente

na sua dimensão passiva, já as leis materialmente paramétricas albergam normas, por

regra, incompletas, que exprimem a sua operatividade por via do seu lado ativo,

vinculando o conteúdo de outros atos.

No que respeita à respetiva finalidade as leis reforçadas pelo procedimento

destinam-se a limitar o decisor maioritário, favorecendo através de uma “democracia de

acordo”, tanto a codecisão entre maiorias e minorias (leis aprovadas por maioria de 2/3),

como concertos fiduciários entre poderes supremos (lei do orçamento de estado), em

matérias caracterizadas pela sua maior essencialidade política. Já a grande maioria das

leis paramétricas-diretivas respeitam antes à partilha ou divisão de tarefas no exercício

da função legislativa bem como à determinação de denominadores comuns de ação

normativa que reduzam à unidade, legislação dispersiva.

Atendendo neste diferencialismo radical, torna-se possível subdistinguir:

Þ Leis reforçadas em sentido próprio que correspondem às leis ordinárias

rigidificadas pelo procedimento (caso da maioria das leis orgânicas e das leis

aprovadas por maioria de 2/3);

Þ Leis reforçadas em sentido impróprio, que são os atos legislativos

materialmente paramétricos, na medida em que, estabelecem por imposição

constitucional relações de hierarquia substancial sobre outros atos legislativos

(maioria das leis de bases, leis de enquadramento e leis de autorização

legislativa);

Þ Leis duplamente reforçadas, as quais cumulam os predicados das duas

categorias anteriores, ou seja, são portadoras, em razão do seu procedimento

agravado de produção, de uma maior rigidez do que a que tange à legislação

comum, e simultaneamente, vinculam materialmente o conteúdo de outras leis

(estatutos político-administrativos, lei do orçamento de estado, etc).

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Finalidade constitucional dos procedimentos agravados na fase de aprovação è O critério minoritário de decisão e a chamada democracia de consenso:

No ordenamento português a limitação da vontade do legislador, por via de

especialização procedimental inerente às leis reforçadas em apreciação, prossegue

objetivos garantísticos muito precisos, pelo que a modulação especificada de cada

itinerário visa preencher uma pluralidade de finalidades políticas.

As leis agravadas na sua fase constitutiva através de uma maioria qualificada têm

por fim valorizar o “status” das minorias políticas intraparlamentares, em geral, e o das

oposições, em especial.

O critério minoritário de decisão legislativa define-se como uma unidade de conta

seletiva que permite a legitimação de uma decisão adotada pela maioria simples dos

votos obtidos num colégio determinado, configurando, quando assume caráter relativo,

a maioria mínima passível de suportar uma deliberação.

É o princípio democrático no seu sentido político que emerge como fundamento

legitimador da democracia representativa e, por interposição desta, do critério

maioritário de decisão.

Em termos de organização política do Estado, o princípio democrático pressupõe

que seja através do consentimento popular, transmitido originariamente através do

sufrágio eleitoral, que o poder político venha a receber a sua legitimação para poder

decidir em nome de uma dada coletividade, devendo a expressão desse consentimento

respeitar um conjunto de condições substanciais de caráter necessário.

É, também, da necessária congruência entre o princípio da democracia política, o

sistema representativo e o critério maioritário, como seu método de decisão, que este

último obtém o seu fundamento material.

Leis Orgânicas è Introdução:

Única categoria unitária de lei reforçada cujo valor foi expressamente reconhecido

pela Constituição.

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è Objeto da reserva material:

Desde a revisão de 1997 as leis orgânicas passaram a abarcar os seguintes

domínios (art. 166 nº 2 conjugado com os art. 164 e 255):

Þ Matérias político-institucionais de âmbito nacional;

Þ Disciplina de direitos fundamentais de natureza política;

Þ Matérias relativas à autonomia territorial, as quais podem decompor em

domínios de natureza eleitoral, financeira e organizativa.

No espectro das leis orgânicas dotadas de objeto político-institucional de âmbito

nacional será possível subdistinguir leis orgânicas relativas à formação da vontade

política geral (eleição dos titulares dos órgãos de soberania); leis orgânicas atinentes à

segurança nacional (defesa nacional, bases da organização, funcionamento,

reequipamento e disciplina das forças armadas); e leis orgânicas concernentes à

garantia jurisdicional da Constituição (lei do TC).

è Mecânica operativa da reserva de lei orgânica:

Integrando a reserva absoluta de competência da AR as leis orgânicas acabam por

corporizar uma “reserva de ato” expressivamente “fechada” ou “clausurada”.

Assim:

Þ A reserva absoluta de competência exclui a possibilidade de decretos-leis ou

decretos legislativos regionais poderem dispor sobre a matéria

correspondente;

Þ E a reserva de procedimento agravado que constitui o elemento protótipo da

lei, predica a inconstitucionalidade formal de qualquer lei parlamentar

aprovada com distinto procedimento que disponha sobre o domínio material

reservado da lei orgânica.

Como exceções relativas às referidas relações de pura lateralidade impostas pelo

regime reforçado destas leis, teremos o caso de duas leis orgânicas materialmente

paramétricas, como é o caso da lei orgânica de bases prevista na alínea d) do art. 164

(forças armadas) e o da lei-quadro acolhida na alínea t) do mesmo preceito (finanças

das regiões autónomas). Estas leis orgânicas revestem natureza duplamente reforçada

pois, a par da sua força passiva em relação às demais leis parlamentares, favorecem

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um quadro relacional de hierarquia material entre esta subclasse legal e legislação

complementar que procede ao respetivo desenvolvimento.

è Requisitos formais:

o Título formal específico e numeração privativa:

O modo de revelação das leis em referência traduz-se pela necessária aposição de

uma legenda ou título privativo “lei orgânica” no ato legislativo produzido de acordo com

as normas constitucionais que se lhe referem ao qual se segue uma numeração

exclusiva (art. 166 nº 2). Trata-se, deste modo, de uma subcategoria formal de lei

parlamentar.

o Aprovação:

O trâmite principal agravado e permanente que determina a maior força jurídica

passiva ou rigidez da lei orgânica e que conforma o atributo central da sua identidade,

radica na fase constitutiva da sua edição e reside na sua aprovação, em votação final

global, pela maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções (art. 168 nº 5).

Em regra, a votação na especialidade processa-se mediante a aprovação das

normas por maioria simples (art. 116 nº 3), contudo, ocorrem exceções:

Þ Existem leis orgânicas contendo disposições normativas referentes às

matérias previstas nos art. 148, 149 e 239 nº 6, as quais devem ser aprovadas

na especialidade em Plenário por maioria de dois terços;

Þ Outra subespécie de lei orgânica é sujeita à sua aprovação integral na

especialidade pela maioria absoluta dos deputados efetivos (matéria atinente

ao art. 255).

Ainda dentro das especialidades agravadas salienta-se o caso singular das leis

orgânicas relativas à eleição dos deputados às assembleias legislativas regionais

sujeitas a uma reserva de iniciativa atribuída a parlamentos regionais, em tudo idêntica

ao processo de produção das revisões dos estatutos político-administrativos das regiões

insulares (art. 226 nº 4).

o Controlo de mérito: o veto qualificado

Um agravamento geral com caráter eventual emerge na fase de controlo de mérito,

na medida em que, nos termos do art. 136 nº 3 da CRP, se o PR vetar politicamente o

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decreto, a superação do mesmo veto processa-se mediante confirmação do diploma

pela maioria de dois terços dos deputados presentes desde que superior à maioria

absoluta dos deputados em efetividade de funções.

Convirá, ainda, referir o facto de a reserva de plenário para efeito da votação na

especialidade das leis orgânicas, que fora consagrada na revisão de 1989, ter deixado

de constituir um atributo formal de caracterização do regime produtivo dessas leis

reforçadas.

o Fiscalização preventiva:

Fora do círculo produtivo em sentido estrito, embora entremeado no seu

procedimento de formação, emergem algumas especialidades no processo de

fiscalização preventiva das leis orgânicas.

Trata-se, em primeiro lugar, do alargamento do espectro de órgãos legitimados a

iniciar semelhante processo de controlo ao Primeiro Ministro e a um quinto dos

deputados à AR (nº 4 do art. 278). E trata-se, em segundo lugar, no regime de

“promulgação vedada” que impede ao Chefe de Estado de promulgar o decreto:

Þ Durante o prazo de 8 dias volvidos sobre o envio do mesmo diploma ao

Primeiro Ministro e aos grupos parlamentares pelo Presidente da AR, para

que os mesmos possam ter um prazo suficiente de reflexão para suscitar a

fiscalização preventiva (art. 278 nº 7);

Þ Tendo sido desencadeado um processo de fiscalização preventiva, enquanto

o TC se não pronunciar sobre a questão (art. 278 nº 7).

Pág. 280-326

Leis e disposições de leis aprovadas por uma maioria de dois terços Embora sejam qualificadas pelo nº 3 do art. 112 como “leis que carecem de

aprovação por maioria de dois terços”, as normas previstas no nº 6 do art. 168 da CRP

dificilmente podem ser designadas na sua totalidade como “leis”.

Com efeito, nas normas a que o referido preceito faz referência é preciso distinguir:

Þ Duas “leis” que na sua disciplina jurídica necessária carecem de ser

aprovadas por maioria de dois terços, nos termos ada alínea a) e c) do nº 6

do art. 168;

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Þ As normas ou disposições de leis que regulam, relativamente: os limites à

renovação sucessiva de mandatos dos titulares a cargos políticos executivos

(art. 118 nº 2); as disposições de leis que regem o número mínimo e máximo

de deputados da Assembleia da República (art. 148) e a definição dos círculos

eleitorais relativos à eleição da Assembleia da República, bem como o número

de deputados (art. 149); as disposições legais que regulam o regime e

processo eleitoral para os órgãos executivos colegiais das autarquias locais

(art. 239 nº 3); as disposições legais que restringem o exercício de direitos de

militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efetivo

bem como agentes dos serviços e forças de segurança (alínea o) do art. 164);

e disposições dos estatutos político-administrativos que enunciam as matérias

de âmbito regional (alínea f) do nº 6 do art. 168 em conjugação com o art.

226).

è Sub-espécies de atos legislativos “híper-reforçados” pelo procedimento:

o As leis aprovadas pela maioria de dois terços

O regime procedimental previsto no nº 6 do art. 168, que consagra o iter de

aprovação de leis e normas legais por maioria de dois terços dos Deputados presentes,

desde que superior à maioria absoluta dos deputados efetivos, tem em primeiro lugar,

por objeto as leis previstas nas alíneas a) e c) do nº 6 do art. 168.

Julga-se que, esta maioria se aplicará na votação operada na generalidade, na

especialidade e na votação final global.

Persiste, ainda, uma clara ambiguidade constitucional sobre se a “lei” que regula o

exercício do direito previsto no nº2 do art. 121 da CRP será uma lei orgânica sujeita a

aprovação na generalidade, especialidade e votação final global por maioria de dois

terços ou se será, antes, um ato legislativo inserido na categoria dos aprovados por dois

terços. Julga-se, independentemente do que possa ter sido erroneamente decidido pelo

legislador, que a segunda posição parece material e sistematicamente a mais correta,

dado que:

Þ Textualmente, a lei em consideração, nos termos da alínea c) do nº 6 do art.

168 conjugada com o nº 2 do art. 121 regula o “exercício de um direito”, o

direito de voto dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, definindo

nomeadamente os seus pressupostos, pelo que não haverá ser qualificada “a

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se” como uma lei eleitoral respeitante à designação do PR, a qual é reserva

de lei orgânica, mas uma lei que guarda uma relação de instrumentalidade

necessária em relação a um ato eleitoral;

Þ Textualmente e sistematicamente, o nº 3 do art. 112 da CRP, reporta-se a par

das leis orgânicas, às leis que carecem de aprovação por dois terços, tendo

se a alínea c do nº 6 do art. 168 e o proémio desse último preceito referido

expressamente a esse ato, como uma “lei” que carece de aprovação por

maioria de dois terços;

Þ O denominador comum das leis orgânicas traduz-se na sua aprovação por

maioria absoluta dos deputados efetivos em votação final global, pelo que se

a lei em causa fosse crismada como orgânica, ela derrogaria

disfuncionalmente o atributo comum mais emblemático das leis orgânicas,

previsto no nº 5 do art. 168, o que não parece fazer já que não são admissíveis

leis orgânicas fora do catálogo;

Þ Mesmo que fosse tida como lei de objeto eleitoral, o referido ato constituiria

uma derrogação ou exceção aceitável e natural à regra da alínea a) do art.

164 articulada com o nº 2 do art. 166, a qual atribui à reserva das leis

orgânicas a eleição dos titulares dos órgãos de soberania, na medida em que

a alínea c) do nº 6 do art. 168 atribuiria a uma lei de maioria mais exigente do

que a prevista para as leis orgânicas, a disciplina e uma dimensão do regime

eleitoral do PR.

o Disposições de leis aprovadas na especialidade pela maioria de dois

terços:

Quanto a estas normas legislativas haverá que considerar duas subespécies:

Þ Uma variante inserida como incidente, na votação na especialidade das leis

orgânicas que incidam sobre as matérias dos art. 148 e 149 e nº 3 do art. 239;

Þ E uma variante introduzida, virtualmente, na votação na especialidade de uma

lei ordinária comum, respeitando ao domínio da alínea o) do art.164.

Trata-se de uma maioria “móvel” que, no caso de se registar a presença de todos os

deputados em efetividade de funções, atingirá um “quantum” idêntico àquele previsto

para a aprovação de leis de revisão constitucional.

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No caso das disposições legislativas, a Constituição não explicita em qual das fases

de aprovação tem lugar o “iter” agravado. Parece-nos defensável que apenas a votação

na especialidade se encontra pautada pelo “quórum” agravado, processando-se as

restantes votações por maioria simples. Isto porque, em primeiro lugar, a Constituição

alude a “normas” e a “disposições de leis”, ou seja, a preceitos constantes de leis e não

já às próprias leis “a se”, só fazendo sentido conceber a sua deliberação por maioria

qualificada na votação na especialidade, pois:

Þ É nessa fase que um diploma deve ser votado norma a norma e, como tal, é

nesse estádio que se justificará que a disposição normativa reforçada possa

ser objeto de aprovação com uma maioria distinta das restantes normas que

integram um mesmo diploma;

Þ No que respeita às disposições que figuram com incrustações em leis

orgânicas, caso se adotasse a primeira doutrina, gerar-se-ia uma lacuna de

colisão, tendo em consideração que o facto de o mesmo domínio dever

revestir natureza de lei orgânica faria a AR confrontar-se com duas maiorias

diferentes, para efeitos da votação final global (a do nº 5 e a do nº 6 do art.

168).

o A problemática do “veto qualificado”:

Não deixa de causar complexidade, pelo menos no caso de uma das leis aprovadas

integralmente por maioria de dois terços, que a mesma não se encontre sujeita a um

veto qualificado. Na verdade, a propósito das leis orgânicas que são aprovadas em

votação final global por maioria absoluta dos deputados efetivos, verificámos que o art.

136 exige uma maioria parlamentar mais onerosa para a superação do veto presidencial.

Contudo, no caso das leis aprovadas por maioria de dois terços, a Constituição é

omissa, não a inscrevendo no bloco dos atos e matérias do nº 3 do era 136, para maioria

pelo menos superior ou igual à da aprovação. Essa lacuna constitucional poderia levar

ao intérprete a inserir essas leis no âmbito de aplicação do nº 2 do art. 136, o qual

contém uma regra geral para efeito de superação do veto simples de que resultaria que

a maioria absoluta de reversão de um veto aposto a essas duas leis seria menos

onerosa ou exigente do que a maioria da sua aprovação originária ou seja, a maioria de

dois terços. Tratar-se-ia de uma solução anacrónica.

Já no tocante às leis orgânicas ou leis ordinárias simples onde se encontram

incrustadas, apenas algumas disposições aprovadas por dois terços, a situação é

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distinta. Isto na medida em que, essas disposições são aprovadas na especialidade pela

referida maioria qualificada e o critério geral, que preside no art. 136, à escolha da maior

onerosidade das maiorias de confirmação reporta-se à maioria prescrita para a

aprovação final global dos referidos diplomas parlamentares ou então à presença de

determinadas matérias no conteúdo da referida legislação.

Leis reforçadas pela sua parametricidade material ou leis reforçadas em sentido

impróprio

Leis de bases è Noção:

As leis de bases consistem numa categoria legal que contém princípios e diretrizes

genéricas, designados de “bases” gerais, que traçam as opções políticas primárias

fundamentais de um determinado regime jurídico, cuja disciplina carece de ser

desenvolvida e concretizada por legislação subordinada de caráter comum.

São normas primárias de caráter incompleto, na medida em que, os seus princípios

normativos e as suas diretrizes não revestem natureza auto-aplicativa, carecendo de

mediação e desenvolvimento por parte de legislação subordinada.

São normas dotadas de uma supremacia hierárquica material, traduzida numa supra-

ordenação funcional em relação à legislação que proceda ao seu desenvolvimento, no

âmbito da mesma matéria.

São normas portadoras de um indirizzo político, traduzido num programa normativo

que permite definir linhas irradicadoras de uma disciplina mínima de caráter uniforme

para uma dada matéria, constituindo um instrumento impositivo de uma generalidade

normativa qualificada e incompleta, que opera como denominador comum de uma

multiplicidade de regimes legais de natureza diversiforme.

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è Competência para a respetiva aprovação:

Tanto a AR, como o Governo e como as Assembleias Legislativas reginais podem

aprovar leis de bases.

A AR dispõe da faculdade de emitir leis de bases:

Þ No âmbito de duas matérias da sua reserva absoluta de competência (art. 164

alíneas d) e i));

Þ No âmbito da sua reserva relativa de competência (art. 165 nº 1 alíneas f), g),

n), t), u) e z));

Þ No âmbito da sua competência concorrencial alternada com o Governo e

concorrência paralela com as Assembleias Legislativas Regionais, incidente

sobre matérias não enumeradas na CRP a qual se contém, implicitamente na

alínea c) do art. 161).

O Governo por seu turno também pode aprovar decretos-leis de bases:

Þ Mediante uma autorização legislativa, na esfera da reserva relativa de

competência legislativa da Assembleia da República nos domínios onde esta

possa aprovar leis de bases (art. 198 nº 1 alínea b conjugado com as

pertinentes alíneas do art. 165 nº 1).

Þ No âmbito da concorrência alternada com Assembleia da República e

concorrência paralela com as assembleias legislativas regionais (cabendo,

implicitamente, na competência legislativa prevista na alínea a do nº 1 do art.

198).

