C M Y K A-4 - blogdoalon.com · O encontro deve acontecer assim que o presi-dente receber um...

1
DANIEL PEREIRA, GUSTAVO KRIEGER E LEANDRO COLON DA EQUIPE DO CORREIO O s gastos de R$ 171 mil no cartão de crédito do governo podem custar o cargo à ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro. Auxiliares do presi- dente Luiz Inácio Lula da Silva dizem que ele está irritado com o desgaste que o caso cau- sou ao governo. Antes de decidir o destino da ministra, Lula quer ter uma conversa com ela. O encontro deve acontecer assim que o presi- dente receber um parecer da Corregedoria Geral da União (CGU) sobre o caso. Fontes do Palácio do Planalto avaliam que Matilde pode tomar a iniciativa e pedir demissão. “Ela está muito abalada”, relata um ministro. Se pedir para sair, ela pode resolver o problema do go- verno. Estancar a crise e poupar Lula do des- gaste de demiti-la. Para o Planalto, Matilde é a única minis- tra que ainda não deu explicações satisfató- rias sobre as despesas realizadas, deixando o governo à mercê de ataques da oposição e ameaçado por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) a poucos dias de o Con- gresso iniciar seus trabalhos em 2008. On- tem, o ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, declarou que a minis- tra tem de apresentar esclarecimentos o mais rapidamente possível. “Estamos todos aguardando as devidas explicações”, afir- mou Múcio. No ano passado, a ministra re- correu ao cartão para pagar despesas com aluguel de carros (R$ 110 mil) e restauran- tes (R$ 5 mil), além de uma compra em free shop (R$ 461,16). Múcio reconheceu que o caso “talvez” cau- se constrangimento ao governo “enquanto não se explique” por que o cartão corporativo foi usado. Mas aposta que a idéia de uma co- missão de investigação no Congresso não prosperará. “Como envolve só uma pessoa, não sei se é matéria que mereça uma CPI”, declarou o ministro. Múcio fez questão de ressaltar, no entanto, a possibilidade de seto- res da oposição aderirem à proposta de in- vestigação seduzidos pelo holofote, ou, co- mo ele diz, pelo “teatro”. O ministro do Planejamento, Paulo Ber- nardo, bateu mais duro e ironizou a idéia da CPI. Lembrou que uma das denúncias é so- bre um gasto de R$ 8,30 feito pelo ministro dos Esportes, Orlando Silva, numa tapioca- ria de Brasília. “Não vejo motivo para CPI. Vão chamar um ministro para falar de tapio- ca. Vai virar a CPI da tapioca.” Reunião Protagonista do caso, a ministra Matilde Ribei- ro passou o dia de ontem reunida com asses- sores. Em discussão, a possibilidade de prestar esclarecimentos publicamente. Até o fecha- mento desta edição, não havia decisão toma- da. A proposta de manifestação em público ga- nhou força nos bastidores depois da reunião que a ministra teve, na noite de quarta-feira, com colegas de governo no Palácio do Planal- to. Na ocasião, conseguiu convencer, entre ou- tros, a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, de que não agiu de má-fé. Apesar disso, deixou a impressão de que não escapará de um proces- so judicial por improbidade administrativa. DINHEIROPÚBLICO 4 Brasília, sexta-feira, 1º de fevereiro de 2008 • CORREIO BRAZILIENSE POLÍTICA / TEMA DO DIA C M Y K C M Y K Ministra corre risco de perder o cargo Situação de Matilde Ribeiro é delicada dentro do governo. Auxiliares do presidente Lula dizem que ou ela se explica ou terá de pedir demissão NAS ENTRELINHAS por Alon Feuerwerker e-mail [email protected] O princípio da precaução e a Vale do Rio Doce O conceito que está no título desta coluna é caro aos ambientalistas. Segundo o princípio da precaução, ou de sua interpretação mais estrita, você não deve fazer nada que possa ter sobre o meio ambiente conseqüências ainda não previsíveis, e portanto não preve- níveis. Mas a tese não se aplica apenas ao ambientalismo. Ainda que informalmente, o princípio da precaução rege, por exemplo, a política das grandes potências para seus re- cursos naturais não renováveis. Um caso de precaução é a atitude dos Estados Unidos em relação ao petróleo. Sempre que possível, os americanos preferem consumir o petróleo dos outros enquanto preser- vam o seu. Para defender essa estratégia, se