Campus - nº 410, ano 44

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AVIAÇÃO NÃO CONSEGUEM CHEGAR ALTO Pilotos brasileiros recém-formados não têm apoio e perdem vagas de trabalho para profissionais estrangeiros Página 6 SAÚDE INFORMAÇÃO ESCONDIDA Distribuição gratuita de fraldas a pessoas carentes é omitida pelo governo por medo de o estoque acabar Página 12 SOCIEDADE PRECONCEITO FARDADO Há 30 anos mulheres da Polícia Militar do DF lutam diariamente contra crimes e discriminação Página 14 BRASÍLIA, 22 DE ABRIL A 5 DE MAIO DE 2014 Campus A cada dia a quantidade de orelhões no DF diminui, seja por vandalismo seja por falta de uso. Será o fim do telefone público? Página 8 QUASE NINGUÉM LIGA MAIS Iago Garcia NÚMERO 410 ANO 44

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Edição 410, ano 44, de Campus, de 22-04 a 05-05 de 2014

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AVIAÇÃO

NÃO CONSEGUEM CHEGAR ALTOPilotos brasileiros recém-formados não têm apoio e perdem vagas de trabalho para profissionais estrangeirosPágina 6

SAÚDE

INFORMAÇÃO ESCONDIDA Distribuição gratuita de fraldas a pessoas carentes é omitida pelo governo por medo de o estoque acabarPágina 12

SOCIEDADE

PRECONCEITO FARDADOHá 30 anos mulheres da Polícia Militar do DF lutam diariamente contra crimes e discriminaçãoPágina 14

BRASÍLIA, 22 DE ABRIL A 5 DE MAIO DE 2014

Campus

A cada dia a quantidade de orelhões no DF diminui, seja por

vandalismo seja por falta de uso. Será o fim do telefone público?

Página 8

QUASE NINGUÉM LIGA MAIS

Iago Garcia

NÚMERO 410 ANO 44

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Campus2 Brasília, 22 de abril a 5 de maio de 2014

Jornal-laboratório daFaculdade de Comunicação da

Universidade de Brasília

Editora-chefe: Isabela ResendeSecretária de redação: Raquel FrancoEditores: Beatriz Fidelis, Camila Curado, Henrique Arcoverde, Karla Beatriz, Laís Sinício e Pedro Alves Repórteres: Bruna Chaves, Bruna Furlani, Fernando Jordão, Lara Silvério, Luana Melody Brasil, Mariana Pedroza, Paula Braga, Raila Spin-dola, Rômulo Andrade, Taina Farfan, Taise Borges, Thomas Gonçalves e Victor PiresFotorrepórter: Janaina BoloneziEditora de arte e foto: Jéssica MartinsFotógrafos: Gustavo Garcia, Iago Garcia, Victor Pires, Thaís Carneiro e Thomas GonçalvesDiagramadores: Beatriz Fidelis, Camila Curado, Henrique Arcoverde,

Karla Beatriz, Laís Sinício, Pedro Alves e Raquel FrancoProjeto Gráfico: Hermano Araújo, Nadjara Martins, Beatriz Fidelis, Jéssica Martins e Karla BeatrizColaboradoras: Marina Ribeiro e Camila Menezes (ilustração)Professor: Sérgio de Sá Monitores: Eduardo Barretto e Washington LuizJornalista: José Luiz da SilvaGráfica: Palavra ComunicaçãoTiragem: 4 mil exemplaresContato: 61 3107-6498 / 6501Endereço: Universidade de Brasília, campus universitário Darcy Ribeiro, s/n, Asa Norte, Brasília/DF. Faculdade de Comunicação, Instituto Central de Ciências - Ala Norte CEP: 70 910-900

Carta do Editor

Memória

Isabela ResendeRecorteGustavo Garcia

Ombudsman*

Alexandre de Paula

*Termo sueco que significa "provedor da justiça", discute a produção dos jornalistas sob a perspectiva do leitor. Alexandre de Paula é aluno do oitavo semestre FAC.

Campus

Após um longo caminho

de aprendizagem e expecta-

tiva, chegamos ao Campus,

nosso divisor de águas entre

ser cidadãos que convivem

com problemas e ser aqueles

que os investigam. Esta etapa

nos eleva de meros estudantes

a fiscalizadores do poder.

Poder este que possui um sis-

tema de comunicação falho

– seja por falta de informação

seja por interesses próprios

–, e que se omitiu, negou e

por vezes nos passou infor-

mações enviesadas durante a

apuração de algumas das nos-

sas matérias.

Que governo é esse que

propõe deixar tudo às cla-

ras, mas se indispõe quando

nós, jornalistas, questiona-

mos o que está acontecendo?

Reclamam que apontamos

sempre o lado negativo, mas

se este lado, mascarado nas

propagandas do GDF, não ex-

iste, por que então tanto medo

em revelar informações que

deveriam ser públicas? Ou

este não é mais aquele gov-

erno que defendia a política

da transparência? Onde está a

clareza ao não divulgar a dis-

tribuição gratuita de fraldas à

população carente? Sem men-

cionar o medo que muitas

pessoas têm de se comprom-

eter por estarem falando ape-

nas a verdade. Por esses e out-

ros motivos optamos por um

jornal sem editorias, para que

consigamos tratar de todos os

temas, fazer todas as denún-

cias, e sermos livres para es-

crever tudo o que acredita-

mos ser de interesse público.

Obrigado às fontes que

confiaram em nosso traba-

lho e compromisso com a

verdade. E, por fim, parabéns

aos repórteres que, apesar

das barreiras, conseguiram

produzir boas reportagens.

Que assim permaneça pelas

próximas quatro edições,

que neste semestre, diferen-

temente dos outros, contam

com 16 páginas cada uma. E a

você, boa leitura!

Depois de um semestre à

procura de um jornal melhor,

é nítido que houve revolução

da primeira à última edição

publicada na segunda metade

de 2013. A turma encontrou

formas de humanizar as

reportagens, conseguiu reduzir

a burocratização e chegou mais

perto, sobretudo na edição 404,

de produzir um jornal que

interessasse ao leitor. Outras

questões, entretanto, não

funcionaram no decorrer das

edições. Caso da seção Recorte

que não foi bem utilizada em

quase nenhuma das produções.

Faltaram graça e legendas

mais interessantes para uma

ideia que tinha potencial.

Não é coisa de mulher cumpre

bem o papel. Mostra dados,

ouve especialistas, traz um

bom personagem e deixa

mais claro um assunto pouco

discutido. A fotografia, porém,

não se destaca. Já as imagens

de O lugar entre o passado e o

presente merecem atenção, boas

fotos que complementam a

ótima reportagem e fazem

o olhar de quem passa pela

página parar por ali. Texto

e fotos juntos justificam a

utilização de duas páginas.

Boa pauta, A grande sacada

pedia uma abertura mais

convidativa. O texto demora a

mostrar a que veio ao usar todo

o primeiro parágrafo para falar

sobre a Superliga. A ideia de

contrapor duas situações perde

a força por demorar a aparecer.

Vou de mototáxi é correta.

Não empolga, mas também

não compromete. A figura

que ilustra o quadro, no

entanto, é incoerente: um

modelo de motocicleta

que nada tem a ver com o

universo dos mototaxistas.

Ela só pensa em beijar chega

atrasada. Folha de S. Paulo,

Estadão, O Globo, Revista do

Correio, para ficar só em alguns

casos, já haviam tratado do

assunto. O principal problema

da reportagem, no entanto, é

a tentativa de teorizar muito.

O primeiro parágrafo parece

mais início de artigo do que

de reportagem. “Febre de

aplicativos de geolocalização

que surge para ressignificar o

antiquado termo paquera” soa

como rebuscamento gratuito.

A edição 58, de outubro de 1983, do jornal Campus trouxe a matéria Centro orienta

pais e filhos, sobre o Centro de Orientação Médico-Psicopedagógica de Brasília, o Compp. O repórter Luis Roberto Nader explicou como o Centro e a equipe médica responsável pelo tratamento funcionavam, como ocorria o

acompanhamento de crianças e adolescentes e inclusão da família neste processo. A reportagem também trazia dados do Compp: 800 famílias foram atendidas num período de cinco meses no ano de 1983. Além de informativa, a matéria destaca dificuldades do órgão que existe desde 1969. Limitações do espaço físico, insuficiência de material e profissionais para o atendimento eram os problemas enfrentados.

Em 2014, radares do Detran flagraram 187 avanços de sinal vermelho por dia no DF. Infração é gravíssima, com multa de R$ 191 e sete pontos na carteira. Este tipo de violação é registrado por 135 radares distribuídos em três mil semáforos

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Brasília, 22 de abril a 5 de maio de 2014 3Campus

ENTRE O REAL E O FAKEPerfis falsos nas redes sociais simulam histórias reais e prejudicam pessoas. Não há punição severa ou crime que enquadre esses casos na lei

INTERNET

Tainá Farfan

“Se eu te contar, você não acredita”, diz Nara Lima, 20 anos. A estudante de Psico-

logia do Centro Universitário do Triângulo, de Uberlândia, em Minas Gerais, nunca ima-ginou que viveria uma men-tira. Após praticamente três meses de namoro por internet e telefone, ela descobriu não só que seu namorado não existia, mas que era uma mulher.

Felipe Teixeira, como Lua-na (nome fictício) gosta de ser chamada na vida real e virtual, criou 18 perfis fakes no Face-book e no Instagram – sendo a maioria pessoas jovens e bonitas de Brasília – para sus-tentar uma história que quase levou Nara à depressão. De acordo com a professora de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB) Elisa Walleska, casos como esse são comuns nas redes sociais. “Uma saída para alguém que deseja obter reconhecimento e afeto é criar personagens falsos que mais se pareçam com os ideais inatin-gíveis cobrados pela sociedade nos tempos atuais”, explica.

