Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

download Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

of 58

Transcript of Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    1/58

    A Mensagem deEclesiastes

    Derek Kidner

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    2/58

    2

    A MENSAGEM DE ECLESIASTES

    Inter-Varsity Press, Leicester, Inglaterra

    A Mensagem de Eclesiastes, de Derek Kidner, foi publicado em ingls em 1976 pela Inter-VarsityPress, Inglaterra, com o ttulo A time to mourn, and a time to dance.A traduo em portugus e a publicao e distribuio pela ABU Editora, nos pases de falaportuguesa um projeto de David C. Cook Foundation, uma organizao filantrpicaconstituda segundo as leis do Estado de Illinois, cuja finalidade a divulgao do evangelho deCristo.

    Direitos reservados pelaABU Editora SCCaixa postal 3050501051 So Paulo SP

    Traduo de Yolanda Mirdsa Krievin

    Reviso de estilo de Silda Silva Steuernagel e Milton A. AndradeReviso de provas de Solange Domingues da Silva

    O texto bblico utilizado neste livro o da Edio Revista e Atualizada no Brasil, da SociedadeBblia do Brasil, exceto quando outra verso indicada. Comentrios do autor quanto sdiferentes verses inglesas foram, sempre que possvel, adaptados s principais verses daBblia em portugus.

    1 Edio 1989

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    3/58

    3

    ContedoPrimeira Parte.....................................................................................................................................................................5

    O que este livro est fazendo na Bblia? - Uma viso geral.........................................................................5Segunda Parte........................ .................... ..................... ...................... ..................... ..................... ...................... ............ 10

    O que o livro diz! - um breve comentrio..................... ..................... ...................... ..................... ................... 10

    Eclesiastes 1:1-11 - O autor, o tema e o reconhecimento do cenrio.............................................10

    Eclesiastes 1:12-2:26 - Em busca de satisfao....................... ..................... .................... ....................... . 13

    Eclesiastes 3:1-15 - A tirania do tempo ....................................................................................................... 18

    Eclesiastes 3:16-4:3 - A aspereza da vida ..................................................................................................20

    Eclesiastes 4:4-8 - Corrida desenfreada ...................... .................... ...................... ...................... ............... 22

    Primeiro Resumo: Retrospectiva de Eclesiastes 1:1-4:8 ...................... .................... ...................... ..... 23Eclesiastes 4:9-5:12 - Interldio: Algumas reflexes, mximas e verdades................................24

    Eclesiastes 5:13-6:12 - A amargura do desapontamento........................ ..................... .................... ... 28

    Segundo Resumo: Retrospectiva de Eclesiastes 4:9-6:12 ..................... .................... ....................... .... 31

    Eclesiastes 7:1-22 - Interldio: Mais reflexes, mximas e verdades ....................... .................... .. 32

    Eclesiastes 7:23-29 - A busca continua....................................................................................................... 35

    Eclesiastes 8:1-17 - Frustrao...................................................................................................................... 37

    Eclesiastes 9:1-18 - Perigo ............................................................................................................................... 40

    Terceiro Resumo: Retrospectiva de Eclesiastes 7:1-9:18 .................... .................... ....................... .... 43

    Eclesiastes 10:1-20 - Interldio: S prudente!.......................................................................................... 44

    Eclesiastes 11:1-12:8 - Em direo do alvo.... ....................... .................... ..................... ....................... .... 48

    Eclesiastes 12:9-14 - Concluso..................................................................................................................... 53

    Terceira Parte............ ..................... ...................... ..................... ..................... ...................... ..................... .................... ... 56

    E ns, o que temos a dizer? - um eplogo ..................... ..................... ...................... ..................... ................... 56

    Prefcio Geral A Bblia Fala hoje constitui uma srie de exposies tanto do Antigo como do Novo

    Testamento, que se caracterizam por um triplo objetivo: expor acuradamente o texto bblico,relacion-lo com a vida contempornea e proporcionar uma leitura agradvel.

    Esses livros no so, pois, comentrios, j que um comentrio busca mais elucidar otexto do que aplic-lo, e tende a ser uma obra mais de referncia do que literria. Por outro lado,esta srie tambm no apresenta aquele tipo de sermes que, pretendendo sercontemporneos e de leitura acessvel, deixam de abordar a Escritura com suficiente seriedade.

    As pessoas que contriburam nesta srie unem-se na convico de que Deus ainda falaatravs do que j falou, e que nada mais necessrio para a vida, o crescimento e a sade dasigrejas ou dos cristos do que ouvir e atentar ao que o Esprito lhes diz atravs da sua Palavra,to antiga e, mesmo assim, sempre atual.

    J.A. MotyerJ.R.W. StottEditores da srie

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    4/58

    4

    Prefcio do AutorQualquer pessoa que leia as Escrituras (at mesmo o menos eclesistico dos homens) h

    de deparar-se com o esprito altamente independente e muito fascinante. Isto me leva a dizerduas coisas.

    Primeiro, desejo agradecer ao editor desta srie por me dar uma desculpa para estudar olivro mais detalhadamente do que nunca.

    Segundo, quero sugerir que alguns leitores fariam bem em passar diretamente SegundaParte, um breve comentrio, onde ouviro o prprio Pregador, com interrupes minhas, claro,sem aguardar o exame pretendido na Primeira Parte. Isso depende da pessoa: se ela prefereprimeiro ter um mapa das coisas ou mergulhar diretamente, andando s apalpadelas.

    De qualquer maneira, que seja uma viagem rumo ao alvo.

    Derek KidnerTyndale House

    Cambridge

    Principais Abreviaturas

    ANET Ancient Near Eastern Texts (Textos Antigos do Oriente Prximo) deJ.B. Pritchard (2ed., OUP, 1955)AT Antigo TestamentoBarton Ecclesiastes (Eclesiastes) de G.A. Barton (International Critical

    Commentary, Comentrio Crtico Internacional), (T.&T. Clark, 1908)BJ Bblia de Jerusalm, 1966BLH Bblia na linguagem de Hoje (SBB)BV A Bblia Viva (Ed Mundo Cristo)Delitzsch The Song of Songs and Ecclesiastes (O Cntico dos Cnticos e

    Eclesiastes) de F. Delitzsch (T.&T. Clark, 1891)ERAB Edio Revista e Atualizada no Brasil (SBB)

    ERC Edio Revista e Corrigida (IBB)ER Edio Revisada (seg. os Melhores Textos) (IBB)GR. GregoHeb. HebraicoJones Proverbs, Ecclesiastes (Provrbios e Eclesiastes) de E. Jones (Torch

    Bible commentaries, SCM Press, 1961)LXX A Septuaginta (verso grega pr-crist do Antigo Testamento)McNeile An Introduction to Ecclesiastes (Uma Introduo ao Eclesiastes) de

    A.H. McNeile (CUP, 1904)mg. margemMS(S) Manuscrito(s)

    NT Novo TestamentoTM Texto MassorticoScott Proverbs, Ecclesiastes (Provrbios, Eclesiastes) de R.B.Y. Scott,

    Doubleday, 1965)

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    5/58

    5

    Primeira Parte

    O que este livro est fazendo na Bblia? -Uma viso geral

    A voz do Antigo Testamento tem muitas inflexes. Temos a quase tudo, desde aapaixonada pregao dos profetas at os comentrios tranqilos e prudentes do sbio,entremeados de um mundo de poesia, lei, histrias, salmos e vises.

    Nenhum h, porm, que se assemelhe ao Coelet1 (ou Qoheleth, seu intraduzvel ttulooriginal). No existe, em todo este grande volume, um nico livro que tenha as mesmas nfases.

    Seu habitat, por assim dizer, fica entre os sbios que nos ensinam a usar os olhos e ouvidospara descobrir os caminhos de Deus e os caminhos do homem. Alguns de seus ditados lembramo livro de Provrbios. E quando, vez por outra, essas incurses com ele nos levam s situaesmais desconcertantes, ele tem um jeito de parar e, com a sua sabedoria simples e franca, fazer-nos recobrar o nimo e o equilbrio. A sabedoria, muito prtica e ortodoxa, o seu campobsico; mas ele um explorador. Sua preocupao com as fronteiras da vida, e especialmentecom as questes que a maioria de ns hesitaria explorar muito profundamente.

    Suas investigaes so to implacveis que ele pode facilmente ser tomado por ctico oupessimista. Sua exclamao inicial, vaidade de vaidades!Ou Total futilidade!, quase que mereceisso; mas para ele h algo mais do que poderia caber numa nica frase, mesmo que fosse umafrase-tema. Tanto assim que em certa ocasio alguns mestres quiseram sugerir que dois, ou trsou at mesmo nove2 diferentes cabeas haviam trabalhado no livro, tais as suas contra-correntese rpidas mudanas. Todas elas, porm, podem ser consideradas frutos de uma s mente,abordando os fatos da vida e da morte sob vrios ngulos.

    No fundo descobrimos o axioma de todos os sbios da Bblia, que o temor do Senhor oprincpio da sabedoria. Porm a inteno de Coelet levar-nos a esse ponto apenas no final,quando estivermos desesperados por uma resposta. Embora seja insinuada algumas vezes, o seumtodo principal comear pelo fim: a determinao de ver at onde algum consegue ir sem

    essa base. Ele se coloca e a ns no lugar do humanista ou do secularista. No do ateu, pois noseu tempo o atesmo no era uma preocupao, mas da pessoa que comea a pensar a partir dohomem e do mundo visvel e que conhece Deus apenas distncia.

    Naturalmente isto traz complicaes. Surgem tenses entre o eu mais profundo doescritor, como homem de convico com uma f a compartilhar, e o seu eu temporrio, de umhomem que caminha s apalpadelas luz da natureza. Este segundo eu tem os seus prpriosconflitos, familiares a todos ns, entre as vozes da conscincia, dos interesses prprios e daexperincia, e entre Deus como reconhecemos e Deus como o tratamos.

    Depois que captarmos o que se passa no livro de um modo geral, no nos ser difcilencontrar o caminho atravs dele; e o comentrio fornecer um pouco mais de ajuda. Enquantoisso, convm juntar alguns dos ensinamentos que se encontram espalhados por suas pginas, ebuscar o contedo geral do argumento.

    Fatos a encarar acerca de DeusSe uma pessoa cr realmente em Deus, as implicaes disto devem ser seguidas risca. E o

    que Coelet espera que faamos, sem imaginar que podemos tomar liberdades com o nossocriador ou manipul-lo segundo nossos interesses. Somos confrontados com Deus na suacondio mais temvel: como algum que no se impressiona com a nossa tagarelice, nem comnossas ofertas rituais ou com nossas promessas vazias. Os primeiros pargrafos co captulo 5

    1 A palavra tem a ver com o termo hebraico usado para reunir ou juntar, e a sua forma sugere algumtipo de cargo pblico. Era possivelmente um status eclesistico (como um convocador da assemblia ouaquele que a ela fala), uma vez que a palavra-padro para congregao ou igreja tem a mesma raiz. As

    muitas tentativas de traduzir este ttulo incluem as seguintes: Eclesiastes, O Pregador, O Orador, OPresidente, O Porta-voz, O Filsofo. Poderamos talvez acrescentar O Professor!2 Como diz D.C Siegfried, Prediger und Hohelied, em W. Nowack, Handkommentar zum Alten Testament(Gottingen, 1898)

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    6/58

    6

    destacam estes pontos de maneira vigorosa: ...Deus est nos cus, e tu na terra; portanto sejampoucas as tuas palavras... porque no se agrada de todos.