preciso vão à guerra. Na pátria operacional do liberalismo e da economia de mercado, a idéia de um mundo que se auto-regula pela lei da oferta e da procura também tem os seus limites. Mesmo com o petróleo a US$ 100 o barril, e com todas as conseqüências que o patamar de três dígitos possa ter sobre o crescimento da maior economia mundial, não se vêem os Estados Unidos inundando o mercado com o óleo prove- niente de suas reservas, para tentar baixar o preço. Faz senti- do. Os americanos não podem mesmo estar à mercê de ou- tros países em questões estratégicas. Não podem admitir fi- car na mão de algum governante insensível, ou maluco, que certo dia decida fechar uma torneira e com isso paralisar a única superpotência do planeta. O exemplo de Saddam Hussein está aí para demover os incautos. Depois que ele invadiu o Kuwait, no começo dos anos 90 do século passado, tudo deu errado. Uma coisa boa nos Estados Unidos, para os americanos, é que invariavel- mente os governos americanos defendem o interesse dos Estados Unidos. Mesmo quando, como é o caso do petróleo, precisam mandar às favas a ideologia. Já que o grande país no norte das Américas é um exemplo de nação que deu cer- to, talvez seja o caso de co- piá-los nesse particular. A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), simpatica- mente reapelidada de “Vale” em sua nova paginação, rea- liza movimentos para adqui- rir a anglo-suíça Xstrata. Em teoria, trata-se de uma em- presa brasileira ganhando posições no mercado mun- dial de mineração. Na práti- ca, é preciso saber com algu- ma margem de certeza se a compra não é, na verdade, o primeiro capítulo de uma venda lá na frente. No dia em que os felizes acionistas controladores da CVRD conseguirem passar adiante sua fatia no business, terão realizado um dos mais fantásticos negócios da his- tória do capitalismo, já que a empresa hoje vale (sem trocadilhos) algumas dezenas de ve- zes o preço obtido por ela na privatização. Considerando que um dos principais donos atuais da CVRD é um banco, e que o negócio dos bancos não é mineração, mas entrar e sair de negócios ganhando um bom dinheiro, ninguém poderá condenar o acionista da CVRD se ele considerar seriamente a possibilidade de fazer tal magnífico upside. Nessa hipótese, estaríamos diante de um típico caso em que o interesse nacional não se confunde com o interesse de uma empresa, por mais importante que seja ela. Por uma ca- sualidade, a realidade deste começo de século 21 acabou co- locando os produtores de commodities em situação privile- giada no panorama econômico mundial. Agradeçamos às centenas de milhões de chineses que não cessam de entrar no mercado de consumo. E cuidemos bem do que é nosso. Por mais entristecidos que possam ficar os acionistas da CVRD. Até porque há outro problema no caso da CVRD. A pró- pria venda da companhia pela União, uma década atrás, é contestada na Justiça. Imaginem o imbróglio que seria al- gum estrangeiro comprar a CVRD e depois os tribunais bra- sileiros decidirem que a privatização dela teve problemas que imponham a anulação da coisa toda. Estaria criado um gravíssimo abacaxi diplomático entre nós e um (ou mais de um) país desenvolvido. Que certamente viria para cima do Brasil, e com tudo. O princípio da precaução recomenda que o país e o go- verno fiquem de olhos bem abertos diante dos movimentos dos acionistas controladores da CVRD e dos potenciais fi- nanciadores do negócio com a Xstrata. Não vai ficar bem para Luiz Inácio Lula da Silva e o PT assistirem passivamen- te à desnacionalização da CVRD. Mesmo que hoje ambos saboreiem a auto-suficiência característica do poder, sem- pre é prudente (olha aí de novo, o tal princípio) lembrar que sobre o futuro há uma única coisa certa: ele sempre chega. IMAGINEM O IMBRÓGLIO QUE SERIA ALGUM ESTRANGEIRO COMPRAR A CVRD E DEPOIS OS TRIBUNAIS BRASILEIROS DECIDIREM QUE A PRIVATIZAÇÃO DEVE SER ANULADA. ESTARIA CRIADO UM GRAVÍSSIMO ABACAXI DIPLOMÁTICO GASTOS DE R$ 171 MIL COM CARTÃO CORPORATIVO TRANSFORMARAM A MINISTRA EM PROBLEMA POLÍTICO Retiradas em dinheiro no Incra do DF MARCELO ROCHA DA EQUIPE DO CORREIO A Superintendência Regional do Insti- tuto de Nacional de Colonização