CURSO CARREIRAS JURÍDICAS DATA 16/08/2016 PROCESSO PENAL ...... página 1 de 22 curso – carreiras...
Transcript of CURSO CARREIRAS JURÍDICAS DATA 16/08/2016 PROCESSO PENAL ...... página 1 de 22 curso – carreiras...
Página 1 de 22
CURSO – CARREIRAS JURÍDICAS
DATA – 16/08/2016
DISCIPLINA – PROCESSO PENAL
PROFESSOR – MARCOS PAULO
MONITOR – UYARA VAZ
AULA 05
___________________________________________________________________
Ementa:
Ação penal:
Ação penal pública;
Legitimidade para a queixa-crime/titularidade para representação;
Ação penal nos crimes contra a dignidade sexual.
3. AÇÃO PENAL
3.2 – Ação penal pública
Princípio da indivisibilidade/divisibilidade: são dois ângulos diferentes do mesmo
fenômeno. Imagine que se tenha A, B, C, D e E, todos os cinco concorrendo para
um crime contra vítima determinada. Dos cinco, o MP reuniu justa causa contra três.
Ainda assim, os cinco serão denunciados, ou somente os três? Somente os três
contra os quais há justa causa. Houve uma ação penal pública cindida, pois só vai
alcançar aqueles em que haja justa causa. Porém, em relação a esses três, não
existe alternativa que não seja a denúncia. Sob esse ângulo a ação penal pública
será indivisível. Por isso ora os tribunais mencionam a indisponibilidade da ação
penal pública, ora mencionam a divisibilidade dela.
Página 2 de 22
“A ação penal pública alcança apenas aqueles contra os quais estejam
presentes as condições para o regular exercício, mostrando-se, neste aspecto,
divisível. Entretanto, em relação a estes, a denúncia se mostra indivisível”.
“A indivisibilidade somada à obrigatoriedade é o que determina o fato de a
representação formalizada contra um dos autores ou partícipes estender-se
aos demais, daí se concluindo ser ela objetiva, versando sobre o fato e não
sobre a pessoa de cada imputado”.
Na medida em que a vítima representa contra A, a ação penal pública já se tornou
obrigatória em relação a ele, mas essa denúncia não pode parar em A, devendo
alcançar todos aqueles contra os quais estejam presentes as condições para o
regular exercício da ação penal. Se houver justa causa também em relação a B, C,
D e E, aquela representação formalizada contra A, naturalmente já alcança todos os
demais, fruto da obrigatoriedade da ação penal pública, somada à indivisibilidade. A
justa causa presente em relação a um vai alcançar os demais em relação aos quais
ela também esteja presente. Ou seja, a ação penal pública há de ser ajuizada em
face de todos aqueles os quais estejam presentes as condições para o seu regular
exercício. Por esse motivo, entre divisibilidade e indivisibilidade, esta é mais
importante.
A indivisibilidade vai conhecer mitigações, que vão se referir à transação penal. Ex.:
05 indiciados com justa causa contra 03. A infração foi de menor potencial ofensivo.
A e B optam pela transação penal. Em que pese a existência de justa causa contra
03, esses 03 não serão denunciados, pois 02 acabaram transacionando. Logo,
somente haverá denúncia contra 01.
“A transação penal mitiga a indivisibilidade na medida em que, embora
apresente justa causa contra determinado número de imputados, apenas serão
denunciados os que não tiverem transacionado”.
Imagine-se que no exemplo acima, C, denunciado, venha a ser absolvido. Se o
fundamento absolutório for somente em relação a C, para por aqui. Mas se for
comum em relação a A e B, o juiz deverá estender os efeitos dessa sentença
absolutória, aplicando por analogia o art. 580, CPP, para desconstituir a transação
Página 3 de 22
penal celebrada por A e B. Para que isso ocorra, o fundamento absolutório deve ser
comum também a A e B.
Art. 580. No caso de concurso de agentes (Código Penal, art. 25), a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros.
Haveria utilidade em se estender os efeitos dessa sentença absolutória a A e a B?
Se a transação penal não é uma condenação, por si só, haveria utilidade nesse
sentido? Sim, pois ao se desconstituir a transação penal, A e B ficariam liberados do
lapso de 05 anos que teriam que cumprir para se pensar na possibilidade de uma
nova transação penal, conforme art. 76, § 2º, II, Lei 9.099/95.
Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta. § 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado: II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
A indivisibilidade se projeta no momento anterior ao oferecimento da denúncia.
Assim, não há que projetar, enquanto mitigações à indivisibilidade, a transação
penal incidental ao processo ou a suspensão condicional do processo. Aqui o
quadro processual é diverso, sendo certo que todos já foram denunciados. A
discussão passa a ser o segmento ou não da ação penal, o que dialoga melhor com
a indisponibilidade. Não dialogando tão bem com indivisibilidade, pois na realidade,
nesse cenário, todos já foram denunciados, não havendo ação penal partida.
O mesmo ocorre com a colaboração premiada – o art. 4º, § 4º da Lei 12.850/13 é
uma mitigação à indivisibilidade, pois à medida que o MP opta por não denunciar o
colaborador, estará rompendo com a indivisibilidade. Apesar de existir justa causa
em relação a ele, será o único que acaba não sendo denunciado.
3.3.1 – Representação:
Possui forma livre nos termos do art. 39, CPP. Isso significa que “qualquer
manifestação de vontade da vítima já vale para fins de representação, inclusive
a notícia-crime por ela veiculada”.
Página 4 de 22
Art. 39. O direito de representação poderá ser exercido, pessoalmente ou
por procurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou
oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério Público, ou à autoridade policial.
§ 1o A representação feita oralmente ou por escrito, sem assinatura
devidamente autenticada do ofendido, de seu representante legal ou
procurador, será reduzida a termo, perante o juiz ou autoridade policial,
presente o órgão do Ministério Público, quando a este houver sido dirigida.
