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BNDES Setorial março de 2015 41

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BNDES Setorial

março de 2015

41

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

PresidenteLuciano Coutinho

Vice-presidenteWagner Bittencourt de Oliveira

EditorAntônio Marcos Hoelz Ambrozio

BNDES SetorialPublicação semestral editada em março e setembro

Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES. É permitida a reprodução parcial ou total dos artigos desta publicação, desde que citada a fonte.

Av. República do Chile, 100Rio de Janeiro - RJ - CEP 20031-917

Tel.: (21) 3747-9983 Fax: (21) 2172-6273http://www.bndes.gov.br

ISSN 1414-9230

BNDES Setorial, n. 1, jul. 1995 - Rio de Janeiro, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, 1995 - n. Semestral. ISSN 1414-9230 Periodicidade anterior: quadrimestral até o n. 3.

1. Economia - Brasil - Periódicos. 2. Desenvolvimento econômico - Brasil - Periódicos. I. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. CDD 330.05

Sumário

Exportações brasileiras de máquinas e implementos agrícolas para a África: análise da situação atual e do ambiente de negócios ______________________________________ 5Gustavo Lorena PintoÍtalo BelmonteCláudio de Alencar Pádua

Há espaços competitivos para a indústria farmoquímica brasileira? Reflexões e propostas para políticas públicas _______ 43Thiago Leone MitidieriVitor Paiva PimentelClarice de Azevedo BragaJoão Paulo Pieroni

Demanda por investimentos em mobilidade urbana no Brasil __79Rodolfo Torres dos SantosAnie Gracie Noda Amicci Carlos Henrique Reis MalburgFilipe de Oliveira Souza Allan Amaral Paes de Mesentier Julia Febraro Franca Gomes da Silva Gumersindo Sueiro Lopez Junior Carlos Frederico Siqueira de Azevedo

Comércio eletrônico, tecnologias móveis e mídias sociais no Brasil _______________________________________________ 135Rangel GalinariOsmar Cervieri JuniorJob Rodrigues Teixeira JuniorEduardo Lederman Rawet

Sustentabilidade da siderurgia brasileira: eficiência energética, emissões e competitividade ______________________________ 181Pedro Sérgio Landim de CarvalhoPedro Paulo Dias MesquitaElizio Damião G. de Araújo

De promessa a realidade: como o etanol celulósico pode revolucionar a indústria da cana-de-açúcar – uma avaliação do potencial competitivo e sugestões de política pública _______________________________________ 237Artur Yabe MilanezDiego NykoMarcelo Soares ValenteLuciano Cunha de SousaAntonio BonomiCharles Dayan Farias de JesusMarcos Djun Barbosa WatanabeMateus Ferreira ChagasMylene Cristina Alves Ferreira RezendeOtávio CavalettTassia Lopes JunqueiraVera Lúcia Reis de Gouvêia

Veículos híbridos e elétricos: sugestões de políticas públicas para o segmento ________________________________________295Luiz Felipe Hupsel VazDaniel Chiari BarrosBernardo Hauch Ribeiro de Castro

Microeletrônica: qual é a ambição do Brasil? ________________ 345Ricardo RiveraIngrid TeixeiraCarlos AzenHenrique MiguelJosé Ricardo Sales

Bens de Capital

BNDES Setorial 41, p. 5-42

Exportações brasileiras de máquinas e implementos agrícolas para a África: análise da situação atual e do ambiente de negócios

Gustavo Lorena PintoÍtalo BelmonteCláudio de Alencar Pádua*

ResumoO presente artigo tem como objetivo identificar o status atual das exportações brasileiras de máquinas e implementos agrícolas para a África, assim como seus canais de venda e distribuição. Visa ainda refletir acerca das oportu-nidades de ampliar a penetração desses produtos no continente. Para tanto, além da consulta às tradicionais bases de dados sobre comércio exterior, a pesquisa contou com coleta de dados primários. Foram enviados questio-nários a um grande número de empresas, contendo questões que versaram sobre dificuldades de exportação para a África, canais de distribuição dos bens exportados, obtenção de financiamento e concorrência. A partir da aná-lise das informações levantadas, tornou-se possível concluir que o preço é o fator preponderante para a perda de negócios das empresas brasileiras no continente e que o financiamento tem o potencial de impulsionar a concre-tização de novos negócios.

* Respectivamente, economista, engenheiro e encarregado de serviço do Departamento de Suporte a Operações na África da Área de Comércio Exterior do BNDES. Os autores agradecem a colaboração de Tiago Soares no contato com as empresas-alvo da pesquisa de campo e os preciosos comentá rios de Augusto Arenaro e Henrique Avila, isentando-os de quaisquer erros e omissões eventualmente contidos neste artigo.

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6 IntroduçãoA indústria brasileira de máquinas e implementos agrícolas constitui

um segmento com evidente potencial de incrementar suas exportações para a África. Nesse contexto, o BNDES, por meio de sua Área de Comércio Exterior, vem procurando ampliar seus conhecimentos sobre o tema, no in-tuito de aperfeiçoar seus mecanismos de apoio. Este artigo insere-se nesse esforço, com o objetivo de identificar o status atual das exportações brasi-leiras de máquinas e implementos agrícolas para a África, assim como seus canais de venda e distribuição. Visa, ainda, refletir acerca das oportunidades de se ampliar a penetração desses produtos no continente.

Nos últimos anos, a economia africana tem apresentado números inve-jáveis. Com um crescimento médio em torno de 5% ao ano nos últimos dez anos e com estimativas que chegam a quase 6% para 2015 [AfDB, OECD e UNDP (2014)],1 o então chamado “continente perdido” passou a ser enca-rado como terra de oportunidades para novos negócios. Os dados da United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD) corroboram: nos últimos dez anos, o fluxo de investimentos diretos externos para a África saltou de US$ 17 bilhões (2004) para US$ 57 bilhões (2013), em valores correntes, o que corresponde a um incremento médio de 14,5% ao ano.

Quando observamos a dimensão política, o cenário também é animador, a despeito da persistência das instabilidades políticas em determinados paí-ses. Conforme analisado por Lautenschlager e Catermol (2011, p. 272),

considerando a construção e o amadurecimento de instituições essenciais à estabilidade, a transição de alguns países a sistemas democráticos de governo e o processo de renovação e aplicação da infraestrutura local, o mercado africano destaca-se como um dos mais ricos potenciais na economia global.

Nesse cenário positivo, o setor agrícola figura como protagonista. Responsável por mais de 50% do total de postos de trabalho e por mais de 20% do Produto Interno Bruto (PIB), na maioria dos países do continente africano, o segmento foi um dos principais motores do crescimento da re-gião em 2013 [AfDB, OCDE e UNDP (2014)].

Apesar disso, o setor agrícola apresenta alguns condicionantes que im-pedem resultados ainda mais expressivos. Do ponto de vista da expansão

1 African Development Bank, Organization for Economic Cooperation and Development & United Nations Development Programme.

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7da área destinada à agricultura, em numerosos países persistem os confli-tos relacionados à posse da terra, o que dificulta a alocação desta em escala adequada para certas atividades, como a sucroalcooleira. Além disso, há carência de infraestrutura logística, o que gera custos e perdas elevadas em armazenagem e escoamento da produção.

Do ponto de vista da área agrícola já existente, observa-se baixa produti-vidade, muito inferior à média mundial e ainda bem distante da brasileira e de outras regiões no mundo (por exemplo, Ásia). Os motivos são variados: ausência de sistemas de irrigação adequados, armazenagem precária, va-riedades genéticas ruins, escassa mão de obra qualificada e, principalmen-te, baixa mecanização. A utilização de tratores na África subsaariana, por exemplo, diminuiu nos últimos quarenta anos e, em comparação com outros continentes, sua utilização, ainda hoje, continua a ser limitada.

Essa situação preocupante pode ser ilustrada pelos números extrema-mente baixos na utilização de tratores por mil hectares de terras aráveis: em 1980, esse índice era 2,0 e, em 2003, havia decrescido para 1,3. Em comparação, em 1980, havia 7,8 tratores por mil hectares na Ásia, tendo esse índice aumentado para 14,9 em 2003. Além disso, em 1960, Quênia, Uganda e Tanzânia, em conjunto, possuíam mais tratores em uso do que a Índia. Em 2005, contudo, a Índia tinha cem vezes mais tratores do que o número total em uso nesses três países [FAO (2011)].

Há, portanto, a despeito do vigoroso crescimento da África nos últimos anos, diversos obstáculos a serem superados, em especial no setor agríco-la, cuja representação na economia é significativa. Tendo em vista que os projetos de expansão das áreas agrícolas são, em geral, mais complexos que os de modernização, seja pelo elevado número de stakeholders, seja pela necessidade de uma soma expressiva de investimentos, a melhoria da pro-dutividade apresenta-se como um alvo mais fácil de ser alcançado, e ainda em um prazo mais curto.

A aquisição de máquinas e implementos agrícolas tem sido uma estratégia adotada por governos e empresas privadas para melhorar a produtividade. Com uma produção ainda restrita de bens de capital, o continente necessita importar tais equipamentos. As empresas brasileiras produtoras desses bens estão sendo cada vez mais contatadas por atores do setor agrícola africano e, por vezes, seus equipamentos são eleitos preferíveis aos da concorrência. As máquinas e os implementos agrícolas produzidos no Brasil tendem a ser

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8 adequados à realidade africana, em virtude da semelhança das condições climáticas e de solo entre nosso país e boa parte daquele continente.

Do ponto de vista das empresas brasileiras, o tímido crescimento econô-mico brasileiro em anos recentes, aliado às dificuldades de alguns setores específicos, como o sucroalcooleiro, aumentou a propensão a exportar. As empresas têm buscado nas exportações compensação pela perda de receitas no mercado doméstico. Presentes já na América Latina, algumas empresas começaram a enxergar a África como novo destino potencial de suas vendas.

Para a elaboração deste artigo, utilizaram-se informações disponibilizadas por empresas, associações empresariais e órgãos do governo, dados decor-rentes de estudos setoriais e, particularmente, os resultados da aplicação de questionário a fabricantes e exportadores de máquinas e implementos agrí-colas. Através do questionário, foi possível coletar dados primários capazes de revelar a experiência individual de cada companhia.

Em um primeiro momento, foi realizado um levantamento das principais empresas brasileiras a serem contatadas, combinando-se listas de contatos providas por entidades privadas e governamentais com cadastro já existente no próprio BNDES.

Posteriormente, partiu-se para a elaboração do questionário em si, compondo-se questões direcionadas a todos os fabricantes, com pergun-tas específicas para as empresas exportadoras. As questões versaram sobre dificuldades de exportação para a África, canais de distribuição dos bens exportados, obtenção de financiamento e concorrência. O instrumento ca-racterizou-se como um questionário fechado, em que os respondentes ti-veram de optar por alternativas previamente estabelecidas, uma vez que o número de empresas participantes foi relativamente grande. Dessa forma, conseguiu-se mais facilmente tabular os dados para análise.

Procurou-se também formular o questionário de maneira objetiva, de modo a maximizar a taxa de resposta. De fato, essa taxa foi bastante sa-tisfatória, notadamente levando-se em conta que o universo das empresas contatadas compreendeu inúmeras firmas de pequeno porte com as quais o BNDES não tem interlocução direta. Entre as 307 empresas que receberam o questionário, 83 responderam, o que representa uma taxa de resposta de 27%. Saliente-se que os principais fabricantes de máquinas e implementos agrícolas estão inseridos entre os respondentes.

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9Este artigo está estruturado em oito seções: após esta introdução, é apre-sentada a taxonomia (segunda seção) que será utilizada durante todo o traba-lho. Em seguida, apresenta-se um breve panorama do setor agrícola africano (terceira seção) e, na continuidade, da indústria brasileira de máquinas e implementos agrícolas (quarta seção). Na sequência, abordam-se as expor-tações brasileiras de máquinas e implementos agrícolas para a África, e o Programa Mais Alimentos Internacional, principal programa governamental de apoio aos bens de capital em questão (quinta seção). Em seguida, traz-se um mapeamento do ambiente de negócios (sexta seção) e, na sequência, são tecidas algumas considerações, à guisa de conclusão (sétima seção). Por fim, a última seção contém as referências bibliográficas utilizadas, assim como as bases de dados consultadas.

Definição de máquinas e implementos agrícolas

A definição de máquinas e implementos agrícolas é assunto controver-so, não havendo consenso entre as instituições de pesquisa, instituições de fomento e empresas do setor. Para os fins deste trabalho, é utilizada a taxonomia proposta pela Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), conforme o Quadro 1:

Quadro 1 | Taxonomia de máquinas e implementos agrícolas

NCM* Descrição

8432 Máquinas e aparelhos de uso agrícola, hortícola ou fl orestal, para preparação ou trabalho do solo ou para cultura; rolos para gramados ou para campos de esporte.

8433 Máquinas e aparelhos para colheita ou debulha de produtos agrícolas, incluídas as enfardadeiras de palha ou forragem; cortadores de grama e ceifeiras; máquinas para limpar ou selecionar ovos, frutas ou outros produtos agrícolas, exceto as da posição 8437.

8434 Máquinas de ordenhar e máquinas e aparelhos para a indústria de lacticínios.

8435 Prensas, esmagadores e máquinas e aparelhos semelhantes, para fabricação de vinho, sidra, suco de frutas ou bebidas semelhantes.

8436 Outras máquinas e aparelhos para agricultura, horticultura, silvicultura, avicultura ou apicultura, incluindo os germinadores equipados com dispositi vos mecânicos ou térmicos e as chocadeiras e criadeiras para avicultura.

(Continua)

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NCM* Descrição

8437.10 Máquinas para limpeza, seleção ou peneiração de grãos ou de produtos hortícolas secos.

8701.10 Tratores motocultores.

8701.30 Tratores de lagartas.

8701.9010 Tratores especialmente concebidos para arrastar troncos (log skidders).

8701.9090 Outros tratores.

Fonte: FAO.* Nomenclatura Comum do Mercosul.

Panorama da atividade agrícola na ÁfricaEsta seção apresenta um breve panorama da atividade agrícola na África.

Optou-se por expor dados para todos os 54 países que integram o continen-te, dada a heterogeneidade existente entre eles.2

A participação do setor agrícola no PIB

Como já comentado, o setor agrícola na África tem participação expres-siva no Produto Interno Bruto (PIB) do continente. Dados do Banco Mun-dial apontam que na África Subsaariana o setor representa 9,9% do PIB da região, percentual acima dos 5,7% observados no Brasil e mais de três vezes superior ao do setor em termos mundiais (3,1%).3 A Tabela 1 apresenta o valor do PIB para cada país africano, assim como o valor adicionado pela agricultura, em participação. Os dados de ambos referem-se ao último ano disponível do valor adicionado pela agricultura na base de dados do Banco Mundial, conforme indicado.

2 Para alguns países, não existiam dados disponíveis ou atualizados; nesses casos, há indicação nos respectivos quadros pela sigla N/D. A cargo de ilustração, também são apresentados dados consolidados da África Subsaariana. Cumpre destacar que, no banco de dados do Banco Mundial, geralmente o norte da África é agregado ao Oriente Médio, não existindo, por vezes, dados consolidados do continente africano em sua inteireza. Argélia, Egito, Líbia, Marrocos e Tunísia compõem a região norte da África. Os demais 49 países integram a África Subsaariana.3 Agriculture, nas estatísticas do Banco Mundial, engloba as divisões 1 a 5 da International Standard Industrial Classifi cation of All Economic Activities, Rev.3 (ISIC-Ver.3). A estrutura da classifi cação pode ser encontrada em <http://unstats.un.org/unsd/cr/registry/regcst.asp?Cl=2>.

(Continuação)

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11Tabela 1 | Participação do setor agrícola no PIB de países africanos

País PIB (US$

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Setor agrícola (% PIB)

Ano País PIB (US$

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Setor agrícola (% PIB)

Ano

África do Sul

350,6 2,4 2013 Mali 10,3 42,3 2012

Angola 121,7 10,8 2013 Marrocos 9,6 14,6 2012

Argélia 204,3 9,3 2012 Maurício 11,9 3,3 2013

Benim 6,6 32,4 2010 Mauritânia 4,0 17,0 2012

Botsuana 14,8 2,5 2013 Moçambique 15,3 29,3 2013

Burkina Faso

10,7 35,3 2012 Namíbia 12,6 7,1 2013

Burundi 2,5 40,6 2012 Níger 6,8 38,2 2012

Cabo Verde 1,8 8,1 2012 Nigéria 522,6 22,0 2013

Camarões 20,4 19,7 2007 Quênia 40,3 29,9 2012

Chade 12,9 55,8 2012 República Centro - -Africana

2,2 54,3 2012

Comores 0,5 46,3 2009 Rep. Democrática do Congo

18,3 25,2 2009

Congo, Rep.

