Direito Civil v - Até Tema VII

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EMERJ – CP V Direito Civil V Tema I Direito de Família. Conceito. Noções Gerais. Evolução histórica. Princípios constitucionais. Formação da família. Casamento. Natureza jurídica. Habilitação matrimonial. Celebração. Casamento civil e casamento religioso com efeito civil. Capacidade matrimonial. Suprimento judicial. Impedimentos matrimoniais. Causas suspensivas. Prova do casamento. Notas de Aula 1 1. Direito das famílias: introdução O primeiro aspecto a ser abordado diz respeito justamente à própria nomenclatura deste ramo do direito civil: pode-se ainda falar em direito de família, ou o correto é dizer direito das famílias? O direito positivado sobre a família não corresponde fielmente ao direito de fato das famílias. Isto porque a família não é um conceito jurídico: é uma realidade pré- jurídica, conceito social que antecede o direito. E para o direito, a família se concentra demais no casamento ou na união estável, como núcleos estáticos, o que não corresponde À realidade fática, em que a família recebe um conceito plúrimo e fluido. Diante disso, não seria melhor dizer de um direito de família, mas sim de um direito das famílias, representando a pluralidade e diversidade deste conceito pré- jurídico. O ramo do direito das famílias regula tanto as relações matrimoniais, como as de união estável e de parentesco, bem como alguns institutos protetivos – a tutela e a curatela. Daí exsurgem seus objetos de estudo, cuja classificação varia de acordo com o autor: as entidades familiares, o parentesco, e as relações de assistencialismo (segundo Caio Mario e Paulo Lobo); ou as entidades matrimonializadas, as uniões estáveis, as relações assitencialistas e as relações de parentesco (para Cristiano Chaves e Nelson Roselvald). A evolução do que é a família passa, inegavelmente, pela imagem clássica de pai e mãe casados, e eventuais filhos. A origem deste núcleo clássico é sociológica, e não jurídico, e 1 Aula ministrada pela professora Elisa Costa Cruz, em 23/2/2010. Michell Nunes Midlej Maron 1

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Tema I

Direito de Família. Conceito. Noções Gerais. Evolução histórica. Princípios constitucionais. Formação da família. Casamento. Natureza jurídica. Habilitação matrimonial. Celebração. Casamento civil e casamento religioso com efeito civil. Capacidade matrimonial. Suprimento judicial. Impedimentos matrimoniais. Causas suspensivas. Prova do casamento.

Notas de Aula1

1. Direito das famílias: introdução

O primeiro aspecto a ser abordado diz respeito justamente à própria nomenclatura deste ramo do direito civil: pode-se ainda falar em direito de família, ou o correto é dizer direito das famílias?

O direito positivado sobre a família não corresponde fielmente ao direito de fato das famílias. Isto porque a família não é um conceito jurídico: é uma realidade pré-jurídica, conceito social que antecede o direito. E para o direito, a família se concentra demais no casamento ou na união estável, como núcleos estáticos, o que não corresponde À realidade fática, em que a família recebe um conceito plúrimo e fluido. Diante disso, não seria melhor dizer de um direito de família, mas sim de um direito das famílias, representando a pluralidade e diversidade deste conceito pré-jurídico.

O ramo do direito das famílias regula tanto as relações matrimoniais, como as de união estável e de parentesco, bem como alguns institutos protetivos – a tutela e a curatela. Daí exsurgem seus objetos de estudo, cuja classificação varia de acordo com o autor: as entidades familiares, o parentesco, e as relações de assistencialismo (segundo Caio Mario e Paulo Lobo); ou as entidades matrimonializadas, as uniões estáveis, as relações assitencialistas e as relações de parentesco (para Cristiano Chaves e Nelson Roselvald).

A evolução do que é a família passa, inegavelmente, pela imagem clássica de pai e mãe casados, e eventuais filhos. A origem deste núcleo clássico é sociológica, e não jurídico, e remonta à antropologia e à religião: entre a Idade Média e a criação do Estado Moderno, surgiu esta sacralização da família, e esta estrutura foi a erigida nestas bases – a única família válida era a erigida no casamento entre homem e mulher.

Na realidade brasileira, saltando já para a década de sessenta, a constatação de que o afeto perene nem sempre é uma realidade, levando à separação fática de pessoas que eram casadas, propugnou a revisão do entendimento da indissolubilidade do casamento. À época, menos que antes, mas muito mais do que hoje, o casamento era tido por verdadeiro contrato, meio pelo qual as pessoas adquiriam posses, status, ou vantagens de qualquer sorte – e por isso a indissolubilidade era regra. Sendo indissolúvel, mas faticamente insustentável o afeto, o casamento era mantido, mas à custa da dignidade dos cônjuges, e à sobra do concubinato. Adiante, como se sabe, a Lei do Desquite promoveu o ajuste normativo necessário, permitindo a separação que já era uma realidade.

Após, a partir da década de noventa, a mudança maior de paradigma do direito das famílias foi marcantíssima. Percebeu-se que não só a reunião clássica entre homem e mulher deveria ser considerada família, mas também as relações de pais e filhos, de parentes mais próximos, e diversas outras configurações sem o totem do casal como base, deveriam ser consideradas como família.

1 Aula ministrada pela professora Elisa Costa Cruz, em 23/2/2010.

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É nesta época que estamos: o conceito de família, hoje, é absolutamente fluído e casuístico. Definir família, em abstrato, é difícil tarefa. A doutrina dá alguns parâmetros, especialmente relacionados à presença inafastável de alguns sentimentos, como afeto, solidariedade, perdão, devotamento, etc.

Sendo um conceito tão aberto, é preciso que se observe com cuidado o seu preenchimento casuístico, porque do contrário se poderá reputar família relações sociais que não o são, de fato, tais como as amizades. O elemento mais importante é, certamente, o afeto, mas não é isoladamente suficiente para criar uma família: é preciso que haja afeto destinado a promover, entre aquelas pessoas, uma comunhão de vida, de sortes, felicidades ou tristezas – é algo mais profundo do que o mero gostar. Pode-se falar em um “afeto qualificado”, por assim dizer.

Vê-se, portanto, que o direito de família moderno não é mais unicamente jurídico.É um direito interdisciplinar, insubsistente sem as ciências extrajurídicas que dizem respeito ao que é humano e sociológico. A interdisciplinariedade, em verdade, passa a ser encarada como um verdadeiro princípio do direito de família moderno, aliado a todos os demais princípios constitucionais atinentes à seara, como a igualdade, a liberdade, a dignidade da pessoa humana, o planejamento familiar, e a exclusividade. Este último é o que dita que é vedado ao Estado interferir intimamente nas relações familiares, cabendo exclusivamente a quem está na relação decidir qual é sua postura nela – o que se vê no artigo 226, § 7º, da CRFB, e 1.513 do CC. O artigo 226 da CF deve ser transcrito na íntegra, eis que sedia grande parte do tema na Carta Magna:

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.§ 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”

“Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.”

O princípio da igualdade merece algumas considerações, que têm mais assento na doutrina constitucional do que civil: o seu oposto, o direito à diferença, que é por alguns tido como o verdadeiro conteúdo do princípio da igualdade: a igualdade substancial prevê o direito a ser diferente, e ser respeitado em suas diferenças. Este princípio está em pauta em duas ADPFs sobre a união homoafetiva, ainda em discussão no STF.

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Feita esta introdução, a definição de a que ramo está afeito o direito das famílias se mostra bem difícil: é direito público ou privado? Hoje, em tempos de neoconstitucionalismo, boa parte dos autores modernos entende que esta classificação em público ou privado não tem mais cabimento, porque não há ramo que seja exclusivamente público ou exclusivamente privado, e o direito das famílias é um bom exemplo desta mescla, pois as relações são essencialmente privadas, mas de alta relevância social.

A interferência social na família se faz perceber na majorada importância que a mediação assume nos conflitos desta seara. Mediação não se confunde com conciliação, porque o mediador tem maior poder de interferir na relação, nas vontades, a fim de compor a lide – o que o conciliador não faz.

1.1. Classificações das famílias

A doutrina apresenta algumas espécies de famílias, por assim dizer. A primeira é a família matrimonializada, tipo constitucional, que é justamente aquela erigida na relação jurídica do casamento. Outro tipo constitucional é a família criada pela união estável. Ambas têm na relação homem e mulher a sua base (guardando-se a discussão sobre a relação homoafetiva para adiante, em tópico especial).

A CRFB também prevê a família substituta, que é implementada pelo Estatuto da Criança e Adolescente, e que decorre da guarda, tutela e adoção.

Outro tipo de família constitucional é a monoparental: apenas um dos ascendentes em relação com o descendente, tal como os pais solteiros.

Paulo Lobo defende a atipicidade das famílias. Para ele, a despeito das classificações constitucionais, estas enumeradas acima, não há como se taxar um rol numerus clausus para as espécies familiares da realidade. Por exemplo, a própria lei estabelece algumas espécies alheias às constitucionais, tal como a família recomposta, por exemplo: trata-se da reunião de pessoas que, outrora pertencentes a uma família mais típica, se reúnem e formam uma terceira família. Como exemplo, os pais separados que tornam a se casar: a família composta pelos novos cônjuges e os filhos exclusivos respectivos, levados à união, é uma família recomposta. Também se a chama de família reconstituída, ou mosaico familiar.

O ECA traz inovação, no recém acrescido parágrafo único do artigo 25 – uma outra modalidade, denominada família extensa:

“Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes. Parágrafo único.  Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).”

Trata-se da comunidade formada pelos parentes do menor, que terão, inclusive, prioridade na guarda deste quando os pais faltarem ou não tiverem mais o poder familiar, por qualquer motivo.

Outro conceito é o de famílias simultâneas, ou famílias paralelas. Trata-se da família constituída por pessoa que já tenha outra família. Como exemplo, a família constituída por um homem que já é casado, em relação de concubinato. Esta questão é

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altamente relevante, por exemplo, para a configuração ou não da união estável na nova relação, o que será abordado com profundidade em tema próprio, adiante.

A doutrina prevê ainda o conceito de família solidária: para Ana Carla Matos, a família solidária é aquela formada por pessoas que estão em relação de convívio por circunstâncias da vida que as colocam em pé de solidariedade. O melhor exemplo é o de idosos que residem em uma casa de saúde, os quais podem acabar por formar uma família entre si, dado o nível de convivência, afeto e intimidade.

Maria Berenice Dias ainda fala na família eudomonista, que nada mais é do que aquela família fundada puramente no afeto.

1.2. Responsabilidade civil e função social em direito das famílias

A discussão mais clássica sobre a responsabilidade civil em direito das famílias diz respeito ao dano moral por dissolução de noivado, casamento, ou por abandono moral de filhos. O embate é ferrenho, mas já se pode apontar uma tendência jurisprudencial ao menos no que se refere ao abandono moral: STJ e STF entendem que não é cabível, porque o afeto não pode ser imposto (apesar de haver decisões de tribunais regionais que entendem que há violação do princípio do planejamento familiar responsável pelo pai que assim se porta, havendo ato ilícito).

A função social da família é patente, e por isso Gustavo Tepedino reflete que a família não é voltada para si mesma, e sim para a sociedade: é um meio de valorização do homem, um pilar de estabilidade social, e só atinge sua função social quando cumpre esta finalidade de valorizar as pessoas que dela participam.

1.3. Tutela da confiança familiar

Há uma manifestação bastante específica da tutela da confiança na relação de família, e está no regramento do regime de bens do casamento. Como se sabe, alguns atos dependem de outorga conjugal para serem praticados. Suponha-se que um dos cônjuges celebra uma promessa de compra e venda, como promitente-vendedor, sem a outorga da esposa. Este contrato se executa perfeitamente, chegando ao termo sem inadimplemento, após diversos anos. Ao final, quando da feitura da escritura definitiva, a esposa que não dera sua outorga opõe-se ao ato, alegando esta carência de vênia, e negando-se a passar a escritura definitiva.

Ora, é claro que esta esposa não pode lograr sucesso em sua alegação. Ao longo de todos os anos do contrato, certamente teve ciência deste, e por isso não poderá ser o promitente-comprador prejudicado na confiança depositada no negócio. É uma variação da supressio, em que a cônjuge que não se opôs em tempo razoável à celebração do negócio desautorizado, por tanto tempo, não poderá fazê-lo agora.

2. Casamento

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Nem a CRFB, nem o CC, traçam conceito normativo do casamento. O artigo 226 da CRFB, há pouco transcrito, não traz conceito. E mais: ao tratar do casamento, não disse o constituinte que seja entre homem e mulher, sendo que fez esta expressa menção quando tratou da união estável, no § 3º deste artigo. Esta peculiar omissão, que pode ser vista como um mero lapso legislativo ante a aparente obviedade, na mens legislatorum, de que o casamento só se perpassava entre homem e mulher, dá hoje margem à tese de que a CRFB não se opôs à união homoafetiva pelo casamento, mas somente pela união estável.

Ausente o conceito legal de casamento, a doutrina o define: é o ato solene e formal, pelo qual o homem e a mulher se unem em matrimônio, formando a comunhão de vida. Daqui surge a indefectível questão: qual é a natureza jurídica do casamento?

Três são as vertentes. A primeira reputa-o como um contrato, porque o casamento se institui por meio da manifestação bilateral de vontades, e, além disso, há como se traçar os elementos patrimoniais da relação e seus efeitos. Segunda corrente defende que o casamento é uma instituição: o acordo de vontades, na verdade, não forma um contrato, e sim expressa uma mera adesão dos nubentes aos efeitos legais do reconhecimento desta relação. Por fim, o terceiro entendimento é uma corrente mista, que defende que o casamento é tanto um contrato como uma instituição, a depender do aspecto que se observe: é um contrato em relação à formação, e uma instituição em relação aos efeitos.

Não há posição majoritária, prevalecendo um pouco a corrente mista. Cristiano Chaves ainda defende uma quarta leitura, que diz que o casamento não é contrato, nem é instituição: o casamento está contrato ou está instituição, a depender do tempo e da sociedade em que se o observa.

Há quem diga que o casamento tem por finalidade a procriação, como diz Maria Helena Diniz. Não é uma assertiva verdadeira. Gerar prole pode ser um efeito do casamento, mas não é a finalidade deste ato: a finalidade é promover a comunhão de vidas.

2.1. Legitimidade para o casamento

Nem todos podem se casar. A lei estabelece alguns requisitos para que haja a legitimidade para se casar. Vejamo-los.

O primeiro requisito para poder se casar é ter idade núbil, que hoje é unificada para homem e mulher: só pode se casar aquele que tenha ao menos dezesseis anos. Veja o artigo 1.517 do CC:

“Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil.Parágrafo único. Se houver divergência entre os pais, aplica-se o disposto no parágrafo único do art. 1.631.”

Esta regra pode ser afastada, permitindo o juiz o casamento do pré-núbil, nos casos do artigo 1.520 do CC:

“Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez.”

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Há uma clara impropriedade deste artigo, porque o pré-núbil não pode cumprir pena criminal – menores não cometem crime, mas ato infracional, e não recebem pena, mas medida sócio-educativa.

Além disso, a interpretação deste dispositivo deve ser feita de forma ampla, a fim de permitir a autorização do casamento do pré-núbil em casos que seja identificada a necessidade, alheios aos exemplos ali mencionados. Veja o enunciado 329 do CJF:

“Enunciado 329, CJF: A permissão para casamento fora da idade núbil merece interpretação orientada pela dimensão substancial do princípio da igualdade jurídica, ética e moral entre o homem e a mulher, evitando-se, sem prejuízo do respeito à diferença, tratamento discriminatório.”

Daquele que tem entre dezesseis e dezoito anos, é exigida a autorização de ambos os pais ou representantes legais. Se houver negativa de ambos, não é possível o casamento; se houver dissenso, apenas um dos pais concedendo, o casamento é anulável, na forma do artigo 1.550, I e II, do CC:

“Art. 1.550. É anulável o casamento:I - de quem não completou a idade mínima para casar;II - do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal;(...)”

Suprido o consentimento pelo juiz, quer porque os pais se negaram, aos maiores de dezesseis, quer porque a pessoa está em idade pré-núbil, o casamento será sempre necessariamente feito pelo regime da separação obrigatória de bens, na forma do artigo 1.641, III, do CC:

“Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:(...)III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.”

Completada a maioridade, podem os cônjuges suprir eventuais vícios do casamento, ratificando-o, ou mesmo alterar o regime legal de bens.

2.2. Causas de impedimento do casamento

Os impedimentos matrimoniais invalidam o casamento, e por isso são causas específicas de incapacidade para se casar com determinada pessoa, mas não com outras – o que é a definição de ilegitimidade para tais atos. Veja o artigo 1.521 do CC:

“Art. 1.521. Não podem casar:I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;II - os afins em linha reta;III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;V - o adotado com o filho do adotante;VI - as pessoas casadas;VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.”

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Vale mencionar que o parentesco por afinidade não se extingue com o fim do casamento, como dispõe o artigo 1.595, § 2º, do CC:

“Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.§ 1º O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.§ 2º Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.”

A primeira parte do inciso III do artigo 1.521 do CC, portanto, é irrelevante: o adotante não poderia casar com o ex-cônjuge do adotado pelo fato de que já há entre eles parentesco por afinidade, indissolúvel, a impedir o casamento. Já a segunda parte se justifica apenas para uma situação: se a adoção foi unilateral, o adotado não tem qualquer relação de parentesco por afinidade com o ex-cônjuge do adotante, pelo que o casamento seria possível – mas esta parte do dispositivo o veda.

O inciso IV deste artigo 1.521, também é em parte redundante, na parte que menciona a vedação ao casamento entre irmãos unilaterais ou bilaterais: o parentesco entre irmãos, de qualquer sorte, é naturalmente excludente da legitimidade para casarem-se, sendo dispensável a menção à uni ou bilateralidade. Já na parte que se refere aos demais colaterais, por limitar ao terceiro grau, surge uma questão: podem os tios se casarem com sobrinhos?

O CC de 1916 vedava, mas sobreveio um decreto-lei, o DL 3.200/41, permitindo este casamento e condicionando-o apenas à realização de um exame que atestasse a compatibilidade. O CC de 2002 não coloca qualquer ressalva, apenas vedando este casamento. Surge a discussão: o CC revogou a permissão do decreto-lei? A primeira corrente entende que sim, mas a segunda, prevalente, entende que não, porque o CC não tratou extensamente da matéria. Veja o enunciado 98 do CJF:

“Enunciado 98, CJF: Art. 1.521, IV, do novo Código Civil: o inc. IV do art. 1.521 do novo Código Civil deve ser interpretado à luz do Decreto-Lei n. 3.200/41 no que se refere à possibilidade de casamento entre colaterais de 3º grau.”

Outro dispositivo completamente inútil é o V do artigo 1.521: a pessoa adotada se torna irmã do filho do adotante, pelo que o inciso IV deste artigo já veda o casamento.

A bigamia é vedada, na forma do inciso VI deste artigo 1.521 do CC.O inciso VII do artigo em comento tem sido entendido como aplicável apenas

quando o crime em questão for doloso, e não culposo.O artigo 1.522 do CC dispõe que:

“Art. 1.522. Os impedimentos podem ser opostos, até o momento da celebração do casamento, por qualquer pessoa capaz.Parágrafo único. Se o juiz, ou o oficial de registro, tiver conhecimento da existência de algum impedimento, será obrigado a declará-lo.”

Também o MP pode opor os impedimentos, eis que é norma de ordem pública. Se o casamento for realizado com impedimentos, a ação de decretação da nulidade segue a regra do artigo 1.549 do CC:

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“Art. 1.549. A decretação de nulidade de casamento, pelos motivos previstos no artigo antecedente, pode ser promovida mediante ação direta, por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público.”

2.3. Causas suspensivas do casamento

Antes de se arrolar tais causas, cabe uma crítica: na verdade, não são causas suspensivas do casamento. Não há suspensão de nada, e sim a mera condicionante de, se se casarem nestas situações, o regime de bens será o da separação legal. Veja o artigo 1.523 do CC:

“Art. 1.523. Não devem casar:I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo.”

Veja que o parágrafo deste artigo permite o afastamento das causas suspensivas referentes à confusão patrimonial, o que se ocorrer implica na possibilidade de escolher o regime de casamento – pois a única consequência das causas suspensivas é o regime legal, e se não se aplica a causa, não se aplica a consequência.

O artigo seguinte diz quem pode, e até que momento, argüir as causas suspensivas:

“Art. 1.524. As causas suspensivas da celebração do casamento podem ser argüidas pelos parentes em linha reta de um dos nubentes, sejam consangüíneos ou afins, e pelos colaterais em segundo grau, sejam também consangüíneos ou afins.”

A interpretação estende esta legitimidade para argüir a todo e qualquer parente, e não apenas aos consangüíneos e afins.

2.4. Procedimento do casamento

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O primeiro passo dos nubentes é levar os documentos constantes do artigo 1.525 do CC ao oficial do registro civil, para dar início ao procedimento de habilitação para o casamento:

“Art. 1.525. O requerimento de habilitação para o casamento será firmado por ambos os nubentes, de próprio punho, ou, a seu pedido, por procurador, e deve ser instruído com os seguintes documentos:I - certidão de nascimento ou documento equivalente;II - autorização por escrito das pessoas sob cuja dependência legal estiverem, ou ato judicial que a supra;III - declaração de duas testemunhas maiores, parentes ou não, que atestem conhecê-los e afirmem não existir impedimento que os iniba de casar;IV - declaração do estado civil, do domicílio e da residência atual dos contraentes e de seus pais, se forem conhecidos;V - certidão de óbito do cônjuge falecido, de sentença declaratória de nulidade ou de anulação de casamento, transitada em julgado, ou do registro da sentença de divórcio.”

