Da Natureza à Cultura

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DA NATUREZA À CULTURA THAIS MORAES CORREIA O termo cultura (do latim colere) quer dizer cultivar, ou cuidar, criar, tomar conta. Cultura significava o cuidado do homem com a natureza. Significava o cuidado com a educação e formação - na Grécia era cultivado “a educação do espírito das crianças para tomarem-se membros evidentes ou vitoriosos da sociedade pelo aperfeiçoamento e refinamento das qualidades naturais ditas caráter, índole, temperamento. No dicionário encontramos: Cultura: “o complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições, e de outros valores espirituais e materiais, transmitidos coletivamente e características de uma sociedade”. Ou ainda: “desenvolvimento de um grupo social, uma nação, etc., que é fruto do esforço coletivo pelo aprimoramento desses valores”. Civilização: “ato ou efeito de civilizar, conjunto de caracteres próprios da vida social, política, econômica è cultural de um país ou de uma região”. À partir do século XVIII, cultura passa então a significar os resultados da formação ou educação dos seres humanos, resultados expressos em obras, feitos, ações e instituições: as artes, a ciência, a filosofia, os ofícios, a religião, e o Estado. Torna-se sinônimo de civilização pois os pensadores julgavam que os resultados da formação - educação aparecem com mais clareza e nitidez na vida social e política ou na vida civil (CHAUÍ, p 292). E a partir do século XVIII também, que sé distingue natureza de cultura. Kant ao estabelecer a distinção entre homem e natureza, sugere que esta opera mecanicamente (causa/efeito) e que o homem é dotado de liberdade e razão, agindo por escolha de acordo com os valores e fins. Do lado na natureza, o determinismo: do lado da humanidade (ou cultura) o reino da finalidade livre; ou em outras palavras a natureza é repetição e a cultura, transformação. Hegel será o primeiro, seguido por Marx, a enfatizar a cultura como história. Para Hegel, o Espírito Absoluto se desenvolve através das obras e instituições- religião, arte, ciência, filosofia, etc. Para Marx, há em Hegel um engano básico, qual seja, confundir história - cultura com manifestação do Espírito. A cultura' não diria respeito a um movimento temporal do Espírito, mas a lutas

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DA NATUREZA À CULTURATHAIS MORAES CORREIA

O termo cultura (do latim colere) quer dizer cultivar, ou cuidar, criar, tomar conta. Cultura significava o cuidado do homem com a natureza. Significava o cuidado com a educação e formação - na Grécia era cultivado “a educação do espírito das crianças para tomarem-se membros evidentes ou vitoriosos da sociedade pelo aperfeiçoamento e refinamento das qualidades naturais ditas caráter, índole, temperamento.

No dicionário encontramos:

Cultura: “o complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições, e de outros valores espirituais e materiais, transmitidos coletivamente e características de uma sociedade”. Ou ainda: “desenvolvimento de um grupo social, uma nação, etc., que é fruto do esforço coletivo pelo aprimoramento desses valores”.

Civilização: “ato ou efeito de civilizar, conjunto de caracteres próprios da vida social, política, econômica è cultural de um país ou de uma região”.

À partir do século XVIII, cultura passa então a significar os resultados da formação ou educação dos seres humanos, resultados expressos em obras, feitos, ações e instituições: as artes, a ciência, a filosofia, os ofícios, a religião, e o Estado. Torna-se sinônimo de civilização pois os pensadores julgavam que os resultados da formação - educação aparecem com mais clareza e nitidez na vida social e política ou na vida civil (CHAUÍ, p 292).

E a partir do século XVIII também, que sé distingue natureza de cultura. Kant ao estabelecer a distinção entre homem e natureza, sugere que esta opera mecanicamente (causa/efeito) e que o homem é dotado de liberdade e razão, agindo por escolha de acordo com os valores e fins. Do lado na natureza, o determinismo: do lado da humanidade (ou cultura) o reino da finalidade livre; ou em outras palavras a natureza é repetição e a cultura, transformação.

Hegel será o primeiro, seguido por Marx, a enfatizar a cultura como história. Para Hegel, o Espírito Absoluto se desenvolve através das obras e instituições- religião, arte, ciência, filosofia, etc.

Para Marx, há em Hegel um engano básico, qual seja, confundir história - cultura com manifestação do Espírito. A cultura' não diria respeito a um movimento temporal do Espírito, mas a lutas reais dos seres humanos reais que produzem e reproduzem condições materiais de existência.

Já no sentido antropológico, não falamos em cultura, no singular, mas em culturas no plural, pois a lei, os valores, as crenças variam de formação social para formação social, de lugar para lugar.

