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MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL TOMO IVDO AUTOR I - Livros e monografias - Contributo para ur>,: :~ ~ ,u da inconstitucionalidade, Lisboa, 1968; -Poder paternal e ..~_._.. .:.,: -wial, Lisboa, 1969; -Notas para ;t~r;t. tr:r..s.,_~: co Direito Constitucional Comparado, Lisboa, 19 70: - Chefe do E~:,:J. e: _.-_.c.-a. 19-Q: -Conselho ; t_:__~_ ~_:__.___. 1970; -Decreto. Cc .r-.--_ . -. -Deputado. [,.~.___`. :~--:: -A Revolucci,~ __ -_ .^ a e o Direito Constitucional, Lisboa, 1975; -A Cnn.stitut,:,.. . _ - Formuo, estrutura, princpios fundamentais, Lisboa-Manual clt D.-=-.-::- u: :::::aional. 1. tomo, 6 edies, Coimbra, 1981, 1982, 198 * ~. ' ~ . _ . - e ' 997: 2. tomo, 3 edies, Coimbra, 1981, 1983 e 199! . -c:-_ : . = _ . _ .' tomo, 4 edies, Coimbra, 1983, 1987, 1994 e 199. ~ = :_-._. = edies, Coimbra , 1988 e 1993, reimp. 1998; 5. tomo. Co:-.-^-_. _ - _ -As ussoctct; : ~ ~ .. ~- r. Direito portugus, Lisboa, 1985; -Relatrio ": _ - - _ ,_ -.~ .. >. E, segundo o art. 16., n.' 1, da actual Constituio da Repblica, >. Quer isto dizer que h (ou p ode haver) normas de Direito ordinrio, interno e internacional, atributivas de di reitos equiparados aos constantes de normas constitucionais. Debruando-se sobre o texto norte-americano, escreve KELSEN que ele consagra a dou trina dos direitos naturais: os autores da12Manual de Direito ConstitucionalConstituio tero querido afirmar a existncia de direitos no expressos na Constituio, ne na ordem positiva. E, a seguir, explica, no seu jeito de raciocinar caracterstic o, que o que isso traduz que os rgos de execuo do direito, especialmente os tribunai s, podem estipular outros direitos, afinal indirectamente conferidos pela Consti tuio (1). Pois bem: pode acrescentar-se que se, indirectamente, a Constituio - a americana, como a portuguesa - os prev porque adere a uma ordem de valores (ou ela prpria enc arna certos valores) que ultrapassam as disposies dependentes da capacidade ou da vontade do legislador constituinte; porque a enumerao constitucional, em vez de re stringir, abre para outros direitos - j existentes ou no - que no ficam merc do pode r poltico; porque, a par dos direitos fundamentais em sentido formal, se encontra m, em relao constante, direitos fundamentais apenas em sentido material (2). 2. Os direitos fundamentais na histria 1 - Somente h direitos fundamentais, insistimos, quando o Estado e a pessoa, a au toridade e a liberdade se distinguem e at, em maior ou menor medida, se contrapem. Mas - por isso mesmo -no podem apreender-se seno como realidades que se postulam reciprocamente, se condicionam, interferem uma com a outra. Os fins do Estado, a organizao do Estado, o exerccio do poder, a limitao do poder so f uno do modo de encarar a pessoa, a sua liberdade, as suas necessidades; assim comoas aspiraes e pretenses individuais, institucionais ou colectivas reconhecidas, os direitos e deveres da pessoa, a sua posio perante a sociedade e o Estado so funo do sentido que ele confere sua autoridade, das normas que a regulam, dos meios de q ue dispe.General Theory of Law and State, Nova Iorque, 1961 (reimpresso), pgs. 266-267. (z) Sobre como esta acepo material se repercute em princpio jurdico preceptivo, cfr. infra.Parte IV - Direitos Fundamentais13Eis o que resulta com toda a nitidez, desde logo, do conspecto histrico que temos de brevemente fazer, na sequncia do que ficou resumido no tomo 1 deste Manual. II - So bem conhecidas quatro grandes diferenciaes de sentido e alcance dos direito s das pessoas, as quais revertem em sucessivos perodos de formao (1).(I) Sobre a histria dos direitos fundamentais, v., entre tantos, G. JELLINEK, All gemeine Staatslehre, trad. castelhana Teoria General dei Estado, Buenos Aires, 1 954, pgs. 307 e segs.; A. EsmEIN, lments de Droit Constitutionnel Franais et Compar, 7' ed., I, Paris, 1921, pgs. 539 e segs.; CARL SCHMrrr, Verfassungslehre, trad. c astelhana Teoria de Ia Constitucin, Madrid, 1934, pgs. 182 e segs.; NIYAzI YELTEIQ N, La nature juridique des droits de Phomme, Lausana, 1950, pgs. 65 e segs.; PHIL IPPE DE LA CHAPPELLE, La Dclaration Universelle des Droits de 1'Homme et le Catho licisme, Paris, 1962, pgs. 345 e segs.; GARCIA PELAYO, Derecho Costitucional Comp arado, 8' ed., Madrid, 1967, pgs. 144 e segs.; FELICE BATTAGLiA, Dichiarazione di Diritti, in Enciclopedia dei Diritto, xII, pgs. 409 e segs.; Orro BRUNNER, Neue Wege der Verfassungs und Sozialgeschichte, Gotinga, 1968, trad. italiana Per una nuova storia costituzionale e sociale, Milo, 1970, pgs. 201 e segs.; ANNE PALLIST ER, Magna Carta - The Heritage of Liberty, Oxnia, 1971; ETIENNE GRISEL, Les Droit s Sociaux, Basileia, 1973, pgs. 17 e segs.; JEAN RIvERO, Les liberts publiques, Pa ris, 1973, I, pgs. 33 e segs.; REINHOLD ZIPPELIUs, Allgemeine Staatslehre, trad. portuguesa Teoria Geral do Estado, Lisboa, 1974, pgs. 160 e segs.; IRING FETsCHER , Libertad, in Marxismo y Democracia - Enciclopedia de Conceptos Basicos - Poltic a 5, obra colectiva, trad., Madrid, 1975, pgs. 1 e segs.; RIcHARD P CLAuDE, lhe c lassical model of humam rights development, in Comparative Human Rights, obra co lectiva, Baltimore e Londres, 1976, pgs. 6 e segs.; PABLo LUCAS VFRDU, Curso de D erecho Poltico, m, Madrid, 1976, pgs. 39 e segs.; PONTES DE MIRANDA, Democracia, L iberdade, Igualdade, 2.' ed., So Paulo, 1979, pgs. 259 e segs.; ADRIANO MOREIRA, C incia Poltica, Lisboa, 1979, pgs. 311 e segs.; VIEIRA DE ANDRADE, op. cit., pgs. 11 e segs. e 43 e segs.; JEss GoNZALEz AMUCHASrEGut, Acerca dei origen de Ia Declara cin de los Derechos dei Hombre y dei Ciudadano de 1789, in Anuario de Derechos Hu manos, 2, Maro de 1983, pgs. 119 e segs.; JEAN MORANGE, Liberts Publiques, Paris, 1 985, pgs. 24 e segs.; GEoRGEs TNIODs, La cit d'Athnes et les droits de 1'homme, in Pro tecting Human Rights: the European Dimension - Studies in honour of Grard J Wiard a, obra colectiva, Colnia, 1988, pgs. 605 e segs.; PEDRO CRuz Vn.LALON, FormaciM y evolucin de los derechos fundamentales, in Revista Espanola de Derecho Constituc ional, 1989, pgs. 35 e segs.; MANOEL GoNALvEs FERREIRA FILHO, -Direitos humanos fu ndamentais, So Paulo, 1995, pg. 9 e segs.; PAuLo BONAVIDEs, Do Estado liberal ao Estado real, 6.' ed., So Paulo, 1996, pgs. 39 e segs. e 182 e segs.; Jos MARTI-14Manual de Direito ConstitucionalA primeira consiste - adoptando a expresso clebre de BENJAMIN CONSTANT (1) - na di stino entre liberdade dos antigos e liberdade dos modernos, na distino entre a manei ra de encarar a pessoa na Antiguidade e a maneira de a encarar a partir do Crist ianismo. Para os antigos, a liberdade , antes de mais, participao na vida da Cidade ; para os modernos, antes de mais, realizao da vida pessoal (2). A segunda refere-se tutela dos direitos prpria da Idade Mdia e do Estado estamenta l e tutela dos direitos prpria d Estado moderno, mais particularmente do Estado co nstitucional. Ali, direitos (ou melhor, privilgios, imunidades, regalias) de grup os, de corporaes, de ordens, de categorias; aqui direitos comuns, ou universais, l igados a uma relao imediata com o Estado, direitos do homem e do cidado (ainda que sem excluir alguns direitos de categorias particulares). A terceira contraposio d-se entre direitos, liberdades e garantias e direitos socia is e patenteia-se nas grandes clivagens polticas, ideolgicas e sociais dos sculos x Ix e xac. Se o Estado liberal se oferece relativamente homogneo, j o Estado social recolhe concretizaes e regimes completamente diferentes. A quarta e ltima distino prende-se com a proteco interna e a proteco internacional dos direitos do homem. At h cerca de cinquenta anos, os direitos fundamentais, concebi dos contra, diante .ouNEZ DE PISN, Derechos humanos: historia, fundamento y realidad Saragoa, 1997, pgs. 57 e segs.; GOMES CrwoULao, Direito Constitucional e Teoria da Constituio, Lisboa, 1998, pgs. 350 e segs.; INGO WOLFGANG SARLET, A eficcia dos direitos fundamentais , Porto Alegre, 1998, pgs. 36 e segs.; Historia de dos Derechos Fundamentales, ob ra colectiva editada por GREGORIA PELES-BARBA e EUSEBIO FERNANDEZ-GARCIA, I, Mad rid, 1998, GILLES LEBRETON, Libens publiques et IIDits de l'homme, 4.' ed., Paris, 1999, pgs. 56 e segs.; FBto KONDER COMPARATO, A afirmao histrica dos direitos humanos , So Paulo, 1999. De Ia libert das anciens compare cee das modernas, 1815 (in Cours de Politique Cons titutionnelle, Iv, Paris, 1820, pgs. 238 e segs.). (2) Excederia, porm, o escopo deste livro indagar do exacto alcance da contraposio. A tendncia dominante para torn-la em moldes mais mitigados do que os sugeridos po r CONSTANT: v., por todos, JELLINEK, op. cit., pgs. 223 e segs., ou GIOVANNI SART ORI, Thorie de Ia Dmocratie, trad., Paris, 1973, pgs. 205 c sega.Parte IV - Direitos Fundamentais15atravs do Estado, s por este podiam ser assegurados; agora tambm podem ser assegura dos por meio de instncias internacionais. Donde, o seguinte quadro: Liberdade dos Antigos Liberdade dos ModernosDireitos lber Direitos, lberdades e garan 2' fase dades e garan- tias e Direitos tias sociais 3.' fase 4.' fase Proteco interna Proteco internacional 5.' fase 3. A evoluo at ao Estado moderno1.' fase estamentaisDireitosDireitos universaisI -Situando-nos, tal como a propsito da evoluo geral do Estado (1), na perspectiva do caminho conducente ao Estado moderno de tipo europeu - e tendo, portanto, de no considerar, embora no podendo ignorar, situaes e aquisies homlogas noutros tipos hi tricos, noutras civilizaes, noutros lugares - avultam como principais marcas dessa evoluo at aos sculos xv e xvl: - A prevalncia do factor pessoal sobre o factor territorial, como elemento defini dor da comunidade poltica na Grcia e em Roma (apesar de no se reconhecer ao homem, s por ser homem, necessariamente personalidde jurdica); - A reflexo e a criao cultural da Grcia clssica, quando questionam o poder estabeleci do, afirmam a existncia de leis que lhe(i) V tomo t deste Manual (na 6' ed., Coimbra, 1997, pgs. 49 e segs.).16Manual de Direito Constitucionalso superiores e reivindicam um direito de desobedincia individual, de que isca sen do emblemtica a atitude de ANTGONA (1); - A anlise filosfica do conceito de justia - distributiva e cumulativa - feita por AR1sTTELES (2) e a anlise tcnico-jurdica subsequente feita pelos juristas romanos; - A distino de poder pblico e poder privado e, correlativamente, de Direito pblico e Direito privado, em Roma, acompanhada, porm, da completa prevalncia da famlia sobr e a personalidade individual; - A formao, em Roma, do jus gentium como complexo de normas reguladoras de relaes ju rdicas em que interviessem estrangeiros (peregrina) e a atribuio progressiva aos ha bitantes do Imprio de direitos e at da cidadania romana (3); - O reconhecimento, com o cristianismo, da dignidade de cada homem ou mulher com o filho de Deus, do destino e da responsabi-(i) Recordem-se os discursos contrastantes e sempre actuais da tragdia de S6FOCLs s (na traduo de Maria Helena da Rocha Pereira, Coimbra, 1984): < ArrrfcoNn - mais longo o tempo em que devo agradar aos que esto no alm do que aos que esto aqui. l que ficarei para sempre". "ISMENA - Eu no fao nada que no