Quanto às Assembleias Legislativas Regionais, estas podem aprovar mediante

autorização legislativa, decretos legislativos regionais de bases nas matérias

respeitantes a bases gerais previstas na reserva relativa de competência da AR, com

exclusão de um conjunto determinado de matérias mencionadas na alínea b) do nº 1 do

art. 227 da CRP.

è Competência para o desenvolvimento das leis de bases e seus pressupostos:

Resulta ser juridicamente pacífico que o Governo e as assembleias legislativas das

regiões dispõem da competência para desenvolver atos legislativos de bases aprovados

pelos próprios ou pela Assembleia da República, na medida em que tal se encontra

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explicitamente consagrado, respetivamente, na alínea c) do nº 1 do art. 198 e na alínea

c nº 1 do art. 227.

Registam-se, contudo, na doutrina profundas divergências e dúvidas sobre se a

Assembleia da República pode, em concorrência com o Governo, desenvolver leis de

bases por si mesmo editadas, bem como decretos-leis de bases aprovados pelo

Governo.

O prof. Blanco Morais, entende que, deveria existir uma reserva do Governo para

desenvolver leis de bases da AR. Mas o TC não segue o mesmo entendimento.

O Tribunal Constitucional extrai da alínea c) do art. 161 a competência genérica do

Parlamento para legislar sobre todas as matérias incluindo as referentes ao

desenvolvimento das bases gerais por ele aprovadas seja no domínio reservado a este

órgão, seja na esfera concorrencial.

Já no ac. nº 24/83 do Tribunal considerava que o desenvolvimento de bases gerais

deveria ser feito “pelo menos”, sob a forma de decreto lei. No seu ac. 1/97 o TC ao

considerar em “obter directum”, a propósito da problemática da existência de reservas

administrativas do Governo, a procedência do “argumento já considerado da ausência

de limites materiais à competência legislativa da AR” reconhece, de algum modo ao

Parlamento, a faculdade de desenvolver as suas próprias bases.

Em face do exposto, analisar-se-á a relação entre leis de base e normação legal de

desenvolvimento na linha de entendimento do TC, a qual é favorável à concorrência

entre a AR, o Governo e as regiões.

è Categorias de leis de bases e respetivo regime:

o As bases gerais reservadas à Assembleia da República:

O primeiro predicado a considerar a propósito destas bases é o de que os órgãos

que dispõem de competência para as desenvolver não podem proceder a essa

densificação, senão através de ato legislativo. Será, deste modo, inconstitucional o

desenvolvimento de princípios e de bases gerais dos regimes jurídicos mediante

regulamento administrativo.

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O segundo predicado implica a observância, por parte da legislação complementar,

não apenas do domínio imanente da reserva de bases e princípios, como também da

pré-existência de legislação paramétrica nesse mesmo domínio e do correspondente

indirizzo vinculante.

Em terceiro lugar, vigorando uma lei de bases respeitantes à reserva parlamentar, o

Governo e as assembleias legislativas das regiões devem necessariamente respeitá-la,

na medida em que a sua previsão constitucional nos art. 164 e 165 transforma essas

bases em seu ato-pressuposto nos termos do nº 3 do art. 112.

Essa relação de respeito traduz-se:

Þ Em primeiro lugar, em termos negativos, na impossibilidade de o Governo ou

das assembleias legislativas das regiões disporem inovatoriamente sobre o

domínio da normação de princípios ou diretrizes gerais, mesmo que o

Parlamento tenha omitido a fixação desses princípios, incorrendo o ato

legislativo subordinado que proceda a essa incursão, em

inconstitucionalidade orgânica fundada em apropriação indevida de matéria

própria da reserva parlamentar (ac. nº 233/93 e ac. 793/2013);

Þ Em segundo lugar, na necessidade da normação de desenvolvimento não

contrariar ou excecionar os princípios e diretrizes gerais fixados na lei de

bases, incorrendo em ilegalidade o ato legislativo complementar desconforme

aos referidos parâmetros, com fundamento em violação do conteúdo supra-

ordenador de uma norma legal reforçada;

Þ Em terceiro lugar, na exigência imposta ao governo e às assembleias

legislativas das regiões de invocarem obrigatoriamente as bases cujo

desenvolvimento procedem, sob pena de inconstitucionalidade formal (nº 3 do

art. 198 e nº 4 do art. 227);

Þ Em quarto lugar, na impossibilidade de o Governo e os parlamentos regionais,

em caso de omissão total de normas legais de bases ou de princípios gerais

equivalentes, poderem emitir legislação de detalhe sobre as matérias

correspondentes, sob pena de inconstitucionalidade orgânica, já que, nas

matérias em que as bases gerais são reservadas à AR, a prévia existência

destas é ato-condição ou ato-pressuposto necessário para o exercício da

competência legislativa complementar pelos primeiros órgãos (nº 3 do art. 112

conjugado com o nº 3 do art. 198 e nº 4 do art. 227).

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o As bases da esfera concorrencial:

Os atos legislativos de bases da esfera concorrencial entre a AR e o Governo podem

ser, indistintamente, editados por estes dois órgãos de soberania ao abrigo das normas

que fundamentam as respetivas competências concorrentes (respetivamente a alínea

c) do art. 161 e a alínea a) do nº 1 do art. 198) o que supõe a possibilidade de leis e

decretos-leis com esta natureza se poderem revogar, derrogar ou suspender

reciprocamente.

Por outro lado, no que tange à relação entre os atos legislativos de bases e a

legislação de densificação importa atentar nos seguintes pontos:

Þ Como as bases numa matéria de âmbito concorrencial não são objeto de

previsão expressa na Constituição, o Governo e o Parlamento podem legislar

no plano do detalhe, mesmo sem que tenham sido aprovadas, previamente

essas bases gerais, as quais não constituem um ato necessário, mas sim um

ato puramente eventual na regulação das mesmas matérias;

Þ Existindo um ato legislativo de bases adotado pelo Governo ou pelo

Parlamento, a regular um domínio material determinado, os dois órgãos

podem escolher livremente, entre: editar um diploma de desenvolvimento

dessa lei; proceder à sua revogação seja através de um novo ato legislativo

de bases, seja através de um diploma de detalhe que prescinda dessas bases;

No que respeita ao poder legislativo do Governo importa diferenciar dois cenários.

No primeiro desses cenários, se um decreto lei, facultativamente, invocar uma lei de

bases como seu parâmetro normativo de referência deve subordinar-se aos seus

princípios e diretrizes, já que essa subordinação é imposta pelo nº 2 do art. 112,

ocorrendo um fenómeno de autovinculação normativa, do qual decorre a ilegalidade do

decreto lei que não respeite essa relação subordinante a uma lei de valor reforçado (nº

2 e 3 do art. 112 e alínea b) do nº 1 do art. 281).

Contudo, nada impede um decreto lei que não invoque uma lei de bases pré-

existente como seu parâmetro, de a revogar ou alterar expressamente, editando bases

gerais substitutivas. Nada parece, igualmente, inibir um decreto-lei que não invoque lei

de bases pré-existente de a revogar ou derrogar tacitamente, editando um regime de

pormenor que a contrarie, já que, ao optar por não desenvolver as bases gerais

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constantes dessa lei, o Governo não se encontra sujeito à vinculação estatuída no nº 2

do art. 112.

A lei de bases da área concorrencial é deste modo uma lei de valor reforçado

enfraquecida, na medida em que, não se encontra protegida por uma reserva de

competência parlamentar; a legislação de detalhe não se lhe encontra,

necessariamente, subordinada; e a sua capacidade de vinculação depende de uma

autolimitação do diploma de desenvolvimento, o qual decide invoca-la como parâmetro

material.

è Uma aceção material do conceito constitucional de bases gerais:

Se uma lei se definir como lei de bases, mas o seu preceituado apenas contiver

algumas normas de princípio que coincidam com a caracterização de “bases gerais”,

será que as restantes normas portadoras de um conteúdo mais denso e, quiçá,

exequível por si próprio, podem ser qualificadas também como bases?

Em muitas leis de bases configuram, silentemente, disposições que não podem ser

configuradas como “bases gerais”, mas sim como regras de pormenor, insuscetíveis de

ser desenvolvidas por outras leis.

Estas regras, nos casos em que a Constituição fixa uma reserva legal de bases, são

estranhas à mesma reserva, seja porque incidem sobre matérias anódinas ao objeto d

matéria em causa, seja porque são já, elas próprias, normas de desenvolvimento das

referidas bases.

Existe assim, uma opção constitucional implícita por uma noção material de bases:

estas definem-se em razão da sua morfologia conteudística e finalística e não por

critérios de ordem formal. Não será pelo facto de uma lei se auto-qualificar como de

bases que ela o será; por outro lado, uma lei que se não auto-qualifique como regime

de bases poderá, ainda assim, conter bases gerais dos regimes jurídicos.

O TC sufragou esta noção material de bases no ac. 39/84.

è Em que consistem e não consistem as bases gerais dos regimes jurídicos:

As bases gerais consistem em “opções fundamentais de um regime jurídico”

vinculativas de outras disposições legais vocacionadas para a tutela de regimes gerais

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mais densos, bem como de situações especiais singulares ou sectoriais nas restantes

esferas do mesmo campo material.

As orientações constantes das bases consistem em opções fundamentais de política

legislativa radicadas em:

Þ Princípios normativos como enunciados de valores ou de interesses de ordem

pública fundamental;

Þ Diretrizes “de facere” ou “non facere” e critérios gerais dotados de algum grau

de indeterminação.

As diretrizes emergem, deste modo, como um miniatura pré-ordenadora de um

complexo normativo, ou como um protótipo matricial que condensa normativamente

linhas sumárias de ação, destinadas a ser cumpridas condicionalmente, através de leis

editadas, em regra, por um centro de poder titular de uma competência legislativa sub-

primária. A parametricidade diretiva pode definir-se como um “núcleo de comando

suprimido” suscetível de se espraiar de forma coerente através de eixos que

ulteriormente serão complementados, integrados, ou desenvolvidos, por normas legais

sub-primárias que se pautam pelo respeito em relação ao sentido fixado pelas diretrizes

contidas nos domínios materiais primários. As leis portadoras de uma hierarquia material

positiva são, deste modo, dotadas de capacidade de projetarem os seus critérios

dirigentes, ideias-força ou ideias-fim, como vigas de uma construção juídica

multidigitalizada.

Nestes termos, não serão bases gerais as disposições normativas cuja densidade

não consinta uma efetiva liberdade conformadora de legislador complementar para criar

regimes jurídicos portadores de opções políticas fixadas em normação legal sub-

primária já que normas com uma especificação quase total não podem ser tidas como

bases (ac. 261/2004). Ou normas que não consintam qualquer hipótese útil de normação

de desenvolvimento ou que apenas consintam a edição de leis medida ou atos

legislativos de pura execução. Ou ainda, normas gerais que produzam eficácia

intersubjetiva nos seus destinatários sem carecerem de uma norma legal de mediação.

Ou finalmente, normas legais que procedam a meras remissões de regime para outras

leis.

Tão pouco se configura a existência de bases quando o legislador aprova decretos-

leis cuja emissão é invocada ao abrigo da alínea c) do nº 1 do art. 198 da CRP, ou seja,

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ao abrigo de disposições constitucionais relativas ao desenvolvimento de bases ou de

regimes jurídicos gerais sem que, na verdade, esses decretos-leis desenvolvam

qualquer tipo de bases.

è Vicissitudes inerentes à relação de dependência entre as bases gerais e a

respetiva legislação complementar:

São elas: a faculdade de uma lei de bases poder, ou não, revogar legislação

complementar; os efeitos que a revogação de uma lei de bases pode ter na subsistência

da legislação complementar; as consequências de alterações introduzidas numa lei de

bases na correspondente legislação complementar; e o impacto jurídico da não edição

de leis de bases da reserva parlamentar, bem como da não aprovação de legislação

que complemente bases gerais previamente produzidas.

o Da revogação de legislação complementar por uma lei de bases:

O papel constitucional das leis de bases não é o de revogar legislação

complementar, mas apenas de coexistir com esta, num quadro de prevalência material.

Contudo, a problemática de revogação pode colocar-se, se uma lei de bases nova

revogar substitutivamente ou alterar uma lei de bases precedente. Neste caso, parece

evidente que, na esfera concorrencial entre o Governo e a Assembleia da República,

uma lei de bases, oriunda, de um ou de outro órgão, pode revogar quer a legislação que

subsistia antes mesmo de existirem bases gerais sobre a matéria, quer leis

complementares da lei de bases revogada.

No campo específico das bases de reserva absoluta de competência da Assembleia

da República, tudo dependerá do entendimento doutrinal que se perfilhe sobre a reserva

de desenvolvimento.

Para o regente que, defende a existência de uma reserva de desenvolvimento do

Governo e das assembleias regionais, a revogação da legislação complementar anterior

pela lei de bases seria organicamente inconstitucional. Para quem defenda uma

construção próxima da doutrina maioritária da jurisprudência constitucional, a

possibilidade de uma norma legal de bases parlamentar conter uma disposição

revogatória de legislação complementar de lei uma de bases também revogada ou

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modificada pela primeira seria juridicamente admissível ao abrigo da competência

genérica da Assembleia da República.

o Revogação supressiva de lei de bases não determina caducidade

automática da respetiva legislação complementar:

No que tange à segunda questão perguntar-se-á: se uma lei de bases em vigor,

desenvolvida por diversos decretos-leis e decretos legislativos regionais vier a ser

revogada sem substituição, será que a sua cessação de vigência determina a

caducidade dos diplomas legais que a complementavam?

Considera-se que essa caducidade não tem lugar. O ato legislativo de

desenvolvimento, pese o facto de ter sido condicionado na sua emissão originária por

uma lei de bases, não faz depender a sua vigência da subsistência da mesma lei

parâmetro, ma medida em que se trata de um ato legislativo dependente da respetiva

lei pressuposto quanto ao seu conteúdo e quanto á credenciação da sua emissão

originária, mas autónomo desta em termos de permanência ou subsistência em vigor.

A praxis legislativa e a jurisprudência do TC alinham, aliás, nesse entendimento.

o Efeitos da alteração de uma lei de bases na respetiva legislação

complementar:

Considerada a terceira questão, a dos efeitos de alterações conduzidas numa lei de

bases na correspondente legislação complementar, considera-se num quadro de

semelhança com as soluções presentes no parágrafo anterior, que as referidas

alterações não determinam a caducidade das normas legais de desenvolvimento, mas

obrigam à alteração destas últimas de forma a assegurar a conformidade com os

parâmetros objeto de modificação, sob pena de ilegalidade superveniente.

Ilegalidade superveniente: quando uma lei de bases nova contém disposições

contrárias com as presentes do diploma de desenvolvimento da lei de bases antiga; esta

não existia no momento da entrada em vigor do diploma de desenvolvimento

o Da emissão de legislação de detalhe sem prévia aprovação de uma lei de

bases num domínio de reserva parlamentar:

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Abordando, as consequências jurídicas da não edição de leis de bases da reserva

parlamentar bem como da não aprovação de legislação que complemente bases gerais

e legislação complementar se as duas categorias legais se assumirem como

instrumento indispensável para dar exequibilidade a normas constitucionais não

exequíveis por si próprias. Por exemplo, no contexto da incumbência do Estado em

organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e

descentralizado (art. 63/2), a edição da legislação, não se poderia esgotar na aprovação

de bases gerais, dado que estas carecem de imediação de legislação de

desenvolvimento para se aplicarem aos destinatários. Daí que a inconstitucionalidade

por omissão, à luz do art. 283, se afira no caso em apreço, em relação a todas as regras

legais da cadeia normativa indispensável para dar exequibilidade à previsão

constitucional, abrangendo, como tal, quer a falta de legislação de bases, quer a falta

de legislação complementar.

Já nos casos em que a legislação de bases não se destine a dar exequibilidade a

normas constitucionais não exequíveis por si próprias a questão da

inconstitucionalidade por omissão não se coloca.

Tão pouco se coloca qualquer problema em termos de validade, se o legislador se

abstiver de emitir atos legislativos complementares, na medida em que o ordenamento

constitucional não prevê, nem sanciona, a “ilegabilidade por omissão”.

As leis de enquadramento – leis quadro

è Noção:

As leis quadro são atos legislativos paramétricos de outras leis que estabelecem

vínculos normativos de densidade variável às normas legais que as desenvolvem ou

concretizam e fixam regras procedimentais que dispõem sobre aspetos de produção das

segundas.

As leis legais de enquadramento são normas primárias sobre a normação que, na

qualidade de leis conformadoras e habilitantes de outras projetam vínculos de ordem

material e também procedimental sobre legislação de conteúdo mais detalhado que por

elas é pressuposta e que com elas coexiste na regulação de uma dada matéria.

As leis quadro encontram-se investidas numa supremacia hierárquica material em

face dos atos legislativos que por elas são conformados em relações especiais de

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subordinação, fundando-se essa supremacia, seja em imposições e tarefas atribuídas

pela Constituição às leis quadro da reserva parlamentar, seja na regra do nº 2 do art.

112, no que tange aos diplomas que livremente decidam invocar essas leis no âmbito

da esfera concorrencial.

São leis de parametricidade heteróclita ou variável, na medida em que podem ser

idênticas às leis de bases quando fixam princípios e diretrizes gerais ao conteúdo de

outras leis, sem prejuízo de poderem também gerar um “quid pluris”.

No fundo, as leis de enquadramento são leis materialmente paramétricas de outras,

de natureza análoga à das leis de bases mas que, em tese, podem assumir um conteúdo

mais pormenorizado do que estas, quando definem a moldura de um regime jurídico que

deverá ser, a título sub-primário, desenvolvido, integrado e concretizado por atos

legislativos habilitados e subordinados às primeiras.

è Competência para a edição das leis de enquadramento e seus diplomas de

desenvolvimento:

o O poder de aprovação de leis-quadro:

De acordo com um setor da doutrina, um atributo que caracterizaria as leis de

enquadramento e que as distinguiria das leis de bases, consistiria no facto de todas elas

integrarem necessariamente a reserva da competência da AR.

Esta posição radica no entendimento de que as leis-quadro previstas na Constituição

integram a reserva absoluta ou exclusiva do Parlamento, como seria o caso:

Þ Do art. 293;

Þ Da alínea i) do nº 1 do art. 227;

Þ Da alínea n) que se reporta à criação, modificação e extinção e autarquias

locais e que vincula as leis que as criam em concreto;

Þ Da alínea r) do art. 164;

E da lei orgânica prevista no art. 255.

