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  • Cidades Sustentveis: Alguns Enfoques e Fatores Crticos

    Roberta Paro 2012

    Centro de Desenvolvimento da Sustentabilidade na Construo

    CDSC

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    Cidades SustenTveis: alguns Enfoques e Fatores crticos1

    Por Roberta Paro

    Introduo

    Pela primeira vez na histria da humanidade, a populao urbana supera a rural. Segundo as

    previses da Naes Unidas, em 2030 cerca de 70% da populao mundial viver nas

    cidades, trazendo desafios para o meio ambiente, a governana, a qualidade de vida das

    pessoas e a sustentabilidade urbana de modo geral. O crescimento ocorrer principalmente

    nas regies urbanas das regies menos desenvolvidas, cuja populao dever crescer de 2,5

    bilhes em 2009 para 5,2 bilhes em 20502.

    O crescimento das cidades representa maior presso sobre recursos energticos e hdricos,

    maior necessidade de descarte e tratamento de resduos slidos e lquidos, maior poluio

    do ar, alm dos desafios da mobilidade, com seus mltiplos efeitos sade pblica

    (obesidade, problemas respiratrios), qualidade de vida, eficincia, mudanas climticas.

    Alm disso, tendncias segregao social, desigualdades no acesso aos servios urbanos e

    insegurana so intensificados.

    Este texto apresentar alguns exemplos do que se discute hoje quanto a um olhar para o

    futuro das cidades tendo em mente a sustentabilidade. Longe de abranger todos os bons

    exemplos de prticas e aes existentes j que estes esto disponveis nos diversos

    rankings e cases disponveis na internet o que se pretende aqui oferecer uma amostra

    das diferentes abordagens do tema, desde as condies mais ideais, ainda que irrealistas de

    trabalho como planejar uma cidade do zero , at chegarmos alguns parmetros de

    transformao atualmente discutidos para a cidade de So Paulo.

    A incluso de exemplos distantes da realidade de So Paulo se deve ao fato de que qualquer

    planejamento para a sustentabilidade e o das cidades no diferente envolve a

    transformao de paradigmas, o que requer que se tenha em mente um norte inspirador

    para direcionar a jornada, ainda que irrealista para o momento. Depois, conforme o

    processo se inicia, os passos podem ser ajustados ou redirecionados, conforme se adquire

    inclusive maior bagagem para acertos no futuro.

    Procuramos tambm destacar alguns dos principais fatores que propiciaram que os bons

    exemplos se concretizassem, j que eles nos fornecem subsdios para o estabelecimento de

    critrios e indicadores de sustentabilidade para a cidade de So Paulo, no mbito da

    1 Este texto faz parte da etapa preliminar do Pesquisa , realizada no mbito do Centro de Desenvolvimento da Sustentabilidade na Construo (CDSC) da Fundao Dom Cabral, em parceria com o Secovi-SP. 2 http://esa.un.org/unpd/wup/Documents/WUP2009_Highlights_Final.pdf

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    Pesquisa de

    Urbano, realizada com o Sindicato da Habitao de So Paulo (SECOVI/SP) no mbito do

    Centro de Desenvolvimento da Sustentabilidade na Construo (CDSC) da Fundao Dom

    Cabral.

    Masdar: O privilgio de planejar do zero

    Masdar, nos Emirados rabes, chama a ateno pela meticulosidade de seu planejamento,

    numa regio onde a riqueza originada pela abundncia de petrleo pode viabilizar as idias

    mais ousadas. Seus idealizadores pretendem que a cidade seja a primeira do mundo neutra

    em carbono, hospedando um centro de pesquisa especializado em energias renovveis e

    sustentabilidade. Tudo planejado visando a mais alta funcionalidade e baixo consumo.

    Masdar funcionar como um experimento cujo desempenho ser constantemente

    analisado, fazendo-se os ajustes necessrios3.

    A cidade faz parte da Masdar Initiative, pela qual Abu Dhabi investir na explorao,

    desenvolvimento e comercializao de recursos energticos renovveis e solues de

    tecnologia limpa para o futuro. Sua construo est sendo feita pela Abu Dhabi Future

    Energy Company, com recursos provenientes principalmente do governo de Abu Dhabi.

    Idealizado pela Foster and Partners, o projeto da cidade combina design high-tech com as

    mais antigas prticas de construo no deserto. O projeto tem como viso social a idia de

    conciliao entre a tradio local e as tendncias de modernizao. Estima-se que 90% do

    fornecimento de energia ser proveniente de energia solar, recurso abundante na regio, a

    partir de um campo de 10 MW o maior do Oriente Mdio. O projeto estuda ainda a

    utilizao de um sistema avanado de espelhos capaz de direcionar a luz do sol para uma

    torre de energia central. O restante da energia seria gerado pela incinerao de resduos, j

    que a cidade ter um programa de resduo-zero.

    Um grande diferencial foi a soluo dada para o transporte: Masdar ser fechada para

    veculos movidos motor de combusto. Estes sero estacionados em garagens nos limites

    da cidade, onde se tem acesso s estaes de veculos eltricos que transitaro por tneis

    sob a cidade. Os veculos sero conduzidos sem motorista, o usurio escolhe o destino em

    uma tela de LCD no painel. O sistema subterrneo assim como os demais servios , no

    havendo cabos ou trilhos aparentes. Chegando em seu destino, as estaes estimulam a

    utilizao de escadas de concreto, e quando se chega s ruas, a circulao por meio de uma

    extensa rede de vias para pedestres, conectada aos diversos ptios dos prdios, a nica

    alternativa. Alm das questes ambientais, essa medida procura lidar tambm com os altos

    nveis de obesidade verificados nesta parte do mundo rabe, j que a maioria prefere se

    3 http://www.nytimes.com/2010/09/26/arts/design/26masdar.html?pagewanted=1&_r=1

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    locomover de carro para evitar o calor. Uma linha de transporte leve sobre trilhos passar

    pelo centro de Masdar, ligando-a a Abu Dhabi, que fica a 17 km de distncia.

    O forte calor da regio, por sua vez, ser amenizado por meio do desenho de ruas

    sombreadas e estreitas, que canalizam a circulao de ar com maior velocidade, e em ngulo

    com o sol, de modo a otimizar o sombreamento. Parques estreitos e longos contribuem para

    amenizar a temperatura dos ventos. A cidade elevada alguns metros, de modo a

    aproveitar os fortes ventos da regio, e a circulao de carros eltricos ocorre no subsolo,

    liberando a parte trrea da cidade para a circulao das pessoas em meio a ptios e parques.

    Torres de ventilao instaladas nas edificaes reforam o sistema de circulao e

    refrigerao de ar, canalizando o vento para o nvel trreo.

