CONTRATOS PRIVADOS EXTRATOS

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“....São aproximadamente 2.000 páginas que conferem ao leitor a possibilidade de conhecer, em diferentes perspetivas, matérias de índole contratual, a partir das quais se podem desenvolver as mais diversas indagações, o que permite, a todos aqueles que dela” (obra) “se possam socorrer, um precioso e imprescindível auxiliar. O cariz original deste documento, de forte índole pragmática, é ainda um elemento de realce, já que, com esta abrangência e com este perfil, faltava à nossa literatura jurídica um texto com este alcance. (...), facilmente se percebe que se trata de uma obra com relevante e inusitado interesse para os juristas em geral (e não só dirigida aos magistrados e aos advogados), mas ainda para todos aqueles que se interessam pelo estudo do Direito.”

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Contrato de crédito ao consumo [C]

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pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante” — art. 2.º, n.º 1, a), do citado diploma legal (772).

A noção está, actualmente, contida no art. 4.º, n.º 1, al. c), do DL n.º 133/2009, de 2 de Junho (que revogou o aludido DL 359/91). Cor-responde àquela prevista no anterior DL 351/91.

Sobre o crédito aos consumidores, ver a obra de FERNANDO GRAVATO MORAIS “Crédito aos Consumidores”, Anotação ao Decreto-Lei n.º 133/2009 (2009).

— Ainda, do mesmo autor, ver União de Contratos de Crédito e de Venda paa o Consumo, 2004 (Colecção Teses).

Sobre esta temática, ver: “CRÉDITO AO CONSUMO”; COMPRA E VENDA FINAN-CIADA”; “CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO”; “VENDA FINANCIADA”

CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO

Ver: CRÉDITO AO CONSUMO”; “COMPRA E VENDA FINANCIADA”; “VENDA FINANCIADA”; “CONTRATO DE CRÉDITO”

CONTRATO DE DEPÓSITO

Com a devida vénia, seguiremos de perto os doutos ensinamentos de CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, in Contratos, II, pp. 189 ss.

Contrato de depósito é um contrato através do qual o depositário se obriga a guardar e a restituir uma coisa, móvel ou imóvel, que, para o efeito, lhe tenha sido entregue pelo depositante. Esta definição, baseada no artigo 1185.º do C.C. é neutra quanto à realidade do contrato quod constitutionem (773).

(772) Sobre a matéria do crédito ao consumo, ver, para além do mais, a revista Sub Iudice, n.º 36, Jul.-Set. 2006.

(773) Sobre o contrato de depósito, pode ver-se, v. g., PIRES DE LIMA & ANTUNES VARELA, Código Civil anotado. vol. II, p. 754 ss.; MENEZES LEITÃO, Direito das obrigações, vol. III, Contratos em especial, p. 477 ss.; URÍA, MENÉNDEZ & CORTÈS, El contrato de depósito, Curso de derecho mercantil (org. Uría & Menéndez), II, p. 297 e ss. Em obras gerais, ver, entre outros, LORENZETTI, Tratado de los contratos, III, p. 641 ss.; MALAURIE & AYNÈS, Les contrats spéciaux civils et commerciaux, p. 473 ss.; TERCIER, Les contrats spéciaux, p. 587 e ss.

Sobre a justificação para a idoneidade de imóveis como objecto do contrato de depó-sito, que alguns direitos não prevêem, GALVÃO TELLES, Contratos civis,…, pp. 74 e ss.

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Este tipo contratual pode ser gratuito ou oneroso. Nesta hipótese, que se presume se o depositário exercer profissionalmente tal actividade (artigos 1186.º e 1158.º) ou se o contrato for comercial (Código Comercial, artigo 404.º), per-tence à classe dos contratos de troca (do serviço de depósito por dinheiro). A celebração de contratos de depósito pode ser livre ou necessária, para a observância de um ónus, ou em cumprimento de um dever (774).

Relativamente a contratos de depósito especiais, o Autor que vimos seguindo indica os seguintes:

— Depósito de géneros e mercadorias em armazéns gerais (Código Comercial, artigos 94.º, 408.º e seguintes), que confere ao deposi-tante o direito a receber dois documentos, o conhecimento de depósito e a cautela de penhor (também conhecida como warrant), ambos com a natureza de títulos de crédito à ordem;

— Depósito cerrado (de coisa encerrada em invólucro ou recipiente; artigo 1191.º);

— Depósito administrado de títulos de crédito em papel, incluindo valores mobiliários em papel (Código Comercial, artigo 405.º, Código dos Valores Mobiliários, artigo 343.º, n.º 2), que é um contrato misto de depósito e de mandato, porque o depositário assume também obrigações de cobrança e de exercício de direitos inerentes a valores mobiliários;

— Depósito irregular (artigos 1205.º e 1206.º) de coisas fungíveis corpóreas, que não inclui portanto o chamado depósito bancário de dinheiro nem de valores mobiliários escriturais.

— Uma palavra sobre a (muito frequente) entrega de uma viatura numa oficina de reparações:

Cremos ser pacificamente aceite pela doutrina (775) e pela jurisprudência (776) que entregue uma viatura a uma oficina de reparações, a fim de ali serem repa-

(774) Por exemplo: consignação em depósito (Código Civil, artigos 841.º e seguintes, Código de Processo Civil, artigos 1024.º e seguintes), prestação de caução (Código Civil, artigo 623.º, n.º 1, Código de Processo Civil, artigo 986.º), penhora de imóveis (artigo 839.º) e de móveis (artigo 848.º), arrolamento (artigos 424.º e 426.º, todos do Código de Processo Civil).

(775) PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, II, 1986, 755.(776) V. g. R.P. , 21/06/1974, BMJ, 238.º, 282; R.L., 30/06/1988, BMJ, 378.º, 777;

S.T.J., 17/03/1983, in BMJ, 325.º, 364.

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radas as deficiências que apresentar, aceite o veículo pelo recepcionista da empresa que se compromete a fornecer a mão-de-obra e materiais necessários, estabelece-se entre esta e o proprietário daquele um contrato misto de emprei-tada e depósito.

Nos contratos mistos deve observar-se o regime próprio de cada um dos negócios jurídicos que naquele se consubstanciam. E só em caso de conflito é que deve prevalecer o regime correspondente ao fim principal — n.os 1 e 3 do art. 1028.ºº do Código Civil.

As obrigações do depositário são as de guardar a coisa e não usar dela sem o consentimento do dono (arts. 1187.º, n.º 1, e 1189.º CC), o que é compatível com o regime do contrato de empreitada, designadamente o de executar a obra segundo o convencionado (art. 1208.º CC).

No caso de o veículo ser furtado, da oficina, por terceiro, o depositá-rio será responsabilizado civilmente se não provar que, na guarda daquele, usou das cautelas, zelo e diligências normais para obstar a tal evento, nos termos do artigo 798.º CC.

— Sobre o “DEPÓSITO BANCÁRIO” — maxime a sua noção —, escreve, desenvolvida e doutamente, PAULA PONCHES CAMANHO, em “Do Contrato de Depósito Bancário”, Almedina, pp. 69 ss., de onde, com a devida vénia, extraimos alguns excertos.

Diz esta autora:

«Em sentido amplo, depósito bancário é o contrato pelo qual uma pessoa (depositante) entrega a um banco (depositário) uma soma de dinheiro ou bens móveis de valor, para que este os guarde e restitua quando o depositante o solicitar (777).

(777) “Noção fornecida por JUGLART e IPPOLITO, ob. cit., pp. 151 e 152, e por Dupouy, ob. cit., p. 331. COLAGROSSO afirma que “o depósito bancário constitui um instituto amplo, idóneo a abarcar todos os negócios que impliquem a entrega de valores a um banco, a qualquer título, excluindo os meramente gratuitos", ob. cit., pp. 200 e 201 e Deposito bancario, in Nuovo Digesto Italiano, 4.º, p. 761. Neste sentido, LA LUMIA, Depositi bancari, Torino, 1913, p. 1, onde distingue ainda, dentro da noção ampla de depósito bancário, e adoptando como critério a concessão ou uso da coisa depositada, os depósitos pecuniários (depositi pecuniari ad uso): "depósitos que implicam a transferência da propriedade do objecto, em regra dinheiro, para o banco"; e os "depósito de custódia" (depositi a custodia): "depósitos em que a propriedade se mantém no depositante".

Estes subdividem-se em depósitos fechados (chiusi): "quando o depositante apresenta a coisa, que entrega em custódia, ao banco, dentro de um embrulho selado"; e abertos (aperti): "quando a

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Esta noção de depósito bancário compreende qualquer entrega de valores a um banco (778), nela cabendo operações com fisionomia muito diversa (779). "Assim, além das várias modalidades de depósito de

coisa entregue, por diversos títulos, entra no imediato poder do banco, que dela entrega recibo, indicando-se especificamente a natureza, a quantidade e o valor", ob. cit., p. 3. No mesmo sentido, URIA, ob. cit., pp. 766 a 769, e JIMÉNEZ SÁNCHEZ, Derecho mercantil … cit., pp. 898 e 899.

Utilizamos aqui a terminologia depositante e depositário, sem que, com isto, queiramos qualificar o contrato em causa. Aliás, a noção de depósito bancário em sentido amplo abrange vários contratos cuja natureza jurídica é muito diversa, pelo que a utilização de tais expres-sões se deve unicamente a uma maior facilidade de compreensão da noção. Ver infra 17.2., 18.2. e 25. Neste sentido, SARACENO, Le operazioni … cit., p. 106, e CHAPOUTOT que afirma que "sob o mesmo termo genérico de 'depósitos', a prática bancária engloba contratos que somente têm relações muito longínquas entre si", ob. cit., p. 3, e COLAGROSSO afirma que "na linguagem comum e na técnica bancária sob a denominação depósito bancário aparecem configuradas operações que, estruturalmente, não reentram no modelo do contrato de depó-sito (como é o caso dos depósitos a prazo); e estão ainda compreendidas outras operações que não exigem a presença de um banco, podendo ser realizadas por qualquer outro sujeito (como é o caso dos depósitos de custódia)", Diritto Bancario …, cit., p. 200.”.