Pág. 1No sentido restrito, a cultura pode ser vista, antropologicamente falando,

como criação de obras da sensibilidade e da imaginação - as obras de arte - e como criação de obras da inteligência e da reflexão - as obras do pensamento.

Vendo o sentido amplo e restrito, compreendemos cultura como “maneira pela. qual os humanos se humanizam pôr meio de práticas que criam a existência social, econômica, política, religiosa, intelectual e artística”(CHAUÍ, 295).

Durante muitos séculos o homem acreditou em uma natureza humana

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universal e ao mesmo tempo diferenciada por espécies tal qual acontece com as plantas e os animais. Assim a natureza, diz Marilena Chauí, teria feito o gênero humano universal, e as espécies humanas particulares - assim se explica que certos comportamentos estariam presentes em todos os homens e outros seriam específicos de uma determinada raça por exemplo.

A causa seria a natureza e o efeito seria retirar do homem a sua responsabilidade pessoal diante do que lhe acontece posto que esta seria quem determinaria os sentimentos, os comportamentos (ações) e pensamentos humanos. Nesse sentido, a realidade é vista a-historicamente já que o homem por si só não é agente de transformação.

Marx quando cria o-conceito de ideologia apregoa que uma das suas funções seria o de caracterizai' as relações - considerar como “natural” aquilo que é fruto de um processo histórico. Isto porque somos seres que variam em consequências das condições sociais, econômicas, políticas, históricas em que vivemos - ou seja, nossa ação determina o modo de ser, agir e pensar o que coloca por terra a idéia de uma natureza humana universal. Esse pressuposto não se sustenta filosoficamente, empiricamente nem cientificamente.A natureza do pensamento ocidental possui vário sentidos: matéria/ forma1 - Princípio de vida que anima e movimenta os seres = substância 2 - Essência própria de um ser: conjunto de qualidades, propriedades, atributos3 - Organização universal e necessária dos seres segundo uma ordem regida por leisnaturais4 - Tudo o que existe sem intervenção da vontade e da ação humana5 - Natureza como meio ambiente6 - Objeto do conhecimento

Quando se pensava a cultura como aprimoramento da natureza humana havia então uma correspondência entre natureza e cultura que só se rompe no séc.-XVTEL Até então, a cultura era vista como uma segunda natureza que a "educação e os costumes acrescentariam à primeira natureza - isto é, uma natureza adquirida que melhora, aperfeiçoa e desenvolve a natureza “inata” de cada um.

A partir de Kant há uma separação entre natureza - vista então como reino da repetição e a cultura como transformação racional o que implica numa relação dosPág. 2humanos com o tempo e-no tempo. É isso o que fazem Hegel e Marx que tomam a cultura pela perspetiva histórica ou pela reláção dos humanos com o tempo.

Até o final do séc. XIX o destino das ciências humanas estava vinculado à antropologia filosófica que pretendia abarcai' o homem na totalidade de suas , significações. Havia então uma ampla ambição da antropologia: ser uma ciência e, visar a totalidade do humano. O séc. XIX compreende a antropologia como o estudo do homem em sua totalidade e em suas relações com a natureza. Ela o situa no encandeamento dos seres vivos em que ele ocupa o seu lugar como o ser que emerge de uma série evolutiva com características de ser de natureza e de sua cultura. Enquanto ser vivo, ele pertence a um Imundo que é regido por leis biológicas, enquanto ser que fala e que institui uma civilizàção introduz um elemento radicalmente original: a cultura. Às ciências antropológicas dão ênfase ao vínculo do homem com a natureza. As pesquisas sobre o homem centram-se

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nas leis que comandam a transição entre natureza e cultura.A antropologia torna-se o estudo das propriedades gerais e das leis da vida social e‘da cultura - por elas o homem transforma o mundo, transformando-se nesse próprio movimento. 1

A antropologia não só influenciou e modificou profundamente nossa visão do mundo e do homem, como também contribuiu poderosamente para fazer a filosofia • passai' do estudo da consciência humana ao do intercâmbio entre consciência e mundo.

De Descartes a Elegei, passando por ICant e apesar de todas as discordância de detalhes entre os autores, o ser da consciência aparece como a norma e a verdade" do ser - a consciência ,é por assim dizer, a medida e a forma do ser.; Com a antropologia contemporânea, nascida com o evolucionismo, com o marxismo* e com a psicanálise, estamos diante de um!sujeito descentrado de si mesmo. Sua verdade passa a ser procurada numa consciência que não tem mais seu foco em si mesma, mas como que aquém dela.

