Capitalismo e Esquizofrenia No Clube Da Luta

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Capitalismo e Esquizofrenia no Clube da Luta Marlos Marques Brocco 1 O filme é atravessado permanentemente por críticas à sociedade de consumo: “Trabalhamos em um emprego que odiamos para comprar coisas que não precisamos”. Em O anti-Édipo o capitalismo é visto como um Resumo No referido artigo pretendo retirar do filme “O Clube da Luta” cenas que ilustram conceitos-chaves do livro “o Anti-Édipo” de Gilles Deleuze e Felix Guattari. Sem pretensão de defender uma relação direta entre as cenas e os conceitos; apenas criar relações entre a obra fílmica e a obra filosófica, já que em ambos existem interseções: o capitalismo, a esquizofrenia, o desejo e o consumo. Além disso, acho justo afirmar que esse escrito se afirma como início de um estudo à autores profundos e de extensa obra, sem fazer jus a profundidade desses. Palavras-chave: Clube da Luta, Espaço-Liso, Espaço-Rugoso, Corpo-sem- Órgãos, desejo, capitalismo, esquizofrenia e consumo. 1. INTRODUÇÃO O Clube da Luta é um filme dirigido por David Fincher, onde o narrador, que trataremos como Jack (Edward Norton), é um homem comum com um bom emprego em uma agência de seguros, acaba por ser lançado de sua vida ordinária e consumista para se tornar o líder fundador de um clube de boxe clandestino. Jack conhece Tyler Durden em um vôo, fazendo um tipo de amizade que ele classifica como “amigos de curta duração”; pessoas que conhecemos em viagens de aviões, conversamos e fingimos que nos interessamos, depois nunca mais voltamos a vê-los, ou mesmo lembramos. Nesse aspecto o personagem tem a constatação de que o modo de vida contemporâneo apressado e artificial caracteriza uma sociedade formada por consumidores. 1 Acadêmico do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Espírito Santo. Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Espírito Santo.

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Capitalismo e Esquizofrenia no Clube da Luta

Marlos Marques Brocco1

O filme é atravessado permanentemente por críticas à sociedade de

consumo: “Trabalhamos em um emprego que odiamos para comprar coisas

que não precisamos”. Em O anti-Édipo o capitalismo é visto como um

Resumo

No referido artigo pretendo retirar do filme “O Clube da Luta” cenas que ilustram conceitos-chaves do livro “o Anti-Édipo” de Gilles Deleuze e Felix Guattari. Sem pretensão de defender uma relação direta entre as cenas e os conceitos; apenas criar relações entre a obra fílmica e a obra filosófica, já que em ambos existem interseções: o capitalismo, a esquizofrenia, o desejo e o consumo. Além disso, acho justo afirmar que esse escrito se afirma como início de um estudo à autores profundos e de extensa obra, sem fazer jus a profundidade desses.

Palavras-chave: Clube da Luta, Espaço-Liso, Espaço-Rugoso, Corpo-sem-Órgãos, desejo, capitalismo, esquizofrenia e consumo.

1. INTRODUÇÃO

O Clube da Luta é um filme dirigido por David Fincher, onde o narrador,

que trataremos como Jack (Edward Norton), é um homem comum com um

bom emprego em uma agência de seguros, acaba por ser lançado de sua

vida ordinária e consumista para se tornar o líder fundador de um clube de

boxe clandestino. Jack conhece Tyler Durden em um vôo, fazendo um tipo

de amizade que ele classifica como “amigos de curta duração”; pessoas que

conhecemos em viagens de aviões, conversamos e fingimos que nos

interessamos, depois nunca mais voltamos a vê-los, ou mesmo lembramos.

Nesse aspecto o personagem tem a constatação de que o modo de vida

contemporâneo apressado e artificial caracteriza uma sociedade formada por

consumidores.

1 Acadêmico do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Espírito Santo. Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Espírito Santo.