seja honroso, mas sou incapaz de actuar contra o po der do Estados" (pg. 42). "Arrtcorrn - No nasci para odiar, mas sim para amar" (pg. 60). "CRF.ONTE - No h calamidade maior que a anarquia. ela que perde os Estados, que de ita por terra as casas, que rompe as filas das lanas aliadas. E queles que seguem caminho direito a obedincia que salva a vida a maior parte das vezesN (pg. 67). "HNtoN - No h Estado algum que seja pertena de um s homem". "CREONTE - Acaso no se deve entender que o Estado de quem manda?" (pg. 70). E sobretudo: (Evangelho segundo S. Mateus, XX II, 21). (Epstola de S. Tiago, II, 12, 13). A liberdade , essencialmente, a liberdade interior, espiritual, dos filhos de Deu s. No a liberdade poltica - que no teria sentido no contexto em que o Cristianismo se difundiu, primeiro no meio adverso do Imprio Romano pago, depois no cesaropapis mo constantiniano e bizantino, a seguir na insegurana provocada pelas invases brbar as e, por ltimo, na nova sociedade homognea, a Cristandade ocidental, resultante d a reconstruo e da fuso dos elementos latinos e germnicos (2). Nem, durante os sculos de formao da Europa, poderia surgir a prpria noo de direitos fu ndamentais como interesses, pretenses ou direitos subjectivos frente ao Estado (i nexistente, de resto, em quase toda a Idade Mdia, por quase toda a parte), porque se procurava, antes de mais, firmar uma ordem objectiva - moral, religiosa e ju rdica - ao servio do bem comum. Eram, simultaneamente, os deveres de realizao do bem comum e um diversificado sistema de garantias no interior de uma sociedade poli cntrica que haviam de assegurar a proteco da pessoa (3).V igualmente a Epstola aos Colossenses, III, 11. (2) Cfr. BERTRAND BADIE, Les Deux Ltats - Pouvoir et Socit en Occident et en terre d'Islam, Paris, 1986, pgs. 20, 28, 39 e 67 e segs. (3) Cfr., quanto a Portugal, MARIA DA GLRIA GARCIA, Da justia administrativa em Po rtugal, Lisboa, 1994, pgs. 62 e segs.Parte IV - Direitos Fundamentais194. Da centralizao do poder ao constitucionalismo I - A sociedade poltica medieval , com efeito, como se sabe, uma sociedade complex a, feita de grupos, de ordens, de classes, de mltiplas unidades territoriais ou s ociais. Os direitos a so direitos das pessoas enquanto membros desses grupos ou es tamentos, direitos de acentuado cunho institucional e concreto, por vezes em con corrncia uns com os outros. O nico direito comum parece ser o de petio e queixa. Mas o Estado estamental cedo seria substitudo pelo Estado absoluto, o qual, afirm ando o princpio da soberania, no mais aceitaria qualquer interposio a separar o pode r do prncipe e os sbditos. Ora, desaparecendo as ordens e as classes (enquanto por tadoras de faculdades polticas) (1), perante o poder soberano todos os grupos e t odos os homens so iguais (2). O rei atinge todos e todos esto sujeitos ao rei. Sob este aspecto, o Estado absoluto - que, alis, se pretende legtimo, e no tirnico (3) - viria a ser um dos passos necessrios para a prescrio de direitos fundamentais, un iversais ou gerais, em vez de situaes especiais, privilgios ou imunidades. Alm de criar condies jurdicas de igualdade, o Estado absoluto suscitaria objectivame nte (ou, se se quiser, dialecticamente) condies de luta pela liberdade. Os seus ex ageros e arbtrios, a insuficincia das garantias individuais e a negao de direitos po lticos dos sbditos tornar-se-iam cada vez menos admissveis no "sculo das luzes" (4).(') Alguns resqucios de direitos feudais e estamentais subsistiriam, porm, at s revo lues dos sculos xvtn e xDt. (2) Recorde-se CAMES (Lusadas, IX, 94): < Ou dai na paz leis iguais, constantes, Que aos grandes no dem o dos pequenos" Tal como se refere (2) tambm (1) Cfr. Louts HENKIN, Rights: here and there, in Columbia Law Review, 1981, pgs. 1582-1583; a obra colectiva Universalit des droits de l'homme devam un monde plu raliste, Conselho da Europa, Estrasburgo, 1990; MAS'fIW KRtELE, L'universalit dei diritti dell'uomo, in Rivista Internazionale di Filosofia del Diritto, 1992, pgs . 3 e segs.; JOS MARTINFZ DE PIs6N, op. cit., pgs. 42 e segs. e 211 e segs.; o n. 3 8, de 1998, de Persona y Derecho (revista da Universidade de Navanra).(2) Do nome do livro de REN MAHEU, La Civilisation de l'Universel, Paris, 1966 (d e que h traduo portuguesa), segundo o qual a pluralidade de civilizaes no implica a ne gao da continuidade e da solidariedade do futuro humano.26Manual de Direito Constitucionalno domnio dos direitos do homem - equivalente ao Kideal comum a atingir, de que f ala a Declarao Universal - pelo menos por agora afiguram-se irredutveis as sensibil idades e as valoraes (com base religiosa ou no), que se sustentam nos diversos povo s a respeito dos direitos e deveres do homem e do Estado (1). Isso no impede (nem tem impedido) que se atinjam patamares e convergncias de garantia e de efectivao ( 2). IV - A crena oitocentista na Constituio supusera que, onde esta existisse, estariam tambm garantidos os direitos fundamentais. Num contexto de subsistncia do dogma d a soberania do Estado, isto levaria a que se no concebesse seno uma proteco interna dos direitos fundamentais. Mas, quando o Estado, no raramente, rompe as barreiras jurdicas de limitao e se conv erte em fim de si mesmo e quando a soberania entra em crise perante a multiplicao das interdependncias e das formas de institucionalizao da comunidade internacional, toma-se possvel reforar e, se necessrio, substituir, em parte, o sistema de proteco interna por vrios sistemas de proteco internacional dos direitos do homem. Com ante cedentes que remontam ao sculo xlx, tal a nova perspectiva aberta pela Carta das Naes Unidas e pela Declarao Universal dos Direitos do Homem e manifestada, em seguid a, em numerosssimos documentos e instncias a nvel geral, sectorial e regional (3). Naturalmente, ho-de ser fortissimas as relaes entre o Direito Constitucional e este Direito internacional de direitos do homem. E no so poucas, neste momento, as Con stituies que para ele apelam e que expressamente o recebem.(1) Da as crticas prpria doutrina e a insistncia at num "passivo dos direitos do home mo, de, por exemplo, MICHEL VILLEY, Le Droit et les Droits de I'Homme, Paris, 19 83, pgs. 10 e segs. e 153 (o qual, todavia, reconhece que os direitos do homem pr otegem do abuso do governo e do arbtrio do "Direito positivo" - pg. 14). (2) Cfr. PAuLo BONAVIDES, Curso..., cit., pg. 524. (3) Sobre o assunto, v. a 1 ' ed. deste tomo, pgs: 191 e segs., e Direito Interna cional Pblico, I, policopiado, Lisboa, 1995, pgs. 297 e segs., e autores citados.Parte IV - Direitos Fundamentais27Entre as Constituies abertas ao Direito internacional dos direitos do homem citemse a portuguesa de 1976, ao mandar interpretar e integrar os seus preceitos de h armonia com a Declarao Universal (art. 16., n .* 2) (1); a brasileira de 1988, ao p ropugnar a formao de um tribunal internacional dos direitos do homem (art. 7 das d isposies transitrias); ou a russa de 1993, ao consagrar a possibilidade de recursoa instncias internacionais de direitos do homem em caso de esgotamento dos meios internos da tutela (art. 46 , n. 3). E repare-se em que so Constituies de pases que an teriormente tinham estado sujeitos a longos perodos de compresso dos direitos fund amentais. 6. Direitos fundamentais e regimes polticos no sculo XX I - A evoluo e as vicissitudes dos direitos fundamentais, seja numa linha de alarg amento e aprofundamento, seja numa linha de retraco ou de obnubilao, acompanham o pr ocesso histrico, as lutas sociais e os contrastes de regimes polticos (L) - bem co mo o progresso cientfico, tcnico e econmico (que permite satisfazer necessidades ca da vez maiores de populaes cada vez mais urbanizadas). Do Estado liberal ao Estado social de Direito o desenvolvimento dos direitos fun damentais faz-se no interior das instituies representativas e procurando, de manei ras bastante variadas, a harmonizao entre direitos de liberdade e direitos econmico s, sociais e culturais. J no assim no Estado sovitico, no Estado fascista e autoritr io de direita e em muitos dos regimes da sia e da frica de diferentes tendncias. Ai nda que com formulaes semelhantes, so (para no ir mais longe) bem diversos esses dir eitos na Constituio de Weimar e na Carta del Lavoro, na Declarao de Direitos do Povo Trabalhador e Explorado e na Constituio argelina de 1976. II - Entre muitas snteses classificativas possveis dos regimes polticos actuais em razo dos direitos fundamentais, de referir, como exem-(1) Cfr. infra. (2) Tomando regime poltico como expresso ou objectivao de uma Constituio material, de uma ideia de Direito, de um projecto complexo e que se pretende coerente de orga nizao colectiva (do Estado-poder e do Estado-comunidade): v. Manual..., tn, 4.' ed ., 1998, pgs. 277-278.28Manual de Direito Constitucionalplo interessante, a proposta h algum tempo por dois especialistas norte-americano s, RHODA E. HOWARD e JACK DONNELLY (1). Estes autores contrapem regimes.individualistas e regimes comunitrios, incluindo n os individualistas os que apelidam de regimes liberais (2) e de regimes mnimos (o u de mnima interveno econmico-social do Estado) e nos regimes comunitrios os que desi gnam por regimes tradicionais, regimes comunistas, regimes corporativos e regime s desenvolvimentistas. Haveria ento o seguinte quadro de concepes sociais de dignid ade e de realizao dos direitos do homem: Tipos de regime Igualdade Valorao Relevncia dos Relevncia dos ou da pertena direitos civis direitos econ Hierarquia (ao grupo) e polticos micos e sociais Regimes individalistas Liberal Igualdade Moderada Sim Sim Mnimo Hierarquia Muito baixa Sim No Regimes comunitrios Na substn-Muito alta No cia apenas (3) Na substn Comunista Igualdade Alta No cia apenas Corporativo Hierarquia Varivel No No (?) DesenvolviNa substn mentista Igualdade Moderada No cia (?) III - Considerando em especial o princpio da liberdade, vale a pena lembrar a con hecida tricotomia de regimes liberais, autorit-TradicionalHierarquia(1) Human Dignity Human Rights and Political Regimes, in American Political Scie nce Review, 1986, pgs. 801 e segs. (z) Na acepo corrente nos Estados Unidos, algo diversa da europeia. Cfr. a distino e ntre liberalismo passivo ou conservador e liberalismo activo ou igualitrio de CAR LOS SANTIAGO NINO (tica y Derechos Humanos, Buenos Aires, 1984, pgs. 193 e segs.). (3) Ou seja (como explicam HowARD e DONNELLY): atravs da prestao dos correspondente s bens e servios, mas sem atribuio de verdadeiros direitos.Parte IV - Direitos Fundamentais29rios e totalitrios. Embora muitas vezes acenada com finalidades de guerra ideolgic a (de todo em todo estranhas a este livro), ela afigura-se correcta nas suas bas es essenciais e no encontramos denominaes alternativas mais adequadas para os trs ti pos de regimes. No se trata tanto, quantitativamente, do grau de liberdade reconhecida ou deixada s pessoas (mximo nos regimes liberais e mnimo ou inexistente nos regimes totalitrio s) quanto, qualitativamente, dos seguintes factores: a) De a liberdade - no sentido de ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude da lei (1) -valer como princpio fundamental da ordem jurdica (regimes liberais), ainda que com desvios (regimes