O antropólogo procura antes de mais nada, deténninar em que momento e de que maneira os humanos se afirmam como diferentes da natureza fazendo o mundo cultural surgir. Além da linguagem, da ação por liberdade os antropólogos sustentam que a diferença entre homem x natureza se dá, é estabelecida à partir dâ definição de uma lei que se transgredida cansa a ruína da-comunidade e do indivíduo.

Assim é que a lei é um imperativo social que organiza toda a vida dos indivíduos e da comunidade determinando o modo com são criados os costumes, como são transmitidos de geração à geração, como se fundam as instituições sociais (religião, família, fonna de trabalho, guerra, paz, distribuição das tarefas, etc.).De acordo com Maiilena Chauí:IMÍ <1,1,,. bri :

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A cultura é pois a invenção de uma ordem simbólica, onde símbolo é alguma coisa que se apresenta no lugar de outra e presentifica io que está ausente. Assim o homem passa a atribuir à realidade significações novas por meio das quais são capazes •de se relacionar com o ausente; pela palavra, pelo trabalho

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e pela memória.Cultura então, no sentido antropológico é: !1- Criação da ordem simbólica da lei: do sistema de interdições e

obrigações -estabelecidos à partir da distribuição de valores e coisas aos homens e suas relações. , ,2- Criação da ordem simbólica da linguagem, do trabalho, do espaço, do tempo,

do sagrado, do profano* do visível e do invisível.3- Conjunto de práticas, comportamentos, ações pelos quais os humanos se

relacionam entre se com a natureza e dela se distinguem.A antropologia distingue ainda dois tipo diferentes de cultura a das

comunidades e das sociedades. Uma comunidade cria a mesma cultura para.todòs os seus membros, mas numa sociedade isso não é possível, e as diferentes classes sociais produzem culturas diferentes e mesmo antagônicas. Por isso mesmo é que as sociedades conhecem um fenômeno inexistente nas comunidades: a ideologia, que busca oferecer uma imagem de “única cultura”, ocultando a divisão social interna. !*iBibliografia: Convite à Filosofia - Marilena Chauíll

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É sabido que tudo que é característicamente humano, depende do falar.

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O homem, é' um;animal falante. O falar desempenha o papel essencial - 1

embora não o único - “na origem e na conservação do eu humano e dos seus . distúrbios, bem como na origem e na conservação da sociedade humana e dos seus desajustes’7. ;

: 1 ■ ■Quando um som emitido pela voz se torna um ato de fala? O primeiro caso,

típico de animais,.fazem contatos através dé sons. Já para o homem a fala constitui uma forma do agir humano. Falar então, é a pròdução através da . voz, de sons que constituem parte de uma língua.. Falar é equivalente a expressar-se em uma língua. O ato de fala é uma ação que produz sinais, que fazem parte de uma língua realmente falada.

Tudo o que é característico humano depende da línguá falada. Todas as formas de linguagem - escrita, dança - “são derivadas de uma língua falada, portanto dela dependem”. A língua falada é limitada ao homem.

A teoria geral dos sinais - chamada semiótica - negã que existem outros tipos de sinais que não sejam linguísticos.

Quais as relações que existem entre linguagem e cultura? É inegável a relação existente entre a língua e a vida mental e a social. A linguagem está entrelaçada com a cultura - existe aí uma espécie de truísmo: uma verdade evidente que não necessita demonstração. A linguagem também é afetada pela • maneira que pensamos e nos comportamos.

Quais seriam os lingtiistas contemporâneos que estudam a relação entre linguagem e cultura? Edwaf Sapiér é um deles é assim - se expressa: “ A linguagem não é somente um elemento da cultura que interage com outros elementos, más sim a força mesma da qual as culturas emergem”. Aí vem com clareza a noção de que a própria linguagem é causa da .cultura. Quando Sapier (juntamente com Benjamin Whorf) abordam está conexão entre linguagem e pensamento eles não se interessam pela ligação entre um pensamento particular e uma sentença particular. Se interessam pela conexões - como os homens pensam a respeito do tempo - e a gramática que usam para falar desse teimo. Esses dois linguistas questionam a concepção de que a linguagem reflete uma realidade preexistente. As línguas, ' nessa concepção, são elaboradas para descrever essa realidade. Para Sapier - Whorf a língua não é mero instrumento passivo de registro da realidade. Ela serve para elaborar , o modo como- percebemos essa realidade. Atitudes, percepções para com os outros, e também nossas condutas são “ditadas” pela língua que possuímos.ii1%Ji\

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As línguas não partilham grandes semelhanças -e consequentemente o modo como os homens percebem e se comportam se diferirá radicalmente.