Diana
Nota
marlos, favor melhorar a redação inicial. Observe o uso de "onde". Filme é um lugar abstrato. Usar em que. "O Clube da luta é um filme dirigido por David Finche, no qual a presença de um narrador, Jack ( Edward Norton) indicia um homem comum....
Diana
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sistema imanente capaz de incorporar forças produtivas, que inicialmente

eram resistentes, produzir desejos e subjetividades. Nessa obra, a

esquizofrenia aparece como revolucionária e o Édipo da psicanálise é

questionado como representação capitalista; é no delírio esquizofrênico que

o código capitalista é re-significado: quem é Édipo? Minha mãe pode ser meu

pai, pode ser eu mesmo! A representação do grupo sujeitado é subvertida.

Já em o Clube da Luta, o narrador vai terminar por descobrir que Tyler

Durden é ele mesmo, fruto de sua imaginação. Assim, esquizofrênico, cria

sua linha-de-fuga; rompendo com os desejos inferidos pelo capital

desvinculando-o de uma subjetividade já produzida e oferecida de maneira

alienante, reapropriando-se dos elementos de subjetivação e produzindo um

novo processo de singularização.

O intuito dessa aproximação entre obra fílmica e obra filosófica-política

é a produção de um texto que pretende estudar conceitos que aparecem no

anti-Édipo, ilustrando-os com cenas do Clube da Luta. Sendo esses

conceitos o de Espaço-Liso e de Corpo-sem-Orgãos. Tomado pelo desejo

que sejam apenas aproximações delirantes, sem compromissos com reais

intenções fílmicas ou no que foi pensado pelos roteiristas, ou pelo escritor do

livro homônimo que inspirou o filme.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 O pingüim e o espaço liso.

Para os filósofos o espaço-liso é próximo ao delírio, fluxo sem

significações e sem estrias. O próprio desejo sem ser canalizado aos

interesses do capital. Quando Jack, aos 10 minutos e 30 segundos, em uma

das reuniões de apoio aos portadores de cancro, é levado a meditar; ele se

vê em uma caverna gelada, onde observa um pingüim que desliza facilmente

sobre a superfície, esse é seu totem.

No espaço liso desliza o fluxo de desejo, sem os obstáculos e os

relevos do espaço estriado, não é cooptado por intenções capitalistas.

Então, será nesses grupos de auto-ajuda que o narrador declara: “Perder

todas as esperanças é a liberdade”. Perder todos os desejos axiomáticos do

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sistema capitalista, o desejo de ser rock star, de ser rico, de ser belo. Sem

memória, sem registro, sem reproduzir o mesmo sistema, o seu corpo não

estará mais marcado por códigos.

“[...] Mas também o homem que goza plenamente dos seus direitos e

deveres tem todo seu corpo marcado sob um regime que reporta os seus

órgãos e o seu exercício a coletividade (a privatização dos órgãos só

começará com ‘a vergonha que o homem experimenta à vista do homem’)”.

(DELEUZE; GUATTARI, 2010, 192). Jack chora, e enfim, dorme. Será

nesses grupos de auto-ajuda que ele alcançará o esquecimento, sua

reterritorialização. Seu corpo não estará mais marcado dividido dentro de um

sistema com funções específicas, alimentadas pela cooptação do desejo.

Não é o Ser que se divide segundo as exigências das representações, mas

todas as coisas se dividem nele. O espaço-liso é o lugar do delírio, onde

essas representações se perdem, o narrador não será mais um simples

empregado do setor de seguros em uma empresa de automóveis.