autoritrios), ou no vale r (regimes totalitrios); b) De serem garantidas e promovidas quer as liberdades civis quer as liberdades polticas (regimes liberais); s as primeiras, sendo negadas ou obliteradas as liber dades polticas (regimes autoritrios); ou nem umas nem outras serem admitidas, salv o em intenso regime de restrio (regimes totalitrios); c) De o abuso da liberdade ou de outros direitos estar apenas sujeito a medidas repressivas (regimes liberais) ou estar tambm sujeito a controlos preventivos, de grau varivel (regimes autoritrios e totalitrios); d) De o Estado ser neutro (regimes liberais); de no ser neutro, mas tolerar ideol ogias diferentes ou respeitar o direito de as perfilhar, sem quebra da primazia da sua concepo (regimes autoritrios); de. o Estado ter uma concepo total da vida, que pretende impor a todas as pessoas (regimes totalitrios); e) De o Estado acolher a diversidade de interesses, grupos e instituies no interio r da sociedade civil (regimes liberais); de o ascendente das foras polticas domina ntes no impedir a subsistncia e -a relevncia de alguma ou algumas instituies presente s na sociedade civil (regimes autoritrios); ou de o Estado ou as foras dominantes no consentirem quaisquer instituies ou grupos autnomos sua margem (regimes totalitrio s); (') Como referem numerosas Constituies. Cfr. infra.30Manual de Direito Constitucionalf) De a organizao poltica e social assentar na diviso do poder (regimes liberais); n a concentrao do poder poltico (regimes autoritrios); e na concentrao do poder poltico social, com absoro, no limite, da sociedade pelo Estado (regimes totalitrios); g) De se admitir direito de oposio (regimes liberais) ou, embora, porventura, sob diversas formas, no se admitir direito de oposio (regimes autoritrios e totalitrios). Olhando experincia conhecida, verifica-se que os regimes liberais actuais vm na co ntinuidade dos regimes polticos liberais do sculo xlx - sem embargo da profunda tr ansformao que estes sofreram, quer no plano da fundamentao, quer no dos condicionali smos polticos, econmicos e sociais; que os regimes autoritrios tm paralelo nas numer osas autocracias de todas as pocas; e que, pelo contrrio, os regimes totalitrios co nstituem fenmeno especfico do nosso tempo, ligado conjugao de messianismos ideolgicos com partidos de massas e utilizao de processos de domnio da comunicao social (1). (t) Cfr. KARL LOEWENSTEIN, Verfassungslehre, trad. castelhana Teoria de Ia Const itucn, Barcelona, 1964, pgs. 75 e segs.; RAYMOND ARON, Dmocratie et Toralitarisme, P aris, 1965; GIOVANNt SARTORI, op. ct., pgs. 110 e segs.; R. ZtrPeLtus, op. cit., pg s. 135 e segs.; NtCOS Pout.nrrrzns, G'tat, le Pouvoir et le Socialisme, Paris, 19 78; FEt.ttcs Gttoss, Toleraton and Pluralism, in Il Poltico, 1985, pgs. 181 e.segs. ; Trait de Science Politiques-11 - Les Rgimes Poltiques, abra colectiva, Paris, 198 5, pgs. 115 e segs. e 269 e segs. Sobre os regimes totalitrios, cfr. CARL J. FYRiEntucH e ZstcNiEw K. Bi:ZExnasxt, Totalitarian Dictatorship and Autocracy, in Comparative Politics, obra colectiva , Nova Iorque, 1963, pgs. 464 e segs.; GEORGF.S Buttnl:nu, Trait de Science Politi que, v, 2. ed., Paris, 1970, pgs. 621 e segs., e vtt, 2. ed, Paris, 1973, pgs. 226 e segs.; L17DNARI) SCIiAPIRO, Totalitarianism, Londres, 1972; H.4rrrrntt ARFNI)T, The Origins of Totalitaranism, trad. portuguesa O Sistema Totalitrio, Lisboa, 197 8; Ptrurro Fnxaco DE AZEVEDo, Limites e justificao do poder do Estado, Petrpolis, 1 979, pgs. 97 e segs.; FYtntvots CHnret.en e $vta.nve PISIER-KOUCHNER, Les Concepri ons Politiques du XX Sicle, Paris, 1981, pgs. 765 e segs.; Totalitarismes, obra col etiva sob a direco de Guy Hermet, Paris, 1984; Antunrro MOREIRA, Totalitarismo, in Polis, v, pgs. 1218 e segs.; JoHlv L. STMILEY, Is Totalitarianism a New Phenomen on? in The Review of Politics, 1987, pgs. 177 e segs.; H. C. F M.4wsn.t.A, Ga evo lucin del Estado y la universaldad del totalitarismo. El fenomeno orwelliano en el Tercer Mundo, in Revista de Estudos Polticos, Julho-Setembro de 1987, pgs. 191 e segs.; ALAIN TOURAINP, Qu'est-ce que Ia Dmocratie?, Paris, 1994, pgs. 161 e segs.Parte IV - Direitos Fundamentais317. Os direitos fundamentais no Estado social de Direito I - A passagem para o Estado social de Direitos ir reduzir ou mesmo eliminar o cu nho classista que, por razes diferentes, ostentavam antes os direitos de liberdad e e os direitos sociais. A transio do governo representativo clssico para a democracia representativa (t) ir reforar ou introduzir nova componente democrtica que tend er a fazer da liberdade tanto uma liberdade - autonomia como uma liberdade - part icipao (fechando-se, assim, o ciclo correspondente contraposio de CONSTANT). Por um lado, no s os direitos polticos so paulatinamente estendidos at se chegar ao s ufrgio universal como os direitos econmicos, sociais e culturais, ou a maior parte deles, vm a interessar generalidade das pessoas. Por outro lado, o modo como se a dquirem, em regime liberal ou pluralista, alguns dos direitos econmicos, sociais e culturais a partir do exerccio da liberdade sindical, da formao de partidos, da g reve e do sufrgio mostra que os direitos da liberdade se no esgotam num mero jogo de classes dominantes. A efectivao dos direitos sociais, preservando as liberdades, viria a produzir, poi s, um efeito pacificador e integrador nas sociedades ocidentais (bem como um efe ito potenciador do crescimento econmico). No entanto, nas ltimas dcadas, o Estado social (tambm chamado de bem-estar ou, com certas acentuaes, Estado providncia ou, no limite extremo, Estado assistencial) tem entrado em crise, por causa de excessivos custos financeiros e burocrticos, de e goismos corporativos (z) e de quebra de competitividade em face de pases com meno r proteco social. E, sofrendo o impacto de correntes neoliberais e monetaristas, no tem con-V A Constituio de 1976, cit., pgs. 359 e segs. (z) Cfr. GREGORIO PECES-BARBA, Etica, Poder y Derecho-Reflexiones ante el jrn de l siglo, Madrid, 1995, pg. 38, referindo-se a uma patologia dos direitos no Estad o social com ampliao de prestaes to egostas como a provocada pela mentalidade privada da sociedade organizada segundo a lei da oferta e da procura. E, doutros prismas , BOAVE~ DE SOUSA SANTOS, O Estado e a Sociedade em Portugal (1974-1988), 2' ed. , Porto, 1992, pgs. 200 e 204; ou CAsTAtaHEtttA NEVES, Direito e Responsabilidade , in Revista Portuguesa de Cincia Criminal, 1996, pgs. 23-24.32Manual de Direito Constitucionalseguido impedir fenmenos de excluso, nem o agravamento de contrastes entre o Norte e o Sul do planeta, geradores de migraes de consequncias imprevisveis. Por isso, e tambm devido a novos problemas - como os da ecologia e da < sociedade da informao" -, h quem fale j num Estado ps-social (embora at agora no se enxerguem o contornos institucionais que este possa vir a assumir) (t).II - Independentemente das divergncias a nvel de formulaes, teorizaes e fundamentaes, ssaltam algumas tendncias comuns: - A diversificao do catlogo, muito para l das declaraes clssicas; - A irradiao para todos os ramos de Direito; - A acentuao da dimenso objectiva, perscrutando-se, por detrs dos direitos, princpios bsicos do ordenamento; - A considerao do homem situado, traduzida na relevncia dos grupos e das pessoas co lectivas e na conexo com garantias institucionais; - O reconhecimento da complexidade de estrutura de muitos dos direitos, designad amente dos de liberdade; - A dimenso plural e poligonal das relaes jurdicas; - A produo de efeitos no s verticais (frente ao Estado) mas tambm horizontais (em rel ao aos particulares);- A dimenso participativa e procedimental, levando a falar em status activus proc essualis (HAsEIU.$); - A ideia de aplicabilidade imediata quanto aos direitos de liberdade; - A interferncia no apenas do legislador mas tambm da Administrao na concretizao e na fectivao dos direitos; - O desenvolvimento dos meios de garantia e a sua ligao aos sistemas de fiscalizao d a legalidade e da constitucionalidade (2).(t) V Manual..., t, cit., pg. 98, e autores citados. (z) Cfr. PeTeR HABERLE, op. cit., maxime 42 e seg., pgs. 115 e sega. e 202 e sega .; KONRAD Hesst:, Significado de los derechos ~entales, in BeNDA, MuliOFER, VOGB L, Hesse, HEYDE, Handbuch des Verfassungsnecht der Bundesrepublifk Deutsdhland, 1994, trad. castelhana Manual de Derecho Constitucional, Madrid,Parte lV - Direitos Fundamentais33 2o Concepes de direitos fundamentais 8. As Igrejas Crists perante os direitos do homem 1 - A despeito da coincidncia no essencial - hoje acolhida eneralizadamente - entr e a viso crist das relaes da pessoa com o poder pblico e o propsito de garantia dos di reitos do homem, foi patente nos sculos xvlu e xlx o grave conflito que ops os def ensores deste propsito e a Igreja Catlica. O conflito proveio de circunstncias histricas no difceis de identificar: o enciclope dismo e as fundamentaes nominalistas e laicistas dos direitos < naturais, inviolvei s e sagrados> do homem (bem como os equvocos provocados pelo indiferentismo relig ioso), o modo revolucionrio como o liberalismo se implantou no Continente e a ins ero constantiniana da Igreja desse tempo. Mas iria desaparecer ou atenuar-se medid a que iam sendo ultrapassadas estas circunstncias e que os direitos do homem e as correspondentes instituies jurdico-objectivas adquiriam dinamismo prprio (at devido a violaes e negaes nunca antes conhecidas) e, por outro lado, medida que tambm a Igrej a se procurava libertar das amarras do poder e abrir em misso cada vez mais para o mundo. A Doutrina Social da Igreja, as intervenes dos ltimos Papas perante os problemas co ncretos contemporneos, o Conclio Vaticano II, a aco dos bispos em numerosos pases e a iniciativas de diversos grupos e comunidades revelam o reencontro dos catlicos c om os direitos e liberdades fundamentais, assim como importantes contribuies para a mudana de mentalidades e de estruturas em numerosos pases, sobretudo na Amrica La tina. "Teologia do trabalho", "Teologia da libertaoo, "Teologia da fraternidade> so algumas das tendncias mais recentes a assinalar.1996, pgs. 83 e seg.; FRANCISCO FERNANDEZ SEGADO, Lea dogmatica de los derechos h umanos, Lima, 1994; GIANCARLO ROLLA, Le prospettive dei diritti della persana alia luce delle recenti tendente costituzionali, in Quardeni Costituzionali, 1997, pgs. 417 e segs.; GOMES CANOTILHO, Direito..., cit., pgs. 1121 e segs. 3 - Manual de Dimito Constitucional. IV34Manual de Direito ConstitucionalII - Em resumo, a doutrina catlica dos direitos do homem afirma: - O reconhecimen to da conscincia de liberdade e dignidade dos homens do nosso tempo; - A igual dignidade de todas as pessoas, mesmo quando chamadas a servios diferent es; - O primado das pessoas sobre as estruturas; - A conexo entre direitos e deveres e entre justia e caridade; - A opo preferencial pelos pobres; - A relao necessria entre libertao humana e liberdade crist; - A relao tambm necessria, na perspectiva do bem comum, entre os princpios da solidar iedade (de todas as pessoas) e da subsidariedade (do Estado); - A funo social da propriedade; - A relao ainda entre o desenvolvimento integral de cada homem e o desenvolvimento solidrio de toda a humanidade (I) (2).