A língua é uma diretriz para a realidade social - condiciona vigorosamente todo nosso pensamento a respeito de problemas sociais.

Os seres humanos estão muito à mercê (assujeitados) da língua •particular que se toma o meio de expressão de sua sociedade, E uma ilusão imaginar que nos adaptamos à realidade somente através do uso da língua. Para os filósofos da linguagem esta é um meio, uma ferramenta, ,de adaptação ao meio, justo ao contrário do que vemos na Psicanálise. Para esta, a linguagem faz laço social e também é, pór sermos seres falantes, que somos sujeitos divididos. Divididos entre gozo e linguagem posto que não há resposta nem palavras para se dizer da realidade sexual.

Segundo Sapier, “o mundo real é construído inconscientemente sob os atos lingüisticós a que pertencemos.” Segundo eàte autor a formulação de idéias não é só um processo independente, estritamente racional, mas sim é parte de uma gramática, particular qüe difere dé diferentes gramáticas de diferentes línguas. Para Whorf, analisamos a natureza de acordo com os . critérios de nossas línguas nativas. Ele assim diz que “o mundo é apresentado . em fluxo caleidoscópico de impressões - isso significa que este fluxo terá de ser organizado pela linguagem em nossas mentes”. Sobre esse ponto de vista fica claro que nenhum indivíduo é livre para descrever a natureza de forma absoluta. O sujeito é então forçado a àlgims modos de interpretações segundo sua língua nativa. O Whorf vai então afirmar que “todos os observadores são conduzidos pela mesma evidencia física, para o mesmo quadro do universo (PICTUEE), a menos que seus backgrounds lingüisticós sejam semelhantes. Esse é o chamado princípio da realidade.

A linguagem afeta decisivamente a cultura. Esse autores sustentam que as pessoas percebem, comportam-sé, formulam concepções e tomam atitudes em

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relação ao mundo de maneiras diferentes por que possuem línguas • radicahnente diferentes. Assim -é que variações na cultura’ correspondem à variações na língua. j

As pessoas diferentes classificam o que percebem diferentes, o fazem porque falam línguas diferentes e percebem de forma diferente. Alguns povos não tem conceitos básicos como elétrons, tempo, etç.

Certas atitudes variam com a língua.Segundo Aristóteles os homens pènsam de acordo com “categorias básicas”

- tempo, espaço, etc. 1Whorf fez estudo com os índios norte-americanos - cuja língua não permite a

expressão de tais conceitos. São povos que demonstram qúe não há razão para se admitir conceitos e categorias tidas como básicas. Nessa tribo2

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f?3»sr*n.Hopi, há falta de tempos verbais na língua como também há falta de certos nomes que denotem extensão de tempo - dia, mês, ano; etc. Nessa tribo falta o conceito de espaço porque não há palavras que indiquem extensões espaciais (metro, km, unidade de medida).Noutra tribo americana, a mobilidade é uma característica dessa tribo por ser um povo nômade -1 então não há na língua desse povo muitas; palavras (verbos e advérbios) paia expressai'movimento.

A questão da conceituação, por exemplo, não é algo dado; depende das formas de relacionamento homem / mundo. O que existe tem nome. A construção da realidade é processo social que depende das condições materiais de existência, onde está em jogo:

£Ql Materialidade ,EB Sistema de significação que organiza esta materialidade ’

(saber de como o saber se divide no campo social)1. Cultura2. Filosofia3. Religião4. Arte

A construção da realidade e a sua manutenção se dá via divisão do saber e. divisão do trabalho num processo de tipificação. !wPfeí:/ÍJfwSa«IP»,

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■DA LINGUAGEM E A CONSTOKÃO PA OJLTPUEAtWis ÀAORAES CORREIA

Na constituição do sujeito há sempre a mediação cultural e esse processo se dá justamente porque o ser humano se constitui na sua relação com o “Outro”.

IA cultura não é estática - os seus membros estão em constante processo •

de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significados. Assim é quê a linguagem além de fazer “laço social”, vai codificar e decodificar informações, regular comportamentos, comparar ações e corrigir erros cometidos. : !

A linguagem enquanto sistema simbólico é fundamental na mediação • entre sujeito e objeto de conhecimento; ou como preferirem organismo e meio.O pensamento verbal não é uma forma de comportamento inato, mas sim processo determinado histórico e socialmente com leis próprias e específicas. Já os conceitos são construções' culturais internalizadas ao longo de seu processo 'de desenvolvimento. É o grupo cultural onde o indivíduo se desenvolve que vai fornecer o universo de significados que ordena o real em categorias e conceitos.

