CULTURA AXIOLÓGICA E EDUCAÇÃO CÍVICO JURÍDICA: DO SER E … · Mello kujawski, no tópico "A...
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CULTURAAXIOLÓGICAEEDUCAÇÃOCÍVICO‐JURÍDICA:DOSEREDA
VERDADEÀFILOSOFIADAEDUCAÇÃOEDODIREITO
EmanuelOliveiraMedeiros
InstitutodeFilosofiaLuso‐Brasileira
PaláciodaIndependência,LargodeS.Domingos,11,1150‐320Lisboa
(351)213241470|[email protected]
Resumo:Nestenossotexto,dissertaremossobreaculturaaxiológicaeeducação
cívico‐jurídicanaobradeAntónioBrazTeixeira.
Palavras‐chave:culturaaxiológica,educaçãocívico‐jurídica,AntónioBrazTeixeira
Abstract:Inthistext,wewilltalkaboutaxiologicalcultureandcivil‐juridical
educationintheworkofAntónioBrazTeixeira.
Keywords:axiologicalculture,civic‐legaleducation,AntónioBrazTeixeira
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Neste texto pretendo explorar aspetos que se encontram, de modo explícito ou
implícito,naObraePensamentodoDoutorAntónioBrazTeixeira.Asuaobraabre‐nos
imensosfilõesmasháumfundocomumetransversalquemeinteressapercorrer,até
comomododeabrirchaveshermenêuticas,decompreensãoeformação.Encontrona
Obradoautorelementosfecundosparapensaretematizarumaliteracia,melhor,uma
educação cívica e jurídica, ancorada em Valores Maiores. Neste artigo temos como
referência principal de António Braz Teixeira o livro Sentido e Valor do Direito.
IntroduçãoàFilosofiaJurídica,sendonossopropósitoretomá‐lo,noutroscontextos,
em interligação com outros livros, designadamente, Breve Tratado de Razão
Jurídica, no qual, logo no primeiro capítulo, é aprofundada a temática “Direito,
Linguagem e Razão”. Aí, o autor remete, logo, para o facto de que a filosofia, a
literaturaeodireitoseexpressarem“empalavras”(Teixeira,2012,p.15).
Neste artigo, também convocaremosoutros autores, em traçosde intertextualidade,
numadinâmicadesignificaçãoecompreensãodosconceitosedasproblemáticasem
análise.
É muito significativo que é na Filosofia que o autor vai ancorar o seu pensamento
sobreoUniversoJurídicoe,maisfundo,aproblemáticasobreoqueéoDireitoeoser
doDireito,queremeteparaaJustiçacomoValoreIdealfundante,intemporalmasem
transcursonotempo,nosestadosenassociedades.AOntologia,aproblemáticadoser,
é fundamental à compreensão da vida, do seu sentido, da coexistência humana e é,
também,naOntologiaenaFilosofiadoDireito,queencontramosasuaessência,‐que
se demarca de todos os positivismos ‐ para além da vigência temporal, em
positividade, de um determinado sistema ou ordenamento jurídico, como, por
exemplo, certas leis, os códigos civis e legislação nos diversos setores de atividade
humana.ImportasemprepartirdoHumanoeassegurarasuadignidade,também‐e
muito ‐ pela via do Direito, este fundado na Justiça como Valor de Sol. Só assim,
podemos ter a esperança do aprofundamento da Democracia, que só acontece em
EstadosdeDireitoDemocrático,‐adjetivoquesubstantivaoEstadoeoDireito‐que
possam impedir que a pessoa se torne objetomanipulável, até com suportes legais
masdeumasuposta legalidade,quenãoochegaaser,por jánãoestarreferidaaos
fundamentosdaDignidadedaPessoaHumanaeaosvaloresmaiores.SócomEstados
Justos,deDireitoDemocrático,podemosevitarquesurjamasvítimasdo"capitalismo
selvagem", ‐ expressão de João Paulo II ‐ dos bancos, e outras instituições, que se
compramunsaosoutros,navertigemdamáglobalização‐eperdem,porcompleto,o
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respeitoparacomosseusclientes,quesãopessoasqueseveemperantealgozessem
escrúpulos, sem rosto, ávidos do dinheiro pelo dinheiro, do lucro pelo lucro, da
ganância sem limites.Háque reequacionar,no sistema jurídico, o equilíbrio entreo
público e o privado. Privatizações em cima de privatizações podem provocar a
cegueiradevido ao vilmetal e, depois, o sistema financeiro apoia‐senumamáquina
jurídica, criada para o efeito, que, no fundo, mata a essência do jurídico, que deve
garantir "direitos, liberdades e garantias", que deve ser o garante da segurança e
liberdadedaspessoas.
Os legalismos e os regulamentalismos são evidências de degenerescência da
convivênciahumana,queurgeregenerar,numaSociedadedeódios,maldade,mentira
evingança,sentimentosnegativos,globalizados.Háquecriarantídotos.OPensamento
e Ação do Papa Francisco oferecem doutrina e referência, de verdadeiro alcance
universal, filosófico, religiosoou laico, acimade tudo,humano,paraajudara criar, ‐
rompendocomasperiferias‐ummundodeinclusão,comsentimentodepertença,de
partilha, de comunhão, apelando a que os pobres não sejam ‐ nunca ‐ objeto para
investigaçãomas protagonistas das suas próprias vidas. Essa é a condição que nos
habita,atodos,sermosprotagonistas,portanto,cidadãos,deplenodireito,todos,sem
exceçãonemprivilégios.EssePensamento,deresgatehumanista,criaoutras,novase
renovadas disposições jurídicas e outros ordenamentos jurídicos das sociedades. O
mesmo encontramos nos Papas anteriores, por exemplo na Encíclica Caridade na
Verdade,deBentoXVI,ondeasquestõesdoambiente,daeconomia,dasfinanças,dos
valores – entre muitos outros aspectos – são pensados em grande profundidade,
humana e no horizonte da Transcendência. Numa Sociedade em que há uma
hiperjurisdicialização, é da maior relevância, atualidade e futuro repensar a ação
humana à luz da Filosofia da Educação e da Filosofia do Direito, como modos e
manifestações,profundas,daCultura,queseenraízanoSerenaVerdadedoSer,para
queoagirhumanonaturaleaconsciênciaéticanarelação interpessoaldispense‐e
rejeite ‐ asmalhas legislativasehajaumvínculoaodever ser.EoDireitoRomanoé
sempreumafonte,bemcomooDireitoCanónico.Mesmonãosendoseguidos,podem
constituirfontesdeinspiraçãoebasessólidasparapensaroElementoJurídicocomo
estruturantedasSociedades,das Instituiçõesedos fundamentosaxiológicosdavida
das pessoas. Basta, aliás, verificar que Filósofos como Platão, Aristóteles, Santo
Agostinho e São Tomás deAquino ‐ entre outros ‐ podem inspirar umPensamento
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Filosófico que, emmuito, ajudam, sempre, a nutrir e a reperspetivar as ideias e os
ideaisquedevemordenareregularavidajustaeboadasPessoasedasSociedades.
No livro Sentido e Valor do Direito. Introdução à Filosofia Jurídica, António Braz
Teixeira,aoexplicitar"AJustiçacomoprincípio"(pp:254‐262)refereváriosfilósofos
daAntiguidade,entreosquaisSólon,Anaximandro,Heraclito,Platão,AristóteleseSão
TomásdeAquino,naIdadeMédia.
Afirma António Braz Teixeira, ao explanar o Pensamento Filosófico de Gilberto de
Mellokujawski,no tópico"AMetafísicadoPerigo"numareflexãosobreoperigoea
violência:"Seoperigoabsolutoéestarnomundo,operigoimediatoéconstituídopelo
Outro,comcujalutacadaumdenósdecide,ounão,serelemesmo".(Teixeira,A.B.,A
"EscoladeSãoPaulo",p.293).AExperiência torna‐sevitaleháqueacompreender,
nassuasmúltiplasmanifestações.
Husserldefenderaquetodaaconsciênciaéconsciênciade...Fica,pois,explícitoquehá
sempre um conteúdo do pensar e do pensamento e que a consciência não se fecha
sobre si mesma, ‐ o solipsismo é um absurdo ‐, a consciência está naturalmente e
idealmente voltada para o exterior, voltada para a alteridade, o que garante a
dinâmicadavidadaconsciênciaôntica,dainterioridadeedaexterioridade,bemcomo
dainteraçãoentreambas,emdoaçãodesentido,emprofundidadedasubjetividadee
a criatividadeda intersubjetividade,nabuscadaverdade.Ora,nãopodemos,nunca,
abdicardaverdadeedosentidocomorealidadeseatividadesdaFilosofiaedaRazão.
Acrescentariaquesepodeedevepensarcomoscincosentidos.SeaFilosofiaéessa
atividade que busca ‐ sem possuir ‐ a totalidade da realidade, então nada pode ser
estranho à Filosofia, nemaos diferentesde emque a Filosofia se enuncia e anuncia
como,porexemplo,FilosofiadaEducaçãoeFilosofiadoDireito.Massó fazendouma
reflexão,primeiraesistemática,emaberturaedinâmica,sobreoqueéaFilosofia,é
queestaremosemmelhorescondiçõesparacompreenderomodoaFilosofiasepõee
desenvolvenumdeterminadodomíniooucampo,semseesgotaremnenhumaárea.
No livro Sentido e Valor doDireito. Introdução à Filosofia Jurídica, afirma o Doutor
AntónioBrazTeixeira:
"Sendo, essencialmente, interrogativa,problemática enão solucionante, a Filosofia é,
igualmente,reflexão,oupensamentoreflexivo,especulaçãooupensamentoespeculativo"
(Teixeira,2010,p.18).