O facto é que, a circunstância de na constituição figurarem menções avulsas a leis

quadro relativas a matérias da reserva exclusiva do Parlamento, não significa que não

possam ser editadas leis de enquadramento na esfera concorrencial das competências

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entre o Governo e a AR, competindo aos dois órgãos emitir, nesse contexto, a referida

legislação.

Entende-se, nestes termos, que o ordenamento admite a existência de leis-quadro,

seja no âmbito das matérias reservadas à AR seja na esfera concorrencial entre este

órgão e o Governo, sendo os seus regimes idênticos, respetivamente, aos das leis de

bases da reserva parlamentar e da esfera concorrencial.

o O poder legislativo de desenvolvimento, concretização e integração de

leis-quadro e a subsistência dos diplomas complementares em face de

vicissitudes das leis-parâmetro:

No que concerne às matérias do hemisfério concorrencial de competências entre o

Governo e a Assembleia da República aplicam-se às leis-quadro as considerações que

foram feitas relativamente ao desenvolvimento de leis de bases.

No que concerne às leis de enquadramento previstas na Constituição e que integram

a reserva exclusiva de competência da AR, a atribuição do poder de as densificar

dependerá do regime que às mesmas leis se encontra especificamente assinado.

A revogação não substitutiva de uma lei-quadro não tem como efeito a caducidade

da legislação dela dependente, aplicando-se neste caso também as considerações

feitas a propósito de idêntico fenómeno na esfera das leis de bases. Em regra, a

substituição de uma lei quadro por outra ou alterações nas normas de enquadramento,

impõem modificações nos diplomas legais delas dependentes, sob pena de ilegalidade

superveniente dos segundos, dado que a atribuição de valor reforçado destas leis, corre,

por identidade de razão, nos mesmos termos da lei de base. Contudo, existem situações

em que as alterações, pressupõem a necessidade de adaptação da legislação habilitada

pela normação de enquadramento.

è O Conteúdo normativo das leis-quadro:

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Uma lei quadro pode conter tanto princípios e bases como normas paramétricas

portadoras de um maior detalhe.

Alguma doutrina refere que para além dos princípios, estas leis fixam “com algum

pormenor” regras jurídicas estruturantes que devem ser respeitadas por outros atos.

Outros autores consideram, no âmbito das leis-quadro de reserva parlamentar, que as

mesmas devem ser normativamente densificadas; podem conter disposições

procedimentais e normas sobre a prática de outros atos jurídico-públicos; e não

dispensam ato legislativo subsequente. Outros, ainda, admitem que as leis de bases,

não se limitando, contudo, às mesmas, pois, mediante normas dotadas de algum

“detalhe” e densidade, estabeleceriam os parâmetros e procedimentos a observar por

outros atos legislativos.

A jurisprudência constitucional admite que o caráter paramétrico e habilitante da lei-

quadro não obsta a que o grau de densificação das suas normas possa variar em razão

da sua função específica.

Sem assumir uma posição clara sobre a densidade variável das normas legais de

enquadramento, o Tribunal entende que dela deve constar “regulamentação inovatória

de caráter essencial” a qual não pode figurar em legislação à mesma subordinada.

Em síntese, a estrutura normativa das leis-quadro não é uniforme em termos de

densidade, dado que nada obsta a que possa conter, em razão da respetiva função

habilitante e diretiva:

Þ Verdadeiros princípios e bases gerais dos regimes jurídicos de densidade

igual à das linhas de força normativa contidas nas leis de bases e cuja

exequibilidade depende do desenvolvimento por parte de legislação

complementar;

Þ Normas procedimentais detalhadas que podem estabelecer regras

secundárias ou adjetivas que rejam a produção dos atos legislativos

habilitados e vinculados materialmente pela mesma lei de enquadramento;

Þ Critérios gerais inovatórios de caráter essencial para a definição de um regime

jurídico que podendo no limite conter regras suficientemente densas para

serem diretamente aplicáveis, sendo mais discutível a sua natureza reforçada.

Importa relembrar que as regras procedimentais de natureza essencial sobre a

produção de atos legislativos devem constar da Constituição pelo que da lei de

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enquadramento apenas devem figurar subprocedimentos que se não traduzem por um

aumento da força passiva dos atos produzidos.

Em suma, uma lei reforçada não tem credencial constitucional bastante para criar

outras leis reforçadas, pelo que se deve ter como inconstitucional ou no mínimo

parametricamente irrelevante, uma disposição procedimental constante de lei de

enquadramento que estipule essas maiorias, podendo a mesma ser desacatada ou

derrogada, pois não assume a natureza de norma paramétrica.

Do exposto, retira-se que existem, no plano funcional, diversas categorias de leis-

quadro: as leis integradas na reserva parlamentar que a Constituição define explicita ou

implicitamente como de enquadramento, mas que incidem sobre matéria respeitante às

bases gerais reservadas à AR; e as que são emitidas no universo concorrencial entre a

AR e o Governo e que assim se auto-qualificam.

è O desvanecimento de elementos distintivos entre leis-quadro e leis de bases:

O elemento distintivo e de recorte material e prende-se à morfologia das normas

parâmetro que constam dessas duas categorias de leis: enquanto as leis de bases

assumiriam uma natureza paramétrica puramente substancial, as leis-quadro podendo

igualmente conter bases gerais acrescentariam o “quid pluris” da previsão de regras

procedimentais detalhadas sobre a produção de outras leis e, ainda, critérios gerais de

apreciável densidade que, em certos casos, se podem aplicar diretamente em caso de

lei de imediação.

Leis que incidem sobre a reserva parlamentar de bases gerais assumem-se

expressamente como leis-quadro.

Surgem, deste modo, leis paramétricas “mestiças”, que comprometem uma distinção

rigorosa entre bases gerais, leis quadro e regimes gerais.

O duvidoso valor reforçado dos “regimes gerais”

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Os regimes gerais são normas legais de reserva de competência da AR aplicáveis a

uma pluralidade indeterminada e indeterminável de destinatários que admitem a

emissão de leis especiais que regulem de modo diverso, mas não incompatível, várias

dimensões de um objeto comum.

Estamos perante um tipo de leis que:

Þ Por um lado, contrariamente às leis de bases, leis de autorização e leis-quadro

são diretamente exequíveis, não carecem necessariamente de imediação

legal complementar e produzem efeitos diretos intersubjetivos.

Þ Integram a reserva de competência do Parlamento, pois compete à AR

aprovar regimes gerais no âmbito da sua reserva absoluta e reserva relativa.

O regente não se convence pelos argumentos favoráveis a essa parametricidade,

ancorada numa extensão modificada das bases gerais de reserva parlamentar aos

regimes gerais.

Julga-se que, em face do nº 3 do art. 112, será dogmaticamente muito duvidoso

reconhecer valor reforçado a essas leis.

Por um lado, os regimes gerais não são instituídos pela Constituição como normas-

pressuposto dos regimes especiais, nem a Constituição impõe que os segundos

respeitem os primeiros, não se encontrando reunidos os critérios exigidos para a

atribuição do referido valor.

Por outro, importaria que os “regimes gerais” fossem diferenciados da figura dos

“regimes jurídicos” da reserva parlamentar, os quais consistem em simples disciplinas

de pormenor desprovidas de parametricidade material. Sem embargo e, indevidamente,

o legislador já aprovou regimes gerais em matérias que se reportam a regimes jurídicos

“tout court”, esbatendo-se na prática legislativa a diferença entre as duas figuras.

No plano da prática legislativa existem decretos-leis que invocam a alínea c) do nº 1

do art. 198 quando estabelecem regimes especiais sobre matéria anteriormente regida

por regimes gerais, tal como sucede com os decretos leis que desenvolvem ou

concretizam leis de bases e leis de enquadramento.

Pág. 326-357.

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As leis de autorização legislativa è Noção:

Nos termos do art. 165 e da alínea b) do nº 2 do art. 227, a AR pode, relativamente

a todas as matérias da sua reserva relativa de competência, conferir autorizações

legislativas ao Governo e, pode também, sobre algumas dessas matérias, conferir

autorizações legislativas às assembleias legislativas regionais.

Considera-se que estas assumem a natureza jurídica de uma delegação de poderes,

já que supõem:

Þ Uma norma habilitante que permite a um órgão normalmente competente

autorizar um órgão eventualmente competente a exercer poderes públicos

sobre as matérias atribuídas à competência do primeiro;

Þ A faculdade de o órgão normalmente competente poder condicionar o

exercício de poderes cometidos ao órgão eventualmente competente;

Þ A suscetibilidade de o órgão normalmente competente avocar, ou seja,

recuperar a todo o tempo, os poderes condicionalmente atribuídos ao órgão

eventualmente competente.

Verifica-se que a AR dispõe de liberdade plena para, querendo, poder delegar

faculdades legislativas sobre uma matéria que lhe está reservada, no Governo e nos

parlamentos regionais.

A AR atua como órgão normalmente competente e os órgãos beneficiário da

autorização como órgãos eventualmente competentes.

Os atos legislativos autorizados não podem ser emitidos antes da entrada em vigor

da lei delegante que é seu pressuposto necessário, encontrando-se a mesma lei

habilitante investida numa posição de hierarquia material em relação aos primeiros

diplomas, que serão inconstitucionais e ilegais no caso de a violarem (art. 112 nº 2 e 3

conjugado com o art. 281 nº 1 alínea b)).

O Governo pode revogar normas legais parlamentares anteriormente existentes no

objeto e âmbito da autorização.

Embora se considere que, em regra, deva ser o órgão beneficiário da autorização a

requerer esta última, nada parece impedir que seja a AR a tomar a iniciativa de delegar

poderes legislativos.

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è O conteúdo necessário da lei de autorização:

o Uma lei subordinante e delimitadora do exercício de competências alheias:

A lei de autorização legislativa é uma lei-parâmetro de outros atos legislativos que

projeta nestes o seu conteúdo normativo subordinante, dado que, de acordo com o nº 2

do art. 165 da CRP, deve definir o objeto, o sentido, a extensão e a duração da

autorização.

O conteúdo da lei de autorização é necessariamente incompleto, tal como sucede

com as demais normas sobre a normação.

A tensão entre lei de autorização e decreto lei ou decreto legislativo regional

autorizado é regulada, simultaneamente, pelos princípios da competência e da

hierarquia material:

Þ Da competência, na medida em que, a lei de autorização delimita o âmbito

das matérias onde o órgão delegado pode fazer incidir a sua legislação

subordinada;

Þ Da hierarquia material, no sentido em que a primeira lei pode fixar diretrizes,

mais ou menos densas ao conteúdo do diploma autorizado, as quais este

deve acatar sob pena de invalidade.

Se o decreto-lei autorizado não observar o “sentido” da autorização (art. 165 nº 2),

estará a violar vínculos materiais de subordinação e como tal o princípio da hierarquia

substancial inerente às leis de autorização, previstas no art. 112 nº 2.

Como tal, ele deve ser tido como ilegal, nos termos do art. 281 nº 1 b).

Se ao invés o ato legislativo ultrapassar o “objeto” e a “extensão” (art. 165 nº 2) da

mesma autorização, lesará o princípio da competência, pois perpetrará uma incursão

indevida num domínio de uma matéria reservada a outro órgão.

No caso específico de não observar os limites temporais da autorização, registar-se-

á, também, uma inconstitucionalidade orgânica, pois o órgão delegado legislará sem

cobertura habilitante, sobre uma matéria de reserva alheia que se lhe encontrava

vedada depois de transcorrido um determinado prazo.

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Os diplomas autorizados apenas podem utilizar a autorização volvida a data da sua

entrada em vigor.

o O domínio material necessário dos limites fixados pela lei de autorização:

o conteúdo mínio do objeto, extensão, sentido e duração:

Uma lei de autorização, para que possa ser tica como conforme ao nº 2 do art. 165,

não pode esgotar-se na enunciação de uma matéria e dos seus limites fronteiriços

gerais. Tal implicaria uma renúncia indevida do Parlamento da República, na qualidade

de legislador originário, ao poder-dever de edição de leis condicionantes das normas

legais emitidas por órgãos eventualmente competentes.

Tão pouco admite autorizações implícitas, já que a vontade de autorizar terá de se

encontrar semanticamente presente num enunciado normativo que se reporte de forma

percetível, mesmo em termos genéricos, à matéria onde podem recair os poderes

delegados, sendo inadmissível extrair pretensas habilitações de fórmulas vagas onde

caiba qualquer tipo de previsão material.

Quanto ao objeto da autorização, este consistirá na enumeração da matéria sobre a

qual a mesma delegação irá incidir e que se reporta a uma área expressamente prevista

no nº 1 do art. 165.

A determinação do objeto pode abarcar mais de um tema ou assunto, operar por via

remissiva (ac. 149/2013), e segundo alguma doutrina, pode ser feita explícita ou

implicitamente, por referência a atos legislativos pré-existentes.

No que respeita à extensão, esta especifica os aspetos da disciplina jurídica da

matéria onde irá incidir a autorização (ac. 149/2013), podendo verter sobre a totalidade

da matéria ou apenas sobre uma parcela.

No que concerne ao sentido, este implicará a configuração do conteúdo do diploma

delegado através da fixação do seu escopo, considerando a jurisprudência

constitucional portuguesa, que bastará à lei habilitante ditar com clareza os fins axiais

ou estruturantes a prosseguir pela lei delegada, com u mínimo de objetividade. Tal

significa que a lei não será inconstitucional se se contiver na especificação dos fins do

ato autorizado em termos que permitam a perspetivação objetiva das transformações

que irão ser introduzidas na ordem jurídica, em razão da delegação.

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Quanto à duração da autorização, a Constituição é omissa relativamente à fixação

de limites máximos. Estes, em tese, podem compreender o período de uma legislatura.

Uma praxis constitucional tem conduzido a que o pedido de autorização legislativa

pelo Governo seja acompanhado por um anteprojeto de decreto-lei a autorizar, sendo

certo que no respeitante às autorizações legislativas cometidas às assembleias

legislativas das regiões, a apresentação do anteprojeto é uma verdadeira obrigação

constitucional, firmando-se como uma condição para que o Parlamento nacional aprove

a mesma autorização (nº 2 do art. 227).

O facto de a lei da autorização permitir a emissão de um diploma delegado de

conteúdo igual ao do anteprojeto, não significa que o diploma autorizado tenha de ser

efetivamente decalcado nesse anteprojeto.

O anteprojeto vale apenas como ato introdutório da feitura da lei delegante e no caso

do Governo e da Assembleia da República, como manifestação política de uma relação

fiduciária entre dois órgãos legislativos.

Se a lei de autorização incumprir com os requisitos mínimos de densificação dos

limites que deve, nos termos constitucionais, impor ao diploma autorizado, ela incorre

em inconstitucionalidade material, com fundamento em desvio de poder – os fins

constantes da lei habilitante desviam-se por defeito, daqueles que lhe são assinados

pelo nº 2 do art. 165.

è Cessação da autorização legislativa e outras vicissitudes normativas conexas:

o Utilização:

A autorização legislativa, nos termos do art. 165 nº 3 conjugado com o art. 227 nº 2

e 3, não pode ser utilizada mais de uma vez, de acordo com o princípio da

irrepetibilidade. A utilização plena da autorização predica a cessação de vigência desta

última, pelo que, se o órgão que dela foi beneficiário pretender modificar ou revogar o

ato legislativo delegado através de outro, deve obter uma nova autorização para o efeito.

o Caducidade:

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A autorização legislativa cessa por virtude do termo do prazo fixado para a sua

utilização ou em razão de vicissitudes que afetem os órgãos normal e eventualmente

competente (art. 165 nº 4).

No caso das autorizações legislativas orçamentais que se encontram contidas na lei

do Orçamento de Estado, sempre que incidam em matéria fiscal, as mesmas só

caducam no termo da legislatura (art. 165 nº 5). Faz-se prevalecer a estabilidade do ano

económico inerente.

o Revogações:

A AR pode fazer cessar a autorização legislativa revogando a lei delegante antes da

sua utilização, ou seja, antes de admitido um ato legislativo autorizado que a esgote. Já

a revogação da lei da autorização, em período posterior à sua utilização, não produz

qualquer efeito na vigência do diploma autorizado.

Se a AR aprovar uma lei sobre o objeto da autorização, antes desta ter sido utilizada,

entende-se que revogou tacitamente a lei delegante.

A AR pode revogar o diploma autorizado da mesma forma em que pode fazer cessar

a sua vigência no contexto de uma apreciação parlamentar, nos termos do nº 1 do art.

169 e, remissivamente, do nº 4 do art. 227, implicando essa revogação, o termo da

autorização, salvo se o diploma revogado incidir apenas sobre uma parcela do objeto

de delegação.

A AR pode alterar os decretos-leis autorizados na qualidade de órgão normalmente

competente. É duvidoso, contudo, que o possa fazer em relação a decretos legislativos

regionais autorizados, os quais reportam à regulação de domínios materiais do âmbito

regional.

Se a AR modificar a lei de autorização antes da sua utilização, as alterações vinculam

ad futurum os atos legislativos delegados que venham a ser emitidos na esfera da

referida autorização, sendo estes últimos inconstitucionais ou ilegais se não se ativarem

aos novos limites que lhes foram fixados. No caso das alterações serem introduzidas

após a utilização da autorização legislativa, os diplomas autorizados não terão de se

ater a novos limites que tenham sido fixados já que a autorização cessou.

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Se a lei de autorização for inconstitucional, essa inconstitucionalidade propaga-se, a

título consequente, aos diplomas por ela habilitados.

Entende-se, finalmente, que uma lei de autorização não revoga “diplomas sobre

matérias da autorização”.

Leis duplamente reforçadas

Tratar-se à nesta rubrica de leis reforçadas seja pelo lado ativo – parametricidade

material em face do conteúdo de outras leis – seja pelo lado passivo – rigidez derivada

de uma especialização produtiva agravada.

Estatutos político-administrativos è Noção:

Os estatutos político-administrativos das regiões autónomas consistem numa

categoria legal que simultaneamente se caracteriza pela sua natureza reforçada e pela

sua hierarquia superior em relação às demais leis.

Em termos gerais, caracteriza-se como uma lei estruturante da organização e

funcionamento das instituições das coletividades regionais insulares. Trata-se de uma

moldura jurídica de natureza estadual que, assume ainda assim um papel complementar

em relação à Constituição da República, à qual se subordina e que constitui por

excelência a metanorma estruturante do regime de autonomia insular.

è Objeto:

o A reserva de estatuto:

O TC, que há muito reconheceu a existência de uma reserva de estatuto (ac. 92/92)

considera em jurisprudência restritiva que a mesma reserva se circunscreve

genericamente ao desenvolvimento, explicitação e concretização das normas contidas

no Título VII da Parte III da Constituição (regiões autónomas).