    Deus se revela a ns neste livro sob trs aspectos principais: como Criador, comoSoberano e como a Sabedoria Inescrutvel. No que estes termos sejam exatamente assimaplicados a ele, com exceo do primeiro; mas podem servir com um conveniente ponto deconvergncia.

    Como Criador, ele arma todo o cenrio. Somos lembrados de que o seu mundo tem umaforma prpria definida, que no pode ser mudada a nosso gosto (e este, convenhamos, tem umacerta resistncia inata que bastante complacente para conosco, como planejadores epadronizadores);3 pois quem poder endireitar o que ele torceu? (7:13). Esse mundo temtambm o seu prprio ritmo inexorvel ao qual nos encontramos presos: tempo para isso etempo para aquilo, sem nos deixar muita escolha, como o captulo 3 destaca. Mesmo comoprocriadores, nada mais fazemos do que ativar o misterioso processo pelo qual Deus cria umanova vida. Assim como tu no sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos noventre da mulher grvida, assim tambm no sabes as obras de Deus, que faz todas as cousas(11:5).

    No entanto, no podemos nos dar ao luxo de acusar o Criador pelas nossas confuses enossas maldades, com a Teodicia Babilnica acusa os deuses,4 pois Deus fez o homem reto. A

    responsabilidade fica onde merece, nas conseqncias desta observao: mas ele [o homem] semeteu em muitas astcias (7:29).Como Soberano, entretanto, Deus determina as frustraes que encontramos na vida. A

    rotina da existncia que apresentada logo no incio do livro (a propsito, Coelet teria feito umacarranca diante do ttulo espetacular: Parem o mundo, eu quero descer!) essa rotina decreto de Deus. ... Este enfadonho trabalho imps Deus aos filhos dos homens, para nele osafligir... e eis que tudo era vaidade e correr atrs do vento (1:13, 14). verdade que existe naspalavras de 7:29, que acabamos de ler, uma insinuao de que foia queda do homem que deulugar a esse decreto. Tambm verdade que, em Romanos 8:18-25, Paulo pega essa figura dacriao... sujeita vaidade para o forte impulso que esta gera. A nfase de Eclesiastes, contudo,est nas coisas que parecem nunca mudar, e sobre os desapontamentos com os quais temos deconviver aqui e agora.

    Tudo isto vem de Deus: a trama geral da vida e seus mnimos detalhes, estejam ou no deacordo como nosso gosto e o nosso senso de propriedade. Algumas vezes eles fazem sentidopara ns, pois via de regra o pecador recebe uma dose extra de frustrao ao ver que Deus cuidados seus (2:26); mas o fato que nada nos pertence e no podemos contar com nada. Se opecador atormentado, ele no o nico. A tragdia pode abater-se sobre qualquer um, e Deusest por trs de tudo. O captulo 6:1-6 uma das passagens onde isto considerado: apresenta ofato de que, quanto mais a gente se acha com o direito e quanto mais coisas se tem, mais difcil setorna quando Deus o retira, o que pode acontecer a qualquer momento (6:2ss) e ele certamenteo far. Pois no vo todos para o mesmo lugar? (v. 6b) isto , para a sepultura.

    Assim somos impulsionados a enfrentar os mistrios dos caminhos de Deus nos termosdesses trs ttulos, ele vem agora ao nosso encontro como Sabedoria Inescrutvel, reduzindo os

    nossos mais brilhantes pensamentos a pouco mais que conjecturas.A passagem onde isto aparece de forma mais promissora e cheia de graa 3:11, um dosinesperados pontos culminantes do livro. Tudo fez formoso no seu devido tempo; tambm ps aeternidade no corao do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde oprincpio at o fim. Esta simples sentena capta a beleza deslumbrante e assustadora de ummundo to mutante que o seu padro total fica alm do nosso entendimento. Mas um padro.Ns, ao contrrio dos animais, podemos captar o suficiente para termos a certeza disso, aindaque nunca o suficiente para percebermos o todo.

    Uma das conseqncias que no podemos extrapolar o presente. Se as coisas vo bem oumal, temos de aceit-las como so, sabendo que o quadro completo mudar e continuarmudando. Deus fez assim este como aquele os bons e os maus tempos para que o homemnada descubra do que h de vir depois dele (7:14).

    3 Cf. 11:1-64 Veja o comentrio sobre 7:29

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    7/58

    7

    Obviamente o futuro est assim oculto. O que no to bvio que o presente, quepermanece aberto nossa inspeo, tambm nos engana. Assim como o futuro, ele pertence aDeus. Ento contemplei toda a obra de Deus, e vi que o homem no pode compreender a obraque se faz debaixo do sol (8:17) no pode, em outras palavras, compreender as atividadescomuns que o cercam. por mais que trabalhe o homem para descobrir, Coelet prossegue, noa entender. Filosofias so criadas, mas cada uma delas acabar sendo insuficiente: ainda que osbio diga que vir a conhecer, bem por isso a poder achar. Isto est enfaticamente expressoem 7:23,24: (Eu) disse: Tornar-me-ei sbio, mas a sabedoria estava longe de mim. O que estlonge e mui profundo, quem o achar?

    Esta obscuridade intelectualmente provocante; apesar disso, podemos desfrutrar umgrande problema como exerccio mental. A questo totalmente outra se nos pomos aconjeturar se o universo, ou at mesmo Deus, ou no hostil. Mas exatamente isto que nopodemos descobrir sozinhos, e nada h que possamos fazer para assumir o controle. Este pareceser o significado de 9:1, ao falar das coisas que esto nas mos de Deus. Mas que tipo de Deus?Para o homem que conhece o Deus de Israel, nada poderia parecer mais tranqilizador; maspara quem esteja tateando em busca do significado da vida uma idia paralisante. Se amorou se dio que est sua espera, no o sabe o homem. Ele deve orientar pelos prazeres danatureza ou por sua crueldade? Pelos sorrisos da sorte ou por suas carrancas e esta

    certamente no pode ser controlada, seja atravs de um bom comportamento ou de uma boagerncia.Isto nos leva ao outro aspecto da vida que somos convidados a examinar.

    Fatos a enfrentar a partir da experinciaUma das passagens mais fascinantes do livro uma viagem de explorao atravs das

    recompensas e satisfaes da experincia.5 Com Coelet, vestimos o manto de um Salomo, o maisbrilhante e menos limitado dos homens, para iniciar essa pesquisa. Tendo todos os dons epoderes nossa disposio, seria estranho se voltssemos de mos vazias.

    Comeamos com a sabedoria a mais promissora das buscas. Neste mundo desordenado,porm, na muita sabedoria h muito enfado (1:18) e isso decorre da prpria percepoadquirida. E, em ltima anlise, seja o que for que a sabedoria possa fazer por algum, ela nadapode fazer quanto ao final da vida. Nesta crise o sbio fica to desarmado quanto o estulto (2:15-17), e se sua sabedoria no vale nada neste aspecto, no passa de um fracasso pretensioso.

    Ento passamos para a loucura e a estultcia (1:17; 2:3b). e isto parece bem atual,fazendo coro com algumas de nossas tentativas de desviar-nos do que racional, passando aexplorar o absurdo e o mundo das alucinaes. O prazer, naturalmente, um outro reino: umreino de muitos aspectos que apena para os apetites sensuais numa das pontas da escala (2:3,8c) e para as alegrias da esttica do especialista e o trabalho criativo na outra.

    Mesmo na melhor das hipteses, esta busca s vai nos satisfazer de passagem. Ento vemo reconhecimento: Considerei todas as obras que fizeram as minhas mos (2:11) e, pensandona morte, o cmputo final resulta em nada. O que torna tudo ainda mais doloroso saber queeste resultado nulo uma obliterao, um desfazimento. Os valores existem, sim: a sabedoria

    mais proveitosa do que a estultcia quanto a luz traz mais proveito do que as trevas (2:13); masnenhum valor permanecer quando no estivermos mais aqui, ou se no houver ningum paralhes dar valor.

    O segundo fato a existncia do mal. Este to tirano quanto a prpria morte, e aindamais trgico. A transitoriedade da vida muito triste, mas os seus males podem ser suportveis.

    Coelet observa tanto os pecados banais quanto os grandes: a inveja que inspira ou atmesmo resulta em sucesso (4:4); a fixao no dinheiro que transforma o magnata solitrio emuma figura pattica e sem sentido (4:7,8); e a vaidade que mantm por muito tempo um tolo noseu posto (4:13), considerando apenas alguns deles. Mas ele lamenta principalmente asopresses que se fazem debaixo do sol (4:1). No lugar do juzo reinava a maldade (3:16). Aviolncia na mo dos opressores (4:1). A prpria estrutura da sociedade contribui para essascoisas (5:8); no entanto, estas no so enfermidades apenas dos governantes, mas dahumanidade. No h homem justo sobre a terra (7:20); realmente, o corao dos homens est

    5 Veja os comentrios mais completos sobre esta passagem (1:16-2:26).

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    8/58

    8

    cheio de maldade, neles h desvarios enquanto vivem (9:3). O leitor pode refletir sobre ainsanidade coletiva que visivelmente toma conta de uma sociedade de tempos em tempos, masno pode ignorar tambm a loucura que permanece invisvel porque participa dela como o climado seu sculo.

    Ainda por cima, como se a morte e o mal no bastassem, h ainda o fator menor, masigualmente incontrolvel, do tempo e do acaso, que preciso reconhecer (9:11). O homem bemorganizado pode regalar-se na sua auto-suficincia, porm Coelet v atravs dela, puradecepo. At mesmo os prmios mais especficos e mais previsveis da vida (para no se falarda busca de algo definitivo) podem se perder, e o homem acaba sem nada. No dos ligeiros oprmio, nem dos valentes a vitria pelo menos, no e assim to garantido. Pois o homem nosabe a sua hora (9:12). Ele pode at fingir que sabe, mas o faz-de-conta no serve como basepara a sua vida. Basta lembrarmos o comentrio final acerca do homem que pensou em tudomenos nisso: Deus lhe disse: Louco!...

    De volta ao alicerceSe pouca coisa restou depois desta anlise, exatamente isto que o escrito pretende, mas

    apenas como trabalho preliminar. Ele est demolindo para reconstruir. Se prestarmos ateno,veremos que as perguntas penetrantes que ele levanta so aquelas que a prpria vida nos faz.

    Ele pode faz-las porque nos captulos finais tem boas novas para ns, contanto que paremos defazer de conta que as coisas mortais no bastam, a ns que temos a capacidade de receber o que eterno.

    So novas, paradoxalmente, de juzo.Para tornar esse paradoxo mais inteligvel, seria bom divagarmos por algum tempo

    examinando um velho exemplo de secularismo radical, sem o abrandamento de nossasmodernas fantasias utpicas e sem a formalidade de algum sentimento transcendente: apenaspela sua prpria espirituosidade e fria imparcialidade. A passagem, muito livrementeparafraseada e apresentada aqui, o dilogo entre um senhor e seu servo, ambos mesopotmios,escrito talvez antes do tempo de Moiss.6

    Servo, obedea-me Sim, senhor, sim. A carruagem... Prepare-a. Vou ao palcio. V, meu senhor, v!... O rei h de ser benevolente. No, servo, no vou ao palcio. No v, meu senhor, no v. O rei pode envi-lo a algum lugar longnquo. O senhor no

    ter mais um momento de paz.Ento ele resolve jantar, o que o servo acha muito conveniente. No h nada mais

    agradvel e confortador, no mesmo? Mas o capricho passa: ele resolve no jantar mais. Oservo acha isto muito adequado: existe algo mais vulgar do que comer?