(778) “A expressão `depósito bancário` é utilizada numa acepção mais compreensiva do que aquela que corresponde à prática bancária e à terminologia corrente, de forma a compreender, não somente os depósitos bancários em sentido estrito, ou seja, a operação essencial pela qual o banco capta os capitais com os quais desenvolve a sua função credití-cia, mas também os depósitos de custódia, ou seja, as operações acessórias que consistem na prestação de um serviço bancário e no âmbito das quais o depósito de títulos em admi-nistração está enquadrado com características próprias", FERRI, Deposito bancario, in Enci-clopedia del Diritto, vol. XII, Giuffrè Editore, p. 278. A noção ampla de depósito bancário é igualmente tomada em consideração pelo legislador italiano pois o Codice Civile contém, na mesma secção, a que denomina "Dos depósitos bancários" ("Dei depositi bancari") o regime de duas categoria de operações: "a) o depósito de dinheiro (arts. 1834-1837); b) o depósito de títulos em administração (art. 1838)", cfr. CAMPOBASSO, I depositi bancari, BBTC, 1988, Parte Prima, p. 163, e MOLLE, I contratti … cit., p. 101.”

(779) “LORDI afirma que "não é rigorosamente científica a unificação num só grupo, destas espécies de depósitos muito diferentes entre si". Mas afirma que nestas várias espé-cies de depósitos é possível encontrar, num critério um tanto grosseiro, um elemento comum, uma vez que, vulgarmente, quem entrega valores num banco, "pensa em confiar-lhes em depósito". Para LORDI, “o elemento comum pode encontrar-se com grande aproximação na segurança que a clientela deve encontrar no banco. Segurança, digamos, moral, quando lhe confia dinheiro; segurança na probidade dos seus administradores e funcionários, quando lhes confia títulos em administração, absoluta e rigorosamente intangíveis; segurança na solidez material das paredes e blindagens da sua instalação, quando o cliente lhe reclame um compartimento nos cofres-fortes (…)", ob. cit., pp. 381 e 382.”

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dinheiro, ela designa ainda aqueles depósitos em que os interessados põem à guarda das instituições bancárias determinados bens (títulos ou valores de diferente natureza) que com o dinheiro se não identificam" (780).

Deste modo, a expressão depósito bancário, tomada em sentido amplo, abarca, não somente o depósito de numerário mas, e uma vez que engloba a entrega de quaisquer valores ao banco, abrangerá ainda o depósito de títulos, o depósito de valores feito em cofres-fortes (781) e os denominados depósitos cerrados (782).

(780) “Vasco LOBO XAVIER. e Ma Ângela COELHO, ob. cit., p. 291”.(781) “Neste sentido CHAPOUTOT, ob. cit., pp. 3 e 4, CABRILLAC e RIVES-LANGE, ob. cit.,

p. 2, BOIX SERRANO, Curso de Derecho Bancario, Madrid [1987], p. 159, e Deposito ban-caria, in Dizionario di Banca e di Borsa … cit., p. 518.

É claro que também os títulos e o próprio dinheiro constituem valores que podem ser depositados num cofre e, assim sendo, ficam sujeitos ao regime jurídico do contrato de locação de cofre-forte. (…).

Para LA LUMIA, o contrato de locação de cofre-forte não é abrangido pela noção de depósito bancário, pois falta o elemento entrega de um valor ao banco, cfr. ob. cit., pp. 3 e 4. Não podemos concordar com o Autor, uma vez que, sendo certo que o bem que é guar-dado no cofre não é materialmente entregue ao banco para este ali o colocar, sendo antes o próprio cliente que o coloca no cofre, neste contrato continua a estar presente o elemento custódia que caracteriza os depósitos bancários”.

(782) “Dada a escassa (ou quase nula) importância que hoje em dia revestem limi-tar-nos-emos a uma breve referência a estes. Os depósitos cerrados (ou fechados) tiveram uma ampla difusão no passado e, dado implicarem a entrega de valores a um banco, podemos considerá-los como depósitos bancários. Aqueles depósitos viram a sua importância ser redu-zida, ou mesmo eliminada, em virtude da existência, e cada vez maior implantação, do serviço de cofre-forte que os bancos prestam actualmente e cuja utilização é preferida pelos clientes (cfr. URÍA, ob. cit., p. 769, FERRARA JÚNIOR, ob. cit., p. 352, e JIMÉNEZ SÁNCHEZ, Lecciones … cit., p. 397, e Derecho mercantil … cit., p. 904). Nos depósitos cerrados, o cliente entrega ao banco embrulhos, caixas ou envelopes fechados, selados ou lacrados, onde guarda dinheiro, objectos preciosos, títulos ou outros valores e que o banco se obriga a guardar, sem os abrir, mediante o pagamento de uma contrapartida, devendo restituí-los logo que tal for solicitado pelo depositante (cfr. CUNHA GONÇALVES, ob. cit., p. 384, MOLLE, Manuale … cit., p. 191, 1 contratti …, cit., pp. 781 e 782, e PUELMA ACCORSI, Estudio jurídico sobre operaciones bancarias, Santiago do Chile, 1971, p. 72). Este contrato constitui um verdadeiro depósito regular, pois o banco é obrigado a garantir a conservação intacta do objecto depositado e a devolver aquele embrulho ou envelope, sendo a obrigação essencial assumida pelo banco a de vigilância e "a consequente obrigação de restituição das caixas ou envelopes depositados na forma e condições recebidas" (JIMÉNEZ SÁNCHEZ, ob. cit., IOC. Cit., MESSINEO, Manuale di Diretto Civile e Commerciale, vol. quinto, Milano, 1972, p. 152, COLAGROSSO, Deposito ban-cario cit., p. 767, COLTRO CAMPI, I contratti bancari nella giurisprudenza, Padova, 1917, p. 316, e PUELMA ACCORSI, ob. cit. e loc. cit.). FERRI afirma que nestes o banco "responde

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Em sentido estrito, a expressão depósito bancário abrange somente a entrega de numerário (783).»

E conclui a autora: «Não sendo um contrato recente, o depósito ban-cário continua a ter uma importância inegável. De facto, nem os particu-lares, nem os comerciantes, querem conservar grandes somas de numerário, objectos de valor ou títulos, com receio de furto. Deste modo, recorrem ao depósito bancário, beneficiando, simultaneamente, de um conjunto de ser-viços que a instituição bancária lhes pode proporcionar».

E sobre a natureza jurídica deste contrato, observa — e bem — que as posições têm sido as mais variadas, dividindo-se, essencialmente, nas que ali discrimina (784) (785).

somente pela integridade exterior do depósito (isto é, pela integridade do invólucro e do lacre aplicado no invólucro), sem qualquer atenção ao conteúdo e à sua conservação", ob. cit., pp. 283 e 284. Neste sentido, FERRARA JUNIOR, ob. cit. loc. cit. (onde afirma ainda que o banco libera-se da sua obrigação com a entrega intacta daquele) e CUNHA GONÇALVES, Tratado de Direito Civil, vol. VIII, Coimbra, 1934, pp. 29 e 30.”.

(783) “A este propósito, afirma FERREIRA DE CARVALHO que "em técnica bancária o termo depósito pode ter dois sentidos. Assim, no sentido mais amplo, é toda a entrega de valores para guardar que o cliente de um Banco lhe faz. No sentido restrito, entende-se por depósito somente a entrega de numerário", Prontuário do Bancário, Enciclopédia Comercial/Bancária, 5.ª ed., Livraria Narciso, Castelo Branco, 1992, p. 395. No mesmo sentido efr. Deposito bancari, in Dizionari di banca e di borsa … cit., p. 518 e GIORGIANNI, Depositi bancari anomali a vantaggio di un terzo, Riv. Dir. Comm., 1970, I, p. 12. Em sentido diferente, COPPA-ZUCCARI entende que a expressão depósito bancário abrange somente aquilo que consideramos depósito bancário em sentido estrito (depósito de disponibilidades monetárias), cfr. La natura giuridica del deposito bancario, in Archivio Giuridico "Filippo Serafini", vol. IX, Modena, 1902, pp. 442 a 445.”

(784) Ob. cit., pp. 76 e ss.(785) Por se nos afigurar de toda a utilidade — uma vez que, no fundo, traduz a síntese

do estudo que a obra encerra —, com a devida vénia, aqui fica a “CONCLUSÃO” final deixada por PAULA P. CAMANHO, a fls. 249 da supra apontada obra:

«O contrato de depósito bancário em sentido estrito, ou contrato de depósito de disponibilidades monetárias, constitui uma operação bancária (passiva) pela qual as instituições bancárias obtêm a maior parte do financiamento necessário para utilizar nas suas operações activas. Os depósitos bancários constituem, desta forma, a princi-pal fonte de financiamento dos bancos.

Através deste contrato, o banco adquire a propriedade das quantias deposi-tadas, quantias que ele procura obter junto dos seus clientes (v. g. através de campanhas

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publicitárias ou de prestação de serviços bancários a potenciais clientes), ficando obrigado à devolução do tantundem, bem como, na maior parte dos casos, ao pagamento de um juro ao cliente. Este, por seu turno, tem o direito de exigir ao banco a entrega das quantias depositadas, e esta ocorrerá a simples solicitação do depositante — depósito à ordem — ou no final do prazo acordado — depósito a prazo.

Na nossa opinião, este contrato reveste a natureza jurídica de um verdadeiro mútuo.Tal como sucede no mútuo, a propriedade da quantia entregue transfere-se para o

banco (mutuário), podendo este livremente utilizá-la. Por outro lado, neste contrato, assim como no mútuo, há um interesse do banco (mutuário) na obtenção de fundos necessários ao financiamento das suas operações de crédito, pelo que é frequente o recurso a meios publicitários no sentido de "angariar" novos clientes (potenciais depositantes), não se podendo afirmar que o interesse prevalecente no contrato seja o do cliente.

O motivo que leva o cliente a depositar uma quantia no banco é, não só obter a segurança do seu dinheiro (objectivo visado num genuíno contrato de depósito), mas, também, investir essa quantia, tal como o mutuante num contrato de mútuo oneroso, uma vez que receberá um juro (sendo este mais elevado nos depósitos a prazo), e bene-ficiar de um conjunto de serviços acessórios que o banco lhe pode proporcionar.

Por outro lado, a fixação de um prazo ao contrato de depósito bancário afasta-o do depósito irregular, pois neste, mesmo que seja fixado um termo ao contrato, o depositante pode, a todo o momento, obrigar o depositário à restituição da quantia. Ora, tal não acontece no depósito bancário, uma vez que, neste, o prazo é também estabelecido no interesse do depositário (banco). Deste modo, a fixação de um prazo ao contrato de depósito bancário, e a consequente impossibilidade de o depositante poder exigir a devolução da quantia a simples solicitação, aproximam igualmente este contrato do mútuo.

Além do mais, se há lugar ao pagamento de juros, isto implica que se considere que o interesse predominante no contrato é o do accipiens e, como tal, o contrato deva ser considerado um mútuo. Na verdade, num contrato de depósito, se houver lugar a alguma atribuição patrimonial, esta é feita pelo depositante ao depositário, uma vez que o contrato é realizado no interesse daquele. Acontece exactamente o inverso no contrato de depósito bancário.

