Contrarrazoes de apelação - 0008813-15.2009.8.19.0028

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1 EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 3ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE MACAÉ/RJ. Proc. nº 0008813-15.2009.8.19.0028 CÉSAR ROGÉRIO DEMAMAM BERNA, já devidamente qualificado nos autos da presente AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA que lhe move MANOEL DOS SANTOS, vem, pela Defensoria Pública, apresentar CONTRARRAZÕES DE APELAÇÃO requerendo seja negado provimento ao recurso de apelação interposto às fls. 192-197. DA TEMPESTIVIDADE Noticia que o apelado tem os seus interesses patrocinados pela Defensoria Pública Geral do Estado, em

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EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 3 VARA CVEL DA COMARCA DE MACA/RJ.

Proc. n 0008813-15.2009.8.19.0028

CSAR ROGRIO DEMAMAM BERNA, j devidamente qualificado nos autos da presente AO DE OBRIGAO DE FAZER C/C INDENIZATRIA que lhe move MANOEL DOS SANTOS, vem, pela Defensoria Pblica, apresentar

CONTRARRAZES DE APELAOrequerendo seja negado provimento ao recurso de apelao interposto s fls. 192-197. DA TEMPESTIVIDADENoticia que o apelado tem os seus interesses patrocinados pela Defensoria Pblica Geral do Estado, em razo do que se utiliza da contagem dobrada de todos os prazos processuais.

Ocorre que o Defensor Pblico foi intimado da sentena guerreada em 15/07/2013, apresentando nesta data as presentes contrarrazes de apelao, motivo pelo qual, tendo em vista a prerrogativa de intimao pessoal do Defensor Pblico, resta obedecido o requisito objetivo temporal do recurso em epgrafe.DA GRATUIDADE DE JUSTIA

Informa o apelado que est sob o plio da gratuidade de justia, benesse que lhe foi concedida pela deciso de fl. 79, e que deve ser observada em todos os graus de jurisdio.

E. Deferimento.

Maca, 06 de agosto de 2013.

RICARDO S. R. ARRAESDEFENSOR PBLICO

MAT 860.781-4

Raquel H. D. CordeiroEstagiria DPGE/RJ

Proc. n 0008813-15.2009.8.19.0028APELANTE: MANOEL DOS SANTOSAPELADA: CSAR ROGRIO DEMAMAM BERNAOrigem: 3 Vara Cvel da Comarca de Maca.

CONTRARRAZES DE APELAOCOLENDA CMARA

EMINENTES DESEMBARGADORES

EXMO. DR. DEFENSOR PBLICO DE CLASSE ESPECIAL

I - SNTESE DA CAUSA

O apelante afirma residir, desde 1982, na Rua Equador, 250, Maring, Maca-RJ. Endereo este que informa fazer limite com a residncia do apelado na parte dos fundos.

Aduz que o apelado vem desrespeitando o direito de vizinhana na medida em que, em razo da falta de tubulao, despeja grande quantidade de gua em seu terreno, afetando diretamente o barranco que sustenta a estrutura de sua casa.Conforme fl. 16, o apelante autorizou a apelado passar em seu terreno a tubulao necessria para o escoamento das guas pluviais.

Diz por fim que, por inrcia do apelado, a sua residncia foi interditada. No entanto, por no ter para onde ir com sua famlia, permaneceu residindo no referido local.

A petio inicial foi instruda s fls. 10-24.Ocorreu audincia de conciliao. Contudo, a mesma foi infrutfera, conforme fl.46.O apelado ofereceu contestao s fls. 47-77, na qual afirmou que, no ano de 2002, apelante e apelado acordaram quanto construo de uma tubulao, a fim de sanar os problemas advindos do escoamento das guas pluviais. Para tanto, o apelante promoveu a referida autorizao de fl. 16.No referido acordo, os custos dos materiais ficariam a cargo do apelado e as despesas com a mo de obra.

Contudo, o prprio apelante retirou a tubulao ento construda e alegou que o apelado deveria pagar pelo direito de instalar qualquer tubulao que passasse por seu terreno.Assim, para no prejudicar a estrutura do seu imvel e da residncia do apelante, o apelado construiu um sumidouro de 2m2 para absorver as guas pluviais. Porm, a obra no promoveu resultados, uma vez que o apelante removeu uma rvore que sustentava o barranco existente nos fundos e comeou a cav-lo por baixo do terreno do ru para retirar as razes.O apelante apresentou a rplica s fls. 82-85.Foi designada percia na deciso saneadora de fl.86.

