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Dificuldades Comuns Entre Os Que Pesquisam Educação
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Curso: Pedagogia
Disciplina: Pesquisa VII
Professor (a): Joalêde Gonçalves Bandeira
Dificuldades comuns entre os que pesquisam educaçãoIn.: FAZENDA, Ivani (Org.). Metodologia da pesquisa educacional . 10. ed. São Paulo: Cortez,
2006
Pretendemos refletir sobre algumas das dificuldades mais comuns
encontradas pelos alunos dos cursos de pós-graduação em Educação, tentando
compreendê-las em suas origens e traçando alguns caminhos para superá-las.
Muitas destas dificuldades acompanham o aluno desde a escola de 1º e 2.°
graus, sem que tenham muita consciência do fato. Por paradoxal que pareça ser,
conseguem vencer com alguma tranqüilidade certos cursos de graduação, onde
sua contribuição pessoal não é muito solicitada. Entretanto, no momento da
elaboração de monografias para o cumprimento dos créditos nos cursos de pós-
graduação, essas dificuldades se evidenciam, agravando-se no momento da
definição da pesquisa de dissertação de mestrado ou tese.
A mais freqüente é a dificuldade para escrever, pois a expressão escrita
requer, antes de mais nada, uma apropriação do objeto da escrita.
O ato de apropriação do objeto da escrita pressupõe uma exaustiva
pesquisa anterior sobre o tema, que deve ser compreendido em seus vários
aspectos. Somente depois disso será possível comunicá-lo a outros.
Um dos produtos da dificuldade para escrever é a chamada “colcha de
retalhos”. Nela, o pesquisador, por não possuir ainda um discurso escrito próprio,
utiliza-se ou apropria-se do discurso alheio, e, ao somar textos, não percebe que
muitas vezes estes são desconexos ou conflitantes.
Esta dificuldade, que redunda numa escrita fechada e pouco clara, muitas
vezes provém da dificuldade em compreender e interpretar textos. Tão difícil
quanto o domínio da escrita, não se resolve da noite para o dia, num passe de
mágica ou muito menos num curso de pós-graduação.
Entendemos que o objetivo da pós-graduação não é solucionar estas
dificuldades, mas sim ajudar os que já têm o hábito da pesquisa e o exercício da
escrita.
Diante da dificuldade para escrever, o pesquisador necessita antes de mais
nada parar para pensar em como ocorreu sua formação acadêmica. Certamente,
encontrará uma série de lacunas para preencher, antes mesmo de esboçar o seu
projeto de pesquisa para mestrado.
Uma das formas de investigar as falhas no processo de formação é a
revisão dos pressupostos teóricos que sustentam ou encaminham o raciocínio
inicial do pesquisador. Assim, se o caminho escolhido foi o estudo da sala de aula,
o pesquisador precisa ter antes decidido: qual concepção de educação pretende
investigar, como se realizaria a aprendizagem nesta concepção, quais os agentes
que a determinariam, que interferências poderiam ocorrer em seu percurso, qual a
ideologia subjacente a tal concepção. necessário também realizar um
levantamento das possíveis categorias que eventualmente emerjam no processo
da pesquisa, bem como o suporte teórico adequado à análise dessas categorias,
ao lado de uma disponibilidade em substituí-las se o desenvolvimento do projeto
assim o determinar.
Esses pressupostos teóricos resultam de uma formação acadêmica sólida e
anterior ao processo de pesquisa, sem a qual esse trabalho seria inviável.
Em alguns casos, entretanto, a origem da dificuldade está na falta do hábito
de escrever. Pode-se presumir que seja esta a origem, quando o pesquisador
consegue verbalmente expressar com clareza suas idéias, e quando se percebe
em suas colocações orais uma coerência de raciocínio. Nestes casos, costumo
sentar com meus orientandos e gravar um diálogo sobre os caminhos que
pretendemos empreender na pesquisa. Em seguida, o orientado transcreve a fita,
refazendo a escrita até torná-la “transparente”.
Escrever é um hábito que vai sendo aprimorado apenas no seu contínuo
exercício e que infelizmente nem sempre se consolida na escolaridade anterior à
pós-graduação.
Dificuldade semelhante à da escrita é às vezes encontrada na expressão
oral; comumente uma escrita truncada decorre de bloqueios no falar.
Tal como a escrita, a expressão oral também requer contínuo exercício.
Somos produto da “escola do silêncio”, em que um grande número de alunos
apaticamente fica sentado diante do professor, esperando receber dele todo o
conhecimento. Classes numerosas, conteúdos extensos, completam o quadro
desta escola que se cala. Isso se complica muito quando já se é introvertido1.
Uma das formas que considero eficiente para vencer essas dificuldades é a
formação de grupos de estudos.
Nos grupos de estudos que tenho coordenado, percebo que as dificuldades
iniciais vão sendo gradativamente superadas. Entretanto, um grupo de estudos só
se consolida se houver a intenção de estruturar um projeto de trabalho conjunto e
requer a orientação contínua e sistemática do coordenador do grupo, bem como o
envolvimento total de todos os seus membros. O número ideal de participantes é
de no máximo dez pessoas, para que todos possam apresentar suas idéias
oralmente.