14,4 3,4 2011 Ruanda 7,5 33,3 2013

Costa do Marfi m

24,7 26,9 2012 São Tomé e Príncipe

0,2 19,8 2011

Djibuti 0,8 3,9 2007 Senegal 14,0 16,7 2012

Egito 272,0 14,5 2013 Serra Leoa 2,9 56,7 2011

Eritreia 1,9 14,5 2009 Seychelles 1,0 2,1 2012

Etiópia 42,8 48,6 2012 Somália 0,9 65,5 1990

Gabão 17,8 4,0 2012 Suazilândia 4,1 7,5 2011

Gâmbia 0,9 20,3 2012 Sudão 63,0 27,7 2012

Gana 47,9 22,0 2013 Sudão do Sul 13,8 N/D 2013

Guiné 6,2 20,2 2013 Tanzânia 33,2 27,0 2013

Guiné-Bissau

0,2 58,7 1999 Togo 3,8 30,8 2011

Guiné Equatorial

15,6 N/D 2013 Tunísia 47,1 8,7 2013

Lesoto 2,3 7,8 2012 Uganda 21,5 25,0 2013

Libéria 1,7 38,8 2012 Zâmbia 22,4 17,7 2013

(Continua)

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País PIB (US$

bilhões)

Setor agrícola (% PIB)

Ano País PIB (US$

bilhões)

Setor agrícola (% PIB)

Ano

Líbia 93,2 1,9 2008 Zimbábue 12,8 12,4 2013

Madagascar 8,6 29,1 2009 África Subsaariana

1.608,0 9,9 2013

Malawi 5,6 30,1 2011 Mundo 71.448,8 3,1 2011

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Banco Mundial.

Não se pode deixar de destacar, contudo, a discrepância entre a parti-cipação do setor nos diferentes países. Comparando-se as duas maiores economias africanas, verificamos que, em 2013, o setor agrícola represen -tou 22% do PIB na Nigéria, enquanto na África do Sul respondeu por apenas 2,4%. Nesse sentido, os dados apontam para a existência de uma heteroge-neidade produtiva entre os países africanos, ainda que a maioria destes (algo em torno de 90%) tenha representatividade superior à mundial.

Produção

No que tange à produção agrícola, a Tabela 2 aponta os dez principais pro-dutos agrícolas do continente africano em 2012. Na mesma tabela, são apre-sentados ainda os principais produtos brasileiros, para fins de comparação.

Tabela 2 | Principais produtos agrícolas africanos e brasileiros em 2012

África Brasil

Ranking Produto Produção (t) Ranking Produto Produção (t)

1 Mandioca 149.403.414,72 1 Cana-de--açúcar

721.077.287,00

2 Cana-de--açúcar

94.611.511,00 2 Milho 71.072.810,00

3 Milho 70.076.591,40 3 Soja 65.848.857,00

4 Inhame 57.286.311,00 4 Leite bovino integral fresco

32.304.421,00

5 Leite bovino integral fresco

34.306.439,10 5 Mandioca 23.044.557,00

6 Batata 29.253.748,00 6 Laranja 18.012.560,00

(Continuação)

(Continua)

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África Brasil

Ranking Produto Produção (t) Ranking Produto Produção (t)

7 Arroz com casca

28.282.813,00 7 Frango nativo 11.588.139,00

8 Plátano 26.545.032,00 8 Arroz com casca

11.549.881,00

9 Trigo 24.704.201,00 9 Carne bovina nativa

9.399.962,82

10 Sorgo 23.350.064,00 10 Banana 6.902.184,00

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da FAO.

Essa tabela nos mostra uma clara semelhança entre a produção agríco-la brasileira e a africana. Entre as cinco maiores atividades, quatro delas (mandioca, cana-de-açúcar, leite bovino integral fresco e milho) referem-se às mesmas culturas no Brasil e na África.

Emprego

O setor agrícola na África ganha ainda maior importância quando se observam os dados de emprego. Como se observa na Tabela 3,4 dos 12 países com dados disponíveis a partir de 2009 (últimos cinco anos), metade conta-va com mais de um terço dos postos de trabalho alocados ao setor agrícola.

Tabela 3 | Participação do emprego no setor agrícola no total de empregos, por país africano

País Emprego agrícola País Emprego agrícola

% Total Ano % Total Ano

África do Sul 4,6 2011 Malawi N/D

Angola 5,1 1992 Mali 66,0 2006

Argélia 10,8 2011 Marrocos 39,2 2012

Benim 42,7 2003 Maurício 7,8 2012

Botsuana 29,9 2006 Mauritânia N/D

Burkina Faso 84,8 2005 Moçambique 80,5 2003

Burundi 92,2 1998 Namíbia 27,4 2012

4 Foram considerados os dados mais recentes disponíveis no site do Banco Mundial. A falta de informa-ções mais atualizadas prejudica uma análise mais acurada da situação atual do setor agrícola africano. Todavia, acreditamos que os dados disponíveis são sufi cientes para retratar, numa perspectiva mais global, a realidade do continente.

(Continuação)

(Continua)

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País Emprego agrícola País Emprego agrícola

% Total Ano % Total Ano

Cabo Verde N/D Níger 56,9 2005

Camarões 53,3 2010 Nigéria 44,6 2004

Chade 83,0 1993 Quênia 61,1 2005

Comores N/D República Centro--Africana

N/D

Congo, Rep. 35,4 2005 Rep. Democrática do Congo

N/D

Costa do Marfi m N/D Ruanda 78,8 2005

Djibuti N/D São Tomé e Príncipe 27,9 2000

Egito 29,2 2011 Senegal 33,7 2006

Eritreia N/D Serra Leoa 68,5 2004

Etiópia 79,3 2005 Seychelles N/D

Gabão 24,2 2005 Somália N/D

Gâmbia 64,7 1993 Suazilândia N/D

Gana 41,5 2010 Sudão N/D

Guiné 76,0 1994 Sudão do Sul N/D

Guiné-Bissau N/D Tanzânia 65,6 2009

Guiné Equatorial 76,3 1983 Togo 54,1 2006

Lesoto 72,3 1999 Tunísia 16,2 2011

Libéria 48,9 2010 Uganda 65,6 2009

Líbia 19,7 1986 Zâmbia 72,2 2005

Madagascar 80,4 2005 Zimbábue 64,8 2004

Mundo 30,4 2010

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Banco Mundial.

A título de comparação, o Brasil, em 2011, tinha 15,7% de seus postos de trabalho alocados ao setor agrícola.

Produtividade

Apesar de sua importância, o setor agrícola dos países africanos, em geral, apresenta baixa produtividade. Os atores do setor atribuem o fraco desem-penho às variedades genéticas pouco produtivas, aos sistemas de irrigação precários, às perdas de produção em função da armazenagem inadequada

(Continuação)

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15dos grãos, à baixa mecanização e à escassa mão de obra qualificada. Os dados do Banco Mundial apontam para essa realidade, conforme se obser-va na Tabela 4:

Tabela 4 | Produtividade do trabalho no setor agrícola, por país africano

País Valor adicionado no setor agrícola por trabalhador

País Valor adicionado no setor agrícola por trabalhador

Em US$ 2005 constante

Ano Em US$ 2005 constante

Ano

África do Sul

6.269 2013 Mali 842 2012

Angola 904 2013 Marrocos 3.737 2012

Argélia 3.719 2011 Maurício 8.939 2013

Benim 1.041 2010 Mauritânia 1.109 2012

Botsuana 762 2012 Moçambique 304 2013

Burkina Faso

361 2012 Namíbia 2.265 2013

Burundi 129 2012 Níger 233 2005

Cabo Verde 2.581 2006 Nigéria 4.373 2013

Camarões 912 2006 Quênia 369 2012

Chade 1.297 2012 República Centro--Africana

863 2012

Comores 922 2009 Rep. Democrática do Congo

212 2009

Congo, Rep.

685 2011 Ruanda 293 2013

Costa do Marfi m

1.592 2012 São Tomé e Príncipe

725 2005

Djibuti 89 2006 Senegal 375 2013

Egito 2.496 2013 Serra Leoa 875 2011

Eritreia 106 2009 Seychelles 777 2012

Etiópia 257 2012 Somália N/D

Gabão 2.577 2012 Suazilândia 1.373 2011

Gâmbia 249 2012 Sudão 1.683 2012

Gana 752 2005 Sudão do Sul N/D

Guiné 206 2011 Tanzânia 306 2013

(Continua)

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País Valor adicionado no setor agrícola por trabalhador

País Valor adicionado no setor agrícola por trabalhador

Em US$ 2005 constante

Ano Em US$ 2005 constante

Ano

Guiné-Bissau

N/D Togo 563 2011

Guiné Equatorial

N/D Tunísia 4.512 2012

Lesoto 321 2012 Uganda 211 2013

Libéria 700 2012 Zâmbia 558 2013

Líbia 13.389 2005 Zimbábue 227 2013

Madagascar 215 2009 África Subsaariana

827 2012

Malawi 193 2011

Mundo 1.225 2013

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Banco Mundial.

Cumpre ressaltar que a produtividade brasileira (US$ 5.564, em dó-lares constantes de 2005) é quase sete vezes superior à encontrada na África Subsaariana.

Importação de máquinas e implementos agrícolas

Há ainda espaço significativo para melhorar a produtividade do setor agrícola no continente africano. Entre as variáveis que contribuiriam para essa finalidade, encontra-se a mecanização dessa atividade. Contudo, como a produção de máquinas agrícolas é reduzida na África, a importação cons-titui elemento essencial para o desenvolvimento do setor. A Tabela 5 apre-senta o montante total, em máquinas e implementos agrícolas, importado por países selecionados nos anos de 2011 a 2013.

Tabela 5 | Importações de máquinas e implementos agrícolas por países selecionados, 2011-2013 (valores em US$)

País 2011 2012 2013

África do Sul 680.195.705 808.445.948 813.057.442

Argélia 164.140.116 219.271.709 385.686.288

Benim 1.485.465 3.575.488 1.476.866

Botsuana 25.325.329 24.439.969 28.308.393

(Continuação)

(Continua)

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17

País 2011 2012 2013

Burkina Faso 3.607.990 N/D 8.790.783

Burundi 2.000.942 1.743.383 N/D

Cabo Verde 244.434 499.691 630.601

Camarões 16.998.979 19.352.773 N/D

Congo 6.383.180 8.211.180 14.344.463

Costa do Marfi m 2.674.239 8.266.842 33.546.687

Egito 126.955.434 141.112.024 135.045.029

Etiópia 81.321.088 144.039.966 N/D

Gâmbia 654.717 1.601.440 640.906

Gana 32.789.568 32.222.194 23.696.220

Madagascar 10.229.796 7.046.677 11.694.887

Malawi 22.345.441 N/D 27.481.989

Mali 4.116.246 12.999.320 N/D

Mauritânia 8.822.529 12.542.322 17.861.072

Maurício 9.700.034 9.744.189 12.067.471

Marrocos 159.303.062 125.847.747 N/D

Moçambique 41.608.000 24.270.250 44.899.770

Namíbia 35.704.014 43.423.819 23.400.571

Níger 467.663 496.009 3.146.946

Nigéria 143.342.258 133.263.379 N/D

Rep. Centro-Africana 188.389 N/D N/D

Ruanda 5.336.797 4.037.302 5.805.972

São Tomé e Príncipe 251.972 445.577 363.725

Senegal 16.564.118 20.766.780 N/D

Sudão N/D 125.156.400 N/D

Tanzânia 72.609.658 53.811.587 45.701.369

Togo 4.603.481 4.442.734 6.296.246

Tunísia 68.405.439 99.265.659 97.998.439

Uganda 27.506.203 29.529.976 31.532.346

Zâmbia 49.878.266 74.501.770 100.364.044

Zimbábue 46.026.236 40.877.275 48.512.869

Total 1.871.786.788 2.235.251.379 1.922.351.394

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da UN Comtrade.

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18 Apresentando variações de um ano para outro, constata-se que a im-portação de máquinas e implementos agrícolas pelos países africanos não tem demonstrado crescimento sustentável no passado recente. Apesar dos esforços para obter-se um índice mais alto de mecanização, verifica-se que os países africanos ainda têm um longo caminho a percorrer até que pos-sam efetivamente se valer de tecnologia para aumentar sua produtividade [UNIDO (2013)]. Porém, os fabricantes brasileiros devem ficar atentos, no-tadamente em paí ses com evidente potencial de expansão de suas atividades agroindustriais, como Egito, Marrocos, Moçambique e Nigéria.

Note-se que o baixo índice atual de mecanização, associado à percepção de que o aumento da produtividade, a redução de perdas e a agregação de valor aos produtos agrícolas poderão ser um pilar importante para diversos países africanos sustentarem sua estratégia de desenvolvimento, tem leva-do fabricantes de máquinas agrícolas de todo o mundo a aprofundarem seu conhecimento sobre as perspectivas no continente [CEMA (2014)].

A indústria brasileira de máquinas e implementos agrícolasA indústria brasileira de máquinas e implementos agrícolas segue a es-

trutura da indústria em nível global, caracterizada pela forte heterogeneida-de na dinâmica competitiva. Conforme citado por Sabbatini (2009, p. 171):

Enquanto as máquinas (em especial, tratores e colheitadeiras) organizam-se numa estrutura oligopolizada, com grandes players de atuação mundial e maior dinamismo tecnológico (já que a mecânica de precisão e a eletrônica embarcada são importantes características competitivas), os implementos (e.g. arados, grades ou plantadei -ras) contam com um sem-número de empresas pequenas e médias, de operação regional e com tecnologia de produção madura e tradicional, mais intensiva em metalurgia do que propriamente em mecânica.

Do valor total produzido e exportado pelo Brasil, as máquinas agrícolas respondem pela maior parte. O segmento de mercado de tratores e colhei-tadeiras é, basicamente, controlado por quatro grandes empresas: AGCO, Agrale, CNH e John Deere, todos membros da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). AGCO, CNH e John Deere são as principais empresas também em nível global, e seu controle de ca-pital é estrangeiro. A Agrale, menor das quatro principais montadoras, é a única controlada por capital brasileiro.

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19Ressalte-se que, em nível global, há ainda importantes fabricantes locali-zados em países com setor agrícola relevante, como a Índia. Cabe mencionar a empresa Mahindra, que recentemente também instalou fábrica no Brasil. As empresas Claas, da Alemanha, e Kubota e Yanmar, do Japão, também têm presença no mercado internacional. Na China, além de subsidiárias dos grandes fabricantes mundiais, há dezenas de companhias locais que vêm crescendo com a mecanização cada vez maior da agricultura no país. Entre elas, destacam-se Foton, YTO e Jinma.

A Tabela 6 apresenta a produção de tratores e colheitadeiras das princi-pais empresas instaladas no Brasil em 2013:

Tabela 6 | Produção de máquinas agrícolas dos maiores fabricantes, 2013

Empresa Tratores de rodas Colheitadeiras

Quantidade % Quantidade %

AGCO (incluindo Valtra) 38.504 51 1.133 12

Agrale 2.345 3 0 0

CNH (Case e New Holland) 19.651 26 4.989 52

John Deere 14.618 19 3.432 36

Total 75.118 100 9.554 100

Fonte: Elaboração própria, com base em Anfavea (2014).

A competição entre as empresas dá-se por meio de preço, diferencia-ção e inovação, visando atender às diferentes faixas de consumidores. Verificam-se, portanto, investimentos substanciais em publicidade para a fixação das marcas, bem como na formação e controle dos canais de co-mercialização mediante a constituição de representantes e dealers [Vian e Andrade Jr. (2010)].

É sabido que essas grandes fabricantes de máquinas agrícolas buscaram sua internacionalização com vistas a explorar, em um primeiro momento, os mercados dos países desenvolvidos e, na sequência, dos países em desen-volvimento. A John Deere possui 45 divisões de equipamentos na área agrí-cola em 15 países,5 incluindo os países do BRIC,6 enquanto a AGCO conta

5 <http://www.deere.com.br/pt_BR/our_company/about_us/worldwide_locations/worldwide_loca-tions.page?>.6 Acrônimo de Brasil, Rússia, Índia e China.