(1) So os seguintes os principais textos deste magistrio: - a encclica Rerum Novarum de Leo XIII, de 1891; - a encclica Quadragesimo Anno de Pio XI, de 1931; - a mensagem de Natal de 1944 de Pio XII; - a encclica Mater et Magistra de Joo XXIII, de 1961; - a encclica Pacem in Terris de Joo XXIII, de 1963; - a declarao Dignitatis Humanae (sobre liberdade religiosa) do Conclio Vaticano II, de 1965; - a constituio pastoral Gaudium et Spes (sobre a Igreja no mundo actual) do Conclio Vaticano II, tambm de 1965; - a encclica Populorum Progressio de Paulo VI, de 1967; - a carta apostlica Octogesima Adveniens (no 80. aniversrio da Rerum Novarum) de Pa ulo VI, de 1971; - a encclica Redemptor Hominis de Joo Paulo II, de 1979; - a instruo da Congregao da Doutrina da F Libenlade Crist e Ubertao, de 1986; - a encclica Sollicitudo Rei Socialis de Joo Paulo II, de 1987; - a encclica Centesimus Annus de Joo Paulo II, de 1991. (z) Cfr. ADRITO SENAS NUNES, Princpios da Doutrina Social, Lisboa, 1969; a obra co lectiva Comentarios a Ia Pacem in Terris, Madrid, 1963; CARLOS J. ALvAm RO~ Huma nismo juridico Cristiano, Madrid, 1964; PHWPE DE LA CiAPEL.E, op. cit., pgs. 405 e segs.; ANDR-VINCENT, Le fondement du droit et Ia religion d'aprs les documenta po ntificaux contemporains, in Archives de Philosophie du Droit, tomo xvnt, Paris, 1973, pgs. 149 e sega.;, a obra colectiva Jean Paul II et las Droits de PHomme, F riburgo-Paris, 1980; a obra colectiva l Diritti Umani, cit., maxime pgs. 199 e se gs. e 492 e segs.; REN GOSTE, L'glise et les Droits deParte IV - Direitos Fundamentais35III - As outras Igrejas crists, designadamente as ortodoxas e .Is protestantes, tm seguido caminhos, em parte, diferentes. As Igrejas ortodoxas - Igrejas nacionais muito ligadas aos res,wuvos Estados - tm sido bastante mais tmidas na adeso aos prinzpios da liberdade poltica e at da liberd ade religiosa. Ao invs, importantssima foi a participao de algumas das xxtfisses protestantes (embor a no de todas) ao longo do sculo xvm defesa dos direitos do homem e na sua formulao, margem como aconteceria em Frana) de concepes laicistas ou agnstizas. A tica protest ante, milito mais individualista que a catlica, e, orventura tambm, o facto de o ca pitalismo ter desabrochado, primeiro, nos pases da Europa do Norte explicaro estas diferenas. Em contrapartida, por vezes, certas Igrejas protestantes caram em seca rismos ou tm adoptado atitudes menos compatveis com os direi:os do homem (1) ou me nos sensveis justia social. Grande importncia tem tido a actividade do Conselho Ecumnico das Igrejas, atravs de conferncias, documentos (z) e diferen.-es formas de interveno (3). 9. Outras religies e outras reas civilizacionais I - Se o cristianismo professa, embora historicamente com hia;os e desvios, o pr incpio da autonomia (ao menos, relativa) do temporal em relao ao espiritual e hoje, mais ou menos claramente, a-Homme, Paris, 1982; M. VILLEY, op. cit., pgs. 105 e segs. e 131 e segs.; o n. 3 d e 1987 da revista Communio (ed. portuguesa); JORGE MIRANDA, A aGaudim et Spes, e os Direitos do Homem, in Gaudium et Spes, obra colectiva, Lisboa, 1988, pgs. 35 e segs.; Jos M. PUREZA, Notas para uma leitura crist dos Direitos do Homem, in Com munio, 1989, pgs. 152 e segs.; FRANcEsco D'AoosTtNo, 11 Diritto come Problema Teo logieo, Turim, 1992, pgs. 143 e segs.; Mtuo PwTo, A doutrina social da Igreja, ont em, hoje e amanh, in Direito e Justia, 1998, pgs. 209 e segs. No sul dos Estados Un idos e na frica do Sul. (z) Como o relatrio sobre "Direitos do Homem e Responsabilidade Crist", aprovado e m St. Polten (na ustria) em 1974. (3) V JOHN LUCAL, Vopera dei Consiglio Ecumenico delle Chiese, in Diritti Umani, pgs. 869 e segs.36Manual de Direito Constitucionalregra de que cabe aos leigos (e no aos clrigos) agir na construo poltica, o islamismo - a outra grande religio monotesta presente um pouco por toda a parte - reitera u ma viso oposta, uma viso de integrao das duas esferas. No islamismo, no possvel separar o temporal do espiritual, o jurdico do moral, a co munidade poltica da comunidade religiosa, os direitos do homem da lei divina. No s e trata de organizar o poder, trata-se tambm de incrementar a virtude. O poder is ln-ico tanto um poder poltico como um poder religioso, um poder em que se combinamteocracia e democracia - teocracia, porque assente na soberania de Deus, e demo cracia, porque o direito de governar no tem sentido seno no mbito da comunidade e d a vontade dos crentes. O Islo proclama a dignidade inerente a todos os homens e a unidade entre eles, re forada pela relao com Deus; acredita na dimenso social da vida humana; demonstra uma particular sensibilidade perante o direito honra, o direito de desobedincia lei injusta e a igualdade econmica; procura realizar a justia distributiva; e respeita as minorias tnicas e religiosas. Todavia, no confere os mesmos direitos aos homen s e s mulheres, bem como aos muulmanos e aos no muulmanos, nem admite liberdade fora do contexto da comunidade religiosa e poltica. Daqui a no identificao das concepes islmicas com as concepes ocidentais, consideradas dividualistas e profanas; e isto manifesta-se inequivocamente quer nas Constituies dos vrios Estados actuais de religio oficial muulmana (desde a Arbia Saudita ao Iro fundamentalista) quer na "Declarao Islmica Universal dos Direitos do Homem" (1) (2) .(I) Publicada, entre ns, em Documentao e Direito Comparado, n .* 16, 1983, pgs. 199 e segs. (_) Cfr. MARICE BORMANS, 1 diritti dell'uomo nel mondo religioso dell'lslam, in 1 Diritti Humani, pgs. 495 e segs.; CLAUDIO CORDONE, La teoria islamica dei diritt i umani, in Rivista Intemazionale di Filosofia dei Diritto, 1984, pgs. 578 e segs .; SAMI A. ALDEEB ABU-SAHLIEH, La dfinition internationale des dmits de 1'homme e t l'Islam, in Revue Gnrale de Droit Internationale Public, 1985, pgs. 621 e segs., MOHAMED ALLAL SINALEUR, Tradicin islamica y derechos humanos, in Los fundamentos filosoficos de los derechos humanos, obra colectiva, UNESCO, UM.,Parte IV - Direitos Fundamentais37- necessrio ainda ter em cuidadosa conta, alm da rea --muulmana, civilizaes e reas geogrfico-culturais como a 2_ a China e a frica Negra. No s as identidades culturais pondentes aos diversos povos que a se inserem so muito ricas seria contraditrio pensar num mundo de direitos do homem morando-as ou destruindo-as. O que oferecem de comum essas civilizaes, a despeito de as diferenas que existem en tre elas, uma intensa vivncia gru1 e comunitria, com muito menor relevo prestado personalidade mKi-.-idual; uma sit uao de muito mais forte necessidade de segua fsica e espiritual do que na Europa; uma muito mais vincada oeeneidade colectiva; e a quase completa prevalncia do sensido dos deveres sobre o sentido dos direitos. Esta a razo por que no pode, em rigor, dizer-se que nesses pases tenha surgido uma noo jurdico-poltica de direitos do homem - no obstante, em todos, d e uma maneira ou doutra, se manifestarem o respeito pela pessoa humana, a corres ponsabilizao dos diversos membros do grupo uns pelos outros, a regra da ajuda mtua e o ^---foro de preservao da liberdade familiar (1) (2). 111 - Na ndia entende-se que as liberdades humanas requerem virtudes humanas. So c inco as liberdades sociais: a liberdade'Madrid, 1985, pgs. 217 e segs.; FoUAD ZAKARIA, Los fundamentos filosoficos de lo s .Trechos humanos en el mundo arabe, ibidem, pgs. 251 e segs.; BERTRAND BADIE, _ -,p. cit., pgs. 118 e 229 e segs., ~me 281-282; HENRI WIBAUT, Droits de L'Nomme e : Islant, in Conscience et Libert, 1987, pgs. 16 e segs. V, em geral, PADHIKA CoomARAs^mY, Recherche et ducation en matire droits de 1'homm e en Asie, in VEnseignement des Droits de 1'homme en Asie, bra colectiva, Paris, UNESCO, 1980, pgs. 235 e segs.; YOUGINDRA KHUSHALANI, Human Rights in Asia and A frica, in Human Rights Law Journal, vol. 4, n. 4, :983, pgs. 403 e segs.; NARENDRA SINGH, A sia e os direitos do homem, in As dimenses internacionais dos direitos d o homem, obra colectiva sob a direco de Karel Vasak, trad., Lisboa, 1983, pgs. 669 e segs.; KBA M'BAYE, Os direitos do homem em frica, ibidem, pgs. 615 e segs.; o n. 3 6, 2. semestre de 1988, e m 40, 2. semestre de 1990, de Conscience et Libert. (z) Cfr. ainda FRANCESCo D'AGoST1NO, op..cit., pgs. 59 e segs.: o contraste entre a concepo jurdica ocidental e a no ocidental radica em aquela, e no esta, ser relaci onal e assente no reconhecimento da alteridade subjectiva.38Manual de Direito Constitucionalfrente violncia, a liberdade frente necessidade, a liberdade frente explorao, a lib erdade frente desonra, a liberdade frente morte' e doena. E so cinco tambm as virtu des individuais: a ausncia de intolerncia, a compaixo ou sentimento de solidariedad e, a sabedoria, a liberdade de pensamento e conscincia, a liberdade frente ao med o, frustrao e ao desespero (1). Na tradio hindu, no existe distino mutuamente exclus entre o espiritual e o mundano e entre o religioso e o secular. A vida no mundo apenas um reflexo incompleto e nebuloso do espiritual, que absoluto, perfeito e total (2). Na China, o que importa, antes de mais, o cumprimento dos deveres para com os vi zinhos, em esprito de simpatia e companheirismo. Na ideia de obrigaes recprocas reve la-se o ensinamento fundamental do confucionismo (3). Na frica tradicional, as sociedades, fortemente hierarquizadas, so unificadas pela crena mstica. A inviolabilidade da vida e a entreajuda dos membros da comunidade so os valores fundamentais da ordem colectiva. Procura-se, acima de tudo, a vida em harmonia com os outros, com a natureza e com os espritos que a povoam e animam (4). IV - A difuso dos modelos jurdico-polticos europeus, a necessidade de criar ou de m anter espaos econmicos viveis (no interior de fronteiras, na maior parte das vezes vindas dos imprios coloniais), a necessidade, portanto, de quebrar laos tribais ou locais adversos, os antagonismos ideolgicos e de famlias constitucionais, em suma todos os factores que levam emergncia do Estado moderno na sia e na frica so os mes mos que suscitam ai a colo-(') YOUGINDRA KHUSHALANI, Op. cit., pgs. 406-407. (z) R. C. PANDEYA, Fundamentos filosoficos de los derechos humanos. Perspectiva hindu, in Los fundamentos..., pg. 306. ~~,~,~, (3) YOUGINDRA KHUSHALANI, op. Cit., loc. cit., pgs. 405 e 406; M. Ld'1LNDUO, Conf ucius et son enseignement, in Conscience et Libert, 2. semestre de 1990, pgs. 60 e segs. Cfr. ANTNIO MANUEL HESPANHA, Introduo ao pensamento jurdico-poltico chins, tradie prospectiva, in Anais da Universidade Autnoma de Lisboa - Histria, 1994, pgs. 112 e segs. (4) YOUGINDRA KHUSHALANI, op. cit., loc. cit., pgs. 415 e segs.; KEBA M'HAYE, op. cit., loc. cit., pgs. 615 e segs.Parte IV - Direitos Fundamentais39cda problemtica dos direitos fundamentais no sentido ocidenm jo termo - porque dia nte dos novos poderes pblicos fortecentralizados e concentrados deixam de ser ant eparas suficientes is a:-iti2as comunidades. Alguns dos dirigentes polticos dos novos Estados tm sustentado,no a inadequao da doutrina dos direitos do homem s suas =r idades polticas, culturais e sociais, pelo menos a sua subordio aos imperativos de desenvolvimento econmico, pois s atra-7deste se alcanariam a independncia nacional e as condies use efectivao dos direitos. Todavia, a experincia de no poucos desses pase tem demonstrado que uma coisa a transplantao pura e simples destes ou daqueles mo delos institucionais europeus e outra pisa a salvaguarda de direitos bsicos de in tegridade, liberdade e segurana pessoal consignados, em textos constitucionais e interna. unais (1). Em compensao, tambm de supor que, em face de certos fac:ores de crise observados no Ocidente, da sia e da frica possam provir sinais significativos de humanizao e tran sformao: a redescoberta do lugar das crianas e dos velhos na comunidade (2), a revi talizao dos laos familiares, a reabertura natureza, o apelo a uma pior solidariedad e na vida quotidiana. 