A linguagem internalizada passa a funcionar como o instrumento de organização do pensamento. Os conceitos são adquiridos por meio de ensino. A criança aprende a definir os conceitos muito tempo depois de osjter adquirido.

A linguagem então consiste em conceitos e formas de organização do real que constitui a mediação entre o sujeito e o objeto de conhecimento. É um “filtro” através do qual o indivíduo é capaz de compreender o mundo e agir sobre ele.

' O significado é um fenômeno do pensamento - compartilhado por muitos sujeitos. Já o sentido é o significado da palavra para cada indivíduo - e vai depender das vivências afetivas do indivíduo. I, Para entender a fala não basta entender as suas palavras, temos que compreender seu pensamento e sua motivação. A linguagem por ser

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polissêmica, requer interpretação. Podemos também dizer que a, significação diz respeito ao significado que tem .cada palavra, isolada. Já o sentido é a significação que a palavra tem na frase.

No processo de interaalização da linguagem se dá a constituição da subjetividade. Há de início uma fala que tem a função de estabelecer contato social. Depois ela é internalizada e passa a servir, ao próprio' indivíduo. Paia alguns, a linguagem é um instrumento de pensamento que tem a função de adaptar os indivíduos ao meio em que vivem.

, A linguagem então, conduz o pensamento e é capaz de nutri-lo e alimentá- lo; estruturam-se reciprocamente - ela acaba por se tomar seu fabricante: produto da razão humana.

Segundo Wigostsky - (1896-1934) - a formação de consciência se dá através da intemalização à partir de relações sociais. !A linguagem não é inata■\

rít* nw iimas é processo histórico social, é polissêmica, requer interpretação. A palavra representa o microcosmo da consciência humana. As palavras desempenham um papel central não só no desenvolvimento do pensamento lhas na evolução histórica da consciência como um todo.

O sujeito além de se submeter à cultura, a utiliza como palco de negociações. Não é; estática. Os membros estão em constante processo de criação e interpretação de informações, conceitos e significados, o que possibilita a construção de indivíduos únicos. Assim é que culturas diferentes produzem diversos modos de funcionamento psicológico. j

Iiá um pluralismo cultural e os culturalistas sustentam que cada cultura possui seu tipo característico, original e irredutível de organização social e familiar; e portanto, de conflitos. Dessa forma, entende-se que é o coletivo que molda o individual é aqui fica o questiqnamento: será o homém mero produto do meio em que vive? .

Surgem então perguntas do tipo: por que em fáce de situações idênticas, os homens adotam comportamentos diversos? Por que se diz; que a cultura é fenômeno simbólico pelo fato de ela ser transmitida? De que fôrma? Através da imitação e da linguagem - que se traduz em símbolos. A obtenção de alimentos, o fabrico de artefatos, o manejo de instrumentos, são realidades visíveis e imitáveis pelos mais novos componentes de uma sociedade. 0 homem não se acomoda pura e simplesmente ao meio. No homem a especialização se localiza fora do corpo: a ferramenta, o computador, a máquina, criações do espírito que evitam a super especialização do corpo. Por meio de tudo isso o homem adapta o mundo à sua existência e lhe confere sentido.

Através dos símbolos da linguagem o indivíduo aprende a valorizar o mundo exterior de acordo com os padrões da cultura em que vive.

No sentido restrito, cultura diz respeito ao modus vivendi, no sentido simbólico, é aquilo que o homem transforma. “A cultura pode ser definida como superação daquilo que é dado pela natureza.”

Se por um lado o homem cria a cultura esta por sua vez é criadora do

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homem. .Na medida em que incorpora as normas, a criança se encultura: assimila,

incorpora, absoive a maneira de agir, de pensar, sentir próprio da cultura em que nasceu. 0 lento ajustamento à vida spcial é fruto da intèmalizaçáo dos princípios que regem determinada sociedade. Nesse sentido podemos definir a loucura como parte do. indivíduo que resiste à socialização, uma parte que todo mundo possui em graus variáveis em função da ação erosiva da ordem social (Collomb). ' !

Como se dá o processo de modificação social? Pelo surgimento de inventos, pelo difusionismo de idéias novas. Mas a múdança cultural nunca renova todos os aspectos de uma cultura. Por mais rápidas que sejam as mudanças, o homem, supostamente consegue adaptar-se a elás com bastante facilidade e presteza, por exemple no que diz respeito a inventos e descobertas. Quando se trata de substituição de idéias e valores o problema se torna mais complexo. Substituição significa abalar e destruir os fundamentos, desarraigar ofrt1/■tf?. V- ■r'S ! - l‘\

■fl2preexistente e implantar algo totalmente novo. Os valores novos jamais erradicam por completo os anteriormente existentes.