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20 com 37 unidades de fabricação de equipamentos em 13 países,7 incluindo Brasil, China e Índia. A CNH também conta com fábricas espalhadas ao redor do mundo.8

No entanto, mais que atuar somente nos mercados locais, as empresas têm utilizado suas subsidiárias brasileiras para exportar para os países vizi-nhos e, em alguns casos, até para a África. A exportação para o continente africano varia de acordo com a política global da empresa, que, por vezes, se dá via matriz ou subsidiárias instaladas em terceiros países.

Um fator que tem contribuído para a exportação via subsidiária brasilei-ra é a especificação do maquinário aqui produzido. As máquinas agrícolas necessitam ser adaptadas em função do clima e do solo. Assim, as máqui-nas produzidas no Brasil são, em geral, mais adequadas para a utilização na África do que as produzidas nos Estados Unidos ou na Europa, uma vez que as condições de solo e clima brasileiros e de várias regiões do continente africano são semelhantes.

Apesar disso, as empresas multinacionais preferem priorizar o mercado doméstico brasileiro quando há um trade-off entre este e o mercado exter-no. O Gráfico 1 mostra a evolução do número de tratores e colheitadeiras produzidos e exportados no período 1996-2013.

Gráfico 1 | Evolução do número de tratores e colheitadeiras produzidos e exportados, 1996-2013

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Unidades exportadas Unidades produzidas

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Unidades exportadas Unidades produzidas

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Tratores Colheitadeiras

Fonte: Elaboração própria, com base em Anfavea (2014).

7 <http://www.agcocorp.com/contact/facilities-list.html>.8 No site da CNH (http://www.cnhindustrial.com/en-US/group/cnhi_worldwide/Pages/plants.aspx), não foi possível discriminar quantas de suas 62 unidades eram destinadas ao setor agrícola. A empresa também atua no mercado de máquinas para construção civil e veículos comerciais.

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21No Gráfico 1, é possível observar que a evolução das unidades produ-zidas e exportadas segue tendência semelhante até o período 2008-2009, quando as curvas passam a seguir direções opostas. Uma hipótese que ex-plica essa inversão de tendência é o Programa Mais Alimentos,9 lançado na safra 2008-2009, que aumentou a demanda interna por máquinas agrícolas.

No que tange aos implementos agrícolas, há maior dificuldade na caracte-rização do mercado, uma vez que, em função do grande número de empresas fabricantes, há poucos dados disponíveis.10 Contudo, embora esse mercado conte com muitos atores, é importante destacar que, em anos recentes, é nele que os fabricantes de máquinas agrícolas têm procurado inserção, principal-mente na produção dos bens de maior valor agregado, como as plantadeiras automáticas e os pulverizadores de grande porte. A estratégia dessas em-presas é obter economia de escala e escopo [Sabbatini (2009)]. Atualmente, as três maiores empresas multinacionais produzem implementos agrícolas.

Quando comparamos a produção, em valor, de máquinas com a de im-plementos agrícolas, verifica-se que as máquinas agrícolas representam a maior parte do conjunto formado por ambos os bens de capital. Conforme se observa na Tabela 7, somados os tratores e as colheitadeiras, temos pra-ticamente dois terços do valor total produzido de máquinas e implementos agrícolas. Essa representatividade é ainda maior nas exportações, como se apresenta na seção seguinte.

Tabela 7 | Valor da produção de máquinas e implementos agrícolas, 2012

Produto Valor (R$ mil) %

Tratores 6.726.879 33

Máquinas para colheita (incluindo partes e peças) 6.093.937 30

Outros 7.410.020 37

Total 20.230.836 100

Fonte: Pesquisa Industrial 2012 (IBGE).

9 O Programa Mais Alimentos visa estimular o desenvolvimento da agricultura familiar brasileira e promover modernização e produtividade da atividade rural. 10 Há mais de trezentas empresas associadas à Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

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22 Exportações brasileiras de máquinas e implementos agrícolas para a África

Cabe identificar em que se encaixa o escopo deste trabalho – a exportação de máquinas e implementos agrícolas para países do continente africano – no contexto geral do comércio exterior brasileiro, resumido na Tabela 8.

Tabela 8 | Exportações brasileiras totais e para a África (em US$ milhões)

Ano Exportações brasileiras

Exportações brasileiras para a África

Participação das exportações para a África (%)

2011 256.040 12.225 4,77

2012 242.578 12.213 5,03

2013 242.179 11.087 4,58

Fonte: Secex/MDIC.

Assim, dos cerca de US$ 242 bilhões exportados pelo Brasil em 2013, aproximadamente US$ 11 bilhões destinaram-se ao continente africano e, desse total, figuraram US$ 143 milhões em máquinas e implementos agrí-colas (Quadro 2).

Quadro 2 | Detalhamento das exportações brasileiras

Exportações (US$ milhões FOB)

Total de exportações 242.179

Exportações para a África 11.087

Exportações para a África de máquinas e implementos agrícolas

143

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Secex/MDIC.

Portanto, o volume de máquinas e implementos agrícolas exportados para a África em 2013 (US$ 143.176.513) representa 1,3% do total de pro-dutos exportados pelo Brasil (cerca de US$ 11 bilhões) para esse continente no mesmo ano. Ademais, ao se observarem os anos de 2011, 2012 e 2013, conclui-se que o total de exportações de máquinas e implementos agríco-las brasileiros para o continente africano mostrou-se nominalmente estável nesse período, conforme mostra o Gráfico 2.

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23Gráfico 2 | Exportações brasileiras de máquinas e implementos agrícolas para a África (em US$ FOB)

139.418.353

2011 2012 2013

143.176.513135.949.594

Fonte: Elaboração própria, com base em dados obtidos da MDIC/Secex/Aliceweb.

Na pauta de exportações de máquinas e implementos agrícolas para a África, o tipo de produto que mais se destaca são os tratores, sendo 61,25% do total exportado no triênio analisado, conforme a Tabela 9 mostra.

Tabela 9 | Volume de exportações brasileiras de máquinas e implementos agrícolas para a África por tipo de produto (2011-2013)

Posição NCM

Descrição 2011 (%) 2012 (%) 2013 (%) Total do período (%)

8701 Tratores 55,66 57,59 69,59 61,25

8432 Máquinas e aparelhos de uso agrícola, hortícola ou fl orestal, para preparação ou trabalho do solo ou para cultura; rolos para gramados ou para campos de esporte

22,84 23,95 13,30 19,78

8433 Máquinas e aparelhos para colheita ou debulha de produtos agrícolas, incluídas as enfardadeiras de palha ou forragem; cortadores de grama e ceifeiras; máquinas para limpar ou selecionar ovos, frutas ou outros produtos agrícolas, exceto as da posição 8437

17,67 12,56 13,83 14,67

(Continua)

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Posição NCM

Descrição 2011 (%) 2012 (%) 2013 (%) Total do período (%)

8436 Outras máquinas e aparelhos para agricultura, horticultura, silvicultura, avicultura ou apicultura, incluindo os germinadores equipados com dispositivos mecânicos ou térmicos e as chocadeiras e criadeiras para avicultura

2,26 3,74 2,23 2,72

8437 Máquinas para limpeza, seleção ou peneiração de grãos ou de produtos hortícolas secos

1,05 1,88 0,93 1,27

8435 Prensas, esmagadores e máquinas e aparelhos semelhantes, para fabricação de vinho, sidra, suco de frutas ou bebidas semelhantes

0,52 0,27 0,06 0,27

8434 Máquinas de ordenhar e máquinas e aparelhos para a indústria de laticínios

0,01 0,01 0,06 0,03

Total geral 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: Elaboração própria, com base em dados obtidos da MDIC/Secex/Aliceweb.

Nota-se também um alto nível de concentração das empresas brasileiras que figuram entre os exportadores de maquinário agrícola para a África, já que os três maiores foram responsáveis por aproximadamente dois terços das exportações de 2011 a 2013 em volume monetário (Gráfico 3).

Gráfico 3 | Concentração das exportações brasileiras de máquinas e implementos agrícolas por empresa (África, 2011-2013)

Demais exportadores

33,5%

Três maioresexportadores

66,5%

Fonte: Elaboração própria, com base em dados obtidos da MDIC/Secex/Aliceweb e BNDES.

(Continuação)

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25Finalmente, considerando-se a elevada quantidade de países no conti-nente africano (54) e a consequente diversidade de características econô-micas, geográficas e culturais ali presentes, é importante analisar como as exportações brasileiras de máquinas e implementos agrícolas para a África se distribuem por país de destino. O Gráfico 4 ilustra essa distribuição:

Gráfico 4 | Os dez principais destinos das exportações brasileiras de máquinas e implementos agrícolas (África, 2011-2013)

Outros

Moçambique

Senegal

Etiópia

Zâmbia

Zimbábue

Sudão

Angola

Quênia

Argélia

África do Sul

17,0%

1,9%

2,3%

2,6%

2,9%

3,2%

9,4%

9,4%

11,6%

12,3%

27,4%

Fonte: Elaboração própria, com base em dados obtidos da MDIC/Secex/Aliceweb.

Verifica-se que o maior importador africano de máquinas e implementos agrícolas brasileiros é a África do Sul, com 27,4% do volume total impor-tado pelo continente entre 2011 e 2013 – mais do que o dobro do segundo colocado, a Argélia, com seus 12,3%.

Ademais, apenas cinco países (África do Sul, Argélia, Quênia, Angola e Sudão) dos 54 existentes no continente foram responsáveis por 70,2% do volume total de máquinas e implementos agrícolas brasileiros importados por todos os paí ses do continente africano.

Nesse contexto de exportação de máquinas e implementos agrícolas, é importante ressaltar o esforço do governo brasileiro nos últimos anos em ampliar seus mecanismos de apoio, notadamente no que tange ao apoio fi-nanceiro aos exportadores brasileiros. Entre os programas de financiamento, destacam-se o BNDES Exim, operado pelo BNDES, e o Programa Mais Alimentos Internacional (PMAI), coordenado pelo Ministério do Desen-volvimento Agrário (MDA), a partir de recursos do Proex Financiamento.

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26 O BNDES Exim tem procurado amparar-se em parcerias com institui-ções financeiras africanas estabelecidas em países com melhor ambiente econômico e institucional, de modo a abrir oportunidades de negócios com diferentes categorias de clientes, com ênfase no setor privado. Na imple-mentação dessa estratégia, os representantes comerciais e dealers dos fabri-cantes brasileiros também têm um papel relevante a cumprir, identificando potenciais importadores que reúnam as condições necessárias à estruturação dos financiamentos.

O PMAI, por sua vez, ancorado no conceito de cooperação internacional, combina transferência de tecnologia e linhas de financiamento com foco em programas dos governos dos países africanos voltados ao fortalecimen-to da agricultura familiar em seus países. Nos dois últimos anos, o PMAI vem-se mostrando uma ferramenta bastante relevante, tendo em vista que o programa consegue alcançar países de maior risco, à luz de suas especi-ficidades. Nesse sentido, apresenta-se, a seguir, uma síntese dos resultados desse programa.

Mais Alimentos Internacional

O Programa Mais Alimentos é um dos braços da concessão de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Operado por várias instituições, entre as quais se encontra o BNDES, destina-se ao financiamento de implantação, ampliação ou modernização da infraestrutura de produção e serviços, agropecuários ou não agropecuá-rios, no estabelecimento rural ou em áreas comunitárias rurais próximas. Atualmente, já existem mais de 560 empresas e 8.750 produtos cadastrados.

Desde 2008, o Programa Mais Alimentos já possibilitou a celebração de 1.080.000 contratos em esfera nacional e liberou o total de R$ 28 bilhões. Só no último ano-safra, em torno de 650.000 contratos foram formalizados, com a liberação de cerca de R$ 8,2 bilhões.

Em 2010, o programa se internacionalizou, tendo sido lançado o Progra-ma Mais Alimentos África, que posteriormente recebeu o nome de Programa Mais Alimentos Internacional, dada a inclusão de Cuba no rol dos países habilitados a acessar o Programa. Atualmente, são seis os países que podem beneficiar-se do programa: Zimbábue, Gana, Senegal, Moçambique, Quênia e Cuba (posição em julho de 2014).

Coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, o PMAI tem como objetivos: (i) fomentar as exportações de máquinas, tratores e equipa-mentos aos países em desenvolvimento via crédito concessional; (ii) apoiar

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27o aumento da produção e da produtividade dos agricultores familiares; e (iii) promover a segurança alimentar e nutricional.

Iniciado em 2010, apenas em 2014 foi celebrado o primeiro contrato do PMAI, com o Zimbábue. Atualmente, os seguintes países já possuem Acordos de Cooperação Técnica e Memorandos de Entendimentos firmados no âmbito do programa, nas condições expostas no Quadro 3.

Quadro 3 | Condições do Programa Mais Alimentos

País Financiamento (em R$ milhões)

Carência Taxa de juros (semestrais)

Prazo para pagamento*

Zimbábue 224,1 3 anos Libor ou 1% 15 anos

Cuba 158,9 3 anos Libor ou 2% 15 anos

Moçambique 221,5 3 anos Libor ou 0,5% 15 anos

Senegal 192,9 3 anos Libor ou 0,5% 15 anos

Gana 216,8 3 anos Libor ou 0,5% 15 anos

Quênia 181,6 3 anos Libor ou 1% 15 anos

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário.* Prazos podem variar de acordo com o valor da taxa de juros.

Finalmente, destaca-se, conforme o Gráfico 5, que a quantidade total de tratores agrícolas fabricados no Brasil em processo de exportação para comercialização pelo Programa Mais Alimentos Internacional soma 2.970 tratores, o que representaria 5% da produção nacional.

Gráfico 5 | Tratores agrícolas comercializados pelo PMAI

0

100

200

300

400

500

600

700

Aguardando aprovação do Cofig* em 2015 Enquadrados no Cofig em 2014

QuêniaSenegalGanaMoçambiqueCubaZimbábue

156

320

400

513549

175

255632

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário.* Cofi g é o Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações.

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28 O ambiente de negócios dos exportadores brasileiros de máquinas e implementos agrícolas na África

A fim de entender o ambiente de negócios no continente africano para a exportação de máquinas e implementos agrícolas, foi realizada uma pes-quisa de campo. Foi enviado questionário a 307 empresas, com posterior resposta de 83 delas, o que corresponde a uma taxa de resposta de 27%.11 No período compreendido entre 2011 a 2013, oito empresas respondentes não realizaram quaisquer exportações, 25 exportaram, mas não operaram com a África, enquanto as 48 restantes operaram com a África.

O conjunto dos respondentes que exportaram para a África tem signi-ficativa representatividade nas exportações dos bens de capital em ques-tão. A partir dos dados da Secex/MDIC, foi possível constatar que 77% do montante exportado em máquinas e implementos agrícolas para a África no período compreendido entre 2011 e 2013 foram realizados pelas empresas respondentes. Dessa forma, entendemos que os dados coletados permitem uma boa avaliação do ambiente de negócios, a despeito do que poderia su-gerir a taxa de resposta.

Além de levantar informações sobre as características das empresas respondentes, o questionário abordou cinco temas: (i) perfil das operações de comércio exterior com a África; (ii) dificuldades de exportação para a África; (iii) financiamento; (iv) canais de distribuição dos bens exportados; e (v) concorrência.

Perfil das empresas respondentes

Nessa temática, o questionário contou com perguntas sobre a estrutura de capital e o faturamento anual das empresas. No que tange à estrutura de capital, o Gráfico 6 indica que a maior parte das empresas respondentes é de capital fechado. Apenas seis empresas declararam ter ações negociadas no mercado financeiro.

Importa destacar que todas as empresas de capital aberto são exporta-doras e, em algum momento, tiveram operações com o continente africano.

No que diz respeito à Receita Operacional Bruta (ROB) anual, o Gráfico 7 mostra que a maior parte das empresas respondentes encontra-se nas faixas de R$ 16 milhões a R$ 90 milhões e de R$ 90 milhões a R$ 300 milhões.

11 Houve necessidade de desconsiderar dois questionários, em virtude de confl ito de informações ali contido. Dessa forma, o total de questionários válidos foi de 81.