Odesafio"ousapensar",dekant,torna‐se,afinal,umprogramaemabertodaFilosofia
emqualquer ramo, torna‐se num verdadeiro programa de Filosofia. Na realidade, a
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Filosofianãoéumsaberconstituído‐como,aliás,qualquerverdadeiroconhecimento,
mas, sim, constituinte. Com a Fenomenologia, que é sempre um campo imenso por
explorar‐comomatériaecomométodo‐aprendemosquenãoháobjetividadequese
constitua sem uma subjetividade, sem um sujeito, neutralizando as pretensões de
qualquer positivismo serôdeo. Mas a Fenomenologia também trouxe para todos os
campos da Filosofia a valoração integral, íntegra e integradora da experiência e da
vivência. O Capítulo III da obra Sentido e Valor do Direito. Introdução à Filosofia
Jurídica é enunciado assim: "Experiência Jurídica e Ontologia do Direito", O autor
refere‐seaváriostiposdeexperiência.Desdelogooconceitodeexperiênciae,depois,
exemplifica: experiência estética, experiência ética, experiência religiosa, experiência
científica(Teixeira,2010,p.141).Distingueentreoconceitodeexperiêncianosentido
objetivo e experiência no sentido subjetivo (p.142) e explicita outras experiências
como "experiência teorética" e "experiência prática". E na sequência da referência à
"experiência jurídica", afirma, com grande alcance fenomenológico, tão importante
para uma educação cívica e jurídica: "(...) todos nós, juristas e não juristas, nos
encontramos, imediata e vivencialmente, com o jurídico, que nos rodeia e marca a
nossavidaquotidiana."(Teixeira,2010,p.143).
A problemática da experiência está bem presente na obra do Doutor António Braz
Teixeira,nãonecessariamentenumaafiliaçãofenomenológica,masnãoestranhaaela,
sebemanalisadoodiscursofilosóficodoautor.
EscreveAntónioBrazTeixeira:
"AFilosofiaéumaatividadequeconsistenaprópriareflexãofilosófica,éumcaminhar
gradualnabuscadaverdade.Assim,comoaliçãoeoexemplosocráticonosadvertem,
só filosofando se aprende a filosofar, pois a filosofia é uma iniciação ou um saber
iniciático, a resposta a um anseio íntimo ou a uma interrogação do próprio ser do
filósofoenãoumadisciplinaensinávelouumsabertransmissível."(Teixeira,2010,p.
19).
Oautorcoloca,assim,também,oproblemadaensinabilidadedaFilosofiaedopróprio
filosofar. Trata‐se de umaproblemática bempresente emHegel eKant, que tinham
abordagenseconceçõesdiferentes.Odesafio"ousapensar",dekant,torna‐se,afinal,
um programa em aberto da Filosofia em qualquer ramo, torna‐se num verdadeiro
programadeFilosofia.Quemnãosouberfilosofar,aprópriafilosofia,emdiálogo,com
a vida, filosofando a partir da e na própria vida, na realidade nada acrescenta à
claridadedaexperiênciahumana,comosaberdesi,dosoutrosedomundo.
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Oautorrefere‐seao"carátersituadodofilosofar".Nestecontextodereflexão,afirmaa
determinadaaltura:"(...)nãopodehaververdadeiropensamentofilosófico,enquanto
discursoracional,sempalavrasnemlinguagem."(Teixeira,2010,p.31).
Eacrescenta:
"Ora,aspalavrasdecadalínguacontêmvirtualidadesespeculativaspróprias,quenão
sópermitem,porvezes,dilucidarouesclarecermelhorcertosproblemasaqueoutras
sódificilmenteacedem(comoacontece,p.e.,comadistinçãoentresereestarousere
entequeoportuguês,ogalego,ocatalão,ocastelhanoeoitalianofazem,masquenão
existeemfrancêsoueminglês)oupenetrarmaisfundamenteemcertossentimentos
mais complexos ou mais intensamente vividos ou experimentados (p. e., a saudade
luso‐galaica, a ilusión castelhana, adorromena, aSehnsucht germânicaouamorriña
galega"(Teixeira,2010,pp‐31‐32),remetendo,emnotainfra‐paginalpara"Cf.Vilém
Flusser,LínguaeRealidade,S.Paulo,1963,eJoséEnes,LinguagemeSer,Lisboa,1983).
Econclui,sobreesteaspeto,AntónioBrazTeixeira:
"Assim, seopensamento filosóficoautênticoé sempreuniversal,porquedemandao
unoessencialdoseredaverdade,nassuasformasenassuasexpressõesétambém,
sempre, individual enacional, dado o caráter radicado e situadode todoopensar e
agirhumanos."(Teixeira,2010,p.32).
Ainda mais nesta "era do vazio", do relativismo atrevido, aliado da mentira e da
hipocrisia, em que a Verdade deixou de estar no horizonte das instituições, é
fundamental ‐ justamente,porumaquestão, também,de justiça edireito‐, relevar a
Verdadecomocategoriafilosóficaeeducacional.NãoépossívelumaEducaçãosólida,
dinâmica e em abertura, sem relação à Verdade, aos Valores e à Cultura. É urgente
umaCulturaAxiológicaintegral,semaqualnãoépossívelenraizarepromoveruma
educaçãocívicaejurídica,comexigência.Nãosomosapenasdestinatáriosdedireitos
edeveres,somosagentes,somossujeitosjurídicos,comcapacidadedeiniciativa.
MassemConhecimento,semCultura,nãoháumaverdadeira,eficazeeficienteprática
decidadania,umacidadaniaprudencial,comdiscernimento,quevaimuitoparaalém
da tão badalada cidadania ativa. Ou a cidadania é, ou não acontece. Nos sistemas
educativos, nas escolas e nas várias instituições, ‐ de vária natureza ‐ não podemos
aceitar acriticamente discursos sobre cidadania, não somos recetores ou
consumidores de discursos sobre cidadania. Temos de produzir discursos sobre a
cidadania, agindo, falando, conversando, dialogando, argumentando, escrevendo,
participando em organismos e associações, fundando associações, intervindo em
diversos órgãos de comunicação social ‐ jornais, rádio, televisão, etc ‐ fazendo
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escrutínios críticos do que dito e do que é realizado, criticando a demagogia e o
populismoe,pelocontrário,traçarerealizarprojetos,demodoconsolidado,demodo
determinado.
ACidadaniaexigeapalavra,aação,a fala,em liberdadeeautonomia,paraquehaja
liberdade, como substância, como realização.A cidadania exige participaçãomashá
múltiplasformasdeparticipar.Muitasvezeséprecisoencontrarmodosdedespoluir
osmeios,osambientes,as instituições.Éprecisoumaecologiadaação‐na linhade
Edgar Morin ‐, num mundo complexo, que exige muitos saberes, em
interdisciplinaridade,empluralidadeediversidade,mastambémnabuscadaunidade
e da Cultura. A diversidade de culturas também mobiliza uma educação cívica da
partilha, do encontro, da comunhão. Nummundo em explosão e em estilhaços são
precisos abraços. A Filosofia pode ser esse abraço do Conhecimento, retomando a
admiração e o espanto original, com que, em Platão e em Aristóteles, o filosofar
começava. É preciso um novo recomeço, despontar, despertar. A maravilha do
amanhecer, queé semprediferente, oudoanoitecer, queé semprediferente, dizem
muitodoquepodeser,sempre,umnovodia,naunidadedosseusdiversoscompassos,
ritmos e movimentos. A Filosofia e a Educação são potências e fontes de Cultura,
Cidadania e reflexão, geradora, de umpensamento sobre os valores. A Filosofia e a
Educaçãodizem‐sedediversosmodosenesselabordiscursivoeacionalaFilosofiada
Educaçãoconstituieconstitui‐secomoumConhecimentodamaiorrelevânciaparae
naformaçãodeeducadores,deprofessores,bemcomodeoutrosprofissionaise,bem
vistasascoisas,ecadavezmais,detodasaspessoas.OsórgãosdeComunicaçãoSocial
constituemespaçosemeiosfundamentaisparairrigarumaFilosofiadaEducaçãoeda
Cultura, através de programas adequados, conciliando rigor com extensão dos
saberes,numaperspetivadeorganizaçãodoConhecimento.
Éprecisodarprojeção fecunda àUniversidadedaVida, naqual aspessoas, todas as
pessoas,têmtantoadizer,saberesapartilharentregeraçõeseprofissões.Tudoisto
levaaqueapessoaconheçaarealidadetambémnasuatexturajurídica.Quantasvezes
ouvimosaspessoasdizerem:"vouprocurarosmeusdireitos","issonãoédireito",etc.
As pessoas têm saberes de experiência que urge valorar, aprofundar e sistematizar.
Questiono‐me cada vez mais: as mesmas pessoas a quem se recorre para fazer
sondagens de opinião, para realizar entrevistas para fins diversos, para aplicar
inquéritos, etc, essasmesmaspessoas ‐ emuitas outras ‐ nãodevem ser chamadas,
convidadas, para se pronunciarem, com propriedade, sobre ou a partir das suas
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experiências e vivências sobre tantos temas e problemas da vida, nas suas várias
dimensões? Claro que sim. As pessoas são portadoras de conceções e são sujeitos
epistemológicos, sujeitos epistémicos, que nos ajudam na (re)construção do
conhecimento. Só um elitismodegenerativo não vislumbra os saberes de eleição de
que as pessoas são portadoras. Não basta ter certificados, é preciso ser certificado,
mais,éprecisoterqualificações,melhor,éprecisoserqualificado.Eis,tambémaqui,a
distinçãoabissal,emFilosofiaeemEducação‐naVida‐entreacategoriadoTerea
CategoriadoSer.Maisdoqueterumprojeto,éfundamentalseremprojeto.
E como tudo se aclara na linguagem. Mas há muitas linguagens, na unidade da
Linguagem.Nestecontexto,consideroqueédereferirotópico"Filosofiaeexpressão
literária",explicitadoporAntónioBrazTeixeira:
"Diferentementedoque,muitasvezes,sedizoudoqueumaanálisesuperficial
poderia levar a concluir, a Filosofia não só não constitui um género literário
comonãotemumaformaprópriaeúnicadeexprimiroseudiscurso,quando
adotaa formaescritaparacomunicaropensamentopensadopelos filósofos."
(Teixeira,2010,pp:32‐33).
O autor exemplifica, com vários filósofos e escritores‐filósofos, modos e formas de
expressar a Filosofia, que pode ser "através do poema ou da forma poética", de
aforismos,deescritosem"autobiografia",através"damáximaoureflexão",bemcomo
do"ensaio",do"tratado",do"comentário",da"suma",do"sistema",etc.Emuitasvezes
épossívelcombinareintegraressasmodalidadesnummétodointegrado.
Bem sabemos que Husserl quis fundar e fundamentar A Filosofia como Ciência de
Rigor,queseopôsaopositivismo,aonaturalismo,aopsicologismoeaohistoricismo.