O estudante de Medicina da Universidade Estadual de Campi-nas Mateus Alves, 22 anos, entrou em contato com Nara através do Facebook. Começaram a conver-sar diariamente. “Era uma pessoa extremamente gentil e educada”, relata Nara. O novo amigo dizia tê-la visto em vários lugares que costumava frequentar quando ia a Uberlândia, além de terem amigos em comum. “Tudo o que ele falava tinha fundamento.” Mateus era de Uberlândia, mas morava em São Paulo por conta da faculdade.

“Ele conversava com todas as amigas dela”, conta Lau-ra Rodrigues, amiga de Nara. Felipe Rabelo, melhor amigo de Mateus, também mantinha contato diário com Nara. To-dos os perfis tinham persona-lidades diferentes. Enquanto Felipe era amigável e tranquilo, Mateus era bravo e ciumento.

Em dezembro de 2013, após dois meses e meio de amizade, Mateus a pediu em namoro. “Eu ficava preocupada porque a gente brigava bastante mesmo antes de começar a namorar. Enquan-to não aceitei, não tive sossego”, confessa. Os problemas pioraram após o início do namoro. Mateus prometia que iria vê-la, mas sem-pre algo o impedia, como na vez em que inventou que a mãe esta-va em coma.

Nara cansou do relaciona-mento conturbado e, em uma das vezes que tentou dar fim ao relacionamento, parou de dar no-t í c i a s . Às 3h da manhã, o “pai” de

Mateus ligou para a mãe de Nara e disse que o filho havia se jogado da sacada. Nara ficou extremamente abalada com a situação e o namorado só deu notícia após seis horas. “Cho-rei uma vida”, desabafa.

Toda semana o namorado ameaçava se matar. Após quase três meses de namoro e tentati-vas frustradas de término, uma amiga de Nara contou que ha-via uma menina de Uberlândia que costumava fazer fakes no Facebook e se passar por outras pessoas. “Comecei a desconfiar e joguei verde. Falei que sabia que era a Luana e, depois de muita pressão, ele confessou. Mas até hoje a Luana não assume que era ela quem fingia ser o Ma-teus, diz que era um primo”.

Com isso, o namoro aca-bou, em março deste ano, e elas combinaram de se encontrar em seguida. Nara diz que foi um cho-

que quando a viu e escutou a voz muito parecida com a do ex-namo-rado. “Eu sabia que eu falava com aquela pessoa no telefone”, conta. Ela perdeu cinco quilos após des-cobrir a verdade. Em tratamento psiquiátrico, Luana não pôde con-versar com a reportagem.

ALÉM DA HISTÓRIAO advogado especialista

em segurança da informação Ulysses Machado explica que a maioria dos casos como esse não possui repercussão penal rele-vante: “Nesse caso, não há o que a vítima possa fazer. Apenas se ela comprovar ao juiz que teve um violento dano emocional, ela pode conseguir reparação por danos morais. Mas isso em nada tem a ver com crime”.

Durante os cinco meses e meio em que se relacionaram, Nara conversou com 12 dos 18 perfis falsos que Luana criou para sustentar a falsa história. De acordo com Amanda Borges, amiga de

Nara que tam-bém teve

c o n t a t o com

diferentes perfis, cada hora ela era um personagem. “Ela conseguia ser o Mateus, ao mesmo tempo o Felipe e todos os outros, mulhe-res ou homens”, relata.

O estudante da Universidade de Brasília (UnB) Murilo Diniz, 21 anos, foi uma das 18 pessoas que tiveram suas fotos copiadas. O perfil fake com suas fotos era do melhor amigo de Mateus, Fe-lipe Rabelo, e ainda está ativo. “Me senti invadido, mas não sei como denunciar no Facebook”, diz. Na rede social, é possível, sim, denun-ciar conteúdos para tirá-los do ar.

O Marco Civil da Internet, aprovado no último dia 25 de março pela Câmara dos Depu-tados, agora segue para análise do Senado. Se aprovado, caberá ao sistema judicial a decisão da retirada de conteúdos da inter-net, e não mais aos provedores (como o Facebook) que, apenas após denúncias, derrubam tex-tos, fotos e páginas. Com isso, as vítimas deverão solicitar ju-dicialmente que páginas falsas, por exemplo, sejam retiradas.

Grande parte das pessoas que vivem histórias seme-lhantes a essa, como vítima ou tendo sua imagem roubada, fazem boletim de ocorrência. Porém, segundo a Polícia Ci-vil do Distrito Federal, atu-almente é difícil ter números exatos de quantas pessoas já passaram por esse tipo de si-tuação, pois não existe um padrão de registro. Procurado pela reportagem, o Facebook respondeu que não comenta casos específicos. Já o Insta-gram não respondeu aos ques-tionamentos da reportagem. Marina Ribeiro

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Campus4 Brasília, 22 de abril a 5 de maio de 2014

NO DOMÍNIO DE POUCOS MERCADO MUSICAL

sentar nas casas noturnas da cidade. “Os contratantes de Brasília são diferentes de ou-tros locais do Brasil. Aqui, se o artista não tiver uma estru-tura de caminhão ou ônibus próprio, de som e ilumina-ção, fica difícil conseguir bons shows e um cachê valorizado. É preciso um investidor para que isso ocorra. No resto do Brasil os contratantes já pos-suem e fornecem tudo o que é preciso para o show, então um artista talentoso e inician-te tem mais espaço”, afirma.

Com cerca de 28 nomes em destaque e 11 casas de show voltadas para o estilo – com capacidades média de 300 pessoas – a cidade possui uma grande oferta para a noi-te. Mas o cantor Giulliano, da dupla Guilherme & Giulliano, reclama que nem todos con-seguem ter espaço. “Muitas vezes, duplas iniciantes que-rem pular etapas, como a de começar em um barzinho, juntar uma verba e investir na carreira, e já querem estar nas baladas mais movimenta-das. A nossa dupla tem cinco anos, e só agora conseguimos um investidor. Antes disso, alugávamos ônibus e estru-tura de iluminação para po-der competir com os maiores artistas locais. Muitas vezes já tocamos para pagar os cus-tos, ou seja, sem ter nenhum lucro para nós”, lembra.

A média de cachê das prin-cipais duplas do Distrito Federal, como Henrique & Ruan, Wilian & Marlon e Pedro Paulo & Matheus, varia entre R$10 mil e

Rômulo Andrade e Fernando Jordão

Três grandes empresários controlam o mercado sertanejo em Brasília. Quem está de fora sofre para crescer no meio

Gustavo Garcia

Viver de música é o so-nho de Victor Rocha. No momento, contu-

do, esse objetivo parece bem distante. Com um cachê de R$ 300 e uma média de 10 shows por mês, ele ainda depende do emprego de corretor de segu-ros para conseguir se manter. “Todo cantor tem o sonho de se tornar profissional, mas sem um empresário você fica sempre nesse patamar de fa-zer festinha reduzida. Nunca vai conseguir abrir um show de um grande artista, como Gusttavo Lima, nem vai con-seguir emplacar um hit, já que as rádios chegam a cobrar R$ 10 mil para tocar uma música sua”, reclama o artista que há 12 anos tenta um lugar ao sol.

A situação de Vitor Ro-cha não é um caso isolado no mercado brasiliense da música sertaneja. Com grandes refe-rências nacionais, o estilo tem crescido em todo o país, com casos de sucesso, como o das duplas Jorge & Mateus e Fer-nando & Sorocaba, por exem-plo. Motivados também pela proximidade com o estado de Goiás, que sempre foi o celei-ro da grandes nomes, diversos artistas de Brasília querem al-cançar o sucesso e nem sempre possuem resultados positivos.

Três grandes empresários dominam o mercado sertane-jo local, gerenciando a carreira dos principais artistas brasi-lienses. De acordo com o can-tor Daniel Duran, que possui um forte empresário por trás de seu relativo sucesso, quem não está inserido nesse ciclo sofre para conseguir se apre-

Popular no cenário local, a dupla Henrique e Ruan chega a fazer cinco shows por semana, com cachês que variam de R$ 10 mil a R$ 12 mil

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R$12 mil, dependendo do dia da semana, horário, público estimado e local da apresenta-ção. O empresário de Henri-que & Ruan, Eduardo Santa-cruz explica que uma dupla funciona como uma empresa legalizada, que paga impostos e emprega mais de 20 pessoas, entre músicos, equipe técnica e o escritório que administra a carreira. “O negócio musical é bem divido e organizado. Existe o papel do produtor, que cuida de todos os detalhes técnicos na hora do show, o empresário, que fecha os con-tratos e direciona a empresa, e o papel do investidor, que dis-ponibiliza toda a estrutura ne-cessária como ônibus e outras necessidades, mas que também possui uma porcentagem em cada cachê, que em Brasília varia entre 20% a 40%”, relata.

Segundo o empresário de Daniel Duran e produtor de eventos, Aci Carvalho, o pro-fissional que gerencia a carrei-ra possui um renda que atende as necessidades pessoais, mas diz que o mercado musical é sazonal. “O lucro é muito rela-tivo, pois dependemos de boas datas para fazer eventos e em-placar bons shows. O mais di-fícil é consolidar uma carreira, e para isso, é preciso reinvestir o lucro. Eu reinvisto cerca de 50% de tudo o que ganho, e no meu caso, dou mais atenção à musicalidade e venda do artis-ta nas rádios, principalmente nas do interior de Goiás, do que em estrutura voltada para o mercado de Brasília”, conta.

Com mais de 10 anos de experiência gerenciando ar-tistas e cuidando da conhecida casa de shows Caribeño, San-tacruz conta que o mais com- conta que o mais com- que o mais com-plicado na profissão é lidar

com o ego dos artistas. Ele já trabalhou com algumas duplas do DF e a última experiência, antes da atual, foi com Wilian & Marlon. Neste caso, a rela-ção não teve um final positivo e o contrato acabou na justiça.

Segundo Santacruz, é mui-to difícil caminhar com uma dupla desde o início até o es-trelato, pois ao longo da carrei-ra existem diversas mudanças, e quem ajudou no começo, pode ser que não tenha mais importância em um dado mo-mento. "Ao pensar na parte econômica, se a dupla não der certo o empresário perde di-nheiro e, se der certo, ele tam-bém perde dinheiro", brinca.