    Estima-se que Masdar abrigue cerca de 45.000 residentes, alm de outros 45.000 que

    utilizaro a cidade para trabalhar ou estudar. Ainda que suas solues devam servir de

    inspirao para outras cidades, elas dificilmente podero ser aplicadas integralmente em

    cidades maiores, com alguns milhes de habitantes. o tipo de soluo vivel apenas em

    pequenas ou mdias comunidades, planejadas do zero.

    justamente por ter a condio privilegiada de um minucioso planejamento prvio e ser

    concebida visando se desvincular dos problemas atuais das grandes cidades que Masdar no

    escapa de ser associada ao grupo de refgios ou mini-utopias onde os mais afortunados

    podem se isolar das mazelas do crescimento urbano. Um artigo do New York Times (2010)

    ilustra essa avaliao: Masdar cmulo dessa tendncia: uma sociedade auto-suficiente,

    erguida sobre um pedestal e fora do alcance da maioria dos cidados do mundo4.

    O que se busca com esse tipo de crtica lembrar que a insistncia nesse tipo de soluo

    urbana para poucos apenas intensifica a excluso social ao centrar esforos em nichos

    isolados seja por grandes muros, seja pela impossibilidade de acesso , onde se desfruta

    do que h de mais avanado em tecnologia e qualidade de vida, mas que so rodeados por

    guetos ou vastas regies de crescimento desorganizado onde a sustentabilidade passa longe,

    uma vez que os quesitos mais bsicos de qualidade de vida urbana so negligenciados. De

    todo modo, a experincia no deixa de ser inspiradora.

    Cidades Verdes Compactas

    Com os evidentes efeitos negativos do crescimento urbano, discute-se muito o

    desenvolvimento de cidades compactas, ou seja, com alto grau de adensamento. As

    desvantagens do contnuo crescimento horizontal das cidades interfere no apenas na

    quantidade de terras disponveis para biomas e para a agricultura gerando inclusive sua

    valorizao , mas tambm no custo de servios pblicos de transporte, no estmulo

    4 IBID.

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    utilizao de carros, gerando trnsito, aumento da utilizao de combustvel e da poluio,

    alm da decadncia de reas centrais e da segregao social entre centro e periferia.

    Brandon Haw, arquiteto da Foster and Partners, se apoia principalmente na noo de que

    cidades com alta densidade so associadas ao menor uso de gasolina. Mas, alm do

    adensamento, encurtando as distncias moradia-comrcio-trabalho, a cidade deve ter sua

    mobilidade apoiada principalmente em uma rede pblica de transportes eficiente, com base

    em metr, bonde, bicicletas e carros eltricos. Haw cita como exemplos as cidades de

    Bordeaux e Paris, que oferecem bicicletas pblicas integradas s estaes de bonde ou

    metr.

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    Amarrando essas questes chave, os estudos sobre o desenvolvimento urbano sustentvel

    recomendam a coordenao entre transporte urbano e planejamento do uso do solo, com o

    delineamento de cidades mais compactas.

    Contudo, se por um lado as cidades compactas podem reduzir a demanda por longas viagens

    e contribuir para a reduo das emisses de carbono, uma questo que surge com essa

    estratgia a impermeabilizao do solo e a reduo da disponibilidade de reas verdes,

    tornando portanto a cidade vulnervel aos efeitos das mudanas climticas. Por isso, um

    aspecto ressaltado pelo estudo World and European Sustainable Cities, realizado pela

    Ciclovias como alternativa integrada ao sistema de transporte

    Em seu novo plano diretor, Copenhague est aprimorando sua rede de ciclovias de modo

    a encorajar um nmero ainda maior de seus habitantes a irem de bicicleta ao trabalho.

    Na cidade, que j tem muito menos congestionamentos em comparao com outras

    cidades do mesmo porte, mais de 36% da populao utiliza a bicicleta para ir ao trabalho

    todos os dias, e este meio de transporte competitivo em termos de velocidade quando

    comparado a carros e nibus em distancias de at 5 km. O uso da bicicleta considerado

    uma categoria diferenciada de transporte e possui sua prpria via, com cerca de 350km

    de ciclovias ao lado das principais vias de automveis e pedestres, constituindo um meio

    seguro e eficiente de transporte.

    H tambm uma alternativa para quem utiliza bicicletas ocasionalmente, ou vem de

    outra cidade. Por meio de uma parceria pblico-privada, um programa oferece bicicletas

    para alugar por algumas horas, ou o dia todo. O projeto financiado por meio de

    patrocnio e espao publicitrio, e disponibiliza bicicletas em 120 pontos na regio

    central de Copenhague.

    Atualmente, 80% das pessoas que utilizam a bicicleta se dizem satisfeitas com as

    condies oferecidas em Copenhague. A cidade reconhece que o investimentos na

    manuteno da infraestrutura das ciclovias essencial para que os ciclistas continuem

    satisfeitos e utilizando a bicicleta.

    Projetos semelhantes so encontrados hoje em outras cidades europias, como Paris,

    Bordeaux, Amsterdam e Barcelona. O Vlib uma parceria pblico-privada entre a

    prefeitura de Paris e uma empresa de publicidade (SOMUPI) com o objetivo de

    disponibilizar o servio de aluguel de bicicletas integrado ao transporte pblico, atravs

    de 1451 estaes espalhadas pela cidade. A prefeitura estima gerar 34 milhes de euros

    ao longo de 10 anos sem investir nada, enquanto a empresa, que investiu 80 milhes de

    euros para colocar o projeto de p, ir arcar com os custos operacionais, alm de pagar

    3,4 milhes de euros anualmente cidade de Paris em troca dos direitos pelo espao

    publicitrio, estimando ganhar cerca de 60 milhes de euros anualmente com renda de

    publicidade.

    Fonte: http://www.c40cities.org/bestpractices/transport/copenhagen_bicycles.jsp

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    Comisso Europia em 20105, que o adensamento deve ser estudado de modo a no

    implicar na reduo de um importantssimo recurso para a adaptao s mudanas

    climticas: as reas verdes. Esse efeito seria ainda agravado pelo aquecimento das ilhas de

    calor urbanas. O estudo cita clculos de que, para a cidade de Manchester, por exemplo, o

    aumento em 10% de reas verdes nas reas residenciais compensaria os efeitos do que seria

    o pior cenrio de aumento de temperatura em 2080.

    Portanto, o desafio das cidades no futuro como combinar cidades mais compactas com a

    necessidade de reas verdes nos locais onde as pessoas vivem. A Escandinvia possui alguns

    bons exemplos nesse sentido, resultantes em grande parte de sua tradio de planejamento

    e de seu estilo de construo.

    Com base nos casos de sucesso, o estudo da Comisso Europeia aponta os pontos abaixo

    como requerimentos bsicos para uma cidade compacta e verde.

    MELHOR COORDENAO ENTRE OS PLANEJAMENTOS DE TRANSPORTE, USO DO SOLO E ESPAOS ABERTOS

    Segundo o estudo, um bom exemplo de planejamento coordenado de transporte, uso do

    solo e espaos abertos o plano diretor de Copenhague de 1947, o Finger Plan. Nele, o

    desenvolvimento foi focado ao longo de corredores de transporte os dedos (fingers, em

    ingls) orientados pelo princpio de que novos locais de trabalho deveriam se situar

    prximos s linhas de transporte pblico, sempre que possvel. Entre os dedos, espaos

    abertos so preservados proporcionando reas verdes em meio infraestrutura. Ainda que

    tenha havido desenvolvimento posterior ao longo dos dedos, a viso por trs do Finger

    Plan ainda a grande orientadora para o desenvolvimento futuro da Grande Copenhague.