A referida percia foi realizada no bem objeto da ao e o laudo consta em fls. 104-131.Conforme fls. 183-185, ocorreu audincia de instruo e julgamento, na qual foram ouvidas duas testemunhas arroladas pelo apelante. No entanto, por serem amigos ntimos do apelante em nada puderam acrescentar.Sentena s fls. 187-189.Apelao interposta s fls. 192-197;

Esse o breve resumo do feito.II DAS RAZES PARA MANUTENO DA SENTENAO juzo a quo entendeu ser improcedente o pedido formulado na inicial, que pleiteou a condenao do apelado na construo de tubulao de escoamento de guas pluviais no seu terreno e o pagamento de indenizao por danos morais, conforme denota trecho da sentena de fls. 192-197:Neste sentido, avana-se concluso de que o pleito autoral no merece prosperar.Ante o exposto, JULGO IMPORCEDENTE o pedido inicial com fulcro no artigo 269, inciso I do CPC.Inicialmente, h que se dizer que no teria mesmo como prosperar o pleito autoral em auferir danos morais em razo do despejo de guas pluviais em sua residncia, pois, conforme ser demonstrado, no obrigao do apelado arcar com os prejuzos causados por guas que correm de forma natural de sua propriedade para o terreno vizinho.O Cdigo Civil, em seu art. 1288, regulamenta acerca do escoamento de guas que correm naturalmente, no que tange ao direito de vizinhana:Art. 1288 O dono ou o possuidor do prdio inferior obrigado a receber as guas que correm naturalmente do superior, no podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo, porm a condio natural e anterior do prdio inferior no pode ser agravada por obras feitas pelo dono ou possuidor do prdio superior.

Em interpretao a este dispositivo, o doutrinador Gustavo Tepedino suscita em seu Cdigo Civil Interpretado o entendimento de Carvalho Santos:Alguns imveis, em razo de sua topografia, recebem guas que de outros prdios caem naturalmente, a exemplo do que ocorre com as guas das chuvas, ou das que por eles correm em leitos fluviais, provenientes de fontes naturais. Dispe o art. 1288 que o proprietrio ou o possuidor do prdio inferior obrigado a receb-las, no lhe facultando pedir indenizao por suport-las, ainda que sofra prejuzos, pois no a gua, mas a natureza do terreno que causa o prejuzo non acqua sed loci natura nocetNeste mesmo sentido, Silvio Venosa tambm faz importantes consideraes:

As guas que o prdio inferior est obrigado a receber so as de chuva e as que brotam naturalmente do solo. Fluindo naturalmente, ainda que ocorra prejuzo, este no imputvel ao dono do prdio superior, mas a fato da natureza.Ora, conforme descrito fl. 114 do laudo pericial, o terreno do apelante est em situao irregular, uma vez que tem nos fundos um barranco com inclinao de 90 e no possui muro de conteno:2) Queira o Sr. Perito relatar as condies do terreno e da residncia do Autor?

R O terreno do Autor um terreno em aclive tendo nos fundos um barranco cortado na inclinao de quase 90 o que no permitido sem a construo de um muro de conteno.

A prpria Defesa Civil informou fl. 17 que a queda do barrando existente na casa do apelante ocorreu devido drenagem insuficiente das guas do vizinho dos fundos, com eminente risco de desabamento, devendo ser providenciada a construo de um muro de conteno para sanar o problema.Cabe ressaltar que em nenhum momento a Defesa Civil destinou a culpa do ocorrido ao apelado, apenas avaliou a situao e disse que a origem do constrangimento decorria da drenagem insuficiente das guas do vizinho dos fundos.

Ocorre que as guas provenientes do vizinho dos fundos so guas pluviais, ou seja, tratam-se de guas de chuvas. Portanto, tendo em vista art. 1288 e entendimento doutrinrio, no cabe ao apelado a obrigao de arcar com os prejuzos causados. Na realidade, compete exclusivamente ao apelante seguir as regras existentes para a inclinao do recorte de seu terreno.

Os danos causados residncia do apelante foram acarretados por sua prpria culpa, uma vez que competia ao mesmo a construo do muro de conteno a fim de no permitir a queda do referido barranco.

O apelado em nenhum momento agiu de maneira a prejudicar o apelante. Ao revs do que alega o apelante, o apelado sempre agiu de forma a tentar diminuir os prejuzos sofridos pelo seu vizinho, mesmo no sendo esta a sua obrigao.

Deste modo, o apelado chegou a instalar por duas vezes tubulao de drenagem, sendo que a primeira foi retirada sem justificativa pelo ora apelante, conforme se alegou na contestao de fls. 47-77. Atualmente, as guas pluviais so drenadas pela segunda tubulao construda pelo apelado na direo do terreno de um outro vizinho, conforme informaes do referido laudo pericial.A jurisprudncia possui o mesmo entendimento da doutrina, no que concerne a escoamento de guas pluviais:

Ementa: Os prdios so obrigados a receber as guas que correm naturalmente dos prdios superiores; se o dono do prdio superior fizer obras de arte, para facilitar o escoamento, proceder de modo que no piore a condio natural e anterior do outro. Encontrando-se o imvel dos autores em posio inferior ao do ru e, no havendo, por isso, como evitar que guas pluviais escoem para sua propriedade, j que a lei no impe ao ru a obrigao de realizar obras de escoamento ou canalizao de guas de chuva, no h que se falar em obrigao de fazer do ru. (2 Vara Civil 12 Cm.; AP c/ Rev. n 597.344-00/0-SP; Rel. Juiz Romeu Ricupero)