A constituição determina, explicita ou implicitamente, que sejam definidas em

estatuto:

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Þ A natureza dessa entidade e os princípios estruturantes que enformam o

regime automático de uma região;

Þ Delimitação do âmbito geográfico das regiões, pois a noção constitucional da

cláusula competência regional configurada no conceito de âmbito regional

comporta uma componente espacial que limita positiva e negativamente, o

âmbito do exercício dos poderes regionais definidos no estatuto;

Þ Os direitos e obrigações das regiões bem como a definição ou concretização

dos seus poderes enunciados no art. 227, com especial relevo para as

matérias sobre as quais incidem as competências legislativas regionais de

natureza comum (art. 227 nº 1 alínea a) e art. 228 nº 1), passando depois da

revisão constitucional de 2004 a ser revalorizado o papel da norma estatutária

como sede legal onde se torna possível enumerar e definir futuramente, as

matérias de âmbito regional” sobre a qual incide o mesmo tipo de

competência.

Þ Os órgãos de governo próprio, bem como o modo de designação e o estatuto

dos titulares desses órgãos (respetivamente, a natureza organizatória da

norma estatutária deduzida nos art. 226, 227 e nº 7 do art 231);

Þ Aspetos procedimentais inerentes à aprovação de atos jurídico-públicos

automáticos não remetidos pelo estatuto para as normas regimentais;

Þ Regras estruturantes de organização e funcionamento interno da

administração regional, nela compreendida a administração financeira, fiscal

e patrimonial.

A ausência ostensiva da previsão no estatuto de uma dessas matérias envolve

inconstitucionalidade por omissão, fundada em défice estatutário.

A constituição determina, igualmente, numa lógica subtrativa, a existência de

matérias que, podendo numa primeira leitura e em abstrato, figurar nos estatutos como

norma organizativa, acabam por ser necessariamente subtraídas do seu objeto e

diferidas para a disciplina de outras categoriais legais.

o Os Cavaleiros estatutários vertentes sobre a lei ordinária simples:

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O fenómeno da inclusão nos estatutos de matérias estranhas ou anódinas ao seu

objeto e cujas normas se designam por “cavaleiros estatutários” é gerador de

insegurança jurídica, na medida em que leva os órgãos regionais a reivindicar como

direitos regionais, o conteúdo normativo de preceitos que não passam de “riders” e que

se encontram desprovidas do valor reforçado próprio dos estatutos. A multiplicação de

decisçoes do TC desestimatórias da natureza estatutária dessas normas gerou até 2004

alguma prática legislativa de desvalorização do estatuto como norma paramétrica.

A indulgência da AR, no que concerne à admissibilidade de “cavaleiros estatutários”

propostos pelas assembleias regionais no processo de revisão dos estatutos, em

associação com uma posição tolerante da Justiça constitucional em relação à não

inconstitucionalidade desses “cavaleiros”, foi de algum modo responsável por uma

espúria incerteza jurídica que implicou nos anos mais recentes, sucessivas intervenções

do mesmo TC e uma escusada tensão entre a República e as regiões.

Na opinião do prof. Blanco Morais, as normas que não dizem respeito aos estatutos,

mas que neles são incluídas deveriam ser consideradas inconstitucionais. No entanto o

TC tem se vindo a pronunciar de forma contrária.

o Cavaleiros estatutários de lei reforçada:

Diversa da situação anterior é aquela que tem lugar quando normas do Estatuto

vertem inovadoramente sobre matérias previamente integradas pela Constituição na

reserva de outras leis reforçadas pelo procedimento, como é o caso da reserva de lei

orgânica.

Neste caso o estatuto propõe-se reger uma matéria que deve ser, nos termos

constitucionais, disciplinada por lei cujo processo constitucional de formação é destino

do procedimento produtivo do estatuto.

O TC tem sido consequente no julgamento de inconstitucionalidade destes

cavaleiros estatutários de lei reforçada. Foi nomeadamente o caso do regime das

finanças das regiões (ac. 567/2004).

Importa referir que esse cenário de inconstitucionalidade não tem lugar no caso de

uma norma estatutária dispor originariamente sobre uma matéria que ulteriormente uma

lei de revisão constitucional inscreve numa reserva de lei orgânica.

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o Alcance e limites do poder normativo estatutário no âmbito das relações

Estado-regiões: remissões legislativas, regulação de interesses não regionais

e reserva interna de lei regional:

Outro tipo de defeito que ocorre com normas estatutárias reside no facto de as

mesmas, ao invés de densificarem uma matéria necessariamente integraa na reserva

de estatuto, remetem a sua regulação para outros atos legislativos de valor não

estatutário.

Trata-se de uma realidade que ocorre com o estatuto dos titulares de órgãos

regionais, o qual, de acordo com o art. 229 nº 7, deve ser regulado no estatuto político-

administrativo, mas que as normas estatutárias remetem para diploma estadual e até

para diploma regional, sem sequer disciplinarem os elementos fundamentais desse

regime. No caso de remissão para atos legislativos estaduais, nomeadamente para a lei

parlamentar, embora seja defensável a inconstitucionalidade da remissão, julga-se

dever prevalecer a interpretação, não inconstitucional, que um reenvio recetício

estatutário para a lei de órgão competente limita-se a tornar estatutária uma disciplina

comum para certo efeito.

A mesma solução já não procede no que toca a remissões ou autorizações para o

ato legislativo regional.

Considera-se também que o estatuto não está autorizado a suprimir poderes dos

órgãos de soberania e outros órgãos constitucionais do Estado ou a limitar esses

poderes para além do que decorre do mandato constitucional relativo a essas limitações.

A relativa imprecisão do objeto estatutário aliada à proliferação de “cavaleiros” nestas

leis leva os órgãos de soberania a perpetrarem incursões indevidas nesta matéria,

constituindo uma vez mais a matéria do estatuto dos titulares de cargos políticos, o tema

central da controvérsia.

Não podem, finalmente, os estatutos fixar cláusulas inovatórias que limitem os

poderes estaduais que não decorram da Constituição. Assim, a inserção de uma

cláusula de não retrocesso que vede aos órgãos de soberania a possibilidade de

reduzirem o diâmetro das competências anteriormente cometidas às regiões por revisão

constitucional bule com as normas reitoras de repartição de competências entre o

Estado e os entres regionais que são reserva de Constituição, de acordo com o art. 110

nº 2 e o art. 112 nº 1 e 2. A única garantia de salvaguarda da autonomia legislativa

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regional decorre do limite material de revisão constitucional previsto na alínea o) do art.

288.

Finalmente, o estatuto pode fixar o âmbito material da reserva de lei regional,

subtraindo-o à regulamentação administrativa.

è Hierarquia e rigidez:

A hierarquia formal e material, deriva da “parametricidade erga omnes” do estatuto

(alíneas c) e d) do nº 1 do art. 281), a qual lhe permite vincular materialmente, n estrito

objeto estatutário, a qual outra lei ordinária do ordenamento português, mesmo

reforçada. É esta singular supra-ordenação que permite extrair das normas estatutárias,

não apenas uma superioridade material, mas igualmente uma hierarquia formal que lhe

permite, em tese, revogar normas legais que se insiram no âmbito do seu objeto

necessário, sejam como disposições sobreponíveis, seja como disposições

subordinadas.

Esse valor normativo do estatuto foi reconhecido já em diversos arestos do TC.

Quanto à rigidez esta destina-se a garantir o valor hierárquico, impedindo a sua

subversão através de uma hipotética revogação das leis estatutárias por parte de outras

leis parlamentares sucessivas, de caráter comum. Essa mesma rigidez, é, nos termos

do art. 226, consequência de dois tipos de agravamento procedimental, um de ordem

geral (envolve todas as normas no estatuto) e outro de natureza parcial (abarca, apenas,

as normas relativas a algumas matérias especificas.

O agravamento produtivo geral, que assume caráter principal, concretiza-se numa

reserva de iniciativa das assembleias legislativas regionais, carente de qualquer

condicionamento temporal, realidade que deposita integralmente com outro de natureza

secundária e confirmativa do primeiro – trata-se de um parecer obrigatório não

vinculativo.

Existe, ainda, um agravamento produtivo especial, enunciado na alínea f) do nº 6 do

art. 168, relativo às normas estatutárias das regiões autónomas que “enunciem as

matérias que integram o respetivo poder legislativo”. Trata-se, a essência, da definição

dos domínios materiais de âmbito regional, suscetíveis de serem regidos por atos

legislativos regionais emitidos ao abrigo da competência comum dos entes territoriais.

Essas normas carecem de ser aprovadas, na especialidade, pelo voto vavorável de dois

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terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados

em efetividade de funções.

A lei estatutária carece de ser aprovada pela AR em votação final global, apenas

pelo voto da maioria simples dos deputados que constituam o número legal de membros,

tal como sucede com a maioria das leis ordinárias, nos termos do art. 116 nº 3.

O estatuto é uma lei duplamente reforçada, nos termos do nº 3 do art. 112.

Pág. 357- 374.

As leis das grandes opções dos planos è Objeto: As leis de GOP têm um caráter poroso de reserva, tendo em conta que o núcleo do

respetivo objeto mostra ser de tal modo vasto que se torna difícil proceder à sua

limitação fronteiriça.

è Parametricidade:

A fraquíssima densidade das suas diretrizes, a ausência de poder de aderência em

relação a outras leis que não a do OE e a sua sobreponibilidade isomórfica e isométrica

com uma pluralidade imensa de normas legais, constituem fatores de desproteção

radical das normas legais das GOP, em relação a fenómenos de colisão com diferentes

atos legislativos.

No tocante à relação com o Orçamento de Estado existe:

Þ Uma precedência indicativa das leis das GOP em relação à lei da OE,

deduzindo-se da necessidade de a Lei do Orçamento se dever “harmonizar”

com a lei de GOP anual (art. 105 nº 2), o imperativo de se estabelecer, em

termos aprovatórios, uma prioridade cronológica da segunda em relação à

primeira, sem prejuízo da possibilidade da sua elaboração e publicação serem

feitas simultaneamente;

Þ Uma certa forma de compatibilização da elaboração da lei do OE à das leis

das GOP, na medida em que o nº 2 do art. 105 estabelece a necessidade da

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elaboração da Lei do orçamento ser feita “de harmonia” com a lei das GOP

anual.

As leis GOP anuais libertam um poder vinculante de intensidade mínima.

è Rigidez:

No que concerne aos trâmites agravados de produção deste tipo de lei, regista-se

que a reserva de iniciativa governamental corporiza o agravamento de natureza principal

(alínea g) do art. 161).

São cumuláveis ao mesmo, duas especializações obrigatórias, mas secundárias

como é o caso da submissão da proposta de lei à participação instrutória e consulta não

vinculativa do Conselho Económico e Social e o acompanhamento da mesma proposta

por um relatório relativo às grandes opções globais (nº 1 do art. 92 e nº 2 do art. 91).

A imprecisão de ato e a débil parametricidade material da lei levam a que o respetivo

caráter reforçado apenas a imunize contra revogações e alterações parlamentares

expressas.

Lei do Orçamento de Estado è Objeto:

A reserva material da lei do orçamento de Estado é caracterizada por um núcleo

muito mais compacto do que o das leis das GOP, encontrando-se determinado no art.

105.

Importa referir que, a reserva orçamental poderá ser alargada a outras áreas

materiais conexas, mormente por via da lei de enquadramento orçamental, a qual,

vinculando o conteúdo da lei do OE, fixa regras relativas à sua organização e

elaboração.

É da conjugação entre o disposto no art. 105 e das disposições organizatórias

insertas na lei de enquadramento (LE) que se torna possível apreender duas dimensões

do conteúdo da reserva orçamental:

Þ Núcleo orçamental/reserva necessária: é composto pelas receitas

necessárias para cobrir as despesas do Estado e da Segurança Social;

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Þ Reserva potestativa do orçamento: é integrada pelas chamadas matérias

orçamentais conexas ao núcleo do orçamento, conexão que pode assumir

uma natureza diversa; trata-se de matérias financeiramente importantes;

A geometria relativamente variável da reserva da lei do OE não compreende os

chamados “cavaleiros orçamentais”, definidos como normas legais que, sendo

integradas por razões de pura oportunidade na lei do OE, revestem um conteúdo

completamente anódino ao núcleo orçamental, não podendo, como tal, assumir valor

reforçado.

è Parametricidade material:

A Lei do Orçamento contém diretrizes materiais avulsas, tais como limites anuais de

endividamento às regiões autónomas e autorizações legislativas ao Governo que

vinculam materialmente os atos legislativos que lhes devem respeito.

è Rigidez:

Abordando o procedimento especializado da lei do OE, assume-se que, tal como

sucede com as leis de GOP, é na reserva de iniciativa do Governo que reside o “iter”

principal de agravamento genético (alínea g do art. 161). À mesma iniciativa qualificada

agregam-se outros mecanismos complementares que concorrem para a rigidificação

indireta do ato, como é o caso da “norma travão” (art. 167 nº 2 e 3).

Importará reter que o percurso produtivo da lei do OE é apenas determinado, quanto

aos seus estádios fundamentais, pela Constituição, pelo que senão especialidades

adjetivas, insuscetíveis de revelar a título principal na força passiva do ato, dado que tal

colidiria com o nº 5 do art. 112, preceito que de modo algum se pode considerar

implicitamente derrogado pelo nº 1 do art. 106.

A rigidez da lei do OE destina-se a blindar esta norma estruturante das Finanças

Públicas estaduais contra um poder parlamentar que a procurasse alterar duramente a

respetiva fase de execução. Daí que a força desta norma se possa manifestar nas

seguintes circunstâncias:

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Þ Insusceptibilidade de a lei do OE ser alterada no decurso da sua execução,

por uma lei resultante da iniciativa originária dos deputados ou grupos

parlamentares;

Þ Impossibilidade de, no caso do Governo apresentar uma proposta de lei de

alteração de um orçamento em execução à AR, esta proceder à alteração de

segmentos normativos do orçamento não abrangidos pela mesma proposta;

Þ Proibição de iniciativas legislativas, originárias ou derivadas, provenientes de

deputados ou grupos parlamentares que se traduzam numa afetação, de

sentido negativo, do equilíbrio orçamental.

A lei do OE é envolvida por um fenómeno atenuado de semi-rigidez dado que,

segundo a LE, o Governo se encontra autorizado a alterar por decreto lei as rubricas de

classificação orgânica do orçamento. Trata-se de uma semi-rigidez “atípica” e

constitucionalmente controversa, na medida em que não parece ter norma habilitante.

Na fase de aprovação originária prepondera a vontade representativa da AR, a qual

pode livremente alterar e até recusar a proposta orçamental do Executivo. Na fase de

execução, domina o poder do Governo sendo nela que se manifesta com maior

acuidade o valor reforçado do ato.

è Uma lei de conteúdo vinculado:

A Lei do Orçamento de Estado encontra-se material e procedimentalmente vinculada

à lei de enquadramento orçamental (LE), nos termos do nº 1 do art. 106, assumindo-se

a segunda como uma lei reforçada pela circunstância de ser seu pressuposto necessário

(art. 112 nº 3).

Presentemente discute-se, à luz do Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e

Governação na União Económica e Monetária, a possibilidade de por força de uma

revisão constitucional a mesma lei poder ser aprovada por maioria absoluta ou por

maioria de dois terços.

Lei quadro das reprivatizações

A lei quadro das reprivatizações (art. 293) constitui ma lei de grandes reformas

económicas.

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Reveste caráter materialmente paramétrico, diretivando o conteúdo dos atos

legislativos do Governo que, em concreto, procedem à reprivatização de empresas

nacionalizadas.

Trata-se de uma subcategoria legal, na medida em que ostenta um conjunto de

especialidades próprias.

Classes híbridas de leis orgânicas Algumas leis orgânicas possuem um estatuto duplamente reforçado na medida em

que aliam a sua maior rigidez, derivada do seu procedimento agravado de produção

(reforço pelo lado passivo) a uma hierarquia material, derivada do facto de assumirem

simultaneamente a natureza de leis de bases ou leis de enquadramento (dimensão

ativa). Ex: alínea d) e t) do art. 164 e art. 255.

A Atividade Legislativa dos Órgãos Constitucionais da República

A Atividade legislativa da Assembleia da República

O primado da AR no exercício da atividade legislativa

A circunstância de o núcleo essencial da atividade legislativa dever necessariamente

radicar na AR como instituição parlamentar, por força do princípio da separação de

poderes e do seu estatuto como órgão representativo direto dos cidadãos, confere a

este órgão um necessário primado no exercício da função legislativa.

O primado legislativo não é sinónimo de “centralidade legislativa”. Em Portugal essa

centralidade radica no Governo que é quantitativamente o principal legislador.

São manifestações do primado legislativo da AR:

Þ A competência legislativa genérica, que é cometida à AR pela alínea c) do art

161;

Þ A extensa reserva absoluta e relativa de competência legislativa (art. 161, 164

e 165);

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Þ A faculdade de se inserirem na reserva absoluta do Parlamento, as leis

reforçadas pelo procedimento as quais se afiguram como um bloco de

legalidade complementar da Constituição e tributárias de um maior

compromisso entre os representantes dos cidadãos;

Þ O universo politicamente mais solene ou relevante das leis portadoras de uma

hierarquia material sobre outras assenta na esfera da AR, que assim edita o

“core” da legislação que se constitui como parâmetro material necessário de

outras leis a elas subordinadas.

Þ Na especialidade, o poder de, nos termos do art. 165 e alínea b) do art. 227,

autorizar livremente o Governo e os parlamento regionais, como órgãos

eventualmente competentes, a exercerem funções legislativas delegadas no

âmbito da sua reserva relativa de competência e condicionar estritamente o

exercício dessas competências;

Þ A faculdade de controlar o exercício da função legislativa alheia (art. 169 e nº

4 do art. 127);

Þ De acordo com o art. 136, o carater suspensivo do veto presidencial – por

contraste com o veto absoluto sobre os decretos leis do governo – bem como

o prazo de 20 dias para promulgação – por confronto com os 40 dias

concedidos aos decretos leis).

Tipologia das Competências Legislativas

A AR pode exercer dois tipos de competência legislativa:

Þ Competência genérica;

Þ Competência reservada.

A competência legislativa genérica

A competência legislativa genérica, prevista na alínea c) do art. 161, é um reflexo do

primado da AR no exercício da função legislativa e traduz-se na faculdade de a mesma

AR poder legislar sobre todas as matérias, exceto as reservadas pela Constituição ao

Governo.

A mesma competência supõe igualmente a faculdade de o Parlamento legislar para

todo o território ou para parte dele, sendo certo que, no âmbito regional, a legislação

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autonómica tem preferência aplicativa, à luz do princípio da especialidade, sobre as leis

da AR que incidem sobre a chamada esfera concorrencial paralela.