Finalmente, o facto de nos depósitos à ordem o cliente (mutuante) poder exigir a restituição imediata da quantia entregue não é impeditivo da qualificação por nós defendida. Na verdade, os n.os 1 e 2 do artigo 1148.º do Código Civil revestem natu-reza supletiva, podendo as partes, fixando o momento do vencimento da obrigação de restituição, e retomando o número 1 do artigo 777.º do Código Civil, convencionar a restituição imediata da quantia mutuada a pedido do mutuante sendo que, nestes casos, o preceituado nas alíneas daquele artigo não terá aplicação.

Entendemos que a fixação de um prazo não é um elemento essencial do contrato de mútuo, sendo possível a estipulação de uma cláusula de restituição à vista, sem desvirtuar tal contrato.

Assim, consideramos que, muito embora a lei portuguesa não contenha os ele-mentos definidores do tipo depósito bancário, este contrato, moldado na prática ban-

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cária e, porventura, com especificidades que resultam da sua inserção numa instituição bancária, corresponde a um tipo legal: o mútuo (art. 1142.º do Código Civil).

A função económico-social dos dois contratos é a mesma. Além disso, o contrato de depósito bancário contém a causa legal do tipo mútuo, sendo certo que as cláusu-las especiais que, eventualmente, nele sejam inseridas, não destroem essa causa.

Daí a conclusão de que o contrato de depósito bancário é um verdadeiro mútuo.Relativamente à questão da compensação de créditos que o banco detenha sobre

o cliente/depositante com o crédito deste decorrente de um depósito naquele banco, a resposta, como vimos, não pode ser única. Assim, toma-se necessário, em primeiro lugar, distinguir o tipo de depósito em causa e, igualmente, a proveniência do crédito.

Tratando-se de um depósito a prazo, o banco só poderá operar a compensação no fim do prazo do contrato e, obviamente, desde que os requisitos legais da compen-sação estejam preenchidos.

No que respeita aos depósitos à ordem, nada obsta a que o banco declare a compensação, nos casos em que tenha um crédito sobre o cliente decorrente de um empréstimo por este contraído junto daquela instituição de crédito ou de um serviço por esta prestado, mas que não foi pago pelo cliente.

Caso se trate de um crédito decorrente de outra conta de que o cliente seja titu-lar naquela instituição, mas com saldo negativo, é necessário averiguar se tal situação corresponde a uma concessão de crédito do banco ao cliente, a solicitação, expressa ou tácita, deste, parecendo-nos que a compensação apenas será de admitir nestes casos.

A existência de uma pluralidade de titulares da conta, e o facto de esta titularidade ser solidária, dificulta a análise da questão, tornando-se necessário articular o regime da compensação com o da solidariedade activa.

Entendemos que o banco não pode, por sua iniciativa, operar a compensação a um dos seus concredores (que seja, simultaneamente, seu devedor) se o reembolso do depó-sito não for solicitado por qualquer dos depositantes. Isto porque, ao contrário do que estabelece o artigo 528.º, n.º 1, do Código Civil, não pode o banco escolher o depositante a quem pretende satisfazer a prestação. Na verdade, se tal faculdade de escolha é vedada ao banco, também não poderá esta instituição, por sua iniciativa, declarar extinto o seu crédito por compensação com o crédito ex deposito cuja titularidade é, não somente do seu credor, mas igualmente dos demais contitulares. Tal equivaleria à escolha, por parte do banco, do credor solidário a quem satisfazer a prestação, o que, como se procurou demonstrar, não é possível no caso de depósitos bancários solidários.

Se o reembolso do depósito for solicitado por um dos concredores, parece-nos que a solução mais correcta é a de admitir tal possibilidade, caso o contitular do depósito que solicita a entrega seja, também ele, o devedor do banco cujo crédito este pretenda compensar.

Na hipótese de o devedor ser outro dos contitulares do depósito, afigura-se-nos que, neste caso, o banco não poderá proceder à compensação de créditos. A justifica-ção encontra-se no facto de, não se permitindo ao banco a escolha do contitular do depósito a quem satisfazer a prestação, também não poderá operar a compensação com o crédito de um dos contitulares, diverso daquele que solicita a devolução das quantias depositadas. Na verdade, subjacente à possibilidade de compensação está a faculdade,

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Sobre depósito bancário, ver, ainda:MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, 1998, Almedina, pp. 467

ss. (onde, depois de falar do depósito comum, aborda, designadamente, o depó-sito irregular, o depósito mercantil e depósito bancário e as modalidades — con-tas poupança-habitação; contas pupança reformados; contas emigrantes, …—, bem assim o “regime e natureza” do depósito bancário, etc., etc.). Tudo da forma brilhante, como é apanágio deste Professor.

Sobre o regime e natureza do depósito bancário, escreve, douta-mente, MENEZES CORDEIRO (786):

«I. O depósito bancário em sentido próprio é um depósito em dinheiro, constituído junto de um banqueiro, como se viu. Trata-se duma operação que surge sempre associada a uma abertura de conta, de tal modo que, em regra, o banqueiro já deu o seu assentimento genérico: ele mais não pode fazer do que aceitar as diversas manifes-tações da sua concretização.

Tratando-se de depósitos à ordem, podemos falar numa única convenção de depósito, anexa à abertura de conta e que obriga o ban-queiro o receber, levando à conta, as diversas remessas feitas a título de dinheiro depositado.

A partir daí, aplicam-se as regras próprias estipuladas, especifica-mente ou por adesão, a propósito da abertura de conta.

II. A forma dos depósitos bancários está, por vezes, condicio-nada, por cláusulas contratuais gerais, ao preenchimento de impres-

reconhecida ao devedor, de escolher o credor solidário a quem satisfazer a prestação. Ora, tal faculdade é retirada ao banco. Daí a impossibilidade de este opor a compen-sação ao contitular que solicita a entrega das quantias, do crédito deste, com o crédito que o banco tem sobre um dos outros contitulares.

Tratando-se de uma titularidade conjunta, a hipótese de compensação está total-mente excluída, uma vez que, nestes casos, não poderia nunca um dos contitulares exigir, por si só, a entrega das quantias depositadas, somente podendo fazê-lo com o concurso dos demais. Não se verifica, deste modo, o requisito da reciprocidade de créditos, indispensável à compensação.»

Os negritos são da nossa autoria.Obviamente, a bibliografia para onde se remete nesta nota vem explicitada na relação

bibliográfica inserida no fim da obra(786) Ob. cit., pp. 478-480.

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sos ou à actuação de esquemas informáticos. Trata-se de exigências de normalização; de todo o modo, cumpre distinguir entre a forma dos actos e a prova de que a tal forma foi seguida. Nos termos gerais, a forma em causa é ad substantiam e não ad probationem. Observada a forma, o acto é válido; a sua prova subsequente pode ser feita por qualquer via admitida em Direito.

O produto dos depósitos e o desconto dos créditos do banqueiro, nos termos que vimos animarem a conta corrente bancária, permitem apurar o saldo. O saldo da conta funciona como um bem patrimonial, susceptível de diversas operações, já referidas ou a referir.

III. O depósito bancário à ordem tem sido considerado, entre nós, na doutrina e, sobretudo, na jurisprudência, como um depósito irregular (787). O banqueiro adquire, assim, a titularidade do dinheiro que lhe é entregue, sendo o cliente um simples credor. A pedra de toque está na disponibilidade permanente do saldo.

O risco do que possa suceder na conta do cliente, quando não haja culpa deste, cabe ao banqueiro: assim foi decidido num caso em que se provou ter sido efectivado determinado depósito nocturno, por certo valor, sem que, depois, na conferência, surgisse toda a impor-tância depositada: o risco corria pelo banqueiro, proprietário das impor-tânciás (788); também pelo banqueiro corre o risco do surgimento de cheques falsificados, com a assinatura muito semelhante à autên-tica (789).

Já os depósitos a prazo — os depósitos de poupança — distin-guir-se-iam, na sua natureza, dos depósitos a prazo: teriam a natureza

(787) STJ 8-Out.-1991 (MARTINS DA FONSECA), BMJ 410 (1991), 805-816 (813), STJ 9-Fev.-1995 (COSTA SOARES), CJ / Supremo III (1995) 1, 75-77 (76/2) e RLx 27-Jan.-1995 (CABANAS BENTO), CJ XX (1995) 3, 136-137 (136/2), para citar apenas alguns exemplos mais recentes. Para um breve apanhado do tema noutros ordenamentos, cf. PAULO GALLO, Deposito bancario in diritto comparato, DDP / SComm IV (1990), 261-263. A hipótese do depósito irregular é particularmente retida em Itália — cf. LINO GUGLIOLMUCCI, Deposito bancario cit., 256 —, com clara influência entre nós.

(788) RCb 21-Mai.-1996 (NUNO CAMEIRA), CJ XXI (1996) 3, 16-20 (19/2).(789) STJ 21-Mai.-1996 (MIGUEL MONTENEGRO), CJ / Supremo IV (1996) 2, 82-83 (83).

Trata-se duma orientação tradicional, no Direito bancário: recordamos BGH 13-Dez.-1967, DB 1968, 303-304 (303) e OLG Koblenz 9-Dez.-1983, WM 1984, 206-209; em França e na mesma linha, cf. as indicações de LAMY, Droit du financement cit., n.º 2051.

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Contrato de depósito [C]

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de mútuos e não de depósitos irregulares (790). Na verdade, aí já falta a ideia de restituição / disponibilidade.

IV. Todas estas considerações sobre o depósito bancário e a sua natureza são úteis, uma vez que lançam luz sobre diversas das suas facetas. No entanto, elas não devem fazer esquecer que o depósito bancário é um claro tipo contratual social, perfeitamente determi-nado por cláusulas contratuais gerais e pelos usos e que não cor-responde, precisamente, a nenhuma figura pré-existente.

Apesar da argúcia das análises que a sustentam, repugna cindir dogmaticamente a categoria dos depósitos bancários. É certo que os depósitos a prazo não estão totalmente disponíveis; qualquer banco admite, porém, a sua mobilização antecipada ou o seu resgate, ainda que com perda de juros para o cliente. Pois bem: nessa ocasião, um mútuo transformar-se-ia em depósito irregular?! Além disso, as regras específicas que tutelam o mutuário não operam em prol do banqueiro. Os bancos também podem contrair empréstimos: não o fazem, porém, sob a forma de depósitos a prazo. Finalmente: o sentir social, impor-tante para moldar tipos sociais e, ainda, figuras assentes nos usos, não trata o cliente que constitui um depósito a prazo como um mutuante: é um depositante, ainda que especial.