§ 2o A representação conterá todas as informações que possam servir à
apuração do fato e da autoria.
§ 3o Oferecida ou reduzida a termo a representação, a autoridade policial
procederá a inquérito, ou, não sendo competente, remetê-lo-á à autoridade
que o for.
§ 4o A representação, quando feita ao juiz ou perante este reduzida a
termo, será remetida à autoridade policial para que esta proceda a inquérito.
§ 5o O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a
representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a
ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de quinze dias.
A representação é um ato totalmente informal, mas se for veiculada por terceiro, por
meio de procuração, esta procuração há de ter poderes especiais.
Possui prazo decadencial de 06 meses, contados da ciência da autoria delitiva, com
base no art. 38, CPP. Ex.: Nos 06 meses a vítima representou, mas não houve ainda
denúncia ofertada. Será possível a retratação até o oferecimento da denúncia. Antes
de oferecida a denúncia pode haver a retratação da retratação? Há duas posições. A
posição ainda majoritária entende que sim, “podendo a retratação da retratação,
dentro do prazo decadencial de 06 meses, porque, do contrário, a primeira
teria configurado renúncia, sem previsão legal para tanto”.
“O entendimento negativo, em sentido contrário, aponta a insegurança
jurídica, pois nos 06 meses decadenciais, o Estado-repressão ficaria à mercê
das idiossincrasias da vítima”.
Começando pelo entendimento negativo (segunda posição): se admitir a retratação
da retratação dentro do prazo decadencial de 06 meses, teria que se passar a
admitir a retratação, da retratação, da retratação, enfim. Nesses 06 meses
decadenciais o Estado-repressão ficaria totalmente à mercê da vítima – representa e
Página 5 de 22
mobiliza o aparato repressivo estatal; retrata, desmobiliza-se e assim ficaria dentro
desses 06 meses, o que causaria insegurança jurídica.
Nos termos da primeira posição, majoritária, estando dentro do prazo decadencial de
06 meses, a vítima representa e retrata-se. Se ela não pudesse voltar a representar,
ou seja, retratando-se da sua retratação, no fundo, essa retratação acabaria atuando
como renúncia, sendo esta um fato impeditivo de um direito. Assim, se a vítima
representou, voltou atrás, e não pudesse voltar atrás, embora estivesse dentro do
prazo decadencial de 06 meses, na realidade teria um fato que extinguiu o direito
antes da fluência do prazo, o que equivaleria à renúncia. Não por acaso a renúncia
estar associada à preclusão consumativa, vez que o direito teria, simplesmente, se
consumido. Se verificar o CP ou o CPP, não haverá sequer um dispositivo sobre a
renúncia ao direito de representação. Por isso se admite a retratação da retratação
dentro do prazo decadencial de 06 meses.
Há duas exceções a esse modelo, pois são microssistemas em que a representação
se torna renunciável, quais sejam, Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra
a Mulher (art. 16, Lei 11.340/06) e art. 74, parágrafo único, da Lei 9.099/95. Nesses
dois casos não há que se falar em retratação da retratação, pois há a representação
renunciável.
No âmbito da Lei Maria da Penha, ante a renúncia formalizada em audiência, deverá
declarar extinta a punibilidade. Por outro lado, imagine que houve composição civil
celebrada entre o suposto autor do fato e a vítima, com a consequente homologação
e o pagamento do valor pactuado, mas como ainda está no prazo decadencial de 06
meses a vítima volta atrás. Não será possível, pois o Juizado Especial Criminal foi
feito para fomentar o consenso. Ou seja, nos dois casos o juiz simplesmente vai
formalizar a extinção da punibilidade.
Há ainda uma posição absolutamente minoritária, que irá sustentar a aplicação
subsidiária do CPP a esses modelos – nada mudaria pelo fato de estar no Juizado
da Violência Doméstica contra a Mulher ou pelo fato de se estar no Juizado Especial
Criminal, já que não teria nessas leis dispositivos específicos sobre o tema e,
portanto, valeria a aplicação subsidiária do CPP. É uma posição minoritária, pois
haveria sim uma diferença nesses dois sistemas, a justificar a evocação do princípio
Página 6 de 22
da especialidade. A diferença é o fato de que, diferentemente do CPP, ter a
renunciabilidade e, assim, a disponibilidade do direito de representaçãob tanto no
art. 16 da Lei 11.340/06, quanto no art. 74, parágrafo único, Lei 9.099/95.
3.3.1.1 – Natureza jurídica da representação
Nos termos do art. 5º, § 4º, CPP, sem a representação não tem como
instaurar o inquérito, iniciando a persecução penal. Assim surge como condição
especial de persequibilidade a representação, ou seja, condição para que se declare
a persecutio criminis.
Art. 5º, § 4o O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de
representação, não poderá sem ela ser iniciado.
Sem a representação também não será possível deflagrar a ação penal,
surgindo ela como condição especial de procedibilidade.
Pode ocorrer que no curso do processo uma ação penal pública que era
incondicionada passa a exigir representação. Se isso ocorrer, sem a representação
não será possível dar prosseguimento à ação penal, surgindo a representação como
condição especial de prosseguibilidade, ou seja, condição para que se prossiga em
juízo. Isso irá ocorrer em duas situações:
1ª) O Estado legislador interferindo nisso, trazendo uma novatio legis in
mellius – lei nova que torne um crime de ação penal pública incondicionada para
ação penal pública condicionada à representação. Ex.: Arts. 88 e 91, Lei 9.099/95.