10. As atitudes i>losficas subjacentes s concepes de direi tos do homemI - Os pressupostos filosficos so ineliminveis em qualquer posio relativa aos direito s fundamentais - assim como, recipro-(1) Cfr. Rui MACHETE, Os direitos do homem no mundo, Lisboa, 1978, pgs. 39 e segs .; Pnln.w IIOUNTONI)1I, Los derechos humanos en Africa, in Los fundamentos..., pg s. 360 e 361; FE'rttt .IAMAA, Les pyoblmes spcifigues poss par les droits fondement aux dons les pays em voie de dveloppement, relatrio ao II Congresso da Associao Inte rnacional de Direito Constitucional, Paris-Aix-en-Provence, 1987. (2) Ainda hoje, a Constituio chinesa (de 1982) impe aos filhos maiores o dever de m anter e auxiliar os pais (art. 49.). No Ocidente, que saibamos, s a Constituio brasi leira contm norma semelhante (aR. 229 ", 2' parte).40Manual de Direito Constitucionalcamente, no se depara sistema filosfico que no encare, directa ou indirectamente, a pessoa, o seu valor e a sua circunstncia (1). Em geral, as atitudes do esprito - e, por consequncia, as atitudes filosficas - a r espeito da pessoa e dos seus direitos podem ser reconduzidos tricotomia formulad a por GusTAv RADBRUCH de individualismo, supra-individualismo e transpersonalism o. O individualismo (que tambm, deste ngulo, poderia denominar-se personalismo) toma como fim principal, a realizar pelo Estado, o indivduo, a pessoa; no supra-indivi dualismo so finalidades colectivas, de ordem social, que prevalecem; no transpers onalismo trata-se de valorizar e de promover a realizao, acima de tudo, de finalid ades de obra, quer dizer, de ideias, de instituies, de resultados, como que despre ndidos de quem os fez, ou do servio em favor de quem foram pensados.Escreve RADBRUCH (2): < H no domnio da experincia unicamente trs espcies de objectos susceptveis duma valora absoluta: a personalidade humana individual, a personalidade humana colectiva e os produtos da prpria actividade humana ou as obras humanas (Werke). Assim, podem os distinguir, correspondentemente, consoante estes trs substratos, trs espcies de valores: os "valores individuais>, os (in Los fundamentos..., obra colec^Va. cit., pgs. 131 e segs.): - relativismo esttico e a-histrico, caracterstico das vises empricas, pragziticas e es truturalistas; - absolutismo de tipo Kantiano e fememonolgico; - absolutismo histrico na linha de HEGEL; - historicismo relativista segundo MARX. (z) Mesmo daqueles que se reclamam do humanismo - e, por isso, h quem ale num con flito de humanismos (assim, AuGusTE ETcHEVERRY, Le Conflit Actuei .zcs Humanisme s, de que h trad. portuguesa, Porto, 1958). (3) Cfr., por exemplo, Diritti dell'uomo e ideologie contemporanee, obra estiva, Pdua, 1988. () Sul fondamento dei diritti dell'uomo, in Rivista Internazionale di Filosoa dei Diritto, 1965, pgs. 301 e segs., e in L'Et dei Diritti, Turim, 1990, pgs. 544Manual de Direito Constitucionaldireitos historicamente relativos e estruturalmente diversos e para quem a plura lidade de concepes religiosas e morais determina um insupervel relativismo - mas, p ara quem, precisamente, esse pluralismo constitui o mais forte argumento a favor de alguns direitos como a liberdade de religio e a liberdade de pensamento. A fundamentao absoluta, continua Boaslo, no s ilusria como, algumas vezes, um pretex o para defender posies reaccionrias. No se trata, pois, de a encontrar, mas de procu rar os vrios fundamentos possveis dos direitos fundamentais. O problema de fundo d os direitos do homem hoje no tanto o de os justificar quanto de os proteger: e es te um problema no filosfico, mas sim poltico. II - Admitimos os riscos de intolerncia de uma viso demasiado rgida ou fechada dos direitos do homem, a indeterminao de muitos dos conceitos com eles conexos (I) e o s custos de uma qualquer plataforma doutrinal (eventualmente precria) ou de um qu alquer sincretismo - em detrimento do trabalho em comum pela realizao dos direitos . Nem desconhecemos a contradio em que caem muitos daqueles que, invocando constante mente o Direito natural, no concreto ignoram ou ficam indiferentes a graves viol aes da liberdade de expresso ou da liberdade de emigrao, das garantias de processo pe nal, do direito ao trabalho ou do direito ao salrio. Assim como to pouco negamos os progressos alcanados em tantos campos, apesar de to dos os obstculos e apesar das divergncias de culturas jurdicas e polticas - at porque , como notava h meio sculo JacQuES MARITAIN, homens mutuamente opostos nas suas co ncepes tericas podem chegar a um acordo prtico e, assim, contribuir para que se d um < crescimento vegetativo do conhecimento moral e do sentimento moral, uma espcie de desenvolvimento vitale segs. Recorde-se a relao estabelecida por KEtsEN (Von Wesen und Wert der Demokra tie, trad. francesa la Dmocratie - Sa nature, sa valeur, Paris, 1932, pgs. 108 e s egs.) entre democracia e relativismo crtico. (1) Cfr. ENRIQUE P Hnsn, Droits de l'homme, concepts mouvants, idologies, in Arch ives de Philosophie du Droit, t. 29, Paris, 1984, pgs. 323 e segs.Parte IV - Direitos Fundamentais45em si mesmo", independentemente dos sistemas filosficos (ainda que, secundariamen te, estes entrem em aco recproca com esse processo espontneo) (1) (2). Todavia, a convenincia e, mais do que a convenincia, a necessidade de perscrutar o s fundamentos ou, se se preferir, as referncias ticas subjacentes aos direitos his toricamente consignados em cada Constituio material revela-se iniludvel quer no pla no estritamente abstracto e terico, quer no plano da interpretao jurdica, quer no da poltica legislativa.Primeiramente, reduzir a problemtica dos direitos do homem da sua positivao e garant ia como direitos fundamentais poderia equivaler a uma atitude conservadora, alhe ia s aspiraes das pessoas concretas e s transformaes sociais; poderia acarretar, para muitos, a resignao perante as leis decretadas ou perante as contingncias da sua apl icao; poderia traduzir a recusa de qualquer dimenso utpica ou idealista (3), ou a pe rda da universalidade destes direitos num mundo cada vez mais prximo e globalizad o. Em segundo lugar,- a conscincia jurdica sempre uma conscincia formada segundo certo s valores e sem um consenso bsico acerca das relaes entre a pessoa e o Estado no exi ste princpio de legitimidade (4). No ter de ser, um fundamento ltimo em termos(1) Les Droits de VHomme et Ia Loi Naturelle, Paris, 1953, pgs. 69 e 73. V! tambm a alocuo 1.' reunio plenria da 2' sesso da Conferncia Geral da UNESCO, realizada no M co, em 1947 (in Droits des Peuples, Droits de l'Homme, pgs. 172 e 173), e Reflexes sobre os Estados Unidos, 2' ed. port., Rio de Janeiro, 1959, pg. 99. (2) Cff. CABRAL DE MoNcADA, op. cit, u, pgs. 151-152, e ainda a "auto-regncia" ou autonomia do Direito a que aludimos em Manual..., t, cit., pg. 89, nota. (3) Cfr. $EROIO COTfA, Il fondamento dei diritti umani, in I Diritti Umani, pgs. 645 e segs., ou, doutro prisma, Attualit e ambiguit dei diritti fondamentali, in D iritti Fondamentali dell'Uomo (Quaderni di lustitia, 27), Roma, 1977, pgs. 1 e se gs. (') Cif. ANDRS OLLERo TASSARA, Consenso y disenso en Ia fundamentacin de los derec hos humanos, in Derecho y Moral - Anales de Ia Catedra F. Suarez 1988, pgs. 209 e segs.; e sobretudo, JOHN R~Ls, falando num "consenso de sobreposioo ligado a valo res de razo pblica (Liberalismo poltico, cit., pgs. 26, 61, 141 e segs. e 209 e segs .) e que no implica indiferena ou cepticismo (pgs. 155 e segs.).46Manual de Direito Constitucionalfilosficos, mas ter de ser, certamente, um requisito mais slido do que o simples eq uilbrio de foras polticas, econmicas e sociais (1). E nenhum regime pluralista (2) p oder subsistir, a prazo, sem a crena arreigada no valor da liberdade poltica (3). Ao invs, quando ocorre crise a respeito de valores justificativos de determinados direitos fundamentais so estes direitos que ficam postos em causa. A chamada dou trina da "segurana nacional>>, surgida em alguns pases da Amrica Latina nos anos 60 e 70 deste sculo, traduz a sobreposio de interesses de classe, alados a interesses nacionais, aos valores democrticos. Afiguram-se contraditrias a luta pela abolio da pena de morte e a reivindicao da legalizao da interrupo voluntria da gravidez. A indif rena perante a excluso social corri os direitos econmicos, sociais e culturais, assi m como o abstencionismo eleitoral corri os direitos de participao poltica. Finalmente, mesmo face do Direito positivo, inultrapassvel o problema da unidade de sentido dos direitos fundamentais. At porque pode haver diferentes leituras da s Constituies e das declaraes de direitos, necessrio tentar raciocinar em coerncia si temtica. Nem com isto se abre caminho ao subjectivismo do intrprete, porque este, enquanto tal, tem de se mover no contexto do sistema, tem de interpretar e integ rar os preceitos relativos aos direitos .fundamentais luz dos princpios que o enf ormam, tem de se inspirar na(i) C WOLFGANG ABENDROTH, Antagonische Gesellschaft und Politische Demokratie, 1967, trad. Sociedad Antagonica y Democracia Poltica, Barcelona-Mxico, 1973, pg. 208: a conexo da ideia do Estado social de Direito com a democracia implica que se te nha de obter em cada caso uma situao de compromisso entre os grupos sociais que ga ranta um mnimo de critrios comuns admitidos por todos. (z) Cfr. CASTANHEIRA NEVES, A unidade do sistema jurdico, Coimbra, 1979, pgs. 76-7 7, distinguindo relativismo radical e pluralismo: aquele fecha-se na subjectivid ade e s compatvel com relaes externas de conflito; ao passo que o pluralismo dialgic e no exclui a pressuposio de um referente comunitrio, nem nega a procura de um sent ido atravs da dialctica das divergncias. Cfr. OTFxten HdFF'e, Pluralismus und Toleram, 1984, trad. Pluralismo y Toleranci a, in Estudios sobre Teoria dei Derecho y Otros Ensayos, Mxico, 1992, pgs. 133 e s egs.; ou Jos LnMeoo (apesar de entender que a "sociedade aberta* no deve ficar sob recarregada com contedo tico excessivo), "Sociedade aberta.. e liberdade de conscin cia, Lisboa, 1985, pgs. 140, nota, e 125 e segs.Pane IV - Direitos Fundamentais 47 ~~aa de Direito acolhida na Constituio. S tal unidade de pensao jurdico permite apre ender o mbito de cada direito e definir a sei contedo essencial, relacionar os vrio s direitos e as diversas idades compreendidas em cada um, evitar ou resolver col ises, ciar a todos uma adequada harmonizao (1). III - Um papel extraordinariamente importante est reservado i ria na verificao da va riedade de condies de realizao dos tetos da pessoa, dentro da unidade do gnero humano (2); no conto de experincias, ora de sedimentao, ora de crise; e no des.mbrir de novos percurs os e de novos avanos. No basta, contudo, observar passivamente a histria. preciso -tir sobre ela e lig-la ao destino do homem ou da mulher em ereto, conscincia que tenha de si mesmo, con scincia que Lha dos seus direitos ou da necessidade de os adquirir e alargar em i .