Mantemos, pois, o depósito bancário como figura unitária, típica, autónoma e próxima, historicamente, do depósito irregular.» — conclui o Ilustre Autor (os negritos são da nossa autoria).

Ver: “CONTRATO DE DEPÓSITO IRREGULAR”; “CONTRATO DE DEPÓSITO CERRADO”; “DEPÓSITO À ORDEM (DO)”; “DEPÓSITO A PRAZO”; “DEPÓ-SITO BANCÁRIO”; “DEPÓSITO CONJUNTO”; “DEPÓSITO IRREGULAR”; “DEPÓSITO PLURAL”; “DEPÓSITO SINGULAR”; “DEPÓSITO SOLIDÁRIO”; “DEPÓSITOS CERRADOS”; “DEPÓSITOS COM PRÉ-AVISO”; “DEPÓSITOS DE CONTA-CORRENTE”; “DEPÓSITOS DE POUPANÇA”

Alguma juridprudência relevante:— Depósito bancário conjunto-Col. Jur. 80-IV-183.— Subtracção por terceiros da coisa depositada — Col. 86-I-87.

(790) Cf. UWE HÜFFER, Münch-Komm 3/2, 2.ª ed., cit., 367. Entre nós, é esta, também, a orientação de CARLOS BARATA, Depósito bancário cit., maxime 283, com múltiplas indicações.

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[C] Contratos Privados

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CONVERSÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO

Na conversão dos negócios jurídicos em causa está saber se, declarado nulo ou anulado totalmente um negócio, este não produzirá quaisquer efei-tos negociais ou se, dados certos requisitos, não poderá reconstituir-se, com os materiais do negócio totalmente inválido, um outro negócio, cujo resul-tado final económico-juridico, embora mais precário, se aproxime do tido em vista pelas partes com a celebração do contrato totalmente inválido (1181).

Nas palavras de MÁRIO DE BRITO (1182), é o problema de saber se, decla-rado nulo ou anulado totalmente um negócio — que tem que ser totalmente nulo ou anulável — se poderá com os materiais desse negócio recompor-se um outro que haja de valer.

O acto ou negócio jurídico não se mantém, dá lugar a outro, isto é, o acto inicial, querido pelas partes, desaparece por ser nulo, substituindo-se por outro cuja finalidade seja, na medida do possível, a do inicial ou desaparecido (1183).

Ver: “NEGÓCIO JURÍDICO”

Jurisprudência relevante (1184)

Supremo Tribunal de Justiça, Secção Cível, Acórdão de 25 Nov. 2003, Processo 3583/03 (Ref. 6015/2003)

CONTRATO-PROMESSA. Falta de assinatura da promitente compradora. Nulidade do contrato. Conversão. Promessa unilateral de venda. Execução espe-cífica. — I — O Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 1989, presentemente com o valor de acórdão uniformizador de jurisprudência, consagra a tese da nulidade total do contrato-promessa de compra e venda, sem

(1181) MOTA PINTO, Teor. Ger. Dir. Civil, 4.ª ed., reimpressão 1980, 485. (1182) C. C Anot., 1.º 370.(1183) P. LIMA, J.R., 14.º-197(1184) Ver, ainda:

— Contrato-promessa assinado por um dos contraentes (averiguação da intenção do subscritor) — Col. 78-1439;

— Acção de preferência — Col. 81-I-49;— Compra e venda — Col. 81-I-49 e 152;— Bol. 292-352 e 296-298;— RLJ 124.º-91;— Col. Jur. STJ, 1997-II-89.

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Conversão do negócio jurídico [C]

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prejuízo da sua conversão em promessa unilateral, nos termos gerais do art. 293.º do Código Civil. II — Os pressupostos da conversão assentam na constatação de um negócio jurídico ferido de vícios que ponham em causa a sua eficácia e que, no caso, é a nulidade formal, por falta de assinatura da promitente vendedora. III — Os requisitos da conversão são objectivos e subjectivos, traduzindo-se os pri-meiros na substância e na forma e repousando os segundos na vontade hipotética das partes. IV — O tribunal não pode conhecer oficiosamente da conversão. V — É válida a promessa de venda de bem próprio assinada apenas pela promitente vendedora, sem intervenção do marido, com quem era casada no regime da comu-nhão de adquiridos. VI — É possível a execução específica, por a promitente vendedora se ter recusado a cumprir e, entretanto, se ter divorciado do marido.

Tribunal da Relação do Porto, Secção Cível, Acórdão de 21 Fev. 2002, Processo 120/2002 (Ref. 1045/2002)

SIMULAÇÃO. Simulação relativa. Conversão do negócio jurídico. Validade do acto dissimulado. — I — Um dos requisitos da conversão do negócio jurídico cifra-se na vontade hipotética. Se é alegada, como diferente da declarada, a vontade efectiva, fica afastada a figura, abrindo-se antes caminho à simulação relativa. II — Sendo um negócio válido, em abstracto, se celebrado por docu-mento particular, esse mesmo negócio, enquanto dissimulado, só será válido, se, relativamente a ele, for elaborado documento. III — Faltando este, não importa que, relativamente ao simulado, tenha sido elaborado documento de qualquer natureza.

Supremo Tribunal de Justiça, Secção Cível, Acórdão de 18 Mai. 2004, Processo 73/04 (Ref. 8295/2004)

COMPROPRIEDADE. Venda por um só dos comproprietários. Ineficácia em relação aos consortes que não consentiram. Redução do negócio. Usucapião. — I — A venda, por um só dos comproprietários, da totalidade da coisa comum é nula nas relações entre vendedores e compradores, mas ineficaz em relação aos con-sortes que nela não consentiram. II — Os quais, inoponível que lhes é a venda, podem por isso comportar-se como se ela não existisse: por exemplo, reivindicando do terceiro adquirente a coisa comum. III — Num caso destes, a conversão do negócio e a redução da venda da totalidade à venda da quota parte de que o ven-dedor podia dispor depende de se poder concluir que, tendo em conta o fim pros-seguido pelas partes, seja de concluir que, caso elas tivessem previsto a ineficácia, teriam querido a compra e venda só da quota (vontade hipotética). IV — Se esta vontade hipotética não foi alegada, não pode operar-se a conversão e a redução do negócio. V — Mas, se o prédio assim vendido na totalidade por um só com-proprietário, tem estado na posse do comprador, nas condições e pelo período necessário para a usucapião, a propriedade dele acabou por ser por ele origina-riamente adquirida, por usucapião.

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Supremo Tribunal de Justiça, Secção Cível, Acórdão de 16 Dez. 1999, Processo 989/99 (Ref. 10316/1999)

CONTRATO-PROMESSA. Redução. Conversão. Sinal. — I — Na redu-ção do negócio jurídico parcialmente nulo há uma alteração meramente quantitativa, e não qualitativa, do negócio, que subsiste, embora amputado de uma sua parte. II — O art. 292.º do CC contém uma presunção favorável à redução, que só não ocorre se provar uma vontade conjectural que lhe seja contrária. III — Sendo nulo por falta de assinatura de um dos promitentes um contrato-promessa bilateral de compra e venda, a sua transformação de bilateral em unilateral, destruindo o equilíbrio contratual criador da recipro-cidade de obrigações, envolve uma alteração qualitativa, e não meramente quantitativa, do contrato, susceptível de ser obtida pelo mecanismo da con-versão do negócio jurídico. IV — A conversão do negócio jurídico é uma revaloração dada pela ordem jurídica a um comportamento negocial das par-tes que não tem efeitos jurídicos, mediante a atribuição de uma eficácia suce-dânea realizadora do fim visado pelo tipo negocial em vista, com atenção à vontade conjectural daquelas, corrigida, positiva ou negativamente, pela boa fé. V — O tribunal não pode conhecer oficiosamente da conversão do negócio jurídico nulo, a qual, estando na disponibilidade das partes, tem que ser requerida. VI — A presunção de que tem carácter de sinal a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor não vale para a promessa unilateral de venda obtida por conversão daquele contrato-promessa bilateral, em caso de nulidade deste.

Supremo Tribunal de Justiça, Secção Cível, Acórdão de 27 Jan. 2010, Processo 4221/06.4TBALM.S1 (Ref. 219/2010)

CONVERSÃO DO NEGÓCIO. Requisitos de forma e de substância. Não conhecimento oficioso da conversão. Princípio da preclusão. Caso julgado. — I — A conversão de um negócio nulo ou anulado em negócio válido, está depen-dente não só da verificação no negócio inválido dos requisitos de forma e de substância necessários para a validação do negócio sucedâneo, como também da alegação de factos que permitam ao julgador concluir pela verificação da vontade hipotética das partes. II — A alegação de tal factualidade tem de ocorrer na própria acção onde o julgador, perante a inevitável declaração da nulidade do negócio, poderá concluir que as partes quiseram firmar um outro negócio, decre-tando, se for caso disso, a competente conversão. III — Não tendo sido alegada tal factualidade e não tendo sido requerida a conversão — a qual não é do conhe-cimento oficioso do tribunal —, opera o princípio da preclusão. IV — Assim, tendo sido proferida decisão, com trânsito em julgado, a declarar nulo o contrato-pro-messa celebrado pelos aqui autor e réus, não pode agora o autor pretender, em nova acção, que se declare a conversão do negócio, alegando factualidade que deveria ter vertido na acção.

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Conversão do negócio jurídico [C]

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Tribunal da Relação de Évora, Secção Cível, Acórdão de 17 Mai. 2001, Processo 49/01 (Ref. 8561/2001)

CONTRATO PROMESSA DE TRESPASSE. Conversão do negócio jurídico. — I — O contrato denominado pelas partes de cedência de posição contratual deve ser qualificado, por convesão do trespasse nulo por vício de forma, em con-trato promessa de trespasse, desde que preencha os requisitos substantivos e formais do contrato prometido, se a vontade hipotética ou conjectural das partes permitir a conversão. II — Existindo um acordo de vontades, reduzido a escrito, quanto à intenção de proceder à transmissão e correspectiva aquisição onerosa de um esta-belecimento, que se encontra devidamente identificado, estando definido o preço e tendo as partes mencionado a vontade no sentido da imediata concretização da transmissão do estabelecimento, com a entrega das chaves, pagamento do preço e exploração imediata do estabelecimento, deve entender-se estarem verificados os pressupostos para a conversão do trespasse nulo em contrato promessa de trespasse.

Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Cível, Acórdão de 20 Mai. 1997, Processo 449/96 (Ref. 9962/1997)

CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA. Venda da coisa locada pelo locatário. Protecção da boa fé. Conversão do negócio nulo. Indemnização pelo uso. — I — Na vigência do contrato de locação financeira, é nula a venda da coisa locada, levada a efeito pelo locatário a um seu empregado, sem autorização do locador, mediante preço a pagar em prestações mensais, descontadas no vencimento. II — Sabendo o locatário e o terceiro que a coisa vendida pertencia ao locador, mas agindo como se assim não fora, nenhum deles merece protecção e qualquer um pode obter a declaração judicial da nulidade da venda com a consequente restituição do preço pago. III — Não pode colocar-se a aplicação do princípio da boa fé no âmbito de um negócio nulo, e, nomeadamente, quando o alienante não tinha legitimidade para vender o bem locado. IV — Não se verificando os respec-tivos requisitos e não sendo esclarecido qual o negócio sucedâneo, não é possível proceder-se à conversão do negócio nulo. V — Sendo o contrato nulo, o gozo obtido através da coisa locada, por parte do comprador, deve dar lugar ao paga-mento de indemnização ao vendedor.

Tribunal da Relação de Lisboa, Secção Cível, Acórdão de 26 Jan. 2003, Processo 693/02 (Ref. 7750/2003)

DOAÇÃO. Falsidade da escritura pública. Conversão do negócio jurídico. — I — Tendo-se provado que a doadora não esteve presente no Cartório Notarial, no acto constante de uma escritura pública de doação e, consequentemente, que a mesma não foi lida nem foi explicado o seu conteúdo em voz alta, na presença de todos os intervenientes como dela consta e tendo sido dois os doadores outorgan-tes na dita escritura, esta é falsa. II — A declaração da falsidade da escritura, na parte respeitante à doação feita pela doadora, determina a ineficácia stricto sensu

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[C] Contratos Privados

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dessa doação; subsiste, todavia, por conversão, o acto de doar por parte do outro doador, marido daquela, por conta da sua meação, visto o disposto nos arts. 293.º e 1730.º, n.º 2, do CC.

Supremo Tribunal de Justiça, Secção Cível, Acórdão de 15 Mar. 1994, Processo 84.605 (Ref. 2388/1994)

NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. Modificação subjectiva da instância. Conversão do negócio jurídico. Impossibilidade legal originária. — I — Os Réus demandados como gerentes e representantes de uma sociedade por quotas não podem, com base em conversão do contrato fundamento do pedido, passar a demandados em nome próprio, por a tal obstar o disposto no art. 268.º do C.P.Civil. II — O contrat de compra e venda em que uma sociedade por quotas adquire quota própria sem dispor de reservas em montante não inferior ao dobro do contra-valor a prestar, nulo nos termos dos n.os 2 e 3 do art. 220.º do C.Sociedades Comerciais, não pode converter-se em contrato-promessa de compra e venda da mesma quota, por impossibilidade legal originária.

CONVITE A CONTRATAR

O convite a contratar destina-se a provocar ou suscitar propostas da parte do público. Ex: catálogo que o comerciante envia aos seus clientes (1185).

— O contrato é um acordo entre duas ou mais pessoas. Pode aconte-cer, porém, que as duas declarações que constituem o acordo sejam emitidas em momentos diferentes. Nesse caso, podem-se distinguir a proposta e a aceitação. A escreve a B propondo-lhe a compra de dez toneladas de laranja pelo preço de x, e B, na volta do correio, responde-lhe aceitando. O contrato está concluído no momento em que a aceitação de B chegou ao proponente A (art. 224.º/1).

Mas para que o contrato se conclua nestes termos, é necessário que a declaração negocial seja uma proposta, isto é, contenha todos os elementos essenciais do negócio, seja feita com intenção inequívoca de concluir o contrato e revista a forma do contrato, se o contrato a concluir obedecer a forma especial.

Iguais requisitos deve conter a aceitação (uma e outra são declarações negociais sujeitas ao disposto nos arts. 217.º a 235.º do C. Civil).

(1185) ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 3.ª ed., p. 307. Idem PESSOA JORGE, Obrigações, 1966, p. 191.

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II — Não é legítimo, sem disposição de lei ou cláusula especial, entender como aceitação duma proposta de contrato a atitude puramente silente ou omissiva do destinatário (3153).

Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 1975-04-22 (proc. 65535), publicado no BMJ N.º 246, de 1975, p. 157 (BRUTO DA COSTA):

No silêncio do título, é nula a deliberação dos condóminos que estabeleça a possibilidade de alteração da comparticipação nas despesas por decisão da assem-bleia geral; a modificação do regime ixado no artigo 1424.º do Código Civil só é possivel por acordo de todos os interessados e mediante escritura pública

II — As deliberações dos condóminos com diversas partes, ou respeitante a mais de um sujeito, são susceptíveis de anulação parcial em conformidade com o princípio da redução do negócio jurídico (artigo 292.º do Código Civil) (3154).

SIMULAÇÃO

Dispõe o art. 240.º, do Código Civil, que (1.) se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver diver-gência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negó-cio diz-se simulado. (2.) O negócio simulado é nulo.

Assim, por simulação entende-se o acordo entre o declarante e o decla-ratário, no sentido de celebrarem um negócio que não corresponde à sua vontade real e no intuito de enganarem terceiros.

Esta norma tem em vista caracterizar um vício negocial que assenta na intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, traduzida na consciência, por parte do declarante, de que emite uma declaração que não corresponde à sua vontade real: o mesmo não só sabe que a declaração emitida é diversa da sua vontade real, mas quer ainda emiti-la nestes termos.

(3153) Referências:

— Pires de Lima, Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4.ª ed., vol. I, p. 209;— Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Almedina, 1960, p. 137;— Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed., p. 425.(3154) Referências:

— Boletim do Ministério da Justiça, n.º 238, p. 248;— Mário de Brito, Código Civil Anotado, vol I, p. 367;— Pires de Lima, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 103.º, p. 316.

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Simulação [S]

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Esta noção é correspondente à dada por MANUEL DE ANDRADE (3155) e aceite pela generalidade da Doutrina (3156).

Estamos perante uma divergência entre a vontade e a declaração que é livre (3157), querida e propositadamente realizada tanto da parte do decla-rante como do declaratário.

A divergência em causa tem graus: é absoluta quando os contraentes fingem realizar um certo negócio jurídico, quando, na verdade, não querem realizar negócio jurídico algum; é relativa quando, sob a capa do negócio simulado, existe um outro que as partes quiseram realizar (3158).

Num e noutro caso, há necessidade de verificação simultânea de três requisitos (3159) (3160):

1) Intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração: o declarante tem consciência que a declaração emitida não corresponde à sua vontade real e quer emiti-la nesses termos.

Trata-se duma divergência livre, que se distingue da que existe em caso de coacção física, já que nesta existe aquela mesma consciência, mas a vontade encontra-se tolhida por uma força exterior que não deixa alternativa ao declarante.

2) Acordo simulatório (3161): existência de conluio entre os con-traentes (3162) contemporâneo ou anterior à declaração de vontade.

Este elemento permite distinguir a simulação da reserva men-tal, pois nesta não existe qualquer acordo, embora possa suceder

(3155) Cfr. Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Almedina, 1983, p. 169.(3156) Ver por todos MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, pp. 357 e ss.(3157) Característica que permite distinguir este vício da coacção física. (3158) Cfr. artigo 242.º, n.º 1, do Código Civil.(3159) Quando diga respeito a uma simulação relativa a prova destes três requisitos

será acrescida dum quarto elemento que se reporta à existência do negócio jurídico dissi-mulado — cfr. Ac. RC de 10.11.92 in CJ Ano XVII, T. 5, p. 47.

(3160) Cfr. Ac. STJ de 14.02.2008 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 08B180; Ac. STJ de 29.05.2007 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 07A1334; A. STJ de 24.10.2006 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 06A2357; Ac. STJ de 24.04.2004 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 04A2062; Ac. STJ de 29.06.2004 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 04A2062; Ac. STJ de 9.10.2003 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 03B2536; Ac. STJ de 18.12.2003 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 03B3794; Ac. STJ de 31.10.1990 in http://www.dgsi.pt/jstj00006135.

(3161) Também chamado “pactum simulationis”.(3162) Apesar de não ser de excluir a simulação dos negócios jurídicos unilaterais

receptícios. Vide, nesse sentido, MANUEL DE ANDRADE, in op. cit., p. 170.

30 —

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III

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[S] Contratos Privados

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que o declaratário se aperceba da divergência entre a declaração e a vontade.

3) Intuito de enganar terceiros (3163) (3164): não se exige que a simu-lação seja fraudulenta (3165), ou seja, que se destine a prejudicar tercei-ros, mas somente que se crie uma ilusão (3166) que tanto pode destinar-se a defender interesses próprios como a beneficiar terceiros (3167).

Este elemento opera, mais uma vez, a distinção relativamente à reserva mental (3168) e também às declarações não sérias (3169).

Dito de outra forma, estamos perante uma operação complexa que postula três acordos: um acordo simulatório, um acordo dissimulado e um acordo simulado. O acordo simulatório visa a montagem da operação e dá corpo à intenção de enganar terceira. O acordo dissimulado exprime a vontade real de ambas as partes e visa: ou o negócio verdadeiramente pre-tendido por elas ou um puro e simples retirar de efeitos ao negócio simulado. Por último, o acordo simulado traduz a aparência do contrato, destinado a enganar a comunidade jurídica (3170).

Tais requisitos, coevos da formação do contrato — acordo simulatório; propósito de enganar terceiros; divergência intencional entre a declaração de a vontade do declarante (3171) — devem ser invocados e provados por

(3163) Também chamado animus decipiendi.(3164) Este requisito tem sido identificado com a intenção de criar uma aparência de

realidade em que a ilusão se destina a fazer crer algo que não existe ou que tem um con-teúdo diverso daquele com que se apresenta — cfr. Ac. STJ de 30.05.95 in CJ Ano III, T. 2, p. 118.

(3165) Com existência de animus nocendi.(3166) De acordo com o Acórdão do STJ de 23 de Setembro de 1999 (in http://www.

dgsi.pt/jstj00038470) o engano de terceiros consiste em fazer parecer real o que o é, em relação aos simuladores.

(3167) Na distinção entre simulação fraudulenta e inocente os Autores integram na primeira os casos em que os simuladores têm em vista contornar disposições legais cfr. MOTA PINTO, in op. cit., p. 472 e MANUEL DE ANDRADE, in op. cit., 172.