Mascoisadiferenteéapositividadeeahistoricidade,queAntónioBrazTeixeirabem
tematizanasuaFilosofiadoDireitoeFilosofiaJurídica,naRazãoJurídica.
ApesardeAFilosofiacomoCiênciadoRigortersidoumempreendimentoquenãoteve
o alcance desejado, a Fenomenologia, como estilo de filosofia, e como método de
filosofar,continuafecundaecompotênciasimprevisíveiseinesperadas,emtodosos
domíniosdavidaedaexperiência,tambémnoâmbitodoDireito.
Ora,aRazão,nãonoidealapodítico,masreveladora,expressivaecriadora,encontra
modosdeserefazeraFilosofia.AFilosofiapodeviràluzdodiaatravésdediversas
modalidades discursivas e modos múltiplos de expressividade, desde logo a
expressividade dametáfora como tão luminosamente está escrito, em fecundidade,
nasobrasdoProfessorDoutorJoséEnes,nasuaPoesiaenasuaFilosofia,desdelogo
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emÀPortadoSer.Os textoseartigosquetenhoescritosobreoProfessor JoséEnes
têm procurado mostrar, em intertextualidade, do e no labor, rigoroso, na e da
Filosofia,quesepodedizernaprofundidadeontológicadeumPoema,comovemosem
FernandoPessoa.Tambémjáfiznotarque,depoisdeumlongointerregnonaPoesia,e
umlabor,exclusivo,naProsa‐,naFilosofia‐,oProfessorDoutorGustavodeFragafez
uma(re)incursãonaPoesia,nofinaldasuavidaterrena.Nãosãoracionalidadesque
seopõemmasqueatradiçãouniversitáriaimpunhacomosaberesnãocomunicantes,
comosedenaturezasdistintas,ou,até,opostas,setratassem.
Todavia,aFilosofiacontinuaalaborarcomosconceitosea(re)criá‐los.Masháqueos
entenderequestionar.
Ora,oConceitonãoésecura.OConceitoéconceçãoedinamismo.OConceitoérazão
deser,quesedáemanifesta,quevemàluzdodia,numaconaturalidadeentresere
conhecer, como José Enesmostra, demúltiplas formas, desde logo a partir da raiz
metafórica.Aprópriametáforaéametáforadasmetáforas.Ametáforatransplanta‐se.
Só entendendo isso se pode perceber o interior do sentido de competência, de
contrário nada fica, a não ser a incompetência de nem sequer a saber pronunciar,
comopalavra.
Ora,sobreaFilosofiaeasuaexpressividade,afirmaoFilósofoAntónioBrazTeixeira:
"A explicação para esta multiplicidade de formas de expressão literária das ideias
filosóficastemdeprocurar‐se,nãonumaqualquerpretensaincapacidadedaFilosofia
para criar uma forma própria para se exprimir ou para se constituir como género
literário, ao lado do poema lírico, dramático ou épico, do conto, da novela ou do
romance,massimnadiversidadedemodosdeserdosprópriosfilósofos,deestilosde
pensar, de características do pensamento que se pretende exprimir ou comunicar e
dos dotes literários dos pensadores, dos destinatários que visam ou das razões que
ditamorecursoàexpressãoescrita,(...)"(Teixeira,2010,p.33).
Estas afirmações são muito pertinentes para o trabalho filosófico, para a
ensinabilidade filosófica, para a investigação eprodução científica, para adidática e
metodologia da filosofia ‐ e não só ‐, para umaDidática Interdisciplinar ouDidática
integrada. Além disso, a pertinência dessas reflexões afirmam‐se com igual vigor
tratando‐sederefletirsobreaFilosofia,emsi,emgeral,para,depois,abrircaminhono
sentidoitinerantedolivroondeasmesmasestãoescritas:SentidoeValordoDireito.
IntroduçãoàFilosofia Jurídica. ÉdaFilosofiaquepromanaeemanaos fundamentos
paraesclarecereclarearaproblemáticadoSentidoedoValor,transpostos‐epostos‐
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nomundodoDireito,nouniversojurídico,àLuzdoSoldaJustiça,quesendoemsi,e
parasi,realiza‐senosingularenoparticular,noespaçoenotempo,nassociedadese
nosEstados,Estadosessesquedevemserdemocráticosparaque,tambémpeloserdo
Direito, a pessoa transcenda o indivíduo que é e se realize, em liberdade, pela
liberdadeeparaaliberdade.Éaliásmuitosignificativaadedicatóriadolivroavários
colegas, "companheiros na demanda dos múltiplos e convergentes caminhos da
Verdade,daLiberdadeedaJustiça",comoescreveoDoutorAntónioBrazTeixeira,em
pedra lapidar, ‐ em folha de papel, todavia ‐ no Pórtico do livro Sentido eValor do
Direito. Introdução à Filosofia Jurídica. Que falta nos fazem pessoas assim, que
vivificam esses valores. Por isso, considero que este é um Tempo, urgente, de
testemunho, exemplo e transmissão. Aquelas três palavras – Verdade, Liberdade,
Justiça ‐, estãoescritascomas iniciaisemmaiúsculas.Sãoconceitosprenhesdeser,
com fome e sede de se realizarem e concretizarem, sem nunca se esgotarem, sem
nunca serem apropriados no sentido de espoliados. Irrigam, dão substância,
enformamos ordenamentos jurídicos democráticos ‐ as leis, as ordens, as normas ‐
mas não são propriedade de ninguém, embora devam salvaguardar a propriedade,
desde logo, oDireito de cada pessoa ser, em absoluto, quem é.Não é oDireito que
fundaadignidademasajudaaprotegê‐la,apreservá‐la,apromovê‐la.Ora,tudoisso
tambémdámatériaeformaàFilosofiadaEducaçãoeàFilosofiadoDireito.
EstamosnodomíniodaOntologiadaEducação.Numartigo intitulado:"Ontologiada
Educação eOntologia daCidadania:Axiologia dosDesafios daRelação", o Professor
DoutorManuelFerreiraPatríciovaiaofundodasquestões,comosempre,nométodo,
noconteúdo,naexpressividade.Aténamusicalidadedaspalavras.Dassuaspalavras
parecesemprebrotarSer,mesmonumsentidofenomenológico.
AfirmaManuelFerreiraPatrícionoreferidoartigo:
"Perguntar"Oqueéaeducação?"é,desdelogo,instalar‐senaesferadoontológicoe,
portanto, na ontologia. O "é" não apela a uma identificação de algo, como se
perguntássemos,aoolharparaessealgo,"Oqueéaquilo?".Aperguntavisaencontrar
oudeterminaroserd'aquilo.Porquetudooqueháé.Éoqueé.Emborapossamosnão
saberqualéoseuser.Mastudooqueháéportadordaqualidadedeser.Direimais:é
habitadopeloserepeloserqueofazseraquiloqueé.
A educação há. Logo, a educação é. É o quê? Determinar esse quê, esse quid, é
responderplenamente, e positivamente, à pergunta: "Oque é a educação"?Essa é a
perguntanuclearda,oudeumaontologiadaeducação."(Patrício,2010,p.9).
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Ocupa‐nos as questões da Educação e da Cidadania, que se fundamentam nos
princípiosenosvaloreseparaelessedirigememdinâmicasdeformaçãointegral,no
currículoescolarenãoescolar,noCurriculumVitae.
No referido artigo, Manuel Ferreira Patrício explicita o seu pensamento sobre a
"OntologiadaCidadania".Escreveadeterminadaaltura:
"A ideia de cidadania implica que o cidadão possui intrinsecamente direitos e
obrigaçõesnoseiodoEstadoaquepertence.EsseEstadosóoéseforlivrenoconcerto
dos Estados. A qualidade de cidadão exprime o vínculo jurídico‐político que o
estabelececomosujeitodeumconjuntodedireitoseobrigações.Podeconcluir‐se,a
esta luz,queacidadaniasópode florescereexercer‐senumEstadodedireitoeque
será tanto mais próxima da plenitude concetual, ou ideal, quanto mais forem
democráticoso fundamento, organização e funcionamentodesseEstado.O limiteda
cidadania, em extensão, é a própria humanidade. A experiência histórica da
humanidadeé,atéaomomento,adopluralismoestatal."(Patrício,2010,p.15).
Ser "cidadão do mundo" não pode confundir‐se com "monismo estatal". E no
aprofundamentodoserdacidadania,escreveManuelFerreiraPatrício:
"À ideia de cidadania está indissoluvelmente ligada a ideia de dignidade do ser
humano.Ohomemnãopodesergovernadopeloarbítrio,mastemdeoserpelalei.A
lei é a fronteira da dignidade, para além da qual o homem é negado na realidade
eminentementevaliosadasuahumanitas.OEstadototalitárioresideparaalémdessa
fronteira.Nele,acidadaniaé impossível,anãosernodiscursoenaprática falsosda
perversidade dos donos do poder, do qual o que devia ser cidadão está excluído.
Excluiroserhumano‐qualquerserhumano‐dasuaqualidadeintrínsecadesujeito
do poder é expropriá‐lo da sua humanitas, porque a humanidade é a fraternidade
universaldoshomens,oqueostornarigorosamenteiguaisemdireitoseobrigaçõesna
comunidade humana universal e, por isso mesmo, em toda a comunidade humana
organizadaemEstadoparticular."(Patrício,2010.pp:15‐16).
Noutraetapadoseuartigo,ManuelFerreiraPatrícioareferea"dignidade"queé,na
essência,o"estatutoontológicoeaxiológicodepessoa".(p.17).Noutrafasedotexto
escreve: "A ontologia da educação e a ontologia da cidadania moram na casa da
axiologia.Aeducação,aculturaeacidadaniasãorealidadeseminentementevaliosas
paraohomem."(p.19).OúltimopontodoartigofoiexplicitadoporManuelFerreira
Patrício, do seguinte modo: "Axiologia dos Desafios da Relação Existente Entre a
OntologiadaEducaçãoeaOntologiadaCidadania".Éderelevaracategoriadarelação.
Nofinaldotexto,afirmaManuelFerreiraPatrício:
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"ComopodemosvernabrevepassagemdaCartaVIIdePlatão,queescolhiparavos
mostrar,aAtenasdoiníciodoséculoIVa.C.,quefoioséculodeAristóteles,erauma
cidadecorrupta.A cidade limpa, incorrupta, éumaexigênciada cidadania. SePlatão
aténósviessenestemomentohistórico,elepoderiadenovoverberarcomindignação
acorrupçãodasleis,dasinstituições,dosgovernantesedosgovernados.Aseriedadeé
aformaprática,moral,daverdade.Aseriedadeéumaexigêncianucleardacidadania."