Ementa: Questionamento a respeito de recepo de guas que correm naturalmente do prdio superior para o inferior. O dono do prdio inferior tem por obrigao receber as guas que correm naturalmente do superior, isto , as guas correntes por obra da natureza e as pluviais. Exegese do artigo1288doCdigo Civil. Sentena mantida. Recurso no provido. (25 Cm. de Direito Privado. APL n 449222020098260000-SP. Rel. Marcondes D'ngelo)No que tange responsabilidade civil, Silvio Rodrigues elenca a seguinte definio:A responsabilidade civil a obrigao que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuzo causado a outra, por fato prprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam.A responsabilidade civil ocorre a partir de um ato ilcito. Atos ilcitos so aqueles que contrariam o ordenamento jurdico lesando o direito subjetivo de algum, dele faz nascer obrigao de reparar o dano, conforme art. 186 do Cdigo Civil:

Art. 186 - Aquele que, por ao ou omisso voluntria, negligncia ou imprudncia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilcito.Assim, a doutrina identifica como elementos da responsabilidade civil a conduta culposa do agente, nexo causal, dano e culpa, tendo em vista o que destacado por Fernando Noronha para que exista a responsabilidade civil do agente:1. que haja um fato (uma ao ou omisso humana, ou um fato humano, mas independente da vontade, ou ainda um fato da natureza), que seja antijurdico, isto , que no seja permitido pelo direito, em si mesmo ou nas suas consequncias;2.que o fato possa ser imputado a algum, seja por dever a atuao culposa da pessoa, seja por simplesmente ter acontecido no decurso de uma atividade realizada no interesse dela;3.que tenham sido produzidos danos;4. que tais danos possam ser juridicamente considerados como causados pelo ato ou fato praticado, embora em casos excepcionais seja suficiente que o dano constitua risco prprio da atividade do responsvel, sem propriamente ter sido causado por esta.Ora, conforme demonstrado anteriormente, o fato danoso no pode ser imputado ao apelado, uma vez que o dano foi causado por guas de chuva, no cabendo ao mesmo arcar com os prejuzos causados.guas estas que foram devidamente drenadas por tubulao feita pelo apelado mesmo que esta no fosse a sua obrigao, conforme comprovam as fotos de fls. 70-72 e o laudo pericial de fls. 104-131.Tendo em vista a ausncia de imputao do fato ao apelado, no h que se falar em reparao por danos morais, j que o dano causado residncia do apelante foi causado por sua exclusiva culpa.Com relao aos danos morais, Antnio Geov da Silva Santos faz a seguinte observao:Pessoas que posam de vtima ou que provocam o fato para se tornarem ofendidas, criando, assim, condies para o pleito ressarcitrio, por certo merecero todo o repdio do rgo jurisdicional. Enquanto o direito brasileiro est vivendo nova fase quanto efetiva proteo aos direitos da personalidade, necessrio que os cuidados sejam redobrados para evitar condenaes de pessoas que foram vtimas de supostos ofendidos por danos morais. Nesse trabalho de joeirar, deve ser vasculhada a motivao do pedido.

Frente ao modismo do dano moral, o pedido de indenizao por este vem embutido em qualquer ao, at mesmo sem a existncia da devida causa de pedir ou fundamentos de fato e de direito.

Por esta razo, veio o art. 945 do Cdigo Civil impor a vtima um encargo pela ao comissiva ou omissiva no pretendido evento danoso:

Art. 945. Se a vtima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenizao ser fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.Conforme se fez provar nos autos, a suposta vtima poderia ter evitado o evento que lhe causou o dano, mas ao contrrio, contribuiu de maneira consciente para a sua concretizao ao no realizar a construo do muro de conteno, bem como ao arrancar a rvore que sustentava o barranco e ao escavar o mesmo para tirar as razes. Assim, ocorreu culpa exclusiva do apelante no evento danoso, no havendo imputao do fato danoso ao apelado.

Logo, todas as razes acima expostas conduzem ao entendimento de que merece ser mantida a sentena na forma em que foi lanada.IV - CONCLUSOPor todo o exposto, indiscutvel o direito que assiste ao apelado, razo pela qual requer a Vossas Excelncias seja negado provimento ao recurso de apelao interposto s fls. 192-197, e seja mantida a sentena na forma em que foi lanada.E. Deferimento.

Maca, 06 de agosto de 2013.

RICARDO S. R. ARRAESDEFENSOR PBLICO

MAT 860.781-4

Raquel H. D. CordeiroEstagiria DPGE/RJ

CARVALHO SANTOS, Joo Manoel. Cdigo Civil Interpretado, vol. III, 4ed., 1950. In: TEPEDINO, Gustavo. Cdigo Civil Interpretado, vol. III. So Paulo: Renovar, 2011, p. 608.

VENOSA, Silvio de Salvo. Cdigo Civil Interpretado. 2 ed. So Paulo: Editora Atlas, p1299.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 4 Responsabilidade Civil. 20 ed. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 6.

NORONHA, Fernando. Direito das obrigaes. 3 ed. So Paulo: Saraiva, 2010, p. 468-469.

SANTOS, Antnio Jeov da Silva. Dano moral indenizvel. 4 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 119-120.