O artigo 1.526 do CC foi recentemente alterado, porque muito se criticava sua redação original, que distorceu a dinâmica que era mais correta quando da vigência do CC de 1916. Veja a redação anterior e a atual:

“Art. 1.526. A habilitação será feita perante o oficial do Registro Civil e, após a audiência do Ministério Público, será homologada pelo juiz.”

“Art. 1.526.  A habilitação será feita pessoalmente perante o oficial do Registro Civil, com a audiência do Ministério Público. (Redação dada pela Lei nº 12.133, de 2009)Parágrafo único.  Caso haja impugnação do oficial, do Ministério Público ou de terceiro, a habilitação será submetida ao juiz. (Incluído pela Lei nº 12.133, de 2009).”

Assim, hoje, só há remessa da habilitação ao juiz se houver impugnação; se não, o procedimento se aperfeiçoa todo em cartório.

Repare que o dispositivo reformado agora diz que a habilitação deve ser feita pessoalmente pelo interessado, o que já levanta a tese de que a habilitação por procuração não é mais possível. Contudo, é de se entender que a habilitação por procuração ainda deve ser considerada possível, devendo o procurador ser entendido como compreendido no alcance do termo “pessoalmente” – afinal, exprime a vontade do nubente, como se ele fosse.

Expedido o edital de proclamas, que é o que reconhece como habilitados os nubentes e dá publicidade a esta, a fim de que algum eventual opositor de impedimentos ou suspensões seja cientificado e possa se manifestar.

Extraída a certidão de habilitação, ao fim das eventuais impugnações, os nubentes terão noventa dias, desde sua extração, para celebrar o casamento, na forma do artigo 1.532 do CC:

“Art. 1.532. A eficácia da habilitação será de noventa dias, a contar da data em que foi extraído o certificado.”

A celebração do casamento, em regra, se dá na forma civil. Contudo, apesar do laicismo estatal, o casamento religioso pode produzir efeitos civis. Veja, sobre a celebração,

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os artigos 1.533 e 1.538 do CC, além do artigo 70 da Lei 6.015/73, Lei de Registros Públicos:

“Art. 1.533. Celebrar-se-á o casamento, no dia, hora e lugar previamente designados pela autoridade que houver de presidir o ato, mediante petição dos contraentes, que se mostrem habilitados com a certidão do art. 1.531.”

“Art. 1.538. A celebração do casamento será imediatamente suspensa se algum dos contraentes:I - recusar a solene afirmação da sua vontade;II - declarar que esta não é livre e espontânea;III - manifestar-se arrependido.Parágrafo único. O nubente que, por algum dos fatos mencionados neste artigo, der causa à suspensão do ato, não será admitido a retratar-se no mesmo dia.”

“Art. 70 Do matrimônio, logo depois de celebrado, será lavrado assento, assinado pelo presidente do ato, os cônjuges, as testemunhas e o oficial, sendo exarados: (Renumerado do art. 71,   pela Lei nº 6.216, de 1975). 1º) os nomes, prenomes, nacionalidade, data e lugar do nascimento, profissão, domicílio e residência atual dos cônjuges;2º) os nomes, prenomes, nacionalidade, data de nascimento ou de morte, domicílio e residência atual dos pais;3º) os nomes e prenomes do cônjuge precedente e a data da dissolução do casamento anterior, quando for o caso;4°) a data da publicação dos proclamas e da celebração do casamento;5º) a relação dos documentos apresentados ao oficial do registro;6º) os nomes, prenomes, nacionalidade, profissão, domicílio e residência atual das testemunhas;7º) o regime de casamento, com declaração da data e do cartório em cujas notas foi tomada a escritura ante-nupcial, quando o regime não for o da comunhão ou o legal que sendo conhecido, será declarado expressamente;8º) o nome, que passa a ter a mulher, em virtude do casamento;9°) os nomes e as idades dos filhos havidos de matrimônio anterior ou legitimados pelo casamento.10º) à margem do termo, a impressão digital do contraente que não souber assinar o nome. (Incluído pela Lei nº 6.216, de 1975).Parágrafo único. As testemunhas serão, pelo menos, duas, não dispondo a lei de modo diverso.”

O casamento religioso é um resquício do direito canônico, e se permite a produção de efeitos civis por conta desta tradição, severamente arraigada no ordenamento. Veja os artigos 1.515 e 1.516 do CC, e o artigo 71 da Lei 6.015/73:

“Art. 1.515. O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.”

“Art. 1.516. O registro do casamento religioso submete-se aos mesmos requisitos exigidos para o casamento civil.§ 1º O registro civil do casamento religioso deverá ser promovido dentro de noventa dias de sua realização, mediante comunicação do celebrante ao ofício competente, ou por iniciativa de qualquer interessado, desde que haja sido homologada previamente a habilitação regulada neste Código. Após o referido prazo, o registro dependerá de nova habilitação.

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§ 2º O casamento religioso, celebrado sem as formalidades exigidas neste Código, terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for registrado, a qualquer tempo, no registro civil, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente e observado o prazo do art. 1.532.§ 3º Será nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos consorciados houver contraído com outrem casamento civil.”

“Art. 71. Os nubentes habilitados para o casamento poderão pedir ao oficial que lhe forneça a respectiva certidão, para se casarem perante autoridade ou ministro religioso, nela mencionando o prazo legal de validade da habilitação. (Renumerado do art. 72   pela Lei nº 6.216, de 1975). ”

Veja que a habilitação prévia ao casamento religioso é necessária, e, se não feita, deve ser realizada mesmo posteriormente. O registro do casamento religioso precisa ser feito no prazo de noventa dias, quando então o registro do casamento tem eficácia retroativa até a celebração religiosa. Se superado este tempo, o registro ainda é possível, e, diz a doutrina, ainda assim a retroação dos efeitos se opera até a celebração, porque de outra forma não se contemplaria o comando constitucional de privilegiar o casamento, inclusive pela conversão da união estável neste – e há união estável entre os religiosamente casados. O prazo para registro, portanto, é irrelevante. Neste sentido, veja o Agravo de Instrumento 2007.002.24184, do TJ/RJ:

“Processo: 0039115-82.2007.8.19.0000 (2007.002.24184). 1ª Ementa - AGRAVO DE INSTRUMENTO DES. HORACIO S RIBEIRO NETO - Julgamento: 08/01/2008 - QUARTA CAMARA CIVEL. DIVORCIO CONSENSUAL. AQUISICAO DE IMOVEL. MEACAO DA MULHER. TERMO INICIAL. TERMO FINAL.Agravo de Instrumento. Casal que celebrou casamento religioso aos 02/02/2002, tendo somente registrado o matrimônio aos 15/08/2002. Matrimonio cujos efeitos, contudo, retroagem à data da celebração. Inteligência do art. 73 LRP e do art. 1.516, CC 2002. Reconhecimento, portanto, da meação da mulher sobre os valores pagos para aquisição de imóvel até a data do deferimento de seu auto-afastamento 22/04/2004. Correto afastamento da partilha do valor percebido a título de honorários advocatícios por não integrar a comunhão. Aplicação do art. 1.659, VI, CC 2002. Agravo de instrumento a que se nega provimento.”

Não é possível o registro póstumo de casamento religioso. É preciso que ambos os nubentes estejam vivos e presentes ao registro. Veja o seguinte julgado do TJ/SP:

“Apelação Cível 318030-4/5-00.Ementa: REGISTRO CIVIL - Pedido do autor de registro, no ofício competente, do casamento religioso de seus avós paternos, já falecidos - Inadmissibilidade — Ato religioso que não foi precedido de processo legal de habilitação - Efeitos civis, com o necessário registro, que dependeria, destarte, da livre expressão da vontade uniforme dos nubentes, de que desejam assumir os direitos e obrigações conseqüentes - Exegese que se extrai da evolução legislativa a contar de 1934 (Lei n° 1.110/50, Lei n° 6.015/73, arts. 1.516, § 2o e 1.525 do CC vigente) - Apelo não provido.”

Ressalte-se que a celebração do casamento precisa de ambos os nubentes presentes, vivos. Se um dos nubentes, mesmo já habilitado, falece a caminho da celebração, não há casamento. Não há celebração post mortem.

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Pelo ensejo, o casamento se considera celebrado no exato momento em que a manifestação do celebrante é exarada, e não quando ambos os nubentes dizem o famoso “sim”. Veja o artigo 1.535 do CC, que pôs fim a esta discussão antiga sobre este exato momento:

“Art. 1.535. Presentes os contraentes, em pessoa ou por procurador especial, juntamente com as testemunhas e o oficial do registro, o presidente do ato, ouvida aos nubentes a afirmação de que pretendem casar por livre e espontânea vontade, declarará efetuado o casamento, nestes termos:"De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados."”

A lei fala, com bastante propriedade, em casamento religioso, e não em casamento católico. Sendo assim, prevalece oi entendimento de que, qualquer que seja a religião, a celebração ecumênica é admitida a registro civil. Há certa divergência no que diz respeito ao casamento espírita, porque há quem defenda que o espiritismo não é religião, e sim filosofia de vida, mas é corrente insossa e discriminatória.

Existem mais duas formas de celebração do casamento, o casamento in extremis, ou nuncupativo, ou em iminente risco de vida; e o casamento em caso de moléstia grave. Ambos são casamentos em situação de urgência, mas há diferenças na gradação da premência. No casamento em caso de moléstia grave, dada a menor urgência, há a necessidade de habilitação prévia, e a celebração é feita pela autoridade competente (oficial, juiz de paz ou de direito), a qual pode ir ao local em que se encontre o nubente doente. Já no casamento nuncupativo, por ser muito urgente, não só se dispensa a habilitação prévia, como se permite sua celebração por qualquer pessoa, demandando apenas a presença de seis testemunhas, ao menos, as quais comparecerão ao cartório e informarão a ocorrência do casamento.

Em ambos os casos, se o agonizante ou o doente convalescem, devem comparecer ao cartório e ratificar o casamento.

O nubente in extremis, ainda, não pode ser representado por procurador no ato do casamento: sua manifestação deve vir de própria voz. O nubente portador de moléstia grave pode ser representado.

Veja os artigos 1.539 e 1.540 do CC:

“Art. 1.539. No caso de moléstia grave de um dos nubentes, o presidente do ato irá celebrá-lo onde se encontrar o impedido, sendo urgente, ainda que à noite, perante duas testemunhas que saibam ler e escrever.§ 1º A falta ou impedimento da autoridade competente para presidir o casamento suprir-se-á por qualquer dos seus substitutos legais, e a do oficial do Registro Civil por outro ad hoc, nomeado pelo presidente do ato.§ 2º O termo avulso, lavrado pelo oficial ad hoc, será registrado no respectivo registro dentro em cinco dias, perante duas testemunhas, ficando arquivado.”

“Art. 1.540. Quando algum dos contraentes estiver em iminente risco de vida, não obtendo a presença da autoridade à qual incumba presidir o ato, nem a de seu substituto, poderá o casamento ser celebrado na presença de seis testemunhas, que com os nubentes não tenham parentesco em linha reta, ou, na colateral, até segundo grau.”

2.5. Prova do casamento

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A prova natural do casamento é a certidão. Inexistindo a certidão, deve-se buscar uma segunda via; se impossível colher esta via – no exemplo clássico, porque o cartório se incendiou –, ou seja, não havendo registro oficial algum daquele casamento, pode-se provar que houve a celebração por meio da posse do estado de casado.

A união estável não é posse de estado de casado. Havendo união estável, há indício severo de que pode ter havido o casamento, mas não significa que houve. Para ter-se o casamento, é preciso que tenha havido a celebração deste em algum momento, e a prova desta celebração é que fará induzir a posse do estado de casado, provando-se o casamento.

O meio de se provar o casamento, sem a certidão, é por via da ação de justificação, do artigo 861 do CPC, na qual se poderá utilizar qualquer meio de prova admissível em direito. Veja os artigos 1.543 a 1.547 do CC, e o artigo 861 do CPC:

“Art. 1.543. O casamento celebrado no Brasil prova-se pela certidão do registro.Parágrafo único. Justificada a falta ou perda do registro civil, é admissível qualquer outra espécie de prova.”

“Art. 1.544. O casamento de brasileiro, celebrado no estrangeiro, perante as respectivas autoridades ou os cônsules brasileiros, deverá ser registrado em cento e oitenta dias, a contar da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, no cartório do respectivo domicílio, ou, em sua falta, no 1o Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir.”

“Art. 1.545. O casamento de pessoas que, na posse do estado de casadas, não possam manifestar vontade, ou tenham falecido, não se pode contestar em prejuízo da prole comum, salvo mediante certidão do Registro Civil que prove que já era casada alguma delas, quando contraiu o casamento impugnado.”

“Art. 1.546. Quando a prova da celebração legal do casamento resultar de processo judicial, o registro da sentença no livro do Registro Civil produzirá, tanto no que toca aos cônjuges como no que respeita aos filhos, todos os efeitos civis desde a data do casamento.”

“Art. 1.547. Na dúvida entre as provas favoráveis e contrárias, julgar-se-á pelo casamento, se os cônjuges, cujo casamento se impugna, viverem ou tiverem vivido na posse do estado de casados.”

“Art. 861. Quem pretender justificar a existência de algum fato ou relação jurídica, seja para simples documento e sem caráter contencioso, seja para servir de prova em processo regular, exporá, em petição circunstanciada, a sua intenção.”

Veja que o artigo 1.547 do CC cria uma forte presunção in dubio pro casamento, como regra de julgamento.

Casos Concretos

Questão 1

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Amaro, 66 anos de idade, plenamente capaz, e Simone, 26 anos, ingressaram com o pedido de habilitação para o casamento, juntando o pacto antenupcial, em que convencionam o regime da comunhão total de bens. O pacto antenupcial é válido? Decida sobre o pedido de habilitação.

Resposta à Questão 1

Existe vedação legal à adoção de regime diverso do da separação para o maior de sessenta anos, no artigo 1.641, II, do CC:

“Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:(...)II - da pessoa maior de sessenta anos;(...)”

Esta vedação é bastante criticada pela doutrina, porque se entende que seja um preconceito e discriminação legal inaceitáveis. Contudo, a jurisprudência a aplica quase À unanimidade: o pacto antenupcial que fixe outro regime é nulo, nesta parte. Maiores de sessenta anos só podem se casar em regime de separação legal.

Há apenas uma ressalva: se o nubente maior de sessenta anos já constituíra, com sua companheira, união estável anterior a esta idade, o regime de então era o da comunhão parcial, e este poderá ser mantido.

Veja a Apelação Cível 2004.001.09014, e a exceção, na Apelação 2005.001.20785, ambas do TJ/RJ:

“Processo: 0000030-94.2004.8.19.0000 (2004.001.09014). 1ª Ementa – APELACAO. DES. ANTONIO EDUARDO F. DUARTE - Julgamento: 26/10/2004 - TERCEIRA CAMARA CIVEL.HABILITACAO PARA CASAMENTO. PACTO ANTENUPCIAL. NULIDADE. REGIME DA SEPARACAO DE BENS. OBRIGATORIEDADE. Habilitacao para casamento. Pacto antenupcial firmado por nubente maior de sessenta anos. Obrigatoriedade do regime de separacao de bens. Nulidade declarada. Manutencao da sentenca. Improvimento do recurso. Tratando-se de pacto antenupcial firmado por nubente com mais de sessenta anos de idade, correta a sentenca que declarou a nulidade da avenca, homologou a habilitacao para o casamento e determinou a observancia do regime da separacao obrigatoria dos bens.

“Processo: 0006404-57.2004.8.19.0023 (2005.001.20785). 1ª Ementa – APELACAO. DES. JOSE CARLOS PAES - Julgamento: 04/10/2005 - DECIMA QUARTA CAMARA CIVEL. REGIME DE BENS DO CASAMENTO. ALTERACAO. UNIAO ESTAVEL. ANTERIORIDADE. NOVO CODIGO CIVIL. POSSIBILIDADE.Apelacao Civel. Retificacao de registro civil. Alteracao do regime de bens. Uniao estavel anterior ao casamento. E' possivel a alteracao do regime de bens, conforme o par. 2., do art. 1639, do CCB/02, mesmo que o matrimonio tenha sido realizado durante a vigencia do Codigo Civil anterior. Precedentes do STJ e do TJRJ. A obrigatoriedade do regime da separacao de bens nao se aplica`a pessoa maior de sessenta anos, quando o casamento for precedido de uniao estavel iniciada antes dessa idade. Provimento do recurso para anular a sentenca, prosseguindo o feito.”

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Questão 2

Josué, jovem de 17 anos de idade, e Josefa, com apenas 15 anos, após namoro pelo período de 1 ano, resolveram se casar. O pai de Josué, que possui a sua guarda, autoriza o casamento, apesar da objeção de sua mãe. Os pais de Josefa consentem e os jovens convolam núpcias sem se valerem da autorização judicial. O casamento é válido, nulo ou anulável?

Resposta à Questão 2

O casamento é anulável na forma do artigo 1.550, I e II, porque seria necessário o consentimento de ambos os pais de Josué, pois dar consentimento para o casamento é atributo do poder familiar inerente a ambos os pais, em igualdade de condições, podendo ser suprido judicialmente o consentimento do genitor que injustamente a ele se recusa, na forma do artigo 1.519 do CC.

O fato de Josué estar sob a guarda do pai não retira da mãe sua autoridade parental, não prevalecendo, portanto, a vontade paterna. Necessário, ainda, não obstante o consentimento dos pais de Josefa a autorização judicial para suprimento da falta de idade ,já que não possui ela capacidade matrimonial. Deve-se atentar, contudo, que para o casamento de pessoa menor de dezesseis anos, somente será autorizado ante as hipóteses previstas no artigo 1.520 do Código Civil.

Questão 3

É possível o casamento avuncular (tio e sobrinha) no direito brasileiro?Responda, fundamentadamente, a questão.

Resposta à Questão 3

Sim, é possível, como defende o CJF no seu enunciado 98, já transcrito. O CC de 1916 vedava, mas sobreveio um decreto-lei, o DL 3.200/41, permitindo este casamento e condicionando-o apenas à realização de um exame que atestasse a compatibilidade. O CC de 2002 não coloca qualquer ressalva, apenas vedando este casamento.

Tema II

Ineficácia do casamento. Casamento inexistente. Pressupostos de existência. Casamento nulo e anulável. Vício da vontade. Erro essencial quanto a pessoa do cônjuge. Sentença. Efeitos. Casamento Putativo. Efeitos

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da putatividade. Eficácia do casamento. Direitos e Deveres conjugais. Administração da sociedade conjugal. Domicílio conjugal. Bem de família. Conceito e finalidade. Bem de família voluntário e legal. Constituição. Penhorabilidade do bem de família do fiador.

Notas de Aula2

1. Teorias da inexistência e da invalidade do casamento

1.1. Teoria da inexistência do casamento

A parte geral do CC não adota expressamente a teoria da inexistência dos atos jurídicos. A interpretação de que as nulidades só são aquelas expressamente consignadas na lei, ante a necessária interpretação restritiva que se deve fazer de normas que são, elas próprias, restritivas de direitos, é o que dá margem à criação da teoria da inexistência dos atos jurídicos, pois se um determinado vício não está colocado como nulidade ou anulabilidade, mas fica claro que o ato sequer teve seu ciclo de formação completado, não pode ser declarada a sua invalidade por estar alheio à lista legal dos vícios, mas tal ato não pode ser declarado válido – daí a teoria da inexistência destes atos.

Um dos grandes exemplos de ato que, apesar de escapar ao rol das nulidades, não pode ser tido por perfeito – mas não é nulo ou anulável, sendo então inexistente – vem justamente do direito das famílias: o casamento de pessoas do mesmo sexo. No CC, nem no artigo 1.548, que trata das nulidades, nem no 1.550, que trata das anulabilidades (dispositivos que serão vistos adiante), há o desrespeito à diversidade do sexo dos consortes como causa de invalidade, e por isso o vício é tido por inexistência, pois é clara a ausência de requisito para constituição do casamento – o casamento não existe sem diversidade sexual.

Outra hipótese de inexistência do casamento é a ausência total de consentimento por ao menos uma das partes: se mesmo sem o plural consentimento se celebrar o casamento, na verdade esta celebração foi ato inócuo, incapaz de fazer existir o casamento.

Terceira hipótese de casamento inexistente é a ausência de autoridade celebrante: salvo no casamento nuncupativo, o casamento precisa ser realizado por autoridade hábil, e se pessoa incompetente para tal ato o realiza, simplesmente não existe casamento algum. O casamento é o ato mais solene do CC. Por isso, o desrespeito à sua solenidade, acarreta nulidade, em regra, mas quando a celebração for por quem não a possa realizar, o vício está ainda no plano da existência: casamento feito por quem não pode celebrá-lo é casamento não celebrado.

Flávio Tartuce, minoritariamente, considera que a teoria da inexistência simplesmente não se aplica no direito pátrio. Para ele, ou o vício gera nulidade ou anulabilidade. A maior parte da doutrina, porém, reputa válida a tese da inexistência, e há bastante relevância prática desta teoria.