2ª) Desclassificação operada pelo juízo. Ex.: Plenário do Júri – tentativa
branca de homicídio. O Conselho de Sentença diz não ao ânimo de matar,
entendendo que o réu não teria iniciado a execução do homicídio. Assim, a decisão
cabe ao juiz presidente do tribunal do Júri, entendendo que houve ameaça. Neste
caso sai de um crime de ação penal pública incondicionada para um crime de ação
penal pública condicionada à representação. A posição totalmente dominante
entende que “no caso de desclassificação de uma imputação de ação penal
pública incondicionada para outra condicionada, qualquer manifestação
anterior de vontade da vítima já vale para fins de representação, podendo ser
Página 7 de 22
de plano aproveitada. Se não houver, suspende-se o processo, notificando-a
para representar em 30 dias, sob pena de decadência, por analogia ao art. 91
da lei 9.099/95”.
Se tiver a desclassificação de um crime de ação penal pública incondicionada para
outro de ação penal pública condicionada à representação, como esta tem forma
livre, qualquer manifestação de vontade que houver nos autos já vale como
representação. Ex.: A vítima que foi à Delegacia e comunicou a ocorrência. Porém,
pode ser que não tenha isso. Neste caso, sobrestará a ação penal e notificará essa
vítima para representar em 30 dias. Se não o fizer, extingue-se a punibilidade. Se
ela não for encontrada, correspondendo à ausência, seria buscar o cônjuge,
ascendentes, descendente ou irmão, nos moldes do art. 24, § 1º, CPP. Se não
encontrar a ação penal ficará inviabilizada.
Em provas para a Defensoria Pública não se deve defender essa tese, colocando o
seguinte:
“Deve-se colher a vontade atual da vítima, porque somente após a
desclassificação tornou-se relevante juridicamente. Esse é o ponto de
convergência entre STF e STJ”.
“A solução para o STJ então seria sempre aplicar por analogia o art. 91 da lei
9.099/95, ainda que houvesse manifestação sua de vontade nos autos”.
“Já o STF entende que, se já decorrido o prazo decadencial de 06 meses, nada
mais poderia ser feito, devendo-se declarar extinta a punibilidade. A analogia
com o art. 91 da Lei 9.099/95 se mostraria indevida, pois transformaria uma
regra especial e transitória em geral e definitiva”.
A posição do STF é muito dura para a vítima, pois esta seria “punida” pelo não
exercício de um direito que até então não tinha, pois a ação penal era pública
incondicionada. O art. 91 é uma regra específica, pois veio disciplinar a transição
das lesões corporais leves e culposas, de crimes de ação penal pública
incondicionada para crimes de ação penal pública condicionada á representação. Se
desandar a aplicar, por analogia, o art. 91 a todas as hipóteses desclassificatórias de
ação penal publica incondicionada para outras condicionadas à representação, o
Página 8 de 22
que nasceu para ser especial e transitório se tornaria geral e definitivo. Assim, a
solução seria aplicar a regra geral do art. 38, CPP. Todavia, se quando da
desclassificação já tivesse se passado 06 meses, não haveria mais como buscar a
representação.
Neste ponto indaga-se: se tem um precedente do STJ e outro do STF contradizendo
a posição dominante da doutrina, porque neste caso a posição doutrinária deverá
ser a diretriz? A primeira razão é que tanto o precedente do STJ quanto o do STF
não foram veiculados como informativos de jurisprudência. Ainda, os manuais de
processo penal não nos trazem esses precedentes. Por fim, o custo político desse
entendimento é alto demais, pois a temática é mais atual do que nunca se pensar
em crimes contra a dignidade sexual, quando a vítima for maior de 18 anos, não for
vulnerável e tiver havido violência real. Com a lei 12.015, neste caso, saiu de uma
ação penal pública que era incondicionada para uma ação penal pública
condicionada à representação.
Se a desclassificação fosse de um crime de ação penal pública para um de ação
penal privada qual seria a solução? Nesse caso deverá preencher os requisitos do
art. 41 e 44, CPP. Ademais, não há como aplicar o art. 91 da lei 9.099/95 por
analogia. A premissa básica de toda analogia é ubi eadem ratio ibi eadem jus
(aplica-se a mesma disposição de direito onde houver a mesma razão). Nesse caso,
para que se promova uma nova queixa, somente se tiver ainda dentro do prazo
decadencial de 06 meses. Isso pelo fato de possuir todas as premissas que
permitem o aproveitamento da vontade anterior da vítima para fins de representação
quando se tem uma penal pública incondicionada para uma ação penal pública
condicionada à representação. Aqui essas premissas não se fazem presentes.
Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.
Art. 44. A queixa poderá ser dada por procurador com poderes especiais, devendo constar do instrumento do mandato o nome do querelante e a menção do fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no juízo criminal.
“A desclassificação de um crime de ação penal pública para outro de iniciativa
privada exige a extinção do processo sem julgamento do mérito, ou
Página 9 de 22
extinguindo-se a punibilidade pela decadência se já expirado o prazo
decadencial de 06 meses, contados da ciência da autoria delitiva. Se não
expirado o lapso temporal, nada impede a formalização da queixa-crime”.
“Como a queixa é um ato formal (arts. 41 e 44, CPP), não é possível
aproveitar a manifestação anterior de vontade. A analogia com o art. 91 da lei
9.099/95, defendida por autores como Eugênio Pacelli, mostra-se de difícil
equacionamento porque diversa a quadra, considerada a ilegitimidade ativa ad
causam superveniente”.
Se a desclassificação fosse de um crime de ação penal privada para ação penal
pública? Não é possível que isso ocorra em uma quadra legislativa. “Aproveita-se a
ação penal em andamento, promovendo a sucessão do pólo ativo da relação
processual penal, saindo o querelante e ingressando o MP”.
3.3.1.2 – Requisição do Ministro da Justiça
A requisição do Ministro da Justiça guarda uma relação íntima com a
representação, pois possuem natureza jurídica idêntica. Trata-se de ação penal
pública condicionada à representação e ação penal pública condicionada à
requisição do Ministro da Justiça.
Nos termos do art. 145, parágrafo único, CP, a requisição será exigida em
crimes contra a honra do Presidente da República e de chefes de governo
estrangeiro.
Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.
Parágrafo único. Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação do ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do § 3
o do art. 140 deste Código.
A antiga lei de imprensa 5.250/57 (não recepcionada pela CR/88, pelo STF
em sede de ADPF) previa crimes contra a honra perpetrados por meio de imprensa.
Mas ia além, dizendo ser a ação penal pública condicionada à requisição do Ministro
Página 10 de 22
da Justiça não só quando houvesse atentado à honra do Presidente da República,
do chefe de Governo estrangeiro, mas também do chefe de Estado estrangeiro.
Quando o legislador quis incluir o chefe de Estado estrangeiro o faz expressamente.
Como não temos sobre isso posicionamento jurisprudencial, vai valer o texto legal.
Ou seja, a ação penal pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça será
exigida nos crimes contra a honra do Presidente da República e de chefes de
Governo estrangeiro. Portanto, neste caso deve ter uma postura textual.
A sua natureza jurídica é idêntica à da representação. Sem essa requisição
não se pode investigar, proceder em juízo, tampouco dar sequência, em caso de
mutação de um crime de ação penal pública para um de ação penal pública
condicionada à requisição do Ministro da Justiça. Logo, nada muda em termos de
natureza jurídica.
Contudo difere-se da representação, pois não há prazo decadencial nem
possibilidade de retratação. O legislador não esclareceu esses dois aspectos. O
entendimento dominante nos dois casos é que teria havido um silêncio eloquente do
legislador em relação à representação. A primeira razão é está-se falando de crime
contra a honra do Presidente da República e chefe de Governo estrangeiro, crimes
que têm repercussão política, quer no plano nacional, quer no plano internacional.
Deste modo, seria de todo inconveniente exigir pronunciamento definitivo do Ministro
da Justiça em apenas 06 meses, pois é um tempo muito pouco em termos de
política. Ademais, está-se falando de um ato político que parte da mais alta esfera
do Executivo Federal. Assim, se admitida fosse a retratação, isso comprometeria a
seriedade do Governo brasileiro junto aos seus jurisdicionados e perante a
comunidade internacional.
Em que pese o vocábulo requisição, neste caso não é ordem, mas uma
autorização política dada ao MP para que este haja, seja requisitando instauração
do inquérito se assim entender, seja se já dispuser de elementos para promover a
denúncia. O MP desfruta de independência funcional (art. 127, §1º, CR/88) e é o
titular privativo dessa ação penal pública, assim, essa autorização política não tem
efeito vinculante, pois não será o Ministro da Justiça que irá ditar como o MP deverá
exercer a ação penal pública, que é privativa sua. Em que pese a requisição, nada
impede que haja o arquivamento, denúncia com capitulação jurídica diversa.
Página 11 de 22
3.4 - Legitimidade para a queixa-crime/titularidade para representação
Pensando a queixa-crime como uma ação penal, deve-se pensar em
legitimidade para a queixa-crime e, em contrapartida, deve-se falar em titularidade
da representação.
Mas não estaria aproximando uma ação penal de iniciativa privada à
representação (condição especial de procedibilidade; condição vinculada à ação
penal). Essa aproximação é possível, pois se pensar nos legitimados para a queixa-
crime (arts. 30 e 31, CPP) e titularidade para a representação (art. 24, caput e § 1º,
CPP), conclui-se que serão os mesmos legitimados.
Art. 30. Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada.
Art. 31. No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. § 1
o No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por
decisão judicial, o direito de representação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
“O responsável atua em nome próprio não havendo se falar em
representação processual. No tocante à queixa, dá margem a ilegitimidade
ativa ad causam superveniente”.
O querelante será o responsável e não a vítima menor. O legislador deu
legitimidade ad causam ao responsável quando a vítima for menor. Isso dará
margem a que se tenha uma ilegitimidade ativa ad causam superveniente, o que
ocorrerá se no curso da queixa formalizada pelo responsável, a vítima completar 18
anos. Se isso ocorrer, o juiz processante deve, nos termos do art. 60, II, CPP,
sobrestar a queixa formalizada pelo então responsável legal e notificar a vítima, que
acabou de completar 18 anos, para que no prazo de 60 dias assuma o pólo ativo da
relação processual. Se não o fizer nos 60 dias a contar da notificação, terá a
perempção a partir daí. Hipótese, portanto, de ilegitimidade ativa ad causam
superveniente no processo penal.
Página 12 de 22
Art. 60. Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á perempta a ação penal: II - quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36;
O responsável não é só o legal, mas também o responsável de fato.
O mesmo ocorre, evidentemente, para fins de representação.
No caso de a vítima menor ter pais, o prazo de 06 meses começa a fluir da
ciência da autoria delitiva por parte de um deles.
“A queixa ou representação pode ser indistintamente exercida pelo pai ou pela
mãe, mas dentro do prazo decadencial único de 06 meses, contados da ciência
da autoria delitiva pelo primeiro”.
A emancipação tem reflexo nisso? A posição dominante é no sentido de a
emancipação ser somente para atos da vida civil. Seja a queixa, seja a
representação, não são atos estritamente processuais, mas processuais-materiais.
“A emancipação é só para atos da vida civil, não alcançando a representação e
a queixa por serem atos processuais-materiais, e não apenas processuais.
Ademais, haveria um descompasso, pois a vítima não poderia ser
responsabilizada criminalmente, mas apenas socioeducativamente”. Essa
posição é absolutamente dominante, mas não chega a ser unânime. André Nicolitt
entende que a emancipação habilitaria a vítima a representar, a formalizar a queixa-
crime. Ainda argumenta que se isso fosse realizado de maneira irresponsável,
dolosa, não afastaria uma responsabilização socioeducativa.