e Refor- ma Agrária no Distrito Federal e Entorno (Incra-DF) registrou R$ 106 mil em sa- ques no cartão corporativo em 2007. As retiradas em dinheiro foram as únicas operações realizadas pelos 34 servidores do órgão autorizados a utilizar o serviço no ano passado. O Ministério do Planeja- mento, que define as regras para utiliza- ção do cartão, desaconselha os saques no cartão, operações bem mais difíceis de serem fiscalizadas. Um único servidor do Incra-DF sa- cou R$ 18,5 mil entre janeiro e dezem- bro do ano passado. Ele foi ao caixa 24 vezes entre janeiro e fevereiro, sendo 15 delas para retirar R$ 1 mil. No intervalo de apenas dois dias — 9 e 10 de outubro —, essa mesma pessoa acumulou R$ 2,4 mil em saques. Procurada pelo Correio, a assessoria de imprensa da superintendência não conseguiu explicar a razão de saques tão elevados e seqüenciais, mas sustentou a regularidade das prestações de contas. O instituto ponderou ainda que, de acordo com a Controladoria-Geral da União (CGU), os funcionários do Incra têm flexi- bilidade para realizar saques porque via- jam muito para o interior dos país, onde é difícil encontrar meio eletrônico de paga- mento. Situação que se aplica também ao Ibama e Funai. A CGU, no entanto, recomenda aos ór- gãos federais que procurem limitar os sa- ques em dinheiro quando as retiradas fo- rem inevitáveis e dêem preferência pela compra direta mediante faturamento. Mas a própria controladoria não conseguiu evi- tar que três servidores de seus quadros fos- sem à boca do caixa retirar dinheiro em es- pécie. Em 2007, os integrantes do Executi- vo realizaram R$ 45 milhões em saques do total de R$ 75 milhões registrados nos car- tões corporativos. CARLOS HENRIQUE MARTINS E ELIANA ROCHA QUEREM INVESTIGAÇÃO CONJUNTA COM O TRIBUNAL DE CONTAS Procuradores insistem em inquérito IZABELLE TORRES DA EQUIPE DO CORREIO A devolução dos valores pagos irregular- mente por meio de cartões corporativos não deve livrar os ministros de serem investiga- dos pela Justiça por suspeita de improbida- de administrativa, por crime de má utiliza- ção dos recursos públicos. A ameaça foi feita ontem pelo procurador do Ministério Públi- co no Distrito Federal, Carlos Henrique Martins. Ele afirmou que o ressarcimento aos cofres públicos é apenas uma das puni- ções previstas em lei, não anulando a neces- sidade de investigação dos procedimentos adotados pelos agentes públicos e da apli- cação de punições, no caso de comprovadas as irregularidades. “A devolução do dinheiro perde ainda mais força se somente ocorreu depois que as denúncias vieram a público. E é isso que vamos investigar neste primeiro momento”, disse o procurador. Sob investigação do Ministério Público já estão os ministros Matilde Ribeiro (Igualda- de Racial), Altemir Gregolin (Pesca) e Orlan- do Silva (Esporte). Apesar de alegarem que os recursos gastos foram devolvidos ao erá- rio, os ministros podem ser condenados a penas que variam do pagamento de multa à proibição de ocupar cargo público e até a perda dos direitos políticos. Os procuradores ainda não iniciaram as perícias nas prestações de contas apresen- tadas pelos ministros, porque a intenção do Ministério Público é trabalhar em parceria com a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU). Para definir a forma da investigação, o procura- dor Carlos Henrique e a procuradora Eliana Rocha, responsáveis pela ação civil aberta na semana passada para investigar o uso ir- regular dos cartões, se reúnem hoje com técnicos do TCU. O Ministério Público não tem data para concluir as investigações. Mas, a tomar co- mo base outro inquérito aberto pelo órgão em 2004 – também para investigar cartões corporativos – o fim do processo deve de- morar mais de um ano. Isso porque a pri- meira ação aberta pelo órgão ainda não de- tectou culpados ou indícios de desvios na utilização dos recursos. “Mas este segundo inquérito aberto deverá tramitar mais rápi- do do que o outro porque trata de pessoas específicas. A ação iniciada em 2004 é am- pla e investiga a utilização de todos os car- tões utilizados pelo Executivo”, opinou a procuradora Eliana Rocha. Zuleika de Souza/CB - 19/10/06 Daniel Ferreira/CB A-4 A-4