    E assim o dilogo prossegue. Ele vai caar... Mas resolve no ir mais. Ou, quem sabe vailiderar uma rebelio... ou no. Guardar um silencia esmagador quando encontrar o seu rival...Ou melhor ainda, vai falar com ele. Cada idia rematada pelo servo com alguma observao

    bajuladora, e cada idia oposta com uma observao ainda mais profunda.Ento ele sente desejo de amar (Oh, sim! No h nada melhor do que isso, senhor, paraespairecer.), mas logo muda de idia (Que sabedoria! As mulheres so uma armadilha, umafaca na garganta.). Isso! Ele ser um filantropo. Mas, por outro lado... (Certo, senhor; de queadiantaria? Pergunte aos esqueletos no cemitrio!).

    Neste esprito ilusrio e ftil, idia aps idia, valor aps valor so apanhados, desejados eabandonados. No final, o cavalheiro brinca com uma questo sria: O que seria bom? Suaprpria resposta nos apanha de surpresa: Quebrar o pescoo, o meu e o teu, jogar os dois no rio,isto seria bom. claro que ele muda de idia: ele vai quebrar apenas o pescoo do seu servo emand-lo na frente.

    Como j era de se esperar, o servo tem a ltima palavra: como poderia o senhor sobreviverpor trs dias que fossem, sem ningum para tomar conta dele?

    Talvez apreciemos esta conversa de acabar com tudo em um pacto de morte. um final

    6 Traduzido, por exemplo em ANET, pg 438

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    9/58

    9

    interessante para a comdia. Mas a verdade mais real do que parece, pois quando aprendemosa rir de tudo, logo descobrimos que no temos mais nada que valha a pena uma risada. Atrivialidade mais asfixiante do que a tragdia, e a indiferena o comentrio mais desesperadode todos.

    A funo de Eclesiastes levar-nos ao ponto de comearmos a temer que esse comentrioseja o mais honesto. o que acontece, quando tudo morre. Enfrentamos a espantosa conclusode que nada tem significado, nada vale a pena debaixo do sol. ento que podemos ouvir a boanova de que tudo vale a pena, porque Deus h de trazer a juzo todas as obras at as que estoescondidas, quer sejam boas, quer sejam ms.

    assim que o livro termina. Sobre esta rocha podemos at ser destrudos: mas umarocha, e no areia movedia. Pode ser que tambm possamos edificar.

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    10/58

    10

    Segunda Parte

    O que o livro diz!- um breve comentrio

    Eclesiastes 1:1-11 -

    O autor, o tema e o reconhecimento do cenrio

    Apresentando o autor1:1 Palavra do Pregador, filho de Davi, rei de Jerusalm:

    Existe na forma Omo este escritor se anuncia um qu de mistrio e este toque curiosono parece ser involuntrio. Primeiro, ele chega quase ao ponto de se chamar Salomo, mas noo faz. Este nome mo aparece no livro, ao passo que tanto Provrbios quanto Cantares declaramabertamente a sua autoria. Depois vem a curiosidade do ttulo duplo, eclesistico e real, 7 quase

    como se algum falasse de O Vigrio, Rei da Inglaterra! Veremos uma outra observaoenigmtica no versculo 16, com a reivindicao de uma sabedoria que sobrepujava a todos osque antes de mim existiram Jerusalm. Isto exclui qualquer sucessor do incomparvel Salomo,mas quase exclui tambm o prprio Salomo, que teve apenas um predecessor israelita. 8

    Se acrescermos a isto o fato de que todos os sinais de realeza desaparece depois dos doisprimeiros captulos,9 torna-se evidente que devemos considerar o ttulo que no real comosendo o ttulo do autor, e o real como um simples meio de dramatizar a busca por ele descritanos captulos ume dois. Ele nos descreve um super-Salomo (como d a entender como termosobrepujei em 1:16) para demonstrar que o homem mais dotado que posssamos imaginar, queultrapasse qualquer outro rei que j tenha ocupado o trono de Davi, ainda retornaria com asmos vazias na busca da auto-satisfao.10

    Da descrio mais completa do autor em 12:9ss. temos o retrato de um mestre cuja

    vocao ensinar, pesquisar, editar e escrever. O que o seu livro como um todo nos ensinaindiretamente que ele to sensvel quanto corajoso, eu m mestre do estilo.

    O tema1: 2 Vaidade de vaidades, diz o Pregador; vaidade de vaidades, tudo vaidade.Um pouquinho de fumaa, uma rajada de vento, um simples sopro nada que se possa

    pegar com as mos, a coisa mais prxima do zero. Isto a vaidade que se trata este livro.O que nos perturba esta leitura sobre a vida que tal nulidade no considerada como

    uma simples chamuscada sobre a superfcie das coisas, ainda que tenha um certo charme. asoma total das coisas.

    Se este o caso, como argumenta no resto do livro, vaidade acaba tornando-se uma

    palavra desesperadora. Ela deixa de significa simplesmente o que banal e passageiro e passa adescrever, desastrosamente, aquilo que no tem sentido. O autor dobra e redobra esta palavraamarga, usando-a duas vezes na mesma frase, como se fosse uma pardia do conhecidosuperlativo santo dos santos. A nulidade completa apresenta-se aqui em mudo contraste com a

    7 Veja a nota de rodap pg 1, quanto ao significado de Coelet (O Pregador).8 Tambm o sentido e um longo retrospecto nesta frase parece ter surgido devido forma aparentementeavanado do hebraico neste livro, o qual parece ser um estgio no meio do caminho entre o hebraicoclssico e o rabnico. Contudo, isto no conclusivo, uma vez que se pode argumentar que muitos dos seusaspectos so do dialeto fencio, no indicando data. Sobre isto, veja os comentrios feitos pod M.J. Dahoodem Biblica 33 (1952), pg 32-52 e 191-221; tambm em Bibliba 39 (1958), pg 302-318; e por G.L. Archerem Bulletin of the Evangelical Theological Society 12 (1969) pg 167-181. Este ltimo argumenta em favor

    da autoria de Salomo, chamando a ateno para os seus laos ntimos com os fencios.9 Apenas o ttulo Coelet (O Pregador) ser usado daqui em diante (7:27; 12:8-10), e a postura do escritorse tornar a de um simples observador, no a de um governante.Veja, por exemplo, 3:16; 4:1-3 5:8ss.10 Veja tambm o comentrio e anota de rodap sobre 1:12

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    11/58

    11

    santidade completa, aquela realidade poderosa que deu forma e caracterstica tradicionalpiedade de Israel. Finalmente ele conclui de maneira sucinta: Tudo vaidade. Em termosatuais a concluso poderia ser:

    Futilidade total... futilidade total. Tudo isso no passa de futilidadePorm o que tudo isso ser que inclui a divindade ou mesmo o prprio Deus? Ou ser

    que todas as coisas esto desprovidas disso?O autor no tem pressa de responder. Antes de dar alguns toques sobre o seu prprio

    ponto de vista, ele quer que examinemos muito de perto o mundo que vemos e as respostas queeste parece nos dar. A primeira destas leves indicaes vem logo a seguir na frase debaixo do sol(1:3), que vai se transformar em uma espcie de tnica do livro, repetindo-se cerca de trintavezes em seus doze pequenos captulos. A menos que isto no passe de um hbito (se bem queeste autor no de desperdiar palavras) , fica bem claro que o quadro que ele tem em mente exclusivamente o mundo que podemos ver, e que o nosso ponto de vista est ao nvel do cho.

    Neste caso no s a exclamao Vaidade de vaidades!, mas todos os comentrios sobre avida que se lhe acrescentam j tm seus limites, seu sistema de coordenadas, esboados nessafrase. No final do livro sero traadas linhas muito firmes, e Coelet se revelar um homem de f.At l, elas so introduzidas co o mais leve dos toques, e suas implicaes sero descobertasposteriormente. Podemos tradicionalmente chamar este homem de o Pregador; mas ele

    coloca-se to perto de seus ouvintes que suas palavras poderiam lhes parecer a personificaode seus pensamentos mais radicais. A diferena que ele segue essas trilhas de pensamentopara muito alm do que eles se disporiam a ir. Caminho aps caminho, todos soincansavelmente explorados at chegar ao ponto do nada. No final, apenas um caminho ficar.

    O processo foi to admiravelmente descrito por G.S. Hendry que seria uma pena no cit-loneste ponto:

    Coelet escreve a partir de premissas ocultas,e o seu livro na realidade uma grande obrade apologtica... Seu aparente mundanismo ditado pelo seu alvo: Coelet dirige-se ao pblico emgeral, cuja viso limitada pelos horizontes deste mundo; ele vai ao encontro desse pblico noseu prprio espao, e prossegue convencendo-o de sua inerente vaidade. Isto se confirma aindamais CPOR sua expresso caracterstica debaixo do sol, com a qual ele descreve o que o NovoTestamento chama de o mundo... Seu livro de fato uma crtica ao secularismo e religiosecularizada.11

    A rotina1: 3 Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol?4 Gerao vai e gerao vem; mas a terra permanece para sempre.5 Levanta-se o sol, e pe-se o sol, e volta ao seu lugar, onde nasce de novo.6 O vento vai para o sul e faz o seu giro para o norte; volve-se, e revolve-se, na sua carreira, e

    retorna aos seus circuitos.7 Todos os rios correm para o mar, e o mar no se enche; ao lugar para onde correm os rios,

    para l tornam eles a correr.8 Todas as coisas so canseiras tais, que ningum as pode exprimir; os olhos no se fartam

    de ver, nem se enchem os ouvidos de ouvir.9 O que foi o que h de ser; e o que se fez, isso se tornar a fazer; nada h, pois, novodebaixo do sol.

    10 H alguma coisa de que se possa dizer: V, isto novo? No! J foi nos sculos que foramantes de ns.

    11 J no h lembrana das coisas que precederam; e das coisas posteriores tambm nohaver memria entre os que ho de vir depois delas.

    J demos uma olhada nesta passagem para observar a frase debaixo do sol, que arma ocenrio para o livro como um todo de acordo com esta introduo, a seqencia considera a vidadentro dos limites mundanos que so iguais para todos os homens.

    Que proveito tem o homem...? uma pergunta prtica e caracterstica. A palavra aqui

    11 G.S. Hendry, Introduo ao artigo Eclesiastes, em The New Bible Commentary Revised(IVP, 1970) pg570

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    12/58

    12

    traduzida como proveito extrada do mundo dos negcios, s se encontra neste livro nasEscrituras.12 Mas antes de a excluirmos como cnica ou mercenria, lembremo-nos de umapergunta parecida no Evangelho: Que aproveita ao homem... ?13 Esta no a nica passagemem que Cristo e Coelet falam a mesma linguagem. uma pergunta justa. Qualquer idiaromntica que pudssemos ter, enfrentado uma situao desesperadora, ela logo se evaporariase no houvesse um outro tipo de situao. Mas quem nos garante que um dia a situao seroutra? A gente gasta a vida trabalhando, se esforando, e a final que vantagem leva em tudoisso?14 esta poderia ser uma traduo livre deste versculo.