Mas nem sempre é o ego do artista que estraga um contrato com o empresário. Rick Aze-vedo é cantor solo e já teve um empresário para cuidar da car-reira, mas conta que nem sem-pre tudo que está no contrato é cumprido. “Há um investimen-to e é preciso ter paciência para que os passos deem certo, mas muitas vezes o empresário pro-mete demais e não faz nada”. Por ter uma família repleta de musicos que se apresentam na noite da capital, Rick Azevedo decidiu dividir as responsabi-lidades para cada membro da família e, de forma indepen-dente, fazer toda a adminis-tração e estratégia da carreira.

Quando o assunto é o sur-gimento de novas duplas e cantores que se mostram com investimento e toda estrutura necessária, Rick Azevedo ques-tiona o talento e a força econô-mica envolvida. “O talento é o que está valendo menos hoje em dia. O que mais conta é o fato do cara ser bonito e dan-çar bem, do que o lado musical mesmo. E se tiver estrutura

Gustavo Garcia

“Se o contratante vê o código de área 61, ele já tem um preconceito, e é por isso

que muitas duplas aqui de Brasília possuem um telefone com o código 62 também”

Eduardo Santacruz

Proprietário da casa de shows Caribeño, o peruano Eduardo Santacruz aproveita o palco da casa para divulgar os músicos que agencia

e dinheiro investido, é bem mais fácil. Agora é preciso sa-ber se um investimento desse porte vai durar e dar certo”.

FENÔMENO NACIONALDesde o surgimento do

chamado sertanejo universi-tário – entre o final da década de 1990 e o início da década de 2000 –, o ritmo nascido no Goiás tem se mostrado como um mercado lucrativo. Atual-mente, o gênero é responsável por gerar 30% dos lucros da gravadora Som Livre. Já na Sony, essa proporção chega a 40%. Ainda na indústria de CDs, a cantora Paula Fernan-des ficou na segunda colocação entre os maiores vendedores de discos em 2012, perdendo apenas para Roberto Carlos. O ranking é elaborado pela Associação Brasileira de Pro-dutores de Discos (ABPD).

Outro campo dominado pelo sertanejo é o das compo-sições. Há dois anos o cantor Sorocaba, da dupla com Fer-nando, lidera a lista do Escri-tório Central de Arrecadação de Distribuição (Ecad) entre os artistas que mais arrecadam com direitos autorais. Antes de Sorocaba assumir a ponta, o ranking foi liderado por três anos seguidos – 2009, 2010 e 2011 – por Victor Chaves, da dupla com Léo.

Nas rádios, o domínio do sertanejo é ainda mais eviden-te. Na principal rádio popular

Momento de oração: equipe técnica, músicos e cantores se reúnem depois dos shows. São cerca de 20 profissionais envolvidos no negocio de uma dupla sertaneja

do DF, a Clube FM, as dez músicas mais tocadas na se-gunda semana de abril perten-ciam a artistas do gênero. Em âmbito nacional, as duas faixas mais executadas no ano pas-sado, segundo a empresa de monitoração eletrônica Bro-wley Broadcast Analysis, fo-ram, respectivamente, “Vidro

Fumê”, de Bruno & Marrone e “Te Esperando”, de Luan San-tana. Nessa mesma lista, entre as 50 canções mais tocadas no país no ano passado, 28 eram sertanejas. Além disso, a pes-quisa “Tribos Musicais”, feita pelo Ibope, mostrou que o rit-mo é o preferido de 58% dos ouvintes de rádio.

Gustavo Garcia

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Campus6 Brasília, 22 de abril a 5 de maio de 2014

A poucos meses de termi-nar o curso superior de Aviação Civil, oferecido

pela faculdade Unicesp, Bárbara Montandon, de 24 anos, come-çou o estágio na Agência Na-cional de Aviação Civil (Anac) e também passou a vender briga-deiros e pães de mel, tudo para fa-zer uma poupança direcionada às aulas de pilotagem. Bárbara, que sonha ser piloto de resgate, teve a oportunidade de estar no coman-do de um avião apenas uma vez, quando recebeu uma hora de voo como presente de aniversário.

“Foi uma das melhores sen-sações que já tive”, lembra a estudante olhando para o alto. “Sei que até conseguir um em-prego na área vou ter de abrir mão de muitas coisas. É um gasto grande e são poucos os subsídios”, lamenta. Bárbara custeou a faculdade por meio de uma bolsa integral conce-dida pelo Programa Universi-dade para Todos (Prouni), que não contempla os gastos com as horas de voo.

Para atuar perto da área que escolheu como profissão, Lore-na Silveira, de 20 anos, trabalha como secretária numa escola de aulas teóricas de voo em Brasília. Ela terminou em 2012 o mesmo curso feito por Bárbara, mas não pode obter o diploma enquanto não conseguir 40 horas de pilo-tagem exigidas para a licença de Piloto Privado (PP).

“Já tenho 11 horas de avião, mas estou parada desde agosto do ano passado. Eu fazia as aulas prá-ticas em Nova Ponte (em Minas Gerais, a 500km de Brasília) por-que eram mais baratas (R$ 270). Tive de parar por falta de tempo para a viagem”, conta Lorena.

Os estudantes devem investir em média R$ 50 mil apenas nas aulas práticas para conseguirem o diploma de nível superior e se-rem remunerados pelos voos, de acordo com as normas da Anac. O preço da hora-aula em aviões varia entre R$ 270 e R$ 1,2 mil, dependendo da aeronave.

Em Luziânia (GO), a 60km da capital, o Aeroclube de Brasí-lia oferece as aulas de voo numa aeronave básica por R$ 550. Um dos motivos para o valor alto é a gasolina de aviação, que custa em média R$ 4,85 por litro devido ao processo de destilação.

Segundo o instrutor Carlos Etiene, para cada hora de voo em aeronaves básicas, são gastos aproximadamente 35 litros de gasolina. Desta forma, se o estu-dante gasta R$ 550 em uma hora de voo, R$ 170 são apenas para custear o combustível. Mas, nem sempre foi assim.

Até 2005, os aeroclubes eram isentos de impostos da gasolina, o que diminuía o preço das au-

las nas aeronaves. Nessa época, o Departamento de Aviação Civil (DAC), que integrava o Ministé-rio da Aeronáutica até 1999, era o órgão responsável pelo setor. Em 2005, o DAC foi substituído pela Anac, autarquia vinculada à Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República.

“Em 2008, propus num se-minário no Congresso que nos aeroclubes o combustível e lu-brificantes de aeronaves fossem isentos de impostos para dimi-nuir os gastos com a formação, mas não houve interesse”, con-ta o coordenador do curso de Aviação Civil da Unicesp, Adair Geraldo Ribeiro.

Até o segundo semestre de 2011, a Anac oferecia bolsas para ajudar estudantes no pagamento das aulas práticas. Mas, para con-correr à bolsa, os candidatos de-veriam ter no mínimo dez horas na caderneta de voo.

Segundo a Anac, está em aná-lise um novo projeto de conces-

são de bolsas. Uma das propostas é que parte do auxílio seja direcio-nada para estudantes beneficia-dos pelo Prouni. A previsão é de que o edital seja divulgado ainda este ano.

LUGAR NO MERCADOMesmo os estudantes que reti-

ram as licenças de Piloto Privado e Piloto Comercial (PC), o chamado brevê, que exige o mínimo de 150 horas de voo, não conseguem ter emprego garantido numa compa-nhia aérea. As grandes empresas brasileiras estão contratando co-pilotos com pelo menos mil horas de voo, oferecendo salários de R$ 6 mil a R$ 10 mil.

Um estudo feito em 2011 pela Organização Internacional de Aviação Civil (Icao, em in-glês) apontou que a quantidade de pilotos necessários passará de 460 mil em 2010 para 980 mil em 2030. Porém, no Brasil, o número de profissionais prepa-rados para assumir o comando de

Iago Garcia

FORA DO PLANO DOS PILOTOSAVIAÇÃO

Luana Melody Brasil

O custo elevado das aulas práticas de pilotagem e a falta de apoio financeiro por parte de órgãos públicos e privados atrasam entrada de novos profissionais no mercado

Alisson Toscano, 21 anos, já gastou R$ 40 mil para o brevê e possui 230 horas de pilotagem, mas não consegue emprego em companhias aéreas. Atualmente, ele investe na licença para instrução de voo, que exige 25 horas de aulas práticas, no Aeroclube de Brasília. Formado em 2012 pela Unicesp, destaca: ”Era uma turma de 80, alguns desistiram durante os semestres e outros não retiraram as licenças, que são bem caras”

aviões comerciais tem diminuído nos últimos anos.

Segundo relatório divulgado em março deste ano pela Anac, há seis mil pilotos brasileiros ati-vos. Em documento semelhante relativo ao primeiro semestre de 2011, época do estudo da Icao, havia 14 mil.

Uma das soluções encontra-das pelas grandes companhias aé-reas brasileiras para suprir a falta de profissionais qualificados foi a importação de pilotos, que é uma prática ilegal. Porém, em 2009 foi proposto um projeto para alterar a lei que proíbe a contratação de estrangeiros, mas houve rejeição unânime na Câmara dos Deputa-dos em 2012.

As companhias passaram a contratar militares e pilotos brasileiros de linhas áreas inter-nacionais. Questionadas sobre investimentos na formação de pilotos brasileiros, a Avianca, Gol e TAM não responderam até o fechamento desta edição.

NA UnBEm 2001, foi criado um cur-

so de extensão na Universidade de Brasília que oferecia aulas de voo teóricas. Com a repercussão dada pela mídia local, a procura gerou mais de 200 matrículas. “Eu esperava uma turma de 50 alunos, no máximo. Mas não pudemos continuar porque a despesa é grande, não dava para a grana da UnB. Por isso cria-mos o curso numa faculdade privada”, explica Adair Geraldo, coordenador do curso de Avi-ação Civil da Unicesp.