Transcript of C M Y K A-4 - blogdoalon.com · O encontro deve acontecer assim que o presi-dente receber um...

DANIEL PEREIRA,GUSTAVO KRIEGERE LEANDRO COLONDA EQUIPE DO CORREIO

Os gastos de R$ 171 mil no cartão decrédito do governo podem custar ocargo à ministra da Igualdade Racial,Matilde Ribeiro. Auxiliares do presi-

dente Luiz Inácio Lula da Silva dizem que eleestá irritado com o desgaste que o caso cau-sou ao governo. Antes de decidir o destino daministra, Lula quer ter uma conversa com ela.O encontro deve acontecer assim que o presi-dente receber um parecer da CorregedoriaGeral da União (CGU) sobre o caso. Fontes doPalácio do Planalto avaliam que Matilde podetomar a iniciativa e pedir demissão. “Ela estámuito abalada”, relata um ministro. Se pedirpara sair, ela pode resolver o problema do go-verno. Estancar a crise e poupar Lula do des-gaste de demiti-la.

Para o Planalto, Matilde é a única minis-tra que ainda não deu explicações satisfató-rias sobre as despesas realizadas, deixandoo governo à mercê de ataques da oposição eameaçado por uma Comissão Parlamentarde Inquérito (CPI) a poucos dias de o Con-gresso iniciar seus trabalhos em 2008. On-tem, o ministro de Relações Institucionais,José Múcio Monteiro, declarou que a minis-tra tem de apresentar esclarecimentos omais rapidamente possível. “Estamos todosaguardando as devidas explicações”, afir-mou Múcio. No ano passado, a ministra re-correu ao cartão para pagar despesas comaluguel de carros (R$ 110 mil) e restauran-tes (R$ 5 mil), além de uma compra em freeshop (R$ 461,16).

Múcio reconheceu que o caso “talvez” cau-se constrangimento ao governo “enquantonão se explique” por que o cartão corporativofoi usado. Mas aposta que a idéia de uma co-missão de investigação no Congresso não

prosperará. “Como envolve só uma pessoa,não sei se é matéria que mereça uma CPI”,declarou o ministro. Múcio fez questão deressaltar, no entanto, a possibilidade de seto-res da oposição aderirem à proposta de in-vestigação seduzidos pelo holofote, ou, co-mo ele diz, pelo “teatro”.

O ministro do Planejamento, Paulo Ber-nardo, bateu mais duro e ironizou a idéia daCPI. Lembrou que uma das denúncias é so-bre um gasto de R$ 8,30 feito pelo ministrodos Esportes, Orlando Silva, numa tapioca-ria de Brasília. “Não vejo motivo para CPI.Vão chamar um ministro para falar de tapio-ca. Vai virar a CPI da tapioca.”

ReuniãoProtagonista do caso, a ministra Matilde Ribei-ro passou o dia de ontem reunida com asses-sores. Em discussão, a possibilidade de prestaresclarecimentos publicamente. Até o fecha-mento desta edição, não havia decisão toma-da. A proposta de manifestação em público ga-nhou força nos bastidores depois da reuniãoque a ministra teve, na noite de quarta-feira,com colegas de governo no Palácio do Planal-to. Na ocasião, conseguiu convencer, entre ou-tros, a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, deque não agiu de má-fé. Apesar disso, deixou aimpressão de que não escapará de um proces-so judicial por improbidade administrativa.

DINHEIRO PÚBLICO

4 • Brasília, sexta-feira, 1º de fevereiro de 2008 • CORREIO BRAZILIENSE

POLÍTICA / TEMA DO DIA

C M Y K C M YK

Ministra corre riscode perder o cargo

Situação de Matilde Ribeiro é delicada dentro do governo. Auxiliaresdo presidente Lula dizem que ou ela se explica ou terá de pedir demissão NAS

ENTRELINHASpor Alon Feuerwerker

e-mail [email protected]

O princípio da precauçãoe a Vale do Rio Doce

O conceito que está no título desta coluna é caro aosambientalistas. Segundo o princípio da precaução,ou de sua interpretação mais estrita, você não devefazer nada que possa ter sobre o meio ambiente

conseqüências ainda não previsíveis, e portanto não preve-níveis. Mas a tese não se aplica apenas ao ambientalismo.Ainda que informalmente, o princípio da precaução rege,por exemplo, a política das grandes potências para seus re-cursos naturais não renováveis.

Um caso de precaução é a atitude dos Estados Unidos emrelação ao petróleo. Sempre que possível, os americanospreferem consumir o petróleo dos outros enquanto preser-vam o seu. Para defender essa estratégia, se preciso vão àguerra. Na pátria operacional do liberalismo e da economiade mercado, a idéia de um mundo que se auto-regula pelalei da oferta e da procura também tem os seus limites.