A maior das relevâncias práticas da aplicação da teoria da inexistência é a dispensa de uma ação própria para desfazer o ato inexistente, porque se ele não se aperfeiçoou, não chegou a se completar, não foi feito, e não precisa ser desfeito – diferentemente do ato existente, porém inválido, que precisa de ação própria para invalidá-lo. O casamento nulo ou anulável precisa de um processo, destinado a alcançar uma sentença que o declare nulo ou anulado; o inexistente, não precisa de ação alguma. Até pode haver uma ação 2 Aula ministrada pela professora Isabella Pena Lucas, em 24/2/2010.

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declaratória negativa, da inexistência do casamento, mas pode esta inexistência ser declarada em qualquer processo, incidentalmente, porque é meramente constatável.

Outra diferença é que o casamento nulo ou anulável pode até ter produzido efeitos jurídicos, mas o inexistente não produz efeito algum, jamais: ex nihilo nihil, ou seja, do nada, nada surge.

O casamento putativo, inválido, pode produzir efeitos, se celebrado de boa-fé; o inexistente, mesmo putativo, não produz efeito algum, porque se trata de um verdadeiro não-ato.

A tripartição Pontiana dos atos jurídicos, teoria que primeiro separou os três planos do ato jurídico – existência, validade e eficácia –, consiste em uma escalada, como se sabe: só se passará à análise do plano da validade de um ato se o plano da existência foi perfeitamente completado. O negócio só pode ser analisado em sua validade se for considerado existente. No casamento, o plano da existência se aperfeiçoa com a presença dos elementos cuja ausência já se mencionou serem causas de inexistência: se há diversidade de sexos, pluralidade de consentimento e celebração por autoridade competente, o casamento existe, e pode ser galgado um passo na análise de sua perfeição, ou seja, pode-se passar à análise de sua validade.

1.2. Teoria da invalidade do casamento

Os requisitos de existência do casamento, se presentes, ainda podem sofrer escrutínio sobre sua validade. Mesmo sendo os nubentes pessoas de sexo diferente, podem não ser capazes para o casamento, por serem de idade pré-núbil, por exemplo. O consentimento plural, também, pode não ser válido por ser viciada a vontade de quem o manifestou.

1.2.1. Nulidades

Veja o artigos 1.548 do CC:

“Art. 1.548. É nulo o casamento contraído:I - pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil;II - por infringência de impedimento.”

Este artigo demanda interpretação restritiva, porque as regras de nulidade são restritivas de direitos, e como tal impõem interpretação constrita, jamais extensiva.

O inciso I do artigo supra remete ao artigo 3, II, do CC, mas surge logo um questionamento: aqueles que estiverem na condição do inciso III deste artigo 3º subsumem-se à nulidade do inciso I do artigo 1.548, ou o casamento é anulável, na forma do artigo 1.550, IV, do CC, que será visto adiante? Veja:

“Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:(...)II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.”

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Se aquele que temporariamente não pode manifestar vontade – em um exemplo extremo, alguém em coma –, vê-se celebrando casamento, gera causa de nulidade ou anulabilidade? Parte da doutrina tem enquadrado este caso, de fato, no inciso I do artigo 1.548 do CC – por todos, Flávio Tartuce. Caio Mário, por seu turno, entende ser causa de anulabilidade, porque defende que todas as demais hipóteses de vício de incapacidade que não estão no artigo 1.548, I, do CC, são causas tratadas no artigo 1.550 do mesmo Código.

Cristiano Chaves é um autor que defende que neste caso há, de fato, mais um caso de inexistência, por simples falta de elemento necessário a este plano, qual seja, absoluta inexistência de manifestação de vontade. O CJF, no enunciado 332, reforça esta tese, dispondo que a interpretação destes dispositivos deve ser restritiva, não podendo ser ampliada. Veja:

“Enunciado 332, CJF: A hipótese de nulidade prevista no inc. I do art. 1.548 do Código Civil se restringe ao casamento realizado por enfermo mental absolutamente incapaz, nos termos do inc. II do art. 3º do Código Civil.”

A segunda hipótese de nulidade, do inciso II do artigo 1.548 do CC, é clara, bastando observar as causas de impedimento, constantes do artigo 1.521 do CC, já abordado.

A nulidade se decreta a qualquer tempo, como se vê no artigo 1.549 do CC:

“Art. 1.549. A decretação de nulidade de casamento, pelos motivos previstos no artigo antecedente, pode ser promovida mediante ação direta, por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público.”

1.2.2. Anulabilidades

O artigo 1.550 do CC trata do casamento anulável:

“Art. 1.550. É anulável o casamento:I - de quem não completou a idade mínima para casar;II - do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal;III - por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558;IV - do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento;V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;VI - por incompetência da autoridade celebrante.Parágrafo único. Equipara-se à revogação a invalidade do mandato judicialmente decretada.”

1.2.2.1. Anulabilidade etária

O inciso I do artigo supra deve ser combinado com o artigo 1.553 do CC:“Art. 1.553. O menor que não atingiu a idade núbil poderá, depois de completá-la, confirmar seu casamento, com a autorização de seus representantes legais, se necessária, ou com suprimento judicial.”

Se alguém se casa fora da idade núbil, pode o vício ser sanado quando o menor alcançar dezesseis anos, mediante autorização dos pais ou suprimento judicial, ou,

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alcançados os dezoito anos, ratificar o casamento anulável, sem necessidade de autorização de ninguém.

Este casamento pode ser anulado a requerimento das pessoas do artigo 1.552 do CC:

“Art. 1.552. A anulação do casamento dos menores de dezesseis anos será requerida:I - pelo próprio cônjuge menor;II - por seus representantes legais;III - por seus ascendentes.”

No caso do inciso II, se a pessoa menor, mas em idade núbil, se casa sem autorização do representante, o casamento é anulável, mas o vício pode ser sanado, no prazo do artigo 1.555 (prazo que também se aplica para a hipótese do inciso I do artigo 1.550 do CC):

“Art. 1.555. O casamento do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal, só poderá ser anulado se a ação for proposta em cento e oitenta dias, por iniciativa do incapaz, ao deixar de sê-lo, de seus representantes legais ou de seus herdeiros necessários.§ 1º O prazo estabelecido neste artigo será contado do dia em que cessou a incapacidade, no primeiro caso; a partir do casamento, no segundo; e, no terceiro, da morte do incapaz.§ 2º Não se anulará o casamento quando à sua celebração houverem assistido os representantes legais do incapaz, ou tiverem, por qualquer modo, manifestado sua aprovação.”

Em qualquer destes casos de anulabilidade por motivo de idade, o vício convalesce, sendo inarguível, se do casamento resulta gravidez, porque se prefere o melhor interesse da criança oriunda do casamento anulável, bem como o melhor interesse do próprio menor pai ou mãe desta criança. Veja o artigo 1.551 do CC:

“Art. 1.551. Não se anulará, por motivo de idade, o casamento de que resultou gravidez.”

1.2.2.2. Anulabilidade por erro essencial

A anulabilidade do inciso III do artigo 1.550 demanda maior cuidado em sua análise. Este dispositivo remete sua afecção às hipóteses dos artigos 1.556 a 1.558 do CC:

“Art. 1.556. O casamento pode ser anulado por vício da vontade, se houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro.”

O artigo supra trata da hipótese do erro essencial quanto a pessoa do cônjuge. Esta situação caiu em desuso, por uma simples questão social e cultural: nos idos de 1970, era comum o casamento entre pessoas que não tinham tido oportunidade de muito convívio prévio, e esta falta de conhecimento acerca do consorte permitia que coisas graves ficassem desconhecidas pelo outro, ocultadas pela pouca intimidade. Na atual sociedade, é mais difícil que haja esta ocultação de fatos graves, eis que a intimidade e convívio prévio ao casamento torna conhecidas todas as características dos consortes.

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Entretanto, também com a modernidade tem surgido causas novas de erro essencial, ressuscitando esta anulabilidade no mundo dos fatos. Exemplo extremo é a possibilidade, hoje, de se realizar uma cirurgia de mudança de sexo, de tal perfeição que o cônjuge pode não ter conhecimento, até depois do casamento, desta qualidade do seu parceiro – o que justificaria a anulação por erro essencial. Cristiano Chaves critica este exemplo, entendendo-o como preconceituoso, na medida que a pessoa que mudou de sexo passa a ser tida como do sexo oposto, para todos os efeitos.

É claro que o vício deve ser de alta gravidade, pois aquele mero defeito acidental não desperta anulabilidade. A definição deste limite será sempre casuística, mas o artigo 1.557 do CC elenca parâmetros:

“Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;II - a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal;III - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave e transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência;IV - a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado.”

A insuportabilidade da vida em comum é definida por aquele cônjuge que está requerendo a anulação, não cabendo ao magistrado ou ao promotor interferir nesta análise subjetiva, dizendo o que é ou não insuportável para aquele indivíduo. Vale ressaltar que a coabitação após a descoberta do vício revela que houve uma aceitação deste, e por isso a insuportabilidade não está mais presente.

Quanto ao crime do inciso II do artigo supra, a jurisprudência tem entendido que o crime culposo não é suficiente para configurar erro essencial suficiente a anular o casamento.

O inciso III sofre algumas críticas, que o reputam preconceituoso, mas não o é: o casamento inconsciente com um portador de HIV pode, sim, ser anulado. Outrossim, a esterilidade, impotência generandi, não seria causa para tal anulação, porque a concepção de prole, que supostamente seria impossível, não é restrita, podendo o cônjuge estéril ainda proporcionar prole por meio da adoção, por exemplo, ou pela inseminação heteróloga.

A anulabilidade por coação, do artigo 1.558 do CC, diz respeito à coação moral, porque a física representa verdadeira inexistência de manifestação de vontade, e não manifestação viciada – induzindo à inexistência do próprio casamento, e não anulabilidade.

“Art. 1.558. É anulável o casamento em virtude de coação, quando o consentimento de um ou de ambos os cônjuges houver sido captado mediante fundado temor de mal considerável e iminente para a vida, a saúde e a honra, sua ou de seus familiares.”

Este artigo se interpreta extensivamente, ampliando o alcance da coação que habilita a anulação quando incidente sobre o patrimônio do coagido, bem como a pessoas que não sejam da família, mas cujos laços de afetividade permitem esta analogia. A anulação com base na coação de pessoa alheia, mas cuja relação com o coagido é permeada pela

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afetividade, é uma tendência no direito moderno, especialmente quando se mede o potencial coercitivo de uma coação.

1.2.2.3. Anulabilidade por dúvida quanto ao consentimento inequívoco

O inciso IV do artigo 1.550 do CC diz que é anulável o casamento do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento. Esta previsão é bastante controvertida, porque a manifestação do incapaz enfermo mental já foi açambarcada como causa de nulidade, no inciso I do artigo 1.548 do CC, e a do incapaz por idade nos incisos I e II deste artigo 1.550. A qual caso de incapacidade se refere, portanto, este inciso IV?

A teoria da invalidade do casamento não é idêntica à teoria geral das invalidades, da parte geral do CC. O inciso I do artigo 1.550 é um bom exemplo desta diferença, eis que se fosse seguida a parte geral do CC seria caso de nulidade – pois o menor de dezesseis anos é absolutamente incapaz –, e não anulabilidade, como é para o direito das famílias. Neste contexto, todas as hipóteses de incapacidade que não foram ainda contempladas, tanto no artigo 1.548, I, como no 1.550, I e II, subsumem-se a este inciso IV do artigo 1.550.

Caio Mário coloca neste inciso IV do artigo 1.550 do CC, por exemplo, o artigo 3º, III, do CC, há pouco transcrito. Esta posição deste doutrinador é passível de críticas, porque este inciso III do artigo 3º do CC trata dos que, por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade, o que significa completa ausência de manifestação de vontade, enquanto o inciso IV do artigo 1.550 do CC deixa entrever que houve manifestação de vontade, mas apenas há dúvida quanto ao seu teor, não se a podendo reputar inequívoca.

Esta colocação de que todos os demais casos de incapacidade estão insertos neste inciso IV é perigosa, pois pode dar margem a situações incorretas do ponto de vista jurídico: o pródigo, por exemplo, é um outro caso de incapacidade, e sua inserção seria devida neste caso, sendo que é certo quer o pródigo pode se casar, eis que sua incapacidade é relativa apenas a certos atos que envolvam dilapidação patrimonial. E veja que, mesmo se se casar em comunhão universal, pode o pródigo, ao invés de estar com isto dilapidando seu patrimônio, estar incrementando-o, por seu cônjuge ter maior patrimônio que o seu. Por isso, a doutrina majoritária defende que o pródigo pode se casar, desde que o regime não represente dilapidação de seu patrimônio.

1.2.2.4. Incompetência da autoridade celebrante

O inciso VI do artigo 1.550 do CC dispõe que é anulável o casamento celebrado por autoridade incompetente. Veja que esta previsão não conflita com o que se disse sobre o casamento celebrado por pessoa sem competência, que é tido por inexistente: aqui, o legislador comina anulabilidade para o casamento daquele que é relativamente incompetente para a celebração do casamento. Se for absolutamente incompetente – como um juiz do trabalho celebrando um casamento – o ato é inexistente.

1.2.2.5. Prazos de anulabilidade

Os prazos para anulação estão no artigo 1.560 do CC:

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“Art. 1.560. O prazo para ser intentada a ação de anulação do casamento, a contar da data da celebração, é de:I - cento e oitenta dias, no caso do inciso IV do art. 1.550;II - dois anos, se incompetente a autoridade celebrante;III - três anos, nos casos dos incisos I a IV do art. 1.557;IV - quatro anos, se houver coação.§ 1º Extingue-se, em cento e oitenta dias, o direito de anular o casamento dos menores de dezesseis anos, contado o prazo para o menor do dia em que perfez essa idade; e da data do casamento, para seus representantes legais ou ascendentes.§ 2º Na hipótese do inciso V do art. 1.550, o prazo para anulação do casamento é de cento e oitenta dias, a partir da data em que o mandante tiver conhecimento da celebração.”

1.2.3. Casamento putativo

O artigo 1.561 do CC trata desta hipótese:

“Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.§ 1º Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão.§ 2º Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão.”

A ideia da putatividade, aqui, é a mesma que se conhece da seara penal: supondo uma situação que não corresponde à realidade, o agente está de boa-fé, e nesta condição realiza o ato – casa-se sem saber do vício. Se ambos estão em erro, aproveitam-se todos os efeitos patrimoniais do casamento; se apenas um deles está de boa-fé, apenas ele terá proveito dos efeitos patrimoniais.

A menção aos filhos é uma falha legislativa, porque não há qualquer relevância do casamento sobre a relação de filiação. Filho é filho, sem qualquer diferenciação, qualquer que seja a situação dos pais.

2. Eficácia do casamento

A principal finalidade o casamento é constituir família. Ao contrário do que alguns apregoam, estabelecer prole é um efeito possível do casamento, mas não é sua finalidade (pelo que a esterilidade, como dito, não é causa de pedir para anular o casamento); tampouco a mudança do nome, como alguns apontam, é um objetivo plausível do casamento.

A comunhão de vida plena, portanto, é a finalidade precípua do casamento. A família já é formada pelos cônjuges, que, em atenção ao livre planejamento familiar, garantido pela CRFB, podem optar por ter filhos ou não.

Comunhão de vida não implica necessariamente em coabitação plena. Pode haver necessidade de que os cônjuges residam em locais diversos, por questões de trabalho ou mesmo por opção mútua, sem desnaturar o casamento.

O artigo 1.565 inaugura o tema no CC:

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“Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.§ 1º Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro.§ 2º O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas.

Alguns oficiais notariais interpretam literalmente o § 1º deste artigo supra, reputando impossível a retirada de nomes do cônjuge, ou seja, só entendem possível o acréscimo de sobrenomes aos seus próprios, sem retirar quaisquer nomes registrados desde o nascimento. Esta interpretação é equivocada, porque mesmo que o dispositivo fale em acréscimo, a retirada dos sobrenomes é também possível, para a maior parte da doutrina, bem como para a jurisprudência registral (provocada por meio de mandados de segurança contra o ato do tabelião).

Os deveres do casamento estão previstos no artigo 1.556 do CC:

“Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:I - fidelidade recíproca;II - vida em comum, no domicílio conjugal;III - mútua assistência;IV - sustento, guarda e educação dos filhos;V - respeito e consideração mútuos.”

Quanto à fidelidade recíproca, algumas novas formas de infidelidade, advindas da modernidade, têm sido reconhecidas pela jurisprudência. Reconhece-se, por exemplo, a infidelidade virtual, praticada sem contato físico entre as pessoas, mas tão somente eletrônica. Outra forma de infidelidade bastante curiosa é a que se chama de infidelidade de seringa: consiste na realização, pela cônjuge, de inseminação artificial heteróloga sem o conhecimento do cônjuge varão.

A violação de qualquer destes deveres pode servir como causa de pedir para a separação.

3. Bem de família

O bem de família é um imóvel residencial que é protegido pela impenhorabilidade, em razão da proteção ao direito de moradia. Esta proteção pode decorrer da lei ou da vontade do proprietário.

A proteção é do direito de moradia, e não do direito das famílias envolvido, apesar de o instituto ser nomeado como o é. A ideia do legislador não foi apenas proteger o imóvel familiar, mas sim o direito fundamental à moradia de quem depende daquele bem. Esta diferença se percebe bem, e se consolida, quando o STJ, desde 2002, passa a reconhecer a proteção ao bem de família também daquele o proprietário que é solitário, ou seja, não atrela a proteção dada ao bem à presença de uma família residindo no imóvel.

Repare que, portanto, a proteção oferecida pelo bem de família foi alargada pela interpretação extensiva que se fez do instituto. Por ser uma norma de proteção a direitos, e não restritiva, a sua interpretação é extensiva. Mesmo por conta da isonomia, seria inconstitucional proteger o direito de moradia de pessoas que constituíram família, e deixar

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à míngua o direito de moradia das pessoas solitárias. Neste sentido, veja a súmula 364 do STJ:

“Súmula 364, STJ: O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.”

No mesmo diapasão, as pessoas que estão em uma relação homoafetiva também terão esta proteção, mesmo que a súmula não mencione esta entidade. Isto porque, repise-se, a proteção é da moradia, e não da unidade familiar. Até mesmo para aqueles que repudiam a validade desta união, a proteção se impõe, eis que, na pior das hipóteses, são pessoas consideradas solteiras – e a súmula contempla proteção aos solteiros.

A natureza jurídica do bem de família é de bem afetado. É um bem gravado por cláusula restritiva, de impenhorabilidade.

A Lei 8.009/90 é a sede do bem de família legal, e no CC, a partir do artigo 1.711, há o bem de família voluntário, convencional. Veja que o conceito menciona apenas a impenhorabilidade, e não a inalienabilidade, porque no bem de família legal não vige esta segunda cláusula, vigendo somente a impenhorabilidade. Apenas o bem de família voluntário é inalienável.

O bem de família voluntário precisa preencher alguns requisitos para poder ser instituído. Um dos principais requisitos é quantitativo: o bem não pode ultrapassar um terço do patrimônio líquido do proprietário, quando da instituição. Veja o artigo 1.711 do CC:

“Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.”

Tudo que ultrapassar este teto de um terço não estará protegido pela impenhorabilidade. Se for instituído bem de família convencional de valor maior do que este limite, e o bem for divisível, será fracionado e a parcela excedente será alienada, concentrando-se a proteção apenas na parte que restar, regularmente dentro do limite. Sendo o imóvel indivisível, e ultrapassado o limite legal de um terço do patrimônio, ele será penhorável, mas apenas reverterá aos credores a parte que sobejou o terço legal, ou seja, até o limite de um terço do patrimônio do proprietário restará protegido pelo instituto, mas não o excedente.

Se os instituidores do bem de família voluntário vierem a falecer, a sua afetação não se desfaz – o imóvel continua impenhorável e inalienável.

Como se vê no artigo supra, e no artigo 1.714 do CC, o registro público é parte da essência deste instituto, incidindo no plano da existência. Veja:

“Art. 1.714. O bem de família, quer instituído pelos cônjuges ou por terceiro, constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis.”

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As dívidas relativas a tributos, bem como as propter rem, ambulatoriais, levantam o manto da impenhorabilidade: por estas dívidas, o bem pode ser excutido, quer seja a afetação legal ou voluntária. Veja o artigo 1.715 do CC:

“Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.Parágrafo único. No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz.”

Os artigos 1.720 a 1.722 do CC trazem previsões bastante relevantes sobre o bem de família voluntário, merecendo leitura:

“Art. 1.720. Salvo disposição em contrário do ato de instituição, a administração do bem de família compete a ambos os cônjuges, resolvendo o juiz em caso de divergência.Parágrafo único. Com o falecimento de ambos os cônjuges, a administração passará ao filho mais velho, se for maior, e, do contrário, a seu tutor.”

“Art. 1.721. A dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família.Parágrafo único. Dissolvida a sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, se for o único bem do casal.”

“Art. 1.722. Extingue-se, igualmente, o bem de família com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela.”

Sobre o bem de família legal, há ainda algumas considerações importantes, especialmente colhidas da leitura dos artigos 1º e 3º da Lei 8.009/90:

“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.”

“Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;III - pelo credor de pensão alimentícia;IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

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VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991).”

Este artigo 3º traz algumas exceções, e a última, do inciso VII, referente ao fiador, foi inserida pela Lei de Locações, como se vê. O que se pretendeu, com esta inserção, foi permitir que o fiador que assume esta obrigação sobre seu bem de família não possa dela se eximir pela proteção da impenhorabilidade, e o STF tem entendido que é constitucional esta norma. Contudo, três ministros do quadro atual do STF já votaram pela inconstitucionalidade da penhorabilidade do bem de família do fiador, porque se trataria de uma quebra de isonomia severa – o fiador tem o bem penhorável, e o locatário, devedor principal, não. Atualmente, porém, ainda vige a norma, e o bem de família do fiador é penhorável, sendo amplamente majoritária a tese da não proteção deste bem, por prevalecer a autonomia da vontade: se criou o gravame voluntariamente sobre seu bem de família, o fiador não pode objetar que sua excussão seja feita, pois desde sempre soube desta possibilidade.