(Patrício,2010,p.25).
Ser límpida é, pois, da natureza da verdade, da verdadeira educação, da verdadeira
cidadania. Os valores brilham límpidos para ajudarem a remover e a destruir a
corrupção das palavras e das ações. Mas na boa tradição tomista, é preciso nunca
esquecer que o ato ‐ individual ou coletivo ‐ acompanha sempre o agente. Só o
sentimentoda culpa edo remorso levama pedirdesculpas, a pedirperdão.A fazer
reconciliaçãoàluzdaJustiçaquebrilhaeorientaaconsciênciahumana‐individuale
coletiva‐bemformadaeformadaparaoBemepeloBem.Urge,pois,umaEducaçãoe
CulturaAxiológicas,daspessoas,naspessoaseparaaspessoas,emComunidadeeem
relaçãodecoexistência,bemcomodasenasInstituições.
A Filosofia do Direito leva o autor a ocupar‐se, em profundidade, da essência da
Filosofia e da essência do Direito. O que é? Sem essa interrogação, prévia e
fundacional,sobreoSerdaFilosofia‐e,antes,doHumano‐edoDireitonãohácomo
compreenderaCiênciaJurídicaeaTeoriaGeraldoDireito.HáquepesquisaraFilosofia
doDireitoenoDireito.SemumaCulturaAxiológica,os"criadoresdoDireito",melhor,
os legisladores,podemcontribuirparaumaSociedadedasregrasedasnormas,que
podem degenerar em desordens injustas ‐ e não para uma Sociedade e uma
Comunidade que também no Direito deverá encontrar uma via para preservar o
melhor que ainda há ‐ ou possa haver ‐ na Pessoa Humana, ordens justas, normas
justas.ODireitoéumacriaçãoculturalmasé,antes,deveser,acriaçãodemodosde
sermelhorpessoa, emsociedadeenas instituições.Mas,para isso,éprecisoqueos
dirigentessejampessoasCultas.AFilosofiadaEducação,tambémaqui,temumatarefa
fundamental a desenvolver em termos humanos, culturais, antropológicos,
axiológicos,ontológicoseepistemológicos.Easeivasãoosvalores,entreosquais,os
valoresdoBemedaJustiça.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos constituiu um Momento Histórico,
Mundial e Internacional, Fundamental, desde logo pela altura em que foi adotada e
proclamada, em 10 de dezembro de 1948. Em 22 de novembro de 1976 Portugal
163
assinoua “ConvençãodaDeclaraçãodosDireitosHumanos”.A9demarçode1978,
Portugal publica, através dos seus órgãos próprios, em Diário da República, a
DeclaraçãoUniversaldosDireitosHumanos.Porestegrandeexemplosevêoqueéo
OrdenamentoJurídicodeumPaísemEstadodeDireitoDemocrático,poroposiçãoao
mesmoPaís,emditadura,masemEstadodeDireito,semDemocracia.Poristo,nestes
casos,oadjetivovalecomosubstantivoporquefaladanaturezadaEntidade.Ecomoo
SereoEnte,navida–enalinguagem,filosófica,enãosó–falafundoeprofundopara
acompreensãodeumaFilosofiadoDireito.
A Constituição da República Portuguesa foi aprovada e decretada em Assembleia
Constituinte,reunidaemsessãoplenáriade2deAbrilde1976.Foisujeitaasvárias
revisões e alterações, a última plasmada na Lei Constitucional nº 1/2005, de 12 de
Agostode2005,queaprovouaSétimaRevisãoConstitucional.
NaparteIrespeitanteaos"DireitoseDeveresFundamentais",
‐oartigo12º"PrincípiodaUniversalidade",noqualsepodelernoponto1:"Todosos
cidadãosgozamdosdireitoseestãosujeitosaosdeveresconsignadosnaConstituição";
‐oartigo13º"PrincípiodaIgualdade",neleestáescrito:
"1‐Todososcidadãostêmamesmadignidadesocialesãoiguaisperantealei.
2‐ Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer
direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua,
território de origem, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação
económica,condiçãosocialouorientaçãosexual."
Vemos nesta formulação do princípio da igualdade uma expressão bem visível da
RazãoJurídica.Aexpressão"...emrazãode..."dácontadarazãodeigualdade.Háum
fundamento de igualdade que coloca todos e cada um perante Direitos e Deveres
Fundamentais.
Todos esses princípios naturalmente inspiram‐se, também, a Documentos
internacionais como a DeclaraçãoUniversal dosDireitosHumanos e a longa gestão
dos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa e da
maturaçãodasideiasedosideaispolíticos,designadamentedeRousseau,entreoutros
filósofosepensadorespolíticos.
OTítuloII‐"Direitos,LiberdadeseGarantias".DesdelogooCapítuloIcom"Direitos,
liberdadesegarantiaspessoais".Artigo24º:"DireitoàVida".
"1‐Avidahumanaéinviolável.
2‐Emcasoalgumhaverápenademorte.
164
Oartigo25º‐"Direitoàintegridadepessoal":"Aintegridademoralefísicadaspessoas
éinviolável.".
O artigo26º ‐ "Outrosdireitospessoais": "1‐A todos são reconhecidososdireitos à
identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à
cidadania,aobomnomeereputação,àimagem,àpalavra,àreservadaintimidadeda
vidaprivadaefamiliareàproteçãolegalcontraqualquerformadediscriminação."
Oartigo27º‐"Direitoàliberdadeeàsegurança"."1‐Todostêmdireitoàliberdadeeà
segurança."
Noartigo69ºdoCódigoCivilestáescrito:"Ninguémpodeprescindir,notodoouem
parte, à sua capacidade jurídica". Esta formulação faz de cada pessoa um cidadão
sujeito jurídico. Para agir, para agirmos, não podemos andar debaixo do braço com
todososcódigos, leisoudispositivoslegais.AEducaçãoensina‐nosaser,apartirdo
ser que somos. A Educação é Prevenção, nessa linha podemos situar oCódigoCivil.
SomossujeitosdeDireitos,deDevereseObrigações.Ainfração,intencional,leva‐nos,
nolimitedalinha,aoCódigoPenal.
Ora, hoje assiste‐se a uma jurisdicialização sufocante e ‐ até ‐ lesiva do fenómeno
educativo, da educação. A malha jurídica e judicial está a cobrir cada vez mais a
realidadedavidasocial,numasociedadeplural,dediversidades,queurgerespeitar,
sem cair nos relativismos que perdemde vista a unidade na busca do sentido e da
verdade.VivemosnumaSociedadecom"desamorsocial",semlaços,semosentidode
comunidadeedepertençaquesóosvalorescomunseosvaloresmaiores,podemunir
econsolidar.
As questões da Cidadania estão cada vezmais presentes nos discursos de diversos
setores de atividade.Na área política sente‐se esse recurso a uma retórica ‐muitas
vezesnãoémaisdoqueisso–mas,adjetive‐se,umaretóricavaziaporque,háqueo
dizer, a fala, a oratória e a retórica devem ser um compromisso como ser e com a
palavra,comoserdapalavraeapalavradoSer,queurgerecuperarnoseufundoe
fundamentoontológico.Mesmoossubstantivossãoverbos,entendendoaquioverbo
sempre como atividade que nos remete para um tempoprimordial de verdade.Um
tempodeprincípio,degéneseedeorigem.Umtempoondeosvaloresvieramàluzdo
dia para serem na sua temporal intemporalidade, num aqui e num agora, sempre
datados,masemquesebuscaalgoessenciale,paradoxalmente,olhandoparaofuturo
énopassado,depuradoemhistoricidadeeproblematicidade,queo serhumanoem
concreto,asentidadescoletivaseahumanidade,emgeral,‐enapessoadecadaum‐
165
encontram a lição e a inspiração para o futuro, um tempo "aHaver", expressão tão
caraaAgostinhodaSilva.E,aí,aSaudadeéabuscadeligaçãoentresereestar.
A saudadenãoé saudosismo.ASaudadeé gostode reencontrar, em festa, oque foi
bom,oquepassoumasficou,quepermanece,eminvocação,evocaçãoememória.Por
isso,paraalémdainovação,háquepensarefazerrenovação,e,também,tradição.Por
isso, cada vezmais os clássicos, de todos os tempos,moram entre nós e dão‐nos a
forçaeajudam‐nosnumexercíciodediscernimentoparaprocurarmosprescrutarpor
ondepassa‐oupodepassar‐oessencialdoFuturo.ÉsemprecomoFuturoquenos
confrontamos.Masdamosdefrentecomopassadoquesefez‐efaz‐luzdopresente.
Opresentismoéaausênciadologosedarazãocriadora,naEducação,naCultura,nos
Valores,noDireito.EtodosansiamosporJustiça.
A Justiçaé fundamentoe influxodeumEstadodeDireitoDemocrático‐pelomenos
emtermosformais,‐éjáumaconquistafundamentalíssima,nonossocaso,Portugal,
deHoje,pós25deabrilde1974,‐(comodeveriamsertodososEstadosdoMundo).
Mas,nummundodeGlobalização,comguladelucroedeeliminaradiversidadeeas
diferenças, que confunde laicidade com laicismo inóspito, há que estar vigilante e
cultivar a Democracia e esta só se afirma em Estados de Direito Democrático, que
desenvolvemepreservamos“direitos,liberdadesegarantias”.
A Justiça é um valor que temos de aprofundar e afirmar, sempre, no concreto da
coexistênciahumanaeexigeumavivênciaehermenêutica,designadamentenoplano
teológico,filosófico,humanoecultural,religioso,político,económico,financeiro,entre
outros. O Sermão da Montanha é uma Promessa eloquente e está impregnado de
ValoresMaiores eMetafísicos,mas quedevemencontrar concretização e realização
emtodasasépocasdahistória,emtodosostemposelugares,emtodososEstados,em
todososordenamentosjurídicos,acimadetudoéumaforçaeumconsoloparaquem
deseja,aindaesempre,serpessoa,emconsciênciaeliberdade.
OSermãodaMontanhaexortaparaumavidabemaventurada.UmavidaFelize,aesta
Luz,emquenospodemosapoiarnavidapessoaleemcomunidade.