    Ah! Mas existe quem ache que pode transformar o mundo em um lugar melhor, ou pelomenos deixar alguma coisa para aqueles que viro depois. Como se j esperasse esta resposta,Coelet aponta para o constante fazer e desfazer na histria da humanidade: geraes apsgeraes se levantam e caem, homens vm e logo so esquecidos; tudo isto tendo comoimpassvel cenrio a terra, que v todas as geraes passarem e continua existindo. Sem dvidaela ver o ltimo de ns que ficar em cena e o que homem lucrar com isso?

    Alm disso, por mais que a terra continue existindo, o prprio padro do mundo tointranqilo e repetitivo quanto o nosso. Tantas coisas que comeam bem voltam atrs. Tantasjornadas acabam onde comearam. Coelet destaca trs exemplos desta rotina infinita danatureza, comeando como mais bvio de todos, o sol, que percorre a sua grande curva no cu

    at o seu declnio; e, tendo concludo, apressa-se15 em repetir o que fez dia aps dia. Os outrosdois exemplos parecem a princpio oferecer uma vlvula de escape do crculo vicioso pois oque seria mais livre do que o vento ou menos reversvel do que uma torrente? Mas acompanhe oprocesso at o fim e voc retornar ao comeo. O vento volve-se e revolve-se; e as guas, como dito em J 36:27ss, so recolhidas para regar a terra novamente. Assim as coisas maisregulares do mundo, que nos falam em nome de Deus e de suas misericrdias que se renovam acada manh, dar-nos-o uma resposta muito diferente se buscarmos algum significado nelasmesmas. O versculo 8 resume esse infindvel ciclo taxando-o de indizvel canseira.16

    Tudo isto apresenta um espelho para o cenrio humano. Como o oceano, os nossossentidos so alimentados mais e mais, mas nunca se satisfazem. Como o ciclo da natureza,anossa histria est sempre retornando, deixando de cumprir a sua promessa. E a jornadacontinua, sem nunca chegarmos ao destino. Debaixo do sol no existe um lugar para onde ir,nada que satisfaa completamente ou que seja realmente novo. Quanto a colocarmos as nossasesperanas na posteridade, no final a posteridade ter perdido qualquer lembrana dos queficaram no passado (v.11).

    A esta altura, temos que fazer uma pausa para esclarecer duas coisas. Primeiro, o quevamos fazer com o famoso ditado: No h nada novo debaixo do sol? At que ponto ele verdadeiro? Talvez a prpria forma como costumamos us-lo nos d a melhor resposta. Ns oenunciamos como um comentrio geral sobre o cenrio da humanidade, e no como umpronunciamento sobre as invenes. Ningum muito menos Coelet h de negar a capacidadeinventiva do homem. Mas plus a change, plus cest La mme chose: quanto mais as coisasmudam, mais se revelam as mesmas. As coisas antigas prosseguem em seu novo disfarce. Comoraa, jamais aprendemos.

    A segunda pergunta sobre quanto abrange o tema do crculo vicioso. Para algunsescritores esta idia lembra os esticos e sua viso totalmente circular do tempo, atravs da qualtoda a trama da existncia deve tecer o seu prprio padro repetidas vezes, at os mnimosdetalhes, a intervalos predeterminados, infinitamente. Desta forma todo o futuro estaria

    12 A BLH fora um pouco a traduo do v.12 dizendo: Ser que um rei pode fazer alguma coisa que sejanova? No. S pode fazer o que fizeram os reis que reinaram antes dele13 Mc 8:3614 1:3 (BLH)15 A palavra aqui traduzida como volta (v.5) literalmente o verbo ofegar, se de avidez ou de cansao oautor no diz. Em outras passagens o termo tem quase uma conotao de avidez (p.e. J 5:5; 7:2; Sl119:131), mas o contexto sombrio (cf. v.8) e a palavra pode indicar tambm desespero (Is 42:14)16 Uma outra traduo do versculo 8a, favorecida por alguns comentaristas seria: Todas as palavras sofrgeis, isto , a cena est alm da descrio. Mas o adjetivo em outras passagens significa cansado (Dt25:18; 2Sm 17:2) e a passagem como um todo no est enfatizando a complexidade, mas o ciclo incessanteda natureza.

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    13/58

    13

    destinado a voltar mesma situao na qual voc, leitor, encontra-se agora; e isto no uma svez, mas vezes incontveis.

    Por si mesmos, os versculos 9 e 10 (O que foi, o que h de ser...) significariam exatamenteisso. Mas eles se encontram em um livro que apresenta escolhas morais genunas usandopalavras tais como justo e perverso, e que aponta para um julgamento futuro que no teriasentido caso fssemos apanhados em um processo que no nos desse alternativas. O que vemosaqui a fadiga de se lutar e no conseguir nada; e, embora seja muito diferente do fatalismo queestivemos considerando, tambm est muito longe do sentido de peregrinao que domina oAntigo Testamento.

    Seria isto um sinal de falta de convico? Gerhard vol Rad comenta que com este autor aliteratura da Sabedoria perdeu o ltimo contato coma antiga maneira de pensar de Israel emtermos de histria conservadora e, muito consistentemente, retrocedeu ao modo cclico depensar comum no Oriente... apenas... de uma forma total secular.17 Este um comentriocorreto, se o modo cclico de pensar significa apenas uma preocupao com a sucesso dasestaes e com os ritmos da vida.18 Mas fcil esquecer que, se Coelet est assumindo a posiodo homem do mundo para mostrar no que isto implica, justamente o ponto de vista que eletem que expor. E se assim o faz para denunciar tal posio e despertar o desejo de alguma coisamelhor, como os ltimos captulos vo mostrar, ento no deve ser identificado com ela a no

    ser por causa de sua solidariedade e de sua profunda viso interior.

    Eclesiastes 1:12-2:26 -Em busca de satisfao

    O investigador1: 12 Eu, o Pregador, venho sendo rei de Israel, em Jerusalm.13 Apliquei o corao a esquadrinhar e a informar-me com sabedoria de tudo quanto sucede

    debaixo do cu; este enfadonho trabalho imps Deus aos filhos dos homens, para nele os afligir.

    O poema que acabamos de considerar estabelece a tnica do livro atravs do seu tema e doquadro que apresenta de um mundo infinitamente ocupado e desesperadamente inconclusivo.

    Agora o foco se define. Voltamo-nos de analogias e impresses para o que podemosconhecer diretamente atravs da experincia. Vamos esquadrinhar uma vastido de ocupaeshumanas, indagando se existe na terra alguma coisa que tenha valor duradouro. O autor nosimpressiona coma urgncia da investigao: acabamos fazendo parte dela. Mas a sua curiosamescla de ttulos, Coelet e Rei, alerta-nos para o carter duplo com que ele se apresenta,como j vimos no incio.19 Nesta passagem, o pregador torna-se um segundo Salomo, para queem nossa imaginao possamos fazer o mesmo. Armados de tais vantagens, nossa pesquisa irmuito alm de uma experincia simples e limitada: ser algo grandioso, explorando tudo o que omundo possa oferecer a um homem de gnio e de riqueza ilimitados. Nesta rea deconhecimento, podemos aceitar suas descobertas como definitivas. Cotando suas palavras(2:12): Que far o homem que seguir ao rei?

    Talvez possamos, de passagem, comparar este reconhecimento superficial com outrapassagem escrita na primeira pessoa: o exame do corao humano que Paulo descreve no finalde Romanos 7. Cada uma destas duas confisses tem uma referncia mais ampla do que ohomem que est falando. Entre elas, Coelet e Paulo exploram para ns o mundo exterior e o

    17 G. Von Rad, Old Testsament Theology(trad. Inglesa Oliver e Boyd, 1962), I, Pg 45518 O. Loretz, Qohelet und der Alte Orient(Herder, 1964), pg 247ss, critica von Rad e outros pordescreverem o pensamento do antigo Oriente ou de Coelet como cclico. Mas com cclico quer dizer o firmedeterminismo do sistema estico (Lonretz, pg 251), que Von Rad no est discutindo neste ponto.19 Veja os comentrios acerca de 1:1. Compare a expresso: Eu venho sendo rei (ou me tornei rei, que

    seria a traduo mais natural), no versculo 12, com Zc 11:7ss: Apascentei as ovelhas (ou, tornei-mepastor)... Dei cabo de trs pastores..., etc.... que usam igualmente uma linguagem autobiogrfica, que nodeve ser tomada literalmente, ou com a inteno de enganar, mas que visa apresentar-nos uma sequnciailuminadora dos acontecimentos com muita vivacidade.

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    14/58

    14

    interior do homem, sua busca por um significado e sua luta por uma vitria moral.Com sua habitual franqueza, Coelet logo nos declara o pior: sua pesquisa resultou em

    nada. Para nos poupar do desapontamento de nossas esperanas, ele nos adverte do resultado(1:13b-15) antes de nos levar consigo em sua jornada (1:16-2:11); e finalmente compartilhaconosco as concluses a que chegou (2:12-26).

    O Resumo

    1: 13 Apliquei o corao a esquadrinhar e a informar-me com sabedoria de tudo quantosucede debaixo do cu; este enfadonho trabalho imps Deus aos filhos dos homens, para nele osafligir.

    14 Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade ecorrer atrs do vento.

    15 Aquilo que torto no se pode endireitar; e o que falta no se pode calcular.

    Discreta, mas significativamente, Coelet resume suas descobertas em termos que por umbreve momento saem do campo de viso do secularista. Ele v a inquietao da vida quequalquer observador poderia perceber; no entanto, relaciona-a coma vontade divina: foi Deusque a imps aos filhos dos homens. Isto talvez parea mais amargura do que f, mas na verdade

    uma indicao de algo positivo que ser retomado nos captulos finais. Na pior das hipteses,implicaria que, por detrs da nossa situao, existe sempre algum sentido (e no o contra-sensodo acaso), mesmo que este nos parea totalmente desanimador. Mas bem que poderia tambmfazer parte da justa disciplina que Deus nos imps como seqela da Queda. Foi assim que Paulo(com uma evidente perspectiva de Eclesiastes) interpretou o sofrimento do mundo: Pois acriao est sujeita vaidade... por causa daquele que a sujeitou, na esperana...20

    Essa esperana, contudo, fica totalmente alm do nosso prprio alcance, como veremosadiante. E o versculo 15 traz mais dois lembretes das nossas limitaes, coma conciso de umprovrbio. A ER capta bem o sentido: O que torto no se pode endireitar; o que falta no sepode enumerar. Se esta tortuosidade e esta falta significam as nossas prprias falhas de carterou as circunstncias que no podemos alterar,21 deparamo-nos novamente com o que podemosfazer. Com esta advertncia, juntemo-nos agora a Coelet em suas diversas experincias.

    Experimentando a vida1: 16 Disse comigo: eis que me engrandeci e sobrepujei em sabedoria a todos os que antes de

    mim existiram em Jerusalm; com efeito, o meu corao tem tido larga experincia da sabedoria edo conhecimento.

    17 Apliquei o corao a conhecer a sabedoria e a saber o que loucura e o que estultcia; evim a saber que tambm isto correr atrs do vento.

    18 Porque na muita sabedoria h muito enfado; e quem aumenta cincia aumenta tristeza.2: 1 Disse comigo: vamos! Eu te provarei com a alegria; goza, pois, a felicidade; mas tambm

    isso era vaidade.2 Do riso disse: loucura; e da alegria: de que serve?

    3 Resolvi no meu corao dar-me ao vinho, regendo-me, contudo, pela sabedoria, e entregar-me loucura, at ver o que melhor seria que fizessem os filhos dos homens debaixo do cu, duranteos poucos dias da sua vida.