A competência legislativa reservada

A reserva absoluta de competência legislativa A reserva absoluta supõe a faculdade exclusiva de a AR legislar sobre um conjunto

de matérias, com a exclusão total dos demais órgãos legislativos. Ela abrange, na ordem

constitucional portuguesa, as matérias de maior essencialidade política ou aquelas que

reclamam a intervenção necessária e não substituível da instância representativa do

povo radicada no Parlamento.

A reserva relativa de competência legislativa A reserva relativa de competência legislativa da AR integra matérias, relativamente

às quais o Parlamento pode legislar a todo o tempo, independentemente de, a pedido

do Governo ou das Assembleias legislativas das regiões autónomas, conceder a estes

órgãos uma autorização legislativa nos termos do nº 2 e segs. do art. 165.

Enquanto o Governo pode ser beneficiário de uma autorização legislativa

relativamente a todas as matérias previstas no nº 1 do art. 165, as assembleias

legislativas das regiões, em razão de inexistência dessa relação fiduciária e da limitação

da sua competência pela medida de valor do “âmbito regional” só podem legislar, nos

termos da alínea b) do nº 1 do art. 227.

A Densidade Reguladora Variável das Leis que Incidem sobre as Diversas Classes

de Reservas de Competência Legislativa da Assembleia da República

A AR edita sobre as matérias e domínios materiais que lhe são reservados, leis de

densidade reguladora distinta. A densidade reguladora define-se como o nível de

concretização ou pormenorização normativa que comporta o conteúdo de uma dada lei,

aferido em termos do grau de generalidade e abstração das suas regras.

Leis que fixam uma disciplina primária com normas de grande generalidade e

abstração têm um baixo grau de densidade reguladora, enquanto que aquelas que

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editam regimes pormenorizados e disciplinas especiais de objetivo detalhe ostentam um

elevado grau em termos de densidade reguladora.

Nalgumas matérias de reserva, existe uma reserva de densificação total, ou seja, a

lei parlamentar terá de consumir a integridade do respetivo âmbito, não podendo reparti-

lo com decretos leis e decretos legislativos regionais.

Já noutras normas legais paramétricas o Parlamento pode restringir-se a uma

disciplina de reduzida densidade, na medida em que, as normas parâmetro devam

apenas ocupar o domínio reservado de caráter primário relativo a uma dada matéria,

devendo o domínio sub-primário ser diferido à regulação de leis complementares

subordinadas, dotadas de maior densidade e emitidas seja pelo próprio Parlamento,

seja por outros órgãos legislativos.

à Reserva de densificação total do nível integral operada por leis da AR:

Alíneas a), b), c), h), j) do art. 164.

Este nível implica dois requisitos: que toda a dimensão inovadora de uma disciplina

normativa que recai sobre uma matéria tenha de ser consumida por lei; e que a lei em

consideração seja, necessariamente, um ato legislativo da AR (lei formal).

Trata-se de um campo exclusivo de densificação normativa integral e

obrigatoriamente cometida. A lei da AR é portadora de uma expressiva densidade

reguladora.

à Reserva parlamentar de densificação total de nível relativo:

Alíneas d) e o do nº 1 do art. 165.

Trata-se de uma situação em que a lei parlamentar ou ato legislativo governamental

ou regional autorizados pelo Parlamento devem, igualmente, consumir ou esgotar toda

a dimensão primária ou inovadora de uma matéria ou domínio material inscrito na

reserva relativa de competência da AR.

As matérias sujeitas a densificação total, inscrevem-se na reserva de competência

da AR pelo que a regulação dessas matérias pode não caber, apenas, à lei parlamentar,

mas também a decretos leis ou, se for caso disso, a decretos legislativos regionais

autorizados pelo Parlamento da República.

Ex: direitos, liberdades e garantias.

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à Reserva parlamentar de lei geral na regulação de matéria da reserva parlamentar:

Alínea r) do art. 164 e alíneas d), e) e h) do nº 1 do art. 165.

A reserva parlamentar de regulação primária de uma matéria inscrita na sua reserva

absoluta ou relativa restringe-se, neste nível de regulação, a normas de conteúdo geral

(regimes gerais), podendo o próprio Parlamento ou outros órgãos legislativos, como o

Governo, adotar disciplinas igualmente inovadoras, mas de natureza especial, contidas

em normas naturalmente mais densas ou pormenorizadas.

à Reserva parlamentar de bases gerais ou de enquadramento da reserva

parlamentar:

Alíneas d) segunda parte, i) e n) do art. 164 e alíneas f), g), u) e z) do nº 1 do art.

165.

Corresponde à disciplina menos densa da legislação parlamentar, pressupondo que

ao Parlamento se encontra reservada a edição de normação legal primária, de conteúdo

incompleto e caráter vinculante do conteúdo de outras leis complementares muito mais

densas, editadas pelo próprio órgão ou por outros órgãos titulares dessa competência

legislativa de desenvolvimento.

O Procedimento Legislativo Parlamentar

Noção de Procedimento Legislativo

Este é uma sucessão encadeada de atos ou fases tidos como juridicamente

necessários para a produção e revelação de uma norma legal, por parte de um órgão

competente para o efeito.

Em sentido estrito, o procedimento pode ser integrado por atos de iniciação

processual, atos de instrutórios de consulta, atos aprovatórios, atos de controlo de

mérito e atos de publicação. Contudo, em sentido amplo e à luz de critérios de ordem

sistemática, verifica-se que, no mesmo procedimento podem ter lugar vários atos de

iniciação (caso das iniciativas legislativas originárias e derivadas), vários atos de

aprovação (votação das normas na generalidade e especialidade e votação final global)

e diversas formas de controlo político (promulgação e referenda ministerial). Fará, assim

sentido agrupar essa pluralidade de atos homólogos ou de idêntica natureza em

estádios ou fases.

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O procedimento legislativo pode assumir a natureza de:

Þ Procedimento comum: consiste na tramitação regra atribuída à formação dos

atos típicos de uma forma legal fixada pela Constituição e por normas

regimentais (art. 167 e art. 168 nº 1 e 2);

Þ Procedimento especial: supõem para a formação de um ato legislativo, a

adoção de trâmites dotados de elementos diferenciados em relação ao

procedimento comum ou principal.

Estes elementos diferenciados tanto podem consistir num “quid minus”, o qual

consiste na eliminação de trâmites, formalidades e encurtamento dos prazos do

procedimento comum ou num “quid pluris” que predica a adição de diversos trâmites

suplementares ao procedimento comum ou principal, os quais podem traduzir em

procedimentos agravados passiveis de implicar uma limitação efetiva da vontade do

decisor legislativo e um aumento da rigidez da norma legal produzida a qual se converte

em lei reforçada pelo procedimento; e em especialidades adicionais de produção que,

contudo, não implicam limitações jurídicas sensíveis à vontade do legislador e não

influem na rigidez do ato.

Faseologia

A iniciativa legislativa è Conceito:

A fase de iniciativa legislativa caracteriza-se por ser o momento de instauração,

iniciação ou propulsão do procedimento legislativo parlamentar.

De acordo com o RAR a apresentação de um ato de iniciativa legislativa não supõe

nenhuma garantia efetiva da sua ulterior discussão e, muito menos, da sua aprovação.

Isto, porque o PR pode rejeitar ou inferir projetos ou propostas de lei que enfermem de

inconstitucionalidades evidentes ou que ostentem vícios formais que impeçam a sua

admissão (art. 120, 124 e 125 do RAR).

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è Competência legislativa e iniciativa legislativa:

A competência legislativa é um pressuposto do ato legislativo, consistindo no poder

funcional atribuído a um órgão para aprovar uma norma legal, em razão de matéria, do

território e também, eventualmente, do tempo.

A iniciativa consiste, diversamente, num estádio integrativo da componente formal

do ato legislativo, respeitante ao procedimento produtivo da lei, destacando-se como o

seu primeiro estádio.

Os sujeitos a quem é atribuído o poder de iniciativa não são, necessariamente, os

mesmos que intervêm no exercício da competência legislativa para a aprovação das leis

da AR.

Uma iniciativa legislativa diz-se interna, quando são os deputados e os grupos

parlamentares (conjuntos de deputados agrupados, em regra, por partidos políticos) a

exercerem a iniciativa legislativa sob a forma de projeto-lei, procedendo ulteriormente à

sua eventual aprovação (art. 167 nº 1). A iniciativa diz-se heterónoma ou externa quando

são órgãos constitucionais diversos da AR ou sujeitos inorgânicos a exercer o poder de

iniciação do procedimento legislativo da mesma Assembleia, exercício que assume a

forma de proposta de lei (art. 167 nº 2).

No caso da iniciativa heterónoma, existe um conjunto de órgãos e sujeitos que têm

a mesma faculdade de pôr em marcha o procedimento legislativo de um órgão distinto,

que é o Parlamento da República, mas que não intervêm no exercício da competência

legislativa. Nos termos do nº 1 do art. 167 dispõem do poder de iniciativa legislativa

heterónoma, o Governo, as assembleias legislativas das regiões autónomas em relação

a matérias que lhes respeitem e, ainda, num contexto de pré-iniciativa, grupos de

cidadãos eleitores (20 000 nos termos da lei).

Pode assumir caráter reservado em relação a certos atos legislativos. Tal é o caso:

Þ Das leis das GOP e da lei do orçamento de Estado, as quais são reservadas

ao Governo;

Þ Dos estatutos político-administrativos das regiões autónomas e respetivas

alterações, cuja elaboração é reservada às assembleias legislativas das

regiões autónomas;

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Þ Das leis orgânicas relativas à eleição de deputados às assembleias

legislativas regionais, cuja elaboração é, igualmente, reservada às mesmas

assembleias.

Daqui resulta que os deputados e grupos parlamentares não dispõem de iniciativa

originária sobre as matérias referidas, sem prejuízo de poderem dispor de iniciativa

derivada, no sentido de poderem apresentar projetos-lei contendo propostas de

alteração (art. 127 do RAR) ao ato de iniciativa originária.

è Limites ao ato de iniciativa:

Existem ainda, limites a esta iniciativa que se encontram presentes no art. 120 do

RAR e no art. 167 nº 2 e 3.

è Vicissitudes da iniciativa legislativa:

Os projetos e propostas de lei definitivamente rejeitados não podem ser renovados

na mesma sessão legislativa salvo renovação da AR (art. 167 nº 4). Se os atos de

iniciativa legislativa não tiverem sido votados na sessão legislativa em que tiverem sido

apresentados, os mesmos não caducam nos termos do nº 5 do art. 167, não carecendo

de renovação na sessão legislativa seguinte, salvo terno da legislatura.

A referida caducidade ocorre, contudo, com a demissão ou a dissolução do órgão

proponente (art. 167 nº 6 e 7).

Instrução è Conceito:

A fase instrutória visa recolher dados, pareceres e outros elementos cognitivos que

permitam aos decisores apreciar a oportunidade e o conteúdo da iniciativa legislativa.

Pode implicar um exame puramente interno, realizado em comissão parlamentar e,

adicionalmente, a realização de audições externas e entidades públicas ou privadas.

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è O exame interno em comissão:

A simples apreciação em comissão constitui uma forma de instrução interna e implica

a elaboração de um parecer sobre as iniciativas legislativas pela comissão especializada

em razão da matéria (art. 135 a 137 do RAR) podendo em certas circunstâncias

constituir-se uma comissão eventual, se a importância ou a especialidade da matéria

reclamarem essa opção. Em qualquer caso, admitindo um projeto, o autor ou qualquer

um dos autores tem o direito de o apresentar perante a comissão competente (art. 132

nº 2 do RAR).

è As consultas e as audições externas:

A AR, mormente em comissão, procede consultas obrigatórias e facultativas de

entidades externas, podendo ainda realizar audições individuais ou coletivas (art. 104

do RAR).

São matérias de consulta obrigatória as presentes nos art: 54 nº 5; 56 nº 2; 60 nº 3;

63 nº 2; 65 nº 5; 67 nº 2; 77 nº 2; 98; 249; 229 nº 2; 226 nº 2.

Existem regras regimentais em matéria de consulta relativamente a certas categorias

de leis ou a leis que vertam sobre determinadas matérias.

Assim, sempre que se trate de projetos ou propostas de lei respeitantes a autarquias

locais ou outras iniciativas que (em razão de matéria) o justifiquem, a comissão

parlamentar competente deve promover a consulta da Associação Nacional de

Municípios e da Associação Nacional de freguesias bem como a certas autarquias

envolvidas em processos modificativos e extintivos.

Em matéria de legislação do trabalho a Constituição determina, nos termos da alínea

a) do nº 2 do art. 56 e da alínea d) do nº 5 do art. 54, a participação dos sindicatos e

comissões de trabalhadores.

O pedido de audição deve ser expresso e individualizado e, no caso de se optar

alternativamente pela discussão pública, não bastará dar publicidade ao projeto de

diploma, sendo exigível um convite expresso para a mesma discussão.

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Em suma, o Parlamento promove uma discussão pública ou solicita individualmente

uma audição, para os efeitos da alínea d) do nº 5 do art. 54 e do nº 2 do art. 56. Os

projetos e propostas de lei são publicados previamente em separata coincidente com a

do seu anúncio, entendendo-se como tal o dia em que fica disponível no portal do

Parlamento (art. 134 nº 3 e 4 do RAR).

Se a matéria disser respeito às regiões autónomas não será a comissão

especializada que promoverá a audição, mas sim o Presidente da AR, para o efeito do

nº 2 do art. 229.

Atos soberanos que incidam de forma especial (e como tal diversa daquela em que

afetam a restante parte do território português) numa ou em ambas as regiões versando

sobre questões, problemas ou interesses atinentes à idiossincrasia humana,

socioeconómica ou cultural das regiões ao ponto dessas particularidades (quando

confrontados com interesses nacionais) assumirem uma particularidade suficientemente

relevante justificam uma audição regional.

A fase de instrução de leis parlamentares que respeitem às regiões autónomas,

projeta-se na fase constitutiva ou de aprovação, ocorrendo entre os momentos de

votação que procedem a votação final global.

Fase Constitutiva A aprovação da lei exprime a sua fase constitutiva, a qual se prende à manifestação

de um ato de vontade normativa pelo Parlamento, do qual resulta a expressão do seu

consentimento na formação de um ato legislativo materialmente perfeito ou completo e,

como tal, apto para produzir alterações jurídicas no ordenamento, volvida a sua

promulgação e publicação.

Antecedendo o momento de aprovação, o ato ou atos de iniciativa são objeto de

debate, através de uma discussão realizada pelos deputados sobre a sua forma e

conteúdo, a qual pode ser realizada em plenário ou em comissão (art. 168 nº 1).

Haverá, pois a considerar três fases aprovatórias:

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è Discussão e votação na generalidade:

A discussão na generalidade, em sessão plenária, de iniciativas apreciadas em

comissão parlamentar, pressupõe um debate que incida sobre os princípios e o sistema

do ato de iniciativa, ou seja, sobre o espírito e a estrutura interna do ato pré-legislativo

(art. 147 nº 1).

Os projetos ou propostas de lei devem ser distribuídos aos grupos parlamentares

antes de serem discutidos em Plenário e devem ser previamente publicados no DR com

uma antecedência mínima de 5 dias, salvo em caso de urgência (art. 144 nº 1 e 2).

A discussão e a votação devem ter lugar, em regra, no prazo de 18 reuniões

plenárias a contar da data de aprovação do parecer na comissão especializada (art. 149

do RAR).

Volvida a discussão, cada projeto ou proposta de lei é votado em Plenário (art. 3 do

168 e art. 148 do RAR), sendo certo que uma votação favorável apenas garante que o

ato de iniciativa será objeto de votação na especialidade, não indicando a sua aprovação

nem nessa fase nem no estádio da votação final.

A deliberação parlamentar correspondente a essa fase de votação processa-se por

maioria simples (art. 116 nº 3) salvo no caso das leis que correspondam as alíneas a) e

b) do nº 6 do art. 168 e disposições de leis referidas no mesmo número que consumam

todo um diploma legislativo.

è Discussão e aprovação na especialidade:

A discussão e votação na especialidade versa sobre cada artigo número ou alínea d

um projeto ou proposta de lei.

De acordo com o nº 1 do art. 154 do RAR, a ordem da votação é a seguinte:

propostas de eliminação; propostas de substituição; propostas de emenda; texto

discutido, com as alterações eventualmente já aprovadas; propostas de aditamento ao

texto votado.

Decorre do art. 168 nº 3 que caso a Ar delibere o órgão em que ocorre a votação é

a comissão, caso esta nada diga assume-se que é o Plenário. Sucede porém, que o art.

150 do RAR, ao estabelecer uma regra geral em sentido contrário (regra que determina

que salvo num conjunto de exceções, a discussão e votação se processam em

comissão) não parece harmonizar-se com o referido no nº 3 do art. 168.

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Mas o facto é que a prática parlamentar ou costume contra legen, caminha no sentido

do disposto no regimento, ou seja, a de que a grande maioria dos diplomas são

discutidos e votados na especialidade nas comissões, sem prejuízo do Plenário poder

a todo o tempo avocar a si a votação na especialidade a requerimento de, pelo menos

10 deputados.

Existe um conjunto de atos legislativos que integram a reserva de Plenário. Trata-se:

Þ Das leis que regulam as matérias previstas no nº 4 do art. 168 da CRP;

Þ Da lei referente ao nº 5 do art. 168 que carece de ser votada na especialidade

por maioria absoluta;

Þ Das leis respeitantes às alíneas a) e c) do nº 6 do art. 168, que devem ser

aprovadas por maioria de 2/3 dos deputados presentes, desde que superior à

maioria absoluta dos efetivos;

Þ Das normas legais que respeitem às matérias previstas nas alíneas b), d), e)

e f) do nº 6 do 168, que devem, igualmente, ser aprovadas por maioria de 2/3.

Enquanto as primeiras e a segunda integram a reserva explicita de plenário, a

terceira e a quarta integral a reserva implícita.

è Votação final global:

Trata-se do momento culminante da fase constitutiva que inere à aprovação da lei,

já que é por meio da votação final que o processo aprovatório originário se encontra

concluído e que a AR exprime uma manifestação definitiva da sua vontade normativa,

com a forma de decreto, de modo a ganhar existência jurídica como lei, na medida em

que seja promulgado e referendado ministerialmente.

Quando aprovado em comissão, o texto é enviado para Plenário para votação final

(art. 155 nº 2).