"Bem‐aventuradososquetêmfomeesededejustiça.porqueserãosaciados.
(...)
Bem‐aventuradososque sofremperseguição, por causada justiça, porquedeles é o
reinodosCéus"(Mt,5,1‐12)
Há que acentuar o Valor Supremo, aqui, na Voz de Cristo, Deus feito Homem, que
experimentou a condição humana. Assim, sabe dela falar, em geral, em si, na sua
166
essência, profundidade, e na sua existência, na concretude da vida. Uma existência
divino‐humana, de carne e osso, que conhece, ao sentir, o Sofrimento do rasgar da
carne, em sangue,mas tambémdo Seu resgate em Luz. No Sermão daMontanha, a
Justiçaépostanasuaradicalidade‐"osquetêmfomedejustiça".Mas,poroutrolado,
seguir a Justiça seria o normal, seria a norma. Parece que há, ou pode haver,
ordenamentos jurídicosquese situamemoposiçãoaoprincípio, à ideia, ao idealde
Justiça,que,até,éprecisotransgredir,ounãocompactuar.Há,defacto,muitaspessoas
que são perseguidas pelas suas convicções políticas, religiosas, etc, ou por tantas
outras razões ou condições que a Declaração Universal dos Diretos Humanos
salvaguarda,emsingularidadeeuniversalidade.Hápessoasquesãoperseguidaspor
praticarem e fazerem o bem. Então, seguir e procurar o Bem e a Justiça pode ser
motivo de perseguição, de "bullying", que tanto acontece. E, depois, pasme‐se,
multiplicam‐seasaçõesdeformaçãoparaensinaraspessoas,incluindonasescolas,a
defenderem‐seumasdasoutrasdevidoafenómenosde"bullying"eoutrasformasde
agressãoeviolência.Então,temosdeiràessência,aoserdoDireito,comotãobemnos
ensinaoDoutorAntónioBrazTeixeira.ODireitodeveserumaDefesaeumagarantia
para a realização da liberdade de cada um, para que cada um seja ele próprio, em
autonomia.
Não podemos, de modo algum, compactuar com um mundo de irracionalidades,
barbaridades emonstruosidades, quenãodevem ficar impunes.OTempo é sempre
umgrandealiadodaVerdadeedaJustiça.Paratal,éprecisomantersempreacesaa
luzdanossaConsciência.AEducaçãosópodeserdeluz,nãopodeserdetrevas.Quem,
emEducação,estivernastrevaspode,demodointencional,cometeratosgraves,pelos
quaisdeve–etem–deresponder.Outracoisa,diferente,éerrar,aerrâncialeva‐nos
entreluzesesombras.Mas,aí,háumabuscagenuínadeseredoSer.Certoeerrado
nãoéamesmacoisaqueverdadeefalsidade.Temosdefazerobomcombatecontra
ummundofalsificado,defalsificaçãoedefalseamento.Estaétambémumatarefada
RazãoHumana.
A “Razão Jurídica” deve promanar da Razão, ela mesma, que é Logos, que é Amor,
Liberdade, que é Coração. Bento XVI muito luminosamente explica que a Razão é
Fundamento ‐ que recusando o irracional ‐ não se confunde, de modo algum, com
qualquer iluminismo redutor. A Razão excede‐se e transborda em Amor. Esse é o
princípiodaVida ‐nas suasmúltiplasdimensões ‐e, também,daVerdadeira Justiça
que nunca se esgota na positividade do Direito e muito menos em qualquer
167
positivismo, que é sempre a anulação do ser humano, da sua liberdade, da sua
liberdadecriadora,ValorestãocarosaoDoutorAntónioBrazTeixeira.ALiberdadeea
Autonomiatornamoserhumanoofazedoreconstrutordoseudestino.
E como percebemos sempre melhor a Justiça e o Justo, em contraposição, com a
injustiça e o injusto, também por isso, quero aqui subir à Montanha ‐ não
propriamenteàbelaMontanhadaIlhadoPico‐sobreaqualoProfessorDoutorJosé
EnesfezumPoema,emBeleza,masaoSermãodaMontanha,essaqueexistemesmo
nointeriormaisplano,arrasadoedestruídodequalquerserhumano.Pensemosnos
semabrigo‐eninguémalienedesiessapotencialcondição‐nospobresmaispobres,
nosmigrantes,nosrefugiados,aquemnenhumPolíticodeuvozevisibilidadecomoo
Papa Francisco. Não num neorealismo alienante mas num atender a cada humano
comopessoa,comocidadão,comosujeitoeprotagonistaenuncacomoobjeto,como
muitobemexplicaedenunciaemSóoAmornosSalvará.
Talvezestejamesmoa faltaraCulturadoAmor,oAmorcomoCulturaeoAmorda
Cultura,numaSociedadesemligações,semlaços,sem"amorsocial".NumaSociedade
ondediaadiaseavolumaasuafiliação,asualinhagem,à"espiraldeviolência",que
vem de Caim. Indo aos Génesis, cita e afirma Bento XVI: "(...). Aqui revive aquele
desígniodeDeusqueinterpelaahumanidade,desdeosprimórdios."OndeestáAbel,
teu irmão? [...]. A vozdo sanguedo teu irmão clamada terra atéMim." (Gn, 4,9).O
Homempôdedespoletarumciclodemortee terror,masnãoconsegue interrompê‐
lo... " e acrescenta Bento XVI: "Na Sagrada Escritura, é frequente aparecer Deus à
procuradejustosparasalvaracidadehumana(...)"(BentoXVI,2010,p.67).
Vemos como aqui é posto em relevo ‐ na sua positividade e radicalidade ‐ a
importânciados justosnomundo,na"cidadehumana".Esóesse labor,permanente,
diário, sem parar, nos pode levar, já neste mundo, à A Cidade Celeste, de Santo
Agostinho.OndeaOrdemeaboasdesordens,as leiseasnormas,buscambeber,no
saberdoSer,juntodaNascentedaJustiçaedoBem.DasIdeiasdePlatão,quebrilham,
no livro VII d'A República, para ajudar na Educação das Pessoas, dos Cidadãos, da
Polis,sejaCidadeouCampo.EnadadissoépossívelsemindagaroserdoDireitoque,
pelasuamãodireita,noslevaàsabedoriaquedeveterolegislador,oadvogado,ojuiz,
a pessoa, ‐ seja quem for ‐ também na sua condição de cidadão. Falar no
"funcionamento do sistema judiciário" é muito pouco quando, para além da
administração da justiça, se busca, ‐ deve buscar ‐ pela educação e pela cultura
axiológicas que cada ser humano seja mais e melhor, como pessoa, como cidadão,
168
como(futuro)profissional.Afinal,osDireitoseDeveressãosempreinsuficientes,se,
antes, não olharmos para cada ser humano, na sua dignidade intrínseca, na sua
soberaniacomocidadão,participanteevotante,comosujeitojurídico,comdireitose
obrigações.Acimade tudo,comoestánaConstituiçãodaRepúblicaPortuguesa,com
"Direitos,LiberdadeseGarantias",aindapormaisnummundocomoportunidadese
ameaças,simultâneas,daGlobalizaçãoedetantasformasdeterrorismo.
Épreciso,pelo contrário, aCulturadoPerdão, na filiaçãoe linhagemdeAbel. Sobre
esse episódio, descrito no livro dos Génesis, se têm debruçado grandes teólogos e
filósofos,comoéocasodeJoãoPauloII,BentoXVIeFrancisco.TambémnolivroOque
éohomem?,oCardealGianfrancoRavasi falananarraçãobíblica referenteaAbel e
Caim. Depois de tecer uma breve exegèse e hermenêutica sobre o mesmo, afirma,
numaincursãoliteráriaquevaiaofundodaCulturaedoCoraçãoHumano:
EscreveGianfrancoRavasi:
"Agora, gostaríamos de concluir com um apólogo do escritor argentino Jorge Luís
Borges (1899 ‐ 1986), quepartedo célebre relatodeCaim eAbel, transformando‐o
numapólogosobreaculpa,oremorsoeoperdão.
AbeleCaimencontram‐se,depoisdamortedeAbel,notempoeternodeDeus.
Caminhavam no deserto e reconheceram‐se de longe, porque eram muito altos.
Estavam calados como faz quem está cansado, ao fim do dia. No céu, despontavam
algumas estrelas que ainda não tinham recebido o nome. À luz das chamas, Caim
notou, na testadeAbel, o sinal dapedra e, deixando cair o pãoque ia levar à boca,
pediuquelheperdoasseoseudelito.Abel,porém,disse:"Fostetuquemmematouou
fuieuquetematei? Jánãome lembro:continuamosaqui juntoscomoantes."Então,
Caimrespondeu:"Agoraseiquemeperdoasterealmente,porqueesqueceréperdoar."
Sócomoperdãotudorecomeça,etudoénovo.(Ravasi,Gianfranco,pp:34‐35)
OPerdãoestámuitoparaalémdoDireito‐,emboraesteopreserveepossibilite‐,bem
comooutrasdimensõesprofundamentehumanasemorais,quenoslevamaocaminho
dareconciliaçãoedapaz,dapazinterioredapazentreaspessoas,entreos“homens
deboavontade”.Eétambémaboavontadeeagenerosidadequeestãocadavezmais
a faltar. É a essenúcleomaisprofundoque temosde irbuscar a forçapara sermos
melhorespessoase,porimplicação,melhorescidadãoseprofissionais.
A Sociedade e o Mundo contemporâneos têm sinais de anti‐humanismo muito
preocupante. É urgente resgatar o humanismo, humano, ‐ tão só –mas diria que o
humanismo cristão, pela sua força histórica, e Fundacional, que traz consigo a
Promessa,Verdadeira,daDefesa,intransigentedaPessoaHumana.
169
Neste mundo, mundanista, onde aumentam as desigualdades sociais, de forma
gritante, onde aumenta o desrespeito pelos Direitos Humanos, é natural que faça
sentidooclamorpelo"AcessoaoDireito"e"Acessoà Justiça".A JustiçaeaVerdade
sãoconceitosvivos,quebuscamasuarealizaçãoeconcretização.Também,por isso,
sãonecessáriasPolíticasdeJustiçaquesenãoconfundamcomumameraorganização
e administraçãoda Justiça edoDireito, comomera formalidadea aplicar. Épreciso
perguntarpeloserdoDireito.