No caso de morte ou declaração judicial de ausência da vítima, esse direito será
transmitido ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Ex.: Imagine-se que a
pessoa morra depois de já terem se passado 04 meses desde a ciência por ela da
autoria delitiva. Por ter falecido, esse direito passa para o cônjuge, ascendente,
descendente ou irmão. Esses disporão de mais 02 meses ou, em relação a eles,
terá mais 06 meses? Minoritariamente, o entendimento é de que o cônjuge,
ascendente, descendente ou irmão disporá de mais 06 meses para queixa ou
representação. Contudo, está-se diante de uma transmissão e o direito é transmitido
Página 13 de 22
no estado em que se encontra. Assim, o cônjuge, ascendente, descendente ou
irmão disporá de 02 meses.
“A morte ou declaração judicial de ausência da vítima faz nascer o direito de
queixa ou de representação do cônjuge, ascendentes, descendente ou irmão,
que disporão de mais 06 meses (posição minoritária). Ocorre que a hipótese
versa sobre transmissão, logo o direito é passado adiante no estado no qual
se encontra. Logo, os sucessores terão prazo decadencial residual”.
Em princípio não haverá ordem de preferência entre o cônjuge, ascendente,
descendente ou irmão, sendo a legitimidade concorrente. Só que se mais de um,
simultaneamente, exercer o direito de representação ou direito de queixa, observar-
se-á a sequência prevista em lei, conforme prega o art. 36, CPP. Se concorrer
somente ascendentes ou somente descendentes, simultaneamente, os mais
próximos preferem aos mais remotos.
Neste caso inclui-se o companheiro? Há duas posições, que gravitam em torno do
texto do art. 226, § 3º, CR/88. “Sob uma ótica textual, não alcança o
companheiro, pois haveria uma interpretação extensiva in malam partem*. Sob
uma ótima ontológica e evolutiva, sim, porque em jogo a entidade familiar
como um todo, independentemente de ser união estável ou casamento”.
* Se a própria Constituição fala em conversão, é porque seriam relações jurídicas
distintas por mandamento constitucional. Logo, estaria ampliando a malha
repressiva estatal, ampliando os legitimados para a queixa e os titulares da
representação, pois permitiria também o companheiro.
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
O companheiro estaria compreendido na menção ao cônjuge, para a maioria da
doutrina. Como o STF gosta de dizer, seria uma interpretação compreensiva da
norma.
Obs.: Neste ponto não se deve utilizar dos verbos ampliar, estender ou alcançar,
pois dá ideia de extensão, o que esbarraria na legalidade penal estrita e no devido
Página 14 de 22
processo legal. Por tanto, deve-se falar em compreender, conter. A menção ao
cônjuge compreenderia o companheiro.
O art. 34, CPP, estabeleceu, tendo como parâmetro a vítima, que se esta tiver
menos que 18 anos, a legitimação/titularidade será do responsável. Se igual ou
maior de 18 anos e menor de 21 anos, a legitimação/titularidade será concorrente
entre responsável e vítima. Por fim, se a vítima for maior de 21 anos, a
legitimação/titularidade será dela.
Art. 34. Se o ofendido for menor de 21 (vinte e um) e maior de 18 (dezoito) anos, o direito de queixa poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal.
Conclui-se por direitos distintos, titularidades diversas. Assim, não seria possível um
único prazo decadencial – cada direito teria seu próprio prazo decadencial. O da
vítima, contudo, só fluiria depois que ela completasse 18 anos, desde que o crime
não estivesse prescrito.
Por esse motivo tinha-se como reforço a regra do art. 50, parágrafo único, CPP,
dizendo que a renúncia formalizada pelo responsável não produziria efeitos se
tivesse oposição da vítima que completou 18 anos. Da mesma maneira que a
renúncia formalizada pela vítima não produziria efeitos se tivesse oposição do
responsável. Se assim o é, seriam direitos distintos, logo, prazos decadenciais
distintos.
Art. 50. A renúncia expressa constará de declaração assinada pelo ofendido, por seu representante legal ou procurador com poderes especiais. Parágrafo único. A renúncia do representante legal do menor que houver completado 18 (dezoito) anos não privará este do direito de queixa, nem a renúncia do último excluirá o direito do primeiro.
Posteriormente, no art. 52, pertinente ao perdão, ocorre o mesmo – o perdão
lançado pelo responsável não produziria efeitos se houvesse oposição da vítima que
completou 18 anos. Da mesma maneira que o perdão formalizado pela vítima não
produziria efeitos ante a oposição do responsável. Portanto, direitos distintos, com
prazos decadenciais distintos.
Art. 52. Se o querelante for menor de 21 e maior de 18 anos, o direito de perdão poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal, mas o perdão concedido por um, havendo oposição do outro, não produzirá efeito.
Página 15 de 22
Essa constatação desaguou na súmula 594, STF. Portanto, ainda que o responsável
não formalizasse a representação ou a queixa no prazo decadencial de 06 meses, a
vítima, ao completar 18 anos, disporia de mais 06 meses. Posição majoritária.
SÚMULA 594: Os direitos de queixa e de representação podem ser exercidos, independentemente, pelo ofendido ou por seu representante legal.
Essa conclusão sempre foi criticada pela doutrina. As críticas formalizadas contra
essa posição era a ofensa ao devido processo legal e à legalidade penal estrita, pois
estaria, indevidamente, duplicando o prazo decadencial de 06 meses. Embora o art.
38, CPP, traga um prazo decadencial de 06 meses, estaria trabalhando com dois
prazos – um para o responsável e outro para a vítima, ao completar 18 anos,
ignorando que esse prazo seria uno, conforme art. 33, CPP (a lei contemplou
hipótese de divergência entre o responsável e a vítima menor de 18 anos, dando
como solução a nomeação de curador). O art. 33, CPP, seria hipótese de jurisdição
voluntária, pois o juiz criminal apenas identificaria a controvérsia, nomeando curador
à vítima, que decidiria pela representação/queixa. Se o legislador deu essa opção, é
porque teria um prazo decadencial único (posição minoritária).