    PRESERVAO DA INFRAESTRUTURA VERDE PARA PEDESTRES E CICLISTAS

    Nas cidades escandinavas, outro modo interessante de se integrar transporte e

    planejamento de espaos abertos atravs do desenvolvimento de corredores verdes,

    inclusive ao longo de rios que possam ser utilizados por pedestres e ciclistas.

    Muitas cidades escandinavas so rodeadas por florestas, e uma iniciativa importante foi o

    estabelecimento de planos para a proteo de reas verdes, buscando a integrao de reas

    verdes urbanas e rurais por meio de corredores contnuos tanto entre as reas verdes

    urbanas, quanto entre estas e a paisagem em torno da cidade. Desse modo, possvel

    caminhar ou ir de bicicleta de fora da cidade por um lado, passando pelo centro e ento sair

    novamente pelo outro lado da cidade, sempre atravs de reas verdes. Com base nesse

    5 World and European Sustainable Cities: Insights from EU research. European Commission - Directorate-

    General for Research Science, economy and society (2010).

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    critrio, Parques Nacionais Urbanos (NUP) foram estabelecidos na Sucia e na Finlndia

    visando proteger a infraestrutura verde.

    CRIAO DE NOVAS PAISAGENS URBANAS EM UMA CIDADE VERDE COMPACTA

    Para ilustrar os princpios para Cidades Verdes Compactas, um outro aspecto levantado

    pelo estudo o esforo pela criao ou transformao de bairros ou complexos residenciais

    inteiros com base em princpios de sustentabilidade, com escala progressivamente maior.

    Dois exemplos so citados.

    Em Oslo, Noruega, o projeto Pilestredet Park, de 2000, envolveu a transformao do terreno

    onde antes havia um hospital em uma rea residencial. O projeto, realizado em uma rea

    relativamente central, marcou a transio de estudos piloto de pequena escala para a

    implementao de construes sustentveis em larga escala na Noruega. Cerca de 1400

    apartamentos foram construdos de modo a consumir 50% menos energia que a mdia

    nacional, com economia de gua, reciclagem e compostagem de lixo, reduzindo o volume

    final produzido. O processo de construo envolveu o reuso de materiais e a reduo ao

    mximo de substancias txicas. Como resultado, o empreendimento contribui para o clima

    local, possui excelentes reas externas, boa qualidade do ar interno, reduo de barulho e

    foco no pedestre, nas ciclovias e no transporte pblico.

    Em Malmo, Sucia, o projeto Western Harbour, de 2001, apresenta residncias prximas

    uma das outras, mas com foco pronunciado em reas veres. Os ptios internos possuem

    vegetao e lagoas, complementadas por telhados verdes a trepadeiras. Um sistema de

    cotas determinou que de cada 100m2 de rea construda, no mnimo 50m2 devem ser

    Valorizao do design do espao pblico

    Para Brandon Haw, da Foster and Partners, o design deve ter a capacidade de

    transformar os hbitos das pessoas. Segundo ele, deve haver ateno e mais

    investimento no design de interface pblica, como o de estaes de metr por exemplo,

    pois isso atrair mais usurios, modificando o hbito de quem antes preferia utilizar o

    carro.

    Entre os exemplos disto esto algumas estaes de metr europias, assim como as

    novas pontes e as modificaes introduzidas ao redor de praas de Londres visando

    privilegiar seu uso por pedestres. Para Haw, a cidade hoje atrai pessoas com espaos

    pblicos agradveis e exibies a cu aberto.

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    cobertos por vegetao (ou seja, um fator de rea verde de 0,5). Alm disso, ao menos 10

    caractersticas verdes foram includas em cada ptio, desde o plantio favorvel

    borboletas at a proviso de solo com profundidade adequada para o cultivo de hortalias.

    PROMOO DA INTERFACE URBANO-RURAL

    A paisagem rural oferece muitos bens e servios que beneficiam a comunidade urbana, na

    forma de qualidade de vida e de servios do ecossistema, por isso as interfaces entre essas

    duas zonas devem estar includas no planejamento urbano. Outras interfaces importantes

    incluem a gesto de recursos hdricos e de descarte de resduos, a produo de alimentos e

    de energia e o suprimento de matria-prima. Um exemplo a reciclagem do lixo: na

    Dinamarca, diversas cidades j realizam a compostagem de seu lixo urbano, que ento

    utilizada pelas fazendas das redondezas.

    CONTENO URBANA E ENFOQUES COORDENADOS DE GOVERNANA

    Os principais meios apontados no estudo de se gerenciar o crescimento urbano so o

    estabelecimento de uma clara fronteira espacial entre solo urbano e rural, associado a

    polticas e estratgias territoriais integradas, que no tratem as questes relacionadas aos

    desenvolvimentos urbano e rural separadamente. Pelo contrrio, deve haver um enfoque

    coordenado envolvendo todas as autoridades relevantes ao planejamento, assim como os

    demais stakeholders e suas organizaes. Segundo o estudo, uma legislao forte de

    planejamento e um processo aberto de governana so aspectos crticos neste enfoque.

    Na Europa, ainda que as autoridades locais tenham autonomia no planejamento, dois

    exemplos de iniciativas de sucesso na definio de uma estratgia abrangente de proteo

    das reas rurais e das reas verdes nos limites urbanos so o Regional Structure Plan of the

    Hague Region (Holanda) e o Territorial Cohesion Scheme na regio de Montpellier (Frana).

    ALGUNS FATORES QUE EXPLICAM O MELHOR DESEMPENHO DE DETERMINADAS CIDADES

    Uma pesquisa desenvolvida pela Economist Intelligence Unit em cooperao com a Siemens

    buscou medir o desempenho ambiental de 30 cidades lderes europeias6, descobrindo

    algumas correlaes interessantes entre determinados fatores. Entre elas, a de que possuir

    recursos financeiros um fator chave: quando j se tem boa infraestrutura, fica mais fcil

    implementar planos ambientais e sociais. Na Europa, quanto maior o PIB per capita da

    cidade, maior o seu desempenho ambiental. Cidades mais pobres possuem maior

    desemprego e habitaes informais, afastando-as do que seria uma agenda verde. As

    cidades mais ricas, por outro lado, estabelecem metas ambientais mais ambiciosas, havendo

    uma correlao positiva tambm entre o PIB e a existncia de polticas ambientais. As

    6 European Green City Index: Assessing the environmental impact of Europes major cities. Pesquisa conduzida

    pela Economist Intelligence Unit, patrocinada pela Siemens (2009).

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    cidades melhor colocadas tambm possuem forte participao da sociedade civil caso de

    Estocolmo, Copenhague e Amsterdam, por exemplo.