Tão fundamental quanto o tempo é a limitação do espaço escrito; este
precisa ser compatível com o tempo disponível para sua posterior análise. Cada
elemento do grupo deve possuir cópia dos escritos de seus companheiros, para
indicar sugestões de aprimoramento do texto individual. Espera-se de cada
elemento do grupo uma disponibilidade em ouvir críticas (que também pode ser
apreendida) e em reescrever o texto tantas vezes quantas o grupo solicitar.
Pesquisar em educação exige, além de uma formação acadêmica restrita
(relativa ao tema que será desenvolvido), uma sólida e profunda formação
acadêmica geral, pois a dificuldade em interpretar e compreender textos indicados
1 A esse respeito, consultar Suely G. Moreira, Da clínica à sala de aula. São Paulo, Loyola, 1989, que discute como trabalhar introversão e extroversão na sala de aula.
nos cursos de pós-graduação somente será vencida se, ao lado de um trabalho
com o texto básico, proceder- se à leitura de vários textos complementares.
Entretanto, infelizmente, muitos pesquisadores apenas se dão conta disso
ao procurarem desenvolver suas dissertações. Nesse sentido, todo o itinerário da
formação acadêmica geral não cumprido necessariamente precisará acontecer na
hora em que a pesquisa individual se desenvolver.
Essa dificuldade em ler, interpretar e compreender advém de uma
formação inadequada na escola de 1º e 2.° graus.
Considero a superação destas dificuldades um dos atributos básicos para o
exercício do pesquisar, ao lado do aprimoramento do gosto por conhecer, a
inquietude no buscar e o prazer pela perfeição. Quem não se propuser a
desenvolvê-los dificilmente conseguirá terminar uma dissertação de mestrado.
Outro conjunto de dificuldades comumente citado está na escolha do tema,
no enunciado do problema, e em seu encaminhamento.
Se o hábito em pesquisar já estivesse presente desde o 1º grau,
evidentemente não haveria dificuldade em encontrar o tema, e ingressar num
curso de pós-graduação seria apenas uma forma de aprofundamento teórico-
metodológico de temas já iniciados ou trabalhados.
Um pesquisador familiarizado com o tema teria menores dificuldades em
enunciar o seu problema de pesquisa. O interesse pelo tema pode ser próximo —
visando solucionar questões presentes no cotidiano de seu trabalho — ou remoto
— quando o objetivo é pesquisar um assunto polêmico ou pouco discutido em
Educação.
E importante tanto para o orientador como para o orientando conhecer a
origem do problema a ser pesquisado. E interessante que o pesquisador coloque
isto num pequeno texto. A análise desse texto poderá indicar ao orientador a
forma como o orientado se coloca enquanto sujeito do projeto que pretende
desenvolver; revela com mais segurança o caminho a ser perseguido em seu
projeto de pesquisa.
Outra dificuldade ao desenvolvimento da pesquisa é o medo de não ter o
problema plenamente delimitado no projeto de pesquisa inicial. Neste caso, é
interessante lembrar que o projeto primeiro acaba passando por inúmeras
transformações, e vários pesquisadores só conseguem definir seu problema com
maior clareza ao final da pesquisa.
O importante aqui é que o pesquisador tenha a coragem de redefinir seu
projeto inicial sempre que necessário, sem abandoná-lo, mas sempre voltado a ele
para perceber com clareza o porquê dos desvios pretendidos e em que direção
pretende avançar.
Temas muito ou pouco explorados também provocam dificuldades.
Ao proceder à revisão bibliográfica do tema escolhido, muitas vezes o
pesquisador pode defrontar-se com um grande número de obras sobre ele. Isto
poderá suscitar-lhe o sentimento de que sua contribuição poderá ser redundante
ou inoportuna. Considero que muitas vezes um tema muito pesquisado pode ser
relevante para a Educação. A abertura a novas formas de investigação poderá
revelar aspectos ainda não desvelados, mas importantes.
Temas muito pesquisados muitas vezes necessitam de uma ordenação em
subtemas quando da revisão bibliográfica. Essa divisão ou classificação poderá
indicar ao pesquisador quais os itens a serem melhor explorados. Evidentemente,
a forma de exploração do item vai depender das ponderações de ordem
metodológica que a pesquisa suscitar.
Conheço muitos pesquisadores que, diante de um grande número de obras
para estudar sobre determinado tema, decidiram optar por um estudo compilatório
ou classificatório. Considero extremamente úteis estudos dessa natureza, pois
possibilitam a outros pesquisadores avançarem no aprofundamento dos itens não
adequadamente explanados.2.
Em meu itinerário de pesquisadora, defrontei-me com essa dif iculdade no
início da década de 80. Minha intenção era pesquisar os efeitos da Educação no
Brasil na década de 60.