2.2 O Corpo-sem-Orgãos.

Aos aproximados 38 minutos o personagem de Edward Norton lê para

Tylor Durden uma série de artigos publicados em revistas especializadas em

medicina. Trata-se de artigos que tem como objetivo a descrição do

funcionamento de diversos órgãos, todos em primeira pessoa. “Sou a

medula oblongata do Jack. Sem mim, o Jack não conseguiria regular o pulso

ou a respiração.” Ele lê surpreso, sem parecer acreditar, ou mesmo vê

sentido em um órgão falando em primeira pessoa. Mas não é contra essa

representação que ele mesmo traça uma linha-de-fuga? Não é contra um

trabalho que o organiza em um funcionamento onde cada um tem o seu lugar

e representações? É contra essa organização que é planejado o plano de

Tylor. É sobre um corpo-sem-orgãos que ele quer inscrever, territorializar sua

esquizofrenia. Destruir o sistema financeiro, começar do zero.

Para o Anti-Edipo o CsO, como comumente é abreviado o Corpo-sem-

Orgãos, opõe-se muito mais a organização do que aos órgãos propriamente.

Diana
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Porém, o CsO não é um atributo exclusivo dos esquiziofrênicos, mas esse o

experimenta de maneira extrema. O CsO não é o corpo vivido do

esquizofrênico, mas seu limite, seu inconsciente. Nesse sentido esse

conceito é ambivalente, sendo ao mesmo tempo, “repulsa” e “atração”. É

repulsivo às máquinas-desejantes do corpo social e de sua natureza evasiva,

paranóica e organizacional. Repulsa compartilhada pelos dois protagonistas.

Repulsa aos modelos ideais de beleza anunciado em propaganda de peças

íntimas. “Qual a porcelana que melhor me define?” questiona o protagonista.

Mas como foi dito antes, ele não é uma entidade exclusiva do esquizofrênico,

o próprio capital é o CsO do capitalismo.

O CsO também é atração, atração de diversas máquinas-orgãos que

inscrevem-se sobre ele. Assim como diversos trabalhadores e excluídos se

uniram no Projeto Destruição do Clube da Luta. Máquinas-Orgãos: garçons,

faxineiros, porteiros, entregadores, cozinheiros; não se organizaram de

maneira estratificada ou mesmo funcional. São suas intensidades que os

dividem, que os fazem experimentar; que os fazem se inscrever no CsO, no

Projeto Destruição.

3. CONCLUSÃO

A obra de Gilles Deleuze e Felix Guattari é densa, composta por

diversos conceitos criados pelos próprios autores e apresentados de maneira

pouco ortodoxa nas Ciências Sociais. Obra essa que passa por diversas

disciplinas como a geologia, matemática, antropologia e artes. Conceitos

esses, que estão se tornando cada vez mais importantes enquanto

ferramentas na medida em que os estudos sobre seus escritos se ampliam.

O próprio Foucault anunciou que um dia o século seria deleuziano. Sem

querer alcançar o mérito do quanto essa fala possa ser exagerada,

reconhecemos em seus conceitos um grande poder de análise; inclusive em

obras cinematográficas que, como essa, abordam os assuntos acima citados,

como capitalismo, sistema financeiro, consumismo.

Relaciono de maneira despretensiosa e superficial (mas é na superfície

que se sente e se inscreve) a experiência dos personagens no Projeto

Destruição ao próprio conceito de CsO. Onde a tentativa de criar um colapso

Diana
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no sistema financeiro é o próprio desejo de experimentar o espaço-liso. O

narrador sai de sua segurança segmentada e paranóica do espaço-rugoso

para o nomadismo esquizofrênico vivenciado no espaço-liso. Seu alter-ego é

essa intensidade.

O filme possui um momento importante onde Jack passa ao

nomadismo, como não deixaria de ser, quando perde sua casa. Nesse

momento, mesmo sem saber, ele migra da máquina-desejante capitalista

para a máquina-de-guerra do Projeto Destruição, máquina essa que não quer

ser cooptada e organizada.

FILMOGRAFIA

Clube da luta (Fight Club). Direção de David Fincher. 1999.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução: Peter Pál Pelbart e Janice Caiafa. São Paulo: Editora 34, 2008. v.5.

________. O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. Tradução: Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Editora 34, 2010.

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