è Redação final:

Finda a votação final global, a comissão competente em razão da matéria procede à

redação final dos atos aprovados não podendo alterar o pensamento legislativo, mas

apenas aperfeiçoar o estilo e a sistematização do texto, sem que se possam registar

votos contra (nº 1 e 2 do art. 156 do RAR).

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Fase de Controlo de Mérito Reporta-se ao estádio em que o ato legislativo aprovado pela AR é remetido sob a

forma de decreto ao Presidente para promulgação.

O Chefe de Estado, nesta fase, exerce um controlo político sobre um ato produzido

pelo órgão parlamentar, no quadro do sistema de freios e contrapesos.

Formula um juízo de oportunidade positivo ou negativo, o qual se designa por

controlo de mérito.

O PR dispõe de 20 dias contados desde a data de receção de qualquer diploma da

Assembleia, para usar a sua faculdade de promulgar ou vetar (art. 136 nº 1). Se tiver

dúvidas sobre a conformidade do ato com a Constituição pode, no prazo de 8 dias sobre

a data de receção do decreto, suscitar a fiscalização preventiva da sua

constitucionalidade junto do TC (nº 1 e 3 do art. 178).

Em termos de conteúdo, a prática política faz distinguir a promulgação simples da

promulgação com reservas. Na segunda, o Chefe de Estado faz acompanhar o ato

promulgatório de uma mensagem onde exprime preocupações, objeções sobre o ato e

sobre aspetos mais delicados relativos à sua concretização legal e aplicação.

No plano estritamente político, a promulgação com reservas procura tornar claro o

distanciamento presidencial em relação à lei que promulga.

A promulgação pode ser qualificada como:

Þ Livre: é o que decorre do art. 136/1.

Þ Obrigatória: no caso das leis de revisão constitucional, dos decretos já

vetados e confirmados pelo Parlamento mediante a maioria qualificada

constitucionalmente exigível (art. 286/3 e 136/2) e das leis conformes a ato

referendário de sentido positivo (art. 282 da Lei do Referendo).

Þ Vedada: em caso de fiscalização preventiva do decreto sujeito a promulgação

como lei orgânica, o PR não pode promulgar nos primeiros 8 dias contados

desde a receção do diploma, ou se for suscitada a intervenção do TC, antes

deste se ter pronunciado (art. 278/7).

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Em caso de veto, o qual assume uma natureza suspensiva, o ato é reapreciado pelo

Parlamento, instituição que pode assumir três condutas alternativas.

1.ª Desistência do diploma;

2.ª Confirmação do diploma com superação do veto:

Þ Quer mediante a regra geral que envolve veto favorável da maioria absoluta

dos deputados em efetividade de funções, nos termos do nº 2 do art. 136 –

veto simples;

Þ Quer por força da regra especial que impõe maioria agravada de 2/3 dos

deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos efetivos,

como dispõe o nº 3 do art. 136 – veto qualificado.

3.ª Reformulação do diploma vetado.

Se a lei vetada se inscrever nos atos legislativos sujeitos a votação final global mor

maioria de 2/3, pese a existência de uma lacuna constitucional sobre a maioria

adequada de superação, entende-se que, por identidade de razão com as leis orgânicas

(art. 136 nº 3), esses decretos carecerão de ser confirmados por idêntica maioria

parlamentar a qual é igual à da sua aprovação originária.

No caso do decreto vetado conter disposições em matéria de relações externas,

limites entre setores económicos e regulamentação de atos eleitorais excluídos da

reserva de lei orgânica, coloca se o problema de saber se, caso o fundamento de veto

não recair sobre essas normas, mas sobre outras disposições do ato, a maioria de

superação de 2/3 prevista nas alíneas b) e c) do art. 136 se aplica nesta situação.

Ex: a lei que aprovou a terceira revisão dos Estatutos dos Açores, a qual foi vetada

em 2008 pelo PR e confirmada por maioria de 2/3.

O estatuto é aprovado originalmente por maioria simples em votação final global. Os

fundamentos de veto presidencial não recaíram sobre uma norma relativa às relações

exteriores ou internacionais da região (posteriormente declarada inconstitucional), a

qual respeitava à matéria que nos termos da confirmação para a superação do veto do

Chefe de Estado.

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Ora, aposto o veto presidencial, se a maioria parlamentar de 2/3 de confirmação que

o superou, não tivesse sido obtida, será que a maioria absoluta prevista no nº 2 do art.

136 seria suficiente para lograr essa superação?

Existem dois entendimentos possíveis. O prof. Carlos Blanco Morais tente a

concordar com o entendimento de ordem eclética (formal e substancial) que parte do

pressuposto de que a maioria de superação operada por 2/3 se funda em critérios

objetivos: o da onerosidade da maioria de aprovação final global da lei ou da presença

de matérias qualificadas no conteúdo da lei, sendo irrelevante saber se todo o diploma

ou pelo menos uma parte dele dispõe sobre essas matérias. Ora, tendo o Estatuto

regulado uma matéria atinente a relações externas, o veto que sobre o mesmo incidiu

deveria sempre existir a maioria de 2/3 reclamada pela norma da alínea a) do nº 3 do

art. 136, sendo irrelevante para o efeito o conteúdo da fundamentação.

Se a AR confirmar um decreto, o PR deverá promulgá-lo no prazo de 8 dias contados

da sua receção. O veto de bolso é implicitamente proibido.

O poder de impedimento inerente ao veto supõe um efeito jurídico unitário, que é o

da preclusão da existência do decreto e a devolução deste ao Parlamento, para efeito

da realização de uma nova apreciação.

Podem extrair-se várias categorias de veto, a saber:

Þ Veto Sanção: supõe uma discordância absoluta do PR em relação ao mérito

global do diploma;

Þ Veto Construtivo: implica uma discordância parcial ou condicionada em

relação à oportunidade do diploma, especificando a fundamentação do veto

as matérias onde recaem essas objeções.

O veto por inconstitucionalidade e o veto político distinguem-se em razão do objeto

e da natureza.

Será admissível que o Presidente vete politicamente, invocando razões de

inconstitucionalidade?

Resulta da teleologia do nº 1 do art. 136, conjugado com os art. 278 e 279 que, se o

PR tiver dúvidas de constitucionalidade deve promover a fiscalização preventiva e não

exercer o veto político, o qual exprime um juízo de discordância relativamente ao mérito

(jurídico e político), mas não à legitimidade constitucional do diploma. Daí que, se

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invocar explicitamente razões de constitucionalidade para vetar politicamente, o Chefe

de Estado poderá incorrer em inconstitucionalidade material por desvio de poder.

No entanto, tal inconstitucionalidade não comporta, contudo, consequências

jurídicas.

Caso o Presidente convocar argumentos jurídico-constitucionais como fundamento

do veto, sem com eles sustentar a inconstitucionalidade do ato, essa fundamentação

jurídica deve ter-se como legitima e o veto não enfermará de desvio de poder.

è A referenda ministerial:

Trata-se de um controlo político do Governo sobre os atos do Presidente (art. 140).

Implicando a falta de referenda, a inexistência jurídica do mesmo ato.

O instituto constitui um ato notarial ou certificatório não havendo história da sua

recusa.

A ocorrência da recusa de referenda em sede de promulgação de leis só faria sentido

em situações extremas.

Fase integrativa de eficácia A alínea c) do nº 1 do art. 119 determina a obrigatoriedade de publicação das leis

promulgadas no DR, determinando o nº 2 do mesmo artigo que a falta dessa publicação

importa a ineficácia jurídica do ato.

A vigência não poderá começar no dia da sua publicação, exceto em casos de

inadiável urgência. Se nada for dito na lei sobre o seu dia de entrada em vigor, tal

acontece findos os 5 dias de vocatio legis.

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Pág. 416 – 437

A Apreciação Parlamentar de Atos Legislativos de Outros Órgãos Constitucionais

Natureza e características gerais do instituto A apreciação parlamentar constitui uma manifestação do primado da AR sobre os

restantes órgãos constitucionais, no que respeita ao exercício da função legislativa.

Essa manifestação traduz-se na faculdade de a Assembleia, no respeito de certos

limites temporais e circunstanciais, poder apreciar o mérito da grande maioria dos

decretos-leis bem como dos decretos legislativo regionais autorizados, tendo em vista a

sua eventual cessação de vigência e modificação, a qual pode ser precedida por uma

suspensão da sua eficácia.

De acordo com o nº 6 do art. 169, a apreciação parlamentar dos decretos-leis deve

gozar de prioridade, nos termos do Regimento parlamentar.

Atos sujeitos a apreciação Encontram-se submetidos ao regime de apreciação parlamentar:

Þ Todos os decretos-leis, salvo os aprovados no exercício da competência

exclusiva do Governo, de acordo com o art. 169/1;

Þ Os decretos legislativos regionais que tenham sido objeto de uma autorização

legislativa da AR (art. 227/4).

Pressupostos, iniciativa e admissão A apreciação parlamentar pode ser requerida por um mínimo de 10 deputados, para

efeitos de cessação de vigência ou de alteração, dos 30 dias subsequentes à publicação

do ato legislativo que dela é objeto, descontados os períodos de suspensão do

funcionamento da AR. Art. 169/1.

O requerimento deve indicar o decreto-lei e a a sua data de publicação e, caso seja

um decreto-lei autorizado, a respetiva lei de autorização, devendo, ainda, conter uma

sucinta justificação dos motivos (art. 189/ 2 do RAR).

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Aplica-se à admissão do requerimento, as regras procedimentais revistar nos art.

125 e 126 do RAR relativos à tramitação das iniciativas legislativas, com necessárias

adaptações (art. 189/3 do RAR). No caso de o decreto lei sujeito a apreciação ter sido

editado ao abrigo de uma autorização legislativa, o Presidente do Parlamento deve

agendar o seu debate até à sesta reunião subsequente à apresentação do requerimento

relativo à sua apreciação (art. 190 do RAR).

Votação A votação na generalidade incide sobre a cessação de vigência (art. 205/1 do RAR).

Já a votação na especialidade incidirá sobre propostas de alteração, as quais podem

ser objeto de votação final global (art. 208 nº 1 e 5 do RAR).

Caducidade Se não se registar pronúncia parlamentar sobre pedido de cessação de vigência ou,

no caso de se ter deliberado introduzir emendas e a respetiva lei não ter sido votada até

ao termo da sessão legislativa em curso, desde que decorridas 15 reuniões plenárias,

deve o processo de apreciação parlamentar considerar-se caduco (art. 169/5).

Por outro lado, nos termos do nº 1 do art. 197 do RAR, se o Governo e, por analogia

as assembleias legislativas das regiões, revogarem, respetivamente o decreto lei ou o

decreto legislativo regional objeto da alteração, até ao termo do processo de apreciação

parlamentar, este será automaticamente encerrado (caducando, tacitamente, por falta

de objeto). Ainda assim, e de acordo com o nº 2 do mesmo preceito, se a revogação

ocorrer no debate na especialidade, pode qualquer deputado adotar o decreto lei como

projeto de lei, nos termos do nº 2 do art. 197 e do nº 2 do 112 do RAR.

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Formas de apreciação parlamentar è Apreciação parlamentar para efeitos de alteração:

o Forma da alteração:

Todo o tipo de modificações ou emendas introduzidas em diplomas legais no

contexto de apreciação parlamentar devem revestir a forma de lei (art. 169/2 e 5 e art.

112/5.

o Procedimento:

O procedimento interno parlamentar referente às alterações encontra-se previso no

art. 196 do RAR. No caso das alterações a decretos leis autorizados, o Presidente da

Assembleia deve agendar a sua apreciação até à 6ª reunião parlamentar do pedido de

apreciação (art. 190 do RAR).

o Suspensão de vigência:

Se for submetido a apreciação um decreto-lei autorizado e se forem apresentadas

propostas de alteração a AR pode aprovar uma resolução que suspenda, no todo ou em

parte, como medida cautelar, a rejeição de todas as propostas de alteração. A

suspensão caduca decorridas 10 reuniões plenárias sem que a Assembleia se tenha

pronunciado a título final (art. 169 nº 2 e 3).

è Apreciação parlamentar para efeito de cessação de vigência:

o Forma do ato de cessação de vigência:

O ato em epigrafe reveste, nos termos do nº 4 do art. 169, a forma de resolução da

AR.

No caso de ser aprovada a cessação de vigência do decreto-lei (no seu todo), ele

deixará de vigorar, como se tivesse sido revogado, desde o dia em que a resolução for

publicada no DR e não poderá voltar a ser publicado no decurso da mesma sessão

legislativa (art. 169/4). Não se tem por admissível que a resolução que determina a

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cessação de eficácia produza efeitos retroativos (ac. 461/87), pelo que, havendo

necessidade de imprimir efeitos ex tunc a uma operação revogatória sobre o decreto lei,

esta deve ser protagonizada por uma lei parlamentar.

o Repristinação:

Nos termos do art. 195 do RAR, a resolução deve especificar se a cessação de

vigência implica a repristinação das normas revogadas pelo diploma em causa (ou seja,

deve clarificar se determina a revivescência ou reentrada em vigor do ato legislativo que

o decreto lei que cessou vigência tinha revogado, de modo a evitar a ocorrência de

lacunas).

A Atividade Legislativa do Governo

Introdução à Competência Legislativa do Governo

O Governo como legislador surge em resposta ao intervencionismo do Estado social.

Assim sendo, atualmente, o Governo não é só titular da função administrativa é também

titular da função legislativa.

Tipologia das Competências Legislativas do Governo

Competências Concorrências Alternadas

O Governo dispõe, de acordo com a alínea a) do nº 1 do art. 198, conjugado com a

alínea c) do art. 161, nas suas relações jurídico-normativas, a faculdade de legislar sobre

todas as matérias, menos reservadas pela Constituição ao Parlamento. Como a AR

dispõe também da faculdade de legislar sobre todas as matérias, exceto as reservadas

ao Governo, haverá que destacar a existência de um vasto campo de confluência de

matérias não enumeradas constitucionalmente, onde os dois órgãos podem

simultaneamente legislar e que se denomina de área de competências concorrenciais.

O tipo de concorrência em presença assume natureza alternada: os dois órgãos

podem, a todo o tempo, legislar e aplica-se às relações entre os atos legislativos que,

nos termos do nº 1 do art. 112, detém igual hierarquia formal, o critério cronológico, nos

termos do qual, o ato legislativo posterior revoga ou suspende o anterior.

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Com as Assembleias legislativas das regiões o Governo desenvolve uma

concorrência paralela: emite diplomas em relação a matérias não explicitamente

reservadas pela Constituição aos órgãos de soberania para vigorarem no todo ou em

parte do território. Contudo, caso os decretos leis colidam com decretos legislativos

regionais que incidem sobre matérias de âmbito regional, os decretos legislativos

regionais têm aplicação preferencial sobre os decretos leis (art. 228/2).

Competências Exclusivas

Nos termos do nº 2 do art. 198 é da exclusiva competência do Governo legislar sobre

matéria respeitante à sua organização e funcionamento. Esta matéria corresponde, de

acordo com posição que há muito sustentamos, à impropriamente chamadas “leis

orgânicas” do Governo, dos Ministérios e das direções gerais.

Os decretos leis reportados a estes domínios não podem ser submetidos a

apreciação parlamentar, nos termos do art. 169/1 e, se vetados pelo PR, o Governo não

os pode transformar em propostas de lei, na medida em que, ao Parlamento está vedada

a faculdade de legislar sobre a organização e funcionamento do Governo.

Competência Complementar

A competência complementar, prevista expressamente na alínea c) do nº 1 do art.

198 e implicitamente, na alínea a), consiste na faculdade de o Governo desenvolver e

concretizar leis de bases (e por identidade de razão leis de enquadramento e regimes

gerais) mediante decretos leis de conteúdo sub-primário, os quais detêm valor

reforçado. Nos termos do nº 3 do mesmo art. Os decretos leis de desenvolvimento de

bases gerais reservadas à competência parlamentar devem invocá-las, sob pena de

inconstitucionalidade formal.

Contudo, no que toca às leis ou decretos leis de bases que sejam aprovadas

relativamente a matérias da esfera concorrência, os decretos leis só se lhes vinculam,

nos termos do art. 112/2, se as invocarem como seu parâmetro de desenvolvimento.

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Competência Delegada

De acordo com a alínea b) do nº 1 do art. 198 da CRP, compete ao Governo aprovar

decretos leis em matérias da reserva relativa de competência da AR (art. 165), mediante

autorização desta, formalizada em lei. Os decretos leis autorizados devem invocar

expressamente a respetiva lei de autorização (art. 198/3).

Nota: no que respeita ao exercício da função legislativa o Governo em Gestão deve

abster-se de todos os atos de conteúdo objetivamente inovatório que não forem ditados

por imperativos de estrita necessidade, a qual deve ser rigorosamente fundamentada à

luz da sua indispensabilidade e urgência. Paralelamente, deve considerar-se que as

propostas de lei pendentes e autorizações legislativas caducam por força da

Constituição (art. 164/4 e 165/4).

O Procedimento Legislativo Governamental

A iniciativa

Titularidade A iniciativa legislativa interna cabe ao membro do Governo proponente (art. 23/1 do

Regimento do Conselho de Ministros), que é em regra o Ministro competente em razão

da matéria, podendo este critério justificar, igualmente, a existência de iniciativas

conjuntas. Ao referido membro do Governo referir-nos-emos como decisor ou decisor

proponente. O Primeiro Ministro pode propor ao Conselho projetos normativos não

apreciados na reunião de Secretários de Estado.

Natureza em razão do objeto normativo No que respeita à conceção de atos legislativos pelo Governo, haverá que distinguir:

Þ As iniciativas legislativas internas dos membros do próprio Executivo, que se

formalizam em propostas de decreto lei submetidas a aprovação do CM;

Þ Os atos de iniciação legislativa oriundos dos mesmos membros do Governo

que, assumindo a natureza de projetos de propostas de lei, são remetidas ao

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CM para aprovação como propostas de lei, seguindo-se a sua submissão à

AR para discussão e aprovação.

No primeiro caso, a atividade metódica e técnica da conceção coincide, em termos

gerais, com fase da iniciativa legislativa do órgão proponente.

No segundo caso, a situação é bem mais complexa: haverá a considerar uma

primeira fase de conceção, que coincide com uma iniciativa legislativa governamental

interna traduzida na elaboração de um projeto de proposta de lei; segue-se uma fase de

iniciativa legislativa externa coincidente com a aprovação em CM da proposta de lei; e,

emerge, finalmente, uma segunda fase de conceção em sede da AR, a qual, em regra,

tem lugar em comissão.