Ao levantar a bibliografia sobre o tema, encontrei uma quantidade enorme
de títulos referentes à situação política e econômica do Brasil na época, mas
2 Sobre Escola Normal, tema que atualmente venho pesquisando, encontrei estudos compilatórios muito interessantes, entre eles: Zélia Mediano, Marli André e outros, Revitalização da Escola Normal, PUC-RJ, 1988; B. Gatti, A formação do professor de 1.0 grau, 1988 (material de estudo).
pouco se falava sobre Educação. O material existente, além de escasso, nem
sempre estava completo, pois não há interesse em preservar os documentos
sobre Educação no Brasil. Ao final de cada gestão, estes são queimados, e
começa-se tudo da estaca zero — isto constitui uma dificuldade imensa ao
pesquisador e ao educadores de maneira geral.
A intenção da referida pesquisa — que seria inicialmente um anúncio de
proposta para trabalhar-se a educação na década de 80 — passou a ser uma
denúncia dos motivos que conduziram os educadores da década de 60 ao
silêncio.
Percebi que não poderia ir além sem um estudo compilatório inicial, que
seria impossível pular etapas, que embora as questões econômico-políticas já
houvessem sido amplamente discutidas pelos economistas e cientistas sociais, as
relativas à Educação ainda eram muito pouco exploradas.3 O tema inicial, que me
parecia demasiado amplo, acabou se tornando bastante restrito.
A década de 60 foi a época da denúncia velada. Somente em 70 o que era
velado começou a ser explicitado. Sem essa explicitação é difícil entender o
movimento de avanços e recuos da Educação na década de 80.
Temas pouco explorados também geram dificuldades na pesquisa. Neles o
pesquisador age como o garimpeiro que de repente, no meio do cascalho,
encontra uma pedra valiosa. Pedras valiosas são raras, tanto nos temas muito
explorados como nos pouco explorados, pois algo se torna valioso, na medida do
interesse específico do indivíduo que pesquisa.
Pessoalmente já enfrentei essa dificuldade com o tema Interdisciplinaridade
no ensino. Embora já pensasse no tema desde 1965, apenas em 1973 comecei a
trabalhar nele, e pude constatar que era um tema muito pouco pesquisado tanto
pelos educadores do Brasil como nos de outros países. Durante muito tempo
apenas pude encontrar a palavra enunciada num ou noutro texto, sem que a
temática fosse desenvolvida. Então foi lançado o livro Interdisciplinaridade e
patologia do saber de H. Japiassú — e com ele pude conhecer outros
3 O referido trabalho encontra-se publicado sob o nome de A educação no Brasil — anos 60. O
pacto do silêncio, São Paulo, Loyola, 1985.
pesquisadores na área como Gusdorf, Palmade, Houtart. Entretanto, passei
grande parte da pesquisa compilando os estudos desenvolvidos na época, para
chegar a uma conclusão pessoal sobre a Interdisciplinaridade. Isto possibilitou-me
indicar alguns equívocos quanto a ela, na Legislação Educacional Brasileira na
década de 70.4
Desde essa época, continuo pesquisando essa temática, embora ainda a
considere muito pouco pesquisada. Há dois anos o pós-graduação em supervisão
e currículo da PUC-SP vem sediando um grupo de pesquisadores, por mim
coordenado, sobre Interdisciplinaridade no Ensino. Entretanto, como todo tema
pouco explorado, exige dos que a ele se dedicam muito empenho em construir
novos caminhos.
Conclusão
Ao assumir a tarefa de investigar, o educador se depara com estas e
muitas outras dificuldades. Só um trabalho contínuo e sério pode vencê-las.
Muitas delas poderiam ser inicialmente corrigidas, a partir de uma escolaridade
eficiente, desde o 1º grau. Algumas escolas já trabalham para isso, mas são
poucas. Em geral, o nosso aluno é mal preparado tanto para enfrentar o cotidiano
de seu trabalho como os desafios da vida acadêmica.
A formação do pesquisador, desde cedo, precisaria desenvolver o
compromisso por “ir além” — além do que os livros já falam, além das
possibilidades que lhe são oferecidas, além dos problemas mais conhecidos.
Como esta formação não é outorgada pela escola, ela necessita ser
conquistada; é a conquista da autonomia, tarefa de cada um, em particular dos
que buscam obter um saber mais elaborado e uma titulação.
A tarefa não termina aí. Consciente desta problemática e tendo em parte
vencido suas dificuldades próprias, o educador tem a obrigação de incentivar e
propiciar a formação de novos pesquisadores. Mas as dificuldades não param por
4 Esse trabalho foi publicado sob o título: Integração e Interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro,
São Paulo, Loyola, 1979.
aí, apenas mudam de nome ou enfoque. Em conseqüência, penso que um
caminho bastante promissor à pesquisa em educação é o contato constante com
outros pesquisa dores da área ou de áreas correlatas.
Referências bibliográficas
FAZENDA, Ivani C.A. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro.São Paulo, Loyola, 1979.
______ Educação no Brasil — anos 60. O pacto do silêncio. São Paulo,Loyola, 1985.
GATTI, B. A formação do professor de 1º grau, 1988 — (material de estudo).
MEDIANO, Zélia; ANDRÉ, M. et ai. Revitalização da Escola Normal. Rio deJaneiro, PU.C-RJ, 1988 (mimeografado).
MOREIRA, Sueiy G. Da clínica à sala de aula. São Paulo, Loyola, 1989.