(3168) Que tem em vista enganar o declaratário.(3169) Em que falta a intenção de enganar.(3170) Neste sentido ver MENEZES CORDEIRO, «Tratado de Direito Civil Português»,

vol. I, T. 1, p. 551.(3171) Neste sentido, ver, ainda, o Ac. STJ de 10/7/97 in www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp.

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Simulação [S]

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quem pretenda prevalecer-se da simulação ou de aspectos do seu regime (3172). O que está em sintonia com as regras de repartição do ónus da prova, pois tata-se de requisitos constitutivos do direito invocado.

“Dispõe o art. 243.º do do Código Civil, que “A nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa fé.”. Tal como é sustentado por vária Jurisprudência (3173), parece-nos que

(3172) Ac. Do STJ de 6/4/1996, in CJSTJ, 1996, t II, pp. 102-105.(3173) Ver, v.g.:— Ac. Supremo Tribunal de Justiça — N.º 03B2536 STJ000 OLIVEIRA BARROS Data

09-10-2003:I — O conceito de negócio simulado encontra-se explicitado, de harmonia com a doutrina

tradicional, no n.º 1.º do art. 240.º, de que decorre que há simulação sempre que concorram divergência intencional entre a vontade e a declaração das partes, combinação ou conluio que determine a falsidade dessa declaração (acordo simulatório), e a intenção, intuito ou propósito de enganar ou prejudicar terceiros. II — Ainda quando não tenha havido intenção fraudulenta, isto é, de prejudicar terceiros (animus nocendi) — caso mais frequente —, haverá simulação se existir o intuito ou propósito de enganar terceiros (animus decipiendi). III — A simulação pode ser absoluta — hipótese em que o negócio por tal viciado colorem habet, substantiam vero nullam —, ou relativa, caso em que o negócio celebrado colorem habet, substantiam vero alteram, como acontece no caso da alegada doação disfarçada de venda: nesse caso, subjaz ao negócio ostensivo ou aparente, fictício, um outro, latente, oculto, encoberto, dissimulado, disfarçado ou camuflado, que é o verdadeiramente querido pelas partes. IV — É nulo por simulação o contrato de compra e venda de imóvel destinado a encobrir uma doação quando se prove que o pretenso vendedor apenas teve em vista prejudicar os seus herdeiros legitimários, subtraindo aquele imóvel à herança e partilha por sua morte. V — Assim subtraído o imóvel pretensamente vendido ao acervo hereditário, os herdeiros defendem, nesse caso, um direito próprio à quota hereditária.

Ac. Supremo Tribunal de Justiça, N.º 082041JSTJ00017348 PAIS DE SOUSA N.º SJ199211250820412 — 25-11-92; AC STJ DE 1966/02/18 IN BMJ N154 PAG343; AC STJ DE 1981/06/11 IN BMJ N308 PAG210; AC STJ DE 1978/11/21 IN BMJ N281 PAG244; AC RL DE 1979/01/23 IN CJ ANOIV TI PAG112.AC STJ PROC80909 DE 1991/11/05. I — Para efeitos do disposto no artigo 394, ns. 1 e 2 do Código Civil, são de considerar terceiros os herdeiros legítimos ou legatários do simulador, que este, com a simulação, pretendia prejudicar. II — Em relação ao negócio simulado, os sucessores do simulador tanto podem aparecer na mesma posição do outorgante do negócio, como na de terceiros. No primeiro caso são continuadores da personalidade do simulador, em virtude de um direito que este lhes transmitiu. No outro, aparecem alicerçados num direito próprio que não lhes foi transmitido pelo autor da herança. http://www.dgsi.pt/jtrp. nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/beac415e69889ffe80256cb70032a6b9?OpenDocument&Highlight=0,herdeiros,simula%C3%A7%C3%A3o

— Ac. do Tribunal da Relação do Porto 0020521 JTRP00034484 ALZIRO CARDOSO RP200212030020521 03-12-2002; AC STJ DE 1999/09/23 IN BMJ N489 PAG304; C STJ

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essa norma não pode ser aplicada aos herdeiros de simulador, maxime quando os mesmos pretendem exercer um direito próprio, um direito que não pode ser coarctado pela excepção do art. 243.º É que este é uma con-cretização do princípio da boa fé negocial e visa apenas limitar o direito de quem declarou uma determinada vontade e não de quem, embora tenha sucedido na titularidade do seu património, exerce um direito distinto, vio-lado pelos simuladores.

Dispõe, ainda, o art. 291.º, que (1.) a declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a bens móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio. (2.) Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio. (3.) É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.

De entre as formas que pode revestir a simulação avulta (como referido supra) com particular destaque a distinção entre simulação absoluta e relativa. No segundo caso, os simuladores realizam um negócio jurídico diverso, ou com conteúdo diferente, daquele que dizem celebrar, enquanto na primeira situação à declaração negocial não corresponde qualquer negócio jurídico (3174).

DE 1992/11/25 IN BMJ N421 PAG380; STJ DE 1981/06/11 IN BMJ N308 PAG210; AC STJ DE 1980/11/05 IN BMJ N301 PAG395; AC RC DE 1988/06/07 IN CJ T3 ANOXIII PAG86. I — Em determinadas circunstâncias excepcionais é admissível, prova testemunhal sobre acordo simulatório e negócio dissimulado, nomeadamente quando exista um princípio de prova por escrito, se demonstre ter sido moral ou materialmente impossível a obtenção de uma prova escrita e em caso de perda não culposa do documento que fornecia a prova. II — Os herdeiros de um simulador têm legitimidade para arguir a nulidade da simulação. III — O direito de invocar a nulidade da simulação não pode caducar por efeito da pretensa aquisição do prédio por usucapião se não há prova de posse em nome próprio do pretenso adquirente nem prova de que este haja sucedido na posse do seu antecessor. IV — Não têm a posição de terceiros de boa fé, quanto à simulação invocada pelos réus, os autores que pretendem não a anulação do negócio simulado, celebrado pelo seu alegado antepossuidor, em cuja posição jurídica sucederam, mas sim manter esse negócio.

(3174) Neste caso, os contraentes limitam-se a criar uma aparência de negócio jurídico.

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A importância destas modalidades de simulação foi acolhida pelo legislador que decidiu dar um tratamento distinto a uma e outra. Assim, enquanto a simulação absoluta foi sancionada com nulidade, implicando a sua declaração a completa destruição dos efeitos do negócio jurí-dico (3175), quando exista um negócio dissimulado, este mantém-se válido apesar da nulidade que deriva da simulação, sempre que tenham sido respeitadas as exigências de forma (3176) e não exista qualquer obstáculo do ponto de vista substantivo de harmonia com o regime jurídico cor-respondente (3177).

A simulação ocorre com relativa frequência na vida prática, sendo determinada por razões múltiplas: as partes fingem praticar negócios, que, efectivamente, não querem, visando, por esse meio, alcançar os mais diver-sos fins.

A simulação pode ser fraudulenta, o que sucede quando os contraen-tes vão além da mera intenção de enganar terceiros, visando causar-lhes prejuízo, ou seja, actuando com o chamado animus nocendi.

Como anotado supra, de acordo com o n.º 2 do artigo 240.º o negócio simulado é nulo.

Porém, quando sob tal negócio exista outro que as partes quiseram realizar, é-lhe aplicável o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, sem que seja prejudicado pela nulidade do negócio simulado.

Verifica-se, assim, uma represtinação do negócio que as partes qui-seram, efectivamente, celebrar e ocultaram sob a aparência do acto simu-

(3175) Com salvaguarda, porém, dos interesses de terceiros de boa fé pela forma prevista no artigo 243.º

(3176) Há que distinguir quanto à forma os casos em que é exigível apenas documento particular, situação em que as partes a par do documento respeitante ao contrato aparente podem elaborar — e muitas vezes elaboram —, subrepticiamente, outro reportado à sua vontade real. Essa é não apenas a maneira de validar o contrato de dissimulado mas, também, a garantia de protecção dos próprios simuladores já que o artigo 394.º, n.º 2, do Código Civil estabelece a inadmissibilidade da prova testemunhal quanto ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado quando invocados por aqueles.

(3177) Já se decidiu que o negócio jurídico dissimulado só será válido se o documento em que foi formalizado o negócio simulado contiver declarações de vontade que o caracte-rizem — ver Ac. RL de 7.10.93 in CJ Ano XVIII, T. 4, p. 141.

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lado. Contudo, a validade do negócio dissimulado está dependente da observância da forma exigida.

Como sucede em qualquer caso de nulidade, a sua invocação pode ter lugar a todo o tempo na sequência de invocação de qualquer inte-ressado (3178) ou oficiosamente (3179) e pode ser declarada pelo tribunal ex oficio e tem efeito ex tunc, obrigando à restituição em espécie de tudo o que tiver sido prestado ou o valor correspondente quando tal se revele impossível, de modo a repor a situação jurídica num estado o mais aproximado possível daquele que existia sem o negócio jurídico nulo.

Quanto à questão que durante muito tempo se discutiu, de saber se os próprios simuladores podiam arguir a nulidade do negócio jurídico em que intervieram, o nosso legislador acolheu a tese favorável a esta solução, restringindo, porém, os meios de prova da sua demonstração à apresentação de documentos ou à confissão, vedando a apresentação de testemunhas do acordo simulatório (3180) (3181).

Porém, como supra observado, há que atentar que existe um limite: a nulidade proveniente de simulação não é oponível a terceiro de boa fé, ou seja, a quem ignorasse a simulação ao tempo em que adquiriu o direito. Tratando-se de bem sujeito a registo, este requisito torna-se mais exigente na medida em que a protecção apenas se estende à aquisição anterior ao registo da acção em que simulação seja invocada (3182).

Uma nota sobre o n.º 2 do artigo 394.º do Código Civil a propósito da inadmissibilidade da prova testemunhal, para sublinhar que, a este

(3178) Também os simuladores podem arguir a nulidade do negócio jurídico em que intervieram, mas os meios de prova restringem-se à apresentação de documentos ou à confissão, estando vedada a produção de prova testemunhal quanto ao acordo simulatório.

(3179) Cfr. artigo 286.º do Código Civil. (3180) Cfr. artigo 394.º, n.º 2.(3181) Neste domínio importa considerar a posição dos herdeiros dos simuladores,

que ficaram sujeitos ao regime previsto para estes quando intervenham como seus sucesso-res e ao regime geral quando a simulação tenha em vista lesá-los — Cfr. Ac. RE de 12.07.1990 in CJ Ano XV, T. 4, p. 284; Ac. RP de 15.07.91 in CJ Ano XVI, T. 4, p. 237.

(3182) Cfr. cit. artigo 240.º do CC.