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Brasília, 22 de abril a 5 de maio de 2014 7Campus

Base Aérea de Brasília, 8 de abril, segunda-feira, 8h da manhã. Universitários não escondiam a ansiedade pela viagem que se

aproximava. Para a maioria, era a oportunidade de conhecer a Amazônia. A viagem fez parte do projeto Formadores de Opinião, oferecido pelo Exército Brasileiro. Segundo o coronel Nereu dos Santos, coordenador da excursão, o objetivo é “servir de ponte para mostrar o trabalho das forças armadas na Amazônia”.

Antes de chegar a Manaus, onde os estudantes ficariam alojados nas dependências do 1º Batalhão de Infantaria de Selva (BIS), o avião teve de fazer parada para reabastecimento no Campo de Provas Brigadeiro Veloso, no Pará.

Depois de mais 1h30 de viagem, o avião pousou em Manaus. Ao sair da aeronave, sentimos o calor amazônico. A umidade deixa o ar pesado para quem é acostumado ao clima seco de Brasília. Os militares também sofrem: o capitão Marcus Vinícius, do Centro de Instrução de Guerra na S e l v a Na Amazônia

com o ExércitoProjeto leva universitários para conhecer trabalho das forças armadas na região Norte(CIGS), explicou que

só militares brasileiros que servem há seis meses no Norte podem fazer o curso de guerra na selva. O tempo é necessário para adaptação ao clima.

Após deixarmos as malas no BIS, seguimos para palestra no 2º Grupamento de Engenharia, na qual o coronel Vianna Peres fez afirmações polêmicas sobre questões indigenistas e ambientalistas. Frisou também a dicotomia entre biocentrismo e antropocentrismo e afirmou que “o bem da biosfera não pode ser superior ao bem coletivo”. Além disso, foi contra ONGs defensoras de indígenas em favor de interesses econômicos externos.

No dia seguinte, fomos recepcionados no CIGS, considerado a melhor escola de guerra na selva do mundo. Desde 1964, ano de sua criação, o Centro formou 5.533 militares, sendo 446 estrangeiros. Atualmente, cinco franceses, dois equatorianos e dois senegaleses participam do treinamento de 12 semanas. À tarde, visitamos o Zoológico do CIGS, segundo ponto turístico mais visitado de Manaus e único zoológico militar do mundo.

Durante a viagem, novas amizades surgiram e antigas se fortaleceram. Os militares também se deram bem com os universitários. As noites eram

livres, então o pessoal aproveitava para conhecer, juntos, os atrativos de Manaus. Uma das noites foi mais agitada. Um furto ocorreu em boteco próximo ao BIS, no qual uma mulher levou o celular de

colega da Faculdade Anhanguera. Além disso, uma tentativa de sequestro ocorreu quando estudantes dirigiam-se a um bar. Um carro parou no meio da rua e um homem sem farda se identificou como oficial encarregado de nos dar carona. Ninguém acreditou e confirmamos depois que a história era falsa.

No terceiro dia, visitamos a Base Aérea de Manaus. Tivemos uma experiência para poucos: entrar no simulador do avião C-105 Amazonas. Mais tarde, foram apresentadas aeronaves que muitos só conheciam de filmes, como o helicóptero Black Hawk. Depois, foi a vez de visitar o Comando do 9º Distrito Naval. Lá, conhecemos três embarcações: navio-hospital, navio de patrulha e navio responsável pelo levantamento hidrográfico da região.

O penúltimo dia amanheceu nublado. Era nítido o cansaço dos alunos. A programação preparada pelos militares previa sequência desgastante de palestras, com pouco espaço para perguntas. Contudo, a quinta-feira iria surpreender, com visita a aldeia indígena às margens do Rio Negro.

A visita ao Centro de Embarcações do Comando Militar da Amazônia foi seguido por passeio de barco no Rio Negro. A embarcação havia sido preparada para nos receber com lanche e som variado – de funk a maxixe. Alguns tomaram sol, outros

ficaram descalços e a maioria preferiu sentar-se no chão. Às vezes, esquecíamos que era uma expedição militar.Ao chegar à aldeia, a interatividade dos estudantes com os índios foi tímida. A oca era pouco iluminada, o

que aumentava o clima de mistério. Quando o pajé Raimundo Kissibi começou a falar, logo ficou claro que estávamos diante de um show para turistas. A apoteose deu-se quando cada índio puxou pela

mão um dos espectadores, para todos dançarem juntos. Isso quebrou o gelo e nos preparou para a etapa final da visita: o comércio de artesanato indígena.

No último dia, fomos acordados às 6h para desocuparmos o alojamento em meia hora. Jogamos tudo dentro da mala e tomamos café da manhã.

A volta foi diferente da ida: pouca cantoria e risada. Exaustos, pensávamos apenas em nossas camas.

Poucos tinham certeza se fariam de novo a viagem, mas todos sabiam que havia sido uma

experiência maravilhosa.

Victor Pires e Thomas Gonçalves

ESCAPE DA ROTINAIÁ

RIO Verônica Brandão

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Campus8 Brasília, 22 de abril a 5 de maio de 2014

TÔ TE LIGANDO DE UM ORELHÃO...TELEFONIA

Trocados por celulares pré-pagos, os telefones públicos desaparecem aos poucos das ruas do DF

Paula Braga

Os orelhões podem estar com os dias contados. Segundo

dados divulgados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), entre janeiro de 2012 e fevereiro de 2013 o número de aparelhos de telefonia pública disponíveis no país teve redução de aproximadamente 12%. Somente no Distrito Federal, no mesmo período, a quantidade de telefones públicos passou de 18,1 mil para 11,6 mil. Entre as principais causas apontadas pela empresa Oi (concessionária de telefonia pública em todos os estados do Brasil, exceto São Paulo) para a redução no número de orelhões estão a queda na utilização do serviço e os crescentes índices de vandalismo aos aparelhos.

Entre 2007 e 2013, a concessionária registrou queda de aproximadamente 40% ao ano no consumo de créditos em seus orelhões – o que representa uma redução de 92% em relação a todo o período. Além disso, pesquisas realizadas pela companhia apontaram que o uso dos aparelhos é esporádico. Em 2010, por exemplo, menos de 4% da população utilizavam os orelhões diariamente.

“Com o aumento na oferta do serviço de telefonia móvel, a tendência é que a utilidade do telefone público diminua. Apesar disso, devemos levar em consideração que a população precisa ter esse

serviço disponível para casos emergenciais, nos quais o celular falhe, por exemplo”, explica o engenheiro especialista em telecomunicações João Paulo Lustosa. “A oferta de aparelhos públicos de telefonia deve continuar caindo, mas não

acredito que esse é um serviço que deve ser extinto”, afirma.

A jornalista Rafania Almeida, de 29 anos, está no grupo daqueles que abandonaram o orelhão e passaram a utilizar apenas o celular. Ela usou o telefone público durante toda a adolescência, quando o celular ainda não era popular. “Minha mãe sabia os números dos orelhões próximos à escola. Esse era o meio que ela tinha para falar comigo caso acontecesse alguma coisa. Naquela época era comum”, conta.

Para ela, o aumento na oferta de planos mais baratos de telefonia móvel foi um importante fator na mudança, além da praticidade de estar sempre com o celular à mão. Apesar disso, Rafania conta que ainda precisou recorrer ao orelhão em uma situação

de emergência. “Havia acabado de me mudar, não tinha telefone e precisava fazer uma ligação a partir de uma linha fixa para que liberassem a água no apartamento. Desci e fiz a chamada do orelhão em frente ao prédio.”

A pouca utilização do serviço de telefonia pública também refletiu na venda de cartões telefônicos para serem utilizados nos aparelhos. Segundo Claudia Silva, funcionária de uma banca que ainda vende os cartões na rodoviária de Brasília, a procura diminuiu nos últimos anos. “Temos clientes

que ainda compram, mas antes vendíamos mais. Sempre tem alguém que precisa, em uma emergência, mas tenho visto poucos orelhões ultimamente e nem todos funcionam. A maioria das pessoas partiu para o celular e acabou desanimando um pouco com o orelhão”, diz.

Outro fator que contribui para a redução no número de orelhões é o alto índice de vandalismo contra os aparelhos. Segundo a Oi, os aparelhos da

empresa instalados em vias e estabelecimentos públicos sofrem danos diariamente. Em 2013, foram danificados por atos de vandalismo, em média, 7% dos quase 12 mil telefones públicos no Distrito Federal. Além disso, do total de orelhões que apresentam defeitos, principalmente em leitoras de cartões, fones e teclado, 91% são em virtude de atos de vandalismo, entre eles pichações e colagem indevida de propagandas nos aparelhos.

“A desvantagem do sistema fixo de telefonia é que existe um custo elevado para a instalação do sistema de cabeamento, somando-se aos gastos com reparos nos aparelhos públicos

vandalizados. Esse custo é bem menor no caso do serviço móvel, no qual é instalada uma antena emissora

Thaís Carneiro

“Hoje quase ninguém compra cartão. Vendemos ainda porque sempre tem alguém que precisa, em uma emergência, mas depois que todo mundo passou a ter celular, quase não vendemos mais”, explica Claudia Silva

2,04era o número de aparelhos celulares por indivíduo no Distrito Federal em 2013, enquanto havia menos de um

orelhão para cada habitante

1.515 solicitações de reparo em orelhões foram registradas em todo o país

durante o último ano

A quantidade mínima de telefones públicos que devem ser disponibilizadospelas empresas concessionárias é definida pelo Plano Geral de Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado (PGMU). A cada cinco anos, as metas são renovadas após serem submetidas a consultapública. Atualmente, a proporção é de quatro aparelhos para cada grupo de mil indivíduos – duas unidades a menos do que o estipulado em 2003,quando a meta era de seis aparelhos para cada mil habitantes. Segundo o Ministério das Comunicações, a proposta de consulta pública sobre a revisão dos contratos de concessão e sobre a quarta atualização do PGMU seria encaminhada até o final de abril para apreciação do conselho diretor da Anatel. Em dezembro de 2015 deve ser estabelecido um novo plano de metas para as concessionárias.