O inciso IV do artigo supra também merece comentários, porque a jurisprudência tem estendido esta exceção à impenhorabilidade para custeio das dívidas de condomínio, também propter rem como as demais ali mencionadas.

Casos Concretos

Questão 1

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Maria e João, após regular habilitação, celebraram casamento religioso no dia 10.10.2007. Durante a lua-de-mel, João sofre um enfarte, vindo a falecer no dia 15.12.2007. Maria ingressa com pedido de registro de seu casamento religioso com João, no dia 10.01.2008, requerendo tutela antecipatória para que seja determinado o registro do casamento religioso contraído pelo casal, com o fim de abertura do inventário de João e habilitação de Maria como meeira e inventariante. Alega que não realizou o pedido de registro antes, por se encontrar psicologicamente muito abalada com a morte do marido e junta aos autos atestado médico que comprova a alegação. O casamento religioso é válido? Decida a questão, fundamentadamente, considerados comprovados os fatos alegados.

Resposta à Questão 1

O prazo passado foi de noventa e dois dias, pelo que, se interpretada literalmente a norma, que dita prazo de noventa dias, seria inválido. Porém, em uma interpretação calcada nas diretrizes da socialidade e eticidade, pode-se considerar como exceção razoável esta perda do prazo, validando o casamento religioso. Neste sentido, veja o Agravo de Instrumento 2007.002.15211, do TJ/RJ:

“Processo: 0023741-26.2007.8.19.0000 (2007.002.15211). 1ª Ementa - AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. ISMENIO PEREIRA DE CASTRO - Julgamento: 20/06/2007 - DECIMA QUARTA CAMARA CIVEL.REGISTRO DE CASAMENTO RELIGIOSO. EFEITOS CIVIS. PRAZO PARA REGISTRO. CELEBRAÇÃO DO MATRIMÔNIO DENTRO DO PRAZO DE EFICÁCIA DA HABILITAÇÃO, OBEDIENTE À DICÇÃO DO ARTIGO 1.532 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE JUSTO IMPEDIMENTO PARA A REALIZAÇÃO TEMPESTIVA DO ATO. TUTELA ANTECIPATÓRIA CONCEDIDA DETERMINANDO A EFETIVAÇÃO DO REGISTRO. DECISÃO CORRETA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1.516, §1º, DO CÓDIGO CIVIL. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS QUE AUTORIZAM O PRECEITO PREFACIAL. PROVIMENTO MONOCRÁTICO DO AGRAVO. ARTIGO 557, §1º-A DO CPC.”

“2ª Ementa - AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. ISMENIO PEREIRA DE CASTRO - Julgamento: 04/07/2007 - DECIMA QUARTA CAMARA CIVEL. AGRAVO INOMINADO. REGISTRO DE CASAMENTO RELIGIOSO. EFEITOS CIVIS. PRAZO PARA REGISTRO. CELEBRAÇÃO DO MATRIMÔNIO DENTRO DO PRAZO DE EFICÁCIA DA HABILITAÇÃO, OBEDIENTE À DICÇÃO DO ARTIGO 1.532 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE JUSTO IMPEDIMENTO PARA A REALIZAÇÃO TEMPESTIVA DO REGISTRO, QUE SE RESOLVERÁ, A FUTURO, NA DILAÇÃO PROBATÓRIA. DECISÃO PRUDENTE E ADEQUADA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1.516, §1º, DO CÓDIGO CIVIL. CUMPRE AUTORIZAR O REGISTRO DO CASAMENTO, A DESPEITO DA ULTRAPASSAGEM DO PRAZO LEGAL, EM FACE DOS DANOS REFLEXOS QUE A CONTENÇÃO DE SEUS EFEITOS CIVIS POSSA CAUSAR AOS PRÓPRIOS CÔNJUGES E ATÉ A TERCEIROS. ADEMAIS, COMO DITO NA DECISÃO HOSTILIZADA, O PROCESSAMENTO DE NOVA HABILITAÇÃO SOLUCIONARÁ O IMPASSE, SE INCOMPROVADO O JUSTO IMPEDIMENTO ALEGADO PELOS AGRAVADOS. PRESENTES OS PRESSUPOSTOS QUE AUTORIZAM O PRECEITO PREFACIAL

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CUMPRE MANTÊ-LO, SI ET IN QUANTUM. DESPROVIMENTO DO AGRAVO INOMINADO.”

Questão 2

Aladim propõe ação de separação judicial em face de Jasmim.Narra que se casaram civilmente pelo regime da comunhão universal em 30/03/01. Sustenta que, por motivos religiosos alegados pela ré, o casamento não se consumou, antes da cerimônia religiosa, sempre por ela adiada, continuando cada um a residir na casa de seus respectivos genitores, o que importou em grave violação dos deveres do casamento.Jasmim contesta e oferece reconvenção, pugnando pela anulação do casamento em razão de erro essencial sobre a pessoa do varão. Aduz afronta ao artigo 1.557, I do Código Civil por não ter sido consumado o matrimônio por culpa dele. Sustenta, também, que o mesmo praticou o delito de falsidade ideológica, ao providenciar a assinatura da CTPS da ré por parte de uma empresa pertencente a um amigo do autor, com o único objetivo de futuramente virem a obter o visto para se mudarem para os Estados Unidos da América. Pergunta-se: A alegada prática de ilícito penal pelo varão pode beneficiar à mulher? Comprovada a não consumação do matrimônio, com ausência de relação sexual entre os cônjuges, incide erro essencial sobre a pessoa do cônjuge que se recusa a manter tais relações, não demonstrada a impotencia coeundi? Fundamente.

Resposta à Questão 2

A prática do tipo penal não a beneficia, mesmo porque já era ciente deste fato quando do casamento. Não pode jamais se valer de sua própria torpeza.

Acerca da não consumação sexual do casamento, não se a pode reputar erro essencial, podendo no máximo ser causa de pedir para a separação. A impotência coeundi, porém, se desconhecida pelo cônjuge até depois do casamento, pode sim ser considerada erro essencial.

Veja a Apelação Cível 70006550073, do TJ/RS:

“Apelação Cível. NÚMERO: 70006550073. RELATOR: Luiz Felipe Brasil Santos.EMENTA:  APELAÇÃO CÍVEL. SEPARAÇÃO JUDICIAL. ANULAÇÃO DE CASAMENTO. Mesmo comprovada a não consumação do matrimônio, tal não caracteriza hipótese de erro essencial sobre a pessoa do outro, a menos que ficasse demonstrada a impotentia coeundi, o que não ocorreu e nem sequer foi alegado. As hipóteses que caracterizam erro essencial constituem numerus clausus, descabendo interpretação extensiva. Inteligência do artigo 1.557 do Código Civil. Os próprios termos das acusações reciprocamente lançadas no processo demonstram que os laços matrimoniais se romperam, sem que reste qualquer chance de reatamento, eis que, de parte a parte, ficou patente a falta de confiança, evidenciando-se sobretudo o fim do afeto, que deve ser a própria razão e sentido do relacionamento conjugal, mostrando-se adequada a solução encontrada na sentença, no sentido de decretar a separação judicial do casal. NÃO CONHECERAM DO RECURSO ADESIVO E NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70006550073, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 20/08/2003) DATA DE JULGAMENTO: 20/08/2003.”

Questão 3

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Em 15.05.2003, Eufrásio se casou com Carmosina (viúva de Anastácio desde 07.10.02), porque ela dissera que estava grávida, fato, todavia, que não era verídico. Eufrásio tinha 17 anos e se casou sem obter qualquer autorização. O casamento foi realizado por juiz competente na casa dos pais de Carmosina, com as portas fechadas, e só tiveram acesso os amigos da família dela, porque Lucrécio e Tibúrcio, irmãos da nubente, portavam revólveres e ameaçaram de morte o noivo caso ele desistisse do matrimônio. Mesmo contrariados, os pais e o irmão de Eufrásio estiveram presentes ao casamento. Dois meses após a celebração, e até então coabitando com o marido, Carmosina descobriu que Eufrásio era completamente estéril e não poderia gerar filhos; dele se separou de fato, e ajuizou ação de anulação do casamento. No processo, o Ministério Público opinou pela procedência da ação, mas o Juiz, na sentença, julgou a ação improcedente. Em 20.03.2004, Eufrásio tencionava ajuizar ação de nulidade do casamento, mas foi aconselhado pelo Dr. Tibério, advogado, a não optar por esta via e propor, oportunamente, ação de divórcio direto contra Carmosina. Pergunta-se:

a) Houve algum vício no casamento? Em caso positivo, qual(ais)?b) Eufrásio, por alguma razão, poderia anular o casamento? Por que?c) Os pais de Eufrásio poderiam buscar a invalidade do casamento do filho? Por que?d) Há algum impedimento ou condição suspensiva para o casamento? Em caso positivo, qual(ais) e quem poderia(m) arguí-lo(s)?e) Quem está correto na ação movida por Carmosina: o Ministério Público ou Juiz? Por que?f) O aconselhamento de Dr. Tibério a Eufrásio está correto? Por que?g) Na data em que procurou Dr. Tibério, Eufrásio poderia propor ação de divórcio direto contra Carmosina? Explique, indicando a partir de quando a ação poderia ser proposta.h) Qual deve ser o regime de bens do casamento?

Resposta à Questão 3

a) Há diversos vícios, mas o principal é que o consentimento de Eufrásio foi viciado pela coação física promovida pelos irmãos da noiva. Coação moral é causa de anulação, mas coação física é causa de inexistência do ato, porque simplesmente inexiste o consentimento.

b) Havendo coação física, o casamento é inexistente, e por isso não é necessária a sua anulação – ele jamais produziu efeitos. É possível obter uma sentença declaratória de inexistência, mas tal ato, a rigor, sequer é necessário.

c) Pela suposta falta de consentimento, não: o casamento foi por eles presenciado, o que significa que houve consentimento tácito. Podem, porém, suscitar a inexistência do ato, se presenciaram a coação física.

d) Há uma condição suspensiva: Carmosina é viúva de Anastácio, mas esta condição sequer será analisada, eis que o vício na inexistência atua antes da análise do plano da validade.

e) O juiz, porque o casamento é inexistente.f) Não, porque se o casamento inexiste, não há objeto para divórcio.

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g) Pela inexistência do casamento, in casu, em tese, não havia ainda os dois anos de separação de fato, necessários para o divórcio direto.

h) Não há regime de bens, porque o casamento inexiste.

Tema III

Dissolução da sociedade conjugal e do vínculo matrimonial. Noções Gerais. Separação de corpos. Separação litigiosa com culpa e sem culpa. Efeitos. Sentença. Averbação. Separação judicial consensual. Acordo. Cláusulas obrigatórias. Homologação. Negativa de homologação. A Lei 6.515/77 e o Código Civil. Sentença. Natureza e efeitos. Averbação. Restabelecimento da sociedade conjugal. Discussão da culpa.

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Notas de Aula3

1. Dissolução da sociedade conjugal

A sistemática da dissolução da sociedade conjugal, como é hoje, tem sua estruturação fundada em bases históricas. Nosso legislador, extremamente conservador, tem por norte a manutenção da sociedade conjugal, do casamento, a todo custo, o que torna a dissolução da relação mais difícil do que seria recomendável.

O projeto original do CC, de 1975, simplesmente não previa a dissolução da sociedade conjugal. Não existia separação ou divórcio, à época, eis que a Lei do Divórcio é só de 1977. Criaram-se, então, os dois institutos para findar-se uma relação conjugal – a separação e o divórcio –, e a razão histórica desta dicotomia é justamente o esforço legislativo em se manter a união conjugal a todo custo, estabelecendo-se prazos mínimos para implemento dos efeitos destes institutos de dissolução.

Perdura, ainda hoje, esta situação legislativa, que visa proteger o vínculo conjugal, mesmo sem sucesso. É fato que a separação está em vias de se extinguir, mantendo-se apenas o divórcio, mas ainda não é a realidade legal deste fato.

A separação consensual só pode se dar após um ano de casados. A lei impõe uma convivência forçosa, de ao menos um ano desde casados, a fim de supostamente oportunizar uma mudança de ideia dos cônjuges, que podem vir a solucionar seus problemas e permanecer casados. É claro que esta providência legal não tem eficácia prática, pois o prazo de um ano de casados até que a separação seja possível raramente, ou nunca, leva à conciliação e desistência da separação. Ao contrário, pode mesmo levar ao surgimento de conflitos, transformando em litigiosa uma dissolução que seria pacífica – subvertendo o escopo maior do direito, que é a pacificação social.

Destarte, pode-se concluir que a dificuldade criada para se desfazer um casamento não se justifica de forma alguma, e por isso a melhor providência legislativa é, de fato, desburocratizar esta medida. A reconciliação, que parece ser a vontade do legislador, é sempre possível, bastando novo casamento.

Veja o artigo 1.572 do CC:

“Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:I - pela morte de um dos cônjuges;II - pela nulidade ou anulação do casamento;III - pela separação judicial;IV - pelo divórcio.§ 1º O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.§ 2º Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial.”

O § 1º determina que a regulamentação da ausência se aplica para efeitos de dissolução de casamento. Entenda: havendo ausência, o cônjuge que resta presente poderá habilitar-se a novo casamento, desde quando obtiver a sentença declaratória da ausência. Se

3 Aula ministrada pela professora Isabella Pena Lucas, em 24/2/2010.

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assim o fizer, casando-se novamente, e o ausente reaparecer, simplesmente não há solução legal: o CC não define qual dos casamentos prevalecerá.

Com base no direito comparado, há duas soluções: o CC italiano dispõe que prevalece o primeiro casamento, porque o segundo se baseou na premissa de que a pessoa ausente teria desaparecido de vez, e como esta premissa não mais se mostra real, o segundo casamento se desfaz. A segunda solução, do codex alemão, sustenta o exato oposto: este ordenamento estabelece que se a constituição da segunda família foi autorizada pelo Estado, é seu dever constitucional proteger esta família, pelo que deve ser mantida. Esta solução alemã é a seguida no Brasil, sobremaneira pelo alto apreço que se tem, hoje, pelo princípio do afeto, que deve ser sempre priorizado nas relações familiares, afeto que está claramente mais configurado na relação atual, mais do que na anterior, com o ausente.

É claro que há uma solução mais simples: basta que o cônjuge presente aguarde o prazo necessário ao divórcio direto, e o requeira, justamente com base na ausência, que implica lógico abandono da relação pelo ausente. Divorciado, o primeiro vínculo jamais prevalecerá em eventual retorno do ausente, porque restou corretamente desfeito.

1.1. Separação de corpos

A separação de corpos é uma medida cautelar preparatória, que não pode ser entendida como satisfativa. É possível, nesta cautelar, tratar da guarda de filhos, e até mesmo de questões alimentares.

Há prazo de caducidade de trinta dias, após o deferimento da separação de corpos cautelar, para propositura da ação de separação judicial principal. Os artigos 796 e 888 do CPC são relevantes:

“Art. 796. O procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente.”

“Art. 888. O juiz poderá ordenar ou autorizar, na pendência da ação principal ou antes de sua propositura:I - obras de conservação em coisa litigiosa ou judicialmente apreendida;II - a entrega de bens de uso pessoal do cônjuge e dos filhos;III - a posse provisória dos filhos, nos casos de separação judicial ou anulação de casamento;IV - o afastamento do menor autorizado a contrair casamento contra a vontade dos pais;V - o depósito de menores ou incapazes castigados imoderadamente por seus pais, tutores ou curadores, ou por eles induzidos à prática de atos contrários à lei ou à moral;VI - o afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal;VII - a guarda e a educação dos filhos, regulado o direito de visita;VIII - a interdição ou a demolição de prédio para resguardar a saúde, a segurança ou outro interesse público.”

No TJ/RS, a jurisprudência é tranqüila em não aplicar a caducidade para esta cautelar, porque mesmo que passados estes trinta dias, é claro que o cônjuge não retornará ao convívio do lar, pelo que a perda da eficácia não faz muito sentido.

Em regra, a separação de corpos tem lugar para casos graves, geralmente envolvendo violência entre os cônjuges. A Lei Maria da Penha prevê o afastamento do lar

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conjugal como uma das medidas protetivas da mulher em risco, como se vê no artigo 23, IV, da Lei 11.340/06:

“Art. 23.  Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:(...)IV - determinar a separação de corpos.”

A cautelar pode ser deferida liminarmente, e até mesmo de forma inaudita altera parte, porque há casos extremos em que a citação antes da decisão liminar pode gerar prejuízos trágicos, por conta da violência entre os cônjuges. Há, porém, que se ter cuidado nesta liminar, eis que a retirada do cônjuge apontado como algoz de seu lar, sem sequer ouvi-lo, pode configurar uma enorme injustiça. Para prevenir esta situação, o juiz dispõe de uma audiência de impressão pessoal, em que vai ouvir o cônjuge que requer a separação de corpos e suas testemunhas, a fim de melhor instruir-se acerca do motivo cautelar para a liminar.

2. Separação judicial

A separação, hoje, após a Lei 11.441/07, pode ser judicial ou extrajudicial, cartorária. Para que seja possível a separação extrajudicial, os requisitos estão no artigo 1.124-A do CPC:

“Art. 1.124-A.  A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. (Incluído pela Lei nº 11.441, de 2007).”

Há quem defenda que a separação consensual, após o advento desta norma supra, deve necessariamente ser feita na via extrajudicial. Não prevalece esta tese, pois a maior parte da doutrina e jurisprudência entende que a Lei 11.441/07 apenas abriu uma faculdade aos consortes, não afastando completamente a via judicial em prol da via administrativa.

Dito isto, o objeto de estudo deste tópico se reduz às formas de separação judicial, que pode ser consensual ou litigiosa.

2.1. Separação judicial litigiosa

O artigo 1.572 do CC estabelece que:

“Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.§ 1º A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição.§ 2º O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne

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impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.§ 3º No caso do parágrafo 2º, reverterão ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos bens que levou para o casamento, e se o regime dos bens adotado o permitir, a meação dos adquiridos na constância da sociedade conjugal.”

Trata-se da separação sanção, com imputação de culpa ao outro consorte pelo pretendente a separar-se. Há críticas à manutenção, ainda hoje, da investigação de culpa na separação, porque a finalidade do Judiciário não é perscrutar quem se portou melhor na relação conjugal, mas apenas por um fim a tal relação, especialmente diante do fato de que a constatação de culpa não tem quase nenhuma relevância prática, nenhuma consequência jurídica para o culpado – pois nem mesmo os alimentos podem ser-lhe negados (sendo, porém, reduzidos ao mínimo subsistencial, calcados somente na necessidade, para este culpado, diferindo do inocente, que tem alimentos baseados no binômio necessidade-possibilidade). Em verdade, sequer constará da sentença a suposta vilania de um dos consortes.

Note-se ainda que nem mesmo se não restar comprovada culpa alguma das alegadas pelo separando, a separação será indeferida. É claro que se há motivos suficientes para ajuizamento de uma ação de separação litigiosa, a convivência é insuportável para aquele que a ajuizou, e isto basta para obter a separação, dispensando-se a culpa.

O próprio nome, separação sanção, é bem criticado, hoje, porque não há o que se sancionar na relação: a separação não é pena pelo descumprimento das obrigações conjugais, como se pensava quando se criou esta nomenclatura, mas sim o meio de se por fim a uma relação que não mais se justifica.

O artigo supra deve ser combinado com o seguinte, 1.573 do CC, que apresente rol exemplificativo de causas para a separação litigiosa:

“Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:I - adultério;II - tentativa de morte;III - sevícia ou injúria grave;IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;V - condenação por crime infamante;VI - conduta desonrosa.Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.”

Outro exemplo de insuportabilidade, permitido pelo parágrafo deste artigo supra, é a simples incompatibilidade de gênios dos cônjuges. Virtualmente qualquer causa pode justificar a separação litigiosa, pois quem avalia a insuportabilidade, repise-se, é o pretendente à separação.

A separação litigiosa pode ser ajuizada a qualquer tempo, não contando com prazo mínimo de casamento antecedente a sua propositura, como ocorre na consensual: se no dia seguinte ao casamento o cônjuge quiser, pode ajuizar ação de separação litigiosa.

O § 1º do artigo 1.572 do CC trata da separação falência, que caiu em desuso, porque se o cônjuge está há um ano separado de fato do outro basta que aguarde mais um ano e ajuíze, desde logo, o divórcio.

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No § 2º do artigo 1.572, há a previsão da separação remédio, que também caiu em desuso, pela simples possibilidade de se aguardar o prazo para o divórcio direto, e a possibilidade de se ajuizar cautelar de separação de corpos a fim de se prevenir contra a configuração do abandono do lar conjugal.

2.2. Separação judicial consensual

O artigo 1.574 do CC trata da possibilidade da separação judicial consensual:

“Art. 1.574. Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem casados por mais de um ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção.Parágrafo único. O juiz pode recusar a homologação e não decretar a separação judicial se apurar que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges.”

O caput dispõe que só se pode ajuizar separação consensual após um ano de casados, como já mencionado. Isto se deve a um esforço legislativo indevido em prol da manutenção do vínculo, supostamente promovendo a reconciliação neste tempo de casamento imposto.