    Contudo, essas cidades no tm que lidar com o legado do passado comunista, de

    infraestrutura deficiente, como ocorre com as cidades do leste europeu. Ou seja, a pesquisa

    conclui que a histria recente de cada pas importa muito, impactando no apenas a

    infraestrutura, mas tambm em termos de atitudes, e do histrico de polticas ambientais

    urbanas. Copenhague j vem levando a srio as questes ambientais e de sustentabilidade

    desde o choque do petrleo dos anos 70. Estocolmo tambm tem longa tradio nesse

    sentido, e se encontra atualmente em seu sexto plano ambiental consecutivo.

    Segundo a pesquisa, a idade da infraestrutura instalada certamente no decisiva: as

    edificaes de Copenhague, por exemplo, esto entre as mais eficientes do mundo, e no

    entanto apenas 7% delas foi construda nos ltimos 20 anos.

    Outro fator importante para o sucesso das cidades lderes a escolha feita pelas pessoas.

    Este fator tem papel essencial, especialmente conforme as pessoas vo se tornando mais

    ricas, quando passam a usar mais o carro e menos o transporte pblico. interessante pois

    este fator tem relao com outra descoberta da pesquisa, de que h correlao entre o

    engajamento dos cidados e o desempenho ambiental das cidades. Estes dois fatores levam

    concluso importante de que os governos municipais, sozinhos, tm poder relativamente

    limitado, e a soma das decises individuais dos habitantes que ter um impacto mais

    significativo no meio ambiente, revelia de variadas polticas que possam ser elaboradas.

    Em outras palavras, o estudo destaca que as decises individuais dos habitantes de uma

    cidade so, coletivamente, mais poderosas que a habilidade de seus governos de intervir.

    Essa observao torna ainda mais importante que os planos governamentais invistam em

    manter os usurios de determinado servio satisfeitos para que continuem utilizando-o,

    como ressaltado acima quanto aos planos de Copenhague para o estmulo ao uso da

    bicicleta como transporte no dia-a-dia. Se o cidado fica insatisfeito com a ciclovia ou o

    transporte pblico, por exemplo, assim que puder ir optar por utilizar o carro.

    A pesquisa cita ainda um outro dado, resultado de um relatrio de 2008 produzido pela

    McKinsey e Economist Intelligence Unit2 tambm em colaborao com a Siemens, de que

    cerca de 75% das alternativas tecnolgicas que ajudariam Londres a atingir suas metas de

    reduo de carbono no longo prazo dependeriam das decises de cidados ou de empresas,

    e no de governos. Como resultado, o engajamento de indivduos com as questes

    relevantes para a comunidade onde vive ou seja, a fora da sociedade civil de determinada

    cidade possui forte impacto em seu desempenho ambiental.

    Aqui cabe destacar que esse dado fornece sinais interessantes tambm para as

    incorporadoras, pois a escolha, por parte do cliente, por essa ou aquela alternativa ser

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    influenciada no apenas por fatores econmicos, mas tambm pelo conhecimento que se

    tem (ou no) de sua importncia para o meio ambiente, ou para o bem-estar de modo geral.

    Ou seja, deve ser previsto tambm um componente de educao do cliente, nos diversos

    nveis, para a compreenso das vantagens ambientais daquela alternativa. Do mesmo modo,

    os governos municipais devem buscar engajar os cidados nos objetivos de melhoria do

    desempenho ambiental da cidade. Educao e conscientizao so elementos cruciais,

    fornecendo s pessoas as informaes necessrias para ajud-las a tomar as decises mais

    ambientalmente favorveis.

    Por fim, outro aspecto particularmente importante discutido na pesquisa foi a influncia do

    tamanho da cidade em seu desempenho ambiental. Embora a correlao entre ambos tenha

    sido fraca, as cidades lderes tendem a ser menores, tanto no oeste quanto no leste

    europeu. Contudo, a prpria pesquisa ressalta que ser uma cidade grande pode representar

    tanto uma desvantagem quanto uma vantagem, j que enquanto o impacto ambiental de

    uma cidade de cerca de 1 milho de pessoas deveria ser de mais fcil assimilao do que o

    de uma cidade de 10 milhes, por outro lado a cidades maiores podem se beneficiar de

    economias de escala, alem de possuir mais recursos para polticas arrojadas e o

    investimento em uma infraestrutura mais adequada ambientalmente. Alm disso, as cidades

    maiores podem superar sua desvantagem em tamanho conforme adquirem maior

    experincia em gesto ambiental.

    America Latina: aes fragmentadas, critrios variados

    As cidades europias, mesmo as mais pobres, possuem o diferencial do impacto da cultura e

    da tradio poltica ao ingressarem na Unio Europia (UE), alm dos significativos recursos

    financeiros aportados. Os requerimentos para ascenso UE levaram adoo de polticas

    ambientais muito mais avanadas do que as at ento existentes nos pases ingressantes do

    leste e sul europeus, alm do desenvolvimento voluntrio de instituies com o intuito de

    elevar a conscientizao de que a responsabilidade ambiental constitui parte do que se

    espera de uma cidade europia moderna.

    Na Amrica Latina (AL), as condies culturais, polticas, econmicas e at a participao

    social so bem diferentes. O resultado que no apenas o desempenho ambiental das

    cidades latino-amercanas inferior, mas por aqui, o papel de certos fatores no desempenho

    ambiental das cidades no parece ser o mesmo verificado na Europa. O estudo da Economist

    Intelligence Unit em cooperao com a Siemens (2009)7, quando adaptado para mensurar o

    desempenho ambiental de 17 cidades da Amrica Latina, apresentou algumas surpresas.

    7 Latin American Green City Index: Assessing the environmental performance of Latin Americas major cities.

    Pesquisa conduzida pela Economist Intelligence Unit, patrocinada pela Siemens (2009).

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    Uma delas foi a ausncia de correlao entre renda (PIB per capita da cidade) e desempenho

    ambiental, ao contrrio do observado na pesquisa europia. Uma possibilidade o fato de

    no termos a questo ambiental tradicionalmente como valor, e um aumento de renda

    traduzido em outros ganhos, mas no necessariamente em mais transporte pblico,

    investimento em habitao popular, saneamento, etc. Pelo menos, no historicamente.

    A pesquisa aponta que o resultado da ausncia dessa conexo entre renda e desempenho

    ambiental que o governo acaba por adotar uma postura reativa, procurando agir apenas

    sobre os problemas mais imediatos, e apenas quando h uma forte demanda poltica para

    tal. No se observa um engajamento em aes abrangentes e coordenadas, com um

    planejamento de longo prazo. Conforme ilustra, na pesquisa, o Professor Alan White

    (University College London), especialista em urbanizao e meio ambiente na America

    Latina, at que haja uma espcie de crise poltica seja poltica, devido a protestos ou

    devido falha no fornecimento de servios as questes ambientais ficam de fora da lista

    de prioridades e poucas medidas so tomadas. Sem planejamento, e sem fazer parte de um

    plano de aes mais abrangente, algumas questes so ignoradas, como saneamento, por

    exemplo, onde o sistema de esgoto e o tratamento de gua podem ser implementados

    descoordenadamente.