    4 Empreendi grandes obras; edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas.5 Fiz jardins e pomares para mim e nestes plantei rvores frutferas de toda espcie.6 Fiz para mim audes, para regar com eles o bosque em que reverdeciam as rvores.7 Comprei servos e servas e tive servos nascidos em casa; tambm possu bois e ovelhas, mais

    do que possuram todos os que antes de mim viveram em Jerusalm.8 Amontoei tambm para mim prata e ouro e tesouros de reis e de provncias; provi-me de

    cantores e cantoras e das delcias dos filhos dos homens: mulheres e mulheres.

    20 Rm 8:2021 A segunda alternativa parece ser a mais provvel, vista de 7:13 com 7:29, que falam de Deus comosendo o autor das coisas tortas no sentido de fatos estranhos e irreversveis, mas no moralmente maus.

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    15/58

    15

    9 Engrandeci-me e sobrepujei a todos os que viveram antes de mim em Jerusalm;perseverou tambm comigo a minha sabedoria.

    10 Tudo quanto desejaram os meus olhos no lhes neguei, nem privei o corao de alegriaalguma, pois eu me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso era a recompensa de todas elas.

    11 Considerei todas as obras que fizeram as minhas mos, como tambm o trabalho que eu,com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrs do vento, e nenhum proveitohavia debaixo do sol.

    Para um pensador to famoso, a investigao tinha naturalmente de comear com asabedoria, a qualidade mais louvada em seus crculos. Contudo, ele nada diz sobre seu primeiroprincpio, o temor do Senhor, e podemos presumir que a sabedoria da qual ele fala (segundo oseu mtodo) o melhor pensamento que o homem pode ter por si mesmo. A sabedoria esplndida em toda a sua extenso: nada se pode comparar a ela (2:13); mesmo assim, ela nod respostas s nossas dvidas acerca da vida. Apenas as agua ainda mais com sua perspiccia.

    Assim Coelet considera a sabedoria com a devida seriedade, como uma disciplina que seocupa de questes mximas, e no simplesmente como um instrumento para realizar as coisas.Se isto fosse tudo, nada poderamos esperar dela alm do sucesso material. Mas a sabedoriapreocupa-se coma verdade,e a verdade nos compele a admitir que o sucesso nos faz mal e que

    nada no mundo permanece. Ele ainda vai dizer algo mais sobre isto; por enquanto, seu primeiroponto sobre o descanso foi apresentado.Ento ele mergulha na frivolidade. Mas uma parte dele se retrai regendo-me, contudo,

    pela sabedoria para ver a que a frivolidade como estilo de vida conduz, e o que faz ao homem.Imediatamente ele percebe o paradoxo do hedonismo: quanto mais se busca o prazer, menosele encontrado. De qualquer forma, a pessoa est buscando algo alm do prazer e atravs dele,pois isto mais que uma simples indulgncia. uma fuga deliberada da racionalidade, parachegar a um segredo da vida AL qual a razo talvez tenha bloqueado o caminho. Nisto reside afora do versculo 3b: entregar-me loucura at ver o que melhor seria que fizessem os filhosdos homens...

    Neste ponto nos aproximamos muito do nosso prprio tempo com o seu culto irracionalem suas variadas formas, desde o romantismo at a nsia que manifestam os diferentes estadosde conscincia, e da ao niilismo, que cultiva o feio, o obsceno e o absurdo, no por divertimento,mas como um ataque aos valores racionais. Embora nada disso aparea em Coelet, sua avaliaodas experincias com a loucura prova que ele est perturbado e igualmente desapontado com overedito ainda mais forte acerca do riso ( loucura); e nas Escrituras tanto a loucura como aestultcia pressupem mais perversidade moral do que desarranjo mental.22 Para merecer talobservao, o riso que acompanha este tipo de vida tem de ser cnico e destrutivo. Neste caso,no estamos muito longe de nossas comdias trgicas e do humor negro.

    Como que reagindo fortemente aos prazeres fteis, agora se entrega s alegrias dacriatividade. Dedica suas energias a um projeto digno de seus talentos estticos, de seu domniodas artes e das cincias, e de sua habilidade para comandar um grande empreendimento. Ele criaum pequeno mundo dentro do mundo: multiforme, harmonioso e extico, um Jardim do den

    secular, cheio de deleites civilizados e deliciosamente no civilizados (v.8),23 sem frutosproibidos ou algo que ele assim considere (v.10). para tanto, ele resolve fugir do tdio dos ricosatravs de uma atividade constante, desfrutada e valorizada por seu prprio bem (v.10); emantm um olho crtico sobre os seus projetos, mesmo enquanto os executa. Perseveroutambm comigo a minha sabedoria, ele nos diz (v.9). no perde de vista busca, a investigao do

    22 Por exemplo, em 9:3, maldade est associada a mal e, em 10:13, a palavra usada para estultcia considerada como um passo na direo da loucura perversa. Da mesma forma, agir estultamente(usando uma palavra relacionada com estultcia) geralmente implica em uma atitude fatalmentevoluntariosa; cf 1Sm 13:13; 26:21; 2Sm 24:10).23 A palavra sidda, que aparece apenas aqui, tem sido aceita como significando instrumento musical(ERC). Mas em uma carta de Fara Amenofis III ao prncile Milkilu de Gezer, em que so exigidas quarenta

    concubinas, a palavra egpcia para concubina est acompanhada de uma palavra cananita explicatria desidda. Concubina usada ento corretamente na ER. A BJ traz a palavra cofres (isto , arcas detesouro), mas sugere em suas anotaes princesas ou concubinas e a ERAB, no erra, ento, com atraduo mulheres.

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    16/58

    16

    significado da vida, que constitua o motivo principal de tudo.No final qual foi o resultado? Um esprito menos exigente do que Coelet teria encontrado

    muita coisa positiva para contar. As realizaes foram brilhantes. No nvel material, a ambioperene do lavrador de fazer (com nossas palavras) duas folhas de capim crescerem onde antess havia uma foi indiscutivelmente atingida; esteticamente falando, ele criou um paraso nico.Se a beleza produz alegria, ele no buscou em vo pelo que infinito e absoluto.

    Assim pensamos ns.Coelet no pensa assim. Chamar tais coisas de eternas no passa de retrica, e nada que

    seja perecvel vai satisfaz-lo. Nos termos coloquiais da BLH, ele diz: Compreendi que tudoaquilo era iluso, no tinha nenhum proveito. Era como se eu estivesse correndo atrs do vento.

    A avaliao2: 12 Ento, passei a considerar a sabedoria, e a loucura, e a estultcia. Que far o homem

    que seguir ao rei? O mesmo que outros j fizeram.13 Ento, vi que a sabedoria mais proveitosa do que a estultcia, quanto a luz traz mais

    proveito do que as trevas.14 Os olhos do sbio esto na sua cabea, mas o estulto anda em trevas; contudo, entendi

    que o mesmo lhes sucede a ambos.

    15 Pelo que disse eu comigo: como acontece ao estulto, assim me sucede a mim; por que,pois, busquei eu mais a sabedoria? Ento, disse a mim mesmo que tambm isso era vaidade.16 Pois, tanto do sbio como do estulto, a memria no durar para sempre; pois, passados

    alguns dias, tudo cai no esquecimento. Ah! Morre o sbio, e da mesma sorte, o estulto!17 Pelo que aborreci a vida, pois me foi penosa a obra que se faz debaixo do sol; sim, tudo

    vaidade e correr atrs do vento.18 Tambm aborreci todo o meu trabalho, com que me afadiguei debaixo do sol, visto que o

    seu ganho eu havia de deixar a quem viesse depois de mim.19 E quem pode dizer se ser sbio ou estulto? Contudo, ele ter domnio sobre todo o ganho

    das minhas fadigas e sabedoria debaixo do sol; tambm isto vaidade.20 Ento, me empenhei por que o corao se desesperasse de todo trabalho com que me

    afadigara debaixo do sol.21 Porque h homem cujo trabalho feito com sabedoria, cincia e destreza; contudo,

    deixar o seu ganho como poro a quem por ele no se esforou; tambm isto vaidade e grandemal.

    22 Pois que tem o homem de todo o seu trabalho e da fadiga do seu corao, em que ele andatrabalhando debaixo do sol?

    23 Porque todos os seus dias so dores, e o seu trabalho, desgosto; at de noite no descansao seu corao; tambm isto vaidade.

    24 Nada h melhor para o homem do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o bemdo seu trabalho. No entanto, vi tambm que isto vem da mo de Deus,

    25 pois, separado deste, quem pode comer ou quem pode alegrar-se?26 Porque Deus d sabedoria, conhecimento e prazer ao homem que lhe agrada; mas ao

    pecador d trabalho, para que ele ajunte e amontoe, a fim de dar quele que agrada a Deus.Tambm isto vaidade e correr atrs do vento.

    O rpido e brusco veredito do versculo 11 precisava ser explicado detalhadamente, poisao se aprofundar nas possibilidades da vida, Coelet no estava agindo puramente por contaprpria. Se ele, dentro todas as outras pessoas, regressou de mos vazias, mesmo no manto deSalomo, que esperana resta para os demais (v.12)?24 Ento ele retorna s grandes alternativas,a sabedoria e a loucura, comparando-as e avaliando-as radicalmente. Teria alguma delas umaresposta para esta busca de alguma coisa final? Eram estes os dois modos de vida que eleestivera testando nas suas experincias dos versculos 1:17-2:10, pois ele inclui na loucura noapenas a insensatez da auto-indulgncia e do cinismo, mas tambm a busca do prazer emqualquer nvel, mesmo no mais elevado, como uma fuga dos pensamentos dolorosos que se deve

    24 A BLH fora um pouco a traduo do v.12 dizendo: Ser que um rei pode fazer alguma coisa que sejanova? No. S pode fazer o que fizeram os reis que reinaram antes dele.

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    17/58

    17

    enfrentar. Isto estava bastante claro na sequncia de 1:18, onde aparece o comentrio: quemaumenta cincia, aumenta tristeza, o que leva firma resoluo: Vamos! eu te provarei com aalegria; goza, pois, a felicidade.

    A simples comparao entre sabedoria e a loucura despretensiosa, mas a avaliao final avassaladora. Nada poderia ser mais bvio do que as duas serem comparadas com a luz e astrevas (vs 13, 14a); mas Coelet tem a sagacidade de lembrar que estas no passam de abstraese que ns somos homens. De nada adiantaria nos recomendar o valor mximo da sabedoria, seno fim nenhum de ns capaz de exerc-la, e muito menos de avali-la. por isso, naturalmente,que as realizaes puramente humanas que ns chamamos de duradouras no so nada disso.Como humanos ns podemos reverenci-las deste modo, mas isto apenas porque nos falta ahonestidade de Coelet em ver que passados alguns dias, tudo cai no esquecimento (v.16). ele notem iluses, sem bem que ns que no deveramos t-las, ns que ouvimos dos prpriossecularistas que o nosso planeta est morrendo.

    Assim, pela primeira vez no livro (mas no a ltima, naturalmente), o fato da morte leva apesquisa a uma sbita pausa. Se o mesmo (destino) lhes sucede a ambos (v.14b), e o destino aextino, todo o homem fica privado, de sua dignidade e todo projeto, de sua finalidade. Vemosestes dois resultados nos versculos 14-17 e 18-23.