OqueéoDireito?qualéoseuquid?, "oquidespecíficodo jurídico"(Teixeira,2010,
p.156),uma"ontologiajurídica"(Teixeira,2010,p.156),queseafasta"comclarezado
positivismodeentenderoDireito,nãosóporrecusara redução logicistadomesmo
conceitocomoaindaporpôremcausaasuavisãolegalistaouasuaidentificaçãoentre
Direitoeleiporrecusarasuaessencialouintrínsecacoercibilidade."(Teixeira,2010,
p.156).
CategoriasônticasdoDireito: temporalidade,historicidade,bilateralidade ("essencial
dimensão social do Direito"), heteronomia (poder ou autoridade... "estabelecer a
ordemnormativadas condutashumanas"),positividade, territorialidade e sentidoou
conteúdoaxiológico.
QualéaessênciadoDireito?OqueéaFilosofiadoDireito?OqueéaJustiça?
Procuremos, apenas, indicarmaisalgunsaspetosdo livroSentidoeValordoDireito.
Introdução à Filosofia Jurídica, do Doutor António Braz Teixeira. É um livro de
referência,quemedeu imensogosto ler, commuitoproveitoe sabor.Um livrocuja
sistematicidadenãodiminui,bempelocontrário,oseuconteúdoorgânico,no fundo
de uma Ontologia "pluralista", mas essencialmente "pensar ou conceituar o Direito
comoontologiajurídicaquesepretendedialéticaedinâmica"(Teixeira,2010,p.157)
Um livroondepodemoscolhermuitosemuitos frutos, fecundos,paraaEducaçãoe
para a Cidadania, para pensar, de modo profundo e enraizado, a problemática dos
valores. Um livro com elementos abundantes e transbordantes para a Filosofia da
Educação ‐ em fundamentos da Ontologia ‐, um livro para a Filosofia do Direito,
através do qual podemos abordar e explicitar uma Filosofia Jurídica. Um livro que
desagua‐paradoxalmente‐nasuanascentefundacional:aJustiça.
Vejamos os filões fecundos que estão na "Conclusão" da obra: recomeçamos pela
"Conclusão"justamenteporqueéprospetivaeenunciativa,anunciativaecoletorado
quefoitratadoeapresentadoaolongodolivrocomosugerência,palavratãofecunda
naObradeJoséEnes.
170
AfirmaAntónioBrazTeixeira:
"ParaconcluirotratamentodaproblemáticadaJustiça,talcomoenunciámos,cumprir‐
nos‐iaocupar‐nosagoradoseufundamento,ousejadametafísicadaJustiça,problema
que, como é evidente, transcende em muito o âmbito deste ensaio e da própria
Filosofia do Direito, implicando uma visão metafísica geral e a interrogação sobre
problemasessenciais,comaatinenteàideiadeDeus,àrealidadedomal,àsrelações
entre Justiça e caridade e ao fundamento ontológico da própria liberdade,
interrogaçõescujaresposta,precáriaeprovisória,comotodaarespostafilosófica,só
numaontoteologiapoderiaencontrar‐se.
Poroutrolado,asconclusõesquevimosdecorreremdomododeentenderoDireitoe
de pensar a Justiça que aqui foi proposto exigiriam, como seu necessário
complemento,aconsideraçãoreflexiva,aesta luz,daproblemáticareferenteàteoria
darazãojurídica,i.é.aosmodosoumodalidadesdopensamentojurídico,aoLogosque
lheépróprio,problemáticaqueseráobjetodeumoutroensaioquedestesejanatural
complementoouconclusão."(Teixeira,2010,pp:322‐323).
Em 2012, António Braz Teixeira publicou Breve Tratado da Razão Jurídica. Se
atendermosàorganizaçãodestaobra,constatamosqueestáestruturadanosseguintes
capítulos: "Direito, Linguagem e Razão", "Lógica Jurídica", "Hermenêutica Jurídica",
"Os Argumentos Jurídicos". É uma linguagem aparentemente mais específica ‐ e
própria ‐, digamos, do direito operacional, ou operante, ‐ sem cair em qualquer
funcionalismo‐apoiando‐se,todavia,emfilósofosepensadores.
Mas, até, também, para reforçar o sentido do fundo filosófico, prévio, do “ser do
direito”,tãopresentenaobraSentidoeValordoDireito.IntroduçãoàFilosofiaJurídica
(2010), torna‐se elucidativo, ‐ até por reflexão, em dialética, ‐ uma referência à
temática“Direito,LinguagemeRazão”,expressanocapítuloIdolivro BreveTratado
deRazãoJurídica(2012).AfirmaAntónioBrazTeixeira:
“DoDireito podedizer‐se, por isso, ser todo ele linguagem, já quenadahánele que
possaconceber‐seforadalinguagem.Comefeito,emtodososseusmomentos,desdea
sua formulação normativa até à sua concretização individualizadora na decisão
judicial, no ato administrativo ou no contrato, desde a sua interpretação até à
argumentaçãoforense,ounoseutratamentodogmáticopelaciênciajurídica,oDireito
consiste sempre e necessariamente num discurso linguístico distinto da linguagem
corrente ou da linguagem social e intersubjetiva e dos seus respetivos códigos
linguísticos,discursoessequesetece,searticulaedesenvolvecombaseemtermose
proposiçõesqueexprimemconceitoseprincípiospróprios,fundadoseconstituídosa
partir de uma modalidade específica de experiência histórica e social, de natureza
171
prático‐axiológica, vivificada e atualizada, dinâmica e criadoramente, pelas ideias,
crençasevivênciasdecadaépocaedecadacomunidadehumana”.(Teixeira,2012,15
–16).
O “caráter prescritivo” (Teixeira, 2012, p. 15) doDireito e o seu sentido de “ordem
normativa” (Teixeira, 2012, p. 15) não podem, nem devem, degenerar em nenhum
positivismo,queé sempreredutoreperigoso.A linguagemdoDireitodeveserada
Justiçaedabuscadasuarealização,emconcreto.Porissoumaformaçãotécnica,no
âmbitodoDireito,nãopodenemdevedispensar,antespelocontrário,umaformação
naFilosofiadoDireitoenaFilosofiaJurídica.QuemintervêmnoDireitodeveserum
intérprete ao serviço do ideal da Justiça, sendo um justo mediador entre a lei e a
situaçãoconcreta.
Alguns dos conceitos e noções operacionais, mas também fundacionais, já
encontramos, semrepetição, ‐ como sementesou filões‐, no livroSentidoeValordo
Direito. Introdução à Filosofia Jurídica (2010). Nenhuma das obras do Autor são
manuaisdeDireito,emboraospossaminspirarefundamentar,comgrandebenefício.
Quantomaisouvimos falarsobre"o funcionamentoda justiça"ecomoamelhorar, ‐
designadamenteemPortugal–maisalgunsagentes ligadosaouniversodoDireitoe
da Justiçaprecisamde lerobrascomoestasduas, entreoutras,do JuristaeFilósofo
António Braz Teixeira. São Obras que fazem pensar e abrem caminhos para o agir
prudencial. Só assimpoderão exercermelhor o seumagistério eministério,mesmo
em termos técnicos, ‐ sem tecnicismo positivista ‐ com base numa clarividência e
discernimentosobreoserdoDireto,indagandosobreaJustiçaeaOntologiadaJustiça.
ÉprecisoapostarnumaEducaçãoeliteraciacívico‐jurídica.Ocurrículoescolarenão
escolarpodeajudar.ACidadaniaéumaáreaprópriae transversalao currículomas
talvez fosse útil, desde que não sobrecarregue o currículo, uma disciplina, por
exemplo,deNoçõesElementaresdeDireito.Quemestáadefenderoscidadãos,cada
vezmaisempobrecidos,deumajustiçacadavezmaiscara?Porquerazãoaspessoas
quesereformametêmformaçãoemDireito‐sendojuristas,advogados,oujuízes,ou
funcionáriosdosistemajudicial‐nãofazemvoluntariado,doepeloconhecimento,na
áreadoDireito?OmesmodeveriaacontecercomosprofessoresnaáreadaEducação,
os Médicos e outros profissionais de Saúde fazerem voluntariado nessa área, bem
comooutrosprofissionaisdeoutrasatividades.FalamosnumaSociedadeEducativae
numaSociedadedoConhecimento.Etantoháafazer,paraser,tambémapartirdoque
somos,dequemsomosedoquesabemos,doquefizemoseháafazer.
172
Retomemos,sempreemlancesdemovimento,einterligação,aspetosdaobraSentido
eValordoDireito.IntroduçãoàFilosofiaJurídica.Olivroestáestruturadonosecomos
seguintescapítulos,cujaenunciação,jádenotaumaformulaçãoeumalinguagemque
noscolocanocaminhodoconhecimentodasdiferentestemáticasesub‐temáticas:
‐"AFilosofiacomoProblema
‐OProblemadaFilosofiadoDireito
ParteI
OntologiadoDireito
‐PerspetivasContemporâneasdaOntologiaJurídica
‐OHomemeaCultura
‐ExperiênciaJurídicaeOntologiadoDireito
‐ODireitoeasOutrasOrdensNormativas
ParteII
AxiologiadoDireito
OProblemadoDireitoNatural
AJustiça
Apêndice
AFilosofiadoDireitoPortuguesa
Consideropertinentepôremevidênciaaestruturadaobra,queporsitambémfala,na
enunciaçãodaprópria linguagemena razãoque lheassiste e subsiste.Ao longodo
textojádestacamosaspetosd'"AFilosofiacomoProblema"ecomoéfecundanoutros
domínioseespecialidades.
Aotratard'"OProblemadaFilosofiadoDireito"afirmaAntónioBrazTeixeira:
"(...)aFilosofiadoDireitoéumapartedaFilosofia,éumareflexão filosóficasobreo
DireitoouaconsideraçãodoDireitosobopontodevistafilosófico."(Teixeira,2010,p.
38).
PodemosconsiderarumaCiênciaJurídicaouTeoriaGeraldoDireito,umaMetodologia
daCiênciadoDireitoouumaEpistemologiaJurídica.Masnãopodemosficarporuma
"simplesanálisedalinguagemjurídica"(p.38).
Eadianteacrescenta:
"(...) todosestesmodosdesabersobreoDireitopressupõemsempreumaconceção
filosóficasobreoqueoqueoDireitosejaemsi,aindaquedissosenãodeemcontaou
nãotenhamplenaconsciênciaosjuristasseuscultores,emgeraldominadosporuma
redutoravisãolegalista,positivistaounormativistadoDireito."(Teixeira,2010,p.38).