Mesmo com o petróleo a US$ 100 o barril, e com todas asconseqüências que o patamar de três dígitos possa ter sobreo crescimento da maior economia mundial, não se vêem osEstados Unidos inundando o mercado com o óleo prove-niente de suas reservas, para tentar baixar o preço. Faz senti-do. Os americanos não podem mesmo estar à mercê de ou-tros países em questões estratégicas. Não podem admitir fi-car na mão de algum governante insensível, ou maluco, quecerto dia decida fechar uma torneira e com isso paralisar aúnica superpotência do planeta.

O exemplo de Saddam Hussein está aí para demover osincautos. Depois que ele invadiu o Kuwait, no começo dosanos 90 do século passado, tudo deu errado. Uma coisa boanos Estados Unidos, para os americanos, é que invariavel-mente os governos americanos defendem o interesse dosEstados Unidos. Mesmo quando, como é o caso do petróleo,precisam mandar às favas a ideologia. Já que o grande paísno norte das Américas é um exemplo de nação que deu cer-to, talvez seja o caso de co-piá-los nesse particular.

A Companhia Vale do RioDoce (CVRD), simpatica-mente reapelidada de “Vale”em sua nova paginação, rea-liza movimentos para adqui-rir a anglo-suíça Xstrata. Emteoria, trata-se de uma em-presa brasileira ganhandoposições no mercado mun-dial de mineração. Na práti-ca, é preciso saber com algu-ma margem de certeza se acompra não é, na verdade, oprimeiro capítulo de umavenda lá na frente.

No dia em que os felizesacionistas controladores daCVRD conseguirem passaradiante sua fatia no business,terão realizado um dos maisfantásticos negócios da his-tória do capitalismo, já que aempresa hoje vale (sem trocadilhos) algumas dezenas de ve-zes o preço obtido por ela na privatização. Considerandoque um dos principais donos atuais da CVRD é um banco, eque o negócio dos bancos não é mineração, mas entrar e sairde negócios ganhando um bom dinheiro, ninguém poderácondenar o acionista da CVRD se ele considerar seriamentea possibilidade de fazer tal magnífico upside.

Nessa hipótese, estaríamos diante de um típico caso emque o interesse nacional não se confunde com o interesse deuma empresa, por mais importante que seja ela. Por uma ca-sualidade, a realidade deste começo de século 21 acabou co-locando os produtores de commodities em situação privile-giada no panorama econômico mundial. Agradeçamos àscentenas de milhões de chineses que não cessam de entrar nomercado de consumo. E cuidemos bem do que é nosso. Pormais entristecidos que possam ficar os acionistas da CVRD.

Até porque há outro problema no caso da CVRD. A pró-pria venda da companhia pela União, uma década atrás, écontestada na Justiça. Imaginem o imbróglio que seria al-gum estrangeiro comprar a CVRD e depois os tribunais bra-sileiros decidirem que a privatização dela teve problemasque imponham a anulação da coisa toda. Estaria criado umgravíssimo abacaxi diplomático entre nós e um (ou mais deum) país desenvolvido. Que certamente viria para cima doBrasil, e com tudo.

O princípio da precaução recomenda que o país e o go-verno fiquem de olhos bem abertos diante dos movimentosdos acionistas controladores da CVRD e dos potenciais fi-nanciadores do negócio com a Xstrata. Não vai ficar bempara Luiz Inácio Lula da Silva e o PT assistirem passivamen-te à desnacionalização da CVRD. Mesmo que hoje ambossaboreiem a auto-suficiência característica do poder, sem-pre é prudente (olha aí de novo, o tal princípio) lembrar quesobre o futuro há uma única coisa certa: ele sempre chega.

IMAGINEM OIMBRÓGLIO QUESERIA ALGUMESTRANGEIROCOMPRAR A CVRD EDEPOIS OSTRIBUNAISBRASILEIROSDECIDIREM QUE APRIVATIZAÇÃO DEVESER ANULADA.ESTARIA CRIADO UMGRAVÍSSIMOABACAXIDIPLOMÁTICO

GASTOS DE R$ 171 MIL COM CARTÃO CORPORATIVO TRANSFORMARAM A MINISTRA EM PROBLEMA POLÍTICO

Retiradas emdinheiro noIncra do DFMARCELO ROCHADA EQUIPE DO CORREIO

A Superintendência Regional do Insti-tuto de Nacional de Colonização e Refor-ma Agrária no Distrito Federal e Entorno(Incra-DF) registrou R$ 106 mil em sa-ques no cartão corporativo em 2007. Asretiradas em dinheiro foram as únicasoperações realizadas pelos 34 servidoresdo órgão autorizados a utilizar o serviçono ano passado. O Ministério do Planeja-mento, que define as regras para utiliza-ção do cartão, desaconselha os saques nocartão, operações bem mais difíceis deserem fiscalizadas.