    Quanto dignidade do homem, o que mais mortificante (que palavra apropriada!)

    quanto ao fato de que todos os homens, tanto sbios tanto tolos (ao que poderamos acrescentarbons e maus, santos e sdicos Ou quaisquer outros antnimos) ho de finalmente se igualarna morte, que, se isto verdade, a ltima palavra acaba ficando com um fato brutal que arrasaqualquer juzo de valores que possamos fazer. Tudo pode nos dizer que a sabedoria no est nomesmo nvel que a loucura, nem o bem com o mal. Mas tanto faz: se a morte o fim da linha, aalegao de que no existe escolha alguma entre elas ter a sua ltima palavra. No final, asescolhas que positivamente sabemos ser significativas sero postas de lado como irrelevantes.

    Pelo que aborreci a vida. Se h uma mentira no centro da existncia, e falta de sentido nofinal da mesma, quem tem a coragem de fazer alguma coisa? Se, como poderamos dizer, todas ascartas em nossa mo esto trunfadas, que importa como jogamos? Por que tratar um rei commaior respeito do que um velhaco?

    A propsito, esta amarga reao um testemunho de nossa capacidade de avaliar a nossacondio desobrigando-nos dela. Sentir-se ultrajado diante do que universal e inevitvel d aidia de um descontentamento divino, uma indicao do que 3:11 vai sabiamente chamar deeternidade na mente do homem. De fato, o versculo 16 usa esta palavra a fim de lamentar afalta de qualquer lembrana duradoura do sbio.

    Os versculos 18-23 consideram um mal menor, mas um mal que pode solapar o espritodo seu jeito: a frustrante incerteza de todos os nossos empreendimentos quando escapam aonosso controle, como acontece mais cedo ou mais tarde. O homem do mundo dificilmenteobjetaria isto, com base em seus prprios princpios, contanto que eles durem toda a vida; masainda assim ele se importa, pois compartilha do nosso anseio ntimo pelas coisas permanentes.Quanto mais ele lutar durante a sua vida (e os versculos 22ss. mostram como essa luta pode serobsessiva), mais incmoda ser a idia de seus frutos irem parar nas mos de outras pessoas e,

    muito provavelmente em mos erradas. Este um outro golpe, j percebido antes no captulo,contra a esperana de encontrar realizao no trabalho duro e nos grandes empreendimentos. Oprprio sucesso acentua o anticlmax.

    Finalmente uma nota mais alegre se faz ouvir. Talvez nos tenhamos esforado demais. Otrabalhador compulsivo dos versculos 22ss., sobrecarregando os seus dias com trabalho e assuas noites com preocupaes, esqueceu-se das alegrias simples que Deus colocou suadisposio. A questo principal para ele no era decidir entre o trabalho e o repouso mas, se elesoubesse, entre as atividades sem sentido e as significativas. Como o versculo 24 destaca, oprprio trabalho que o tiraniza seria um presente potencialmente cheio de prazer vindo de Deus(e a prpria alegria um outro presente, v.25),25 bastando apenas que ele se dispusesse a aceit-los como tal.

    25 As palavras, separado deste (v.25) so um acrscimo apoiado pela LXX. O TM diz separado de mi, quedaria um bom sentido apenas se Deus estivesse falando na primeira pessoa. A traduo da ER e da ERC,melhor do que eu, inteligvel, mas dificilmente uma traduo aceitvel.

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    18/58

    18

    Eis a outro lado deste enfadonho trabalho [que] imps Deus aos filhos dos homens(1:13), pois em si mesmas e corretamente usadas, as coisas bsicas da vida so doces e boas. Oalimento, a bebida e o trabalho so exemplos delas, e Coelet nos faz lembrar ainda de outras. 26 Oque as estraga a nossa nsia de extrair delas mais do que podem dar; um sintoma do anseioque nos diferencia dos animais, mas cujo uso deturpado um tema subjacente deste livro.

    Assim por um momento, no versculo 26 o vu levantado para nos mostrar uma outracoisa alm da futilidade. O livro vai terminar com forte nfase sobre esta nota positiva; mas, atl, nesses vislumbres vemos o suficiente para ter a certeza de que h uma resposta, e que o autorno um derrotista. Ele nos desilude para nos chamar realidade.

    O que ele est dizendo neste versculo final poderia ser lido descuidadamente como umaclusula de revogao para os favoritos de Deus, poupando-os dos riscos materiais que acabamde ser descritos. A BLH esfora-se para no dar esta impresso, retirando a palavra pecador(sem motivo), substituindo-a por os maus e descrevendo aqueles que agradam a Deus comosimplesmente aqueles de quem ele gosta ou de quem ele gosta mais. Mas mesmo sem estadistoro gratuita seria fcil passar por cima do vital contraste neste versculo, de um lado osdons espirituais de Deus que trazem satisfao (sabedoria, conhecimento, alegria) e que saqueles que lhe agradam podem desejar ou receber, e do outro a frustrao 27 de acumular o queno se pode guardar, que a poro escolhida por aqueles que o rejeitam. O fato de que o

    estoque do pecador vai parar finalmente nas mos do justo apenas uma ironia final daquiloque no passava de vaidade e correr atrs do vento. E para o justo uma reivindicao final, nadamais que isso. Tal como acontece com os mansos, que tm a promessa de herdar a terra, otesouro deles est em outra parte e de outro tipo.

    Eclesiastes 3:1-15 -

    A tirania do tempo3: 1 Tudo tem o seu tempo determinado, e h tempo para todo propsito debaixo do cu:2 h tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se

    plantou;

    3 tempo de matar e tempo de curar; tempo de derribar e tempo de edificar;4 tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear e tempo de saltar de alegria;5 tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraar e tempo de

    afastar-se de abraar;6 tempo de buscar e tempo de perder; tempo de guardar e tempo de deitar fora;7 tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de estar calado e tempo de falar;8 tempo de amar e tempo de aborrecer; tempo de guerra e tempo de paz.9 Que proveito tem o trabalhador naquilo com que se afadiga?10 Vi o trabalho que Deus imps aos filhos dos homens, para com ele os afligir.11 Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; tambm ps a eternidade no corao do

    homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princpio at ao fim.12 Sei que nada h melhor para o homem do que regozijar-se e levar vida regalada;13 e tambm que dom de Deus que possa o homem comer, beber e desfrutar o bem de todo

    o seu trabalho.14 Sei que tudo quanto Deus faz durar eternamente; nada se lhe pode acrescentar e nada

    lhe tirar; e isto faz Deus para que os homens temam diante dele.15 O que j foi, e o que h de ser tambm j foi; Deus far renovar-se o que se passou.

    Talvez tirania seja uma palavra forte demais para o moderado fluxo e refluxo descritocom essas palavras o qual nos leva durante a vida inteira de uma atividade para outra oposta, ede volta novamente quela. A descrio agradvel, com uma variedade de humor e de aorevelando diferentes ritmos em nossas ocupaes. Agrada-nos o ritmo, pois quem gostaria deuma primavera perptua (tempo de plantar, mas nunca colher), ou quem invejaria o homem

    26 Cf 9:7-10; 11:7-1027 Trabalho, neste versculo a mesma palavra que aparece na frase de 1:13, este enfadonho trabalhoimpes Deus aos filhos dos homens, para nele os afligir.

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    19/58

    19

    de negcios que no dorme, que ns ficamos conhecendo no captulo anterior?No contexto de uma busca de finalidade, no entanto, este movimento de c para l e de l

    para c no nada melhor do que o crculo vicioso do captulo primeiro; e, alm disso, trazconsigo suas prprias conseqncias perturbadoras. Uma delas que ns danamos ao som deuma msica, ou de muitas delas, que no foram compostas por ns; a segunda que nada do quebuscamos tem alguma permanncia. Atiramo-nos a uma atividade qualquer que nos dsatisfao, mas com que liberdade a escolhemos? Dentro de quanto tempo estaremos fazendoexatamente o oposto? Talvez as nossas escolhas nem sejam mais livres do que as nossas reaesdiante do inverno e do vero, ou da infncia e da velhice, ditadas pela marcha do tempo e pormudanas espontneas.

    Vista desta forma, a repetio tempo... e tempo comea a tornar-se opressiva. Seja qualfor a nossa capacidade e iniciativa, o nosso verdadeiro senhor parece ser a inexorvel mudanadas estaes: no apenas as que se encontram no calendrio como tambm aquela mar deacontecimentos que ora leva a um determinado tipo de ao que nos parece adequado, ora a umoutro que coloca tudo de maneira inversa. Obviamente, pouco temos a dizer das situaes quenos levam a chorar, a rir, a prantear e a saltar de alegria; mas os nossos atos mais deliberadostambm podem ser condicionados pelo tempo, mos do que supomos. Quem diria, falamos svezes, que chegaria o dia em que eu acabaria fazendo tal ou tal coisa, e achando que o meu

    dever! Assim, a nao pacifista prepara-se para a guerra; ou o pastor de ovelhas pega a facapara matar a criatura que ele antes cuidou para que no morresse. O colecionador distribui o seutesouro; amigos tm desavenas amargas; a necessidade de falar vem depois da necessidade deguardar silncio. Nada do que fazemos parece, fica livre desta relatividade e desta presso, quaseuma imposio, vinda de fora.

    Nossa reao natural seria buscar a realidade em algo alm das mudanas, tratando aesfera das experincias cotidianas como um mero passatempo. Para nossa surpresa, no versculo11 Coelet nos faz ver que essas perptuas mudanas no so algo desordenado, mas um padrodeslumbrante e revelador, uma ddiva de Deus. O problema no que a vida se recuse a ficarparada, mas sim que ns s percebemos uma frao do seu movimento e do seu plano sutil eintricado. Em vez da ausncia de mudanas, temos ma coisa melhor: um propsito dinmico edivino, com um princpio e um fim. Em vez de uma perfeio congelada temos o movimentocaleidoscpico de inmeros processos, cada um com seu prprio carter e com seu perodo deflorescer e amadurecer, formoso no seu devido tempo, contribuindo para a obra-prima total que obra do Criador. Ns captamos estes momentos brilhantes, mas mesmo parte das trevas comque se entremeiam, eles deixam-nos insatisfeitos devido falta de um significado total quepossamos entender. Diferentemente dos animais, absorvidos pelo tempo, ns queremos v-losem seu contexto pleno, pois conhecemos um pouco da eternidade: o suficiente pelo menos paracomparar o efmero com o eterno.28 Parecemos algum desesperadamente mope,percorrendo centmetro por centmetro uma grande tapearia ou pintura na tentativa deentender o todo. Vemos o suficiente para reconhecer um pouco de sua qualidade mas o grandedesenho se nos escapa, pois nunca podemos nos afastar o suficiente para v-lo como o Criador ov, completo e por inteiro, desde o princpio at o fim.

    Esta incompreensibilidade desanimadora para o secularista pensante, mas no para ocrente. Ambos podem refugiar-se na vida aproveitando-a ao mximo, mas o homem que no tmf age no vazio. O versculo 12 no to frvolo como talvez parea em algumas verses,l comona ER a frase final, enquanto viverem, lana uma sombra sobre qualquer empreendimento. Senada permanente, muito embora grande parte do nosso trabalho v sobreviver a ns, estamosapenas enchendo o tempo; e disso vamos nos dar conta mais cedo ou mais tarde.