Na AR a proposta de lei pode ser confrontada com projetos-leis alternativos oriundos

dos deputados e, sobretudo, com projetos-leis de alteração da mesma proposta de lei,

que conformam iniciativas legislativas derivadas. A estas pode ainda acrescer a audição

obrigatória ou facultativa, de estruturas interessadas ou de peritos, em sede das

comissões especializadas.

Especialidades de iniciativa legislativa è Decisão de legislar ou impulso legislativo:

o Conceito:

O estádio de impulsão consiste no conjunto de operações jurídicas metodológicas e

técnicas que concorrem para a colocação em marcha da iniciação do procedimento

legislativo/ decisão de legislar.

A noção de decisão legislativa sugere a ideia de um produto normativo findo, já a

fórmula “decisão de legislar” evoca um ato prévio e inicial de vontade no sentido de

colocar em movimento um processo legiferante cuja eventual conclusão terá lugar em

tempo futuro, através de uma decisão legislativa.

Como decisão de legislar o impulso deve, em tese, ser condicionado por um conjunto

de pressupostos fácticos e requisitos de ordem técnica e metodológica, alguns dos quais

necessariamente p precedem, a saber:

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o Perceção e definição do problema impulsionante:

O problema impulsionante, por regra, resulta de uma realidade insatisfatória que

requer solução e que, desde que seja consciencializada, exige que se tenha por

representada a distância entre a situação presente e uma situação desejada. Tal permite

que se desça à raiz do mesmo problema e que a analise não se quede pelos seus

sintomas os quais são, não poucas vezes, atalhados por uma inapropriada decisão

normativa de cariz reativo em relação a uma situação problemática fortuita.

o Estratégia decisional:

Definido o problema, importará conceber um plano integrado que implique a

determinação de objetivos, a identificação dos recursos necessários para os atingir, a

escolha da solução não normativa ou normativa pertinente e nesta, da opção mais

adequada para enfrentar o referido fator problemático de impulsão legislativa.

Trata-se da estratégia da decisão.

As operações metódicas envolvidas na estratégia da decisão, consistem,

singelamente, na:

Þ Determinação dos objetivos do decisor em face do problema;

Þ Escolha dos meios adequados;

Þ Ponderação e avaliação de opções regulatórias e não regulatórias e os seus

impactos possíveis, compreendendo este estádio, a título eventual, a

promoção informal de consultas a entidades públicas e privadas.

o Conceção do diploma:

A conceção do diploma pode englobar as seguintes operações:

Þ Redação preliminar do anteprojeto do diploma;

Þ Elaboração do anteprojeto da nota justificativa ou documento equivalente

que acompanha o diploma com propósitos introdutórios;

Þ Consulta formal das entidades interessadas;

Þ Atividades de controlo endoprocedimental;

Þ Redação final do diploma e respetiva nota justificativa.

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Dispõe o nº 27/2 do RCM que os projetos de atos normativos devem observar as

regras técnicas de legística formal constantes no anexo II da mesma resolução que

aprova o Regimento.

Concluída a redação do anteprojeto de diploma, constitui uma prática comum da

metódica legislativa a promoção de consultas formais a entes públicos e privados,

suscetíveis de serem afetados pela decisão.

Sobre esta questão importa, contudo, que se faça uma prevenção. Na verdade,

existem diplomas relativamente aos quais a consulta é formal e obrigatória, por força

da CRP ou da lei reforçada. Quando a estes, fará sentido que o trâmite formal de

audição ocorra após a elaboração do ato, sem prejuízo de, em fases anteriores, poder

ter havido consulta aos interessados relativamente às soluções que se encontravam

em análise ou em avaliação de impacto.

O Ministro proponente dispõe da competência para fazer as audições previstas na

CRP, na lei e todas as que entenda promover a título complementar. Tal deverá

ocorrer previamente à formalização da iniciativa, tendo em vista que as mesmas

consultas possam ter um sentido útil na alteração do anteprojeto.

O Regimento atribui à presidência do CM em abstrato a competência para

assegurar o respeito por esses mesmos direitos de audição, o que implica a devolução

do diploma ao proponente, no caso de o mesmo direito ter sido inobservado.

No respeitante ao controlo interno este decompõe-se:

Þ Numa possível avaliação prévia de impacto normativo ou de encargos

administrativos do diploma;

Þ Num escrutínio da regularidade formal e da validade;

Þ Na emissão de pareceres jurídicos por pate de outros membros do Governo.

O controlo interno na esfera da regularidade e validade exerce-se pelas estruturas

dependentes do próprio decisor proponente, podendo o projeto ser, em razão da

matéria, sujeito ao parecer aos outros membros do Governo.

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O RCM determina a formulação de parecer obrigatório ao conteúdo de certos

anteprojetos de diploma, por parte de diversos Ministros, o qual ocorre em razão da

matéria que deles é objeto, a saber:

Þ Parecer obrigatório do Ministro das finanças sobre todos os atos do Governo

que envolvam aumento de despesas ou diminuição de receitas;

Þ Parecer obrigatório do Ministro dos negócios estrangeiros sobre projetos de

diploma que visem a transposição de diretivas.

o A formalização da iniciativa:

A formalização da iniciativa legislativa interna traduz-se na remissão ao Secretário

de Estado da Presidência do Conselho de Ministros de um projeto de decreto-lei ou um

projeto de proposta de lei (nº 21/1 do RCM) assinado pelo membro do Governo

proponente e acompanhado pelos elementos instrutórios, tais como o formulário

eletrónico, pareceres, documentos comprovativos de audições e consultas e fichas de

avaliação prévia do impacto.

Fase Instrutória

Saneamento e acompanhamento Remetido o projeto de decreto lei ou proposta de lei ao Secretário de Estado da

Presidência do Conselho de Ministros, este realiza uma apreciação preliminar do ato e

pode submeter os projetos de diploma a um controlo de validade e qualidade normativa

formal e material, realizado pelo seu gabinete e, eventualmente, por órgãos técnicos

auxiliares da Presidência do Conselho. Essa faculdade compreende o poder de

determinar a sua devolução se os vícios de que o diploma padecer não puderem ser

desde logo reparados (nº 27/12 do RCM). Poderá ainda articular com o proponente,

novas alterações ao projeto, na sequência da Reunião de Secretários de Estado.

Circulação pelos gabinetes ministeriais Esta é promovida pelo Secretário de Estado da Presidência do conselho.

Trata-se de uma atividade destinada, preferencialmente, a promover o acesso aos

diplomas e as suas eventuais avaliações de impacto por todos os Ministros, reforçar a

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solidariedade interministerial, permitir contactos interministeriais para esclarecer

dúvidas firmar consensos, evitar conflitos de competências e auxiliar a preparação da

Reunião de Secretários de Estado.

Os gabinetes podem formular sobre o projeto de diploma, objeções e comentários

devidamente fundamentados, que quando não importarem rejeição poderão conter

redações alternativas.

Reunião de Secretários de Estado A submissão dos diplomas circulados a uma estrutura não constitucional que é a

reunião de secretários de estado culmina uma função horizontal de caráter instrutório e

de controlo de mérito, iniciada com o referido trâmite da circulação.

Este procedimento destina-se, fundamentalmente, a:

Þ Apreciar os projetos colocados em circulação e preparar o processo de

agendamento dos diplomas submetidos à aprovação do CM, constituindo os

eventuais acordos e discrepâncias gerados neste órgão “interna corporis” do

Governo, um pressuposto fundamental da organização da Agenda do

Conselho;

Þ Libertar os ministros do trabalho técnico de construção final do diploma;

Þ Responsabilizar os membros do Governo quanto ao conteúdo dos diplomas

circulados.

Os projetos de diploma podem ser objeto de aprovação para agendamento com ou

sem alterações, ou aditados.

Compete ao Secretário de Estado da Presidência, em articulação com o membro do

Governo proponente, promover a introdução de alterações na redação dos diplomas e

correções de ordem legística, quando tal seja determinado na reunião de Secretários de

Estado.

Audição das Regiões Autónomas A presidência do conselho promove a audição das regiões autónomas sobre

disciplinas da competência do Governo que lhes respeitem.

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Fase de Aprovação

Métodos de Aprovação O CM é o órgão que, os termos constitucionais (art. 200 alínea c) e d)), aprova

decretos leis do Executivo, bem como propostas de lei que o Governo apresenta junto

da AR.

O CM é, formalmente, um órgão colegial, aplicando-se-lhe o disposto nos nº 2 e 3

do art. 116 sobre deliberações dos órgãos dessa natureza.

O próprio regimento do CM assume explicitamente essa natureza colegial quando

determina que as suas deliberações podem ser tomadas por “consenso” ou “votação”.

Registando-se uma votação, dispõem de direito a voto o PM e os ministros. O RCM é

ambíguo sobre se os Secretários de Estado que substituam os Ministros em Conselhos

de Ministros têm direito a voto (nº 2.2 e 1. 3 do RCM).

Uma prática imemorial de recorte chanceleriano que remonta ao Estado Novo faz

prevalecer o primado monocrático do PM sobre a colegialidade.

O poder efetivo de liderança governamental do Chefe de Governo, que este retira

genericamente da alínea a) do nº 1 do art. 201 e da alínea b), aliado a uma praxis

consolidada, faz com que o PM imponha, até certos limites, a sua vontade quanto à

aprovação de diplomas normativos em Conselho.

Se em Governos de coligação essa vontade é mitigada, podendo, no limite proceder-

se a votações, já nos Governos de composição homogénea não se procede, por regra,

a qualquer votação, cumprindo ao PM liderar a formação de compromissos ou, no limite,

impor politicamente a sua vontade, mesmo contra a maioria dos Ministros, fazendo

aprovar ou reprovar um determinado diploma.

Em face do exposto, a doutrina fala em colegialidade imperfeita, do concelho de

ministros.

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Modalidades de aprovação A aprovação de diplomas respeita, em regra, as prioridades que constarem da

agenda do CM.

Frequentemente, sempre que na reunião de Secretários de Estado inexistam

objeções ao diploma agendado para aprovação em CM, o diploma é aprovado por

consenso neste último órgão.

Noutras circunstâncias pode haver debate, mas a regra é a de que o Primeiro

Ministro induz a obtenção do consenso.

Muitos diplomas são, deste modo, sujeitos a um único ato de aprovação.

Ainda assim, tal como se referiu, diplomas sujeitos a audições obrigatórias podem

ser aprovados na generalidade, instituto que o atual RCM com alguma inovação

discutível designa de “apreciação inicial”. O objetivo deste ato centra-se na necessidade

de se permitir que, simultaneamente, possa transcorrer o prazo de audição, uma

eventual receção do parecer requerido para que o seu contributo possa ser considerado

na aprovação (final) presentemente designada de deliberação aprovatória.

A aprovação final consiste no ato jurídico de deliberação constitutiva sobre a

aprovação do diploma do Governo.

Volvida a aprovação, o decreto do Governo colhe as assinaturas do PM e dos

Ministros cometentes em razão da matéria (nº 3 do art. 201).

Controlo de Mérito

Promulgação e Veto De acordo com o nº 1 do art. 136 o decreto aprovado pelo Conselho de Ministros,

depois de assinado pelo Primeiro Ministro e pelos Ministros competentes em razão da

matéria, é remetido ao Presidente da República para a promulgação.

O Chefe de Estado deve, no prazo de 40 dias contados da receção desse decreto

ou da publicação de decisão de não inconstitucionalidade pelo TC, promulgá-lo ou

exercer o seu veto político (art. 136/4). O presidente deve comunicar por escrito o

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sentido do veto, o que constitui uma forma de fundamentação, não sendo a publicidade

deste ato uma formalidade obrigatória.

O veto político é insuperável, tendo, portanto, caráter absoluto, devendo o PR

comunicar por escrito ao Governo o seu sentido.

O peso do veto político com efeitos absolutos associado à informalidade do

procedimento de envio do diploma para a Presidência da República confere,

potencialmente, ao PR uma importante faculdade de sugerir, condicionar ou discutir na

especialidade conteúdo dos decretos leis, sendo essa faculdade exercida, dentro de um

cenário de absoluta reserva e invisibilidade externa.

Podendo o Governo a instâncias do Presidente retirar o diploma, uma devolução

formal do mesmo operado por decisão presidencial deve equivaler à aposição de um

veto.

Ainda assim, em caso de aposição de veto sobre um decreto do Governo, pode este

decidir convolá-lo numa proposta de lei e submetê-lo à aprovação da AR. Se o mesmo

Governo dispuser o apoio da maioria absoluta dos deputados efetivos, terá possibilidade

se superar um novo veto que possa ser aposto sobre o referido diploma.

Será constitucional e politicamente admissível que o Governo aprove um decreto lei

de conteúdo igual ou idêntico a outro que tenha sido previamente vetado pelo Presidente

da República?

Jorge Miranda e rui Medeiros entendem que “o veto de decretos do Governo é

absoluto; o Governo não pode reiterar a vontade de o ver aprovado.

Gomes Canotilho e Vital Moreira consideram, por seu turno que “o veto é definitivo.

Se o Governo pretender superar esse veto absoluto tem apena a possibilidade de

transformar o decreto lei em proposta de lei.

O prof. regente considera que o veto político é insuperável, tendo, portanto caráter

absoluto, sendo essa natureza do veto um importante elemento da identidade estatutária

da componente presidencial do sistema de governo semipresidencialista.

Retira-se, de um modo geral, da doutrina, que o fim constitucional de um veto

presidencial com efeito absoluto consiste no exercício de um poder político e jurídico de

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impedimento à existência jurídica do diploma vetado através do circuito de aprovação

governativo, sem prejuízo de o mesmo conteúdo poder renascer noutro diploma que flua

no circuito de aprovação governativo, sem prejuízo de o mesmo conteúdo poder

renascer noutro diploma que flua no circuito de um órgão diferente, que é o Parlamento.

Será que, contudo, esta contrariedade é suscetível de fiscalização da sua

constitucionalidade? Será que o efeito absoluto do veto reconhecido pela doutrina se

traduz numa proibição constitucional de reedição de um diploma igual ou análogo àquele

que foi vetado?

A resposta é negativa, por um conjunto de razões:

Þ A Constituição não se refere expressamente ao caráter absoluto ou definitivo

do veto sobre os decretos leis e decretos regulamentares e às suas

consequências, limitando-se a não prever a sua superação, pelo que será

sempre um exercício possível, mas incerto.

Þ A problemática da reedição de norma vedada não pode ser tratada de um

modo excessivamente rígido, na medida em que se deve deixar margem de

conformação ao Governo para aprovar novo decreto lei com alterações e

margem de interpretação ao PR para nesse caso, estimar essas alterações

como suficientes.

Entre outras.

Referenda Ministerial O ato de promulgação carece de referenda ministerial, nos termos do art. 140.

Fase Integrativa de Eficácia

Remete-se para o que foi dito da publicação dos atos da AR.

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Pág. 447 - 503

Atividade Legislativa das Regiões Autónomas

A Natureza das Regiões com Autonomia Político-administrativa no Ordenamento

Português

A República Portuguesa consiste num Estado unitário que compreende uma

regionalização político-administrativa de caráter periférico ou parcial.

O Estado Português é unitário, na medida em que, pressupõe uma só fonte de poder

constituinte e uma só Constituição, sendo as regiões autónomas disciplinadas no plano

organizativo e funcional por leis estatutárias. Trata-se de uma categoria de lei ordinária

com valor reforçado, cuja formação e alteração resulta de uma iniciativa dos

parlamentos regionais, mas cuja fase constitutiva culmina com a sua aprovação pela

AR.

É, ainda, um Estado regional, porque duas parcelas do seu espaço territorial se

encontram organizadas em coletividades com autonomia política, legislativa e

administrativa.

E, finalmente, é um Estado unitário de regionalização parcial e periférica, dado que

as únicas parcelas territoriais regionalizadas política e administrativamente se

circunscrevem aos referidos arquipélagos atlânticos, com caráter descontínuo em

relação ao território continental.

O Sistema Vigente de Repartição de Competências Legiferantes entre o Estado e

as Regiões

Distribuição Horizontal de Competências

No que toca ao modelo de repartição de competências entre o Estado e as Regiões

foi:

Þ Consagrada na CRP uma listagem de matérias de competência legislativa

estadual, exclusivamente reservadas aos órgãos de soberania (com algumas

exceções);

Þ Criada, na CRP, uma listagem por via remissiva de matérias de competências

legislativas regionais, seja com caráter delegado (art. 227/1 alínea b)), seja

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com caráter parlamentar (art. 227/1 alínea c), e ainda um elenco de matérias

de competência mínima (art. 227 alíneas i), j), l), n), p) e q));

Þ Operada uma remissão importante das restantes matérias de virtual

competência autonómica para uma para uma “lista estatutária” (art. 227/1 a)

e 228/1) a qual incide sobre um universo de matérias de concorrência

paralela, onde domínios de competência regional coexistem com domínios de

competência dos órgãos de soberania integrados numa reserva móvel.

De acordo com o TC a CRP, através desta terceira lista estatutária

infraconstitucional, devolve aos estatutos a faculdade de “complementar ou integrar o

modelo constitucional de repartição de competências entre o legislador nacional e o

regional” (Ac. 534/2014).

Caráter Taxativo da Enumeração Estatutária das Matérias Afetas à Competência

Legislativa Regional Comum

Não existem matérias de âmbito regional sobre as quais o legislador das regiões

autónomas possa dispor fora da lista estatutária.

Essa Taxatividade parece decorrer, em primeiro lugar, do proémio do nº 1 do art. 227

conformado pelo art. 228/1. Semelhante fórmula não deixa grande margem para o

exercício dos poderes legislativos comuns fora do limite positivo e negativo do estatuto

(sem prejuízo dos poderes legislativos de tipo mínimo, complementar e autorizado,

previstos na CRP).

Decorre, em segundo lugar, da supressão da antiga alínea o) do art. 228 que permitia

expressamente legislar fora das listagens constitucional e estatuária, sobre outras

matérias indeterminadas de âmbito concorrencial.

Posto isto, crê-se que será organicamente inconstitucional um ato legislativo das

regiões que incida sobre uma matéria que, fora dos domínios respeitantes às alíneas b)

e c) do nº 1 do art. 227 da CRP, não seja previamente definida como de âmbito regional

do estatuto.

Se se atendesse à letra do nº 1 do art. 227, as competências complementares,

delegadas e mínimas deveriam ser definidas nos estatutos. Considera-se, contudo, que

a sua caracterização na CRP é suficientemente precisa para serem imediatamente

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exequíveis, independentemente de figurarem ou não as nas normas estatutárias, as

quais pouco mais devem dispor sobre esta matéria de reproduzir a CRP. Por

conseguinte, estima-se que a regra do nº1 do art. 228, devendo ser conjugada

sistematicamente com as primeiras alíneas do nº 1 do art. 227 da CRP, valerá

exclusivamente para as competências comuns as quais não se encontram enumeradas

na Constituição.