As culturas antigas são guiadas pela tradição com mitos, ritos, tabus bem arraigados - há pouca margem pârà o indivíduo tomar iniciativas. Já a cultura de povos “civilizados” tem maior adaptação a modificações culturais.

. Nenhuma cultura é válida totalmente. Cada uma reflete, 'de modo mais ou menos imperfeito, uma realidade, um ideal, um mais-além a ser atingido.

Dentro dèsse contexto, indivíduos mal ajustados são fator de mudança cultural. A insatisfação pode ser mola propulsora de uma mudança cultural desencadeando um processo de adoção de novos padrões comportamentais, que se difundem e passam a ser aceitos por outros. A-insegurança e a insatisfação são um solo fecundo para germinar novos padrões.

A cultura é tanto um fator libertador como restringidor. A cultura promove o homem, humanizando-o, estabelecendo o que é permitido. De outra 'parte cerceia-lhe a liberdade com proibições. Poderoso freio, faz com que o homem viva em constante tensão existencial. A cultura gera soluções rápidas para os problemas dó homem - deixando-o livre para se ocupar de objetivos e ideais mais criativos. A cultura acumulada pelos povos faz com que se poupem esforços em tomo de coisas “já resolvidas” e de objetivos anteriormente alcançados. Não é necessário percorrer o mesmo caminho já trilhado por outros.O que seria da humanidade se tivesse em cada geração seguinte, que inventar a linguagem, desvendar os segredos da ciência, regular ás normas de moralidade,. detectai- os fimdamentos da religião? Seria um infinito marcar pàsso.

O homem sofre cerceamentos internos e externos no meio cultural em que vive. O homem como personalidade individual ajusta-se aos objetivos globais da cultura? É infrutífero buscar conhecer a cultura se não forem conhecidos os

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indivíduos que a compõem? Cultura e personalidade interagem reciprocamente?A influência sofrida pela cultura não é determinante. O ajustar-se ou não à

cultura há de depender de vivências e experiências posteriores no decorrer da existência. I

Na filosofia define-se símbolo como alguma coisa no lugar de outra. X) homem ao ordenar as coisas, sistematizá-las, classificá-las, necessita de símbolos - dessa forma toda cultura é simbólica e se transmite de geração a geração. Para os povos àgrafos natureza simbolizada encerra um conteúdo mais profundo do que parà os povos letrados: lima pedra, uma fonte, uma árvore, possuem “mana”. Os povos civilizados vêem na natureza meros objetos - mas« com significados especiais, simbólicos. Um pano transformado em bandeira, eleva-se em dignidade e valor. Toras de madeira dispostas em forma de cruz ultrapassam a conotação de madeira, de objeto. Os símbolos: representam a sistematização da natureza. '

Os elementos da cultura são dinâmicos e estáveis ao mesmo tempo: o casamento, a família, a religião, tratamento dos mortos. Os fatos em si permanecem, mas a maneira como se apresentam é variável. 1

A cultura é múltipla por que é dinâmica, e pelo fato do homem ser criativo, aberto a novas possibilidades, buscando novas soluções.i3ia:,11

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Herslcovits chama de endoculturação o processo pelo qual passa o indivíduo na sociedade em que nasce a internalizar os padrões de cultura própria daquela sociedade.

O que é aculturação? É o processo no qual duas culturas, geralmente uma delas sendo doadora e outra receptora, num contato bastante prolongado ou permanente sofiem influxo recíproco. Aculturação consiste na adaptação de uma cultura à outra; num ou vários traços. Surge então a necessidade de

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classificação das culturas - para justificar o domínio das sociedades capitalistas centrais que aparecem no topo da humanidade sobre o resto; do muiido. Idéias racistas 'também se incluem nesse afa çlassificatório: povos não-europeus foram considerados inferiores - e isso era usado como justificativa para seu domínio e exploração. Mão existe relação necessária entre caiacterísticás físicas de grupos " humanos e suas formas culturais e nem a multiplicidade das culturas implica em quebra da unidade biológica da- espécie humana. A diversidade das culturas acompanha a diversidade da história humana. Tanto podemos criticar aqui o modelo de evolução única para as sociedades humanas como a chamada relativização total do estudo das culturas. Substitui-se um erro por outro.