    O crente, por outro lado, pode aceitar o mesmo tipo de programa despretensioso, nocomo um tapa-buraco mas como uma tarefa. um dom de Deus (v.13), uma poro distribudaem nossa vida cujo propsito conhecido pelo Doador e parte de sua obra eterna; pois Deus

    28 Eternidade (v.11) a mesma palavra traduzida por eternamente no v.14, mas usada aqui comosubstantivo. A LXX a traduz aqui e em outras passagens por aion, o substantivo que d lugar ao adjetivo

    eterno no NT. Embora possa ser usada simplesmente em relao ao tempo passado ou futuro (cf a BLH),ou em relao a uma poca, o contraste com a palavra tempo (isto , estao) no v.11a aponta para umsentido mais forte do que fraco neste versculo. A ERC menciona aqui o mundo, usado no sentido arcaicode uma dispensao (cf. a frase mundo sem fim).

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    20/58

    20

    no faz nada em vo. Como o versculo 14 destaca, os planos divinos so diferentes dos nossos eem nada precisam ser corrigidos ou acrescidos: eles perduram. O eternamente deste versculocombina com a eternidade colocada no corao do homem (v.11). Participar um pouco disto, pormais modestamente que seja, um escape da vaidade de vaidades.

    Assim todo o pargrafo fala coma bondade e a severidade simultneas queencontramos na conhecida frase de Romanos 11:22: ... para com os que caram, severidade; maspara contigo, a bondade de Deus... O homem ligado s coisas da terra, luz dos versculos 14 e15 e de toda essa seo prisioneiro de um sistema que ele no consegue quebrar nem sequervergar; e por trs disso est Deus na meio de fuga, e nenhum jeito de alijar-se da carga que oestorva ou incrimina. Mas o homem de Deus ouve estes versculos sem tais receios. Para ele oversculo 14 descreve a fidelidade divina que transforma o temor de Deus em umrelacionamento filial e frutfero;29 e o versculo 15 lhe assegura que Deus conhece todas as coisasde antemo, e nada fica esquecido.30 Deus no tem empreendimentos abortivos, nem homensque ele tenha esquecido. Novamente Coelet demonstra, de passagem, que o desespero que eledescreve no o seu prprio, e nem precisa ser o nosso.

    Mas h muitos outros fatos acerca do mundo que ele precisa destacar. Agora ele volta-separa o cenrio da sociedade humana e a maneira de como ns exercemos o poder.

    Eclesiastes 3:16-4:3 -

    A aspereza da vida3: 16 Vi ainda debaixo do sol que no lugar do juzo reinava a maldade e no lugar da justia,

    maldade ainda.17 Ento, disse comigo: Deus julgar o justo e o perverso; pois h tempo para todo propsito

    e para toda obra.18 Disse ainda comigo: por causa dos filhos dos homens, para que Deus os prove, e eles

    vejam que so em si mesmos como os animais.19 Porque o que sucede aos filhos dos homens sucede aos animais; o mesmo lhes sucede:

    como morre um, assim morre o outro, todos tm o mesmo flego de vida, e nenhuma vantagem tem

    o homem sobre os animais; porque tudo vaidade.20 Todos vo para o mesmo lugar; todos procedem do p e ao p tornaro.21 Quem sabe se o flego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima e o dos animais

    para baixo, para a terra?22 Pelo que vi no haver coisa melhor do que alegrar-se o homem nas suas obras, porque

    essa a sua recompensa; quem o far voltar para ver o que ser depois dele?4: 1 Vi ainda todas as opresses que se fazem debaixo do sol: vi as lgrimas dos que foram

    oprimidos, sem que ningum os consolasse; vi a violncia na mo dos opressores, sem que ningumconsolasse os oprimidos.

    2 Pelo que tenho por mais felizes os que j morreram, mais do que os que ainda vivem;3 porm mais que uns e outros tenho por feliz aquele que ainda no nasceu e no viu as ms

    obras que se fazem debaixo do sol.

    No temos aqui propriamente uma mudana de assunto, pois a idia de temposestabelecidos e do seu poder sobre ns continua presente no versculo 17. Mas o problema dainjustia demasiadamente comovente para ser tratado como simples ilustrao desse tema.Transforma-se num assunto parte por um breve espao de tempo no captulo 4, e vai retornarde vez em quando em passagens posteriores.31

    29 ConfSl 130:4, onde repousa sobre o perdo divino.30 O que se passou considero uma referncia ao passado. O renovar-se implica na ao de Deus parajulgar ou para restaurar, dependendo da natureza do que renovado. Outras interpretaes consideram oque se passou como uma referncia quele que foi perseguido, traduo esta possvel em muitos casos,

    mas que dificilmente seria apropriada aqui; ou consideram toda a frase como uma expresso daincansvel busca de Deus dos acontecimentos no passado e, novamente, no futuro. A ERC diz: Deus pedeconta do que passou.31 Veja 5:8ss; 8:10-15; 9:13-16; 10:5-7; 10:36ss

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    21/58

    21

    Primeiramente, entretanto, podemos v-lo na apresentao das inverses e sbitasmudanas de direo da vida, que so predominantes no captulo 3. Pois se j uma coisa queclama por uma reviravolta a injustia. Eis a finalmente alguma coisa obviamente proveitosanas voltas e viravoltas de nossos negcios. O fato de que tudo na terra obedece periodicidadepromete um fim ao longo inverno do mal e do desgoverno. Refora convico puramente moralde que Deus julgar (v.17), sabendo que para este acontecimento, como para tudo o mais, ele jdesignou uma poca adequada.

    Isso muito bom, achamos ns; mas por que a demora? Por que agora ainda no o tempoadequado para a justia universal? A essa pergunta no enunciada, os versculos 18ss. do umaresposta tipicamente dura, considerando que a nossa primeira necessidade no ensinar a Deuso que ele deve fazer, mas aprender a verdade acerca de ns mesmos, uma lio que ns somosmuito lentos em aceitar. (Mesmo o sculo vinte nos encontra ainda muito inclinados a negar anossa maldade inata.) Portanto, quando o versculo 18 diz para que Deus os prove (ou melhor, osdesmascare)32 e eles vejam que so em si mesmos como animais, ficamos profundamentechocados. verdade que o como os animais da ERAB questionvel.33 Mas temos de admitirque totalmente parte de nossas tendncias par a crueldade e para a sordidez, que nos colocamem uma categoria ainda mais inferior, h pelo menos dois fatores que do respaldo acusao:a inclinao para a ganncia e para a esperteza em nossos negcios (que o assunto em

    discusso, versculo 16), e a mortalidade que os homens partilham com todas as criaturas daterra. O primeiro destes tristes fatos reaparece no prximo captulo; o segundo ocupa o restantedeste e recebe influncias de outras partes do Antigo Testamento. o versculo 20, que nosapresenta o homem em sua caminhada do p para o p, como em Gnesis 3:19, confronta-noscom a Queda e coma ironia de que morremos como os animais porque nos imaginvamosdeuses.

    Mas existe em ns alguma coisa que sobreviva a morte? Do seu ponto de vista privilegiado,Eclesiastes s pode responder: Quem sabe?34 O flego de vida, ou o esprito,35 nestes versculos a vida que Deus d tanto aos animais quanto aos homens, e cuja retirada resulta na morte, comodiz o Salmo 104:29ss. Est claro que pelo menos isso temos em comum com os animais; mas seesprito implica em alguma coisa eterna para ns, ningum pode chegar a uma conclusoapenas pela observao do texto aqui.36

    Mas o eco do Salmo49, aquele que faz a mesma comparao entre os homens e os animais,nos faz lembrar que h uma resposta. O homem de f pode dizer: Mas Deus remir a minhaalma do poder da morte, pois ele me tomar para si (Sl 49:15). o homem em sua ostentao,o homem sem entendimento, que como os animais, que perecem;37 e este o homem com o

    32 A palavra para provar j parece ter o seu sentido posterior de trazer luz (confMcNeile pg 64)33 O texto no precisa dizer nada mais alm disso, que os homens agem como os animais, ou que soanimais em certos sentidos indicados pelo contexto. Este versculo, um tanto difcil diz: ... para que Deusos prove (ou os exponha, veja nota anterior), e eles vejam que so em si mesmos como os animais. No Sl14:2 quem v a situao dos homens Deus; aqui, ao contrrio, o sujeito so as pessoas envolvidas (e elesvejam); mas uma mudana de vogal daria mostrar (como diz a BJ e a maioria das tradues modernas

    seguindo a LXX ET AL.). As palavra em si mesmos foram interpretadas como erro de copista, uma vezque animais e eles so palavras semelhantes; ou significando entre si (denunci-los e mostrar queso animais uns para os outros, BJ); ou, de sua parte; ou em si mesmos (Delitzsch). Eu me inclino aaceitar Delitzsch ou a BJ.34 H verses, como a ERAB, que traduzem o versculo 21 como sendo uma afirmao implcita: Quemsabe que o flego de vida (ou o esprito) dos filhos dos homens se dirige para cima, etc. A vogal hebraicano comeo de se dirige favorece esta verso (embora no de maneira exclusiva: veja o hebraico de, porexemplo, Nm 16:22; Lv 10:19), mas o hi que vem a seguir comprova o contrrio. O ponto de vistageralmente defendido por Coelet, e o presente contexto em particular, apiam a traduo da ER: Quemsabe se... ?35 Ambas so tradues de ruah aqui (19, 21). Em Gn 2:7 foi usada uma palavra diferente para o hlito davida que foi soprado nas narinas do homem no ato da criao.36 primeira vista, Ec 12:7 responde a esta pergunta. Mas no preciso dizer mais do que foi dito em Sl

    104:29ss., que Deus d e retira o hlito da vida de suas criaturas quando quer.37 Veja Sl 49:12,14,15 e 20. A ER e a BLH roubam do salmo o seu clmax, fazendo o versculo 20simplesmente repetir o v.12, quando no texto hebraico (e tambm na ERAB) h a frase: O homem... sementendimento.

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    22/58

    22

    qual Eclesiastes se preocupa.Para tal pessoa o versculo 22 oferece o melhor que pode dar: a satisfao temporria de

    executar bem o seu trabalho. No coisa de se desprezar. A possibilidade um legado de ummundo bem criado, como esclarece o versculo 13. Tudo o que est faltando (mas virtualmentetudo) ser a satisfao de aceitar esse trabalho como um dom do Criador (veja acima, versculo13), e oferec-lo a ele.

    Com o captulo 4:1-3 retornamos s opresses que se fazem debaixo do sol, assuntoabordado em 3:16. A passagem to curta quanto dolorosa, pois se no h um meio de acabarcom estas coisas (como na verdade ao existe, no tempo presente), pouco se pode acrescentar aosamargos fatos do versculo 1 alm do lamento dos versculos 2 e 3. Talvez achemos que estaatitude seja derrotista, pois sempre h muita coisa que pode ser feita pelos que sofrem, quandoqueremos faz-lo. Mas esta objeo dificilmente seria honesta. Coelet est observando a cenacomo um todo, e ele pode muito bem retrucar que aps cada interveno concebvel aindarestariam inumerveis bolses de opresso nas moradas de crueldade38 o suficiente parafazer os anjos chorarem, se no os homens. Ele poderia acrescentar que no h coincidnciaalguma no fato de o poder se encontrar do lado do opressor, uma vez que o poder que maisrapidamente desenvolve o hbito da opresso. Paradoxalmente, ele limita a possibilidade deuma reforma, porque quanto mais controle o reformador tiver, maior a tendncia para a tirania.