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29Gráfico 6 | Estrutura de capital das empresas respondentes

Aberto

8%

Não

informado

1%

Fechado

91%

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 7 | ROB anual das empresas respondentes

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

Maior que R$ 300 milhões

Entre R$ 90 e R$ 300 milhões

Entre R$ 16 e R$ 90 milhões

Entre R$ 2,4 e R$ 16 milhões

Menor que R$ 2,4 milhões

Fonte: Elaboração própria.

Além disso, é possível perceber a correlação existente entre a ROB anual e a realização de operações de exportação, tanto de maneira geral como especificamente no caso africano (Quadro 4). Há um claro aumento

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30 da participação das empresas exportadoras no total das empresas de uma mesma faixa de ROB quanto mais alta for essa faixa.

Quadro 4 | Percentual de empresas exportadoras segundo ROB anual

Faixa Empresas exportadoras (%)

Empresas exportadoras para a África (%)

Menor que R$ 2,4 milhões 67 17

Entre R$ 2,4 e 16 milhões 67 33

Entre R$ 16 e 90 milhões 100 62

Entre R$ 90 e 300 milhões 100 76

Maior que R$ 300 milhões 100 87

Fonte: Elaboração própria.

Perfil das operações de comércio exterior com a África

As 48 empresas respondentes que operaram com a África realizaram ex-portações para 42 diferentes países africanos. Quando questionadas acerca dos países que tiveram maior participação no total das operações de comércio exterior, esse número reduz-se para 21. África do Sul e Angola figuram como os principais destinos, conforme destacado no Gráfico 8, no qual é apre-sentada a frequência de citações de cada país pelas empresas respondentes.

Gráfico 8 | Principais destinos das exportações das empresas respondentes

4

4

4

6

9

19

20

Etiópia

Nigéria

Argélia

Sudão

Quênia

Angola

África do Sul

Fonte: Elaboração própria.

Destaca-se que os cinco principais destinos são os mesmos que os en-contrados com base nos dados da Secex/MDIC. A mudança na ordem se

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31deve, principalmente, a operações específicas de alto valor, notadamente o caso argelino, que não são representadas no Gráfico 8.

No que diz respeito aos Incoterms12 adotados nas operações, o CIF (Cost, Insurance and Freight) apresentou-se como o mais frequente (Gráfico 9). Além deste e do FOB (Free on Board), os dois mais utilizados, foram citados o CFR (Cost and Freight), o CPT (Carriage Paid to) e o EXW (Ex Works).

Gráfico 9 | Principais Incoterms utilizados nas operações com a África

CIF

58%

Outros

17% FOB

25%

Fonte: Elaboração própria.

O terceiro aspecto abordado acerca do perfil das exportações de máqui-nas e implementos agrícolas para o continente africano foi o prazo de pa-gamento. Conforme destacado no Gráfico 10, a maior parte das operações de comércio exterior com o continente africano é de curto prazo.

Gráfico 10 | Prazo usual das exportações para a África

Até 180 dias

92%

Não informado

2%Outros

6%

Fonte: Elaboração própria.

12 International commercial terms (Incoterms) são termos de vendas internacionais, publicados pela Câmara Internacional de Comércio. São utilizados para dividir os custos e a responsabilidade no transporte entre as fi guras do comprador e do vendedor.

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32 Dificuldades de exportação para a África

A segunda temática abordada no questionário foram as dificuldades encontradas para realizar as exportações para a África. Para tanto, foram enunciados 11 elementos e solicitou-se aos respondentes que avaliassem quanto cada um deles contribuía para a não concretização dos negócios. O resultado pode ser encontrado no Gráfico 11.

Gráfico 11 | Dificuldades encontradas pelas empresas respondentes nas operações de comércio exterior para a África

Barreira inviabilizou

negócios

Barreira relevante

Barreira pouco

relevante

Não constituiu

barreira

52%

25%

36% 36%

3%

16% 16%

31%

38%

32%

17%

0%

Barreira inviabilizou

negócios

Barreira relevante

Barreira pouco

relevante

Não constituiu

barreira

Diferença cultural/linguística

Obtenção de financiamento

Legislação (inacessível, confusa ou inexistente)

Barreira inviabilizou

negócios

Barreira relevante

Barreira pouco

relevante

Não constituiu

barreira

17%14%

39%

31%

Barreira inviabilizou

negócios

Barreira relevante

Barreira pouco

relevante

Não constituiu

barreira

Obtenção de garantias

22%

27%

41%

10%

Identificação e acesso aos potenciais clientes

Barreira inviabilizou

negócios

Barreira relevante

Barreira pouco

relevante

Não constituiu

barreira

19%

29%

45%

7%

Barreira inviabilizou

negócios

Barreira relevante

Barreira pouco

relevante

Não constituiu

barreira

Distribuidores não capacitados ou inexistentes

(Continua)

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Barreira inviabilizou

negócios

Barreira relevante

Barreira pouco

relevante

Não constituiu

barreira

8%

20%

37%

27%

15%17%

47%

27%

Barreira inviabilizou

negócios

Barreira relevante

Barreira pouco

relevante

Não constituiu

barreira

Risco comercial (dificuldade de recebimento, inadimplência)

Rotas de frete marítimo

32%

42%

25%

0%

Rotas de frete marítimo entre Brasil e África

Barreira inviabilizou

negócios

Barreira relevante

Barreira pouco

relevante

Não constituiu

barreira

56%

29%

15%

0%

Barreira inviabilizou

negócios

Barreira relevante

Barreira pouco

relevante

Não constituiu

barreira

Distância geográfica entre Brasil e África

25%

32%

41%

2%

Infraestrutura logística brasileira e/ou africana precária

Barreira inviabilizou

negócios

Barreira relevante

Barreira pouco

relevante

Não constituiu

barreira

Fonte: Elaboração própria.

O gráfico mostra que as principais barreiras estão relacionadas às condi-ções financeiras das operações. A obtenção de financiamento e de garantias, assim como o risco comercial, foram as variáveis, de acordo com os respon-dentes, que representaram os principais obstáculos à viabilização de negócios.

As variáveis relacionadas à prospecção de negócios também foram apon-tadas como limitadoras, embora em menor intensidade quando comparadas

(Continuação)

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34 àquelas relativas às condições financeiras. Mais de um terço dos responden-tes considerou a legislação uma barreira relevante, enquanto 41% conside-raram a identificação e o acesso a potenciais clientes uma barreira também relevante. Quase metade apontou ainda distribuidores não capacitados ou inexistentes como barreira relevante.

Financiamento

Das 48 empresas que exportaram para a África, apenas 11 contaram com algum tipo de financiamento pós-embarque. Entre elas, apenas uma foi apoiada pelo BNDES Exim Pós-Embarque. No Gráfico 12, são apre-sentadas as razões informadas, por frequência, para as empresas não terem obtido financiamento do BNDES.

Gráfico 12 | Razões para não obtenção do financiamento do BNDES

Prazos das linhas de financiamento não adequados

Outros

Custo das linhas de financiamento não atrativos

Carência de informações acerca das linhas de financiamento do BNDES

Financiamento não necessário

5

6

9

15

16

Fonte: Elaboração própria.

A não necessidade de financiamento figurou como a principal motiva-ção para sua não obtenção. Essa resposta, à primeira vista, é conflitante com a indicação de que a dificuldade de se conseguir apoio financeiro é uma das principais barreiras para a concretização dos negócios na África. Contudo, é importante destacar que há diferenças amostrais dos respon-dentes nas duas perguntas.13 Assim, é possível defender a hipótese de que a ausência de financiamento de fato inviabilizou os negócios daquelas

13 A pergunta acerca das difi culdades para se exportar para a África foi direcionada a todas as empresas que tentaram exportar para aquele continente, incluindo aquelas que obtiveram êxito e as que não obtiveram (58 empresas responderam à questão). Por outro lado, as questões referentes ao fi nanciamento foram direcionadas somente às 48 empresas que conseguiram concretizar operações de exportação com países africanos no período de 2011 a 2013 (38 empresas responderam a essas questões; dez não informaram).

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35empresas que não conseguiram exportar, mas não teve o mesmo impacto na -quelas que, por terem maior apetite para absorver o risco comercial – outra variável importante –, lograram êxito no fechamento de negócios, a despeito da disponibilidade de financiamento.

É evidente que essa hipótese deverá ser testada posteriormente. Contudo, resta clara a necessidade de desenvolvimento de produtos financeiros que atendam às empresas com intenção de exportar, mas que, por não possuí-rem apetite de risco suficiente, acabam não gerando operações.

A carência de informações acerca das linhas de financiamento do BNDES também foi citada por aproximadamente 40% dos respondentes. Esse dado aponta para a necessidade de ampliação e/ou utilização mais intensa dos canais de divulgação dos produtos financeiros do BNDES, em especial do BNDES Exim.

Finalmente, é importante destacar que metade das respostas abertas de “outras razões” se referia à dificuldade na obtenção de garantias, o que, mais uma vez, lança luz à questão do financiamento.

Canais de distribuição

De acordo com os respondentes, suas exportações de máquinas e imple-mentos agrícolas direcionam-se quase exclusivamente aos usuários finais ou aos distribuidores e dealers. As exportações para as filiais ou subsidiárias das próprias empresas foram citadas por apenas três respondentes, enquanto empresas de leasing não foram citadas (Gráfico 13).

Gráfico 13 | Destinos das exportações de máquinas e implementos agrícolas por categoria de importador

Empresas de leasing

Filial/subsidiária da empresa

Usuário final

Distribuidores/dealers

0%

7%

57%

70%

Fonte: Elaboração própria.

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36 Para se compreender a estratégia de distribuição, foi indagado aos res-pondentes se as exportações da empresa estavam concentradas em deter-minado país africano com o objetivo de posterior distribuição para outros países do continente. Responderam negativamente 83% das empresas; as demais citaram seis países como pontos de distribuição, entre os quais África do Sul e Quênia se destacam pela frequência da indicação. Além disso, das empresas que exportaram para distribuidores e dealers, aproximadamente um terço dos respondentes afirmou que há exclusividade de marca em al-guma linha de produtos específica.

No que diz respeito à assistência técnica dos bens exportados, o Grá fico 14 mostra que, para quase metade das empresas respondentes, esse serviço é realizado pelos distribuidores. No item “Outros”, a mais citada foi a assis-tência técnica realizada por ambos.

Gráfico 14 | Realização de assistência técnica, por agente

Pela própriaempresa

30%

Outros23%

Por distribuidor/dealer

47%

Fonte: Elaboração própria.

ConcorrênciaNo que diz respeito à concorrência, as empresas respondentes perce-

bem o ambiente de negócios como de competição acirrada (Gráfico 15). À exceção das companhias sul-africanas, todas as empresas dos demais paí-ses apontados no questionário foram consideradas por mais da metade dos respondentes como de média ou alta concorrência. As próprias empresas brasileiras e as chinesas figuram como os maiores concorrentes.

No caso das empresas indianas, a percepção dos respondentes foi bem variada. Uma hipótese para explicar tal resultado seria a existência de

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37concorrência diferenciada entre os NCMs que compõem o conjunto de má-quinas e implementos agrícolas.

As empresas europeias foram espontaneamente citadas como relevantes concorrentes por dez respondentes, assim como a Turquia, em especial, que obteve quatro indicações.

Gráfico 15 | Intensidade da concorrência, por país

AltaMédiaBaixa

42%

35%

23%

Brasil

AltaMédiaBaixa

19%

29%

52%

África do Sul

AltaMédiaBaixa

59%

20%22%

China

AltaMédiaBaixa

32%

37%

32%

Índia

AltaMédiaBaixa

25%

30%

45%

Estados Unidos

Fonte: Elaboração própria.

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38 Quando perguntados sobre o principal motivo para a perda de negócios na África para a concorrência, o preço é apontado em todos os casos, à ex-ceção das empresas norte-americanas, em que o financiamento foi citado como o fator mais significativo (Gráfico 16).

Gráfico 16 | Principal razão para a perda de negócios, por concorrente

Brasil África do Sul

China

Índia

Estados Unidos

73%

84%

70%

14%

44%

12%

3%

11%

29%

8%

12%

10%

15%

48%

36%

3%

3%

4%

9%

12%

Preço

Outros

Financiamento

Qualidade/assistência

Fonte: Elaboração própria.

Considerando os gráficos 15 e 16, é possível inferir que as empresas chinesas são as principais concorrentes das empresas brasileiras, tendo no preço seu principal fator de competitividade.

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39Conclusão

Na construção de suas estratégias de apoio aos exportadores brasileiros, a Área de Comércio Exterior do BNDES tem procurado somar esforços às ações de inteligência comercial empreendidas por outros órgãos do governo brasileiro (p. ex., Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Inves-timentos – Apex) e pelas próprias empresas, no intuito de colaborar para a identificação de oportunidades de negócios no mercado internacional.

Tratando-se de exportações para a África, a indústria de máquinas e im-plementos agrícolas constitui particular segmento a ser explorado, na medida em que diversos países africanos contam com programas de modernização de sua produção agroindustrial em busca de aumento de produtividade e modelos de negócios que confiram caráter empresarial à atividade. Em suas articulações com os fabricantes brasileiros, o BNDES tem verificado que os esforços comerciais no continente africano estão sendo direcionados, nota-damente, para África do Sul, Angola, Quênia, Sudão e Argélia.

A partir dos dados primários coletados pela presente pesquisa, é possível concluir que, tanto para as máquinas quanto para os implementos agrícolas, o preço é o principal fator que tem contribuído para as empresas brasilei-ras perderem negócios para a concorrência, em especial para as empresas chinesas. A qualidade do produto brasileiro não constitui um problema; ao contrário, em muitos casos, é uma vantagem competitiva, ainda mais quando consideramos que as máquinas produzidas no Brasil são mais adequadas às condições edafoclimáticas da maioria dos países africanos, que são bastante semelhantes à brasileira.

As exportações brasileiras para a África dependem também, de algu-ma maneira, da estratégia global das grandes fabricantes instaladas no Brasil – AGCO, CNH e John Deere. Nos próximos anos, espera-se au-mento do esforço exportador, haja vista o arrefecimento da demanda in-terna de máquinas e implementos agrícolas em 2014 e, provavelmente, em 2015 [Ferreira (2014)]. Cabe ressaltar que a preservação das economias de escala é fundamental para assegurar competitividade, tanto no nível das fábricas como em relação às operações das empresas como um todo, uma vez que se evidenciam nas compras de equipamentos e insumos, nos custos industriais de mão de obra e energia e nas despesas com canais de distribui-ção [Vian e Andrade Jr. (2010)].

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40 O financiamento, ao influenciar o preço e, por conseguinte, a compe-titividade das empresas, pode igualmente desempenhar papel relevante na concretização de novos negócios na África. Além disso, a falta de finan-ciamento é apontada como a principal razão para os agricultores africanos não conseguirem comprar máquinas e implementos agrícolas [FAO (2011)].

Note-se que o risco comercial dos clientes estrangeiros e a necessidade de financiamentos e garantias foram indicados pelos participantes da presente pesquisa como as principais barreiras à exportação. O governo brasileiro tem empreendido esforços para promover operações, com destaque para o BNDES Exim e para o Programa Mais Alimentos Internacional. Contudo, ainda que sejam instrumentos importantes, não parecem ser suficientes para atender a todas as necessidades das empresas brasileiras de financiamento, se mantidos seu modus operandi e seu escopo atual.

Provavelmente um avanço maior perpassa diversas instituições e organi-zações com responsabilidades afetas às diferentes dimensões do comércio exterior brasileiro. O BNDES, por já contar, entre seus clientes, de forma direta ou indireta, com parte significativa dos fabricantes de máquinas e implementos agrícolas, e dispor de recursos, capacitação técnica e extensa rede de relacionamentos, está naturalmente credenciado a oferecer apoio financeiro mais qualificado, complementando a atuação governo a gover-no promovida pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do PMAI. Por outro lado, o Banco poderia ampliar sua atuação na “ponta im-portadora”, sobretudo com relação aos dealers, que constituem o canal de distribuição mais bem estruturado no segmento de máquinas e implementos agrícolas. Em relação às garantias, a Associação Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF), vinculada ao Ministério da Fazenda, está igualmente vocacionada a desempenhar papel mais amplo.