-dos os domnios da vida social e poltica. Como escreve MIGUEL IZEALE, da autoconscincia da dignidade do sem que nasce a ideia de pessoa, segundo a qual no se homem pelo giro facto de existir, mas pelo significado ou sentido da existncia (3). Ou citando JOO BAPTISTA MACHADO (4): "Para que o homem seja faz de transcender a sua morfose ou determinao histrica - e de esta er comunicao com mundos culturais essencialmente distintos do seu, je mesmo tempo que de aperceber-se deste - precisa de ter conscincia do ---eu prprio nascimento histrico. A intelegibilidade histrica, assim como .r intelegibilidade do histrico - e designadamente a inteligibilidade de alturas diferentes - postulam uma qualquer espcie de transcendncia nativamente ao processo histrico-social emprico. to impossvel esca a este postulado como o saltar por cima da prpria sombra. Como (') V-lo-emos a seu tempo. (2) Cfr., por exemplo, OTFtren Hora, Ls droits de l'homme comme princi;mrs de 1'h umanit politique, in Droits des Peuples, Droits de l'Homme, pgs. 88 r srgs., maxim e 105; ou GERunr BIDART CnMPOS e DnNm. E. Hewj2,mottF, Los valo,es en el sistema de los dertchos humanos, in Revista de Derecho Poltico, n. 33, .991, pgs. 9 e segs ., maxime 17 e 25-26.(3) Op. cit., t, pg. 211. (4) Participao e descentralizao. Democratizao e neutralidade na Consmuio de 1976, Coi a, 1982, pgs. 92 e 93.48Manual de Direito Constitucionalpodemos compreender a histria (e o histrico) se somos por completo imanentes histri a? Cegos de todos, andaramos s turras no escuro, e o nosso entendimento da histria (e do histrico) seria ele prprio um produto cego da mesma histria. < Mas se, para alm do processo histrico de hominizao, houver polaridades de sentido que esse processo histrico "desperta", espcie de reas morfogneas (potencialidades, " competncias", no sentido da lingustica moderna) cuja activao depende de um estimulo exterior mas que na sua desenvoluo so autnomas, ento j ser porventura possvel concebe m esquema inteligibilizador (uma teoria) do histrico. Isto pressupe, claro est, que essas polaridades de sentido no sejam, no seu contedo intrnseco, produto da histria , por corresponderem a potencialidades arquioriginrias que a formao social-histrica apenas "actualiza". " neste contexto de ideias que devemos situar a validade "absoluta" dos direitos do homem, inalienveis e inviolveis, enquanto fundamento de toda a comunidade human a, a validade "absoluta" da eminente dignidade da pessoa humana e da liberdade, enquanto valores supremos ou valores-guia. O paradigma da pessoa-valor e o valor da liberdade e responsabilidade pessoais so um paradigma e um valor "absolutos", no porque no dependam, no seu aparecimento e na sua realizao histricos, de fctores so ciais, polticos e at biolgicos e geofisicos; mas, pelo menos, porque correspondem a uma das argui-originrias orientaes possveis do desenvolvimento da humanidade capaze s de enformar todo um ciclo natural e de lhe determinar a respectiva identidade; pelo menos, com o significado de que imprimem carcter e do sentido a todo um cicl o histrico-cultural, sentido esse que sem dvida condicionado por urna infraestrutu ra econmica, mas no produto dela. Ou, na sntese de JEANNE HntscH: "As sucessivas Declaraes de Direitos so outras tanta s tentativas para criar um lugar para o absoluto humano dentro das relatividades existentes" (t). 12. Os sistemas terico-Jurdicos de direitos fundamentais I - Prima fatie no muito distantes das concepes filosficas, se bem que no derivadas a utomaticamente delas e situadas no terreno da elaborao dogmtica inerente Cincia do D ireito, depa(1) Los fundamentos filosficos de los derechos humanos en el contexto europeu, in Los fundamentos..., pg. 151.Parte IV - Direitos Fundamentais49ram-se algumas grandes snteses, "sistemas de cristalizao dos direitos fundamentais> >, "compreenses", ou "pr-compreenses", teorias jurdicas dos direitos fundamentais (I ). Simultaneamente tentativas de reduo unidade da pluralidade `, de direitos no plano conceitua) e pontos de apoio no plano da prtica, ' so sete as principais teorias: a liberal, a institucionalista, a conser vadora, a dos valores, a democrtica, a social e a socialista marxista. II - Muito em resumo, pode dizer-se que: a) A teoria liberal tende a reconduzir os direitos fundamentais a preitos de aut onomia e de defesa, individuais e fortemente subjectivados; b) A teoria institucionalista tende a reconduzi-los ou a inseri-los em instituies, em enquadramentos objectivos e funcionais; c) A teoria conservadora tende a subordinar a liberdade indit-idual autoridade e tradio a partir de uma viso pessimista da natureza humana e orgnica da sociedade;(I) Cfr. MAt1RICE HAUxtou, Prcis de Droit Consttutionnal, 2. ed., Paris, 1929, pc3g s. 633 e segs.; PAl1I. DuEZ, Esquisse d'une dfmition raliste des droits publics in diduels, in Mlanges R Carr de Malbetg, obra colectiva, Paris, 1933, pgs. 123 e segs. ; GII.SEPPE CtcAt-A, Diritti Sociali e Crisi del Diritto Soggettivo nel Sistema Costituzonale Italiano, Npoles, 1965, pgs. 123 e segs.; GEOItGES VLACI>OS, op. cit ., loc. cit., -jgs. 279 e segs.; ExxE>tAtrr S'rEnt, Lehrbuch des Staatsrecht, tra d. castelhana Derecho Poltico, Madrid, 1973, pgs. 238 e segs.; R. zIPPELIUS, op. c it., pgs. 176 e segs.; PAet.o LUCAS VERD, op. cit., >n, pgs. 65 e segs., e EI senti miento constitucional, !Madrid, 1985, pgs. 155 e segs.; Wdt,twM E. CONKLIN, In De fense of Fundamental Rghts, Alphen aan den Rijn, 1978; HANS-Perlar SCHNEIDER, Pec uliarid y Juncin de ,os derechos fundwlentales en el Estado Constitucional Democr atico, in Revista de Estudios Polticos, n' 2, Janeiro-Fevereiro de 1979, pgs. 13 e segs.; VIEIRA DE ANDRADE, op. cit., pgs. 54 e segs.; ANDxs O.ERO, Para uma teoria "juridica~> de ]os der>chos 4omwnos, in Revista de Estudios Politics, n. 35, Setemb ro-Outubro de 1983, pgs. 103 segs.; Jdttc PAUL MULLER, lements pour une rhorie suis se des droits fondamen=ur, trad., Berna, 1983, pgs. 2 e segs.; GEORGE E. PANICHAS , The structure of basic -uman rights, in Gaw and Philosophy, 4, ri.' 3, Dezembr o de 1985, pgs. 343 e segs.; RON'.-XL.D Dwoxxnv, op. cit., pgs. 81 e segs., 184 e segs. e 266 e segs.; RoeExr ALEXY, jp. cit., pgs. 35 e segs. e 540 e segs.; 1GNAC IO ARA PINIL(.A, op. cit., pgs. 20 e segs. e '9: ERNST-WOLPGANG B(ycK~ItD& Escrit os sobre Derechos Fundamentales, trad., Badeen-Baden, 1993, pgs. 44 e segs.; GOME S CANarILHO, Direito Constitucional, 6,' ed., Coimbra, 1993, pgs. 505 e sega.; PA ULO BoNAV>nes, Curso..., 8 ` ed., So Paulo, _999, pgs. 560 e sega. 4 - Manuel de Direito Constitucional, >V50Manual de Direito Constitucionald) A teoria dos valores tende a identific-los com valores, com princpios ticos difu ndidos na comunidade poltica e a que fica subordinada a aco individual; e) A teoria democrtica tende a identific-los com direitos de participao, ligados realizao da democracia e conformao por ela da vida colectiva; A teoria social tende a afirmar a dimenso social e positiva de todos os direitos, inclusive as liberdades, e a salientar a natureza de direitos subjectivos dos d ireitos sociais; g) A teoria socialista marxista tende a realar a dimenso econmica e concreta de tod os os direitos, a dependncia das condies materiais do seu exerccio e a sua necessria adstrio estrutura da sociedade.III - Fcil de reconhecer que se cada uma destas teorias, tomada em si mesma, na s ua lgica prpria, incompatvel com as demais, em algumas divisam-se aspectos comuns o u complementares (assim, designadamente, na considerao do Estado social de Direito ). Por outro lado, nenhuma destas teorias vale autonomamente ou se impe margem do Di reito positivo: qualquer delas carece de ser posta prova no mbito dos diferentes ordenamentos e s pode ser adoptada quando se mostrar idnea para exprimir as suas l inhas de fora. Nenhuma se substitui ao esforo do jurista ou fornece solues imediatas : qualquer delas apenas auxlio da interpretao, construo e sistematizao jurdica e as ou os resultados prticos apenas se encontram no confronto dos princpios e preceit os com as situaes da vida. Em ordenamento pluralista, no cabe ao juiz optar por uma nica destas teorias. Ele tem de trabalhar, sim, com os contributos de vrios, na sntese possvel e constitucio nalmente adequada em face dos princpios e regras e das situaes de vida (1).(i) ar. rGTER HXBERLE, ! diritti fondamentali nelle soeietd pturaliste e Ia cost ituzione dei pluralismo, in La democrazia alia fase dei secolo, trad. italiana, Roma-Bari, 1994, pgs. 95 e segs.; ou Goetes CANOTILHO, Direito..., eit., pgs. 1249 .Parte N-Direitos Fundamentais51IV - No seria sem interesse referenciar a evoluo do tratamento da temtica dos direit os fundamentais pela doutrina jurdica por:uguesa ao longo dos sculos xix e xx, at p ara explicitao ou desenvolvimento das diferentes teorias acabadas de enunciar (poi s q,ue todas ou quase todas, de uma maneira ou doutra, tiveram ou .m tido projeco e m Portugal). Dessa tarefa, contudo, j nos desincumbimos em escrito antenor (1), para o qual ag ora remetemos. CAPTULO II CONCEITOS AFINS E CATEGORIAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 1. Direitos fundamentais e conceitos afins 13. A preferncia pela expresso "direitos fundamentais>> 1 - Se bem que j empregada no sculo XIX (2), a locuo .direitos fundamentais" remontaprincipalmente Constituio de Weimar e tende agora a generalizar-se. Usam-na entre tantas, Consutuies como a alem (arts. 1 e segs.), a moambicana (arts. 26. e segs.), angolana (arts. 17. e segs.), a espanhola (arts. 10. e segs.) ou a blgara (arts. 2 5 e segs.) - assim como a portuguesa arts. 12. e segs.). Explicam este fenmeno o ultrapassar da concepo oitocen:ista dos direitos e liberdad es individuais e, sobretudo, o enlace entre direitos e Constituio. Porque constant es da Lei Fundamental, so os direitos fundamentais aqueles direitos que assumem t ambm a especfica funo que a Constituio vem adquirindo na Europa e noRelatrio com o programa, os contedos e os mtodos do ensino de Direims Fundamentais, Lisboa, 1986, pgs. 393 e segs. Por exemplo, LOPES Pttnn, op. cit., i, pgs. 25 e 26 (embora numa acep;o algo difere nte).52Manual de Direito Constitucionalresto do mundo, ao longo dos ltimos cinquenta anos - em resultado de preceitos ex pressos, do paul proveniente da justia constitucional e de uma crescente conscinci a difundida na comunidade jurdica. Se a Constituio o fundamento da ordem jurdica, o fundamento de validade de todos os actos do Estado (como diz o art. 3 da Constituio portuguesa), direitos fundamentai s so os direitos que, por isso mesmo, se impem a todas as entidades pblicas e priva das (conforme, por seu lado, afirma o art. 18.) e que incorporam os valores bsicos da sociedade.II - O cotejo com outras designaes, algumas das quais ainda frequentes, mostra as vantagens do termo < direitos fundamentais" e aponta, ao mesmo tempo, para certa s distines que importa salientar para banir quaisquer equvocos. Feita esta preciso terminolgica, poder-se- avanar com mais segurana, na dilucidao de f guras afins: direitos de personalidade, situaes funcionais, direitos dos povos, in teresses difusos, garantias institucionais e deveres fundamentais. E, de seguida, distinguir categorias de direitos: a) quanto aos sujeitos - direi tos fundamentais individuais e institucionais, direitos comuns e particulares, d ireitos do homem, do cidado e do trabalhador; b) quanto ao objecto - direitos rel ativos ao status libertatis, ao status civitatis e ao status activae civitatis, direitos pessoais, sociais e polticos, direitos gerais e especiais e direitos mat eriais e procedimentais; c) quanto funo - direitos e garantias, direitos, liberdad es e garantias e direitos econmicos, sociais e culturais. 