    Assim um outro aspecto da vida terrena foi apresentado; e nada h mais triste em todo olivro do que a melanclica aluso, nos versculos 2 e 3, aos mortos e aos que ainda no nasceram,que so poupados da viso de tanta angstia. Isto apropriado, pois embora de um modo geralEclesiastes esteja preocupado com a frustrao, aqui ele se ocupa como reino do mal, e como malem sua chocante forma de crueldade. Se a melancolia de Coelet nos choca excessivamente nesteponto, talvez devamos nos perguntar se a nossa viso mais otimista brota da esperana e no dacomplacncia. Se ns, os cristos, vemos mais alm do que ele se permitiu, no h motivos paranos pouparmos das realidades do presente.

    Eclesiastes 4:4-8 -

    Corrida desenfreada4: 4 Ento, vi que todo trabalho e toda destreza em obras provm da inveja do homemcontra o seu prximo. Tambm isto vaidade e correr atrs do vento.

    5 O tolo cruza os braos e come a prpria carne, dizendo:6 Melhor um punhado de descanso do que ambas as mos cheias de trabalho e correr atrs

    do vento.7 Ento, considerei outra vaidade debaixo do sol,8 isto , um homem sem ningum, no tem filho nem irm; contudo, no cessa de trabalhar,

    e seus olhos no se fartam de riquezas; e no diz: Para quem trabalho eu, se nego minha alma osbens da vida? Tambm isto vaidade e enfadonho trabalho.

    Nesta pequena amostra de atitudes para com o trabalho somos lembrados de algunsextremos, estranhos mas familiares. Primeiro, a nsia competitiva. O versculo 4 no deve sofrertanta presso, pois este escritor, como qualquer outro, deve ter a liberdade de apresentar osseus pontos com vigor. Poderemos tergiversar, se quisermos, lembrando-nos de pessoas taiscomo os prias solitrios ou os lavradores necessitados, que lutam simplesmente pelasobrevivncia, ou aqueles artistas que realmente amam a perfeio por amor a ela; maspermanece o fato de que grande parte de nosso trabalho rduo e de nosso grande esforo estmisturada nsia de eclipsar os outros ou de no ser eclipsado. At mesmo na rivalidade entreamigos isto exerce um papel maior do que possamos imaginar, pois podemos at agentar seultrapassados por algum tempo e por determinadas pessoas, mas no com tanta regularidadenem to profundamente. Sentir-se um fracasso descobrir na alma a inveja que Coelet detectaaqui, em sua pattica forma de ressentimentos acalentados e queixumes autopiedosos.39

    38 Cf. Sl 74:20 (ERC)39 McNeile destaca que o Heb. Deste versculo simplesmente faz da inveja o predicado do trabalho e dadestreza, isto : Ento vi que... correspondia inveja, etc. Sendo incitado por ela e sendo um resultado

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    23/58

    23

    O segundo retrato (v.5) pequeno e apresenta o extremo oposto: o indolente. Ele desprezaessas rivalidades frenticas. Mas recebe o seu verdadeiro nome, tolo, pois a sua inrcia igual eoposta ao erro dos outros. Ele o quadro da complacncia e da autodestruio inconsciente, poiseste comentrio sobre ele destaca um prejuzo mais profundo do que o desperdcio do seucapital. Sua preguia, alm de acabar com o que ele tem, acaba tambm com o que ele : destri oseu autocontrole, o seu senso de realidade, a sua capacidade de se cuidar e, finalmente, o seuauto-respeito.

    A estas duas formas infelizes de viver o versculo 6 apresenta uma alternativa sadia. A belaexpresso um punhado de descanso consegue transmitir a dupla idia de desejos modestos e pazinterior: uma atitude to distante da indolncia egosta do tolo quanto da luta desordenada dodiligente em busca da preeminncia.

    D-me a minha concha de quietude,Meu cajado de f para me apoiar,

    Minha dieta imortal de alegria,Meu cntaro de salvao,

    Minha veste de glria, real penhor da esperana,E assim vou iniciar

    A minha peregrinao40

    Mas se que existe algo mais opressor do que a inveja, o hbito, quando este setransforma em fixao. Os versculos 7e 8 descrevem o manaco ganhador de dinheiro comoalgum completamente desumanizado, que se entregou mera ganncia e ao processoinfindvel de aliment-la. Subitamente o escritor identifica-se com tal homem, e nos leva a fazero mesmo, atravs da pergunta: Para quem trabalho eu...? estas palavras aparecem sem seremanunciadas, como se expressassem o que a vida toda desse homem est dizendo. Embora, a bemda clareza, estejamos examinando aqui a vida de um homem sem famlia, podemos imaginar quea sua solido no seja acidental e que, alm disse, ele no tenha amigos, vivendo como vive nasua rotina. Mesmo que tenha esposa e filhos, ele tem pouqussimo tempo para lhes dedicar,convencido de que est lutando em benefcio deles, embora o seu corao esteja em outro lugar,dedicado e enredado em seus projetos.

    semelhana da rivalidade invejosa descrita no versculo 4, este quadro de uma vida denegcios solitria e sem sentido pe em cheque qualquer argumentao quanto s bnos dotrabalho duro. No aqui que jaz a resposta para a frustrao,e muito menos na indolncia doversculo 8. Neste ponto Coelet parece fazer uma pausa em sua busca das coisas duradouras davida, o que nos d oportunidade de olhar para trs e tornar a examinar o caminho que jpercorremos com ele.

    Primeiro Resumo:

    Retrospectiva de Eclesiastes 1:1-4:8At agora, em nossa perspectiva o cenrio terreno, examinamos o que o mundo pode

    oferecer em quatro ou cinco diferentes nveis. Comeamos com uma impresso de sua totalinquietude, as repeties infinitas e inconclusivas que se acham na natureza e no cenriohumano (1:1-11). Depois consideramos as satisfaes dos diferentes estilos de vida, racionais eirracionais, frvolos e austeros: os prazeres da arte e do trabalho, da construo para o futuro(1:12-2:26). Se alguns deles tm alguma coisa para dar, nenhum sobrevive ao teste decisivo damorte. Para encontrar alguma coisa que o tempo no desfaa, temos de procurar em outro lugar.Mas o tempo, como foi apresentado no captulo 3, alm de ser inexorvel, tambm nos faz flutuarao sabor de mars e correntezas que so mais fortes do que ns. No somos donos de nossascircunstncias: nem sequer podemos nos orientar dentro delas.

    Uma nota mais sinistra insinua-se em 3:16 com o tema da tirania humana e sua crueldade. o fato amargo que faz da morte, mesmo no momento de maior desespero, no mais o ltimo

    dela. Muitas tradues modernas (tais como a ERAB, a ER e a BLH) fazem da inveja o incentivo para osucesso; e outras (como a ERC) fazem dela o efeito das realizaes sobre os outros; o Heb. Deixa em abertoessas duas possibilidades.40 Sir Walter Raleigh, His Pilgrimage (Sua Peregrinao)

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    24/58

    24

    inimigo, como a vimos no captulo 2, mas o ltimo amigo que nos resta.Finalmente vimos, em 4:4-8, no os perdedores nesta luta humana, mas os aparentes

    ganhadores e sobreviventes: aqueles que conseguiram ser por ela ou em si mesmos totalmenteabsorvidos. Ao que parece, estes entraram em um acordo com a vida. Mas ser que receberamum prmio duradouro? E ser que a sua maneira de obt-lo poderia enfrentar uma inspeo? Aexpresso corrida desenfreada resume a idia principal destes versculos: uma rivalidadefrentica em um dos extremos, uma desastrosa escolha no outro; e para os poucos que obtmsucesso, uma vida dedicada consecuo de prmios e mais prmios sem significado algum.

    Aps esta avaliao inclemente, ser um alvio voltarmo-nos um pouco de nossa buscadesesperada por algo duradouro, para assuntos mais corriqueiros, pois a vida continuaenquanto buscamos, e h maneiras melhores e piores de viv-la. Pelo menos neste pontopodemos ser sbios!

    Para comear, podemos ser mais sensveis do que os solitrios e obsessivos ganhadores dedinheiro que acabamos de considerar; e um padro mais sbio do que o deles ser o primeiroassunto dos comentrios que se seguem acerca da vida.

    Eclesiastes 4:9-5:12 -

    Interldio: Algumas reflexes, mximas e verdades

    Companheirismo4: 9 Melhor serem dois do que um, porque tm melhor paga do seu trabalho.10 Porque se carem, um levanta o companheiro; ai, porm, do que estiver s; pois, caindo,

    no haver quem o levante.11 Tambm, se dois dormirem juntos, eles se aquentaro; mas um s como se aquentar?12 Se algum quiser prevalecer contra um, os dois lhe resistiro; o cordo de trs dobras no

    se rebenta com facilidade.

    Tendo examinado a pobreza do solitrio, por maior que seja o seu sucesso exterior,

    agora vamos refletir sobre algo melhor; e melhoraqui ser uma palavra-chave (4:9,13; 5:1,5), oque acontece com muita freqncia na avaliao de valores pelos escritores da Sabedoria.

    As idias so simples e diretas; aplicam-se a muitas formas de companheirismo, inclusive(embora no explicitamente) ao casamento. Com uma brevidade graciosa elas descrevem oproveito, a elasticidade, o conforto41 e a fora que existem em uma verdadeira aliana; e por issovale a pena aceitar suas exigncias. Embora tais exigncias no estejam explcitas aqui,dificilmente teramos de expor os benefcios do companheirismo se este no envolvesse algumcusto. Um preo bvio a independncia da pessoa: uma vez comprometida, ela tem deconsultar os interesses e a convenincia da outra, ouvir-lhe as idias, ajustar-se ao seu modo deandar e estilo de vida, e cumprir com as promessas. Quanto s recompensas, so todas benefciosconjuntos: um parceiro nunca haver de explorar o outro.

    O cordo de trs dobras talvez seja um lembrete de que o verdadeiro companheirismo temmais de uma forma. Embora os nmeros, quando erradamente entendidos, possam ser divisivose desastrosos (veja o versculo 11), na sua forma certa, alm de acrescentarem algo aosbenefcios da unio, tambm se multiplicam. Um exemplo bvio deste enriquecimento, e opredileto dos pregadores, a fora de um casamento, ou de qualquer aliana humana, quandoDeus o fio mestre que faz com eles o cordo triplo. Mas talvez o escritor estivesse pensandomais nesta metfora em termos puramente humanos, de modo que, se aplicada ao casamento, oterceiro fio seria mais apropriadamente os filhos, com tudo o que eles acrescentam qualidade e fora do lao original. Mesmo assim provavelmente estejamos sendo mais especficos do queele pretendia que fssemos.

    Aplausos populares

    41 O versculo 11 poderia aplicar-se ao casamento, mas possivelmente aplica-se mais aos viajantes quedormem ao relento. Barton observa que as noites na Palestina so frias..., e o viajante solitrio dorme svezes unto de sua montaria para se aquecer na falta de outra companhia.

  • 8/6/2019 Derek Kidner a Mensagem de Eclesiastes

    25/58

    25

    4: 13 Melhor o jovem pobre e sbio do que o rei velho e insensato, que j no se deixaadmoestar,

    14 ainda que aquele saia do crcere para reinar ou nasa pobre no reino deste.15 Vi todos os viventes que andam debaixo do sol com o jovem sucessor, que ficar em lugar

    do rei.16 Era sem conta todo o povo que ele dominava; tampouco os que viro depois se ho de

    regozijar nele. Na verdade, que tambm isto vaidade e correr atrs do vento.

    Este pargrafo t