A partir dos resultados da pesquisa, já é possível inferir que, para que os mecanismos de financiamento ofertados tenham maior eficácia, muito contribuiria o desenvolvimento de fundos e produtos financeiros inovado-res – talvez específicos à utilização no continente africano – que atendam às empresas com clientes que representem maior risco comercial e que mostrem flexibilidade para se adequar às condições usuais das exportações para o continente, cobrindo necessidades de curto, médio e longo prazos.

Outra ferramenta crucial seria a melhor coordenação dos esforços de promoção comercial empreendidos pelo governo brasileiro, assim como

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41sua conjugação em sintonia com as ações desenvolvidas pelo setor priva-do. Nesse cenário, um elo importante seria constituído pelas embaixadas brasileiras no continente africano e pelos escritórios da Apex e do BNDES, localizados em Angola e na África do Sul, respectivamente.

Finalmente, também se faz necessária a maior aproximação de empre-sas e órgãos governamentais brasileiros com stakeholders locais, tais como entidades governamentais, instituições multilaterais e bancos comerciais, para que se possa ter uma ampla visão das possibilidades para a realiza-ção de negócios. Dessa forma, os fabricantes de máquinas e implementos agrícolas brasileiros poderiam enfrentar melhor a acirrada concorrência no mercado africano, principalmente aquela decorrente das exportações oriundas da África do Sul, Índia e China. Fabricantes de máquinas agrícolas estabelecidos em outros países, como os que compõem a União Europeia, também têm se mostrado atentos às futuras perspectivas do continente afri-cano [CEMA (2014)], o que reforça ainda mais a necessidade de mobili-zação do Brasil.

Referências

AFDB – AFRICAN DEVELOPMENT BANK; OECD DEVELOPMENT CENTRE; UNDP – UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME. Macroeconomic prospects for Africa. African Economic Outlook, Cap. 1, 2014.

ANFAVEA – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS FABRICANTES DE VEÍCULOS AUTOMOTORES. Anuário da indústria automobilística brasileira. São Paulo, 2014. Disponível em: <http://www.anfavea.com.br/>. Acesso em: 22 dez. 2014.

CEMA – EUROPEAN AGRICULTURAL MACHINERY. Advancing Agricultural

Mechanization (AM) to promote farming & rural development in

Africa, 2014.

FAO – FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. Investment in agricultural mechanization in Africa: conclusions and

recommendations of a round table meeting of experts. Rome, 2011.

FERREIRA, C. Vendas de máquinas agrícolas tendem a estabilidade ou leve queda em 2015. Valor, 26 de dezembro de 2014, p. B10.

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42 IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa

Industrial, v. 31, n. 2 (Produto), 2012.

LAUTENSCHLAGER, A.; CATERMOL, F. A participação das exportações brasileiras no comércio mundial de bens de capital para a África. BNDES

Setorial, n. 34, p. 271-304. Rio de Janeiro: BNDES, set. 2011.

SABBATINI, R. (coord.) Perspectivas do investimento em mecânica. Rio de Janeiro: UFRJ, Instituto de Economia, 2008-2009, 2009. 252p. Relatório integrante da pesquisa “Perspectivas do Investimento no Brasil”, em parceria com o Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), financiada pelo BNDES. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br>. Acesso em: 23 dez. 2014.

UNIDO – UNITED NATIONS INDUSTRIAL DEVELOPMENT ORGANIZATION. UNIDO Statistics Unit. The structure and growth pattern of agro-industry

of African countries. Development policy, statistics and research branch. Vienna, 2013. (Working Paper 9/2012).

VIAN, C. E. F.; ANDRADE JR., A. M. Evolução histórica da indústria de máquinas agrícolas no mundo: origens e tendências. In: 48º CONGRESSO SOBER – SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E SOCIOLOGIA RURAL. Campo Grande, 2010.

Sites consultados

ABIMAQ – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS – <http://www.abimaq.org.br/>.

FAO – FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS – <www.fao.org>.

MDA – MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO – <www.mda.gov.br>.

UN COMTRADE – <comtrade.un.org/db>.

UNCTAD – UNITED NATION CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT – <www.unctad.org>.

Complexo Industrial da Saúde

BNDES Setorial 41, p. 43-78

Há espaços competitivos para a indústria farmoquímica brasileira? Reflexões e propostas para políticas públicas

Thiago Leone MitidieriVitor Paiva PimentelClarice de Azevedo BragaJoão Paulo Pieroni*

Resumo

Estimulada pelas políticas públicas, a indústria farmacêutica nacional foi capaz de aproveitar as oportunidades abertas pelo crescimento expressivo do mercado brasileiro na última década. No entanto, esse movimento não promoveu o desenvolvimento da indústria farmoquímica no país, principal insumo da cadeia produtiva. Em paralelo, a ascensão dos países asiáticos como grandes ofertantes desses insumos vem impondo desafios à compe-titividade industrial brasileira, assim como dos demais países. No presente artigo, discutem-se as possibilidades de espaços competitivos da indústria farmoquímica brasileira, considerando as oportunidades do mercado do-méstico e as condições de concorrência internacional. No fim, propõe-se um conjunto de políticas públicas que permita reposicionar o setor em um novo patamar tecnológico e regulatório.

* Respectivamente, economistas e gerente setorial do Departamento de Produtos para a Saúde da Área Industrial do BNDES. Os autores agradecem os comentários críticos de Pedro Palmeira e Bruna Casotti e o apoio de pesquisa de Felipe França.

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44 Introdução

Nos últimos dez anos, o mercado farmacêutico brasileiro iniciou uma trajetória de forte ampliação, apresentando taxas de crescimento acima de dois dígitos ao ano, impulsionado pelos medicamentos genéricos e pela ascensão social das classes mais baixas de renda. Mediante uma adequada coordenação entre o setor público e o privado, as empresas farmacêuticas de capital nacional conseguiram aproveitar as oportunidades e ampliaram significativamente sua participação no mercado brasileiro, tornando-se majoritárias nas receitas provenientes do varejo farmacêutico no país.

No entanto, o fortalecimento da indústria farmacêutica brasileira não gerou as mesmas oportunidades para a indústria farmoquímica, produtora da principal matéria-prima dos medicamentos. Na média dos últimos dez anos, a participação das importações no consumo de insumos farmacêuticos ativos (IFA) por empresas farmacêuticas brasileiras foi de aproximadamente 90% [Abiquifi (s.d.)].

Parte relevante desses insumos consumidos pela indústria farmacêutica brasileira é proveniente dos países asiáticos. O deslocamento expressivo da produção de princípios ativos para a região nas últimas décadas, em par-ticular para Índia e China, transformou-a na maior produtora mundial de farmoquímicos. Estima-se que cerca de dois terços da produção de IFAs destinada à venda no mundo sejam provenientes da Ásia.

Não obstante a reduzida participação do mercado doméstico, a indústria farmoquímica brasileira exportou, em média, 65% de sua produção no perío-do 2009-2013, revelando um descompasso entre a demanda brasileira e a capacidade de oferta das empresas locais. Por essa razão, o debate sobre a inserção competitiva dessa indústria também deve envolver o elo subsequen-te da cadeia produtiva e que pauta sua dinâmica, a indústria farmacêutica.

Nesse sentido, estudos recentes apontam para um cenário de concorrência mais acirrada no mercado farmacêutico brasileiro para os próximos anos – especialmente no segmento de medicamentos genéricos – relacionado a fatores que afetam preços e portfólio das empresas. Entre as principais pres-sões, destacam-se a ampliação da presença de grandes multinacionais de genéricos no país, a consolidação do varejo e dos planos de saúde e o me-nor número de medicamentos com patentes a expirar [Gomes et al. (2014); IMS Health (2014)].

Nesse cenário, o BNDES tem buscado apontar saídas para a diferencia-ção competitiva da indústria farmacêutica brasileira, como as oportunidades

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45geradas pela biotecnologia moderna [Reis, Landim e Pieroni (2011)], o aprofundamento das competências tecnológicas para inovação incremen-tal [Gomes et al. (2014)] e a busca por uma maior inserção internacio nal [Pimentel et al. (2014)]. A possível verticalização produtiva em direção aos insumos farmacêuticos ativos é o objeto da presente discussão.

O objetivo deste trabalho é, portanto, avaliar as oportunidades de espaços competitivos para a indústria farmoquímica brasileira e sua inserção como possível diferencial competitivo para as empresas farmacêuticas. Busca-se apontar movimentos desejáveis que possam materializar-se em oportunida-des de investimento e diversificação da produção de IFAs no Brasil, levando em consideração a concorrência asiática e a necessidade de diferenciação da farmacêutica brasileira.

A metodologia envolveu revisão bibliográfica, análise de relatórios setoriais e entrevistas com os principais agentes dos setores público e privado, englo-bando entidades de classe, empresas farmoquímicas, a autoridade regulatória e instituições de pesquisa. Cabe destacar que o levantamento de dados sobre o setor farmoquímico envolve uma dificuldade adicional, por se tratar de uma indústria intermediária, cujas fontes de dados públicas são bastante limitadas.

O artigo está organizado em seis seções, além desta introdução. Na pri-meira seção, são expostas as características gerais da indústria farmoquí mica e as definições que serão utilizadas ao longo do artigo. A seção seguinte trata da dinâmica recente do mercado mundial de IFAs e dos principais fa-tores que influenciaram esse movimento. A terceira seção procura traçar um panorama da indústria brasileira, abordando sua história recente, seu atual posicionamento competitivo e o arcabouço institucional que organiza as atividades da indústria. Com base no diagnóstico construído ao longo do trabalho, a quarta seção indica as possíveis estratégias de inserção compe-titiva para a indústria brasileira, ao passo que a quinta aborda as políticas públicas desejáveis para esse movimento. A sexta seção resume as consi-derações do trabalho.

Características da indústria farmoquímica

Farmoquímico, fármaco ou insumo farmacêutico ativo (IFA)1 são termos que correspondem ao princípio ativo dos medicamentos, a molécula que

1 Ao longo deste trabalho, serão utilizados os termos insumos farmacêuticos ativos (IFA), farmoquí-micos, fármacos e princípios ativos como sinônimos.

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46 tem atividade farmacológica e efeito terapêutico para o tratamento, cura ou prevenção de doenças que afetam a saúde.2 Como principal matéria-prima para a produção de medicamentos pelas empresas farmacêuticas, a quali-dade, a eficácia e a segurança no uso dos medicamentos estão diretamente relacionadas à qualidade dos IFAs utilizados em sua fabricação.

Os IFAs podem ser obtidos por meio de processos de síntese química ou biotecnológica, sendo a indústria farmoquímica responsável pela pro-dução de princípios ativos obtidos por processos de síntese química. Pelas competências tecnológicas distintas, este trabalho se limitará à avaliação dos fármacos obtidos por essa rota tecnológica. As oportunidades para o avanço da biotecnologia moderna em saúde representam um capítulo novo na trajetória de evolução da indústria brasileira e foram abordadas em tra-balhos anteriores pela equipe do BNDES.3

Do ponto de vista de sua base técnica, portanto, a indústria farmoquí-mica pertence à indústria química, consistindo, mais precisamente, em uma subdivisão da indústria de química fina. A indústria farmoquímica estabe-lece relações industriais “para trás” com os fornecedores de intermediári-os de síntese (química industrial, petroquímica, produtos naturais) e “para frente” com as empresas farmacêuticas, que são seus clientes. Por essa ra-zão, as mudanças e tendências que impactam a indústria farmacêutica se refletem na indústria farmoquímica, induzindo adaptações nas estratégias empresariais. A dinâmica do segmento é, portanto, fortemente influenciada pela farmacêutica.

De forma resumida, a fabricação de medicamentos consiste em duas etapas principais. Em primeiro lugar, as unidades farmoquímicas convertem inter-mediários de síntese em IFAs. O intermediário de síntese é a matéria-prima para a produção de um princípio ativo, normalmente oriundo da indústria pe-troquímica (nafta) ou da biomassa (extratos vegetais). O segundo passo é a formulação final dos medicamentos. Durante esse processo, as empresas far-macêuticas misturam os IFAs e os excipientes4 e, em seguida, transformam a

2 Além da aplicação na saúde humana, os IFAs também têm aplicação veterinária (saúde animal) e na agricultura (agroquímicos).3 Ver Reis, Landim e Pieroni (2011) e Pimentel et al. (2013). 4 Outros ingredientes farmacêuticos não ativos ou adjuvantes farmacotécnicos. Muitas vezes, esses produtos são também considerados parte da indústria farmoquímica, embora apresentem uma multipli-cidade de usos alternativos à produção de medicamentos.

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47mistura em pílulas e comprimidos, líquidos, pó para soluções ou enchimento de cápsulas, e, finalmente, embalam o produto para serem comercializados.

A produção das formulações finais pela indústria farmacêutica requer diferentes habilidades e equipamentos em comparação com a fabricação de IFAs. A tecnologia para obtenção do fármaco (síntese química) envolve a transformação de compostos químicos, com a alteração de suas estruturas moleculares até a obtenção da molécula (princípio ativo) desejada, enquanto a etapa de formulação exige conhecimentos farmacotécnicos. As diferen-tes competências de cada etapa contribuem para a existência de modelos híbridos de empresas, como as farmacêuticas verticalizadas (que também produzem seus princípios ativos), produtores independentes de IFAs e far-macêuticas focadas exclusivamente em formulação.

Assim como a farmacêutica, a farmoquímica é fortemente regulada pe-las normas sanitárias. O controle e o monitoramento da qualidade dos IFAs constituem os principais objetivos da política sanitária dos países e, por essa razão, as plantas produtoras de IFAs devem ser inspecionadas pelas auto-ridades, que emitem certificado de conformidade com as Boas Práticas de Fabricação (BPF). Além disso, como parte da indústria química, a legisla-ção ambiental é um fator crítico na produção de princípios ativos, especi-almente em relação ao tratamento de efluentes. Como o cumprimento das normas sanitária e ambiental exige elevados investimentos, pode-se afirmar que os custos de produção são fortemente relacionados ao grau de exigên-cia sanitária e ambiental.

Dinâmica do mercado farmoquímico internacional

Condicionantes da indústria farmacêutica

A dinâmica da indústria farmoquímica é condicionada pela evolução de seu principal demandante, a farmacêutica. Nos países desenvolvidos, o mo-delo de negócios da indústria farmacêutica tem sido desafiado pela maior dificuldade de reposição do portfólio de produtos inovadores na mesma velocidade em que expiram as patentes dos principais produtos líderes de venda. Esse cenário contrasta com o amplo universo de alvos terapêuticos e necessidades de saúde não atendidas com que a indústria conviveu desde a Segunda Guerra Mundial até os anos 1990 [Burrill (2011)].

Ao mesmo tempo, o aumento dos custos com a assistência à saúde, em conjunto com as restrições orçamentárias sobre os sistemas de proteção

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48 social nos países desenvolvidos, tem levado a uma crescente tensão entre a indústria farmacêutica, provedores públicos e privados de saúde e médicos e pacientes em torno da questão do custo-efetividade dos novos tratamen -tos e terapias [Burrill (2013)].

Autores como Guimarães (2014) argumentam que esse cenário pode ser considerado a pior crise da história da indústria. Em resposta, as grandes empresas farmacêuticas vêm adotando múltiplas estratégias para preservar seus espaços competitivos, com destaque para a aposta na rota biotecnoló-gica, a entrada de multinacionais estabelecidas no segmento de genéricos e a intensificação das fusões, aquisições e trocas de ativos entre companhias, com o objetivo de concentrar os esforços de P&D e vendas em determina-dos segmentos e classes terapêuticas [EY (2014)].

Esses fatores contribuem para acirrar a concorrência no mercado farma-cêutico internacional e tencionam a evolução da indústria farmoquímica, uma vez que a pressão sobre os preços dos medicamentos é repassada aos produtores de matérias-primas. A relação de forças entre as duas indústrias será abordada na próxima seção.

Organização industrial da farmoquímica

O consumo mundial de IFAs, em 2012, foi estimado em USD 113 bi-lhões.5 Comparada ao tamanho do mercado farmacêutico mundial, a far-moquímica corresponde a 12%, percentual que se manteve estável na última década. Impulsionado pelo crescimento da indústria farmacêutica, o con-sumo de IFAs cresceu, em média, 6,4% ao ano, entre 2004 e 2012, mesmo considerando a desaceleração da crise financeira de 2008 [CPA (2013)].