Um único servidor do Incra-DF sa-cou R$ 18,5 mil entre janeiro e dezem-bro do ano passado. Ele foi ao caixa 24vezes entre janeiro e fevereiro, sendo 15delas para retirar R$ 1 mil. No intervalode apenas dois dias — 9 e 10 de outubro—, essa mesma pessoa acumulou R$ 2,4mil em saques.

Procurada pelo Correio, a assessoriade imprensa da superintendência nãoconseguiu explicar a razão de saques tãoelevados e seqüenciais, mas sustentou aregularidade das prestações de contas. Oinstituto ponderou ainda que, de acordocom a Controladoria-Geral da União(CGU), os funcionários do Incra têm flexi-bilidade para realizar saques porque via-jam muito para o interior dos país, onde édifícil encontrar meio eletrônico de paga-mento. Situação que se aplica também aoIbama e Funai.

A CGU, no entanto, recomenda aos ór-gãos federais que procurem limitar os sa-ques em dinheiro quando as retiradas fo-rem inevitáveis e dêem preferência pelacompra direta mediante faturamento. Masa própria controladoria não conseguiu evi-tar que três servidores de seus quadros fos-sem à boca do caixa retirar dinheiro em es-pécie. Em 2007, os integrantes do Executi-vo realizaram R$ 45 milhões em saques dototal de R$ 75 milhões registrados nos car-tões corporativos.

CARLOS HENRIQUE MARTINS E ELIANA ROCHA QUEREM INVESTIGAÇÃO CONJUNTA COM O TRIBUNAL DE CONTAS

Procuradores insistem em inquéritoIZABELLE TORRESDA EQUIPE DO CORREIO

A devolução dos valores pagos irregular-mente por meio de cartões corporativos nãodeve livrar os ministros de serem investiga-dos pela Justiça por suspeita de improbida-de administrativa, por crime de má utiliza-ção dos recursos públicos. A ameaça foi feitaontem pelo procurador do Ministério Públi-co no Distrito Federal, Carlos HenriqueMartins. Ele afirmou que o ressarcimentoaos cofres públicos é apenas uma das puni-ções previstas em lei, não anulando a neces-sidade de investigação dos procedimentosadotados pelos agentes públicos e da apli-cação de punições, no caso de comprovadasas irregularidades. “A devolução do dinheiroperde ainda mais força se somente ocorreudepois que as denúncias vieram a público. Eé isso que vamos investigar neste primeiromomento”, disse o procurador.

Sob investigação do Ministério Público jáestão os ministros Matilde Ribeiro (Igualda-de Racial), Altemir Gregolin (Pesca) e Orlan-do Silva (Esporte). Apesar de alegarem queos recursos gastos foram devolvidos ao erá-rio, os ministros podem ser condenados apenas que variam do pagamento de multa à

proibição de ocupar cargo público e até aperda dos direitos políticos.

Os procuradores ainda não iniciaram asperícias nas prestações de contas apresen-tadas pelos ministros, porque a intenção doMinistério Público é trabalhar em parceriacom a Controladoria-Geral da União (CGU)e o Tribunal de Contas da União (TCU). Paradefinir a forma da investigação, o procura-dor Carlos Henrique e a procuradora ElianaRocha, responsáveis pela ação civil abertana semana passada para investigar o uso ir-regular dos cartões, se reúnem hoje comtécnicos do TCU.

O Ministério Público não tem data paraconcluir as investigações. Mas, a tomar co-mo base outro inquérito aberto pelo órgãoem 2004 – também para investigar cartõescorporativos – o fim do processo deve de-morar mais de um ano. Isso porque a pri-meira ação aberta pelo órgão ainda não de-tectou culpados ou indícios de desvios nautilização dos recursos. “Mas este segundoinquérito aberto deverá tramitar mais rápi-do do que o outro porque trata de pessoasespecíficas. A ação iniciada em 2004 é am-pla e investiga a utilização de todos os car-tões utilizados pelo Executivo”, opinou aprocuradora Eliana Rocha.

Zuleika de Souza/CB - 19/10/06

Daniel Ferreira/CB

A-4A-4