O relativismo deriva da constatação de que a avaliação de cada cultura e do conjunto da culturas existentes varia de acordo com a cultura particular da qual sé efetua á observação e análise.

Não há portanto superioridade ou inferioridade de culturas ou traços culturais de modo absoluto. Não. há nenhuma lei natural1 que diga que as características de uma cultura a façám superior a outras. Existem no entanto ■ processos históricos que as. relacionam e estabelecem marcas verdadeiras entre* elas.

• | i.v As culturas e sociedades, humanas se relacionam de modo desigual. As

relações internacionais registram desigualdades de poder em todos os sentidos, os quais hierarquizam de fato os povos e nações. Este é um fato evidente da história contemporânea e não há como ignorar essas desigualdades. É necessário ' reconhecê-los e buscar sua superação.

Quanto ao sujeito e objeto da cultura podemos afirmai' que a cultura subjetivamente tem suas raízes causais na inteligência (que .descobre o ser, o bem, ou valor) e na vontade livre.

Objetivamente o campo de ação da obra de cultura é o mundo natural, compreendendo o aperfeiçoamento e transforaiação do ser no que deve ser.

O conhecimento é pois o primeiro e fundamental suj eito da cultura.A nova concepção da cultura estabelece a importância de conhecimentos

gerais no lugar de conhecimentos especializados.O homem culto, em oposição áo especialista puro, possui conhecimentos

mais universais ou gerais acerca do'mundo. O cultivo da inteligência com as disciplinas de formação geral engendra o homem culto ou de cultura geral.Ii■f\ I ?>r-(í,: • t- íf ' «'•r iV i f \* i*1 ■ viI4A CULTURA HA SOCjEPAPETVÍAjS mms CORREIA

Ao estudai' a cultuia nos deparamos com o desaparecimento de princípios universais o que resulta numa dificuldade em adaptar os modelos teóricos

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existentes ao plural de sistemas já sedimentados.Porque se dá a importância cresceilte dos problemas culturais? É que numa

sociedade produtivista busca mais desenvolver e ' satisfazer as .necessidades culturais de sua clientela. Ê sabido que a apropriação da cultura operante é usualmente decidida segundo as regras pelos grupos proprietários do poder. A cultura então divide-se em ativa e passiva. Como mudar esse quadro? Qual a relação entre Cultura e Passividade? A cultura de consumo desenvolve nüs espectadores a passividade da qual eía já é o efeito. Nesse setor, há um movimento que reduz o número de atuantes e multiplica o| dos passivos.

Como exemplo temos o seguinte paradoxo: quanto mais aumenta o tempo concedido ao lazer mesmo o lazer é escolhido,

A importância, (imprensa, tv, vídeo), reserva a um círculo cada vez menor de produtores a posse ou a utilização de instalações cada vez mais caras.

Essas associações entre cultura e ideologia é gritante posto que a ideologia ressurge no cultural a todo momento - mn saco ideológico que anuncia uma “outra coisa”. Isto porque a cultura se caracteriza como um não-lugar onde todos os investimentos são possíveis onde pode circular o que quer que seja.

O discurso cultural cai nas generalidades e reaplica resíduos doutrinais sejam eles políticós, filosófico, religiosos. Diz o autor, “esse discurso universal é o museu onde se instalam alguns conceitos extraídos de sistemas que tinham outrora seu rigor (humanismo etc.)”.

As indagações, as organizações, e as ações culturais, representam ao mesmo tempo sintomas e respostas com relação a mudanças estruturais na sociedade.

Daí a diversidade de empregos dó termo cultura, (ver pág. 193)a) traços do homem culto - segundo modelo elaborado por uma

categoriaque introduziu suas normas onde ela impôs seu poder. !

b) patrimônio das obras que devem ser preservadas, difundidas - criações e criadores que devem ser promovidos (cultura clássica, humanista, inglesa).

c) imagem, percepção ou compreensão do mundo próprio a um meio (rural, urbano, nativo)' ou uma época (medieval, contemporânea).

d) comportamentos, instituições, ideologia, mitos que compõe um quadro de referência e cujo conjunto, coerente ou não, caracteriza tuna sbciedade como diferente das outras, j

e) a aquisição enquanto distinta do inato: a cultura diz respeito á criação ao artificio, à ação em dialética que a opõe e a associa à natureza.

f) sistema de comunicação concebido segundo os modelos elaborados pelas teorias de linguagem verbal. São as regras que organizam entre.si os significados (mídia).1

É necessário distinguir subcultura de contra cultura. O primeiro designa a cultura de um subgrupo,'de uma minoria. O segundo remete ao julgamento que ? uma maioria faz das culturas. |

Seria importante fazer um breve relato sobre a trajetória que a cultura imprimiu à droga, por exemplo. Dentre outros movimentos, citaremos o da contra cultura: imderground que sacudiu o mimdõ na década de 60. O • movimento hippie anos 60 se caracterizava pelo uso das drogas e veiculava a idéia: depois de fazer a cabeça (usar a droga) e caminhar pela estrada, não tem jeito de voltar para os jogòs competitivos da cídade.