O consumo mundial de IFAs reflete a demanda por produtos farma-cêuticos, distribuindo-se geograficamente de forma semelhante. Os países desenvolvidos, notadamente América do Norte, Europa Ocidental e Japão, representam 70% do total, sendo que apenas os EUA representam 40% de tudo o que se consome de farmoquímicos no mundo.

Por sua vez, os países em desenvolvimento lideram a expansão do mer-cado, apresentando taxas de crescimento médio anual da ordem de 12% entre 2004 e 2012, enquanto os mercados maduros cresceram 3% a.a. no

5 Em quantidade, o consumo mundial de IFAs foi estimado em cerca de oito milhões de toneladas em 2012 [CPA (2013)].

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49mesmo período. O crescimento do consumo de IFAs nos países emergen-tes está associado ao maior acesso aos bens e serviços de saúde por parte da população, relacionados ao aumento da renda per capita e à amplia -ção da cobertura dos sistemas de saúde. Esse movimento levou ao aumen-to da demanda por medicamentos genéricos e, consequentemente, de IFAs considerados não exclusivos (sem proteção de patentes) [CPA (2013)].

Em relação à estrutura da oferta da indústria, distinguem-se dois princi-pais tipos de produtores de farmoquímicos: a empresa farmacêutica vertica-lizada e o produtor independente. As farmacêuticas verticalizadas produzem (o todo ou parte) dos princípios ativos para suas próprias necessidades e vendem o excedente no mercado. Já os produtores independentes atendem exclusivamente ao mercado.

Os produtores independentes também produzem e comercializam IFAs exclusivos, ou seja, sob a proteção de patentes, por meio do Contract Manufacturing Agreement (CMA). Nesses acordos, a empresa detentora da propriedade intelectual, geralmente uma farmacêutica, licencia o direito de produzir em troca da exclusividade sobre a compra dos produtos.

Além do aspecto produtivo, pode haver um relacionamento mais pró-ximo da farmoquímica no processo de desenvolvimento de um novo me-dicamento. Por deter competências que, em geral, não estão presentes em farmacêuticas não verticalizadas, os produtores independentes de IFAs são capazes de prestar serviços tecnológicos relacionados ao desenvolvimento de novas rotas de síntese, escalonamento, produção de lotes-piloto para ensaios clínicos e assessoria regulatória na preparação do Drug Master File (docu-mento completo sobre a molécula apresentado para registro). Nos Estados Unidos, por exemplo, o setor farmoquímico se especializou na prestação de serviços desse tipo.

Entre os principais produtores mundiais de IFAs, estão as empresas farmacêuticas verticalizadas baseadas em genéricos e originárias de paí-ses emergentes, com destaque para a Índia, e também Israel. Entre as sete maiores – Teva API, Dr. Reddy’s, Aurobindo, Cipla, Sandoz (subsidiária de genéricos da Novartis), Ranbaxy e Sun Pharma –, registram-se cinco indianas, uma israelense e uma suíça6 [CPA (2013)].

6 Como são empresas verticalizadas, em geral não há a distinção do faturamento da unidade farmo-química. A Teva é uma das poucas empresas que divulgam informações. Segundo relatório anual da companhia de 2013, a venda de IFAs para o mercado foi de US$ 672 milhões, o que representou 3,4% de sua receita operacional.

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50 No período 2008-2012, a parcela da produção de IFAs por empresas far-macêuticas manteve-se majoritária e estável, em torno de 84% da produção total, cuja divisão é apresentada no Gráfico 1. Entretanto, essa relativa es-tabilidade oculta dois movimentos distintos.

Gráfico 1 | Oferta mundial de IFAs por tipo de fornecedor – 2012 (em US$ bilhões)

Farma mercado25,9

Prod. independente18,1

Farma produção própria69

16%

23% 61%

Fonte: Elaboração própria, com base em CPA (2013).

Tradicionalmente, as empresas farmacêuticas estabelecidas, focadas em medicamentos de referência patenteados, optavam por manter sua produção de princípios ativos em sua estrutura corporativa, como forma de proteger ativos proprietários. Tais empresas nasceram verticalizadas e, mais recen-temente, iniciaram movimentos de terceirização e realocação produtiva em direção aos países em desenvolvimento, buscando conter custos e direcionar seus esforços na atividade principal do negócio, a P&D [Lindman, Timsjo e Ozbek (2008)].

Por outro lado, alguns produtores independentes de farmoquímicos de países em desenvolvimento, que iniciaram suas atividades como fornece-dores das multinacionais, passaram a buscar a verticalização “para frente”, com o objetivo de agregar mais valor aos seus produtos. Com base em uma amostra de empresas indianas, estima-se que um farmoquímico não exclu-sivo seja comercializado com margem líquida de 10%, enquanto um medi-camento genérico com produção verticalizada, a partir do mesmo princípio ativo, obtenha margem líquida de 25% [CPA (2013)].

As estratégias recentes da farmacêutica, que envolveram o foco em pro-dutos mais personalizados e um intenso movimento de fusões e aquisições,

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51resultaram na criação de capacidade ociosa de farmoquímicos e na concen-tração da produção em determinadas unidades produtivas. Os dados indi-cam, assim, que as grandes multinacionais ainda mantêm parte relevante da produção in house, especialmente de princípios ativos de novos medica-mentos (sob patente) e aqueles considerados mais sensíveis ou estratégicos.

Quando considerados apenas os princípios ativos negociados no mercado, o que corresponde a 39% do consumo mundial (US$ 44 bilhões), nota-se que os produtos não exclusivos têm ganhado participação de forma acele-rada (Gráfico 2). Em razão do forte crescimento dos mercados emergentes nos anos 2000, impulsionado pelos medicamentos genéricos, os princípios ativos sem proteção de patentes cresceram a taxas duas vezes superiores em comparação aos IFAs exclusivos (sob a proteção de patente) e hoje cor-respondem à maior parte do mercado.

Gráfico 2 | Mercado de IFAs, por tipo de produto, 2004-2012 (em US$ bilhões)

0

5

10

15

20

25

Não exclusivoExclusivo

201220082004

Fonte: Elaboração própria, com base em CPA (2013).

As principais barreiras à entrada na indústria farmoquímica estão re-lacionadas ao domínio de competências tecnológicas, escala mínima de produção e atendimento à regulação. A concorrência no segmento de IFAs não exclusivos, especialmente dos produtos mais tradicionais, produzidos em grande escala, vem-se tornando cada vez mais acirrada, o que confere à

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52 estratégia de “liderança em custos” um fator determinante para a competiti-vidade das empresas. Estima-se que 70% dos cerca de 2,3 mil produtores de IFAs registrados no mundo localizem-se na China e na Índia, países muito competitivos em custo. Outra parte da explicação para as menores margens obtidas pela indústria farmoquímica é o seu alto grau de fragmentação, que contribui para a acirrada rivalidade entre os concorrentes [CPA (2013)].

O elevado número de produtores em países pouco regulados gera dificul-dades para as atividades de inspeção e fiscalização das plantas produtoras de IFAs, realizadas tanto pelas empresas farmacêuticas compradoras, quanto pe-las agências sanitárias. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por exemplo, relata dificuldade em identificar o real produtor do princípio ativo, pois muitas empresas se apresentam como fabricantes quando, na verdade, são representantes comerciais e distribuidores [Anvisa (2011)].

A ascensão da Ásia

A história recente da indústria farmoquímica internacional está permea-da por um movimento mais amplo de internacionalização da atividade produtiva. Em busca de menores custos, as empresas líderes de diversos setores industriais oriundas dos Estados Unidos e da Europa deslocaram-se para outros países. Esse movimento alterou profundamente a geoeconomia mundial e transformou o sudeste asiático na grande fábrica do mundo. Tal resultado decorre tanto de direcionamentos internos das empresas quanto de estratégias bem definidas de atração de investimentos pelos países asiá-ticos [Baldwin (2011)].

Do ponto de vista interno às empresas, a partir da década de 1980, tornou-se comum o abandono da diversificação de mercados em prol de estratégias mais focadas em atividades de maior rentabilidade. No caso da cadeia farmacêutica, as atividades definidas como estratégicas foram a pes-quisa e o desenvolvimento de novos medicamentos e as atividades de mar-

keting e comercialização. Por esse motivo, parte relevante das instalações farmoquímicas foi deslocada para países com menores custos de produção (offshoring), seja como subsidiárias da matriz, seja por meio da contratação de empresas independentes (terceirização). A título de exemplo, até meados dos anos 1990, os produtores farmoquímicos europeus, principalmente as empresas independentes italianas, eram responsáveis por 60% da produção de IFAs não exclusivos no mundo [Baldwin (2011); CPA (2013)].

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53Os países asiáticos aproveitaram as oportunidades oferecidas pelos movi-mentos de internacionalização da manufatura para atrair a produção das mul-tinacionais. Ao mesmo tempo, por meio de diversas políticas públicas, países como a Índia conseguiram fortalecer suas empresas nacionais e adquiriram competências tecnológicas e de produção. O impulso em busca de competi-tividade se deu pelo mercado doméstico relativamente pequeno, que impli-cou a ascensão de uma indústria majoritariamente voltada para exportações.

Como resultado, em 2012 a indústria indiana exportava 90% de sua pro-dução de princípios ativos, e, a chinesa, 75%. Índia e China adotaram estra-tégias diferentes para consolidar suas indústrias farmoquímicas.

A China buscou principalmente as economias de escala e a liderança em custos, tornando-se atualmente o maior produtor de IFAs não exclusivos do mundo em quantidade, embora apresente baixa participação nos mercados desenvolvidos. Os principais destinos das exportações chinesas são outros mercados da Ásia, América Latina e África, além do consumo próprio. Já a indústria indiana obteve sucesso em transitar do foco exclusivo em cus-tos para buscar maior qualidade regulatória, com o objetivo de explorar os mercados desenvolvidos: em 2012, os Estados Unidos foram o destino de 24% da produção indiana de princípios ativos não exclusivos [CPA (2013)].

A consequência dessa trajetória é o forte posicionamento da indústria asiática na produção de IFAs não exclusivos destinados ao mercado. Nesse caso particular, que representa 22% (US$ 24,8 bilhões) do consumo total de farmoquímicos no mundo e impacta a indústria brasileira diretamente, o predomínio da Ásia como principal local de fabricação é notável, chegando a mais de dois terços e apresentando taxas de crescimento superiores aos demais países (Gráfico 3). Dados mais recentes indicam que a ascensão continua a ocorrer em detrimento dos produtores europeus.

A grande presença nos mercados desenvolvidos de farmoquímicos in-dianos, principalmente nos Estados Unidos, tem levado a questionamen-tos quanto à real qualificação desses fornecedores. Em 2012, a agência reguladora norte-americana, o FDA, introduziu a Generic Drug User Fee Act (GDUFA), cujo objetivo é tornar mais rigorosa a inspeção das plantas produtoras de princípios ativos e produtos farmacêuticos, tanto domésticas quanto no exterior. A medida visa principalmente trazer isonomia em relação à fiscalização das instalações localizadas nos Estados Unidos e em outros países, antes sujeitas a diferentes critérios de periodicidade [FDA (2013)].

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54 Gráfico 3 | IFAs não exclusivos destinados ao mercado, produção por área geográfica – 2008 e 2012 (em US$ milhões)

Resto do mundo2.090

Resto do mundo2.330

Europa5.600

Europa6.280Ásia

9.310Ásia

13.890

2008 2012

12%

33% 55%

10%

28%62%

Fonte: Elaboração própria, com base em CPA (2013).

Em consequência das recentes ações de fiscalização do FDA, que vem apontando diversos problemas de não conformidade regulatória, a indús-tria asiática (principalmente a indiana) sofreu um forte impacto em sua re-putação. O novo paradigma de qualidade para a cadeia farmacêutica pode ser considerado uma barreira não tarifária ao crescimento da cadeia far-macêutica indiana, sendo até questionado em fóruns internacionais [Ray e Bhaduri (2012)].

Em um cenário de maior rigor regulatório sobre a indústria farmoquí-mica asiática, os produtores desses países serão obrigados a se adequarem ao padrão regulatório dos mercados mais desenvolvidos. A possível amplia-ção dos custos e a queda de reputação das empresas asiáticas podem repre-sentar uma oportunidade para o surgimento de novos entrantes ou mesmo para o retorno de países que sofreram com a concorrência nos últimos anos.

Tendências da indústria farmoquímica

O consumo total de IFAs em 2016 deverá situar-se na ordem de US$ 144 bi -lhões, o que representaria um crescimento médio anual de 6,2% no período 2012-2016. A tendência das grandes empresas farmacêuticas de concentrar o portfólio em medicamentos de baixo volume e alto preço, com maior dificuldade para a terceirização dos princípios ativos, não deve alterar, de forma significativa, a atual estrutura da cadeia produtiva em relação a valor, predominando as empresas verticalizadas [CPA (2013)].

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55Pelo lado da demanda, a continuidade do processo de envelhecimento das populações em todo o mundo (transição demográfica) e a maior inci-dência de doenças crônico-degenerativas (transição epidemiológica), como câncer, doenças cardiovasculares e os males de Parkinson e Alzheimer, in-clusive nos países em desenvolvimento, tendem a ampliar os esforços de P&D da indústria farmacêutica para essas doenças [Pimentel et al. (2012)].

A consequência dessas tendências já é observada no crescimento de mer-cado das principais classes terapêuticas de IFAs não exclusivos: os princípios ativos voltados ao tratamento de câncer (oncológicos) tiveram crescimento superior a 20% a.a. entre 2008 e 2012, enquanto aqueles voltados para o tratamento das doenças cardiovasculares superaram 10% a.a. no mesmo pe-ríodo (Tabela 1). Outro fator que contribuiu significativamente para o cresci-mento dessas classes terapêuticas no mercado foi a expiração de patentes de medicamentos importantes, como a atorvastatina cálcica (Lipitor®Pfizer), destinada ao combate das taxas elevadas de colesterol no sangue.

Tabela 1 | Mercado de IFAs não exclusivos por principais classes terapêuticas – 2008-2012 (em R$ milhões)

Classes terapêuticas 2008 (%) 2012 (%) Crescimento médio anual (%)

Oncológicos 625 4 1.390 6 22

Sistema cardiovascular 2.340 14 3.640 16 12

Sistema nervoso central 2.000 12 2.615 12 7

Antibacterianos 3.665 22 4.755 21 7

Gastrointestinal 2.485 15 3.220 14 7

Outros 5.885 35 6.210 28 1

Total 17.000 100 22.500 100 7

Fonte: Elaboração própria, com base em CPA (2013).

Entre os IFAs utilizados para as terapias oncológicas, destacam-se aque-les considerados de alta potência. Os insumos farmacêuticos de alta potên-cia (IFAAP) são assim chamados porque pequenas doses dessas moléculas produzem elevado efeito farmacológico, sendo particularmente adequados em terapias de alvo restrito (targeted approach treatment). Além do poten-te efeito farmacológico, os IFAs de alta potência geralmente apresentam janela terapêutica estreita, ou seja, a diferença entre a maior dose tolerada e a menor dose efetiva é pequena. No período 2008-2012, o consumo dos

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56 farmoquímicos de alta potência cresceu, em média, 8,2% a.a., acima da ex-pansão do consumo total de IFAs (5,6% a.a. no mesmo período) [CPA (2013)].

Os IFAs de alta potência são, em sua maioria, obtidos por rotas de síntese química (83%), e a maior parte do mercado (80%) é composta de princípios ativos atualmente protegidos por patentes. Assim, espera-se uma janela de oportunidades para produtores desses princípios ativos nos próximos anos, à medida que as patentes dos produtos forem expirando.

Uma importante aplicação dos IFAs de alta potência é a conjugação com anticorpos monoclonais, nos chamados antibody drug conjugate (ADC). A conjugação com anticorpos visa resolver a principal limitação dos princípios ativos de alta potência, sua elevada toxicidade, ao associá-los a moléculas cuja principal característica é a seletividade em relação ao alvo terapêutico.

Assim como os produtos biotecnológicos, a produção de IFAs de alta po-tência envolve processos de elevada complexidade técnica é muito custosa e requer competências específicas, particularmente no que tange à segurança e às condições de manipulação. Por esses motivos, as empresas farmacêuticas, normalmente, preferem terceirizar para produtores independentes, embora existam empresas farmacêuticas com divisões específicas para a produção desses princípios ativos.