O parágrafo único deste artigo representa uma enorme intromissão do Judiciário na vida privada, sendo muito criticado por isso: se o juiz entender que o acordo não é bom para uma das partes, pode simplesmente se negar a homologá-lo. Ora, podem as partes transacionar como bem entenderem, fazendo as concessões que bem entenderem, não sendo tarefa do Judiciário fiscalizar estas condições.

2.3. Disposições comuns

O artigo 1.575 traz uma informação equivocada:

“Art. 1.575. A sentença de separação judicial importa a separação de corpos e a partilha de bens.Parágrafo único. A partilha de bens poderá ser feita mediante proposta dos cônjuges e homologada pelo juiz ou por este decidida.”

A separação de corpos já pode ter sido operada, tanto faticamente quanto por meio

da cautelar preparatória, já abordada. Não é a sentença de separação que leva a esta situação, necessariamente. Tampouco a partilha tem que ser realizada neste momento, necessariamente, podendo ser feita posteriormente, mesmo após o divórcio.

Há quem diga que a sentença de separação imporá no marco para que não mais haja a comunicabilidade de bens, mas a doutrina moderna defende que a comunicabilidade deixa de existir desde quando houver comprovada separação fática, mesmo que ainda não esteja juridicamente certificada por uma sentença. Interpretando literalmente este dispositivo, fomenta-se as fraudes, porque no curso do processo, até a sentença, a pessoa que está faticamente separada não adquirirá novos bens, ou o fará em nome de terceiros, a fim de não levá-los a comunicar-se com o patrimônio do ex-cônjuge.

A decisão da separação de corpos também é um marco inegável do término da comunicabilidade dos bens.

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O artigo 1.577 do CC permite a reconciliação no curso do lapso da separação, até a sua conversão em divórcio:

“Art. 1.577. Seja qual for a causa da separação judicial e o modo como esta se faça, é lícito aos cônjuges restabelecer, a todo tempo, a sociedade conjugal, por ato regular em juízo.Parágrafo único. A reconciliação em nada prejudicará o direito de terceiros, adquirido antes e durante o estado de separado, seja qual for o regime de bens.”

A conversão da separação em divórcio é autorizada nos moldes do artigo 1.580 do CC:

“Art. 1.580. Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio.§ 1º A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou.§ 2º O divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de dois anos.”

A conversão da separação extrajudicial ou judicial em divórcio extrajudicial é perfeitamente possível, mesmo que não haja menção expressa pela Lei 11.441/07.

Casos Concretos

Questão 1

Barney propõe ação de separação judicial litigiosa contra Beth. Sustenta que a ré é culpada pela separação, por ter infringido os deveres do casamento, artigo 1.573,I, IV e VI

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do Código Civil; adultério, abandono do lar conjugal e conduta desonrosa. Pugna, ao final, pela procedência da ação, reconhecendo a culpa da ré. Beth contesta e apresenta reconvenção alegando que Barney é culpado da separação. Não restou provado adultério ou outro descumprimento dos deveres do casamento por nenhum dos dois. Pergunta-se: O juiz deve indeferir a separação litigiosa por falta de provas de infringência dos deveres do casamento pelo casal? Fundamente.

Resposta à Questão 1

Não, a separação deve ser concedida. Apesar de a culpa não restar comprovada, sua constatação não é o objetivo da demanda. O objetivo é desfazer o vínculo, o que se justifica pela incompatibilidade e insuportabilidade na convivência, o que se prova pela simples discussão em juízo da relação.

Veja a Apelação Cível 70020802278, do TJ/RS:

“Apelação Cível 70020802278. RELATOR: Luiz Ari Azambuja Ramos.EMENTA:  FAMÍLIA. SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA. RECONVENÇÃO. PENSÃO ALIMENTÍCIA EM FAVOR DA VIRAGO. RUPTURA DA SOCIEDADE CONJUGAL, RESPONSABILIDADE PELO ROMPIMENTO. INSUPORTABILIDADE DA VIDA EM COMUM. DESCABIMENTO DA ATRIBUIÇÃO DE CULPA PELO TÉRMINO DO CASAMENTO. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR, AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE DEPENDÊNCIA OU NECESSIDADE A EMBASAR O DIREITO AO PENSIONAMENTO. INCAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORAL, CAPAZ DE COMPROMETER O PRÓPRIO SUSTENTO, NÃO DEVIDAMENTE DEMONSTRADA. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70020802278, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, Julgado em 23/08/2007).”

Questão 2

Em ação de separação consensual, José e Marinalva, casados pelo regime da comunhão parcial, procederam a partilha de seu patrimônio, o qual fora totalmente constituído por compra e venda na constância do casamento, com desigualdade de quinhão, destinando ao marido 70% dos bens e à mulher, 30%. Trava-se, nos autos, disputa entre o Município do Rio de Janeiro e o Estado do Rio de Janeiro, o primeiro alegando que houve, na espécie uma permuta, cabendo o recolhimento do ITBI a seu favor e o segundo alega que o tributo deve ser recolhido para si, pois na espécie ocorreu o fato gerador com a doação. Decida.

Resposta à Questão 2 Há uma clara doação de um cônjuge ao outro, pelo que incide o tributo Estadual, o

ITD, na forma do artigo 155, I, da CRFB. A forma como foi feita a partilha demonstra a nítida intenção de gratuitamente parte de sua meação ao outro, caracterizando o típico

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imposto de transmissão por doação cujo recolhimento deve ser feito em 155, I da Constituição da República.

A este respeito, veja o Agravo de Instrumento 2001.002.09959, do TJ/RJ:

“Processo: 0019044-69.2001.8.19.0000 (2001.002.09959). 1ª Ementa - AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. SIDNEY HARTUNG - Julgamento: 18/12/2001 - QUARTA CAMARA CIVEL.AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEPARACAO JUDICIAL CONSENSUAL. PARTILHA DE BENS. DOACAO. ART. 155, INC. I, CONSTITUICAO FEDERAL DE 1988. DIREITO A COMPENSACAO. INEXISTENCIA. RECURSO DESPROVIDO.AGRAVO DE INSTRUMENTO - SEPARAÇÃO CONSENSUAL. Partilha de bens. Desigualdade de quinhão. SE a intenção dos Cônjuges era efetivar um contrato de doação, diante da diferença de quinhões, não há que se falar em compensação, aplicando-se à hipótese o inciso l do art. 155 da CF. RECURSO IMPROVIDO.”

Tema IV

Divórcio. Histórico. A Lei 6.515/77 e o Código Civil. Noções Gerais. Divórcio direito e divórcio por conversão. Ação direta de divórcio. Consensual e litigioso. Requisitos. Procedimento. Ação indireta de divórcio. Consensual e litigioso. Requisitos. Procedimento. Competência. Efeitos do Divórcio. Sentença. Natureza Jurídica. Efeitos da ausência sobre o vínculo matrimonial.

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Notas de Aula4

1. Divórcio

O artigo 1.571 do CC, já transcrito, traz causas dissolutivas e causas terminativas do casamento, que têm efeitos diferentes. As causas terminativas põem fim à sociedade conjugal, enquanto apenas as dissolutivas terminam com o vínculo conjugal de vez. Logicamente, toda causa dissolutiva é também terminativa, mas as causas meramente terminativas ainda não põem fim ao vínculo conjugal, e sim apenas à sociedade conjugal. Reveja o dispositivo:

“Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:I - pela morte de um dos cônjuges;II - pela nulidade ou anulação do casamento;III - pela separação judicial;IV - pelo divórcio.§ 1º O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.§ 2º Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial.”

São dissolutivas a morte e o divórcio, e terminativa a separação judicial. A anulação do casamento não é uma nem outra: não termina nem dissolve o vínculo conjugal, porque simplesmente desconstitui a relação erigida em vínculo inválido, como se as partes nunca houvessem sido casadas5.

A separação, portanto, já difere do divórcio neste ponto: é meramente terminativa, terminando com a sociedade conjugal, mas não com o vínculo conjugal, que só se extingue pelo divórcio ou pela morte.

A sociedade conjugal é o liame que existe entre duas pessoas casadas, é a parceria entre estas duas pessoas. A separação judicial relaxa esta parceria, findando alguns deveres conjugais, como se vê no artigo 1.576 do CC:

“Art. 1.576. A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens.Parágrafo único. O procedimento judicial da separação caberá somente aos cônjuges, e, no caso de incapacidade, serão representados pelo curador, pelo ascendente ou pelo irmão.”

A separação, como se vê, não põe fim ao dever de mutua assistência, por exemplo, dever este que se estende para além da resolução da sociedade, assim como o dever de respeito e consideração mútuos, que extravasa até mesmo a quebra do vínculo pelo divórcio.

O divórcio, a dissolução do vínculo conjugal, diferentemente da separação, não põe apenas fim a esta parceria: a fulmina, permitindo até mesmo que nova relação familiar seja

4 Aula ministrada pela professora Consuelo Aguiar Huebra, em 25/2/2010.5 Por esta clara diferença, mesmo que já tenha havido sentença de divórcio transitada em julgado, é possível ajuizar-se uma ação anulatória do casamento, eis que se for anulado haverá diferentes efeitos para os relacionandos do que a mera dissolução do vínculo opera.

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contraída pelos divorciados. Quando apenas separados, não há esta quebra do vínculo, pelo que novo casamento é impossível, e é possível a reconciliação, sem precisarem os separados se casar novamente.

Como já se mencionou, o sistema dual da separação e divórcio é muito criticado por todos os operadores do direito atual, e há, de fato, movimento em busca de se consolidar esta dinâmica em um só instituto, apenas no divórcio. Há um projeto de emenda constitucional, o PEC 413, que visa justamente a acabar com a separação, a fim de adequar o fim do relacionamento à realidade social.

A morte, como dito, rompe o vínculo jurídico, e permite que o supérstite, o viúvo, contraia novo matrimônio. Se os consortes já se divorciaram, transitando em julgado a sentença, e um deles morre, o estado civil do que sobrevive é de divorciado, não passando a ser viúvo, porque o vínculo já se rompera; já se a morte se dá no curso da separação, cessa o vínculo, e o separado passa a ser viúvo.

Tanto a morte real como a presumida rompem o vínculo conjugal. A morte presumida é prevista como causa de dissolução do vínculo no artigo 1.571, § 1º, do CC, mas há uma controvérsia aqui: a presunção que induz à liberação do cônjuge remanescente ocorre em qual momento? Na declaração da ausência, na abertura da sucessão provisória, ou na sucessão definitiva?

A maioria maciça da doutrina entende que se opera a liberação quando da morte presumida, ou seja, no fim do procedimento de ausência, ao termo do prazo de dez anos desde a sucessão provisória. Nelson Rosenvald, isoladamente, entende que não é esta a interpretação devida deste dispositivo, porque leva à sua completa inutilidade, eis que, passados dois anos desde o desaparecimento da pessoa, já é possível ajuizar o divórcio direto pelo abandono, separação de fato. Assim, defende que seria na abertura da sucessão provisória, de forma a emprestar utilidade à norma.

1.1. Características principais do divórcio

O divórcio, assim como a separação, são direitos personalíssimo. Seja o divórcio consensual ou litigioso, direto ou indireto, a ação é de natureza personalíssima. Isto significa que somente as próprias partes podem promover a ação, inadmitindo-se substituição ou sucessão processual, mesmo na morte de um deles – pois se morre perde-se o objeto, findando-se o vínculo entre o morto e o supérstite.

O fato de não ser admitida a substituição não significa que não seja possível a representação, se um dos cônjuges é incapaz. Veja o artigo 1.576, parágrafo único, do CC, há pouco transcrito, e o parágrafo único do artigo 1.582 do CC, no mesmo sentido:

“Art. 1.582. O pedido de divórcio somente competirá aos cônjuges.Parágrafo único. Se o cônjuge for incapaz para propor a ação ou defender-se, poderá fazê-lo o curador, o ascendente ou o irmão.”

A representação, porém, é uma exceção, e como tal deve ser interpretada restritivamente. Por isso, há divergência sobre a possibilidade de se realizar a separação ou o divórcio consensual por representação, havendo quem diga que não é possível a realização de acordo pelo representante. Contudo, a maioria da doutrina defende que é perfeitamente possível a separação ou divórcio consensual, porque não há prejuizo algum para o representado na realização de um acordo pelo representante, até mesmo pela

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presença do MP no feito, além da polícia bastante próxima realizada pelo juiz nesta seara – inclusive contando com o famigerado artigo 1.574 do CC, que permite ao juiz negar-se a homologar acordo que não reputar justo.

Outra característica da ação de divórcio diz respeito ao foro de competência, que, segundo o artigo 100, I, do CPC, é o da residência da mulher:

“Art. 100. É competente o foro:I - da residência da mulher, para a ação de separação dos cônjuges e a conversão desta em divórcio, e para a anulação de casamento; (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 26.12.1977)(...)”

Questiona-se a constitucionalidade deste dispositivo, diante da igualdade entre homem e mulher promovida pela CRFB, mas a doutrina quase unânime, e o STJ, o reputa constitucional, porque a isonomia material prevê que haja tratamento desigual entre pessoas desiguais, e a mulher ainda é, de fato, a parte vulnerável da relação. Nelson Rosenvald, isoladamente, critica este posicionamento, dizendo que hoje não há mais esta desigualdade a ser reequilibrada – mas é tese pouco considerada, ante a realidade dos fatos, em que o poderio econômico, ao menos, ainda está de fato nas mãos dos homens.

1.2. Espécies de divórcio

O divórcio pode ser direto ou indireto, consensual ou litigioso. Estas classificações se combinam, podendo o divórcio direto ser consensual ou litigioso, assim como o pode ser o indireto.

1.2.1. Divórcio consensual

Divórcio consensual é aquele em que ambos querem por fim ao vínculo, requerendo-o em consenso. É um procedimento de jurisdição voluntária. Este divórcio se desenrola da mesma forma que a separação consensual, sendo regido pelos mesmos dispositivos processuais que regem esta separação, quais sejam, artigos 1.120 a 1.124 do CPC:

“Art. 1.120. A separação consensual será requerida em petição assinada por ambos os cônjuges.§ 1º Se os cônjuges não puderem ou não souberem escrever, é lícito que outrem assine a petição a rogo deles.§ 2º As assinaturas, quando não lançadas na presença do juiz, serão reconhecidas por tabelião.”

“Art. 1.121. A petição, instruída com a certidão de casamento e o contrato antenupcial se houver, conterá:I - a descrição dos bens do casal e a respectiva partilha;II - o acordo relativo à guarda dos filhos menores e ao regime de visitas; (Redação dada pela Lei nº 11.112, de 2005)III - o valor da contribuição para criar e educar os filhos;IV - a pensão alimentícia do marido à mulher, se esta não possuir bens suficientes para se manter.

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§ 1º  Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta, depois de homologada a separação consensual, na forma estabelecida neste Livro, Título I, Capítulo IX. (Renumerado do parágrafo único, pela Lei nº 11.112, de 2005)§ 2º Entende-se por regime de visitas a forma pela qual os cônjuges ajustarão a permanência dos filhos em companhia daquele que não ficar com sua guarda, compreendendo encontros periódicos regularmente estabelecidos, repartição das férias escolares e dias festivos. (Incluído pela Lei nº 11.112, de 2005).”

Os requisitos traçados neste artigo 1.121 não são todos indispensáveis à separação ou ao divórcio consensual, como se vê no próprio § 1º deste artigo. Além disso, o artigo 1.581 do CC mitiga ainda mais o inciso I do artigo supra:

“Art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens.”

Este artigo consolidou na lei a posição da súmula 197 do STJ, que tem a exata redação deste dispositivo.

O assunto do inciso II do artigo 1.121 do CPC também pode ser deixado para outro momento, porque esta postergação da solução sobre guarda e visitação facilita a dissolução do vínculo, o que é a diretriz maior para se interpretar estas questões.

Vale mencionar que a guarda compartilhada é hoje a regra de preferência para solução de questões de guarda. Ao contrário do que se pensou originalmente, a guarda compartilhada é a mais saudável das opções, não representando uma perda do referencial de lar para a criança. Não só para as questões diretamente relacionadas ao cudado do filho, a guarda compartilhada também impõe responsabilidade civil aos pais pelos atos da criança, em conjunto – e não só a um, como na guarda unilateral.

O inciso III do artigo 1.121, porém é cláusula obrigatória, indispensável. Já o inciso IV deste artigo em questão segue a mesma esteira da postergabilidade,

podendo ser assunto legado a tratamento posterior para que não obste a extinção do vínculo, objetivo precípuo do divórcio. Vale mencionar que a cláusula de dispensa de alimentos pode ser trazida neste acordo, cláusula esta que não se confunde com a renúncia (que é perene, como se sabe), a qual é vedada, na forma do artigo 1.707 do CC:

“Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.”

O dispositivo supra menciona genericamente os credores de alimentos, não diferenciando-os em nada. Pelo ensejo, e pela controvérsia que surge em aspecto desta questão dos alimentos, veja quem são os credores de alimentos, eleitos pela lei no caput do artigo 1.694 do CC:

“Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.(...)”

A discussão que surge é se o artigo 1.707 do CC proíbe a renúncia aos alimentos para todos os credores, ou se a interpretação é mais restrita. Isto porque a jurisprudência jpá se viu diante de casos em que a ex-cônjuge dispensava os alimentos no acordo de divórcio, e mesmo assim vinha, posteriormente, e demandava alimentos, em momento muito

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posterior, dez ou mais anos depois. Percebida esta injustiça, o STJ passou a restringir a previsão legal, dispondo que o pedido de alimentos só será possível, pelo cônjuge ao outro, até o divórcio; após este, cessa a possibilidade de pedir alimentos, o que significaria uma verdadeira renúncia tácita – raciocínio que não se aplica aos parentes, que não têm vínculo quebrado jamais.

Hoje, o STJ vai ainda além na restrição: para esta corte, a impossibilidade de renúncia trazida no artigo 1.707 do CC só se aplica aos parentes, e não mais aos cônjuges ou companheiros. Renunciando expressamente, ou tacitamente (quando há o divórcio, findo o vínculo, sem pedido de alimentos até então), não mais poderá o ex-cônjuge pedir alimentos. Se na separação há dispensa, e não há pedido no divórcio, entende-se que houve renúncia tácita.

Em síntese, então, assim se vê a situação da renúncia a alimentos: pelos parentes, é impossível, podendo no máximo haver a dispensa; pelos ex-cônjuges ou companheiros, é possível, expressa ou tacitamente.

Há ainda que se tratar da questão do uso do sobrenome do ex-cônjuge. Mesmo que o artigo 1.121 do CPC não fale deste tema, é um assunto relevante, podendo ser tratado no acordo de divórcio consensual. A ausência da cláusula que trata do uso do nome não impede que o divórcio consensual se opere, mas é recomendável que se a faça constar, a fim de evitar imbróglios subseqüentes ao fim do vínculo conjugal. Na prática, ausente a cláusula, a presunção é de que o nome de casado pode ser mantido pelo ex-cônjuge que o adotara, sendo necessária expressa menção à retirada do nome, se assim quiser seu titular natural.

Sobre o direito a manter o nome do ex-cônjuge, a perda deste direito só ocorre se forem reunidos alguns requisitos cumulativos: o cônjuge for declarado culpado (o que só ocorre na separação judicial, por óbvio); haver pedido neste sentido por parte do cônjuge inocente; e a retirada do nome não cause prejuízos ao culpado, quer materiais, quer em relação à identificação deste com o filho.

A culpa, por si só, não é suficiente para derrogar o direito, como se pode pensar. Além disso, o prejuizo, hoje, é conceito com abrangência bastante larga, podendo ser relevante até mesmo o prejuizo moral pela perda da identidade que se tem de si mesmo, porque o nome passa a integrar a personalidade da pessoa.

Se o cônjuge mantiver o nome do seu ex-consorte, e, no futuro, contrair novo casamento, será possível a alteração de deu nome, agregando o sobrenome do novo cônjuge? Há corrente minoritária que vê impedimento nesta mudança, pois se houve tal importância na manutenção do nome após o divórcio, não se justifica agora sua alteração; contudo, a maioria não vê os direitos da personalidade como forma de restrição a opções do seu titular, pelo que seria possível sim este desejar mudar seu nome, para aderir ao sobrenome do atual marido. Vale mencionar que a Lei de Registros Públicos não cria óbice, reforçando esta segunda tese, como se vê no artigo 109, caput:

“Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou retifique assentamento no Registro Civil, requererá, em petição fundamentada e instruída com documentos ou com indicação de testemunhas, que o Juiz o ordene, ouvido o órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo de cinco dias, que correrá em cartório. (Renumerado do art. 110 pela Lei nº 6.216, de 1975).(...)”

1.2.2. Divórcio litigioso

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Trata-se do divórcio requerido por apenas uma das partes, e é processo contencioso que segue o rito comum ordinário.

O único argumento do réu, nesta ação, é a não completitude do prazo para tanto, vez que o único requisito para tal divórcio é o preenchimento do tempo legalmente exigido.

1.2.3. Divórcio direto e indireto

O divorcio indireto, divórcio conversão, é aquele que decorre de uma separação judicial prévia, e se faz possível quando decorrido um ano desde a separação. Já o divórcio direto consiste no divórcio ajuizado diretamente, sem necessidade de separação prévia, o que é possível se completos dois anos de separação de fato. Veja o artigo 1.580 do CC:

“Art. 1.580. Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio.§ 1º A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou.§ 2º O divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de dois anos.”