173
Coisadiferenteéapositividade,aliadaàracionalidade‐àRazão ‐eàVerdade.Éde
sublinhareenalteceravaloraçãodaVerdadenaobrafilosóficaejurídicadeAntónio
Braz Teixeira, com elementos muitíssimo relevantes para a Educação, Cidadania e
CulturaAxiológica, para uma Filosofia da Educação e doDireito.Demarcando‐se do
"positivismojurídico"(p.43),oautorrelevaaontologiaeaaxiologia,bemcomouma
antropologia filosófica, que nos leva a interrogar sobre O que é o Homem?, e esta
questão é tanto mais importante quanto o Direito é uma produção cultural do ser
humano.
AfirmaAntónioBrazTeixeira
"(...) aFilosofiadoDireito,porque filosofia, interroga‐se sobreaessênciadoDireito,
sobreoseuvaloreoseufim,sobreoserdoDireitoouoDireitoenquantoseresobrea
Justiçaqueogarante,bemcomosobreovalorgnoseológicodosaberdoDireitodos
juristas,i.é.,sobreofundamentoevalordaprópriaCiênciaJurídica."(Teixeira,2010,
p.39).
Afilosofiatransposta,falardefilosofiaaplicadaa...,temdeserbementendida.Temos
de conhecer o campo próprio onde a filosofia pode nascer ou renovar‐se noutras
dimensões e perspetivas. Por exemplo, a Filosofia da Educação tanto pode ser
cultivadanocampo,próprio,daEducaçãocomonocampodaFilosofia.Mas,emrigor,
não é a mesma Filosofia da Educação, nem, sequer, a mesma Filosofia, embora
comunicantes.ÉprecisonuncaesqueceradimensãoformativadaFilosofia,ondequer
queelasejacultivada.OquemepareceéqueairrigaçãodaenaEducaçãoalimentaa
própriaFilosofiadaEducação.NarealidadeconstituiumaEducaçãoFilosófica, como
hámuitodefendo.Nestecontexto,citamosoProfessorDoutorJoséRibeiroDias:
“Adespeitodoposicionamentodaquelesquetendemaestabelecerclivagensmaisou
menosprofundasentreEducaçãoeFilosofia (Moore,1974), verifica‐se tambémque,
emmomentoscríticosdahistóriadosgruposhumanos,taiscomoosdapolisgregade
SócratesePlatãoeosdacomunidadehumanadosnossosdias,aspreocupaçõessobre
aeducaçãocomoprocessodedesenvolvimentodohomemprecedemafilosofiacomo
procuradosentidodoser.OquepodefornecerexplicaçãoparaofactodeaFilosofia
daEducaçãosedesenvolvernormalmentenãotantoporiniciativadefilósofosquese
interessamdepoispelaeducação,comoporobradeeducadoresquesentemaseguira
exigência de compreender os processos educativos ao nível da sua fundamentação
(e/ou desfundamentação), razão pela qual ela apresenta o perfil não de Filosofia
“aplicada”àEducação,masdeEducaçãoexplicadapelaFilosofiaemtermosdeprocura
dasuarazãodeser.
174
No limite,poderiaproblematizar‐sea relaçãoEducação‐Filosofiaeoprópriosentido
dadisciplina:emquemedidaaplenarealizaçãodohomem,queconstituioobjetivoda
Educação, não coincide com a vivência filosófica da procura da Sabedoria?” (Dias,
1993,pp:3‐4).
ConstatoqueosEducadoreseProfessoresquesededicamàFilosofiadaEducação,em
investigação e prática, têm uma formação de base em Filosofia (ou História e
Filosofia),procuraramouprocuramessaformação.Tambémporisso,nodomínioda
Educação–edasCiênciasdaEducação,comoinstrumentosdeinvestigação,enãosó–
teriasidomuitoimportante–eé‐quepessoascomFormação,deBase,emFilosofia
(ou em História e Filosofia), em Humanidades – que se querem humanas ‐ não
tivessem abdicado dela para investir noutras áreas sem nelas cultivar conteúdos,
figuras, temas e problemas de contornos filosóficos e filosófico‐educacionais. A
FilosofiadaEducaçãonãosóéumaespecialidade, imensa,daEducação,comoéuma
área que fecunda e interpela todo o campo aberto, e interdisciplinar, da Educação.
Desde logo, a própria Filosofia daEducação é interdisciplinar. Lecionei várias vezes
DesenvolvimentoCurricular,entremuitasoutrasdisciplinas(unidadescurriculares).
Entre outras razões, as sucessivas políticas educativas e curriculares, em cascatas
vertiginosase,muitasvezes,opostas,‐porrazõesnãonecessariamentedeconceções
científicas ‐ têm‐me levado a tematizar e dar crescente relevo a uma Filosofia do
Currículo,quenãoéumaFilosofiaaplicadamasdeoutranascente, cujosujeitosabe
potenciar.
Ora,tambémnasequênciadessaproblemáticasobreFilosofiatranspostaouaplicada
a…,masemautonomiadereflexão,temática,sãodamaiorimportânciaasafirmações
deAntónioBrazTeixeira:
"AFilosofiadoDireito,enquantoreflexãofilosóficasobreDireitoeJustiçanãopodeser
mera transposição, para o campo jurídico, de qualquer sistema filosófico
anteriormente construído ou pensado, não é Filosofia aplicada, mas é sempre ela
própria Filosofia, isto é, reflexão autónoma a partir da interrogação sobre o ser do
Direito e o valor ouprincípio que o garante e fundamenta e é o seu fim." (Teixeira,
2010,p.48).
O autor refere a "Filosofia do Direito dos Filósofos" e a "Filosofia do Direito dos
Juristas". No fundo, está em causa uma reflexão e um conhecimento sobre "A
problemática filosófico‐jurídica" (p.49), para a qual o Doutor António Braz Teixeira
estámuitobempreparadoenaturalmentevocacionado.Trata‐sedeumaverdadeira
175
interdisciplinaridade, comoconhecimento, comocultura.ODireitoé "uma realidade
própriadohomem"e,assim,uma"realidadedomundodoespíritooudacultura"(p.
50).
Fazendonotarque"arealidadeémaisrica,diversaeplural",oautordemarca‐sedo
"positivismo","cientismo"e"materialismo"doséc.XIXerelevauma"novaontologia
pluralista" (p.128), em que o homem é visto na complexidade da vida, da sua vida,
corpórea,psíquica,alma,racionaleespiritual.Ohomemécorpoealma,semdualismo
insuperável.Ohomemécorpo,‐"primeiroelementoindividualizador"(p.129),alma,
espírito,consciência,razão.Afirma:"enquantoserpsíquico,nadaalmaoudapsique,
enquantoserracionalouespiritual,nadoespírito."(Teixeira,2010,p.128).
OEspíritoéLuzeématériadeluz.
AfirmaAntónioBrazTeixeira:"épeloespíritoqueohomeméplenamenteseassume,
realizaeé."(Teixeira,2010,p.129).OEspíritoéser,oespíritoéafisionomiadoser.
Há uma correlação entre Espírito e Liberdade. Afirma: "O espírito caracteriza‐se,
assim,antesdemais,pelasuaradicaleessencial,liberdade,entendidaestanosentido
doconhecimentoedaavaliação,escolhaedecisão."(Teixeira,2010,p.133).OEspírito
é"autoconsciência"(p.134).
Nesta linha, desenvolve‐se a relação dinâmica entre "valores e cultura". (p. 135). O
FilósofoAntónioBrazTeixeiradistingueeinterliga"Indivíduoepessoa".Estaúltimaé
"umacategoriaaxiológica"(p.138).Afirma:
"(...) aopassoqueo indivíduo é apenasagente, apessoa é verdadeiramenteactor e
autor, pois assume em si a liberdade espiritual e forja‐se um destino, respondendo
pelousoquefazdessamesmaliberdadenoconhecimentoenarealizaçãodosvalores,
princípioseideais.
Poroutraspalavras, seo indivíduoédodomínioda subjetividadeeda imanência, a
pessoa define‐se pela objetividade e pela transcendência ou transcensão de si, na
buscaintérminadaverdade,dajustiça,dabelezaedobem",(2010,p,«.138).conclui
BrazTeixeira,remetendooleitorparaMaxScheler.
Na sequência destas reflexões vem a problemática d'"As relações humanas e a
sociedade",ondesedáeaconteceoDireito,também.
AfirmaAntónioBrazTeixeira:
"Desde o início se referiuque, enquanto realidadehumana, oDireito se inscreveno
domínio da cultura e das criações espirituais, apresentando, por isso, uma essencial
dimensãoaxiológica,a referênciaconstitutivae fundanteavalores,princípios, ideias
ouideias.
176
Por outro lado, notou‐se igualmente desde o início que, na sua radicalidade, o
problemadaFilosofiadoDireitoéoproblemadaJustiça,vincando‐se,assim,quesóà
luz e do pensamento sobre ela o Direito e o pensamento sobre o Direito adquirem
pleno sentido, já que ela é o valor, o princípio, a ideia ou o ideal de que o Direito
enquantoserdependeepeloqualeaoserviçodoqualexiste"(Teixeira,2010,p.250).
AJustiçaéoFundamentodoDireito,queaoserdesveladonoslevaànecessidadede
referênciaàprópria Justiça,comoconceitoerealidade,emconcretização,quenunca
seesgotacomoIdeal.ODireitoé"umarealidadeoucriaçãohumanareferidaavalores
e destinada a dar‐lhes efetividade, uma ordem reguladora da conduta social do
homem,visandoordená‐lajustamente",poristoAntónioBrazTeixeira,emrelaçãoao
Direitopôsemdestaque,aolongodolivro:
"por um lado, que lhe era inerente e essencial um sentido, um conteúdo ou uma
dimensãoaxiológicae,poroutro,quea Justiçaeraessevalor,princípioou idealque
constituiarazãodeserouarazãosuficientedoDireito,i.e,queeleexistepararealizar
a Justiça, que ela é o fundamento da sua validade e que, existindo o Direito apenas
enquantoválido,éaJustiçaquefazoDireitoserDireito."(Teixeira,2010,p.251).