Os produtores independentes desse tipo de insumo caracterizam-se por serem empresas de tamanho pequeno ou médio, com experiência e reputa-ção no desenvolvimento e na produção farmoquímica. A maioria dos produ-tores está concentrada nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, embora a produção indiana venha ganhando importância quando oferece uma boa relação entre custo e qualidade [CPA (2013)].

Em 2012, 85% do consumo de IFAAP esteve concentrado em três tipos de produtos: oncologia, hormônios e oftalmologia (glaucoma). O consumo de IFAsde alta potência voltado para terapias anticâncer foi de US$ 5,6 bilhões, equivalente a 57% da demanda, seguido pelas moléculas para terapias hor-monais, que atingiram o valor de US$ 1,9 bilhão (20%) [CPA (2013)].

A alta potência dos princípios ativos leva a uma quantidade produzida relativamente pequena para os padrões da indústria, muitas vezes relacio-nadas a poucos quilos de produto por ano. Essa característica atenua a rele-vância das economias de escala para competitividade e eleva a importância das competências tecnológicas e do compliance regulatório como barreiras à entrada nesse nicho.

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57Características da indústria brasileira

Histórico

Nos últimos trinta anos, a indústria de fármacos no Brasil foi marcada por cenários bem distintos, decorrentes tanto de alterações nas políticas econômicas, que ora favoreciam a indústria, ora a desestimulavam, quanto do ambiente institucional, com o estabelecimento de novas leis e de novo arcabouço regulatório. Tal instabilidade, associada à ascensão competitiva dos países asiáticos, explica a atual dificuldade da indústria farmoquí mica brasileira e, por consequência, o crescimento da dependência externa no fornecimento desses insumos.

Nos anos 1980, a crise da dívida externa brasileira levou o governo a adotar medidas visando à redução do déficit no balanço de pagamentos. A indústria farmoquímica – que apresentava um déficit comercial significativo – foi beneficiada por um conjunto de políticas que impulsionaram seu cres-cimento. Entre essas políticas, destacam-se: (i) os mecanismos de proteção tarifária, instituídos em 1981 pela Comissão de Política Aduaneira, elevando as alíquotas para importação de fármacos e reduzindo os percentuais para os intermediários de síntese importados; e (ii) a Portaria Interministerial 4, de 1984, que estabeleceu medidas de proteção à produção interna de IFAs.

A instituição da Portaria Interministerial 4 do Ministério da Saúde e do Ministério da Indústria e Comércio estabeleceu a obrigatoriedade de subme-ter ao Conselho de Desenvolvimento Industrial e à Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária os projetos industriais destinados à produção de insumos farmacêuticos e aditivos. A Portaria criou uma reserva de mercado aos produtores locais, já que tal instrumento permitia até mesmo a supressão de projetos concorrentes [Furtado e Urias (2009)].

O esforço do governo para impulsionar a produção de fármacos contou ainda com a participação da Companhia de Desenvolvimento Tecnológi-co (Codetec). A instituição atuou principalmente no desenvolvimento de processos de produção de princípios ativos utilizando engenharia reversa. A Codetec desenvolveu em torno de oitenta processos, dos quais cerca de vinte chegaram a ser utilizados em unidades comerciais por diferentes em-presas brasileiras [Leite (2008)].

Aliadas a essas políticas, duas medidas herdadas da década de 1970 aju-daram a criar no país um ambiente propício ao desenvolvimento da indústria

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58 de fármacos: o código de propriedade industrial, que não reconhecia paten-tes de produtos e de processos químicos,7 e a política de compras governa-mentais, realizada pela Central de Medicamentos (Ceme), que orientava as compras de fármacos pelos laboratórios oficiais e de medicamentos produzi-dos pelos laboratórios privados, assegurando demanda à produção nacional.

Como resultado, a produção interna de princípios ativos cresceu 99% en-tre 1982 e 1988, ao passo que o valor das importações caiu 10% no mesmo período. A importação de intermediários de síntese mais que triplicou no mesmo período, o que evidencia o avanço da produção local de IFAs. A in-dústria brasileira passou, assim, a representar 55% da produção de fármacos e alcançou a autossuficiência na fabricação de medicamentos [Brasil (2007)].

Embora com influência positiva para o crescimento da indústria naci-onal, tais políticas focaram produtos de maior déficit na balança comer-cial, seguindo a base do conceito da industrialização brasileira até então, a substituição de importações. No entanto, os produtos mais consumidos eram justamente os mais antigos, com patentes extintas (ou em vias de ex-tinção), preços estáveis ou decrescentes e elevada concorrência internacio -nal [Furtado e Urias (2009)]. Tal priorização é central para o entendimento do desempenho da indústria nos anos seguintes.

A partir da década de 1990, o cenário econômico e institucional brasi-leiro sofreu profundas alterações. Uma das mudanças mais significativas diz respeito ao processo de abertura comercial, que eliminou uma série de barreiras comerciais não tarifárias e reduziu as tarifas de importação. Nesse aspecto, o setor de fármacos foi particularmente atingido com a redução das tarifas de importação e com a extinção do Anexo C da Carteira de Comércio Exterior (Cacex), no qual eram incluídos os produtos beneficiados pela Por-taria Interministerial 4.

A redução das barreiras comerciais, associada à produção baseada em princípios ativos tradicionais e à apreciação da moeda nacional a partir de 1994, minou a competitividade da indústria. Como resultado, entre 1990 e 2003, as importações de IFAs passaram de US$ 500 milhões para US$ 900 milhões, enquanto as importações de intermediários de sínte-se – insumos para a produção de IFAs – caíram de US$ 150 milhões para US$ 10 milhões [Brasil (2007)].

7 A Lei 5.772 de 1971, que vigorou até 1996, recebeu críticas positivas do ponto de vista das estratégias de desenvolvimento dos países pobres e infl uenciou outras legislações nas décadas de 1970 e 1980 [Barnet e Muller (1974)].

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59Assim, em razão das escolhas de políticas adotadas na década de 1980 e da acelerada abertura comercial dos anos 1990, que não ofereceu prazo para adaptação ao novo cenário para as empresas, a produção brasileira de princípios ativos foi significativamente reduzida. No período compreendi-do entre 1989 e 1999, 407 linhas de fabricação de produtos farmoquímicos foram paralisadas e 110 projetos de investimento nessa área não foram im-plementados. Seis das sete unidades produtivas de antibióticos existentes no Brasil foram fechadas [Abifina (2003)].

Outro aspecto relevante na compreensão do desempenho da balança co-mercial refere-se ao movimento de fusões e aquisições entre grandes farma-cêuticas multinacionais, que resultou no fechamento de plantas produtoras de fármacos e na concentração da produção em um número reduzido de plantas e países. Entre 1992 e 1998, estima-se que 85% das importações de fárma-cos eram realizadas por empresas estrangeiras [Magalhães et al. (2003)].

Em 1996, no contexto de um novo tratado internacional no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), alterou-se a Lei de Propriedade Industrial Brasileira,8 instituindo a concessão de patentes para processos e produtos farmacêuticos, o que restringiu ainda mais o conjunto de princí-pios ativos passíveis de produção pelas empresas locais.

Importante observar o comportamento dos preços dos fármacos ao lon-go da década de 1990. Quando se completou o ciclo de redução tarifária, em 1995, os preços dos produtos farmoquímicos importados haviam caído 50%. No entanto, a partir de 1996, ano em que foi aprovada a nova lei de patentes, a curva de preços dos produtos farmoquímicos sofreu uma infle-xão ascendente, chegando, em 1999, a ultrapassar o preço médio que era praticado no Brasil quando o produto era fabricado localmente, dez anos antes [Abifina (2003)].

Em 1999, duas medidas que viriam a afetar a cadeia farmacêutica no país foram implementadas: a criação da Anvisa, responsável pela fiscalização e regulamentação do setor; e a implementação da Lei de Medicamentos Ge-néricos, que contribuiu decisivamente para a modificação da dinâmica da indústria farmacêutica no país.

A década de 2000 foi marcada pela ascensão de milhões de brasileiros às faixas intermediárias de renda, cujas necessidades de saúde passaram a

8 Lei 9.279/1996. Para uma análise detalhada do processo de negociação internacional e de revisão da lei de Propriedade Industrial brasileira, ver Barbosa (2003).

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60 se consubstanciar em demanda por medicamentos [Pimentel et al. (2012)]. Desde 2004, o mercado farmacêutico vem crescendo acima de dois dígitos ao ano, atingindo R$ 56 bilhões em 2013, impulsionado pela enorme demanda pelos medicamentos genéricos [IMS Health (2014); Gomes et al. (2014)].

Adicionalmente, a cadeia produtiva farmacêutica passou a ser um dos focos da recém-criada Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce), lançada em 2004. A escolha dessa cadeia como estratégica para a política de desenvolvimento engendrou na criação, pelo BNDES, do Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia Produtiva Farmacêuti -ca (Profarma), com condições especiais para o financiamento das atividades de produção e de P&D das indústrias farmacêutica e farmoquímica.

As empresas farmacêuticas nacionais souberam aproveitar o cresci-mento da demanda e a oportunidade criada a partir dos medicamentos ge-néricos, consolidando-se como importantes atores no mercado nacional. A participação das empresas farmacêuticas nacionais no total das vendas de medicamentos no país aumentou de 34% em 2003 para 57% em 2013; em valores nominais, as vendas dos laboratórios nacionais aumentaram de R$ 5 bilhões para R$ 33 bilhões, um crescimento médio anual de 21% nesse período [Sindusfarma (2014)].

No entanto, o expressivo crescimento do mercado farmacêutico domés-tico nos anos 2000 não foi capaz de dinamizar a indústria farmoquímica brasileira. As empresas locais não conseguiram responder ao aumento da demanda, que acabou sendo atendida basicamente por princípios ativos im-portados. A elevada oferta internacional de IFAs de origem asiática, com produtos não exclusivos a preços bastante reduzidos, proporcionou compe-titividade à indústria farmacêutica nacional em relação a custos, mas prati-camente inviabilizou a retomada da produção de princípios ativos no país.

Posicionamento atual da indústria

As três décadas de políticas econômicas contraditórias e a ascensão dos fornecedores asiáticos no mercado internacional fornecem um bom indica-tivo das razões para o baixo dinamismo da indústria farmoquímica nacional, apesar do sucesso da indústria farmacêutica do país.

Conforme se observa no Gráfico 4, o consumo aparente de IFAs no Brasil cresceu 9% ao ano nos últimos dez anos. Entretanto, a demanda foi basi-camente atendida por meio das importações, cuja participação no consumo

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61aparente saiu de 80% no início da década para se estabilizar, mais recente-mente em torno de 90%.

Gráfico 4 | Participação das importações no consumo aparente – 2004-2014 (em US$ milhões)

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Importações/consumo aparenteConsumo aparente

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Fonte: Elaboração própria, com base em Abiquifi (s.d.).* Estimativa: anualizou-se a estatística parcial até setembro.

A fragilidade da indústria brasileira é evidenciada no mais recente estu-do da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que traçou um perfil das empre-sas remanescentes de fármacos existentes no país. Foram identificadas 35 companhias farmoquímicas que produzem princípios ativos por rota tecno-lógica de síntese orgânica, das quais 88% são de capital nacional, com o predomínio das empresas independentes.

Do conjunto identificado, apenas 27% apresentam faturamento anual superior a R$ 30 milhões. O pequeno porte da maior parte das empresas indica a limitada capacidade de realizar investimentos em ativos fixos e desenvolvimento de novos produtos, características essenciais para a am-pliação de competitividade.

Tal estrutura da indústria, associada ao fato de as empresas trabalharem com moléculas que não contam com a proteção de patentes, dificulta um maior esforço inovador dos produtores de princípios ativos. Segundo os dados da Pintec/IBGE de 2011, enquanto a indústria farmacêutica investiu

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62 2,4% da receita de vendas em atividades internas de P&D, a farmoquímica investiu 1,4%.

As principais classes terapêuticas atendidas pelos fármacos produzidos no país são analgésicos, anestésicos, ansiolíticos e relaxantes musculares, antidepressivos e antivirais. No entanto, nas classes de maior crescimento no mercado internacional, em geral associadas às doenças crônicas, a pro-dução brasileira apresenta fragilidades, especialmente no que diz respeito aos fármacos para tratamento oncológico, do sistema nervoso central e do sistema cardiovascular. Também foram identificadas deficiências na pro-dução de antibióticos e de princípios ativos para doenças negligenciadas [Fiocruz (2013)].

Ainda que incapaz de atender à demanda, a produção brasileira de IFAs é majoritariamente destinada à exportação, o que revela o descompasso entre a demanda da indústria farmacêutica local e os insumos produzidos no país (Gráfico 5). A partir de 2009, observa-se um período mais robusto de cres-cimento, com um pico nos anos de 2011 e 2012, tendo em vista a escassez de um produto específico no mercado internacional, a heparina. Além das questões relacionadas à exportação, o aumento da produção doméstica pode ser atribuído a fatores ligados às políticas públicas, abordadas mais adiante.

Gráfico 5 | Produção brasileira de IFAs por destinação – 2005-2013 (em US$ milhões)

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Prod. local para consumo internoExportações

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Fonte: Elaboração própria, com base em Abiquifi (s.d.).

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63Além de exportadora, a indústria farmoquímica apresenta elevada absor-ção de mão de obra qualificada: 36% de seus funcionários têm, no mínimo, ensino superior, enquanto a média da indústria de transformação no Brasil é de 8% [Rais (2013)].

Em resumo, a indústria de fármacos no país encontra-se debilitada, as poucas empresas existentes apresentam fragilidades em relação ao porte, ao baixo grau de inovação e, em alguns casos, à falta de certificação do ór-gão regulador. Esse cenário é preocupante não apenas pelo elevado déficit comercial e a consequente dependência dos preços internacionais, mas também pelo risco de abastecimento em relação a determinados produtos essenciais à saúde.

O fortalecimento desse elo da cadeia farmacêutica é desejável também para a consolidação de uma base tecnológica endógena no país, que permi-ta ampliar a capacidade de inovação em saúde. Uma vez que os fármacos correspondem a um componente crítico de um medicamento, os conheci-mentos envolvidos em sua produção são relevantes também para a inovação em medicamentos.

Políticas públicas recentes

Em geral, as políticas públicas para as indústrias de saúde envolvem cinco principais variáveis: regulação sanitária, regulação econômica, pro-priedade intelectual, poder de compra do Estado e financiamento. Nesta seção, confere-se destaque às questões relacionadas a regulação sanitária, compras públicas e financiamento. O histórico da propriedade intelectual foi abordado brevemente na seção anterior, enquanto a regulação econômi-ca no Brasil, particularmente o controle de preços, concentra seus esforços nos produtos acabados, os medicamentos.

Regulação sanitária

A regulação sanitária no Brasil é um processo relativamente recente, ten-do como um de seus principais marcos a constituição da Anvisa em 1999. Desde então, essa agência vem gradativamente construindo um arcabouço regulatório mais coeso, em particular para a cadeia farmacêutica. Em função dessa trajetória, a definição de regras específicas para a indústria farmoquí-mica – diferente da farmacêutica – ainda está em período de implementação, especialmente em relação ao registro de princípios ativos.

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64 Desde 2005, a indústria farmoquímica brasileira está sujeita à norma de Boas Práticas de Fabricação,9 que estabelece parâmetros para a rastreabi-lidade de processos e qualidade das instalações, além de regras para o uso da água e a gestão de resíduos, por exemplo. Na mesma direção, em 2010 a agência instituiu uma norma10 visando à inspeção de plantas produtivas no exterior cujos princípios ativos são consumidos no país. Entretanto, seu cumprimento requer elevado custo de pessoal por parte da própria Anvisa, já que exige a vistoria in loco [Anvisa (2012)].

Simultaneamente, a agência tem ampliado as exigências de registro de produto, não apenas para os medicamentos, mas também para os insumos farmacêuticos ativos. Inicialmente, a exigência de registro de IFAs ficou restrita a uma lista de vinte produtos, considerados de maior impacto para a saúde pública, como antibióticos e antirretrovirais (tratamento para a AIDS). Em 2013, outros dez produtos foram incluídos, o que indica um processo gradativo de fortalecimento da regulação.11

No Brasil, a equidade nas condições de competição entre produtores lo-cais e estrangeiros na farmoquímica refere-se justamente à submissão aos mesmos requisitos regulatórios. Segundo relatório de inspeção internacional da Anvisa [Anvisa (2012)], 78% das instalações produtivas no exterior que exportam para o Brasil localizam-se na China e na Índia. Das 54 inspeções realizadas entre outubro de 2010 e fevereiro de 2012, trinta obtiveram cer-tificação BPF, enquanto as demais ficaram temporariamente impedidas de exportar para o país.