O procedimento do divórcio indireto conta o prazo desde o trânsito em julgado de uma das decisões ali mencionadas. De fato, a definição deste termo a quo é uma das principais finalidades da cautelar de separação de corpos, o que vale também para a separação de fato: nada mais concreto, como meio de prova da separação de fato, do que uma decisão cautelar de separação de corpos.

O divórcio tem previsões que ainda se seguem pela Lei 6.515/77, que ainda vige supletivamente. Há alguns dispositivos que são duvidosos, porém. Vejao artigo 36 desta lei, por exemplo:

“Art 36 - Do pedido referido no artigo anterior, será citado o outro cônjuge, em cuja resposta não caberá reconvenção. Parágrafo único - A contestação só pode fundar-se em: I - falta do decurso de 1 (um) ano da separação judicial; (Redação dada pela Lei nº 7.841, de 17.10.1989)II - descumprimento das obrigações assumidas pelo requerente na separação.”

À época, entendeu-se que o réu do divórcio conversão, portanto, poderia obstar o divórcio se alegasse que as obrigações assumidas na separação, seja consensual ou litigiosa, foram descumpridas. A maioria da doutrina entende que esta norma não pode mais ser aplicada, hoje, porque é inconstitucional, não tendo sido recepcionada: ela viola inaceitavelmente o princípio da facilitação do rompimento do vínculo, pois não há como se admitir a negativa do divórcio, hoje, senão pela insuficiência do prazo.

O divórcio direto, constante do § 2º do artigo 1.580 do CC, supra, nada mais é do que o divórcio ajuizado diretamente após cumprimento do prazo de dois anos de separação de fato. Se no divórcio conversão não se permitia discussões quaisquer de culpa, de descumprimento de obrigações e outros temas, muito menos se os admite aqui: a única causa debatível neste procedimento é o preenchimento ou não do prazo.

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Por esta peculiaridade, não é possível que se cumule o pedido de divórcio direto com petição de alimentos, por exemplo. Os ritos são diferentes, havendo quem diga que seja inadmissível a cumulação, por dificultar a dissolução do vínculo, especialmente se inserir discussão de culpa. No entanto, a jurisprudência tem admitido a cumulação de pedidos, e quando a questão dos alimentos se demonstrar muito problemática, pode adotar a seguinte postura: decretar alimentos provisórios e dissolver o vínculo, remetendo a decisão final sobre os alimentos à via procedimental adequada (onde haverá melhor instrução, por exemplo) – tudo em prol da facilitação da dissolução do vínculo. A mera cumulação, sem esta ressalva da possibilidade de fracionar posteriormente, de fato, é incoerente com este princípio, mas há quem a admita – inclusive o TJ/RJ.

A prova dos dois anos de separação de fato, no divórcio direto consensual, se faz na forma do artigo 1.122 do CPC:

“Art. 1.122. Apresentada a petição ao juiz, este verificará se ela preenche os requisitos exigidos nos dois artigos antecedentes; em seguida, ouvirá os cônjuges sobre os motivos da separação consensual, esclarecendo-lhes as conseqüências da manifestação de vontade.§ 1º Convencendo-se o juiz de que ambos, livremente e sem hesitações, desejam a separação consensual, mandará reduzir a termo as declarações e, depois de ouvir o Ministério Público no prazo de 5 (cinco) dias, o homologará; em caso contrário, marcar-lhes-á dia e hora, com 15 (quinze) a 30 (trinta) dias de intervalo, para que voltem a fim de ratificar o pedido de separação consensual.§ 2º Se qualquer dos cônjuges não comparecer à audiência designada ou não ratificar o pedido, o juiz mandará autuar a petição e documentos e arquivar o processo.”

Há esta audiência de ratificação, na qual o juiz apura também as questões relativas a este requisito. Em regra, a prova é feita por meio de ao menos duas testemunhas, admitindo-se mesmo a juntada de declarações escritas destas testemunhas. Há ainda quem defenda que esta prova sequer precisa ser testemunhal: no TJ/BA, há um provimento que dispõe que basta a declaração dos próprios cônjuges de que estão separados há mais de dois anos para que este requisito temporal considere-se provado. No TJ/RJ, e na maior parte do país, porém, as testemunhas são necessárias.

Casos Concretos

Questão 1

João e Maria contraíram núpcias em 1988, pelo regime da comunhão parcial de bens. Separaram-se de forma consensual, em 1994, estabelecendo, entre outras cláusulas, que o imóvel que pertencia ao casal seria doado aos seus três filhos menores. Satisfeito o tempo exigido, Maria propõe contra João ação de conversão da separação em divórcio.

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Citado, o réu oferece contestação alegando o descumprimento da cláusula relativa ao imóvel, o que inviabilizaria a pretensão, de conformidade com o artigo 36 parágrafo único, inciso II da Lei 6.515/77. Deve o Juiz acolher o fundamento de defesa e rejeitar o pedido?

Resposta à Questão 1

De início, vale dizer que por muito tempo se discutiu a validade da promessa de doação, a força coercitiva desta promessa, eis que um ato de liberalidade não pode ser forçoso, obrigatório. Entretanto, hoje, prevalece a corrente que diz que esta promessa é possível e exigível, em função da autonomia da vontade do promitente doador.

Sendo assim, a promessa era exigível. Contudo, o meio de se a exigir escolhido – a impugnação ao divórcio por seu descumprimento – não mais subsiste no ordenamento. o dispositivo apontado não foi recepcionado pela CRFB, porque a negativa ao divórcio, por motivo diverso da falta de tempo para a conversão, é inaceitável, por violar o princípio da facilitação do desfazimento do vínculo.

Por isso, a conversão deve ser operada, debalde o descumprimento da obrigação, que deve ser demandado em via própria.

Com a vinda da atual Constituição da República, instaurou-se controvérsia sobre a questão. Posição majoritária é no sentido de que o inciso XI do parágrafo único do artigo 36 da Lei do Divórcio não foi recepcionado, uma vez que exige a Carta Constitucional tão só o lapso temporal, para a obtenção do divórcio. Assim, o descumprimento da obrigação não pode obstar a sua decretação, até porque a parte interessada poderá buscar o adimplemento forçado através da via executiva. Em sentido contrário, posição que mantêm íntegro o referido dispositivo, não havendo incompatibilidade com a CF, porque entender o contrário é incentivar o descumprimento das obrigações. Deve-se atentar que o atual Código Civil possibilita o divórcio apenas com a satisfação do prazo legal, sem qualquer outra exigência.

Quanto à doação, entendem uns que por tratar-se de ato de liberalidade, não se pode obrigar o seu cumprimento. Em sentido contrário, a cláusula de doação feita pelos cônjuges aos filhos, em acordo de separação homologado judicialmente, não se trata de promessa de doação, mas representa por si mesma negócio jurídico perfeito e acabado, produzindo os seus efeitos entre doadores e donatários e erga omnes, após seu registro no registro imobiliário.

Veja o seguinte julgado, do TJ/RJ:

“1995.002.02221 - AGRAVO DE INSTRUMENTO- DES. LUIZ EDUARDO RABELLO - Julgamento: 14/05/1996 - QUARTA CAMARA CIVEL - Doação de imóvel, à menor, filho dos doadores, homologado por sentença em separação consensual. Impossibilidade de arrependimento ainda mais que o pedido foi formulado por apenas um dos cônjuges e homologado. Recurso desprovido.”

Questão 2

Após um ano de separação judicial, Josué Martins propôs Ação de Conversão da Separação Judicial em Divórcio. Não se opôs Marinete Martins, sua ex-mulher, que

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apenas requereu continuar com o nome de casada. O pedido á acolhido pelo Autor, porém insurge-se o Ministério Público, manifestando-se no sentido de que a mulher deveria voltar a usar o seu nome de solteira, conforme determina o artigo 25 parágrafo único da Lei do Divórcio. Decida a questão.

Resposta à Questão 2

A regulamentação do uso do nome é trazida, hoje, no CC, e não se compatibiliza com a Lei 6.515/77. Aplica-se o artigo 1.588 do CC, já abordado, e a manutenção do nome é a regra, hoje, eis que passa a integrar a personalidade da pessoa. Por isso, a manutenção do nome de Marinete é devida.

A lei do divórcio previa a obrigatoriedade de o cônjuge voltar ao uso do nome anterior ao casamento, excepcionando apenas no caso e haver prejuízo para sua identificação, manifesta distinção entre o eu nome e os dos filhos da união dissolvida ou dano grave reconhecido em decisão judicial. Já anteriormente ao Código Civil atual, esta regra não era vista com rigor e conforme as circunstâncias peculiares, admitia-se ao cônjuge divorciado permanecer com o nome, principalmente quando havia a concordância do outro. Até mesmo porque o nome integra os atributos da personalidade. A matéria recebeu novo tratamento na nova lei civil e somente há previsão da perda do nome na separação judicial fundada na culpa, e ainda assim, de forma relativa. Nos demais casos, como no divórcio, cabe a opção ao cônjuge, conforme artigos 1.571, § 2° c/c § 2° do artigo 1.578, ambos do Código Civil, tendo sido, portanto, o parágrafo único do artigo 25 da Lei do Divórcio revogado por estes dispositivos.

Questão 3

Em ação de modificação e cláusula, proposta por Caio em face de Berenice, pretende o Autor exonerar-se da obrigação alimentar e que seja modificado o nome da ré, já que estando eles agora divorciados e tendo, esta capacidade financeira para seu auto sustento, não se justifica o pensionamento que já vem há mais de 10 anos, onerando-lhe sensivelmente, principalmente, para a manutenção de sua nova família. Diante da questão, como decidiria.

Resposta à Questão 3

O pedido de exoneração pode ser provido pela desnecessidade de a ex-cônjuge continuar a havê-los, porque já conta com meios de subsistência. Quebra-se o binômio necessidade-possibilidade, pelo que a exoneração é possível.

Quanto ao nome, não basta que haja o pedido para que seja possível a ordem de retirada sobre o ex-cônjuge: é preciso que este seja culpado, e que não vá sofrer prejuizo com esta alteração. Só o pedido não basta.

Os deveres matrimoniais terminam definitivamente com o divórcio, entre eles o de assistência material. Assim, rompido o vínculo matrimonial, não mais subsiste a obrigação alimentar, salvo ante a demonstração inequívoca da necessidade e se a obrigação já tinha se estabelecido anteriormente ao divórcio. Provando-se que o ex-cônjuge tem possibilidade de se auto sustentar, é de se exonerar o alimentante da obrigação. Hodiernamente, alguns vêm

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entendendo que, apesar do divórcio, cabe o pedido de alimentos ante a irrenunciabilidade do direito.

“2002.001.11911 - APELACAO CIVEL - DES. MARLAN MARINHO - Julgamento: 01/07/2003 - DECIMA QUARTA CAMARA CIVEL.DIVORCIO. OBRIGACAO ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE. APELIDO DO MARIDO. EXTINCAO DO DIREITO. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR E DIREITO AO NOME DO EX-MARIDO. EXTINCÃO. CONSEQÜÊNCIAS DO DIVÓRCIO. Rompido o vínculo matrimonial com o divórcio, não mais subsiste a obrigação alimentar, a não ser em condições especiais, ante a demonstração da absoluta falta de recursos para a sobrevivência ou da impossibilidade de obtê-los, o que, definitivamente, não é o caso dos autos. Da mesma forma, o divórcio extingue o direito da mulher de usar o nome de família do ex-marido. Recurso provido, para julgar procedentes os pedidos.”

Tema V

Efeitos patrimoniais e pessoais da separação e divórcio em relação aos filhos. Proteção legal aos filhos. Partilha de bens. Ratificação. A Lei 11.441/07. Separação e divórcio consensual nos cartórios.

Notas de Aula6

1. Procedimento cartorário6 Aula ministrada pela professora Consuelo Aguiar Huebra, em 25/2/2010.

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A Lei 11.441/07 inseriu o já abordado artigo 1.124-A no CPC. Reveja o dispositivo:

“Art. 1.124-A.  A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. (Incluído pela Lei nº 11.441, de 2007).§ 1º  A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis. (Incluído pela Lei nº 11.441, de 2007).§ 2º  O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. (Redação dada pela Lei nº 11.965, de 2009).”

Obviamente, a via administrativa só tem lugar quando o divórcio ou separação for consensual, porque o tabelião não é competente para compor litígios de qualquer sorte, não exercendo jurisdição.

Além disso, não é possível a via cartorária quando houver direito indisponível em jogo, ou seja, quando houver menores ou incapazes envolvidos na relação. Ocorre que há que se observar uma tese peculiar, e bastante minoritária: mesmo havendo menores ou incapazes envolvidos na relação, se os cônjuges optarem por fazer a dissolução do vínculo na via cartorária, sem tangenciar quaisquer direitos dos incapazes, ou seja, reduzir o procedimento cartorário tão somente à quebra do vínculo, deixando o restante dos temas – alimentos para filhos, guarda, etc. – para uma oportunidade judicial posterior, seria admissível tal divórcio ou separação cartorária. Esta interpretação é a que melhor implementa o princípio da facilitação da dissolução do vínculo conjugal, mas ainda é pouco representativa, bastante minoritária.

Se quem é incapaz é o próprio cônjuge, e não um filho, o entendimento é de que também é inviável a separação ou divórcio cartorários: é necessária a via judicial. Em síntese, se há direito indisponível, por conta da incapacidade de qualquer dos envolvidos, a via cartorária é obstada.

Os requisitos legais quanto aos prazos são os mesmos da via judicial: um ano de casados, se se tratar de separação consensual; um ano para a conversão em divórcio; dois anos para o divórcio direto. A prova é também testemunhal, apresentadas as declarações em cartório.

Da escritura pública constarão, facultativamente, as soluções consensuais sobre descrição e partilha dos bens comuns, pensão alimentícia para o ex-cônjuge, e retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. Sobre os alimentos, se se trata de divórcio cartorário, e não há pedido de prestação, presume-se a renúncia, de acordo com a corrente mais moderna, já abordada.

Sobre a dispensa de homologação pelo juiz do acordo manifestado em cartório, a qual é consignada no § 1º, há que se perceber que cria uma diferença: se ao juiz é dado controlar o acordo feito na via judicial, como dispõe o parágrafo único do artigo 1.574 do CC, já abordado (por mais criticável que seja esta norma), deveria ser feito este controle na via cartorária, mas não o é.

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A presença do advogado é necessária para que ele promova a distribuição correta dos direitos, orientando as partes sobre o que lhes assiste. Além disso, a súmula 305 do STF informa que:

“Súmula 305, STF: Acordo de desquite ratificado por ambos os cônjuges não é retratável unilateralmente.”

Ora, vê-se que é grande a seriedade e definitividade do acordo, pelo que a assistência do advogado se torna ainda mais relevante.

O procedimento cartorário será gratuito para aqueles que se declararem pobres, da mesma forma que a via judicial, em atenção à Lei 1.060/50.

2. Efeitos patrimoniais da separação e do divórcio

Antes do divórcio ou da separação judicial, a separação de fato já opera significativa alteração patrimonial. Veja o artigo 1.576 do CC assim dispõe:

“Art. 1.576. A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens.Parágrafo único. O procedimento judicial da separação caberá somente aos cônjuges, e, no caso de incapacidade, serão representados pelo curador, pelo ascendente ou pelo irmão.”

Apesar da literalidade do dispositivo, a jurisprudência já pacificou entendimento de que o que rompe o regime de bens é a separação de fato, e não apenas a judicial. E a separação de fato pode ser certificada, por exemplo, por meio da cautelar de separação de corpos.

Havendo a separação de fato, portanto, o regime de bens cai por terra, e não mais vige qualquer comunicabilidade entre os bens dos cônjuges, mesmo que ainda não se tenha operado a separação judicial ou o divórcio. Contudo, é perigoso não se certificar fortemente desta circunstância de separação fática, pelo que é recomendável, mesmo, o ajuizamento da separação cautelar de corpos, para o fim de criar, com esta separação, o marco inquestionável da separação de fato.

Casos Concretos

Questão 1

André e Antônia casaram-se em 1987, convencionando o regime da comunhão universal. A mulher levou para o casamento três apartamentos, adquiridos por seu próprio esforço econômico, e o marido ingressou na vida conjugal já proprietário de um sítio em Itatiaia. Durante o casamento, o patrimônio cresceu, pois André recebeu de herança de um tio uma casa gravada com a cláusula de inalienabilidade, e adquiriu, por compra e venda, dois apartamentos. Passados dez anos de casamento, Maria apresentou doença mental

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grave, o que levou André a aforar pedido de separação judicial em março de 2003. Verificando o Juiz que a doença realmente era grave e de cura improvável, julgou procedente o pedido. Considerando-se que mantinham, até o momento da separação, o patrimônio acima apresentado, como deverá ser feita a partilha?

Resposta à Questão 1

Como efeito da separação fundada em doença mental grave de um dos cônjuges, perde o cônjuge requerente o direito à meação sobre os bens que o cônjuge enfermo levou para o casamento ou os seus remanescentes. Com o atual Código Civil, essa penalidade incide apenas no caso de separação fundada em enfermidade mental do cônjuge demandado, diferentemente do sistema anterior, no qual a Lei do Divórcio incluía nas duas hipóteses dos parágrafos 1° e 2° do artigo 1.572 do CC.

Conforme observa Yussef Said Cahali, a penalidade imposta ao demandante derroga retroativamente a comunicabilidade dos bens. Quanto aos bens adquiridos na constância do casamento, alguns sustentam que a norma dá ensejo a que se entenda que a meação que caberia ao demandante reverte-se para o cônjuge doente. Neste caso, haveria a cláusula de dureza em todos os regimes que permitem a comunicação de bens durante o casamento, comunhão universal, comunhão parcial, participação de aquestos.

Questão 2

Paulo ajuizou ação com objetivo de obter a conversão de separação judicial em divórcio. Citada, Márcia, a esposa, alega que o divórcio ainda não pode ser concedido, com base no art. 36 da Lei 6.515/77, uma vez que os bens ainda não foram partilhados, apesar de admitir o transcurso de mais de 1 ano de separação judicial. O varão alegou, por sua vez, que o único bem que possuía havia sido adquirido quando se encontravam casados, porém já separados de fato. Márcia afirma que se o bem foi adquirido quando ainda estavam casados, deveria entrar no patrimônio do casal, com vistas à dissolução, o que impediria a conversão da separação judicial em divórcio antes de partilhar o referido bem, uma vez que a sentença separatória afirmou que deveria o casal providenciar a partilha de bens, no prazo de 6 meses. O regime de bens adotado era o da comunhão universal. Resolva o caso, justificadamente.

Resposta à Questão 2

O descumprimento de cláusulas assumidas na separação não obsta o divórcio. O artigo 36 da Lei 6.515/77 não tem aplicação, nesta parte, por violar o princípio da facilitação da dissolução do vínculo.

Sobre a comunicabilidade do bem do varão, alegada pela cônjuge, não é procedente: não há mais comunicabilidade desde quando a separação de fato se operou, comprovadamente: separados de fato, o regime de bens tem fim.

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Tema VI

Parentesco. Espécies. Parentesco natural e civil. Classificação. Afinidade. Filiação. Paternidade presumida. Técnicas de reprodução assistida. Reconhecimento voluntário e forçado de filiação. Métodos de pesquisa do vínculo filial. Prova genética pelo DNA. Ações filiatórias. A Lei 8.560/92 e o Código Civil. Paternidade socioafetiva.

Notas de Aula7

1. Parentesco

7 Aula ministrada pela professora Katylene Collyer Pires de Figueireedo, em 26/2/2010.

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Parentesco é a relação que liga pessoas que descendem umas das outras ou de um tronco comum – ascendentes, descendentes e colaterais – bem como a que liga os cônjuges aos parentes do outro cônjuge – parentesco por afinidade.

Para a lei, o parentesco não supera o quarto grau, quando colateral, algo que é relevante também para outros ramos do direito: causa impedimentos ou suspeições para juizes e peritos, inelegibilidades eleitorais, etc.

Todo e qualquer tipo de filiação tem o mesmo valor para o direito. Não há qualquer diferenciação entre filhos naturais ou adotados, surgindo o parentesco do adotado com todos os que são do tronco ou da linha, até o quarto grau. Trata-se de um princípio constitucional, da proibição à diferenciação entre os filhos, naturais ou não. Uma única diferença que pode o ascendente promover entre seus filhos diz respeito à liberdade de testar: pode ele optar por favorecer um filho qualquer com até a metade de seus bens, sem desfigurar a participação daquele filho que recebe tal vantagem no bojo da herança legítima. Afora isto, filhos não podem ter tratamento desigual. Esta exceção, inclusive, consiste em uma ponderação legal entre a liberdade patrimonial e o dever familiar.

1.1. Vínculo parental

O vínculo pode ser por linha reta ou colateral. Na linha reta, entre ascendentes e descendentes, o parentesco se estende ao infinito; na colateral, limita-se ao quarto grau. Veja os artigos 1.591 e 1.592 do CC:

“Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes.”

“Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra.”