PLANOS DE METAS

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Brasília, 22 de abril a 5 de maio de 2014 9Campus

TÔ TE LIGANDO DE UM ORELHÃO...Trocados por celulares pré-pagos, os telefones públicos desaparecem aos poucos das ruas do DF

“Hoje quase ninguém compra cartão. Vendemos ainda porque sempre tem alguém que precisa, em uma emergência, mas depois que todo mundo passou a ter celular, quase não vendemos mais”, explica Claudia Silva

de sinal que pode ser usada por vários aparelhos em um determinado raio de distância”, explica Lustosa.

A quantidade mínima de telefones públicos que devem ser disponibilizados pelas empresas concessionárias é definida pelo Plano Geral de Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado (PGMU). A cada cinco anos, as metas são renovadas após serem submetidas a consulta pública. Atualmente, a proporção é de quatro aparelhos para cada grupo de mil indivíduos – duas unidades a menos do que o estipulado em 2003, quando a meta era de seis aparelhos para cada mil habitantes. Segundo o Ministério das Comunicações, a proposta de consulta pública sobre a revisão dos contratos de concessão e sobre a quarta atualização do PGMU seria encaminhada até o final de abril para apreciação do conselho diretor da Anatel. Em dezembro de 2015 deve ser estabelecido um novo plano de metas para as concessionárias.

Distante 46 quilômetros de Brasília, a população do Vale das Andorinhas vive uma situação pouco comum.

Diferentemente dos grandes centros urbanos, a comunidade rural do Novo Gama, cidade goiana do Entorno do Distrito Federal, possui um único telefone público, que é peça essencial no dia a dia das pessoas. Não há rede telefônica instalada na região, o sinal de celular é inconstante e o orelhão, que funciona via satélite, é o principal meio de comunicação de, aproximadamente, 90 famílias e da Escola Municipal Carla Moana Dias Simões.

A comunidade, que existe há pouco mais de 40 anos, recebeu o orelhão apenas em fevereiro de 2012. Ele foi instalado em frente à escola e a chegada foi comemorada em grande estilo: com direito à festa de inauguração, laço vermelho e tudo mais. Na mesma época, a escola promoveu uma campanha com os alunos para que eles entendessem a importância de conservar o “filho único”. E parece que funcionou. O telefone não sofre com depredações e vandalismos.

Ivone Costa, secretária da escola há oito anos, conta que gostaria que outro orelhão fosse colocado dentro da instituição. “Muitos pais de alunos e a própria Secretaria de Educação do Novo Gama ligam aqui,

TELEFONE PARA CONTATOLara Silvério

mas, como o orelhão está do lado de fora, às vezes perdemos a ligação porque não o ouvimos tocar”, explica Ivone.

De acordo com a Oi, que responde pela telefonia na região, a empresa segue as regras da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para instalar orelhões. É previsto, em lei, o atendimento às escolas rurais e, para receber mais de um telefone público, a

região deve ter mais de 300 habitantes. Entretanto, os órgãos brasiliense e goiano responsáveis não sabem informar quantas pessoas residem no Vale das Andorinhas. "Fora dessa obrigação, a instalação de outros orelhões seria por interesse e iniciativa da concessionária [no caso, a Oi]" afirma, em nota, a Anatel. A Oi não quis se manifestar acerca dos requerimentos feitos pela população.

Difícil mesmo é quando chove. O orelhão

perde o sinal e quem precisa se comunicar tem que dar

um jeito. A assistente da escola nascida na comunidade, Mônica Menezes, conta as dificuldades que a comunidade enfrenta. “Uma criança precisou ser levada ao hospital do Gama e ficamos duas horas tentando contato com a mãe dela.”

De acordo com Mônica, apenas a família dela e outras três possuem linha de telefone fixo na residência. O artigo é considerado de luxo. A assistente se queixa do alto valor da conta. “Pago para ligar e até para receber. A instalação é bem cara também.” De acordo

com a Anatel, o atendimento às áreas rurais implica em cobrança diferenciada, mas cada caso deve ser analisado à parte.

A melhor alternativa para a população local continua sendo o telefone público. Entretanto, o cartão telefônico não é vendido no Vale das Andorinhas. Apegado ao orelhão, Dezílio de Souza se aproveita da situação para “tirar um dinheirinho”. Vigia da escola, ele é quem, na maioria das vezes, atende ao telefone. Desde 2012, ele compra os cartões no Pedregal, bairro distante 4km em estrada de chão, e revende por R$ 2 mais caro, ganhando até R$ 50 por mês. “O pessoal compra de mim porque a gente não tem transporte direito. Às vezes a pessoa espera 2h na parada [de ônibus]. Quando eu não tenho mais cartão as pessoas perguntam: "cadê, irmão?”, conta sorrindo.

“Um telefone é muito pouco pra quem ama como louco e mora no Plano Piloto. (...)", cantava Renato Matos na década de 1970. No Vale das Andorinhas, que fica pra lá do Gama, um telefone continua sendo, realmente, muito pouco.

A população do Vale das Andorinhas depende de um único orelhão para se comunicar

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Campus10 Brasília, 22 de abril a 5 de maio de 2014

FOCONO LIXO

MEIO AMBIENTE

“Nunca foi dada a devida importância ao lixo aqui no Brasil. Tratá-lo não é

prioridade, por isso estamos rodeados de lixões país afora.” A avaliação é do professor Gustavo Souto Maior, do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade de Brasília (UnB), e expressa a realidade nacional. Não à toa, foi publicada, em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei 12.305, q u e d e t e r m i n a que todos os municípios tenham um plano de gestão dos rejeitos e desativem seus lixões até agosto de 2014, substituindo-os por aterros sanitários. Faltam menos de quatro meses para o país mudar radicalmente a forma de lidar com o lixo e, no entanto, poucas cidades estão preparadas para a transformação.

Segundo pesquisa feita em dezembro de 2012 pelo Instituto de Pesquisa Econô-mica Aplicada (Ipea), o prin-cipal fator para que a PNRS tenha êxito está longe de vi-rar realidade. Ainda existem quase três mil lixões em ati-vidade espalhados em 2,8 mil municípios. Isso sem citar que, das 190 mil toneladas de resíduos sólidos produzidos por dia no país, apenas 1,4% é reciclado. Diante de tantos dados alarmantes, o único estado da federação que de-

sativou todos seus lixões até agora foi Santa Catarina.

Grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo contam com um eficiente sistema de tratamento de resíduos, mas existe um pequeno porém: o lixo produzido pelos cario-cas e paulistanos é tratado e aterrado em outros municí-pios. “Quando o aterro esti-ver pronto, Brasília vai ser uma das poucas metrópoles brasileiras que vai tratar no próprio território o lixo pro-duzido. Em vários lugares do mundo, como a Califórnia, nos Estados Unidos, o lixo é enviado para a China”, explica o diretor-técnico de planeja-mento e projetos especiais do Serviço de Limpeza Urbana (SLU), Edmundo Gadelha.

O custo benefício de um aterro sanitário se sobressai quando comparado a outros métodos de tratamento do lixo. Segundo o subsecretário de Políticas de Resíduos Só-

lidos do DF, Paulo Celso dos Reis Gomes, “um incinerador cobra em média R$ 250 por tonelada de lixo queimado, fora o gasto de US$ 200 mi-lhões para lavar os gases que ele emite. A usina de compos-tagem cobra por volta de R$ 100 a tonelada e o aterro, R$ 50.”

Em Brasília, a área sele-cionada para receber o aterro sanitário fica em Samambaia, ao lado da estação de trata-mento de esgoto Melchior, administrada pela Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb). Os estudos de impacto ambien-

Mariana Pedroza

Operários trabalham na construção do Aterro Sanitário do Distrito Federal, localizado em Samambaia

Iago Garcia

Brasília se prepara para fechar maior lixão da América Latina

tal tiveram início em 2004 e especialistas do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) analisaram desde aspectos geológicos até o abalo social na região. Projetado para ter três metros de profundidade e ocupar 32 hectares, o aterro sanitário está previsto para ser inaugurado no final de maio. O solo vai passar por imper-meabilização e o chorume, que tem uma carga poluidora quase mil vezes maior do que a do esgoto doméstico, vai ser conduzido a tanques de equa-lização e depois encaminhado para a estação de tratamen-to Melchior, para ser tratado junto com o esgoto conven-cional.

O SLU quer que o ritmo de trabalho comece acelerado para dar conta das 8,7 mil toneladas de lixo produzidas todos os dias na cidade. A proposta é que seja aterrado apenas o que não for aproveitado na recicla-gem e na compostagem orgânica. A médio prazo, o SLU espera que sejam enterradas, diaria-mente, apenas 540 toneladas

de rejeitos. Segundo Gadelha, a quantidade de lixo aterrada interfere na vida útil do aterro de Brasília, que “pode variar entre 15 e 25 anos. Por isso, os processos da coleta seletiva e da triagem do lixo são impor-tantes. É ali que a gente garan-te a qualidade e a quantidade do que vai ser aterrado.”

Segundo o professor do Departamento de Engenha-ria Civil e Ambiental da UnB Sergio Koide, “a meta do SLU de enterrar só 15% do lixo é excelente, mas vai depender de como vão administrar o aterro. O projeto no papel funciona e segue os padrões internacionais, resta saber se na prática também vai ser as-sim.” Koide ainda argumenta que um aterro sanitário pre-cisa ser monitorado a todo o tempo porque “há o risco da coleta seletiva e da reciclagem não serem feitas da maneira correta ou de não separar di-reito os entulhos da constru-ção civil do lixo doméstico e, aí, perder o trabalho feito ao longo do tempo”.

Camila Menezes

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Brasília, 22 de abril a 5 de maio de 2014 11Campus

“Moça, vou te falar a verdade: não existe coleta seletiva.” É assim que Raimunda Ribeiro

resume a situação da coleta de lixo reciclável estabelecida pelo Governo do Distrito Federal (GDF) desde fevereiro deste ano. Raimunda é diretora social da Central de Cooperativas de Materiais Recicláveis do Distrito Federal, a Centcoop, e presidente da Cooperfenix, uma das cooperativas associadas à Central. “Não mudou nada”, é o que afirma ao se referir à quantidade de resíduos recicláveis que chegam às cooperativas diariamente e à renda dos trabalhadores responsáveis pela triagem dos materiais.