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Havia uma crítica, mna acusação, à sociedade americana, ao capitalismo. Onde “todos os jogos são baseados na; idéia de vencer” - o jeito é sair disso: para renunciai* ao sucesso é preciso fracassar. O movimento pregava uma vida sem competição, negava a lei, a necessidade de uma ordem prefixada, preconizava que daí adviria a não violência, a paz, o não-conílito, o amor... A idéia atraiu muita gente.

“Estar junto” passaou a ser mna aventura. As pessoas desafiavam os valores constituídos, a lei posta. De que jeitó? Fazendo nada: usando drogas. .Eles jogavam pesado nessa forma de dizer não à produção. Os protestos começaram de todos os lados: ó movimento hippie não produz coisa sérias, usa a droga pela droga. Na realidade os hippies queriam umaSsocieda.de sem governo, identificada à natureza com tudo o que isso acarreta de impossibilidade. O movimento vinha junto com idéias progressistas, checava o rumo da política e da economia, punha a olho nu as mazelas do sistema. Expandiu-se pelo mundo, tomou conta de uma geração. Quando terminou, deixou um resto: o uso da droga.

É importante então observar o modo como a cultura dispõe de certos bens para oferecê-los ao sujeito. E importante o lugar' que os objetos da cultura ocupam paia o sujeito e o mal-estar advindo daí. Por ação cultural entende-se ação política que designa uma intervenção qne liga os agentes a objetivos determinados. |

Por atividade cultural pensamos na atividade em cultura aceita, erudita, patenteada. u

Por agentes culturais chamam-se aqueles que exercem funções no campo cultural (criador, promotor, consumidor)

A política, cultural visaria modificação comportamental segundo princípios on critérios explícitos. ;

Por discurso cultural entende-se toda linguagem tjue trata dos problemas culturais. I

O desenvolvimento cultural submete à lei de uni crescimento homogêneo as reformas necessárias à uma extensão de produção ou do consumo.

A racionalização científica e técnica desvaloriza o trabalho de produção direta e privilegia o saber. Uma nova categoria de técnicos agregados à máquina automatizada substitui os trabalhadores manuais que a industrialização mobilizou nas fabricas e usinas. Isso exige um constante investimento nos seres humanos. •2

Há no funcionamento social nm atraso da vida privada com relação à vida social. A vida cotidiana atual contraria uma convicção coletiva de que deve haver uma conexão entre trabalho produtivo e desenvolvimento pessoal. Nas sociedades antigas ou medievais a manifestação pessoal está deliberadamente situada em um outro campo que não o do trabalho.

Uma vez que na profissão, desenvolve-se um distanciamento com relação ao trabalho, no campo privado é necessário suscitar debates para se reencontrar um espaço com' relação às instituições da vida privada - familiares, matrimoniais, residenciais e locais - debates esses que compõe uma expressão cultural. Vemos surgir aí a sociedade do espetáculo - uma vez que a capacidade de produzir é organizada segundo as racionalidades ou poderes econômicos, e as representações coletivas se folclorizam. As instâncias ideológicas assim se transformam em espetáculos. As possibilidades de ação acumulam-se onde se

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concentram meios financeiros e competências técnicas, onde o povo se transforma em público. ‘

Uma linguagem técnica ou da ciência dotada do poder de transformar é reservada à elite permanecendo estranha ao conjunto da população' à qual é apresentada como sendo inacessível.

Há uma outra linguagem diferente da linguagem técnica, chamada especular - que apresenta a uma sociedade inteira um^espelho jdestinado a todos, fiel a ninguém, por isso mesmo decorativo.

A'criação passa a ser mostrada, e não proposta: a comunicação, a violência, a relação com o poder, o amor, o erotismo enchem a literatura de consumo e escasseiam-se na prática. À linguagem dá como espetáculo a ação que a sociedade não mais permite. O que o sujeito perde lhe é vendido em objeto de consumo.

Comentários ão texto: \ “A Cultura na Sociedade” - do livro A ciíltura no plural (1995)

Autor: Michel de Certeau - Ed. Papirus - Campinas, SP 1