14. Direitos fundamentais e direitos do homem I - Na linguagem corrente, fala-se principalmente em direitos do homem; e, no ca ptulo anterior, ao considerarmos determinados aspectos histricos e filosficos, tambm no pudemos deixar de o fazer. No por acaso que isso sucede: no apenas porque da Declarao dos Direitos do Homem e d o Cidado de 1789 Declarao Universal dos Direitos do Homem se desenvolve o percurso deci-Pane IV - Direitos Fundamentais 53 ,,,w-o na aquisio jurdica dos direitos fundamentais como porque a expresso traduz be m a ideia de direitos do homem, s por ser nomem, e direitos que, por isso mesmo. so comuns a todos os Homens (t) (2). Todavia, apesar da constante referncia de direitos fundamentais direitos do homem (e vice-versa), contra a adopo deste termo em Direito constitucional militam trs r azes. A primeira consiste em que, para l de qualquer profisso de f _nos direitos do homem , do que se cura aqui de direitos assentes na cedem jurdica, e no de direitos deri vados da natureza do homem e que subsistam sem embargo de negao ou de esquecimento da lei (3). Que a ordem jurdica no seja ou no deva ser apenas a dos aceitos positi vos, no se discute; mas tem de ser sempre atravs de normas positivas, ainda que de Direito natural positivado - como so tantas das Constituies e da Declarao Universal - que tais direis tm de ser cantados e estudados. Como dissemos no incio do captulo anterior, os direitos fundamentais, ou pelo meno s os imediatamente conexos com a dignidade da pessoa humana, radicam no Direito natural (ou, se se preterir, em valores ticos superiores ou na conscincia jurdica c omunitria), de tal sorte que devem ser tidos como limites transen dentes do prprio poder constituinte material (originrio) e como princpios axiolRicos -fundamentais (4). No se esgotam, porm, no Direito natural (1) Por vezes alude-se a direitos humanos a par ou em vez de direitos do ~amem. E locuo que se deve evitar: 1 ) por ser, neste momento, um anglicismo, sem a sedime ntao.de 200 anos da expresso direitos do homem (esta s parcialmente de origem france sa); 2.) por direitos humanos poder inculcar direitos inerentes humanidade ou ao gnero humano, sem pertinncia a cada pessoa concreta, cujos direitos poderiam, assi m, no ser respeitados; 3.) por nada permitir inferir que com :direitos do homem s s e tenham em vista os homens. e no tambm as mulheres (lembre-se o art. 1. do Cdigo Ci vil portugus de 1 8671. (2) Sobre a questo lingustica, v. PAULO FERREIRA DA CUNHA Res Publica Coimbra. 199 8. pQS. 76 e sees. CASTRO MENDES, op. cit., IOC. cit., pg. 114, e Direitos Fundamentais, ,n trbo, xix , pgs. 1061 e 1062. (4) Assim, Manual..., U, cit., pgs. 105 e segs.54Manual de Direito ConstitucionalA segunda razo resulta da necessidade de, no plano sistemtico da ordem jurdica - e, antes de mais, da Constituio - considerar os direitos fundamentais correlacionado s com outras figuras subjectivas e objectivas. Eles no podem ser desprendidos da organizao econmica, social e cultural e da organizao poltica, exercem a um importants o papel dinamizador, projectam-se fortemente sobre uma e outra - da mesma maneir a que sofrem o influxo da Constituio econmica, da cultural e da poltica. A terceira razo decorre da observao. Os direitos fundamentais presentes na generali dade das Constituies do sculo xx - e at, em grau bastante menor, das do sculo xlx - no se reduzem a direitos impostos pelo Direito natural. H muitos outros: direitos d o cidado activo, do trabalhador, do administrado, etc. H direitos conferidos a ins tituies, grupos ou pessoas colectivas: direitos das famlias, das associaes, dos sindi catos, dos partidos. E muitos so direitos pura e simplesmente criados pelo legislador positivo, de harmonia com as suas legtimas opes e com os condicionalismos do r espectivo pas. II - J em Direito Internacional, na medida em que este no se desinteressa hoje dos direitos das pessoas, tende a prevalecer o termo direitos do homem - ou o termo proteco internacional dos direitos do homem - em parte por, assim, ficar mais cla ra a atinncia dos direitos aos indivduos, e no aos Estados ou a outras entidades in ternacionais (1), e em parte por ser menos extenso o desenvolvimento alcanado e p rocurar-se um "mnimo tico> universal ou para-universal. Como se sabe, tambm essa a expresso aditada Constituio, em 1982, no preceito sobre r elaes internacionais: "Portugal, rege-se nas relaes internacionais pelos princpios .. . do respeito dos direitos do homem ...N (art. 7., n.0 1).(') Pois existem, em Direito internacional, direitos e deveres fundamentais dos Estados, desde os que se prendem com o princpio da sua igualdade soberana do art. 2. da Carta das Naes Unidas aos declarados na Carta dos Direitos e Deveres Econmico s (de 1974).Parte IV - Direitos Fundamentais 55 III -- Acepes prximas da locuo direitos do homem encontram-se nas expresses direitos i natos (art. 1 da Declarao de Virgnia), direitos naturais (art. 2 da Declarao de 1789 ou direitos originrios (art. 359. do Cdigo Civil portugus de 1867) (1). Claramente se apreendem netas uma concepo jusnaturalista e individualista ainda ma is vincada do que na expresso direitos do homem e um mbito muito menor do que aque le que aparece na maior parte das Constituies do sculo xx. N - Muito difundida, mormente nos pases anelo-saxnicos, a designao direitos civis - o s direitos civis como direitos dos cidados ou como direitos contrapostos aos dire itos naturais. Um dos Pactos Internacionais de execuo da Declarao Universal versa so bre "Direitos Civis e Polticos>>, ao passo que n nutro trata de "Direitos Econmico s_ Sociais e Culturais>>. Independentemente, porm, da confuso que poderia fazer-se com os direitos civis, ou direitos subjectivos prprios do Direito civil, duas notas avultam anui. Por um lado, direitos civis enquanto direitos do cidado so apenas direitos individ uais (ou direitos do indivduo como cidado), quando certo haver direitos no individu ais, direitos institucionais, e direitos do indivduo sem ser como cidado (direitos do homem, antes de direitos do cidado, e direitos da criana, do trabalhador, etc. ). Por outro lado, direitos civis, tal como aparecem naquele Pacto e noutros instru mentos internacionais, correspondem aos direitos, liberdades e garantias do ttulo u da parte t da Constituio portuguesa; no abarcam. pois. seno uma parte dos direito s que na actualidade se elevam a direitos fundamentais. De observar ainda que direitos civis se no confundem com direitos cvicos ou direit os a prestaes do Estado (e da sociedade) decorrentes da qualidade de cidado. de mem bro da comunidade poltica. (1) Ou direitos Primitivos (LOPES PRAA. oo. cit., i, nQ. 20).56Manual de Direito Constitucional15. Direitos fundamentais e direitos subjectivos pblicosI - Se a origem dos direitos fundamentais se encontra directamente nas correntes polticas e jurdicas dos Estados Unidos e da Frana do sculo xvllt, a elaborao dogmtica da categoria comea na Alemanha, em meados do sculo seguinte, em ambiente bem difer ente. A teoria dos direitos subjectivos pblicos tanto um esforo de explanao sistemtica dos direitos das pessoas perante as entidades pblicas (e das prprias entidades pblicas) , adequada ao estdio de ento do Direito da Alemanha, como uma reaco contra o Direito natural. Segundo ela, s o Estado tem vontade soberana e todos os direitos subjectivos pblic os fundamentam-se na organizao estadual. Mas enquanto que GERBER considera esses d ireitos um mero reflexo do Direito objectivo e um limite do poder do Estado, j JE 1..t,Mx os analisa a partir de uma ligao especfica entre o indivduo e o Estado, em t ermos de estatuto. Como escreve GeRBEx, todos os poderes de Direito privado so faculdades de uma pes soa de submeter um objecto sua vontade jurdica; e a pessoa o centro do sistema de Direito privado. No assim em Direito pblico (1). Os direitos do povo no so seno direitos exclusivamente negativos, direitos ao recon hecimento do lado livre, isto , no estatal da sua personalidade. So apenas limites dos direitos do monarca (2). Por seu turno, para JELLINEK, cada direito subjectivo atesta a existncia de um or denamento jurdico, pelo qual criado, reconhecido e protegido. , pois, o ordenament o objectivo de Direito pblico que constitui o fundamento do direito subjectivo pbl ico (3). Qualquer direito pblico existe no interesse gera(, o qual idntico ao(1) ber ffentliehen Reehte, 1852, trad. italiana Diritto Pubblico, Milo, 1971, pgs. 31-32. (2) Ibidem, pg. 67. (j) System der subjectivem Sfentlichen Rechts, 1882, trad. italiana (com prefcio de V E. ORLANDO) Sistema dei Diritti Pubblici Subbietivi, Milo, 1912, pg. 10.Pane IV - Direitos Fundamentais nteresse do Estado (i). S como membro do Estado o homem , em geral, ajeito de dire ito (z). Pelo facto de pertencer ao Estado, o indivduo qualificado sob diversas aspectos. As possveis relaes em que pode encontrar-se com o Estado _~oiocam-no numa srie de co ndies juridicamente relevantes. As pretenNes jurdicas que decorrem dessas condies so o que se designa com c neme de direitos subjectivos pblicos (3). II - Assim como o conceito e a expresso direitos do homem iodem ficar vinculados a um jusracionalismo insatisfatrio, tambm 3 conceito e a locuo direitos subjectivos pblicos se reportam a uma r7so positivista e estatista que os amarra e condiciona. Nenhum ~Y alor dir-se-ia lhes subjazer, no se reala o sentido de autonomia das as soas e, pelo contrrio, prevalece a ideia de soberania (ainda que u-abalhada jurid icamente). Direitos subjectivos pblicos significam direitos subjectivos tri_J pudos por normas de Direito pblico, em contraposio aos direitos objectivos atribudos por normas de Direito privado. Ora, esta sime:ria poderia inculcar identidade de natureza - quando a priori nada justifica, quando se apresenta extremamente het erognea a estrutura fidos direitos das pessoas garantidos pela Constituio e quando, no mnimo, se afigura duvidosa a qualificao de alguns como direitos :objectivos. Por outro lado, o seu mbito abrange muito mais do que .aquele que nos propomos no presente volume. Abrange no s situaes jurdicas activas das pessoas frente ao Estado como situaes funcionais inerentes titularidade de cargos pblicos a que, em breve, i remos aludir); abrange situaes que cabem ao Direito administrativo, no tributrio ou no processual (direitos dos funcionrios e dos administrados, direitos dos contri buintes, direitos das partes em processo); e inclui ainda direitos de entidades publicas, enquanto sujeitos de relaes jurdico-administrativas. (1) Ibidem, pg. 78. (2) Ibidem, pg. 92. (3) Ibidem, pg. 96.58Manual-de Direito Constitucionalde relaes jurdico-financeiras ou de outras relaes de Direito pblico interno (1) (z). Todas estas razes desaconselham, evidentemente, o emprego do termo direitos subje ctivos pblicos como sinnimo ou em paralelo a direitos fundamentais. 