Com o advento do CC/02, abalou-se o alicerce normativo por detrás da súmula 594
do STF, considerado o art. 5º, CC/02. Com o art. 5º, CC/02, a maioridade civil
diminuiu de 21 para 18 anos. A base normativa primeira da súmula 594 era o art. 34,
CPP. Se a vítima já completou 18 anos ela já é capaz, não tendo mais responsável.
Assim, o art. 5º, CC/02 mata o art. 34, CPP, que contemplava a
titularidade/legitimação concorrente entre responsável e vítima, se esta tivesse idade
igual ou maior que 18 anos e menor que 21. Ademais, se não há que se falar em
responsável, matam-se os art. 50, parágrafo único, e 52, CPP.
Essa discussão causou uma reviravolta na doutrina. Autores que se alinhavam à
súmula 594 do STF, por esse fundamento deixaram de fazê-lo, que foi o caso da
Pacelli. Hoje há duas situações:
1) Vítima menor de 18 anos – caberá a legitimação/titularidade ao responsável;
2) Vítima com idade igual ou superior a 18 anos – caberá a
legitimação/titularidade a ela própria.
Página 16 de 22
Logo, não há mais a situação intermediária. Deste modo, se o responsável tomar
ciência da autoria delitiva e deixa transcorrer o prazo decadencial de 06 meses,
haverá extinção da punibilidade. Quando a vítima completar 18 anos, não poderá
mais nada fazer.
Ante o cenário atual, alguns autores, como Guilherme da Souza Nucci, ainda vão
propor uma sobrevida à súmula 594 do STF, mas com um argumento inédito,
fraquíssimo por sinal, qual seja, não flui prazo decadencial contra incapaz. Professor
Marcos Paulo entende ser um argumento desesperado, haja vista que seria evocar
uma norma existente no Código Civil para criar uma causa impeditiva do prazo
decadencial no âmbito penal. Contudo, à luz do princípio da legalidade estrita do
direito penal, bem como do princípio do devido processo legal, isso não seria
possível. Ademais, é um entendimento que destoa do jardim de infância do direito
civil, pois parte-se da premissa de que não fluiria prazo decadencial contra incapaz,
mas contra o relativamente incapaz flui. É um entendimento que acaba por ser
demasiadamente legiferante. Por detrás desse entendimento se pretenderia uma
reconstrução legislativa do art. 34, CPP – seria falar em menoridade de 16 anos e
ainda falar em uma legitimação/titularidade concorrente quando a vítima tivesse
idade maior ou igual a 16 anos e abaixo de 18 anos. Seria uma aplicação subsidiária
in malam partem do Código Civil, no âmbito penal, para criar uma causa impeditiva
do prazo decadencial.
O STF, no primeiro semestre de 2016, trouxe um precedente inédito que, em
princípio, se tivesse partido de órgão fracionário ficaria, até segunda ordem, de
precedente isolado. Porém, partiu do Pleno do STF. A hipótese era tormentosa,
versando de crimes contra a dignidade sexual, mas a ratio decidendi desse
julgamento não ficaria restrita a esses crimes. O caso foi o seguinte: era uma
acusação de estupro mediante violência presumida. Porém, fato anterior à lei
12.015/09, ou seja, a ação penal seria de iniciativa privada. Supostamente teria
havido consentimento, não sendo possível falar em ação pública incondicionada por
violência real. A violência não partiu do pai, tutor, curador ou padrasto, hipótese em
que a ação seria pública incondicionada. A vítima não era pobre, não sendo hipótese
de ação penal pública condicionada à representação. Autor e vítima eram vizinhos.
Ele bem mais velho do que ela e, pelo que consta nos autos, supostamente houve
um flerte. Ela com 13 anos teriam tido relações sexuais. A tese da defesa, acolhida
Página 17 de 22
por 100% da doutrina, foi a decadência do direito de queixa. A ação penal foi
formalizada por denúncia do MP, mas deveria ter sido formalizada por queixa-crime
do responsável, o que não ocorreu. O entendimento do STF, que poderia tomar
como empréstimo para o caso acima discutido (súmula 594, STF), foi no sentido de
que considerando que a Constituição teve uma preocupação de tutelar não só
família, mas também as crianças e os adolescentes, qualquer crime que viesse a
atingir esse segmento teria que ser de ação penal pública incondicionada, de
maneira que precedentes em sentido contrários a esse não se mostrariam
compatíveis com a ordem constitucional de 1988.
Cuidado: não é uma situação que possa ser vulgarizada para todo e qualquer crime.
É uma solução parcial, que resolveria as hipóteses nas quais se estivesse diante de
crimes de ação penal privada ou crimes de ação penal pública incondicionada,
atentado contra vítima menores no ambiente familiar, doméstico. Ou quando o pano
de fundo for crime sexual.
Em uma prova objetiva, em que pese grande parte da doutrina ter sepultado a
súmula 594, STF, fato é que parte da doutrina evoca o Código Civil para conservá-
la. O STF não se pronunciou em sentido contrário à sumula. Logo, em prova objetiva
deve-se marcar a súmula 594, STF.
“No primeiro semestre de 2016, entendeu o Pleno do STF, por maioria (6 a 3),
que não são compatíveis com o art. 227, CR/88, preceitos que tornem crimes
contra crianças e adolescentes de ação penal pública condicionada à
representação ou de iniciativa privada, porque se é dever do Estado tutelar
esses segmentos, a ação penal só pode ser pública incondicionada, orientação
que vai além do preconizado na própria súmula 594 do STF”. Aqui há outro
exemplo de ativismo pelo STF.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
3.5 – Ação penal nos crimes contra a dignidade sexual
Página 18 de 22
Quando se pensa no art. 225, CP, convém fazer um corte, qual seja, tomar
como referência a lei 12.015/09, analisando o antes e o depois.