    Outra surpresa encontrada na Amrica Latina, segundo a pesquisa, que no h

    consistncia, no h padres a serem extrados entre as cidades que ficam no topo do

    ndice. As cidades esto fazendo coisas diferentes, segundo critrios diferentes. Outra

    dificuldade que as grandes cidades cresceram ao ponto de abranger diversos municpios,

    com diferentes governos muitas vezes nas mos de partidos polticos adversrios, o que

    dificulta ainda mais que se chegue a um viso comum para a cidade.

    DESAFIOS DA AMRICA LATINA

    A pesquisa aponta alguns desafios comuns entre as cidades da America Latina:

    Desempenho fraco em edificaes ecoeficientes, devido ao rpido crescimento

    urbano;

    Buscar manter os parques existentes, ao invs de criar novos;

    Proteo de reas preservadas: existem polticas, mas no so efetivamente

    implementadas e fiscalizadas;

    Cultura de transporte individual: h uma rede extensa de transporte pblico, mas no

    pensada de modo a estimular que as pessoas deixem de usar o carro;

    Lixo: no h coleta em moradias informais tampouco h contabilizao, o que deixa

    essa lacuna fora das estatsticas oficiais;

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    Lixo: pouco se coleta de lixo txico e industrial; pouco se monitora o descarte ilegal de

    lixo; pouco se recicla;

    gua: a moradia informal no contabilizada, portanto o acesso no universal;

    Saneamento: quase a maioria das moradias formais tem acesso, mas no se contabiliza

    a moradia informal. Por outro lado, o que coletado no tratado (apenas 52%, na

    mdia). Algumas cidades nem avaliam esse aspecto como parte de sua estratgia

    ambiental. Jogar no rio considerado menos grave do que no ter acesso

    saneamento;

    Qualidade do ar: carro o principal problema: gera poluio e agrava o trnsito;

    Governana ambiental: existem polticas ambientais, mas no so aplicadas

    efetivamente. H problemas de fragmentao poltica, desacordo entre as diferentes

    esferas (municipal/estadual) ou entre municpios vizinhos.

    Como se observa, o problema mais srio est localizado em torno das moradias informais,

    que so insustentveis por definio. E, ao no serem contabilizadas nas estatsticas oficiais,

    obtm-se uma imagem irreal do nvel de sustentabilidade de uma cidade.

    Quanto ao desafio da mobilidade e da poluio do ar nas cidades latino-americanas em

    constante crescimento, as cidades que se sairo melhor sero aquelas que implementarem

    fortes restries s emisses de carros e caminhes, e que promoverem o uso de transporte

    pblico. Contudo, esta apenas parte da soluo para a reduo do uso de carros. Conforme

    Maior convivncia e maior equilbrio entre o pblico e o privado

    Brandon Haw, da Foster and Partners, tambm defende que questes de segurana e

    qualidade de vida sejam solucionadas com o estmulo maior convivncia das pessoas

    nas ruas. O arquiteto cita Manhattan como um exemplo de equilbrio e vida nas ruas.

    Haw considera fundamental tambm o balano entre o setor pblico e o privado. Uma

    boa cidade boa tanto para os negcios quanto para o governo. Deve promover no

    apenas o sucesso comercial, mas tambm cvico, fortalecendo o senso de justia social e

    de cidadania. Deve possuir equilbrio entre o estmulo livre iniciativa e a governana, e

    entre lucros e incentivos fiscais. Alm disso, uma boa cidade deve tambm considerar

    no apenas critrios econmicos, mas tambm sociais e ambientais.

  • | 14 |

    j mencionado acima, tambm na America Latina se verifica que o nmero de carros por

    pessoa nas cidades aumente conforme aumenta a renda per capita, independentemente da

    qualidade ou do tamanho do sistema de transporte pblico existente.

    CENRIO FUTURO: AGRAVAMENTO DE TENDNCIAS ATUAIS

    A pesquisa para a Amrica Latina conclui que os desafios ambientais das cidades latino-

    americanas iro aumentar, j que as cidades iro aumentar em populao e rea

    principalmente as de mdio porte.

    O problema que esse crescimento urbano j est invadindo as reas importantes

    ambientalmente, muitas vezes na forma de moradias informais, gerando crescente presso

    Transformao de um sistema de transporte pblico de massa: o exemplo de Bogot Bogot est acima da mdia em termos de transporte entre as cidades da Amrica

    Latina, com base em uma extensiva rede de transporte de massa. A cidade se tornou em

    exemplo de adaptao do bus rapid transit (BRT), o componente central do

    mundialmente reconhecido sistema de transporte pblico de Curitiba, para uma cidade

    j grande e com problemas de trnsito.

    Inaugurado em 2000 em meio aos esforos da prefeitura em reduzir drasticamente o uso

    do carro, o Transmilenio, como chamado, possui hoje 84 km, e continua em expanso.

    Consiste de vias dedicadas em algumas das principais avenidas da cidade, carregando

    cerca de 1,6 milhes de pessoas por dia. Os passageiros embarcam por meio de

    plataformas elevadas utilizando cartes eletrnicos, e o sistema integrado a 400 nibus

    adicionais, alm de ciclovias e calades para pedestres. Com o programa, Bogot

    substituiu seus antigos nibus por nibus movidos gs natural, o que lhe rendeu

    crditos de carbono para financiar o programa.

    Alm do BRT, a cidade investiu pesadamente em ciclovias, tendo construdo uma das

    maiores redes de ciclovias do mundo, com cerca de 300km. Bogot no possui metr,

    mas possui um dos menores ndices de nmero de carros por pessoa (0,15) da Amrica

    Latina.

    A poltica de espaos pblicos da cidade exige que os novos empreendimentos aloquem

    parte do projeto para reas verdes. Com isso, Bogot est entre as cidades latino-

    americanas de renda mdia com maior proporo de reas verdes, ainda que se

    reconhea sua insuficincia em bairros de baixa renda.

    Fonte: Latin American Green City Index: Assessing the environmental performance of Latin

    Americas major cities. Pesquisa conduzida pela Economist Intelligence Unit, patrocinada pela

    Siemens (2009).

  • | 15 |

    por infraestrutura. Esse processo ser agravado pelos eventos extremos decorrentes da

    mudana climtica, como enchentes, secas e tempestades.

    DESAFIO DE GOVERNANA: SUPERAR A FRAGMENTAO DO PLANEJAMENTO E DO GERENCIAMENTO

    O tratamento desse conjunto de desafios requer uma viso abrangente e de longo prazo

    para as cidades latino-americanas. Nicholas You, presidente do Comit Diretor da World

    Urban Campaign da UN-Habitat uma plataforma onde organizaes pblicas e privadas

    podem compartilhar polticas urbanas e ferramentas , defende que o caminho para cidades

    verdes requer que se repense como elas so gerenciadas. Um planejamento urbano holstico

    frequentemente vtima da fragmentao entre diferentes territrios e jurisdies, quando

    deveria se planejar a cidade como um todo, inclusive as cidades vizinhas cujos moradores

    comutam diariamente. As reas metropolitanas abrangem diversas jurisdies, cada uma

    com seu planejamento e fornecedores de servios pblicos. Grande parte da populao que

    depende de determinada cidade pode morar na periferia e estar sob uma estrutura de

    governo diferente, o que requer que o desenvolvimento ocorra de modo holstico, como

    qualquer outro organismo vivo, defende Nicholas.