16. Direitos fundamentais e direitos de personalidade I - O primeiro conceito afim do de direitos fundamentais que importa referir o d e direitos de personalidade. Os direitos de personalidade so posies jurdicas fundamentais do homem que ele tem pe lo simples facto de nascer e viver (3); so aspectos imediatos da exigncia de integ rao do homem (4); so condies essenciais ao seu ser e devir (5); revelam o contedo nece s-(I) Como se sabe, GERSER enunciava trs tipos de direitos subjectivos pblicos: dire itos do monarca, direitos dos funcionrios e direitos dos sbditos (op. cit., pgs. 47 e segs. e 65 e segs.). (2) Cfr. $ANTI ROMANO, La teoria dei diritti pubblici subbietiv, in Primo Trattat o Completo di Diritto Amministrativo Italiano, i, Milo, 1897, pgs. 111 e segs.; Oi ro MAYER, Le Droit Administratif Allemand, trad. francesa, Paris, 1903, pgs. 132 e segs.; CAEIRO DA MATA, Pessoas morais administrativas, Coimbra, 1903, pgs. 61 e segs.; ROCHA SARAIVA, Construo Jurdica do Estado, Coimbra, 1912, n, pgs. 75 e segs. , e As doutrinas polticas germnica e latina e a teoria da personalidade jurdica do Estado, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, I, n.- 3 e 4, Julho-Dezembro de 1917, pgs. 287 e segs.; FRANCO PIERANDREI, ! diritti subbie tivi pubblici nell'evoluzione delia dottrina germanica, Turim, 1940; RENATO ALES SI, La crisi attuale delia nozione di diritto soggettivo ed suoi possibili rifle ssi nel campo dei Diritto Pubblico, in Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico, 1953, pgs. 307 e segs.; ELIO CASETTA, Diritti pubblici subbietivi, in Enciclopedi a dei Diritto, xtt, pgs. 791 e segs.; Rui MACHETE, Contencioso Administrativo, in Dicionrio Jurdico da Administrao Pblica, u, pgs. 694 e 695; GUSTAVO DE VELASCO, Sobre Ia divisin dei Derecho en publico y privado, in Rivista Trimestrale di Diritto P ubblico, 1978, pgs. 898 e segs.; JORGE NOVAIS, op. cit., pgs. 76 e segs.; VASCO PEREIRA DA SILVA, Em busca do acto administrativo perdido, Lisboa, 1995, pgs. 220 e segs. (3) CABRAL DE MONCADA, Lies de Direito Civil, 2.' ed., Coimbra, 1954, t, pgs. 279-2 80. (4) GOMES DA SILVA, Op. cit., pg. 157. (5) ORLANDO DE CARVALHO, Os direitos do homem no Direito Civil Portugus, Coimbra, 1973, pgs. 24 e segs.Parte [V - Direitos Fundamentais 59 srio da personalidade (l); so emanaes da personalidade humana em si (2); ao direitos de exigir de outrem o respeito da prpria personalidade (3); tm por objecto, no algo de exterior ao sujeito, mas modos de ser fsicos e morais da pessoa (4) ou bens r ia personalidade fsica, moral e jurdica (S) nu manifestaes parcelares da personalida de humana (6). Entre ns, remontam aos j referidos < direitos originrios> do Colgio de Seabra (7), u ma das expresses da viso antropocntrica ou "individuocntrica" que o enformava (g) e adquirem hoje consagrao formal p nominal no Cdigo Civil de 1966 (9)_ No traduzem mer as conquistas doutrinais margem da lei. m , a defender atravs do Governo [art. 199., alnea f)], dos t ribunais (art. 202., n. 2), do Ministrio Pblico (art. 219., n.' 1) e da polcia (art. 2 72., n. 1) (z). E o Estado civilmente responsvel pelas violaes de direitos, liberdade s e garantias (art. 22.) e deve tutela quer civil (3) quer penal (4) contra violaes provindas de quaisquer cidados. Mais ainda: quanto a algumas liberdades, exigem-se prestaes positivas (5) ou ajuda s materiais (6), sem as quais se frustra o seu exerccio ou o seu exerccio por todo s os cidados e todos os grupos: assim, com a liberdade de imprensa, que implicao assegurar pela lei dos meios necessrios salvaguarda da sua independncia perante os poderes poltico e econmico (arts. 38., n.S 4 e 6, 1.8 parte, e 39., n. 1) e a possi bilidade de expresso e confronto das diversas correntesCfr. CASALTA NABAIS, Os direitos fundamentais na Constituio portuguesa, cit., pg. 1 1, nota. (2) Toda a pessoa tem direito a que reine uma ordem capaz de tornar plenamente e fectivos os direitos e as liberdades (art. 28. da Declarao Universal). (3) Recordem-se sobretudo os arts. 70. e 396 do Cdigo Civil e os arts. 37 , n.' 4, in fine, e 52., n. 3, da Constituio. (4) Cfr., sobre o problema, MARIA DA CONCEIO FERREIRA DA CUNHA, Constituio e Crime, Porto, 1995; LUIZ REDIS PRADO, Bem jurdico-penal e Constituio, So Paulo, 1996; MARIA )~RNANDA PALtvt,a,, Constituio e Direito Penal, in Perspectivas Constitucionais, o bra colectiva, It, Coimbra, 1997, pgs. 227 e segs. (3) Cfr. PHILIPPE BRAUD, Op. Cit., pgs. 148 e segs., JRG PAUL MLLER, Op. cit., pgs. 62 e segs.; FRANCO MODUGNO, ! Knuovi dirittiH nella giurisprundenza costituziona le, Turim, 1995, pg. 70; ou PAULO MOTA PINTO, O direito ao livre desenvolvimento. .., cit., loc. cit., pgs. 189 e segs. (6) JEAN RIVERO, Les Droits de l'Homme, cit., loc. cit., pg. 31.110Manual de Direito Constitucionalde opinio nos meios de comunicao social do sector pblico (arts. 38., n. 6, 2.a parte, e 39., n. 1); com a liberdade religiosa (art. 41., n. 5); com o direito de manifestao (art. 45., n. 2); com a liberdade de propaganda eleitoral, associada igualdade das diversas candidaturas e imparcialidade das entidades pblicas [art. 113., n. 3, alne as a), b) e c)]. i) Pode e deve falar-se, sim, numa atitude geral de respeito, resultante do reco nhecimento da liberdade da pessoa de conformar a sua personalidade e de reger asua vida e os seus interesses. Esse respeito pode converter-se quer em abstenes qu er em aces do Estado e das demais entidades pblicas ao servio da realizao da pessoa, i ndividual ou institucionalmente considerada (1) - mas nunca em substituio da aco ou da livre deciso da pessoa, nunca a ponto de o Estado penetrar na sua personalidad e e afectar o seu ser (2). E fundamentalmente neste sentido de respeito e preser vao da personalidade e da capacidade de aco das pessoas que se justifica ainda dizer que os direitos, liberdades e garantias no seu conjunto ou, pelo menos, as dife rentes liberdades se salvaguardaro ou se efectivaro tanto mais quanto menor for a interveno do Estado, ao passo que os direitos sociais podero ser tanto mais efectiv ados quanto maior ela vier a ser. j) Uma atitude geral de respeito obriga tanto as entidades pblicas como ainda, em certos casos e em certas condies - defini-Ias vem a ser um dos mais difceis proble mas do Direito constitucional contemporneo - as entidades privadas (art. 18., n. 1, in fine, daCfr. GEORGES VLACHOS, op. cit., loc. cit., pg. 315: j no um dever abstracto de abst eno negativa sistemtica que determina a essncia do Direito do Homem e, designadament e, do direito individual; a obrigao que decorre - para o Estado como para os grupo s ou os particulares - da ideia de no alienao da personalidade e que gera, consoant e os casos, tanto um dever de no fazer como uma injuno de agir, concreta e eficazme nte, para salvaguardar a liberdade do homem. (z) Cfr. FIGVEIREDo DIAS, Sobre o papel do direito penal na proteco do ambiente, i n Revista de Direito e Estudos Sociais, ano rv, n. 1, Janeiro-Julho de 1978, pg. 1 1, frisando que os direitos, liberdades e garantias respeitam a uma forma de act uao do homem em que a dependncia reciproca com a comunidade ou se no verifica ou no n ecessria.Parte IV - Direitos Fundamentais111Constituio) (1). Porque o respeito da liberdade de todos os membros da comunidade poltica tem que.ver no somente com as entidades pblicas como tambm com todos esses m embros, uns perante os outros, pelo menos quando haja relaes de desigualdade ou de dependncia, importa que uns respeitem a personalidade dos outros para que possam todos conviver (2). III - l) Algo de semelhante se verifica, de resto, no domnio dos direitos sociais . Embora estes tenham como sujeitos passivos principalmente o Estado e outras en tidade pblicas, tambm no so indiferentes a entidades privadas; tambm requerem (ou che gam a exigir) uma colaborao por parte dos particulares (3). Chamados tarefa da sua efectivao so o Estado e a sociedade - conforme estipulam, em frmula genrica, a Consti tuio venezuelana (art. 57 ) (4), em sucessivos preceitos a portuguesa (arts. 63 , 64 ., 69., 75., etc.) ou a brasileira (arts. 194 , 199 , 205., 225. e 227 ). m) Existe uma instncia participativa nos direitos sociais, fundada, ainda e sempr e, no respeito da personalidade: porque se cura de prestar bens e servios pessoa, no apenas preciso contar com o seu livre acolhimento como ainda mais- vantajoso pedir-lhe que, por si ou integrada em grupos, contribua para a sua prpria promoo. D a, estruturas e, por vezes, inclusive, direitos de participao [assim, na Constituio p ortuguesa, os arts. 52 , n. 3, 54., n.' 5, alnea e), 56 , n.' 2, 77 , etc.], os quais se apresentam como anteparas da liberdade contra o peso da burocracia ou da tecn ocracia (5).Cfr. infra. (z) Por isso, como observa Joo BAPnsTA MACHADO (op. cit., pg. 144), a neutralidade do Estado no se concretiza, necessariamente, em mera absteno mas tambm, quando nece ssrio, numa aco destinada a impedir que a livre actuao dos indivduos e das foras socia s possa vir a criar coaces incompatveis com a autodeterminao de outros indivduos e de outras foras sociais. (3) Cfr. GUCDO CORSO, op. cir., loc. cit., pg. 768. (4) "As obrigaes que incumbem ao Estado quanto assistncia, educao e ao bem-estar do ovo no exluem as que, em virtude da solidariedade social, recaem sobre os particu lares, segundo a sua capacidade ... >>. (s) Cfr. infra.112Manual de Direito Constitucionaln) Tal como nos direitos, liberdades e garantias se recorta uma dimenso positiva, tambm nos direitos sociais se encontra, pois, uma dimenso negativa. As prestaes que lhes correspondem no podem ser impostas s pessoas contra a sua vontade, salvo qua ndo envolvam deveres e, mesmo aqui, com certos limites (v. g., tratamentos mdicos ou frequncia de escolas) (1); quando a Constituio institua formas de participao, no p ode ser impedido o seu desenvolvimento; vedado ao poder pblico restringir o acess o aos direitos sociais constitucional ou legalmente garantidos, por meio de medi das arbitrrias; e, evidentemente, lesar os bens ou os interesses que lhes corresp ondem (v. g., o ambiente ou o patrimnio cultural). o) A interconexo de liberdades e direitos sociais (2) afigura-se bvia quer no proc esso histrico da sua formulao, quer no momento actual de exerccio e efectivao. A liber dade sindical e o direito greve so instrumentos de defesa dos direitos dos trabal hadores (arts. 55., n. 1, e 57., n. 2). H garantias ao servio de direitos sociais: ass im, o direito segurana no emprego (art. 53.) em relao ao direito ao trabalho (art. 5 8., n. 1) (3), e, em geral, tambm funcionam como tais certos direitos especficos de participao (arts. 52., n.