ANTES DEPOIS
Regra: ação penal de iniciativa privada. Regra: ação penal pública condicionada.
Seria uma novatio legis in pejus.
A ação penal pública só era incondicionada
quando o crime era cometido por abuso do
poder familiar, ou na condição de tutor,
curador ou padrasto.
A ação penal pública será incondicionada se
a vítima for menor de 18 anos ou vulnerável.
Isso também traduziria, em termos textuais,
uma novatio legis in pejus*.
* Quando se fala em pai, tutor, curador e padrasto, isso sugere uma quadra de
incapacidade etária/mental da vítima. Porém, desde que se tenha no contexto um
abuso do poder familiar ou na condição de tutor, curador ou padrasto. Aqui, de outro
modo, a análise é objetiva – a vítima é menor de 18 anos ou vulnerável, o que
representa ação penal pública incondicionada. Logo, isso vale para um sujeito ativo
do crime estranho à vítima ou fora das relações acima mencionadas. Por haver um
alargamento das possibilidades, resulta em novatio legis in pejus.
Assim, se tomar como base a orientação do STF, teria havido inovação? Não, pois
se tomar como base o que o STF decidiu neste ano de 2016, primeiro semestre, se
a vítima se mostra menor de 18 anos ou vulnerável, ter-se-ia como política pública a
tutela desse segmento pelo Estado. Assim, mesmo na sistemática anterior, a ação
penal já seria pública incondicionada. Na verdade, a lei 12.015 só explicitou o que o
STF passou a entender no primeiro semestre de 2016.
Obs.: “Tomando como referência o entendimento acima do STF, a lei
12.015/09, ao estabelecer a natureza pública incondicionada da ação quando o
crime sexual alcançar vítima menor de 18 ou vulnerável, apenas explicitou o
entendimento da Corte Constitucional, sem traduzir novatio (princípio da
vedação da proteção insuficiente)”.
O cenário hoje é o de ação penal pública condicionada como regra e ação penal
pública incondicionada quando a vítima for menor de 18 anos ou vulnerável.
Entretanto, se a ação penal é publica incondicionada quando a vítima for menor de
18 anos, isso cai como uma luva para o estupro de vulnerável, considerado o caput
Página 19 de 22
do art. 217-A, CP. Ao pensar no art. 217-A, caput, CP, o tipo penal é manter
conjunção carnal ou ato libidinoso diverso com pessoa menor de 14 anos. Logo, a
ação penal será pública incondicionada. Mas há também o vulnerável como vítima
para a ação penal pública incondicionada. Assim, ficar-se-ia com a tendência de
imaginar que no caso do § 1º, art. 217-A, CP, a ação penal também seria pública
incondicionada, por versar sobre a vulnerabilidade. Mas no caso do § 1º, art. 217-A,
a ação penal será pública incondicionada desde que se tenha uma vulnerabilidade
definitiva ou tendente à definitividade – prazo indeterminado. Se a vulnerabilidade for
pontual, transitória, não muda a natureza da ação, continuando a ser pública
condicionada à representação.
No art. 213 há um problema a ser resolvido. Pela lei 12.015, o que torna hoje uma
ação penal pública incondicionada é a qualidade da vítima – ter uma vitima menor
de 18 anos ou vítima vulnerável. O fato de o crime ter sido cometido mediante
violência real tornou-se um fator juridicamente neutro. O art. 213, CP, traz o crime de
estupro. Pelo caput do referido artigo, aplica-se a regra da ação penal publica
condicionada à representação. Pelo § 1º, em duas circunstâncias a ação penal seria
pública incondicionada, pela menoridade de 18 anos da vítima e quando a
qualificadora fosse lesão corporal grave. Quanto a esta última hipótese é que surge
a dúvida. Se pensar no simples fato de a lesão corporal ser grave, valeria a regra da
ação penal publica condicionada à representação. Se pensar no § 2º, estupro
qualificado pela morte, também teria uma ação penal pública condicionada à
representação, mas incidiria a regra do art. 24, § 1º, CPP (em caso de morte da
vítima, o direito de representação passaria ao cônjuge, ascendente, descendente ou
irmão).
No caso do § 2º do art. 213, CP, imagine uma vítima solteira, sem cônjuge,
ascendentes todos já falecidos, filha única e sem filhos. Com a morte dela, o que
haveria? Acabou, pois não haveria como acionar o § 1º do art. 24, CPP. Essa
perplexidade gerou um alerta vermelho em muitos autores. Se contemplar essa
possibilidade, valeria lançar para todos os estupradores do país a seguinte
mensagem: “você, estuprador, escolha uma vítima certificando que os ascendentes
já morreram todos, que seja filha única ou irmãos falecidos, que não tenha filhos e
seja solteira e, ao terminar o estupro, a mate”. Isso é o que no direito constitucional,
em matéria interpretativa, se chama de realismo ou pragmatismo jurídico, ou seja, a
Página 20 de 22
solução chega antes da fundamentação. Primeiro chega-se à conclusão de que isso
não pode ocorrer, para depois construir a fundamentação. A fundamentação
inteiramente calcada na razoabilidade sob o prisma da proporcionalidade seria o art.
101, CP. O referido artigo cuida da ação penal nos tipos complexos (tipo penal
reunindo mais de uma figura delitiva) e, nos seus exatos moldes, se uma das figuras
delitivas do complexo for de ação penal pública incondicionada, ele próprio será de
ação pública incondicionada. Isso é inerente a crimes qualificados pelo resultado.
No caso do art. 213, § 1º, CP, há um estupro e um homicídio. O homicídio, por si só,
seja doloso ou culposo, é de ação penal pública incondicionada. Deste modo, o
estupro qualificado pela morte também será de ação penal pública incondicionada.