    Alm do problema da sobreposio de jurisdies que competem entre si apontada por ele

    como um dos maiores inimigos da urbanizao sustentvel, Nicholas enumera diversos

    outros obstculos, incluindo a viso poltica imediatista ao invs do planejamento de longo

    prazo, e a descentralizao e fraqueza do poder pblico. A maioria das cidades latino-

    americanas encaram as questes ambientais caso a caso, geralmente em resposta a crises,

    aponta. Ele destaca, porm, uma questo chave: de quem a responsabilidade? Todos so

    responsveis por uma fatia do problema (como gua, energia, transporte), mas ningum

    controla o todo, no h uma viso integrada, fundamental quando se trata de tornar as

    cidades mais sustentveis. Muitos diriam que Curitiba um exemplo de cidade que tem

    feito por dcadas aquilo que todas as cidades deveriam estar fazendo: planejamento urbano

    de cima pra baixo, e de longo prazo.

  • | 16 |

    Para Nicholas, a tendncia crescente de formalizao dos assentamentos informais, ao

    invs da remoo e demolio. As cidades proativas percebem que no se pode possuir

    altas porcentagens da populao excluda e esperar tornar-se uma cidade global, destaca.

    Isso envolve o fornecimento de gua, coleta de lixo e saneamento, mas h tambm o

    problema dos direitos sobre a propriedade, que dificulta a formalizao devido s incertezas

    quanto a quem detm os direitos terra. E isso, por sua vez, dificulta a instalao da

    infraestrutura de gua ou esgoto por parte das empresas responsveis.

    Um imperativo apontado por Nicholas que o planejamento seja levado a srio. No o

    planejamento setorial de gua, energia, saneamento e coleta de lixo mas o da cidade

    como um todo, englobando as diversas jurisdies relevantes. E deve-se trabalhar para fazer

    Portland: Poltica energtica focada em eficincia e em fontes renovveis

    Em 1979, a cidade adotou uma poltica energtica enfatizando eficincia e fontes

    renovveis. A partir da, prosseguiu com polticas relacionadas a construes

    sustentveis, reciclagem, compras pblicas sustentveis e mudanas climticas. Um

    amplo programa promovendo construes sustentveis inclui incentivos financeiros e

    assistncia tcnica, alem de visitas a residncias verdes, permitindo que as pessoas

    conheam de perto as aplicaes prticas das ltimas inovaes em construo

    sustentvel. Uma lei estadual permite que os residentes e empresas de Portland

    comprem energia renovvel a partir de um programa voluntrio de escolha do

    consumidor.

    O programa de combate mudana climtica prev redues de emisso nas reas de

    eficincia energtica e construes, transporte, telecomunicaes, recursos renovveis,

    reduo da produo e reciclagem de resduos, compensao de carbono e manejo de

    florestas, alm de polticas, pesquisa e educao. Um inventrio das emisses locais

    produzido anualmente.

    Um dos primeiros programas a serem adotados, o programa de energia de cidade

    consiste em um sistema de impostos que coleta 1% de cada conta de energia das

    secretarias da administrao pblica para custear a assistncia tcnica para projetos de

    eficincia energtica do governo. Antes, disso, alguns programas era financiados pelas

    empresas de energia como parte de seus esforos de gerenciamento da demanda.

    Alguns programas, como os retrofits energticos, requerem a diviso de custos entre os

    proprietrios dos apartamentos. O estado de Oregon oferece crditos em impostos para

    estimular a eficincia energtica em construes, os quais podem ser comercializados. O

    programa de energia gera uma economia Portland de cerca de 2,3 milhes de dlares

    por ano em gastos de energia governamentais. Estima-se que economias oriundas

    desses programas reduziro as emisses da cidade em aproximadamente 0,5 milhes de

    toneladas mtricas de CO2.

    Fonte: Sustainable Cities: Best Practices for Renewable Energy & Energy Efficiency Austin -

    Chicago - Fort Collins - Portland

    Five Stars Consultants

    Ken Regelson (2005)

    http://rmc.sierraclub.org/energy/library/sustainablecities.pdf

  • | 17 |

    com que os exemplos de sucesso se tornem poltica pblica, sendo portanto replicados em

    escala. Hoje, muitas das prticas de sucesso so iniciativas isoladas, que podem at inspirar

    outras cidades, mas no h um sistema de feedback para o desenvolvimento de polticas

    urbanas.

    SO PAULO: REPENSANDO O CRESCIMENTO DA MACRO-METRPOLE

    Repensar o planejamento urbano que gerou os problemas atuais

    A regio metropolitana de So Paulo rene hoje mais de 25 milhes de pessoas uma

    macro-metrpole. Cerca de 6 milhes delas 25-30% da populao se concentra em

    bairros com adensamento em tecido urbano despreparado e em condies precrias. Com

    essa macro-escala, o planejamento para uma cidade sustentvel deve rever suas condies

    estruturais, repensando a metrpole como um todo.

    O arquiteto e urbanista Nabil Bonduk (Universidade de So Paulo) defende que esse novo

    conjunto urbano precisa de um novo projeto, que fuja da concentrao de atividades

    econmicas nos centros e reverta o processo de polarizao entre emprego e moradia

    verificada em So Paulo. A excessiva concentrao de investimentos nesse centro

    metropolitano s refora o modelo que gerou o problema em primeiro lugar. Precisamos

    pensar em outros centros, no podemos ficar restritos a essa pequena porcentagem da

    cidade, enfatiza. Caso contrrio, a cidade est fadada insustentabilidade8.

    A idia se baseia em princpios semelhantes aos de cidades compactas mencionadas acima

    aproximando oportunidades de produo com oportunidades de moradia e de consumo.

    Para Nabil, o planejamento da cidade deve aproximar moradia de emprego, torn-la menos

    dividida socialmente e criar condies adequadas de urbanizao, com menos desigualdade.

    O replanejamento do territrio como um todo propcio tambm pelo processo crescente

    de ampliao de renda, j que a populao tem hoje mais condies de consumir e trabalhar

    mais perto de onde mora. Por outro lado, isso significa tambm que as pessoas tero maior

    acesso ao carro, o que torna ainda mais importante a mudana do padro de mobilidade da

    cidade.

    Precisamos criar centros onde hoje periferia, destaca. A cidade precisa planejar os locais

    onde as pessoas possam viver antes que a ocupao se d de modo desordenado, e

    reconstruir esses tecidos urbanos menos estruturados. Mas isso requer que se repense

    totalmente o planejamento urbano. Diferente do que ocorre hoje, onde se reconstri onde

    j h infra-estrutura, alerta Nabil.