Assim sendo, se as competências complementares e delegadas previstas em

“listagem constitucional” não forem reproduzidas nos estatutos, tal não obstará a que

sejam exercidas a partir das normas constitucionais que as consagram, decorrendo essa

asserção da parte final o nº 4 do art. 112.

O Papel Central das Cláusulas Gerais de Definição de Poderes

Cláusulas de limitação positiva e negativa dos poderes legislativos regionais

A cláusula geral de competência inerente ao conceito de “âmbito regional” è A substituição do limite do interesse específico pelo conceito constitucional de

“âmbito regional”:

A revisão de 2004 extinguiu o limite do “interesse específico” ao exercício de

competências legislativas regionais.

Este interesse consistia numa norma constitucional assente num conceito jurídico

indeterminado que deveria, em cada caso concreto, limitar o âmbito de uma matéria

relativamente à qual uma lei regional poderia incidir. Permitiu durante muitos anos à

justiça constitucional invalidar diplomas regionais que não dispusessem sobre matérias

que apenas ocorressem na região ou que aí tivessem uma especial configuração.

Com a revisão de 2004 o parâmetro do interesse específico foi substituído por outro

análogo que consiste na fórmula do “âmbito regional”. Trata-se de uma medida de valor

constitucional igualmente indeterminada que configura um novo critério positivo de

delimitação das competências regionais relativas a cada matéria da esfera concorrencial

que, por força da Constituição ou dos estatutos, possa ser regida por decreto legislativo

regional.

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Assim, de acordo com o nº 4 do art. 112, todos os decretos legislativos,

independentemente do tipo de competência ao abrigo do qual são aprovados, “têm

âmbito regional”.

Trata-se de um critério de separação que dispensa a introdução de cláusulas de

prevalência de uma categoria de lei sobre outra e que, salvo no caso de emissão de leis

de bases ou de enquadramento, afasta a emergência de vinculações da lei regional em

relação à lei estadual, saindo em princípio as autonomias fortalecidas e reduzindo-se à

incerteza da identificação do direito a aplicar no caso concreto.

A expressão “âmbito regional constitui, ainda assim, um novo conceito indeterminado

que se encontra sujeito ao teste da interpretação jurisprudencial.

è Relação de significado e operatividade do conceito “de âmbito regional”:

Este conceito comporta um elemento espacial e um elemento substancial.

O facto é que o conceito “âmbito regional” não tem um alcance puramente territorial,

pois pode sofrer um alargamento no plano substancial, ditado por exigências de

especialidade. Na verdade, certos bens jurídicos e imperativos inconstitucionais de

alcance unitário e com relevo imediato para todos os cidadãos podem carecer de um

denominador comum à luz dos princípios da unidade e solidariedade nacionais que

reclame lei estadual (art. 225/2). Ora, o imperativo desse tratamento unitário em torno

de um regime jurídico comum de natureza estadual pode ser negativamente afetado por

legislação regional contrária, passível de inviabilizar pu depreciar os próprios objetivos

da lei do Estado e os interesses de toda a população residente em Portugal.

Ora, efetivamente, com o ac. 258/2007 o TC fez caber a componente mais ampla da

noção póstuma de interesse específico no conceito de âmbito regional.

Em segundo lugar o Tribunal considerou que o critério geográfico deveria ser

complementado por um critério material. Nessa componente material avulta um critério

negativo que é o de as leis regionais não poderem afetar a ordem jurídica nacional

“atentas às pessoas envolvidas e os interesses e valores em jogo”.

Do que resulta que, mesmo que o ato legislativo regional se aplique apenas na

região, de acordo com o critério geográfico, violará o limite configurado pelo âmbito

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regional caso se projete sobre interesses e fins qualificados de ordem geral e unitária

prosseguidos pelos órgãos de soberania.

Para o efeito, será irrelevante que a matéria conste do estatuto e, por conseguinte,

não figure expressamente na reserva de competência dos mesmos órgãos.

O limite da reserva de competência dos órgãos de soberania è A reserva de competência legislativa explícita dos órgãos de soberania:

Decorre do art. 112/4 que os decretos legislativos regionais versam sobre matérias

constantes dos estatutos que não estejam reservadas aos órgãos de soberania, sem

prejuízo das competências complementares delegadas.

Isto significa que existe uma regra geral que impõe uma proibição de legislação

regional em matérias que a Constituição reserve explicitamente à competência

legislativa da AR e do Governo. Excetua-se a possibilidade prevista nas alíneas c) e d)

do nº 1 do art. 227 de as regiões, respetivamente, legislarem mediante autorização

legislativa sobre algumas matérias inscritas na reserva relativa de competência da AR

ou de desenvolverem leis de bases reservadas à mesma.

Estamos diante de um limite negativo fixo à competência legislativa regional.

è A reserva de competência legislativa implícita e móvel dos órgãos de soberania:

Se por aplicação do critério substancial da noção de âmbito regional, se vier a

concluir que as normas regionais dispõem sobre um domínio que se repercute ou projeta

em questões de interesse ou fim público geral, elas serão organicamente

inconstitucionais, na medida em que, ultrapassando os limites do referido “âmbito”,

invadem um domínio implícito da reserva de competência dos órgãos de soberania.

Tal como se verá a propósito da competência legislativa regional comum ou

“primária”, mas que também é extensível à competência regional complementar, à

competência mínima e à faculdade de transposição de diretivas, o TC mantém a sua

jurisprudência, no sentido de integrar , na reserva não expressa dos órgãos de

soberania, os domínios materiais que requeiram a intervenção legislativa estadual em

razão de exigências soberanas.

Com efeito, a alínea a) do nº 1 do art. 227 veda às regiões o poder de legislarem

sobre matérias reservadas aos órgãos de soberania.

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À luz dessa jurisprudência haverá que considerar, uma vez mais, a existência, a par

da reserva explícita ou listadas dos órgãos de soberania, de uma reserva implícita dos

mesmos órgãos, a qual incide sobre domínios materiais indeterminados da esfera

concorrencial paralela entre o Estado e as Regiões, que se encontram subtraídos ao

âmbito regional.

Daqui se retirará que o conceito constitucional de “âmbito regional”, previsto no art.

112/4 , como limite fixado à legislação das regiões autónomas, assume uma relação de

estreita conexão com outro limite, também ele constitucional, que é o da reserva dos

órgãos de soberania de uma concorrência paralela ou complementar entre o Estado e

as Regiões, existem dois âmbitos, um estadual e outro regional, cuja delimitação é

operada através do recurso à convocação e harmonização de medidas de valor como o

conceito de âmbito regional e os princípios da unidade e solidariedade nacionais que

sustentam o recorte da reserva soberana. E, na verdade, se uma dada disciplina

exceder os limites espaciais ou materiais do âmbito regional enfermará de

inconstitucionalidade orgânica por invasão de uma reserva (móvel) de competência dos

órgãos de soberania cujas fronteiras são recortadas por cláusulas gerais fixadas na

Constituição.

“Âmbito regional” e “reserva implícita” dos órgãos de soberania integram as duas

faces da mesma moeda que consiste numa cláusula de delimitação dos poderes

legislativos das regiões relativos a cada matéria relativamente a qual nos termos

constitucionais e estatutários a região pode, em abstrato legiferar. Trata-se de cláusulas

gerias ou medidas de valor cuja incidência deve ocorrer casuisticamente.

Critério da Supletividade do direito estadual As leis da esfera concorrencial paralela dos órgãos soberanos da República podem

aplicar-se a todo o território regional, pese o facto de nas regiões essa aplicação ser

supletiva (art. 228/2). Tal significa que nesse espaço autonómico os diplomas regionais,

desde que existam, têm aplicação preferencial sobre as leis estaduais que rejam a

mesma matéria as quais terão a ua eficácia bloqueada ou suspensa enquanto vigorar a

lei regional.

A supletividade não exclui a inconstitucionalidade de leis estaduais que pretendem,

em violação dos estatutos de autonomia, pré-ocupar imperativamente domínios regional

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garantidos nos estatutos ou, então, nesse mesmo âmbito, procederem à revogação u

alteração de legislação regional.

A Definição Vertical de Competências Legislativas Regionais

Cada tipo de competência legislativa regional encontra-se pautada por limites gerais

(como é o caso do âmbito regional da reserva de competência dos órgãos de soberania)

e os limites específicos (o tipo e o regime operativo das leis subordinantes do Estado

que os correspondentes atos legislativos regionais devem observar).

A Competência Legislativa Comum

è Noção:

O poder legislativo em epígrafe encontra-se previsto da alínea a) do nº 1 do art. 227

em conjugação com o nº 4 do art. 112 e o nº 1 do art. 228.

Trata-se da competência que tem por objeto o maior acervo de matérias sujeitas ao

exercício de poderes legislativos regionais e que uma parte da doutrina designa por

competências “primárias”, definição que não acolhemos, pois a mesma legislação

regional tem as leis estatutárias como parâmetros interpostos entre elas e a CRP, o que

reduz moderadamente a plenitude da sua capacidade de inovação.

è Critérios reitores do exercício da competência legislativa regional comum:

o Âmbito Regional:

As regiões podem legislar apenas no âmbito regional (art. 112/4), destacando nas

matérias enumeradas no correspondente estatuto-político administrativo. Lei que define

o objeto material do exercício de competência legislativa comum com alguma precisão.

o Reserva Soberana:

Estas matérias não podem invadir a reserva de competência dos órgãos de

soberania.

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o Delimitação de domínios substanciais de caráter regional e estadual

dentro da mesma matéria:

Existindo um fenómeno de confluência legislativa em distintos domínios territoriais

da mesma matéria (concorrência paralela entre leis do Estado e das regiões em

matérias não reservadas expressamente aos órgãos de soberania), os decretos

legislativos regionais disciplinam um domínio parcelar da mesma que corresponda ao

seu “âmbito regional” e a legislação da República, o domínio remanescente situado fora

do correspondente âmbito.

A situação descrita pode implicar uma disjunção material, em que a mesma questão

é regulada na região por lei autonómica e no Continente por lei estadual. Mas pode

abarcar, também, uma situação diversa em que uma matéria ou domínio material só

possam ser regidos, a situação regulada assume relevância imediata para todos os

cidadãos ou repercute-se sobre entes ou interesses não regionais.

o Supletividade do direito dos órgãos de soberania:

Embora as leis do Estado da esfera concorrencial possam circunscrever o seu

âmbito de aplicação ao território continental, o facto é que não estão obrigadas a fazê-

lo, podendo dispor em geral para todo o território, não sendo por esse facto

organicamente inconstitucionais com fundamento em invasão de domínios reservados

à competência regional, devendo antes aplicar-se supletivamente

A aplicação supletiva do direito dos órgãos soberanos terá lugar: sempre que as ARL

não fizerem uso do seu poder legislativo; caso se verifique uma revogação não

substitutiva ou a caducidade de diplomas regionais em domínio que requeiram

regulamentação; ou sempre que numa dada disciplina legislativa regional se registarem

vazios regulatórios e lacunas em leis regionais.

o Subsidiariedade:

A densificação do âmbito regional, em situações concretas e dilemáticas de fronteira

com as competências soberanas na esfera concorrencial, pode justificar a convocação

do princípio da subsidiariedade.

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As Competências legislativas delegadas

è Objeto das autorizações legislativas às regiões:

Os pressupostos constitucionais das autorizações legislativas permitem às regiões

aceder a algumas das matérias de reserva relativa de competência da AR previstas no

art. 165, mediante delegação legislativa parlamentar, o que, na generalidade

representou um acréscimo de poderes legiferantes, sobre matérias de indiscutível relevo

político.

Trata-se de uma derrogação consentida ao quadro geral do sistema de repartição

horizontal de competências, dado que permite a disponibilização às regiões de algumas

áreas de competência expressa dos órgãos de soberania.

Muitas matérias integradas na reserva relativa da Assembleia da República não se

encontram disponibilizadas às regiões (art. 227/1 alínea b).

è Trâmites e vicissitudes da autorização legislativa:

Nos termos do art. 227/2, as propostas e lei de autorização devem ser

acompanhadas do anteprojeto do decreto legislativo regional a autorizar, o que

representa um forte condicionamento do processo de delegação.

As leis delegantes devem conter os requisitos típicos das leis de autorização

legislativa (art. 165/ 2 e 3).

O anteprojeto constitui apenas uma formalidade instrutória de natureza obrigatória,

porém o legislador não está vinculado ao mesmo.

As autorizações caducam com o termo da legislatura ou a dissolução da AR ou da

Assembleia legislativa da região a que tenham sido concedidas (art. 227/3).

Os decretos legislativos regionais autorizados devem invocar a correspondente lei

de autorização e podem, ainda, ser sujeitos a apreciação da AR (art. 169), com as

devidas adaptações, para efeitos de cessação de vigência.

Não será admissível que a apreciação parlamentar envolva alterações legislativas

do diploma regional.

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O Parlamento, como órgão normalmente competente, pode alterar a lei de

autorização antes de a mesma ter sido esgotada e revogar o diploma autorizado, no

quadro de uma avocação de poderes.

Se a Ar revogar os DLR, por ela autorizados, deverá fazê-lo de forma expressa.

Competência complementar

A competência referida na alínea c) do nº 1 do art. 227 reporta-se ao

desenvolvimento para o âmbito regional das “bases gerais dos regimes jurídicos”

contidos em leis que aos mesmos se circunscrevem.

O regime atual permite, em abstrato, o desenvolvimento para o âmbito regional de

qualquer base geral, sem aceção de matéria, abrangendo em tese, quer as áreas

concorrências quer os domínios de reserva absoluta ou relativa da AR, quer ainda

matérias cobertas por decretos legislativos regionais de bases.

Deverá considerar-se as seguintes leis parâmetro, para efeito do exercício de

competências legislativas regionais complementares:

Þ Leis de bases da reserva dos órgãos de soberania de alcance geral e

aplicáveis a todo o território nacional;

Þ Leis de bases respeitantes a matérias não reservadas expressamente aos

órgãos de soberania, com âmbito geral;

Þ E decretos legislativos regionais de bases, nomeadamente os habilitados por

uma lei de autorização legislativa dos órgãos de soberania.

Competências residuais mínimas

Trata-se das faculdades diretamente exercitáveis a partir de diversas alíneas do art.

227/1, encontrando-se os mesmos poderes misturados com outros de natureza

administrativa.

Uma destas responsabilidades regionais assume natureza mais marcantemente

inovadora, tendo a CRP como uma base fundamental de referência.

Outras exercem-se objetivamente no respeito das leis estaduais paramétricas (ex:

art. 165 alínea v) e i; art. 164 alínea n) e s); art. 227/1 alínea b), i) e p)).

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Competência relativa à transposição de diretivas da UE

O art. 112/8 permite às regiões transpor mediante decreto legislativo regional,

diretivas em matérias situadas fora da reserva de competência dos órgãos de soberania

que sejam reconhecidas, através das listagens constitucional e estatutária, como

fazendo parte do âmbito regional.

Estamos perante uma competência de recorte puramente habilitante que permite às

regiões transpor diretivas, mas não garante a transposição regional de todas as diretivas

sujeitas a transposição na ordem jurídica portuguesa.

Trata-se assim, de um poder que necessariamente se articula e depende da

morfologia das restantes competências legislativas regionais.

Na verdade, as diretivas cujas matérias se não encontrem legislativamente

reservadas à competência dos órgãos de soberania podem ser transpostas por decretos

legislativos regionais emitidos no âmbito da:

Þ Competência legislativa regional comum (matérias estatutárias);

Þ Competência mínima (matérias avulsas enumeradas na CRP);

Þ Competência delegada (dependem de uma autorização da Ar que pode

reprovar a proposta de lei de autorização);

Þ Competência parlamentar (depende do modo como o Estado decida transpor

a diretiva- só pode ocorrer quando se incluem bases).

Relações de Tensão Entre Atos Legislativos do Estado e das Regiões

Solução de Antinomias do Plano Jurisdicional

Os tribunais comuns dispõem de uma ampla margem de competência para

solucionar antinomias derivadas das relações colidentes entre as leis do Estado e das

regiões em matéria autónoma. (art. 204 e 208).

Caem, nomeadamente, no âmbito das desaplicações legais fundadas em juízos de

inconstitucionalidade:

Þ A violação de objeto e extensão (inc. orgânica) e duração (inc. material) das

leis de autorização;

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Þ A regulação por lei estadual de matéria de reserva de estatuto mesmo sem

que haja contradição entre os mesmos atos legislativos (inc. formal);

Þ A violação do limite positivo do “âmbito regional” por decreto legislativo

regional que incursione no campo vedado das competências expressamente

ou implicitamente reservadas aos órgãos de soberania (inc. orgânica).

Os tribunais podem, no quadro de antinomias que impliquem a violação ao conteúdo

das leis com valor reforçado, julgar a ilegalidade de:

Þ Decretos legislativos regionais que ofendam os princípios e diretrizes gerais

das bases gerais dos regimes jurídicos, leis de enquadramento, regimes

gerais da reserva da AR ou outras leis com valor reforçado que os vinculem

especificamente;

Þ Normas que definem o sentido das leis de autorização legislativa (sem

prejuízo do TC aferir a inconstitucionalidade orgânica);

Þ Leis dos órgãos de soberania que ofendam direitos regionais constantes dos

estatutos de autonomia e decretos legislativos regionais que violem o disposto

nos referidos estatutos.

Colocam-se dúvidas a respeito de colisões entre decretos legislativos regionais que

incidam sobre matérias do âmbito regional e leis dos órgãos de soberania respeitantes

a matérias situadas fora da sua reserva explicita de competência legislativa.

Os tribunais devem, de acordo com o critério da especialidade articulado com o

critério da competência dar aplicação preferencial aos decretos legislativos regionais,

funcionando a lei do Estado como lei supletiva (art. 228/2), tendo a sua eficácia

suspensa.

Se se estiver diante leis que se proponham a vigorar obrigatoriamente em todo o

território ou especificamente nas regiões, então não valera o argumento da

supletividade, podendo a lei ser julgada ilegal por violação do direito regional constante

do mesmo estatuto.

Solução de antinomias legislativas pelo operador administrativo

A administração estadual periférica deve abster-se de aplicar leis regionais que

disponham sobre matérias de reserva expressa da competência da AR e do Gov., onde

não existe concorrência e os atos regionais se encontram vedados.

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Já no âmbito das matérias situadas fora da esfera da reserva expressa dos órgãos

de soberania a Administração Pública deve conferir nas regiões autónomas, como

deferência do princípio da especialidade, aplicação prevalecente aos diplomas

regionais.