Cerca de 3,5 mil catadores trabalham nas 24 cooperativas associadas à Centcoop. Dessas, sete situam-se nas áreas atendidas pelo Serviço de Limpeza Urbana (SLU) e são privilegiadas ao receberem a maior parte dos resíduos coletados no DF. Uma delas é a cooperativa da qual Raimunda Ribeiro é presidente e onde tem encontrado dificuldades para trabalhar. “Na Coorperfenix, os materiais recicláveis chegam misturados ao lixo orgânico. Nosso maior trabalho é separar um do outro. No final, a quantidade de material reciclável é a mesma de antes da coleta seletiva”, garante a presidente.

Ivanilde Soares é conselheira fiscal da Coorace, a Cooperativa de Reciclagem Ambiental da Cidade Estrutural. Ela concorda com Raimunda ao declarar que a coleta de materiais recicláveis

não trouxe benefícios para os catadores do DF: “Ainda não vi vantagem nenhuma nessa coleta seletiva. Na Coorace, não aumentou a quantidade de material reciclável, só de lixo. O que chega lá é animal morto”. Representantes de cinco cooperativas localizadas na área atendida pelo SLU opinaram sobre a situação da coleta seletiva no DF. Todos foram unânimes ao afirmar que o programa não aumentou a quantidade de material reciclável que chega ás associações, mas que, agora, o volume de lixo orgânico que recebem é muito maior.

Para um funcionário de uma das três empresas responsáveis pela coleta de materiais recicláveis no DF, o problema é a falta de conhecimento da população: “Como os moradores não sabem os horários dos caminhões do lixo orgânico e os do material reciclável, colocam o lixo misturado no horário que bem entendem. Nós, da coleta seletiva, colhemos o lixo que encontramos, seja ele orgânico ou seco”.

No DF, a renda dos catadores é garantida pela venda do material reciclável e pela Bolsa Ambiental de R$ 300 concedida pelo GDF. Desde 2006, está em negociação o Pagamento por Serviço Prestado. A quantia destinada aos catadores é relacionada ao convênio acertado entre o GDF e as cooperativas, responsáveis pela triagem do material. O pagamento é previsto pela Lei 12.305 de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos

Sólidos. O valor do Pagamento do Serviço Prestado ainda não foi decidido, o que deve ocorrer ainda este ano, segundo a Centcoop.

A renda dos catadores com a comercialização dos materiais recicláveis varia em cada cooperativa. “Com a venda dos resíduos, dá pra tirar R$ 400, R$ 500. Se somar a bolsa, ganhamos até R$ 800 por mês”, explica Ivanilde Soares sobre a renda dos trabalhadores da Coorace. Apesar de os valores atuais serem similares aos da cooperativa da Cidade Estrutural, na Associação dos Agentes Ecológicos da Vila Planalto, Ageplan, a renda já foi mais baixa. “Teve mês que ganhamos R$ 70 cada um. Não dava nem pra pagar a passagem de ônibus”, lembra Francisco Lobato, presidente da associação.

As cooperativas não reciclam os resíduos que coletam. Cerca de 90% do material colhido mensalmente em todo o DF, o equivalente a 600 mil quilos de resíduos, são comercializados com a empresa Capital Reciclável. Mas a companhia também não recicla o material que compra: ela revende para empresas de outros estados que realizam o processo. A Capital Reciclável paga, aproximadamente, R$ 0,26 pelo papel branco, R$ 0,14 pelo papelão, R$ 1,30 pela garrafa PET, R$ 0,15 pelo fardo amarrado de jornal e R$ 2,50 pela lata de alumínio que compra das cooperativas.

PARA CATADORES, A HISTÓRIA É OUTRA

Representantes de cooperativas afirmam que a coleta seletiva não é capaz de diferenciar resíduos recicláveis de lixo orgânico

Taise Borges

A coleta seletiva de resíduos, etapa fundamental para o fechamento do Lixão da Estrutural, tem apresentado bons resultados. Um mês após o início do funcionamento do sistema, em 17 de fevereiro, a quantidade de lixo reciclado no DF saltou de 2,4 mil para 3,8 mil toneladas por mês, o que representa um aumento de 58,3%. Os dados são do Serviço de Limpeza Urbana (SLU).

Proporcionalmente às 81 mil toneladas de lixo produzidas por mês no DF, o volume reciclado cresceu de 3% para 4,7%. A meta do SLU é elevar esse percentual a 15%, cerca de 12,1 mil toneladas/mês, até fevereiro de 2015. Para se ter uma ideia, em Curitiba, primeira cidade a contar com a coleta seletiva no Brasil, a proporção de resíduos reciclados chega a 21%.

Alguns problemas, no entanto, têm sido relatados pelos usuários. De acordo com o SLU, a maioria das queixas diz respeito ao não cumprimento dos horários para a coleta do lixo seco. O órgão alterou seis das 68 rotas de coleta para melhor atender à população e estuda ampliar os horários de quatro para seis horas.

No entanto, a maioria dos usuários ouvidos pelo Campus reclamou da falta de informações sobre os horários da coleta. “Não sei dizer se passa na hora certa, não sei qual é o horário que esse caminhão deveria passar. Só coloco o lixo para fora de casa quando está cheio e espero até ele ser recolhido”, conta Luciana Lima, moradora do Recanto das Emas.

O SLU, por sua vez, respondeu que disponibilizou o cronograma da coleta em seu site (www.slu.df.gov.br) e que distribuiu um milhão de panfletos com informações sobre a coleta em residências do DF. A autarquia afirma ainda que vai imprimir mais um milhão de folders para atingir as cidades restantes, além das áreas rurais.

A coleta seletiva no DF inclui as áreas rurais. Para realizar o serviço, foram contratadas três empresas terceirizadas (CGC, Quebec e Valor Ambiental) escolhidas por meio de licitação, ao custo de R$ 1,2 milhão mensais. São utilizados no recolhimento exclusivo dos resíduos recicláveis 120 funcionários e 32 caminhões .

PROCESSO JÁ TRAZ RESULTADOS, DIZ GOVERNO

Fernando Henrique Jordão

Funcionários da coleta seletiva recolhem lixo na Asa Norte

Victor Pires

COLETA SELETIVA

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Campus12 Brasília, 22 de abril a 5 de maio de 2014

M aria Inácio de Oli-veira teve derra-me aos 75 anos de

idade, ficou sem a fala, sem os movimentos da perna e com paralisia na parte direita do corpo. Hoje, aos 81 anos de idade, se alimenta usando apenas a mão esquerda, não é capaz de tomar banho e fazer as necessidades fisiológicas sozinha. Para isso, precisa dos cuidados de sua filha, Lourdes, e do neto Érick. A família que passa por dificuldades finan-ceiras tem como renda apenas a aposentadoria de Maria Iná-cio. Lourdes, que era auxiliar de limpeza, está desempregada há um ano e meio e conta que gasta cerca de R$ 400 mensais apenas com a compra de fral-das para a mãe: “Ainda tenho que economizar. Ela usa duas fraldas por dia sendo que o normal seriam quatro”. No en-tanto, Lourdes não sabe que a Secretaria de Saúde do Distri-to Federal (SES/DF) fornece fraldas de graça desde junho do ano passado. As informações que deveriam ser transmitidas pelos centros de saúde e demais serviços de atenção primária não têm chegado de forma efe-tiva aos pacientes.

De acordo com estudo re-alizado em maio do ano pas-sado pela Companhia de Pla-nejamento do Distrito Federal (Codeplan), o DF possui mais de meio milhão de deficientes, 22% da população. Não se sabe quantos precisariam de fraldas, mas o número de beneficiados não chega nem a 0,23% do total de deficientes no DF. “Apenas 1.284 pacientes são cadastrados no programa, o que é conside-

FRALDAS PRA QUE TE QUERODENÚNCIA

rado um número pequeno”, afirma Rodrigo Ferreira, chefe do Núcleo de Enfermagem e um dos responsáveis pela ava-liação de laudos médicos para a entrega das fraldas.

Antes do recebimento gra-tuito nos centros de saúde, os pacientes recorriam à De-fensoria Pública ou à Justiça para assegurar o direito. E, em

Bruna Chaves

seguida, após um demorado processo para a aprovação do pedido, iam até a Farmácia de Ações, localizada no Setor de Indústria e Abastecimento, todos os meses, para retirar a quantidade estabelecida pela Justiça. A fim de reduzir as dificuldades de espera e deslo-camento dos pacientes, foi edi-tada em junho do ano passado

a Nota Técnica 01/2013 que permitiu o fornecimento gra-tuito das fraldas pelo centro de saúde mais próximo à casa das famílias beneficiadas e sem a necessidade de o pedido passar pela via judicial.

No entanto, a Secretaria de Saúde não seria capaz de aten-der a todos, caso o programa fosse divulgado. “Se divulgar-mos, vamos extrapolar os re-cursos e não vamos ter como comprar mais. Isso porque diariamente chegam de cinco a seis novos requerimentos para o recebimento de fraldas” afir-ma Rodrigo Ferreira.

A falta de informação é ta-manha que Isabel de Cirquei-ra, 54 anos, avó do deficiente Wirley Gadelha, 14 anos, conta que, ao chegar ao Posto de Saú-de nº 1, localizado em Samam-baia Norte, e requerer o direi-to, não conseguiu convencer os atendentes de que as fraldas deveriam ser fornecidas pelo posto. “Eu tive que sentar com a enfermeira, explicar o projeto que me passaram na Farmácia de Ações e dizer como ela tinha que me encaminhar.” Hoje Isa-bel recebe todo mês 120 fraldas para o neto, e afirma: “Às vezes me entregam apenas 80 fral-das, ligo lá, reclamo, e no outro dia vou buscar o restante, caso contrário, eles ficam com as fraldas”.