OserdoDireitonãoseconfundecomdisposiçõeslegaisavulsasemuitomenoscom
regulamentalismos que podem esconder tiques autocráticos, que devem, pelo
contrário,estarsubordinadosàjustiçadaLeijusta,queatodosobriga.
Importa, sempre, como faz oDoutorAntónioBrazTeixeira, indagar sobreo “serdo
Direito”,nohorizontedaVerdade,daLiberdadeedaJustiça.OAutorrecusaqualquer
formadelegalismos,qualquerpositivismolegalista.Pelocontrário,aLeideveestarao
serviçodahumanidade concreta.A superaçãodopositivismo levaaum “retornoda
FilosofiadoDireito”(Teixeira,2012,pp:353–359).
NoPensamentoenaObradoFilósofoAntónioBrazTeixeira,éderealçaraênfaseque
colocanaVerdade,comoValoressencial.AVerdadeéoSoldaConsciênciaHumana,é
umValor Fundamental, cada vezmais urgente nos nossos tempos e nas sociedades
contemporâneas. Sem relação à Verdade, sem vínculo à Verdade, o Conhecimento
nadaéedenadaserve.Háquesalientar,sempre,oquideoserdoDireitoenestaárea
tão crucial – que é o Direito – a Palavra, em verdade, é essencial. A palavra deve
presidir à lei, é – deve ser – a sua essência. Há uma relação fecunda entre Palavra,
VerdadeeUniversidade,paraquehajaSer,paraquehajaLuz,paraquehaja Justiça.
Para que haja ser noDireito emuito cuidado e respeito na sua aplicação, para que
nadadearbitrárioegraveaconteça.
177
É fundamental que a Universidade – onde quer que seja – constitua e se constitua
comolugardabuscae/re)construçãodoConhecimento,emdiversidadeeunidade,no
horizonte da Verdade. Sem o horizonte da Verdade, da busca da verdade, ‐ em
indagação crítica e integridade ‐, a Universidade perde a sua essência. A Verdade é
condiçãodeafirmaçãodaUniversidade.Torna‐sefundamentalleredaraler,aindae
sempre, entre muitos outros, o livro Fidelidade e Alienação (1977), da autoria do
ProfessorDoutorGustavodeFraga.Nãohácomosuperara crise, as crises, semum
compromisso humano, integral, com a Verdade e com a verdade do Ser. O último
capítulodolivro(capítuloIX),termina,justamente,projetandoapessoa,osujeito,“ao
apelo do ser”, em que “o homem como clareira em que o ser é se abre para uma
ontologia”(Fraga,1977,p.144).
Atravésdeváriosfilósofos,e,acimadetudo,peloseupróprioPensamento,Gustavode
Fraga leva‐nos a pensar a Universidade, a Sociedade, a crise e as crises, a tomar
consciência das crises no nosso tempo – e ao longo do tempo – convocando e
tematizando saberes, na e com a Filosofia, despertando em Educação e para uma
formaçãointegral.Atomadadeconsciênciaésempreummaisemliberdade,comonos
ensinavaoProfessorGustavodeFraga.Aconsciênciaésinaldeliberdade.Eésempre
precisopensarofazer‐sedohomemnotempo,nohorizontedofuturo,quedopassado
deve colher o que é essencial como bem. Cada pessoa, ao formar‐se, está sempre a
transcender‐se. E é preciso nunca esquecer que a Educação é umDireito essencial.
Fazemo‐nos eme pelaEducação.As fontes e os elementos podemser diversosmas
não se equivalem. Por isso, é preciso, sempre, um crivo axiológico. E a crítica, bem
entendida,ésempreumafaculdadedeconhecimento.
Oconhecimento,atravessadopelosvaloreseaxiologia,faz‐nossuperaranósmesmos.
Eapropósitodessasuperação,citamosGustavodeFraga,quandoafirma:
“Ohomemnãosedáfeitocomoumacoisa,asuaessênciaétranscender,é,comosediz
nalinguagemdeHeidegger,emSereTempo,ek‐sistir.Transcender,detransescandere,
éultrapassar:passaralémdesimesmodependedanossaestruturatemporal,segundo
a qual o futuro avança anulando sucessivamente uma projeção antecipatória a
solidificar‐sesucessivamentenumasériedepresençasquesevãotornandopassado.
Sóháfuturoparaumsertemporal.Ek‐sistirexpressaamesmaideiadeserpostopara
alémdesipróprio.”(Fraga,1977,p.62).
NasdisciplinaslecionadaspeloProfessorGustavodeFraga,dequemfuialuno,emtrês
disciplinaseMonitor,pudeapreenderváriosconceitos, temaseproblemasdamaior
178
importânciaparaacompreensãodahistoricidadedohumano–sempreemsuperação
de simesmo ‐, e para uma tematização de uma Filosofia doDireito,mesmo que de
modoimplícito,porexemploapartirdoestudodeHegel,em“TeoriadaHistóriaedo
ConhecimentoHistórico”,enãosó.ODireito,emespecialoDireitoDemocrático,diz
muito da transcendência do humano e da tomada de consciência dos Valores
fundamentaisquetornamapessoamaisPessoa, tambémnasuaexperiênciadeeda
temporalidade. Nesses Valores fundamentais assomam, desde logo, a Verdade, a
Liberdade,aJustiçaeoBem,fundantesdeumaAntropologiaFilosóficaeEducacional.
AHistórianãoélinearmasháumaOntologiaquealimentaessaânsiadeliberdadee
democraciaparaque aspessoas e osEstados sejammais emelhores, paraque seja
possível, sempre mais, haver um desenvolvimento integral, em liberdade de
pensamentoedeexpressão.
PelaObradoDoutorAntónioBrazTeixeiraverifica‐sequehá“oretornodaFilosofia
doDireito”(Teixeira,2010,p.353–359).
Essa reemergência da Filosofia do Direito reafirma a vitalidade e necessidade das
perguntasedasquestõesnoâmbitodoDireitoedaJustiça,tendosempremuitobem
presentequeoserhumano,apessoahumana,tambématravésdassuasinstituições,é
fonte de Direito mas antes é preciso que esse Direito, em Justiça, salvaguarde os
“Direitos, Liberdades e Garantias”. A Dignidade da Pessoa Humana é‐lhe intrínseca,
não carece de reconhecimento jurídico, embora seja fundamental estar consagrada
nas ordenações jurídicas internacionais, que se refletem, também, nos Estados de
DireitoDemocráticoequecondicionamtodososEstados,designadamenteatravésde
organizaçõescomoaONU,entreoutras.
E para a afirmação da Dignidade Humana, das pessoas e dos povos, há que fazer,
sempre, aDefesada Justiça.Perguntar sobreoqueé a Justiça é tambémperscrutar
onde ela existe ou onde (ainda) não existe. Nos próprios Estados de Direito
Democrático, há sempremuitas coisas amelhorar, comoénatural. Eperguntar é já
estar no caminho de construir algo melhor e para melhor. Perguntar faz parte da
essênciadaDemocracia.
TemosumaboaJustiça?umajustiçaquefaça justiça?queseja justa?quedefendaos
mais fracosevulneráveis,assegurando‐lhesdireitosessenciaisparasecumprireme
realizarem,emautonomia,comopessoas,comocidadãosecomoprofissionais?temos
bons legisladores e agentes da justiça? Certamente que há profissionais e
profissionais.NuncasepoderáperderdevistaoBemeoBemComum.
179
NotítulodestetextoháumareferênciaexplícitaàFilosofiadoDireito.AfirmaAntónio
BrazTeixeira:
"oproblemadaFilosofiadoDireitoouoproblemafilosóficodoDireitoéoproblemada
Justiça, já que só ela dá sentido e validade ao Direito, sendo, como tal, o seu
fundamento,asuarazãodeserouarazãodoseuserDireito."(Teixeira,2010,p.251).
Paraoautor,"AproblemáticadaJustiçaé,simultaneamente,ontológica,gnosiológicae
metafísica"(Teixeira,2010,p.251).
Dentro da conceção formalista, que António Braz Teixeira também tematiza,
referenciandoGiorgiodelVecchio(1878‐1970),as"esferasdajustiça"remetempara
a "segurança e bem‐estar social, dinheiro e mercadorias, cargos públicos, família,
escola,poderpolítico."(Teixeira,2010,p.280).
OFilósofoAntónioBrazTeixeiraconsideraquatrograndesproblemasdaJustiça:"(...)
quatrograndesproblemasontológicosdaJustiça:odaessência,odasubsistência,oda
existênciaeodarealidadeouefetividade."(Teixeira,2010,p.290).
Numregistodetraçofenomenológico,afirmaAntónioBrazTeixeira:"aJustiçaéuma
entidadeeidética".(Teixeira,2010,p.290).
A Justiçaexige:sujeitos,pessoas,atosmutuamentereconhecidos,"elementoidealde
autonomiacomoessênciainvioláveldapessoa"(Teixeira,2010,p.276).
NestacompreensãosobreoqueéaJustiça,afirmaoFilósofoAntónioBrazTeixeira:“O
queépróprioda Justiçaé,pelocontrário, tratarcadaumindividualepessoalmente,
emsieporsipróprio,semigualitarismosousemaceçãodepessoas”(Teixeira,2010,
p. 310). Eis uma conceção pensada e vivida, que evidencia um profundo e sábio
humanismo.AJustiçaéumvalor,umideal,quesevairealizandoeconcretizandono
tempo,navidadaspessoas,nassociedades,nosestados,explicite‐se,nosEstadosde
DireitoDemocrático,ondeaessênciaeoserdoDireitovaiassumindoasuaforma.
A Justiça, comoapriori intemporal, singulariza‐see concretiza‐se, semperdero seu
idealuniversal.Tem,pois,vigêncianoDireitomasnuncaseesgotanumdeterminado
Direitopositivoe,muitomenos,positivista.AJustiçatambémestánaracionalidadeda
positividademassupera‐a,sempre,comoRazão,emlancesdehorizontedeserepara
ser.ADemocracia,osvaloreseosideaisdevemrealizar‐senaHistória,semnenhuma
alienação, na Busca da Verdade, da Justiça e da Liberdade. Estará o Ser Humano à
alturadoseuTempo?,àalturadoFuturoHumano?,semprea(re)Construir,paraSer?
Questõesqueabalamaconsciência, individual,coletivaeuniversal. Interpelaçõesno
SerdoDireitoenaFomedeJustiçaparaSermosPessoas.
180
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