    8 Palestra proferida no Frum Urbanstico Internacional, promovido na Conveno SECOVI-SP em 21/09/2010, em So Paulo.

  • | 18 |

    Proposta: Desenvolvendo novas centralidades onde hoje periferia

    Com raciocnio semelhante, o arquiteto e ex-prefeito de Curitiba, Jaime Lerner trabalha com

    o conceito vida, trabalho e moradia juntos, ilustrado pelo casco da tartaruga, com sua

    textura com mdulos no-fragmentados9. convite do Secovi-SP (e entregue prefeitura

    como sugesto), Lerner apresentou uma nova proposta de revitalizao da cidade de So

    Paulo. A proposta foi uma resposta pergunta: possvel uma So Paulo sem periferia? A

    resposta : sim!, defende Lerner.

    Para o arquiteto, muita coisa pode acontecer se mudarmos alguns paradigmas, e sua

    proposta se baseia na viso de uma nova periferia a partir da criao de novas centralidades.

    A idia construir novos cenrios de valorizao urbana, de forma que as pessoas se sintam

    prestigiadas mesmo vivendo na periferia, o que inclui a promoo de um ambiente de

    negcios atraente para atividades de perfis diversos10.

    Lerner acredita que violncia se combate com mais convivncia. Entre os problemas

    levantados em seu diagnstico da cidade, o projeto identifica a reduo do sentimento de

    solidariedade urbana e o estranhamento do outro como alimentadores de um modo de vida

    entrincheirado, onde proliferam condomnios que funcionam como ilhas dentro de um

    territrio j fragmentado, fragilizando ainda mais as relaes de vizinhana e a dimenso da

    coexistncia11.

    Os princpios norteadores do projeto so a mobilidade, utilizando linhas de trem como fios

    condutores de uma nova estrutura urbana, criando grandes boulevards, privilegiando as

    caminhadas por meio de grandes parques lineares, a criao de ciclovias, a mistura de usos

    comercial e residencial e de rendas, e o equilbrio na distribuio das funes urbanas. O

    projeto se baseia na criao de plos de desenvolvimento e trabalhou as regies Nova Luz,

    Tamanduate, Corinthians/Itaquera, Pirituba, Santo Amaro e o eixo Pinheiros.

    A existncia de uma proposta para o futuro da cidade acaba norteando tambm as aes da

    iniciativa privada. Para Lerner, uma cidade precisa saber para onde vai. Quando uma cidade

    no sabe o que quer, cabe ao empreendedor todas as iniciativas, e ele passa a ser o

    especulador e constri sempre no mesmo lugar, onde os parmetros j esto postos e o

    risco reduzido. O projeto prov o direcionamento do adensamento para reas mais

    propcias ocupao, de modo a organizar as prioridades de ao do poder pblico e os

    investimentos da iniciativa privada, permitindo que esta se torne uma parceira para o

    9 Palestra proferida no Frum Urbanstico Internacional, promovido na Conveno SECOVI-SP em 21/09/2010, em So Paulo. 10 Cidade de So Paulo: Contribuies ao Desenvolvimento Urbano Sustentvel. Jaime Lerner Arquitetos Associados (2010). (http://www.fecomercio.com.br/arquivos/arquivo/Contribuicoes_Desenvolvimento_Urbano_Sustentavel_z6jbuaa9ai.pdf) 11 Ibid, p.2.

  • | 19 |

    desenvolvimento. *Deve haver um norte+, e se todos se ligarem de alguma forma a isso,

    teremos uma cidade sem periferia, prope Lerner.

    Entre as bases conceituais do projeto, aqui tambm o adensamento a criao de tecidos

    urbanos mais compactos colocado como um importante princpio da sustentabilidade da

    cidade, aproximando as pessoas e as a vidades em uma estrutura integrada de vida e

    trabalho, diminuindo o consumo de energia em deslocamentos, o mizando infraestruturas e

    o solo urbanizado, diminuindo a pegada ecolgica desses assentamentos e favorecendo a

    existncia de mais reas verdes/livres imbricadas na malha urbana12.

    A mobilidade surge como tema chave para a sustentabilidade da cidade. Para Lerner, uma

    cidade no tem futuro se no trabalhar essa questo. Prdios verdes e novas tecnologias so

    importantes, mas no so suficientes se tratados isoladamente. No adianta sair de um

    prdio verde e ir para outro prdio verde e passar por uma cidade que no verde,

    adverte. Do mesmo modo que no adianta simplesmente substituir o carro atual pelo carro

    eltrico. A nica soluo para a cidade o carro pblico e a bicicleta pblica, enfatiza,

    ilustrando com alguns prottipos de carros pblicos pequenos, para um indivduo. A partir

    do momento que partimos de uma estrutura de crescimento em cima do transporte pblico,

    temos a possibilidade de estudar novas solues.

    No projeto, a mobilidade tem como fundamento o desenvolvimento da acessibilidade

    multimodal, de modo a romper com a hegemonia do carro na cidade. Nesse ponto, o projeto

    enfatiza: No h sada para uma metrpole que no passe pelo transporte de massa13. A

    projeto prope a expanso e a consolidao de uma rede integrada de transporte, com

    ganhos substanciais em termos de qualidade, tendo como premissa fundamental a

    qualidade de vida dos cidados. projeto aponta que, ainda que os inves mentos em metr

    e trens sejam essenciais, a maior parte dos deslocamentos em transporte cole vo se dar

    sobre pneus, da a importncia do planejamento amplo e integrado.

    Viabilizao do futuro: governana com participao

    Para viabilizar sua implementao, o projeto prope a coordenao de esforos entre o

    poder pblico, a iniciativa privada e a sociedade civil no curto, mdio e longo prazos, citando

    como exemplo o renascimento de Barcelona. Para tanto, recomenda a criao de uma

    Agncia de Desenvolvimento Urbano, responsvel pela implementao do projeto dentro

    dos princpios preconizados. Para contornar a dificuldade de continuidade perante a

    mudana de mandatos polticos, bem como a influncia de interesses particulares de

    agentes corporativos ou individuais, o projeto prope tambm uma estrutura com relativa

    independncia, cuja composio deve incluir o Metr, a CPTM, todas as secretarias de

    12 Ibid, p. 3. 13 Ibid.

  • | 20 |

    governo pertinentes, o SECOVI, o SINDUSCON, a FECOMERCIO, a ABRASCE e representantes

    da sociedade civil organizada, entre outros.

    Essa Agncia de Desenvolvimento teria o carter de uma companhia de economia mista, de

    ao direcionada e com a atribuio de coordenar a concesso urbanstica, decretos de

    utilidade pblica, e estudar a iseno fiscal para as atividades a serem estimuladas. Cada

    uma das novas centralidades teriam tambm um plano urbanstico especfico, orientando e

    estimulando os investimentos da iniciativa privada nas intervenes necessrias para que se

    viabilize a renovao urbana. O plano deve prever a considerao da situao fundiria local,

    a dinmica do mercado imobilirio, impactos ambientais, as necessidade de HIS (habitaes

    de interesse social) e HMP (habitao de mercado popular), alem do balano de usos e

    funes e estratgias de comunicao e de participao, com o forte envolvimento das

    comunidades locais.