De junho a dezembro do ano passado, o DF gastou R$ 1.743.685 em compra de fral-das. A verba hoje utilizada vem da parte repassada aos centros de saúde, que de acordo com Ferreira “é menos apertada que a dos hospitais”. O mate-rial fornecido aos pacientes é

de 103.437 fraldas por mês, número que tende a aumentar. Temendo que o lote de fraldas acabe antes de findar o período de um ano da atual licitação, a Secretaria já organiza o pró-ximo processo licitatório. A quantidade de fraldas compra-das é estabelecida na licitação, e ao longo do ano de vigência o lote é fracionado e entregue mensalmente na quantidade necessária aos centros de saúde.

Para acabar com o proble-ma e divulgar o benefício, a Secretaria pretende reeditar a nota técnica com a criação de um protocolo que estabeleça os requisitos para que os interes-sados ingressem no programa, como por exemplo, quantidade máxima de 150 fraldas por pes-soa e renovação de cadastro no programa. No entanto, o pro-tocolo ainda não começou a ser discutido e, assim, ainda não existe data para divulgação.

O interessado em receber as fraldas deve ir ao centro de saúde mais próximo de sua casa para receber o laudo médico com a quantidade de fraldas ne-cessárias ao deficiente. Há tam-bém a possibilidade de receber óleo ou pomada a fim de evitar a formação de assaduras na pele de pacientes que ficam em uma mesma posição por muito tempo. Em seguida, deve levar uma lista de documentos para ingressar com o requerimento na Unidade de Atendimento, conhecida como Prosus, loca-lizada na 712/912 sul. Após 45 dias, caso o requerimento seja aprovado, o paciente ou repre-sentante pode retirar as fraldas no centro de saúde mais próxi-mo de sua casa.

A família de Maria Inácio de Oliveira, 75 anos, gasta R$ 400 por mês somente em compras de fraldas geriátricas

Secretaria de Saúde do Distrito Federal prejudica população carente ao não avisar distribuição gratuita de fraldas

Documentos necessáriosPara receber as fraldas, paciente ou seu representante legal deve apresentar:- Um relatório médico com quadro clínico do paciente;- Cópia do comprovante de residência;- Cópia de cartão do SUS;- Cópia do cartão de atendimento de Centro de Saúde (se tiver);- Cópia do RG, CPF;- Cópias de exames e laudos que ajudem na comprovação da patologia (se tiver).

Thaís Carneiro

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Brasília, 22 de abril a 5 de maio de 2014 13Campus

Compp 3326-3201Adolescentro 3242-1447

FILAS PREJUDICAM APRENDIZADOSAÚDE

Centros de tratamento público a crianças e adolescentes com transtornos mentais no DF têm espera de até um anoBruna Furlani

Desde que deu entrada no Centro de Orien-tação Médico Psicope-

dagógico (Compp), que presta atendimento multi e interdisci-plinar em saúde mental a crian-ças e adolescentes do Distrito Federal e Entorno, Elinete Silva vem sofrendo para ser atendi-da na rede pública de atenção secundária. Ao buscar o espaço por recomendação da escola, ela esperou cerca de um ano para marcar consulta para o filho de dez anos.

O menino tem problema de falta de oxigênio no cérebro desde pequeno, o que gera pro-blemas na aprendizagem. Eline-te conta que, a partir de um ano de idade, o filho iniciou o trata-mento. Porém, durante o tem-po que aguardou para a marca-ção de consulta, a mãe se sentiu desamparada: “Foi muito ruim ter que esperar. Sempre tive di-ficuldade para trabalhar por não ter ninguém que quisesse ficar com o menino. Ele não tem no-ção de perigo. A gente não pode se distrair”.

Aldenoura Silva buscou o Compp pela primeira vez em 2009. A demora já começou no acolhimento, processo em que os pais fazem o registro no sis-tema e relatam, em entrevista, os sintomas do futuro pacien-te. Para conseguir cadastrar a ficha e entrar na fila de espera, Aldenoura teve de aguardar quase seis meses. Após várias viagens perdidas, ela obteve o atendimento para poder marcar a consulta.

Diagnosticada aos oito anos com deficiência mental leve, a filha de Aldenoura nunca estu-dou em escola com acompanha-mento especial. Mesmo com a negativa dos médicos, a mãe sempre acreditou que havia algo mais grave com a menina. A suspeita do transtorno foi le-vantada pelos professores quan-do a filha começou a ter mais di-ficuldade que os demais colegas para aprender e socializar. ATENDIMENTOS E FILAS

Criado há mais de 40 anos, o Compp é um órgão da Se-cretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal e possui cinco frentes de tratamento: Dislexia, TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), Violência (maus-tratos, tortura e crimes sexuais), Transtorno Alimentar e Ambulatório. Po-rém, segundo a diretora geral, Simone Guimarães, os serviços não são suficientes para atender a comunidade. Em 2013, o local acolheu por mês cerca 300 casos novos e realizou uma média de 5 mil atendimentos mensais.

Contabi l i -zados os aten-dimentos dos últimos quatro anos, é possível perceber que o número sal-tou de 34 mil

em 2009 para mais de 58 mil, segundo a diretora. A criança ou o adolescente que procura o centro encontram o apoio de 12 especialidades na área de saúde, como neuropediatria, psicolo-gia e enfermaria. Vários casos são encaminhados pelas escolas ou até mesmo pela Justiça, o que

Gustavo Garcia

Logo cedo, pais ou responsáveis fazem fila na porta do Compp para conseguir ao menos cadastrar o nome da criança ou do adolescente no sistema e, então, ter a chance de marcar um atendimento

300Atendimentos mensais no Compp em 2013

aumenta ainda mais a quantida-de de atendimentos.

Outro centro que atende crianças e jovens entre 10 e 17 anos é o Adolescentro. De acor-do com Ivan Guilhermo, psi-cólogo que trabalha no local há três anos, a fila de espera para os tratamentos “biopsicossociais” é de cerca de nove meses após o cadastro do nome do pacien-te no sistema. Assim como no Compp, o tempo varia segun-do a classificação de risco.

De acordo com a Secretaria de Saúde, para tentar resolver o problema da demanda nos locais de atenção secundária, foram criados outros centros: Centro de Atenção Psicosso-cial Infanto-juvenil e Centro de Atenção Psicossocial Álco-ol e Drogas. Os espaços pres-tam serviços de atendimento a crianças e adolescentes que pos-suem transtornos mentais gra-ves ou que fazem uso de crack,

álcool e outras drogas. E a grande demanda por

atendimento gera reflexos na fila de espera. Porém, segundo a gerente de Terapia do Compp, Viviane Gonçalves, atualmente não existe perspectiva de tem-po para que o jovem seja aten-dido, até porque muitos casos são enviados pela justiça com tempo determinado para ação. Além disso, outro motivo para a demora é que a lista de espera é feita com base em critérios de “classificação de risco”, a partir da descrição dos sintomas.

Os pacientes com maior prioridade são encaminhados para as emergências dos hos-pitais gerais por apresentarem risco imediato de morte. Depois vêm os jovens que necessitam de atendimento rápido, mas precisam de acompanhamento porque o transtorno prejudica o funcionamento psíquico, cog-nitivo e social. Em penúltimo e

último lugares vêm aqueles em que os sintomas afetam apenas uma ou duas áreas “psicosso-ciais” ou que não afetam, res-pectivamente.

Para o professor da UnB Carlos Nogueira Aucélio, es-pecialista em TDAH, a longa fila de espera pode interferir no diagnóstico, que deve ser feito durante a alfabetização. Nessa fase, a criança começa a mostrar os primeiros proble-mas de aprendizagem. Além disso, os transtornos mentais geram dificuldades para a com-preensão do conteúdo trans-mitido pelos professores. Com isso, as crianças e adolescentes não conseguem mostrar todo o potencial e são prejudicadas academicamente.

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FARDA DE DISCRIMINAÇÃOSOCIEDADE

A companhia de poli-ciamento militar do Distrito Federal tem,

hoje, 16 mil policiais na ativa, sendo desses postos 6% ocupa-dos por mulheres. 10% das va-gas nos concursos para a Polí-cia Militar são para mulheres e não existe data prevista para mudança. Apesar de já esta-rem presentes na corporação há 30 anos, mulheres ainda são vistas como fracas e inade-quadas para o serviço militar, sendo constantemente trata-das de maneira diferenciada por colegas e superiores.

O primeiro concurso da Polícia Militar do Distrito Federal (PM-DF) a abrir va-gas femininas na corporação aconteceu em 1983 e entre alguns dos principais requi-sitos para participar estava ser solteira e não ter filhos, o que não vinha como exigên-cia para os homens. Na época, cem mulheres ingressaram no Curso de Formação de Pra-ças, obrigatório para todos os aprovados antes de adotarem a patente de soldado. Após seis meses de curso e 16 desis-tências, no início de 1984 foi lançado o policiamento femi-nino no Distrito Federal.

Com um quartel separado para elas, funções específicas na corporação e proibidas de conversar com os policiais homens, a entrada da mulher demorou a ser tratada com qualquer seriedade. Usando saia, sapato de salto, meia fina, cabelo esticado no coque e as unhas impecáveis e bem-feitas, a mulher demorou muito para deixar de ser tratada como bo-

Raila SpindolaFoto de Arquivo

A presença da mulher na Polícia Militar do DF: uma história de luta diária contra preconceitos que já duram 30 anos

1002É o número de mulheres PMs no Distrito Federal

presentes em uma carreira que possui

16 milpoliciais

Dados de 2013, site oficial da PMDF

neca para virar policial. Segundo a subtenente

Tânia, que prefere não ter o nome real revelado por te-mer represálias, a presença da mulher na polícia não fez tanta diferença no começo, já que elas apenas recebiam funções que não tinham tanta importância para a profissão. “Nós ficávamos só desfilando no aeroporto, passeando no shopping e servindo oficiais em eventos internos, porque como policiais eles não pen-savam que nós éramos mui-to capazes”, diz. Segundo ela, também havia uma seleção bem explícita baseada em apa-rência física para decidir quem exerceria certas funções. Gor-das e negras nunca ficavam em locais onde o público de maior

Turma do primeiro concurso não organizado pela PMDF em novembro de 1990, primeiro ano em que a seleção foi terceirizada. Na época, ainda existia o Batalhão de Polícia Feminino (BPFem), local onde foi tirada a foto

poder aquisitivo frequentava, eram sempre mandadas para a Rodoferroviária e rodoviárias.