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nível, perfilhamos a orientação, que nos parece recolher acolhimento maioritário na Doutrina e Jurisprudência nacionais, segundo a qual a proibição constante daquele normativo deve ser objecto de uma inter-pretação restritiva no sentido de que havendo um começo de prova documental que torne verosímil a simulação, deve admitir-se a produção de prova testemunhal pelos próprios simuladores para interpretar o con-teúdo de documentos ou para complementar aquela prova (3183).

Ver (3184): “DIVERGÊNCIA ENTRE A VONTADE E A DECLARAÇÃO”; “VÍCIOS DA DECLARAÇÃO”; “VÍCIOS DA VONTADE”; “DECLARAÇÃO JUDICIAL”

(3183) Cfr., v. g., CARLOS A. MOTA PINTO e A. PINTO MONTEIRO, “Arguição da Simu-lação pelos simuladores. Prova testemunhal”, Col. de Jur., ano X (1985), T. 3, p. 9; CAR-VALHO FERNANDES, “A prova da simulação pelos simuladores”, O Direito, ano 124.º, pp. 593 e ss.; Acs. da Rel. de Évora de 16-6-1994, Col. de Jur. ano XIX, T. 4, p. 259, e de 11-6-1996, B.M.J. n.º 453, p. 579; Ac. da Rel. do Porto de 27-9-1994, B.M.J. n.º 439, p. 655; Acs. da Rel. de Coimbra de 24-1-1995, Col. de Jur., ano XX, T. 1, p. 35 e de 9-12-1997, B.M.J. n.º 472, p. 576; Acs. da Rel. de Lisboa de 13-10-1994, Col. de Jur., ano XIX, T. 4, p. 110 e de 21-1-1999, B.M.J. n.º 483, p. 270.

(3184) Sobre a simulação, deixa-se, ainda, o seguinte excerto da sentença proferida na acção que, sob a forma de processo ordinário, correu termos pelo 1.º Juízo do Tribunal de Penafiel sob o n.º 1857/09.5TBPNF (JOSÉ CARLOS PINTO):

«(…). Diz-se no art. 240.º, n.º 1, do Código Civil, que se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negociai e a vontade real do declaratário, o negócio diz-se simulado, sendo que no n.º 2 do mesmo artigo se comina com a nulidade tais negócios.

Por via de regra, o negócio jurídico produz os seus efeitos, mas pode suceder que estes possam vir a ser prejudicados ab initio, se ocorrer uma invalidade que fira o negócio jurídico.

A invalidade do negócio jurídico pode resultar, desde logo, da circunstância de o mesmo ter sido celebrado com falta de vontade ou com falta da vontade declarada, prevendo o Código Civil algumas situações de divergência entre a vontade real e a vontade declarada pelas partes, isto é, em que falta a coincidência entre o substrato volitivo interno e a sua aparência externa.

O caso juridicamente mais relevante da divergência entre vontade e declaração é o da simulação, regulada nos artigos 240.º a 243.º do Código Civil, a qual foi, aliás, invocada pela totalidade dos RR contestantes.

É no artigo 240.º, n.º 1, daquele Código Civil que encontramos o conceito de negócio simulado: "Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de

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enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.".

Assim. são três os requisitos para que haja um negócio simulado (cfr. Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1992, p. 535 e seguintes):

1.º Uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada;2.º O intuito de enganar terceiros (sendo que enganar não é a mesma coisa

que prejudicar);3.º Um acordo entre declarante e declaratário, o chamado acordo simu-

latório.

Em resumo, de acordo com a doutrina tradicional, o art. 240.º, n.º 1, do CC, fixa o conceito de negócio simulado: se por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real, o negócio diz-se simulado.

Desta norma concluem os Autores serem três e de verificação simultânea os elementos integradores do conceito de negócio simulado: intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório (que não exclui a simulação nos negócios unilaterais — 2200.º CC) e o intuito de enganar terceiros.

Estes elementos devem ser invocados e provados por quem pretenda preva-lecerse da simulação. Neste sentido, Ac. da Relação do Porto de 08.03.1990, CJ, ano XV, T. 11, pp. 206 a 208.

Importante é também a distinção entre modalidades da simulação, entre as quais ressalta a distinção que a lei faz entre a simulação absoluta (cfr. artigo 240.º, n.º 1, do Código Civil) e a simulação relativa (cfr. artigo 241.º, n.º 1, do Código Civil).

Verifica-se a simulação absoluta quando os simuladores fingem concluir um determinado negócio jurídico, e, na realidade, nenhum negócio querem celebrar.

Na simulação relativa, os simuladores pretendem realmente realizar certo negó-cio jurídico, que todavia dissimulam sob a aparência de um acto de conteúdo ou de objecto diverso (simulação objectiva) ou concluído entre pessoas que não aquelas que efectivamente nele intervieram (simulação subjectiva, mediante a interposição fictícia de pessoas) — cfr. Heinrich Ewald Hörster, ob. cit., p. 536.

Assim, enquanto na simulação absoluta as partes fingem celebrar um negócio jurídico e na realidade não querem nenhum negócio, na simulação relativa as partes fingem celebrar um certo negócio jurídico quando na realidade querem um outro negócio de tipo ou conteúdo diferente.

A simulação é absoluta quando as partes fingem celebrar um negócio jurídico e na realidade não querem nenhum negócio; na simulação relativa as partes fingem celebrar um certo negócio jurídico e na realidade querem um outro negócio jurídico de tipo ou conteúdo diverso. Por detrás do negócio simulado ou aparente ou fic-tício ou ostensivo há um negócio dissimulado ou real ou latente ou oculto (“colo-

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rem habet, substantiam vero alteram”). Cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 473.».

A respeito dos efeitos da simulação, o artigo 240.º, n.º 2, do Código Civil, determina que "O negócio simulado é nulo".

A nulidade é o regime geral e verifica-se tanto no caso da simulação absoluta como no caso da simulação relativa quanto ao negócio simulado.

Quanto à legitimidade para invocar a nulidade resultante da simulação, é aplicável o regime geral do artigo 286.º: "A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer inte-ressado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.".

Tem-se, manifestamente, por justificado o interesse dos Autores na declaração da nulidade dos negócios impugnados, na medida, desde logo, do invocado objectivo de salvaguarda do património dos 1.ºs RR, enquanto garantia geral dos credores daqueles, que se tem de haver como interesse juridicamente relevante, com o que evidente a legitimidade dos autores (do ponto de vista substantivo ou "substancial") para vir arguir a simulação, como vieram.

O terceiro, no tocante ao negócio simulado e para efeitos de arguição da respectiva nulidade, é aquele que não interveio no acordo simulatório, nem representa por sucessão quem aí participou, embora possa figurar como parte representada no negócio simulado.

Em geral, tem-se considerado que, terceiro, para efeitos de arguição da nulidade de negócio simulado, é aquele que não interveio no acordo simulatório, nem representa por sucessão quem nele participou (Cfr., Mota Pinto, in "Teoria Geral da Relação Jurídica", p. 481, Carvalho Fernandes, in "Teoria Geral do Direito Civil", vol. II, p. 245, nota 6, os Acs do Supremo Tribunal de 5.3.81, in "BMJ" n. 305.º, p. 261, e de 27.6.2000 (Revista n. 455/00-1a Secção), in "Sumários de Acórdãos do STJ", Junho de 2000.

É este também o conceito de terceiro para efeitos de saber se alguém está, ou não, abrangido pelas limitações de prova dos n.os 1 e 2 do citado art. 394.º

Importa aqui sublinhar que o artigo 240.º, n.º 1, do Código Civil, fala em acordo entre declarante e declaratário, isto é, um dos requisitos ou elemento integrador da simulação é a existência de um acordo simulatório. Assim, a lei não se refere, apenas ou de forma limitada, a "negócio" mas sim a acordo, o que significa que este se traduz numa conjugação de vontades entre declarante e declaratário, que pode perfeitamente manifestar-se através da celebração de mais do que um negócio jurídico, com vista à realização/concretização do intuito de enganar terceiros.

A divergência entre a vontade real e a vontade declarada traduz-se na consciência, por parte do declarante, de que emite uma declaração que não corresponde à sua vontade real.

O acordo simulatório, outro dos elementos integrantes da simulação, traduz-se na circunstância de a divergência entre a vontade e a declaração dever proceder de acordo entre o declarante e o declaratário (pactum simulationis).

(…).Como se disse supra, para que um negócio se possa haver nulo, por simulação, exige-se

que, além da divergência entre a declaração negocial e a vontade real dos declarantes, essa divergência resulte de acordo entre o declarante e o declaratário e seja produzida para enga-

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Outra jurisprudência relevante (3185)

Supremo Tribunal de Justiça de 1998-01-20 publicado na Col. Jur., ano VI-1998, T. I, p. 19 (CÉSAR MARQUES):

A simulação de preço não implica a nulidade do acto (no caso, uma cessão de quota), que passará a valer pelo preço realmente convencionado (…) (3186).

nar terceiros, não sendo necessária, contudo, a demonstração do intuito de prejudicar tercei-ros, que caracteriza tão só a simulação fraudulenta. Assim, Ac. Relação do Porto de 10.07.80, CJ, 1980, T. IV, p. 187, e da Relação de Coimbra de 25.03.1980, CJ, 1980, torno II, p. 31, e RU, n.º 101, p. 7. Não é, pois, essencial à existência da simulação que esta seja feita com o intuito de prejudicar terceiros, bastando a mera intenção de os enganar. Esta prende-se tão só com a actuação (voluntária) no sentido de criar uma aparência. Assim, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, 1, Parte Geral, T. 1, 1999, Almedina, p. 555.

Estando em causa o apuramento de intenções, sendo que estas pertencem à vida inte-rior e afectiva de cada um e são, portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que a(s) mesma(s) possa(m) concluir-se. Pode, de facto, comprovar-se a verificação da intenção de enganar terceiros por meio de presunções materiais, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência, o que se impõe fazer na hipótese em apreço.

Aliás, assim, se decidiu no Ac. da Relação do Porto de 22.06.73, BMJ, n.º 229, p. 235, ao julgar-se que a simulação, pela dificuldade de prova directa, há-de resultar normalmente de factos que a façam presumir.

Segundo os nossos civilistas, «a simulação é um caso de divergência intencional entre a vontade e a declaração (declara-se, livre e conscientemente, que se quer uma coisa que realmente não se quer), divergência esta acordada entre as partes e não por gracejo, fim didáctico ou teatral mas sim com o intuito de enganar terceiros, de os iludir, de fazer com que terceiros aceitem a aparência como se fosse realidade (Beleza dos Santos, A Simu-lação em Direito Civil, vol. I, páginas 59 e ss.; Manuel de Andrade, Teoria Geral da Rela-ção Jurídica, vol. II, página 168; Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, 4.ª ed., vol. I, página 319)».