    Reverso DO CRESCIMENTO e revitalizao de reas centrais

    degradadas

    Olhando para os Estados Unidos, onde a cultura de utilizao do automvel muito mais

    semelhante nossa, alm da maior participao do setor privado, h dois exemplos de

    revitalizao de reas degradadas: Portland e Mission Bay.

    PORTLAND: REOCUPAO DO CENTRO

    A reestruturao da regio central da cidade de Portland se iniciou no final da dcada de

    1960. Em meados dos anos 1980, um grupo de pessoas decidiu comprar uma enorme rea

    degradada utilizada como estacionamento e transform-la em um grande parque. Os

    recursos foram levantados atravs do convite participao da populao, com base na

    venda de lajotas com o nome dos colaboradores.

    A viso de mobilidade sustentvel de Portland foi fundamentada no forte investimento em

    transporte pblico, apoiando-se na restaurao e expanso das linhas de bonde existentes

    o bonde considerado um meio de transporte seguro e ambientalmente limpo , bem como

    as linhas ferrovirias. projeto criou o conceito de bairros de 20 minutos, o que

    corresponderia ao tempo desejado de deslocamento do morador dentro do bairro para

    encontrar o que precisa em termos de produtos e servios para o dia-a-dia. Com isso, a

    bicicleta passou a constituir parte importante das opes de transporte, sendo utilizada

    atualmente por 40% dos moradores de Portland. O intuito expandir esse padro para 90%

    da populao at 2030. Como resultado, a utilizao de carros foi reduzida e a cidade tem

    como meta a reduo de sua emisso de carbono em 80% at 2050.

    Tom Amstrong, analista Snior do Departamento de Planejamento e Sustentabilidade da

    cidade, destaca em Portland um exemplo importante do planejamento visando trazer a

  • | 21 |

    classe mdia de subrbio de volta para o centro. H um estmulo para o uso das ruas pelas

    pessoas, havendo o uso misto tanto comercial como residencial num mesmo edifcio ou

    quarteiro , o que traz vitalidade ao centro.

    MISSION BAY: PLANEJAMENTO DO CRESCIMENTO

    Mission Bay (So Francisco, Califrnia, prxima ao Vale do Silcio) destacada como um

    exemplo de regenerao urbana em uma regio onde o crescimento se concentrou na

    periferia. Segundo Carlos Leite (Fundao Dom Cabral), o caso de Mission Bay de especial

    interesse pois foi feito desde o incio pela iniciativa privada.

    Para seu sucesso, Egon Terplan, diretor de Planejamento Regional da cidade, destacou a

    importncia de se estabelecer uma instituio ncora para dinamizar a regio. A

    Universidade de So Francisco cumpriu essa funo, e em seu entorno foi criado um plo

    tecnolgico de uso misto, reunindo residncias e escritrios14.

    O projeto teve como objetivo a gerao de novos postos de trabalho e a melhoria da

    mobilidade, e se baseou na conexo da regio com o Vale do Silcio por meio de rodovias,

    corredores de nibus e trens. Alm disso, foram estabelecidas diversas reas verdes e

    parques, principalmente ao longo do canal. Foram criados espaos pblicos de qualidade, e

    US$ 700 milhes foram investidos em infraestrutura.

    A gerncia do projeto ficou a cargo de uma Agncia de Desenvolvimento, o que garantiu a

    continuidade das medidas de revitalizao alm das fronteiras dos mandatos polticos.

    Segurana: ocupao e uso do espao pblico pela populao local

    Outro exemplo de reorganizao de regies degradadas, ou com pouca segurana devido

    subutilizao, o de Londres. No planejamento da reorganizao local, a cidade realizou

    diversas entrevistas com a populao visando produzir mapas sociais que retratassem

    hbitos e preferncias, de modo a trazer solues que agradassem aos diversos stakeholders

    envolvidos e promovendo a efetiva apropriao do local pelos moradores. O conseqente

    aumento do uso e circulao de pessoas que se observou com a implementao do projeto,

    por sua vez, trouxe maior segurana ao local.

    Esse tipo de soluo para a segurana foi trazido tambm pelo empreendimento Pedra

    Branca (Florianpolis), que tem como conceito a valorizao do coletivo frente ao individual,

    e a caminhabilidade15. O projeto no apresenta cercas ou muros, e a segurana ser apoiada

    14 Palestra proferida no Frum Urbanstico Internacional, promovido na Conveno SECOVI-SP em 21/09/2010, em So Paulo. 15 http://www.institutoideal.org/docs/seminario/Construcao%20sustentavel%20Pedra%20Branca%20-%20Dilnei%20Bittencourt.pdf

  • | 22 |

    na vida local. Privilegia-se a relao prdio/calada, de modo que as habitaes emprestem

    luz, vida e segurana s ruas, havendo inclusive apartamentos cuja rea social o jardim

    aberta e voltada para a rua, e no fechado ou voltado para a rea interna.

    Os princpios que orientaram o empreendimento Pedra Branca so: prioridade aos

    pedestres; uso misto (comercial e residencial), inclusive verticalmente; diversidade de

    moradores; senso de comunidade; densidade equilibrada (os empreendimentos podiam

    chegar a 25 andares, mas a incorporadora optou por manter de 4 a 12); sustentabilidade;

    espaos pblicos atraentes e seguros sem guarita, e com uma arquitetura leve que

    favorece o uso das ruas, dando vida s quadras; harmonia entre natureza e amenidades

    urbanas; e conectividade, com a construo de ciclovias.

    Consideraes finais

    A partir do exame das tendncias de sustentabilidade destacadas acima, bem como dos

    fatores que explicam o sucesso de algumas iniciativas e dos desafios decorrentes, foram

    extrados critrios que auxiliassem no norteamento da Pesquisa de Indicadores de

    Sustentabilidade no Desenvolvimento Imobilirio rbano, realizada pelo Centro de

    Desenvolvimento da Sustentabilidade na Construo em parceria com o Sindicato da

    Habitao de So Paulo (SECOVI/SP). Com base nesses critrios, e tambm em uma ampla

    pesquisa de indicadores de sustentabilidade para cidades, sero desenvolvidos indicadores

    de sustentabilidade a serem disponibilizados s empresas do setor incorporadoras e

    construtoras , com o intuito de auxiliar a impulsionar iniciativas e principalmente mensurar

    a evoluo em direo a maior incorporao da sustentabilidade em um to setor crtico

    para a sustentabilidade urbana como um todo.

    Ficha Tcnica

    TTULO: Cidades Sustentveis: Alguns Enfoques Crticos

    AUTOR: Roberta Paro

    SUPERVISO: Rafael Tello; Lucas Amaral Lauriano

    FDC Ncleo Petrobras de Sustentabilidade CDSC

    Belo Horizonte Fevereiro 2012

    22 Pginas