Para a tenente Ariel (nome fictício), o desafio para ingres-sar na polícia foi dobrado por ser, além de mulher, negra. Em um processo seletivo que, no final dos anos 80, ainda era criado, corrigido e avalia-do pela própria polícia, eles tinham o poder de eliminar e aprovar quem de-sejassem. Ariel foi reprovada no teste psicotécnico duas vezes, quando dis-seram que alguém de sua cor era inadmissível. “Não tinha nenhuma transparência ou legalidade, então

eu só voltei a tentar quando uma empresa terceirizada foi colocada para fazer o processo seletivo em 1990”, conta. “Eu brinco que parece que juntei tudo de ruim: negra, mulher, pobre e PM”.

Segundo a sargento An-gélica Machado um dos pro-blemas sérios da época era que mesmo as comandantes mulheres tinham um compor-

tamento machista e discrimi-natório, principalmente pela forma como os homens que já estavam lá as treinaram ao che-gar à corporação. “Elas eram as primeiras e não tinham em quem se inspirar, então agiam como o masculino. Assim como eles, muitas pensavam que atestado de acompanha-mento dos filhos não valia como justificativa para atraso ou falta no serviço”, exemplifi-ca Angélica.

EVOLUÇÃO LENTAAs duas primeiras grandes

conquistas da mulher na polí-cia foram o fim de um quar-tel exclusivamente feminino, quando elas eram impedidas de trabalhar no que deseja-vam, e a junção dos quadros profissionais até então separa-dos entre homens e mulheres. Segundo a coronel Vanuza Almeida, ex-subcomandante geral da PM-DF, mesmo sen-do mais antiga que muitos ho-mens, quando chegasse na pa-tente de capitão já não poderia subir para outra maior. “Eu fiz o mesmo curso que eles e não poderia chegar até o cargo de coronel por quê? Foi então que extinguimos a companhia feminina para que, a partir

disso, não fizes-se mais sentido a grade separada e pudéssemos mostrar que so-mos iguais.”

A distribui-ção das mulheres entre os quar-téis gerou satis-fação entre

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Brasília, 22 de abril a 5 de maio de 2014 15Campus

tes), a unificação causou ainda mais transtorno, principal-mente para as mulheres. Com a união, todas foram para o final da fila do ano de seus respec-tivos cursos, inclusive as que tinham sido primeiro lugar na turma de formação. “Elas fica-ram atrás do último colocado do masculino e tiveram que brigar na justiça para voltar para o lugar que era de direito delas para serem promovidas no momento que era de direito delas”, explica a coronel. “Mui-tas nunca conseguiram.”

Apesar dos problemas, as mulheres que estão há 20 anos ou mais dentro da corporação já conseguem citar várias peque-nas conquistas, como o direito de usar rabo de cavalo no lugar do coque. “Quando eu sugeri o rabo de cavalo, alegando que o coque fazia o cabelo mofar, debocharam e disseram que eu devia pensar que não estáva-mos no militarismo”, comenta

Angélica, que se orgulha de já ter sofrido consequências por não ter se calado em uma épo-ca em que todos tinham medo. “Peguei cadeia de dias, semanas, fora os inquéritos de que eu consegui me safar e os dois anos que cumpri em liberdade.”, re-lata Angélica, com um sorri-so de diversão. “Eu aprendi que quando recorria à imprensa eles não podiam me perseguir e co-mecei a andar com o gravador no bolso da camisa. Isso me sal-vou muitas vezes”.

CHEGANDO LÁPara a coronel Vanuza, a

maior prova de que a mulher é tão capaz quanto o homem para exercer o serviço militar já foi dada. “Diziam que não podía-mos andar de moto, entrar no Bope, para a cavalaria ou fazer

muitas delas, mas não mudou totalmente a situação. Segundo Tânia, quando houve a união elas nunca pegavam ocorrência. “Começaram a nos mandar ir dormir duas da ma-nhã para chamar só em caso de emergência, mas nunca cha-mavam. Então começamos a ir sem chamar mesmo”, admite Tânia, com um sorriso.

A unificação de quadros profissionais desagradou tan-to homens quanto mulheres. As oficiais que entraram no quadro se encaixaram onde deveriam estar de acordo com o ano em que fizeram o cur-so de oficial, mas algumas das turmas mais novas não gosta-ram do atraso que a mudança causaria na promoção deles. “Por mais que nós fôssemos apenas três na época, isso ge-rou uma briga até judicial”, conta a coronel Vanuza.

Para os praças (soldados, cabos, sargentos e subtenen-

Victor Pires

A sargento Angélica Machado, representante do Movimento Unificado dos Policiais e Bombeiros Militares, já foi vítima de preconceito e hoje luta contra ele

Tenente Tainá Bucar, formada em primeiro lugar na VIII turma do curso do Batalhão de Poli-ciamento de Choque da PM (BPChoque), cuja formatura foi no último dia 4 de abril. O batalhão é responsável pelo policiamento especializado, como ação rápida e de dis-suasão para as situações de controle de distúrbios. A turma, que teve sete desistentes, to-dos homens, contou com duas formandas, a tenente Tainá e a cabo Ana Maria Reis

"A comandante perguntou se tinham aberto a porta da senzala"

Tenente Ariel, sobre a primeira vez que trabalhou em um shopping

curso de piloto, e mesmo assim muitas mulheres fizeram cursos e entraram para batalhões con-siderados masculinos”, conta Vanuza, orgulhosa. “Hoje a co-mandante da tropa de choque da PM-DF é a tenente Cynthia-ne Maria da Silva, uma mulher.”

Apesar dos transtornos passados, a subtenente Tânia afirma que, hoje, essa discrimi-nação parte de uma minoria e acontece de maneira mais sutil. Segundo ela, policiais já saíram de seu grupo de ronda na viatu-ra para não serem comandados por ela, mas o contrário tam-bém acontece com frequência. “Muitos já vieram me dizer que se eu montasse um grupo viriam trabalhar comigo, não importa onde estivessem. En-tão quem não quiser prefiro que saia, quem ganha sou eu”, argumenta Tânia. “Também vai muito do comandante da companhia e o meu não é ma-chista e nem permite esse tipo de comportamento.”

O soldado Bruno Mendes de Oliveira confirma a exis-tência de machistas entre os novos policiais, mas que eles não são a maioria da tropa. “O problema é que com a polícia tendo se tornado, para alguns, um concurso público como outro qualquer, muita gente

sem perfil nenhum entra na corporação e fica como secre-tária ou trabalhando em outra coisa dentro do quartel, o que abre brecha para esse tipo de pensamento”, explica Men-des. Segundo ele, quando as mulheres se mostram iguais em força e resistência física a maioria passa a admirá-las muito mais. “A presença do feminino na rua é essencial e

infelizmente está ficando cada vez mais rara. Então quando alguma delas pede para ir para ronda a gente acha ótimo.”

Uma das grandes lutas que as mulheres ainda têm dentro da polícia é a busca pelo fim das vagas diferenciadas nos concursos para ingressar na corporação. Segundo Angéli-ca, um dos argumentos usados para que isso não seja possível é o da força física. Mas ela ex-plica que o policiamento hoje já não exige tanta violência. “A segurança pública é feita mui-to mais com inteligência do que com truculência, e nisso nós somos ótimas”, argumenta a sargento. “Nós conduzimos uma situação e levamos para onde quisermos, o que crime também percebeu. Hoje tem mulheres envolvidas com o tráfico. Todo mundo acha que mulher é santa, ainda mais se tiver com o filho no colo. Nós conhecemos melhor a índole feminina e o velho truque de ‘fazer cara de idiota’ que os ho-mens caem há séculos.”

Ao ser procurada pela re-dação do Campus a assessoria de imprensa da Polícia Militar se recusou a dar entrevista so-bre o assunto e afirmou, em nota, não existir machismo dentro da corporação, que

p r o m o v e oportunida-des iguais às mulheres que fazem parte deste órgão. “Não temos registro de

casos de machismo, mas sim um regulamento disciplinar que pune o desrespeito entre colegas”, explicam. A Secre-taria de Estado da Mulher do DF diz não possuir nenhum programa de conscientização voltada para a Polícia Militar ou qualquer outro órgão do governo. “As palestras que promovemos são abertas para que todos participem”.

Victor Pires

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Campus16 Brasília, 22 de abril a 5 de maio de 2014

Há dez anos um acampamento de moradores rurais sem-terra era montado às mar-gens da BR 020. O motivo: reivindicar ao governo um local onde pudessem plantar e trabalhar. Após anos de embates com as autoridades, uma área permanente foi fi-nalmente entregue aos agricultores. Assim nasceu o Assentamento Pequeno William, em Planaltina. Porém, o que parecia ser a solução das dificuldades se tornaria so-mente o início de outras. Com inúmeros problemas estruturais, a realidade atual do Pequeno William espelha a dos 194 assentamentos de trabalhadores rurais existen-tes no Distrito Federal e Entorno. As áreas são mantidas de maneira provisória por décadas e fazem com que os problemas sejam rotina na vida dos moradores.

O RETRATO DE UMASSENTAMENTO

Em novembro, os moradores construíram uma estrada de acesso ao assentamento com as próprias mãos. A solicitação da construção foi feita ao Incra, que não atendeu a reivindicação

Outro problema é que o local possui apenas uma caixa d’água de 10 mil litros que atende as 20 famílias e é reabastecida só uma vez por semana por um caminhão pipaSaneamento é uma realidade distante do Pequeno William. Há

quatro anos na área, os moradores usam banheiros improvisados

As crianças frequentam a Escola Pedra Fundamental, que atende 70 alunos. Por falta de infraestrutura, o colégio não acolhe os estudantes em período integral

Janaina Bolonezi

A plantação local possui cinco áreas comuns. Cada uma é responsabilidade de dois moradores. A água é escassa, por isso, é um desafio plantar no período da seca