Vale a pena traçar um esquema gráfico que ilustre a genealogia básica. O quadro abaixo representa toda a gama de parentesco consangüíneo reconhecida no direito brasileiro, demonstrada somente por um lado da árvore genealógica – o lado paterno –, lembrando que o mesmo se espelha no lado materno. As relações em linha reta se prolongam ao infinito, pois não há limitação de graus neste tronco; contudo, as relações de parentesco colateral são limitadas ao quarto grau8, segundo o artigo 1.592 do Código Civil:

8 No antigo CC, de 1916, a relação se estendia até o 6º grau.

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Indivíduo

Pai

Avô

Filho

Neto

Bisneto

Irmão

Tio

Primo

Tio-avô

Sobrinho

Sobrinho-Neto

Legenda:

Parentesco consangüíneo em linha reta de 1º grau

Parentesco consangüíneo em linha reta de 2º grau

Parentesco consangüíneo em linha reta de 3º grau

Prolongamento indefinido

Prolongamento indefinido

Bisavô

Parentesco consangüíneo colateral de 3º grau

Parentesco consangüíneo colateral de 2º grau

Parentesco consangüíneo colateral de 4º grau

Indivíduo em análise

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As relações que envolvem parentesco civil (adoção, reprodução artificial heteróloga ou a moderna concepção do parentesco socioafetivo) desenvolvem-se nos mesmos moldes, somente se classificando com o termo parentesco civil onde se lê parentesco consangüíneo. Como exemplo, se o indivíduo for o adotado, seu irmão é parente civil colateral de segundo grau. esta nomenclatura não implica em discriminação de qualquer natureza entre o parente civil e o consaguíneo.

O parentesco por afinidade se verifica também da mesma forma, pois basta substituir-se o cônjuge ou o companheiro na posição do indivíduo em análise, e classificar toda a gama de parentesco como por afinidade, ao invés de consangüíneo – valendo salientar que a afinidade se limita ao segundo grau, colateralmente. Como exemplo, em relação ao cônjuge do indivíduo o irmão deste é parente por afinidade colateral de segundo grau.

Os alimentos, na linha reta, são devidos entre quaisquer parentes, em qualquer grau, com atenção apenas à regra de que os mais próximos excluem os mais remotos, quando puderem prestar alimentos – proximior excludit remotiorem.

O direito sucessório persiste até este quarto grau colateral, mas a obrigação alimentar, na linha colateral, persiste apenas até o segundo grau – apenas há esta obrigação entre irmãos, portanto. Isto gera uma certa desigualdade, pois sobrinhos são herdeiros de um tio, mas não são obrigados alimentares por este.

O Estatuto do Idoso prevê que os filhos são responsáveis solidários pelos alimentos ao pai idoso.

Como dito, o parentesco pode ser natural ou civil. Veja o artigo 1.593 do CC:

“Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.”

Sobre este artigo, veja os enunciados 103 e 256 do CJF:“Enunciado 103, CJF: Art. 1.593: o Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade sócio-afetiva, fundada na posse do estado de filho.”

“Enunciado 256, CJF: Art. 1.593: A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil.”

A parentalidade socioafetiva é aquela surgida da relação de fato empreendida entre as pessoas. A paternidade socioafetiva, segundo a doutrina, se presta a certificar o direito a ter um pai pelo vínculo de afeto criado, mesmo sem haver vínculo biológico, não se prestando para a negativa de uma paternidade biológica, por óbvio: pode o pai não-

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biológico consolidar-se como pai socioafetivo, mas não pode o pai biológico derrogar-se desta qualidade alegando não ter vínculo socioafetivo com o filho.

A pessoa não pode ter dois pais, um biológico e um socioafetivo. Isto é pacífico na doutrina e jurisprudência. Há apenas um autor, Rolf Madaleno, que defende que se o pai socioafetivo for pessoa pobre, pode o filho investigar sua origem genética (investigação esta, diga-se, que é sempre possível, pois todos têm o direito a buscar sua origem genética) com o fito de buscar alimentos junto ao pai biológico – posição bem isolada.

O parentesco por afinidade, fixado entre o cônjuge e o companheiro e os parentes do outro cônjuge ou companheiro, está no artigo 1.595 do CC:

“Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.§ 1º O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.§ 2º Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.”

Não existe parente por afinidade do parente por afinidade: a sogra de um dos cônjuges não se torna parente da mãe dele, por exemplo.

Outra peculiaridade do parentesco por afinidade vem no § 2º do artigo supra: na linha reta, não se extingue jamais. Mesmo que os cônjuges ou companheiros dissolvam a relação, os parentes por afinidade permanecerão ligados ao ex-consorte (sogra, de fato é para sempre). Assim, os impedimentos gerados por esta situação são perenes.

Maria Berenice Dias defende que os parentes por afinidade, na linha reta, tem também obrigações alimentares entre si, em razão do princípio da solidariedade. É voz isolada.

2. Filiação

O artigo 1.596 do CC inaugura o tema com o principal paradigma: não se pode diferenciar filhos de qualquer sorte. Veja:

“Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”

Até mesmo a menção a uma adoção, por exemplo, poderia ser considerada uma certa discriminação, a depender da forma com que se menciona tal condição. Filho é filho, sem adjetivação.

O artigo 229 da CRFB consagra o princípio da paternidade responsável:

“Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”

Neste diapasão, se o pai deixa de matricular o filho no ensino fundamental, por exemplo, está cometendo crime de abandono intelectual, do artigo 246 do CP, tipo penal que é subsidiado justamente neste princípio:

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“Abandono intelectualArt. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.”

O abandono afetivo, por seu turno, não é ainda reconhecidamente um ato ilícito, sequer cível. Há julgado do TJ/MG reconhecendo que a falta de afeto é uma quebra do dever de paternidade responsável, mas o STJ não manteve esta tese – mas a não manutenção não é unânime. Nos votos do julgado do STJ, diga-se, há quem reconheça a possibilidade de ilicitude nesta falta de afeto pelo pai, apenas não reconhecendo o dano no caso concreto apresentado. Por isso, a discussão persiste.

2.1. Prova da filiação

O artigo 1.603 do CC diz que:

“Art. 1.603. A filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil.”

Este artigo tem interpretação pelo CJF, no enunciado 108:

“Enunciado 108, CJF: Art. 1.603: no fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se, à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consangüínea e também a sócio-afetiva.”

2.2. Presunção de paternidade

O artigo 1.597 do CC dispõe:

“Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.”

Por conta desta presunção, a mulher casada que comparece ao cartório de registro civil de pessoas naturais para registrar seu filho, munida da certidão de casamento, poderá registrá-lo em nome do marido, sem que este esteja presente. Esta presunção não se aplica na união estável, sequer se esta união for titulada por escritura pública – é uma previsão exclusiva para o casamento.

As presunções dos incisos I e II do artigo supra dizem respeito aos prazos gestacionais, como se pode perceber. A presunção do inciso II gera uma controvérsia, pois pode conflitar diretamente com a presunção do inciso I: se a pessoa se casar imediatamente após a dissolução da relação anterior, e o filho nascer após cento e oitenta dias após este

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casamento, estará incidente a presunção de ambos os incisos. Neste caso, a investigação genética será o meio necessário para solucionar a questão.

A fecundação artificial homóloga, do inciso III, é aquela que se utiliza do material genético do marido e da mulher, não usando material genético de terceiros. Neste caso, mesmo falecido o marido, presume-se a paternidade.

No inciso IV, o dispositivo também trata da concepção homóloga, mas havida de embrião excedentário, ou seja, aqueles guardados de uma inseminação in vitro e posteriormente implantados. Questão bastante polêmica diz respeito à possibilidade de um embrião nestes moldes ser sucessor de seu pai, pré-morto, e, se há esta sucessão, por quanto tempo seria possível. A orientação mais clara é de que só se o embrião for implantado até o momento da morte do pai é possível esta sucessão: se implantado após, mesmo que ainda vá ser considerado filho do falecido genitor, não terá direito sucessório, porque a saisine só se opera para os que coexistem com o morto. Mas há quem entende que há, sim, direitos sucessórios, apenas limitando-os ao implantado em até dois anos após a morte do pai, por analogia ao artigo 1.800, § 4º, do CC:

“Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz.(...)§ 4º Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos.”

Todas as hipóteses de presunção de paternidade, aqui tratadas, são relativas, podendo ser afastada pela ação negatória de paternidade. No inciso V do artigo em comento, porém, surge uma presunção absoluta: presume-se pai aquele que autorizou a mulher a proceder a uma inseminação artificial heteróloga, ou seja, a se valer de embrião formado por material genético externo. Esta presunção é absoluta por motivo simples: se for empreendida uma investigação genética do filho, é claro que ele não será biologicamente ligado ao pai, por ser oriundo de matéria genética de terceiros. Não significa, porém, que não possa este pai deduzir em juízo uma eventual falta ou vício na autorização que fundamenta a presunção.

Pelo ensejo, vale mencionar a questão polêmica sobre os embriões excedentários. A técnica de fertilização in vitro acaba gerando uma pluralidade de embriões, que muitas vezes não serão implantados. O destino que deve ser dado a estes embriões ainda é discutido, mas o STF resolveu a questão, na ADI 3.510, proposta contra a Lei de Biossegurança, 11.105/05: esta lei determina que os embriões não implantados serão guardados por prazo de três anos, após o que os pais deverão ser notificados para manifestar interesse em implantá-los, e, não havendo este interesse, serão cedidos a pesquisas de células-tronco. Veja o artigo 5º desta lei, não declarado inconstitucional:

“Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:I – sejam embriões inviáveis; ouII – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.§ 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

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§ 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.§ 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.”

Outra hipótese polêmica consiste na “barriga de aluguel”. A matéria é tratada na Resolução 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, como se vê no item VII deste ato:

“VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)As Clínicas, Centros ou Serviços de Reprodução Humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora genética.1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.2 - A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.”

Os pais biológicos são pais para todos os fins, não havendo qualquer direito para a doadora temporária de útero. Por isso, em uma eventual negativa de entrega da criança, os pais podem ajuizar de plano a busca e apreensão do filho.

2.3. Ação negatória de paternidade

Diz o artigo 1.601 do CC:

“Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.Parágrafo único. Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação.”

Deve ser combinado este dispositivo com o artigo 1.604 do CC:

“Art. 1.604. Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro.”

Não havendo erro ou falsidade, não pode haver negação da paternidade: se o pai, por exemplo, sabia da condição de não-pai biológico, e mesmo assim assumiu a criança por vontade plena não viciada, não poderá questionar este registro, mesmo que a prova genética seja-lhe favorável. A respeito, veja a Apelação Cível 2005.001.05757, do TJ/RJ:

“Processo: 0051800-65.2000.8.19.0001 (2005.001.05757). 1ª Ementa – APELACAO. DES. CELIA MELIGA PESSOA - Julgamento: 02/08/2005 - DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL. APELAÇÃO CÍVEL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE CUMULADA COM ANULAÇÃO DE REGISTRO. Apelação contra a sentença que julgou improcedente o pedido de anulação de registro, em face da verificação de paternidade sócio afetiva. Prova dos autos confirmando que o autor decidiu assumir a paternidade da menor, voluntária e consciente de que ela não era sua

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filha, por razões sócio afetivas, registrando-a como filha ao invés de adotá-la regularmente, daí não ser decisivo o exame de DNA, porquanto as partes sempre souberam que não tinham filiação sangüínea. Não há que se falar em ofensa aos princípios constitucionais invocados pelo apelante, porquanto as causas de pedir para a anulação do registro de nascimento de cada filha são distintas, a da menor que presumia ser sua filha, em razão do erro, e a segunda, que sabia não ser sua filha, e registrou por razões afetivas, fundado apenas no arrependimento de tê-lo feito, o que se revela Inviável em sede de família, em que se prestigia a consolidação e segurança das relações jurídico-afetivas. Ademais, ao simular paternidade inexistente, registrando filho alheio como próprio, não pode se valer da própria torpeza para, arrependido, desconstituí-lo, caso em que tal perfilhação deve ser equiparada a uma adoção, para todos os efeitos, tornando irrevogável o ato. Precedentes desta Corte. DESPROVIMENTO DO RECURSO.”

2.4. Formas de reconhecimento dos filhos

O CC trata do tema nos artigos 1.607 a 1.617, os quais serão abordados pontualmente, e há também a Lei 8.650/92, que trata da investigação de paternidade.

O reconhecimento pode ser voluntário, praticado pelo simples comparecimento do pai ao registro. Como forma de incentivo a esta forma de reconhecimento, há a chamada averiguação oficiosa: quando o oficial cartorário recebe um pedido de registro sem pai, pede à mãe que diga o nome do pai, passando ao juiz da vara de registros públicos esta informação, para que ele notifique este suposto pai para que ele compareça ao registro e reconheça o seu filho. Se o apontado vier e reconhecer, está solucionada a questão; se não, remete-se o procedimento ao MP, para que este promova a investigação de paternidade. Veja o artigo 2º desta Lei 8.560/92:

“Art. 2° Em registro de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida, o oficial remeterá ao juiz certidão integral do registro e o nome e prenome, profissão, identidade e residência do suposto pai, a fim de ser averiguada oficiosamente a procedência da alegação.§ 1° O juiz, sempre que possível, ouvirá a mãe sobre a paternidade alegada e mandará, em qualquer caso, notificar o suposto pai, independente de seu estado civil, para que se manifeste sobre a paternidade que lhe é atribuída.§ 2° O juiz, quando entender necessário, determinará que a diligência seja realizada em segredo de justiça.§ 3° No caso do suposto pai confirmar expressamente a paternidade, será lavrado termo de reconhecimento e remetida certidão ao oficial do registro, para a devida averbação.§ 4° Se o suposto pai não atender no prazo de trinta dias, a notificação judicial, ou negar a alegada paternidade, o juiz remeterá os autos ao representante do Ministério Público para que intente, havendo elementos suficientes, a ação de investigação de paternidade.§ 5° A iniciativa conferida ao Ministério não impede a quem tenha legítimo interesse de intentar investigação, visando a obter o pretendido reconhecimento da paternidade.”

O reconhecimento forçado é aquele provocado por meio de uma ação judicial de investigação, reconhecido pelo juiz apenas.

Questão outrora polêmica é sobre a possibilidade ou não de se compelir o sujeito apontado como pai a realizar o exame de DNA. A súmula 301 do STJ resolveu a questão:

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“Súmula 301, STJ: Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.”

Esta presunção é relativa, e se exige, de fato, mais algum elemento mínimo que dê indício de que existiu relação entre a mãe e o suposto genitor, sob pena de gerar situações injustas. Um mínimo de prova da existência de uma relação é necessário, pois se assim não o for poderia qualquer pessoa apontar qualquer outra como suposto pai.

Pode o sujeito se negar a fazer o exame, sendo presumidamente pai, portanto. Ocorre que esta presunção é relativa, e ele poderá, posteriormente, produzir o exame e provar a ausência do vínculo biológico, mas até que momento pode o pai presumido questionar esta presunção?

Quando não existia o exame de DNA, a sentença que fixava a paternidade o fazia com base em outras provas; surgido o DNA, estas sentenças puderam ter a coisa julgada desconsiderada, em função da nova prova, demonstrando que a sentença era inconstitucional. Mas a situação questionada acima é diferente: o exame existia, e o suposto pai simplesmente não o fez, sendo fixada sua paternidade em coisa julgada. A questão ainda não tem solução jurisprudencial9.

Se a investigação de paternidade apontar mais de um suposto pai na mesma ação, e ambos se negarem a realizar o exame, não há solução, porque não se pode presumir que haja dois pais. Com base nisso, inclusive, parte da doutrina entende incabível a cumulação de réus no pólo passivo da investigatória, pelo que a presunção se imporá para aquele que for demandado primeiro e se negar ao exame.

A ação de investigação de paternidade pode ser cumulada com pedido de alimentos, e mesmo que não o seja, pode o juiz fixá-los de ofício. Os alimentos correm desde a citação, como já se posicionou o STJ em entendimento sumulado:

“Súmula 277, STJ: Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação.”

O filho pode também questionar o registro, na forma do artigo 1.614 do CC:

“Art. 1.614. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação.”

A lei traz prazo de quatro anos para o menor, desde a completitude da maioridade ou da emancipação. Contudo, este prazo não é aplicado, por questão de isonomia e mesmo de lógica: se o pai pode contestar a paternidade a qualquer tempo, sendo a ação imprescritível, não há justificativa para a limitação ao direito de o filho questionar tal fato, sobremaneira por se tratar de ação de estado, imprescritível por natureza.

O reconhecimento da paternidade é irrevogável, mesmo quando feito em testamento, ato que é revogável por natureza: se o testador reconhece a paternidade no ato, e depois o revoga, todos os efeitos do testamento revogado desaparecem, à exceção do reconhecimento realizado, que permanece por ser irrevogável.

9 Em opinião pessoal, entendo que se o pai se nega ao exame no curso da ação, e por isso é declarado pai na sentença, uma vez esta transitada em julgado não mais poderá ser derrogada. Se a sentença foi calcada na presunção que poderia ter sido elidida pelo réu, não pode ele se valer desta negativa para, posteriormente, relativizar a coisa julgada, porque estaria se valendo de prova que poderia ter sido utilizada à época e não o foi. Fica a questão.

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A Lei 8.560/92, anterior ao CC, prevê no artigo 3º que:

“Art. 3° E vedado legitimar e reconhecer filho na ata do casamento.Parágrafo único. É ressalvado o direito de averbar alteração do patronímico materno, em decorrência do casamento, no termo de nascimento do filho.”

Esta previsão não se coaduna com a nova sistemática, e por isso não foi mantida, tendo sido derrogada pelo artigo 1.609 do CC, que não traz esta vedação:

“Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:I - no registro do nascimento;II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.”

O reconhecimento, portanto, pode ser feito em qualquer meio.O cancelamento do registro é uma consequência lógica do reconhecimento de nova

paternidade. Veja o REsp. 693.230, a este respeito:

“REsp 693230 / MG. RECURSO ESPECIAL. Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI. Órgão Julgador - TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento: 11/04/2006. Data da Publicação/Fonte: DJ 02/05/2006 p. 307.Ementa: Direito civil e processual civil. Recurso especial. Ação de investigação de paternidade c/c petição de herança e anulação de partilha. Decadência. Prescrição. Anulação da paternidade constante do registro civil. Decorrência lógica e jurídica da eventual procedência do pedido de reconhecimento da nova paternidade. Citação do pai registral. Litisconsórcio passivo necessário.- Não se extingue o direito ao reconhecimento do estado de filiação exercido com fundamento em falso registro. - Na petição de herança e anulação de partilha o prazo prescricional é de vinte anos, porque ainda na vigência do CC/16.- O cancelamento da paternidade constante do registro civil é decorrência lógica e jurídica da eventual procedência do pedido de reconhecimento da nova paternidade, o que torna dispensável o prévio ajuizamento de ação com tal finalidade.- Não se pode prescindir da citação daquele que figura como pai na certidão de nascimento do investigante para integrar a relação processual na condição de litisconsórcio passivo necessário. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.”

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Casos Concretos

Questão 1

Representado por sua mãe, Vanda, Felipe propôs Ação de Investigação de Paternidade contra o seu pai biológico, José, apresentando como prova apenas testemunhas que sabiam do envolvimento afetivo de sua mãe com o demandado. O Juiz determinou a realização do exame de DNA, deferindo pedido do Autor. Ante a recusa do investigado, o Juiz determinou sua condução à realização do exame. O réu, inconformado, impetra Habeas Corpus, chegando o feito ao Supremo Tribunal Federal. Na análise do caso concreto, pronuncie-se, tendo em vista a tutela constitucional aos direitos do investigante e do investigado.

Resposta à Questão 1

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A questão é simples: o exame não pode ser realizado coercitivamente, dada a liberdade constitucional em não dispor de seu material genético, mas a negativa em fazê-lo gera presunção relativa de que o indivíduo apontado no pólo passivo é o pai, por conta do dever de proteção ao filho e o direito à identidade. Aplica-se a redação da súmula 301 do STJ.

Verifica-se na questão um conflito de interesses fundamentais. Põe-se em conflito os direitos do filho investigante e os do pai investigado Podendo se invocar em favor do investigado, o princípio da legalidade, o direito à privacidade, à intimidade, à liberdade, à intangibilidade física e em favor do investigante, a tutela da dignidade da pessoa humana, o princípio da paternidade real, da paternidade responsável, o direito à sua identidade, G tema é controvertido. O STF, apresentando divergência, sustentam uns a possibilidade da realização forçada do exame genético de DNA, pois a CF e o ECA deram nova conformação aos direitos da criança e ao adolescente, priorizando os seus interesses. Por outra, o princípio da intangibilidade do corpo humano, que protege um interesse privado, deve dar lugar ao direito à identidade, que além de um interesse privado, é também um interesse público.

Defendendo outros, posição que prevalece, inclusive no STJ, que não pode o investigado ser conduzido coercitivamente a submeter-se ao exame genético de DNA, em razão do princípio da legalidade e ainda o princípio de que ninguém pode fazer prova contra si mesmo. Todavia, para preservação dos direitos fundamentais, a recusa do investigado em submeter-se ao exame de DNA, inverte o ônus da prova, atuando como presunção da paternidade

Veja os seguintes julgados:

“STF. HC 71373-4-RS; Relator: Min. FRANCISCO REZEK; Julgamento: 10/11/1994 INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - EXAME DNA - CONDUÇÃO DO RÉU "DEBAIXO DE VARA". Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas - preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer - provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, "debaixo de vara", para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos.”