“Pautando-se na razoabilidade sob o prisma da proporcionalidade, conjugadas
aos art. 101, CP, se o homicídio, por si só, é de ação penal pública
incondicionada, seja doloso ou culposo, o que dizer quando estiver
qualificando o estupro”.
E quando o estupro estiver qualificado pela lesão corporal grave, como proceder?
Aqui há um grande descompasso entre a doutrina e a jurisprudência. Professor
Marcos Paulo segue o entendimento da jurisprudência. A doutrina fecha muito a
questão nos crimes preterdolosos, com o entendimento de ter dolo no antecedente e
culpa no consequente. Se adotar essa orientação, no caso de estupro qualificado
pela lesão corporal grave, a ação penal seria pública condicionada à representação,
pois a lesão corporal viria a título culposo, sendo, portanto, de ação penal pública
condicionada à representação.
Todavia, se o estupro alcançasse a mulher no âmbito doméstico/familiar? A ação
penal é pública condicionada à representação, considerando o art. 88 da lei
9.099/95, inaplicável, porém, no âmbito da lei Maria da Penha, tendo uma ação
penal pública incondicionada. Mesmo assim partindo de uma condicionante, qual
seja, a de que a vedação à lei 9.099/95 alcançaria também os crimes culposos, pois
estaria falando de lesão corporal culposa.
“Se a qualificadora versar sobre lesão corporal, a ação penal pública seria
condicionada à representação, pois nos crimes preterdolosos o resultado vem
a título culposo, logo a lesão corporal seria culposa, acionando o art. 88 da lei
Página 21 de 22
9.099/95, exceto se o estupro alcançar integrante de unidade familiar ou
doméstica do sexo feminino, desde que se entenda que a vedação à lei
9.099/95 alcança também as lesões culposas (o STJ tem precedente nesse
sentido, em dissonância com a maioria da doutrina)”.
Essa orientação será adotada desde que se entenda que crime qualificado pelo
resultado seja de fato crime preterdoloso, no qual, o resultado viria sempre a título
culposo.
No entanto, não há essa linearidade nos tribunais superiores. A maior prova de que
não se tem essa linearidade encontra-se nos crimes de latrocínio. Qual o
entendimento do STF quando a subtração patrimonial se consuma, mas o atentado
à vida não se consuma? A capitulação seria de roubo mais tentativa de homicídio ou
latrocínio consumado, já que o resultado principal patrimônio foi alcançado? Nenhum
dos dois, vez que se entende por latrocínio tentado. O que é surreal se efetivamente
pensar o latrocínio como crime preterdoloso, no sentido de que o antecedente é a
título de dolo e o consequente a título de culpa. Significaria admitir a tentativa em
crimes culposos. Uma pessoa quando pratica um latrocínio não dispara
acidentalmente, mas com o intuito de facilitar ou garantir a impunidade do roubo. Se
prevalecessem os postulados doutrinários, as imputações teriam que ser sempre de
roubo mais homicídio – competência do Tribunal do Júri - o que não ocorre. A
imputação será de latrocínio, considerada a unidade espacial e temporal.
Os tribunais se aproximam no sentido de afastar um conceito puro e simples de
crime preterdoloso para potencializar o princípio da especialidade, até porque na
lesão corporal culposa a gravidade da lesão não é relevante em termos de tipologia.
Só irá sopesar a gravidade da infração enquanto circunstância judicial. Não há lesão
corporal culposa qualificada ou majorada pela gravidade da infração. Isso ocorre nas
lesões dolosas.
“Caso se entenda que estupro mais lesão corporal grave ou gravíssima
configura um crime único, em apreço ao princípio da especialidade, a lesão
corporal grave, também de ação pública incondicionada tornaria o estupro,
nesses moldes, de idêntica natureza”.
Página 22 de 22
Se a lesão corporal for dolosa, mas leve, não haveria espaço. Até por interpretação
a contrario sensu do § 1º do art. 213, CP, teria que fixar a natureza da ação como
pública condicionada à representação. Nesse aspecto, teria havido uma novatio in
mellius, pois antes da lei 12.015 tinha-se a súmula 608 do STF, estabelecendo a
natureza pública incondicionada da ação penal no estupro sempre que houvesse
violência real, mesmo que geradora de lesões leves.
“A contrario sensu, se geradora de lesões leves, a ação penal torna-se pública
condicionada, afastando-se da súmula 608 do STF”.
SÚMULA 608: No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.
Conforme visto anteriormente, a violência real hoje é neutra para definir a natureza
da ação pública incondicionada nos crimes contra a dignidade sexual, já que os
referenciais são em relação à vítima – menor de 18 anos ou vulnerável. Se pensar a
contrario sensu, inclusive de todas essas posições doutrinarias trazidas, se a lesão
corporal grave passasse a tornar o crime de ação penal pública incondicionada, ao
contrário, no caso de lesão leve a ação seria pública condicionada à representação.
Só poderia fazer uma ponderação em sentido contrário, qual seja, no caso de
violência familiar ou doméstica contra a mulher (estupro praticado nesse contexto),
pela não incidência da lei 9.099/95. Todavia, nem se precisaria chegar a tanto, pois
a regra geral hoje, por lei, é que a ação penal será pública condicionada à
representação.
Essa é a hipótese em que, por força de uma alteração legislativa, uma imputação
que era de ação penal pública incondicionada passa a exigir representação,
tornando, mais do que nunca, atual a representação como condição especial de
prosseguibilidade e a possibilidade de se aproveitar qualquer manifestação anterior
de vontade dessa vítima formalizada nos autos para fins de representação.
Obs.: “Embora a lei seja de 2009, o STJ continua a aplicar a súmula 608 do
STF, ao argumento de que compete à Corte Constitucional a palavra final
sobre o tema, lembrando que se esta já teve a oportunidade de fazê-lo e não o
fez é porque, subliminarmente, manteve o enunciado”.
Hoje, em prova objetiva, continua a se aplicar a súmula 608, STF.