(3185) Ver, ainda, a seguinte jurisprudência relevante sobre simulação, por temas:

— Simulação de partilha — Col. Jur. 76-531;— De herdeiros do vendedor / Legitimidade das partes / Litisconsórcio necessário-Col.

76-239;— Legitimidade de réus — Col. 76-537;— Legitimidade do vendedor — Col. 76-251;— Legitimidade dos herdeiros — Col. 83-I-121;— Regime de provas / Terceiro — Col. 76-211, Bol. M. J. 321-455 (Prova admis-

sível);— Acção de preferência — Col. 77-107 e 1142;— Notificação para preferência-Bol. 287-210;— Legitimidade para pedir a anulação de contrato de compra e venda de imóvel por

simulação — Bol. 289-319;

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(3186)

— Posse. Justo título — Bol. 289-319;— De preço (acção de preferência) — Col. 77-1265, 79-882; — De preço (em prejuízo do fisco) — Col. 77-1265;— Falsidade — Col. 77-107;— Penhor de viaturas — Col. 77-907— Possibilidade de arguir por s. o acto titulado por escritura pública-Col. 77-889;— Requisitos — Col. 77-1265;— Valor do negócio-dissimulação — Col. 77-87;— De contrato de arrendamento rural — Col. 78-1234;— Prova testemunhal (proibição aos simuladores) — Col. 78-622, 85-III-9 e

IV-73,86-III-67 (nulidade secundária-arguição), Bol. 322-381;— Respostas aos quesitos com base em testemunhas em s. invocada pelos simulado-

res — Col. Acs. STJ, I-II-61;— Prova da s. (prova testemunhal-herdeiro legitimário) — Col. 80-IV-187;— Intuito de enganar e intuito de prejudicar — Col. 80-IV-187;— Acordo simulatório entre o executado e o arrematante (efeitos sobre a venda

judicial) — Col. 89-808;— Validade do acto dissimulado no Cód. antigo e no actual — Col. 83-V-45, 87-I-285,

93-IV-141;— Interposição de pessoas mista de fictícia e real — Col. 93-II-196, Bol. 289-271

(interp. fictícia de pessoas);— Elementos — Col. 85-IV-73;— Terceiro — Col. 85-III-9, Bol. 308-210;— Negócio indirecto (validade) — Col. 88-IV-107;— Efeitos patrimoniais do casamento — Cool.88-IV-107;— Doação, por morte, de depósito bancário — Col. 89-V-198;— Doação simulada (cúmplice do doador adultério) — Col. 89-V-195;— Intervenção principal (credores da autora) — Col. 89-IV-131;— Doação por morte (falta de intervenção de duas testemunhas) / Nulidade tanto do

negócio simulado como do dissimulado (legitimidade para o invocar) / Prova do acordo simulatório (legitimidade do legatário) / Simulação em prejuízo da Fazenda Pública (validade ou nulidade) — Col. 91-IV-237;

— Força probatória dos documentos (validade do contrato de arrendamento) — Col. 91-I-30;— Defesa por excepção — Col. 92-IV-192— Depoimento de partes — Col. 92-IV-136;— Simulação relativa (elementos — sua distinção de negócio indirecto e do negócio

misto) — Col. 92-V-47;— Acção instaurada pelos sucessores-Bol. 306-244;— Arguição da simulação — ”Tribuna de Justiça” — 25-21;

Sobre simulação fiscal — Direitos de preferência —, ver Col. Jur. 90-II-125.(3186) Referências:

— Acórdão, de 1988-10-26, Supremo Tribunal de Justiça, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 380, p. 265, e na Col. Jur., ano XIII-1988, T. IV, p. 14;

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Ac. Relação de Coimbra de 1992-11-10 (proc. 433/92), publicado na Col. Jur., ano XVII-1992, T. V, p. 47 (FRANCISCO LOURENÇO):

A simulação relativa só fica demonstrada se ficarem provados cumulativamente os três requisitos de simulação do n.º 1 do artigo 240.º do CC e ainda, a existência de negócio dissimulado.

Negócio indirecto e negócio misto são realidades jurídicas diferentes, distin-tas, entre si e que de maneira nenhuma se podem compaginar com a simulação relativa, desde logo porque, naqueles dois tipos de negócio, o acto celebrado cor-responde à vontade real das partes e depois porque, em princípio, tais negócios — salvo os casos de fraude à lei — são válidos (3187).

Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 1989-01-19 (proc. 75643), publicado no BMJ N.º 383, de 1989, p. 531 (FERNANDES FUGAS):

A “doação” dissimulada sob contratos de compra e venda celebrados com “interposição factícia” de um dos sujeitos, e, assim, feridos de nulidade por simu-lação, …

— Assento, de 1963-02-01, Supremo Tribunal de Justiça, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 124, p. 414.

Ver:Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 100.º, p. 181.(3187) Dec. Conv.:

— Acórdão, de 2002-01-31, Relação do Porto, Colectânea de Jurisprudência, ano XXVII-2002, T. I, p. 195;

— Acórdão, de 1989-03-16, Supremo Tribunal de Justiça, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 385, p. 552;

Referências:

— Pires de Lima, Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra, 2.ª ed., vol. III, 1984, p. 75;

— João de Castro Mendes, Direito Civil, AAFDL, vol. III, 1979, pp. 368-369 e 777;— Gregório Ortega, Negócio Indirecto Liberalidades e Negócio Misto, RDES, ano

V, pp. 175-271 191-210 e 265-266;— Antunes Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124.º, p. 21;— Carvalho Fernandes, Simulação e Tutela de Terceiros, Lisboa, 1981, p. 24;— Ferrer Correia, Sociedades Fictícias e Unipessoais, Editora Atlântida, 1948, p. 148;— Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Almedina, vol. II, 1960,

pp. 179-180;— Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, AAFDL, vol. II, 1983, pp. 374

e 389.

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Simulação [S]

Coimbra Editora ® 477

Ac. Relação do Porto de 1967-12-15 (proc. 9172), publicado na Jur. Rel., ano XIII-1967, p. 961 (ABEL CAMPOS):

São elementos de simulação:a) divergência intencional entre a vontade real e a declarada dos outorgantes;b) acordo entre eles no sentido de obterem essa divergência;c) intenção de enganar terceiros, designadamente a de prejudicar a Fazenda

Nacional.II— Porém, não há simulação quando os interessados celebram um contrato

de compra e venda, mas na verdade fizeram uma dação em pagamento, pela qual o vendedor pagou à compradora os serviços que esta lhe prestou (3188).

Ac. Relação de Coimbra de 1980-03-25 (proc. 26267), publicado na Col. Jur., ano V-1980, p. 31 (TINOCO DE ALMEIDA)

Supremo Tribunal de Justiça, Secção Cível, Acórdão de 14 Fev. 2008, Processo 180/08 (Ref. 447/2008) — SIMULAÇÃO. Requisitos da simulação. Terceiro. Ónus da prova.

Tibunal da Relação de Guimarães, Secção Cível, Acórdão de 14 Out. 2010, Processo 2686.06.3TBFAF.G1 (Ref. 5879/2010) — PROVA TESTEMUNHAL. Admissibilidade. Simulação. Herdeiros do simulador.

Supremo Tribunal de Justiça, Secção Cível, Acórdão de 4 Nov. 2010, Processo Proc.º N.º 381/03.4TBVLN.G1.S1 (Ref. 7855/2010)

DIREITO DE PREFERÊNCIA. Simulação. Caducidade.

Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Cível, Acórdão de 13 Jan. 2009, Processo 527/03 (Ref. 2777/2009) — SIMULAÇÃO. Conceito. Negócio com pessoa a nomear.

Supremo Tribunal de Justiça, Secção Cível, Acórdão de 2 Mar. 2010, Processo 1700/06 (Ref. 3212/2010) — SIMULAÇÃO. Prova por Documentos. Prova Testemunhal.

Tribunal da Relação de Évora, Secção Cível, Acórdão de 15 Dez. 2009, Processo 283/2002 (Ref. 8183/2009) — NEGÓCIO FIDUCIÁRIO. Simulação.

(3188) Referências:

— Guilherme Moreira, Instituições do Direito Civil, Vol II, pág 259;

Ver o Acórdão da R. Porto, de 55/12/16, publicado na Jur.Rel., 1.º, pág 1066.

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[S] Contratos Privados

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Tribunal da Relação do Porto, Secção Cível, Acórdão de 25 Mar. 2010, Processo 1947.05.3TBLSD.P1 (Ref. 4341/2010) — SIMULAÇÃO. Acordo simu-latório. Negócio dissimulado. Prova testemunhal. Confissão. Litisconsórcio necessário.

Tribunal da Relação de Lisboa, Secção Cível, Acórdão de 13 Abr. 2010, Processo 5169/05 (Ref. 3157/2010) — SIMULAÇÃO. Prova por Documentos. Prova Testemunhal.

SINAL

Sinal (ut art. 442.º do CCiv) é a coisa entregue a um dos contraentes como garantia ou adiantamento do cumprimento das suas obrigações, con-ferindo maior segurança à efectivação do negócio jurídico, assim se asse-gurando, com a entrega do sinal, o pontual cumprimento das obrigações.

Traduz-se na entrega duma coisa por uma parte à outra, como garantia das obrigações assumidas. Em caso de inadimplemento, se este for impu-tável a quem recebeu o sinal, deve este restitui-lo em dobro; se a imputação se der a quem prestou o sinal, pode a outra parte fazê-lo seu (3189).

Nas palavras de ANTUNES VARELA, sinal é a coisa entregue por um dos contraentes ao outro no momento do contrato ou em data posterior, como garantia do cumprimento (3190). O seu fim é assegurar o pontual cumprimento da convenção e terá de consistir em dinheiro ou outra coisa fungível, sus-ceptíve1 de ser restituída em dobro (3191).

Sobre o sinal no contrato promessa — execução específica —, etc., veja-se o seguinte excerto da sentença proferida na acção n.º 565/97 que correu termos na 10.ª Vara Cível de Lisboa, dada a abundante informação doutrinal e jurisprudencial aí inserida:

«[(…).A autonomia privada é uma ideia fundamental do Direito Civil.

É ela que corresponde à ordenação espontânea (não autoritária) dos

(3189) MENEZES CORDEIRO, Dir. das Obrigações, 1980, 2.º, p. 29.(3190) In Das Obrigações em Geral, 3.ª ed., 1.º, p. 266, nota 1. (3191) CUNHA GONÇALVES, Tratado, VIII, 394 e 395.