“2001.001.04366 - APELACAO CIVEL - DES. LUIZ EDUARDO RABELLO - Julgamento: 24/10/2001 - DECIMA PRIMEIRA CAMARA CIVEL - INVESTIGACAO DE PATERNIDADE. ALIMENTOS. CUMULACAO DE PEDIDOS. EXAME DE D.N.A. RECUSA. PRESUNCAO DE PATERNIDADE. FIXACAO DA PENSAO ALIMENTÍCIA. RECURSO DESPROVIDO. Acao de Investigacao de Paternidade. A recusa do pai em submeter-se ao exame de DNA, embora legitima em face dos direitos fundamentais constantes da Constituicao Federal, inverte todavia o onus da prova, transformando a possibilidade de paternidade em probabilidade. A recusa injustificada ao exame, o malogro do investigado em provar sua inocencia, em conjunto com os indicios extraidos das provas orais produzidas, sao o bastante para que o pedido da investigante seja julgado procedente. Recurso improvido.”

Questão 2

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Nádia, já com 25 anos de idade, sabedora de que Alex não é seu pai, promove ação de anulação de registro civil, o qual foi declarado por sua mãe, em razão da presunção legal da paternidade, já que seus pais eram casados à época de sua concepção. O Réu contesta alegando a decadência, com fundamento no artigo 1.614 do Código Civil, já que teria ela apenas o prazo de quatro anos, contados do momento em que atingiu a maioridade ou a emancipação, o que ocorrera há muito. Pode ser acolhida a pretensão autoral?

Resposta à Questão 2

Este prazo normativo é inaplicável, porque mesmo que a lei preveja este prazo, a questão de fundo discutida nesta ação é uma questão de estado, e por isso naturalmente imprescritível, eis que ligada aos direitos da personalidade.

Veja o Ag. Rg. no REsp. 440.472:

“AgRg no REsp 440472 / RS. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL . Relator Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO. Órgão Julgador - TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento: 01/04/2003. Data da Publicação/Fonte: DJ 19/05/2003 p. 225.Civil. Investigação de paternidade. Registro civil. Anulação. Prescrição.I. - O direito do filho de buscar a paternidade real, com pedido de anulação retificação de registro de nascimento em caso de falsidade praticada pela mãe é imprescritível, não se aplicando o disposto no art. 178, § 9º, VI, do Código Civil. Precedentes. II. - Decisão mantida, porque em sintonia com a jurisprudência mais moderna e majoritária desta Corte.III. - Agravo regimental desprovido.”

Questão 3

Alexandre, menor púbere assistido por sua mãe, ajuizou ação de indenização por danos morais em face de seu pai Vicente, por ter o demandado se afastado do lar há quinze anos. Alega, na inicial, que até seus seis anos de idade manteve contato com seu pai de maneira razoavelmente regular, mas após o nascimento de sua irmã, a qual ainda não conhece, fruto de novo relacionamento conjugal de seu pai, este afastou-se definitivamente. Em torno de quinze anos de afastamento, todas as tentativas de aproximação efetivadas pelo demandante restaram infrutíferas, não podendo desfrutar da companhia e dedicação de seu pai, já que este não compareceu até mesmo em datas importantes, como aniversários e formatura. Fundamenta o seu pedido, afirmando que a Constituição Federal de 1988, no artigo 227, quando prevê o direito da criança à convivência familiar e a coloca a salvo de toda forma de negligência, não se dirige somente ao Estado, à sociedade ou a estranhos mas a cada membro da própria família. Alega, ainda, que desenvolveu sintomas psicopatológicos e que o tratamento psicológico ao qual se submete há mais de dez anos advém da desestruturação causada pelo abandono paterno. Vicente, devidamente citado, contestou o feito sob o fundamento de que não há lei que o obrigue a conviver com alguém com quem não sente qualquer afinidade e, além do mais, não há nexo de causalidade entre o seu afastamento e o desenvolvimento de doenças psicológicas pelo demandante. Concluiu, afirmando que, quando à sua obrigação alimentar, sempre supriu as necessidades do filho. Diante do caso, decida fundamentadamente.

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Resposta à Questão 3

A posição majoritária é de que a falta de afeto não gera danos morais. Contudo, a questão ainda é discutível.

Veja o REsp. 757.411, dispondo incabível, mas logo abaixo veja a decisão do TJ/MG que gerou este REsp, na qual o dano moral foi reconhecido:

“REsp 757411 / MG. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro FERNANDO GONÇALVES. Órgão Julgador - QUARTA TURMA. Data do Julgamento: 29/11/2005. Data da Publicação/Fonte: DJ 27/03/2006 p. 299.Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE.1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária.2. Recurso especial conhecido e provido.”

“Apelação Cível nº 408.550-5 TJMG Rel. Unias Silva; Data do Julgamento: 01/04/2004 - INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE.A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana.”

Tema VII

Poder familiar. Histórico. Titularidade. Exercício quanto à pessoa do filho. Do usufruto e da administração dos bens dos filhos menores. Bens que se excluem da administração e do usufruto. Suspensão, perda e extinção. Procedimento. Competência. Da família substituta. Guarda com fins previdenciários. Adoção no Código Civil de pessoa maior de idade.

Notas de Aula10

1. Poder familiar

Este instituto representa o que outrora se chamava de pátrio poder, que refletia um poder dos pais em relação aos filhos. Historicamente, o pai tinha até mesmo poder de vida e morte sobre os filhos.

10 Aula ministrada pela professora Katylene Collyer Pires de Figueireedo, em 26/2/2010.

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Com o CC de 2002, a nomenclatura se modificou, passando a ser poder familiar, e mesmo este nome é criticado pela doutrina. Isto porque na verdade não se trata de um poder, realmente, estando mais claro como poder-dever, tendo a faceta de dever mais imposição do que a de poder. Também o termo “familiar” é criticado pela doutrina, pois os titulares do poder familiar são somente os pais, e não a família inteira, como o nome parece indicar. Morto um dos pais, o poder familiar se concentra no outro, supérstite. Veja os artigos 1.630 e 1.631 do CC:

“Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.”

“Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.”

Não é porque um dos pais tem a guarda exclusiva que o outro deixou de ter poder familiar sobre o filho: o poder persiste para os dois. Veja o artigo 1.632 do CC:

“Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.”

Havendo divergência no exercício do poder familiar, os pais poderão levar a juízo a controvérsia, quer estejam casados ou não. Não há prevalência da vontade de nenhum destes.

Caso curioso, recente, foi a constatação de danos morais para a mãe que se viu ausente do batismo do filho, porque o pai ocultou a data em que este se realizaria. Decorre diretamente do poder familiar o direito de estar presente aos fatos da vida da criança, e a perda de um destes fatos pode surtir dano moral ao pai prejudicado pelo outro ascendente. O direito ao convívio familiar assiste aos pais sempre, a despeito de estarem separados ou casados – o convívio é em prol da criança. Veja as notas do julgado, do STJ, constantes do informativo 421 desta Corte:

“DANOS MORAIS. BATISMO.O cerne da questão é definir se configura dano moral o fato de o pai separado da mãe batizar o filho sem o conhecimento dela. A Turma, por maioria, entendeu que, na hipótese, tratando-se da celebração de batismo, ato único e significativo na vida da criança, ele deve, sempre que possível, ser realizado na presença de ambos os pais. Assim, o recorrido (pai), ao subtrair da recorrente (mãe) o direito de presenciar a referida celebração, cometeu ato ilícito, ocasionando-lhe danos morais nos termos do art. 186 do CC/2002. Observou-se que a realização do batizado sob a mesma religião seguida pela mãe não ilidiu a conduta ilícita já consumada. REsp 1.117.793-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/2/2010.”

Sobre o exercício do poder familiar, veja o artigo 1.634 do CC:

“Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:I - dirigir-lhes a criação e educação;II - tê-los em sua companhia e guarda;III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

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IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.”

Os pais, com o poder familiar, têm direito a reclamar o filho de quem quer que ilegalmente o esteja detendo. O instrumento para tanto é a busca e apreensão do menor.

O inciso VII deste artigo supra permite que os pais exijam do filho a realização de pequenos serviços domésticos, como a arrumação da casa. Não permite, este dispositivo, que os pais empreguem seus filhos em trabalhos árduos, tampouco que obriguem-nos a trabalhar em emprego regular.

As obrigações dos pais se estendem apenas até os dezoito anos, mas a obrigação alimentar tem se estendido potencialmente até os vinte e quatro anos, quando o filho estiver cursando ensino superior. Esta idade não se limitou pela duração do curso, mas sim por uma analogia à legislação do IR, na qual o filho pode ser declarado como dependente até esta idade. Sobre a extinção do poder familiar, veja o artigo 1.635 do CC:

“Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar:I - pela morte dos pais ou do filho;II - pela emancipação, nos termos do art. 5o, parágrafo único;III - pela maioridade;IV - pela adoção;V - por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.”

Pode haver também a suspensão do poder familiar, na forma do artigo 1.637 do CC:

“Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.”

A condenação criminal por prazo maior do que dois anos leva À suspensão automática do poder familiar; por prazo menor, pode haver ação de suspensão do poder familiar, na qual se deve comprovar que o fato penal é também atentatório aos deveres do pai.

A perda do poder familiar tem as causas arroladas no artigo 1.638 do CC:

“Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:I - castigar imoderadamente o filho;II - deixar o filho em abandono;III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.”

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O abandono não tem prazo fixo para se configurar. Pode ser imediato – pais que lançam seus filhos na rua, deixando-os à própria sorte –, ou pode ser no curso de um período longo, variando na doutrina de três meses a um ano, quando abandonado em abrigos públicos, por exemplo.

Os atos atentatórios à moral ou costumes, para causar a perda do poder familiar, devem ser graves, capazes de expor a criança a desvirtuamentos morais severos. A constatação é casuística.

A Defensoria Pública poderia ajuizar ação de perda ou suspensão do poder familiar, em nome do filho? A jurisprudência não tem admitido, porque se trataria de uma auto-nomeação do defensor como curador especial, enquanto que o artigo 1.692 do CC fala que quem nomeia o curador é o juiz. Contudo, a DP tem tese de que tem esta legitimidade, esta prerrogativa de se auto-nomear. Veja o artigo mencionado:

“Art. 1.692. Sempre que no exercício do poder familiar colidir o interesse dos pais com o do filho, a requerimento deste ou do Ministério Público o juiz lhe dará curador especial.”

Debalde a discussão sobre a DP, a legitimidade do MP para esta ação é inquestionável. O procedimento judicial é comum, e a competência é do foro do local em que a criança se encontre, sem maiores questionamentos.

2. Usufruto e administração dos bens dos filhos menores

Os pais têm, naturalmente, o usufruto e o poder de administrar os bens dos filhos menores. A malversação dos bens, o uso ou administração destes que seja conflitante com o interesse do menor, pode levar à suspensão do poder familiar.

Os bens de filhos maiores de dezesseis anos, provenientes de seu trabalho, são excluídos do usufruto e administração pelos pais. Veja os artigos 1.689 a 1.693 do CC:

“Art. 1.689. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar:I - são usufrutuários dos bens dos filhos;II - têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade.”“Art. 1.690. Compete aos pais, e na falta de um deles ao outro, com exclusividade, representar os filhos menores de dezesseis anos, bem como assisti-los até completarem a maioridade ou serem emancipados.Parágrafo único. Os pais devem decidir em comum as questões relativas aos filhos e a seus bens; havendo divergência, poderá qualquer deles recorrer ao juiz para a solução necessária.”

“Art. 1.691. Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz.Parágrafo único. Podem pleitear a declaração de nulidade dos atos previstos neste artigo:I - os filhos;II - os herdeiros;III - o representante legal.”

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“Art. 1.692. Sempre que no exercício do poder familiar colidir o interesse dos pais com o do filho, a requerimento deste ou do Ministério Público o juiz lhe dará curador especial.”

“Art. 1.693. Excluem-se do usufruto e da administração dos pais:I - os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do reconhecimento;II - os valores auferidos pelo filho maior de dezesseis anos, no exercício de atividade profissional e os bens com tais recursos adquiridos;III - os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem usufruídos, ou administrados, pelos pais;IV - os bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem excluídos da sucessão.”

3. Família substituta

A livre postura à adoção do menor abandonado não é a primeira opção. A Nova Lei de Adoção, Lei 12.010/09, comanda que, antes de abrir esta opção, se pesquise se na família extensa – os demais parentes consangüíneos remanescentes da criança – desejam ter-lhe a guarda, adotando-a, a fim de manter os laços originais da criança. Não havendo este interesse da família extensa, ou não havendo possibilidade desta fazê-lo, buscar-se-á a família substituta.

Na família extensa, os parentes de grau mais próximo terão preferência sobre o grau mais remoto. Veja o artigo 28 do ECA, alterado pela Lei 12.010/09:

“Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.§ 1º  Sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)   § 2º  Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido em audiência. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)   § 3º  Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da medida. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)   § 4º  Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)   § 5º  A colocação da criança ou adolescente em família substituta será precedida de sua preparação gradativa e acompanhamento posterior, realizados pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)  § 6º  Em se tratando de criança ou adolescente indígena ou proveniente de comunidade remanescente de quilombo, é ainda obrigatório: (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)   I - que sejam consideradas e respeitadas sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições, desde que não sejam

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incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos por esta Lei e pela Constituição Federal; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)  II - que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)   III - a intervenção e oitiva de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, no caso de crianças e adolescentes indígenas, e de antropólogos, perante a equipe interprofissional ou multidisciplinar que irá acompanhar o caso. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).”

Os avós podem requerer a guarda do menor. O juiz, no caso concreto, verificará se são mesmo eles que desempenharão a guarda, a fim de evitar a fraude previdenciária, pois se não há esta guarda de fato, esta se requer apenas com fins de obtenção, pelo menor, de pensionamento – o que não é admissível. Se a guarda for realmente dos avós, pode ser deferida, e o efeito previdenciário seria devido.

Ocorre que a lei previdenciária, em recente alteração, consignou vedação aos efeitos previdenciário para menores que estejam sob guarda, o que tem gerado muita polêmica judicial. A posição jurisprudencial hoje firmada é a acima exposta: a guarda firmada unicamente para obter efeitos previdenciários não é admitida, mas a guarda real tem como consequencia devida a geração destes efeitos previdenciários, não podendo a lei obstar estes efeitos. O STJ já asseverou que esta previsão legal é inconstitucional, contrária aos princípios da proteção integral da criança, da solidariedade, etc.

Por fim, vale ainda mencionar que a adoção do menor de idade é regida pelo ECA, e a adoção de maior é regida pelo CC, recentemente alterado também pela Lei 12.010/09, como se vê nos artigos 1.618 e 1.619 do CC:

“Art. 1.618.  A adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009).”

“Art. 1.619.  A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009).”

Casos Concretos

Questão 1

A avó de José Maria, criança com 7 anos de idade, requereu a guarda do neto através de processo judicial. Alega que sua filha Maria Alice, mãe da criança, se encontra desempregada e passou a residir na casa da autora, juntamente com o menino, informando que o pai da criança não o registrou e é desconhecido. A autora teme que venha a falecer e seu neto fique sem o amparo previdenciário como seu dependente. O estudo social esclarece que a situação perdura há mais de um ano e que a avó materna ampara José Maria moralmente e materialmente, pois ela colabora nos cuidados com o menino e arca com todas as despesas de alimentação, vestuário e escolares. O Ministério Público ressaltou que a Lei nº 9.528/97, que conferiu nova redação ao artigo 16 da Lei de Benefícios da Previdência Social, suprimiu o menor sob a guarda do rol de dependentes do

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segurado. O juiz poderia conceder a guarda excepcionalmente? A criança seria dependente da avó para fins previdenciários? Fundamente.

Resposta à Questão 1

O juiz pode deferir a guarda em situações excepcionais. A situação econômica

precária pode não ser causa para perda do poder familiar, mas pode causar a privação de sustento à criança. Deve-se evitar a violação de direito fundamental da criança, direito à saúde e educação. Com relação à Lei 9.528/97 deve-se analisar sob a ótica da Constituição Federal que no artigo 227 determina ser dever da família da sociedade e do Estado assegurar à criança os direitos à saúde, á alimentação, entre outros direitos fundamentais, com absoluta prioridade, devendo ocorrer a prevalência do ECA sobre a lei previdenciária, considerando o menor sob guarda como depende para os efeitos previdenciários (artigo 33, §3º do ECA). Há divergência:

“2003.001.30740 - APELACAO CIVEL ; DES. LETICIA SARDAS - Julgamento: 04/05/2004 - OITAVA CAMARA CIVEL. GUARDA DE MENOR. POSSE E GUARDA DE NETO. BENEFICIO PREVIDENCIARIO. ESTATUTO DA CRIANCA E DO ADOLESCENTE.Guarda de menor requerida pela avo' materna. Guarda previdenciaria. Estatuto da Crianca e do Adolescente. Excepcionalidade. Artigo 33, par.2.. 1. Excepcionalmente, deferir-se-a' a guarda, fora dos casos de tutela e adocao, para atender situacoes peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsavel, podendo ser deferido o direito de representacao para a pratica de determinados atos. 2. Aplicação do par. 2. do artigo 33 do Estatuto da Crianca e do Adolescente. 3. A excepcionalidade a que se refere o texto legal, para atender situacoes peculiares, sera' tanto mais frequente quanto menos se organizarem e implementarem programas de assistencia `a familia de baixa renda. 4. A situacao economica precaria, embora nao seja causa para a perda ou a suspensao do patrio poder (cf. artigo 23 do ECA), impede, muitas vezes, o exercicio efetivo da guarda dos filhos de pais que trabalham todo dia e nao contam com creches ou escolas publicas ou comunitarias. 5. O desemprego ou o sub-emprego acarreta a falta concreta de alimentos e ate' mesmo de habitacao digna, ensejando a transferencia da guarda, preferencialmente a pessoas do proprio grupo familiar ou do mesmo ambiente socio-cultural da familia natural, preservando-se a identidade da crianca ou do adolescente, bem como seus vinculos com os pais biologicos. 6. Nao obstante a vigencia do ECA, persiste a possibilidade de se deferir a guarda para fins previdenciarios, como modalidade de guarda especial. 7. A finalidade da guarda especial autorizada pelo par. 2. do artigo 33 do ECA e' evitar a violacao de direito fundamental, tal como o direito `a saude e `a educacao. 8. O Regulamento de Beneficios da Previdencia Social - Decreto 83.000/39, autoriza que o segurado indique pessoas como seu dependente, possibilitando o recebimento de beneficios. 9. Desprovimento do recurso, por maioria. Ementa do voto vencido do Des. Adriano Celso Guimaraes: Guarda. Requerimento formulado por avo' materna. Menor que reside na companhia de sua mae, que e' sadia e a trata adequadamente. Ausencia de elementos faticos que justifiquem a mudanca. Provimento do recurso.”

“2005.001.20959 - APELACAO CIVEL; DES. CLAUDIO DE MELLO TAVARES - Julgamento: 21/09/2005 - DECIMA PRIMEIRA CAMARA CIVEL; GUARDA DE MENOR. GUARDA COMPARTILHADA. POSSE E GUARDA DE NETO. INTERESSE DE(O) MENOR. PREVALENCIA.

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Guarda compartilhada de menor. Genitor e avos paternos. Dever de prestacao material moral e educacional `a crianca. Existência de penalidades na hipotese do descumprimento das obrigacoes. Art. 33, par. 1., da Lei n. 8.069/90. Abdicando os pais do menor de exercerem a guarda de fato e de direito sobre o filho e sem condicoes de lhe prestar qualquer assistencia material. Nao ha' obstaculo a concessao da medida de carater provisorio sujeita a fiscalizacao do Ministerio Publico. Interesse do menor que deve prevalecer ante a desproporcao dos resultados que advenham da sentenca `a previdencia social. Recurso conhecido e improvido.”

“REsp 817978 / RN ; Relator(a): Ministra LAURITA VAZ; Data do Julgamento: 12/06/2006. PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V, DO CPC. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. NÃO-OCORRÊNCIA. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. DEPENDENTE DO SEGURADO. EQUIPARAÇÃO A FILHO. LEGISLAÇÃO DE PROTEÇÃO AO MENOR E ADOLESCENTE. OBSERVÂNCIA. 1. Incabível ação rescisória quando inexistente ofensa a literal disposição de lei (art. 485, inciso V, do CPC). 2. A Lei n.º 9.528/97, dando nova redação ao art. 16 da Lei de Benefícios da Previdência Social, suprimiu o menor sob guarda do rol de dependentes do segurado. 3. Ocorre que, a questão referente ao menor sob guarda deve ser analisada segundo as regras da legislação de proteção ao menor: a Constituição Federal – dever do poder público e da sociedade na proteção da criança e do adolescente (art. 227, caput, e § 3º, inciso II) e o Estatuto da Criança e do Adolescente – é conferido ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários (art. 33, § 3º, Lei n.º 8.069/90). Precedentes da Quinta Turma. 4. Recurso especial desprovido.”

Questão 2

Necessitando sujeitar-se a internação hospitalar, para cuidar da saúde, Josélia, viúva, deixa seu filho, Paulo, de apenas dois anos de idade, sob os cuidados de uma vizinha, que prontamente se prontificou ao favor. Tendo complicações, permaneceu hospitalizada por três meses, quando, então recebeu alta, retornando ao lar. Imediatamente foi à casa de sua vizinha pegar seu filho, tendo esta, entretanto se recusado a entregar a criança. Foi orientada por um advogado a propor a ação de guarda do filho. Comente a hipótese.

Resposta à Questão 2

Não está correta a orientação pois já tem a mãe a guarda legal do filho e o direito/dever de tê-lo em sua guarda e companhia, decorrentes do poder familiar, podendo reclamá-lo de quem ilegalmente o detenha. A ação própria é a Busca e Apreensão, pelo procedimento comum ordinário, já que de nenhuma ação principal tem que se valor para ter a guarda de seu filho.

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