Além das inspeções próprias, a Anvisa tem estabelecido acordos de coope ração técnica com os órgãos sanitários de outros países. Sem abdicar de sua autonomia, a maior inserção internacional da agência pode acelerar e qualificar o processo de fortalecimento da regulação de IFAs, pois per-mite, por exemplo, a priorização de inspeções em instalações produtivas que apresentaram problemas nas inspeções de outros órgãos reguladores.

Como a inspeção internacional baseia-se nos produtores de princípios ativos efetivamente utilizados pelas empresas para o registro de medicamen-tos, o movimento da agência caminha na direção de uma maior qualificação

9 RDC Anvisa 249 / 2005, alterada pela RDC 69/2014.10 RDC Anvisa 29/2010.11 RDC Anvisa 57/2009, Instrução Normativa Anvisa 15/2009 e Instrução Normativa Anvisa 3/2013.

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65dos fornecedores da indústria farmacêutica instalada no país. O aumento da exigência pode resultar em oportunidade para o desenvolvimento da in-dústria farmoquímica brasileira, caso esta seja capaz de se posicionar com equilíbrio entre as variáveis de qualidade e competitividade.

Poder de compra

Além de seu papel regulador, o Estado é um dos principais agentes do Complexo Industrial da Saúde, pois é responsável por fornecer à popula-ção um conjunto significativo de medicamentos. Entretanto, em virtude de sua descentralização, dados sobre a relevância do Sistema Único de Saú -de (SUS) nas compras não estão facilmente disponíveis: estima-se que o setor público represente 35% do mercado farmacêutico brasileiro, dos quais dois terços são centralizados pelo Ministério da Saúde, ou seja, cerca de R$ 12 bi -lhões ao ano [IMS Health (2014)].

A utilização do poder de compra do Estado para o desenvolvimento indus-trial precisa ser bem fundamentada, considerando a limitação do orçamento público e a necessidade de ampliar o acesso da população a medicamentos, objetivo principal do gestor de saúde. Por outro lado, os medicamentos são produtos cuja continuidade do fornecimento é essencial para que a política de saúde seja bem-sucedida. Por esse motivo, é importante fixar no país competências necessárias para evitar dificuldades com o abastecimento de determinados medicamentos e definir produtos indispensáveis para o correto atendimento de saúde. A política de saúde, sem uma base industrial forte, torna-se vulnerável às flutuações do mercado internacional e ao cenário macroeconômico em que o país está inserido.

O instrumento que mais tem sido utilizado para induzir o fortalecimento da indústria farmoquímica brasileira é a formação de parcerias para o desenvolvi-mento produtivo (PDP).12 As PDPs são parcerias entre laboratórios públicos e empresas privadas, que transferem a tecnologia de produção para o laboratório público em troca da garantia de demanda por um período determinado. Nesse arranjo, um dos critérios basilares é a necessidade de integração produtiva em território nacional. Entre 2009 e 2013, foram assinadas 88 parcerias relacio-nadas a medicamentos, sendo 41 relacionadas à produção de medicamentos com princípios ativos de síntese química, com verticalização.

12 Regulada pela Portaria do Ministério da Saúde 2.531, de 12 de novembro de 2014.

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66 As PDPs têm sido amplamente utilizadas, por exemplo, para induzir a produção local dos antirretrovirais, que compõem um dos mais bem bem-sucedidos programas brasileiros de assistência farmacêutica. Um dos casos mais relevantes é o do Efavirenz, produto que foi objeto de licença compulsória de patente em 2006, em função de seus preços abusivos, e, atualmente, é formulado por Far-Manguinhos (Fiocruz) e pelo Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco (Lafepe). A produção do princípio ativo ficou a cargo de cinco empresas farmoquímicas privadas com planta industrial no Brasil: Cristália, Globe, CYG, Blanver e Nortec.

Outro instrumento é a margem de preferência em licitações: a partir da Lei 12.349/2010, que alterou a lei de licitações brasileira,13 criou-se a pos-sibilidade de priorizar licitantes que comprovem a produção local. Apesar das dificuldades de implementação, considerando o modelo descentralizado brasileiro, um dos critérios para que se apliquem margens de preferência superiores é a utilização de fármacos produzidos no Brasil.14

Financiamento

Desde a criação do BNDES Profarma, em 2004, a instituição atua com condições específicas e moldadas para a indução de investimentos na cadeia farmacêutica. Nesse período, o BNDES Profarma vem desempenhando um papel relevante na trajetória de acumulação das competências produtivas e, mais recentemente, tecnológicas das empresas do Complexo Industrial da Saúde.

Como resultado desse esforço, o BNDES aprovou mais de cem projetos com a indústria farmacêutica, totalizando quase R$ 5 bilhões. Entretanto, também como reflexo do porte da indústria farmoquímica, que representa 1,5% do valor bruto da produção da cadeia farmacêutica brasileira, o fi-nanciamento aos produtores de fármacos representou apenas 2% da car-teira do BNDES para a indústria de saúde, totalizando R$ 92 milhões em seis projetos aprovados nos últimos dez anos. Entre eles, destaca-se a maior produtora independente de fármacos do país, a Nortec Química, que possui participação da BNDESPAR desde 2002.

A despeito do resultado proporcional ao tamanho da indústria, o financia-mento sozinho parece ter reduzido o poder de indução sobre a farmoquímica.

13 Lei n. 8.666/ de 1993.14 Decreto 7.713 / 2011.

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67Nesse período, cogitou-se vincular o financiamento às empresas farmacêuti-cas a metas de verticalização ou aquisição local de IFAs. No entanto, em sua trajetória particular de acumulação de competências, parte significativa da competitividade da indústria farmacêutica brasileira residia na formulação de medicamentos genéricos, com forte concorrência também no produto final. Tal vinculação poderia, assim, inviabilizar projetos farmacêuticos.

Espaços competitivos

A indústria farmoquímica brasileira é pequena proporcionalmente ao ta-manho da indústria e do mercado farmacêutico brasileiro. Trata-se de uma indústria composta por um número limitado de empresas, em sua maioria produtores independentes de pequeno e médio porte. Por isso, nas atuais condições de competitividade do país perante os concorrentes internacionais, o fomento à produção de princípios ativos intensivos em escala, considera-dos mais comoditizados, poderia repetir a ênfase equivocada da estratégia adotada na década de 1980, que não proporcionou competitividade susten-tável à indústria.

A partir desse diagnóstico, este trabalho identificou quatro principais oportunidades de espaços competitivos para a indústria farmoquímica brasileira: (i) a atuação em nichos de mercado; (ii) a atuação em produtos estratégicos para a saúde pública; (iii) a inserção na estratégia da indústria farmacêutica, como conhecimento fundamental para o avanço da inovação; e (iv) a inserção internacional mais relevante.

A atuação em nichos de mercado de maior complexidade regulatória e tecnológica se justifica na medida em que o custo de produção deixa de ser a variável central para a escolha do fornecedor de insumos ativos pela indús-tria farmacêutica, tendo em vista a necessidade de controle rígido dos pro-cessos produtivos e os maiores requisitos de proteção à saúde dos pacientes.

Esses fatores impõem barreiras à entrada que resultam em um núme-ro limitado de produtores no mundo. Por esse motivo, são segmentos com maior presença de empresas farmacêuticas verticalizadas e produtores inde-pendentes qualificados. Entre os principais nichos de mercado, destaca-se o expressivo crescimento dos IFAs de alta potência, particularmente os des-tinados ao tratamento oncológico, além dos hormônios.

Os volumes de produção dos IFAs de alta potência se aproximam dos pro-dutos biotecnológicos em escala de produção. Em razão da elevada potência

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68 terapêutica, o volume produzido desses produtos é usualmente medido em quilos, e não na escala em toneladas utilizada na indústria farmoquímica. Além disso, com um mercado ainda bastante concentrado em produtos sob a proteção de patentes (80%), espera-se um ciclo de oportunidades para a produção de princípios ativos não exclusivos. As elevadas barreiras à entra-da devem impedir uma queda mais significativa no preço desses fármacos após a expiração das patentes.

O principal desafio das empresas farmoquímicas brasileiras (e condição necessária) para a atuação em IFAs de alta potência é a internalização de novas competências tecnológicas, já que a produção exige o domínio de processos mais sofisticados de síntese química. Do ponto de vista produtivo, são ne-cessários investimentos em plantas com grau mais elevado de segurança. Observa-se que existem projetos em andamento nessa direção, como é o caso das farmacêuticas Libbs e Cristália e da farmoquímica independente ITF Chemical [Teixeira (2011); Fontes (2014)].

Além de fatores de mercado e de competitividade, a produção local de alguns princípios ativos pode ser desejável do ponto de vista da sustentabi-lidade do sistema público de saúde. Para esses produtos, os ganhos sociais de manutenção do fornecimento e acesso aos medicamentos podem jus-tificar a produção de princípios ativos especialmente para o atendimento da demanda pública. Exemplos de produtos com essa característica são os antirretrovirais (tratamento para AIDS), aqueles destinados às doenças negligenciadas e ao desenvolvimento e à produção de novos antibióticos [Santos (2014)].

As vantagens de se contar com um grande sistema público de saúde de-vem ser exploradas para a viabilização de projetos estratégicos voltados à saúde. No entanto, a competitividade da indústria não se pode fundamentar apenas no mercado público. É imperativo que a farmoquímica possa melhor aproveitar o crescimento expressivo que a indústria farmacêutica brasileira vem experimentando nos últimos anos, sendo relevante especialmente na incorporação de competências tecnológicas nas empresas farmacêuticas.

A inserção da indústria farmoquímica na estratégia da indústria far-macêutica nacional pode ocorrer com a aplicação cada vez maior do co-nhecimento de química orgânica. A indústria farmacêutica brasileira vem realizando uma trajetória de acumulação de competências com grau crescente de complexidade tecnológica nos últimos anos. Em um primeiro momento, incorporou em suas rotinas o desenvolvimento de medicamentos genéricos,

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69principalmente no que diz respeito a farmacotécnica, realização de ensaios de bioequivalência e a análise de documentos de patente. Em muitos casos, a entrada nesse mercado passou pelo contorno de patentes de processo e de formulação, pois a proteção sobre a molécula é a primeira a entrar em domínio público [Pieroni, Pereira e Machado (2011)].

No momento atual, o desafio da indústria brasileira tem sido o de apro-fundar suas estratégias de diferenciação. Nessa direção, as principais com-panhias têm voltado seus esforços para o desenvolvimento de inovações incrementais, que consistem na combinação ou na associação de princípios ativos não exclusivos para se chegar a um produto que incorpore ganho te-rapêutico. Também são consideradas inovações incrementais mudanças na forma de administração de um medicamento ou alterações em suas propri-edades organolépticas, ou seja, no sabor, textura ou odor dos medicamentos [Gomes et al. (2014)].

Embora mais relacionados à área farmacêutica, esses novos produtos en-volvem também o conhecimento sobre os IFAs utilizados. As características de solubilidade e afinidade química das substâncias ativas utilizadas deli-mitam as possíveis rotas de inovação incremental farmacêutica. Da mesma forma, o conhecimento em química orgânica permite filtrar (e descartar, quando for o caso) as possíveis associações entre diferentes princípios ati-vos ou a inserção de novos adjuvantes, o que permite maior assertividade nas pesquisas. Assim, mesmo nas empresas exclusivamente farmacêuticas, já é possível encontrar nas equipes de P&D profissionais dedicados ao es-tudo dos princípios ativos utilizados.

Considerando um cenário desejável em que as empresas farmacêuticas brasileiras conduzam processos de P&D de inovações radicais, em busca de novos princípios ativos, esses passam a ser desenvolvidos e conduzidos ao longo do desenvolvimento pelas empresas que lideram a indústria far-macêutica. Ao longo do processo de P&D, deve-se avaliar a utilização da nova molécula em diversas formas farmacêuticas a partir de suas caracte-rísticas técnicas.

Da mesma forma, o desenvolvimento do processo produtivo de um novo IFA é necessário para a viabilidade econômica do projeto e deve es-tar em estágio adiantado quando forem necessários os lotes-piloto para a realização dos ensaios pré-clínicos (em animais) e clínicos (em humanos). As empresas líderes desenvolvem internamente ou em conjunto com uma farmoquímica, o chamado Chemistry Manufacturing Controls (CMC), que

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70 tem por objetivos garantir que o processo produtivo atenda aos padrões de qualidade e determinar o processo de escalonamento.

Em relação ao mercado internacional, o endurecimento da fiscalização sanitária e ambiental dos países desenvolvidos sobre as atividades produti-vas da indústria asiática, pode alterar a relação entre custo e qualidade em determinados produtos, criando oportunidades para que novos entrantes possam competir no mercado.

Nesse caso, a indústria brasileira poderia surgir como alternativa de pro-dução internacional em determinados produtos, tendo em vista o crescimento de seu mercado e a percepção positiva sobre a atuação da regulação sani-tária e da proteção aos direitos de propriedade industrial no país. O Brasil poderia considerar as estratégias de países como Taiwan e Coreia do Sul, que apresentam indústrias farmoquímicas de menor escala e elevada repu-tação em cumprimento aos requisitos ambientais, qualidade e segurança das principais autoridades reguladoras do mundo [CPA (2013)].

Em um cenário de redução de competitividade de Índia e China, algu-mas variáveis macroeconômicas tornam-se relevantes, tanto para ampliar a competitividade internacional quanto para incentivar o deslocamento da demanda farmacêutica brasileira para a produção local de IFAs. Em ambos os casos, uma desvalorização cambial mais expressiva, por exemplo, con-tribuiria para alterar os termos de troca e tornar mais competitiva a produ-ção de princípios ativos no Brasil para o consumo interno, além de gerar condições mais favoráveis para exportação.

Por fim, com a descoberta e o desenvolvimento das reservas de petróleo da camada pré-sal, estima-se que o país venha a se tornar superavitário em energia e combustíveis. Para incentivar o desenvolvimento de uma indústria química competitiva que impulsione toda uma cadeia “para frente”, a União poderia ofertar matérias-primas dos intermediários de síntese, precur sores dos IFAs, a preços competitivos e com garantia de disponibilidade, pelo prazo necessário à maturação dos investimentos. Entretanto, há elevado grau de incerteza política e econômica quanto a essa definição [Bain & Company e Gas Energy (2014)].

Propostas de políticas públicas

Conforme se abordou ao longo deste trabalho, a regulação sanitária parece ser o elemento central para a competitividade da indústria farmoquímica. A

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71aplicação de seus normativos pressupõe exigência mínima de capital para a construção de instalações industriais e sua operação, a partir dos processos de rastreabilidade e do controle de qualidade da produção. Por ser de com-petência de cada país – embora constitua objeto de cooperação internaci-onal –, resulta em um dos campos mais férteis para o debate em torno do desenvolvimento industrial e da proteção à saúde da população.

Entre as principais políticas regulatórias, estão a exigência de registro de princípios ativos no país e a inspeção de unidades industriais no exte-rior. Atualmente restrita a trinta produtos, a regra pode ser paulatinamente ampliada para contemplar um rol maior de produtos e classes terapêuticas, principalmente aqueles voltados para os IFAs de alta potência para doen-ças crônicas. A necessidade de registro limitaria a troca indiscriminada de fornecedores pela indústria farmacêutica local, contribuindo para reduzir o desequilíbrio na relação de forças entre os elos da cadeia produtiva, ao mesmo tempo em que estimularia o desenvolvimento e a produção interna desses produtos.

A inspeção de unidades industriais no exterior diz respeito à obrigatorie-dade da autoridade sanitária local em fiscalizar os fabricantes estrangeiros, submetendo-os às mesmas regras vigentes para o produtor local. A Anvisa tem autonomia para fiscalizar qualquer unidade produtiva no exterior que seja fornecedora de um medicamento com registro no Brasil, o que traz iso-nomia competitiva aos produtores locais em relação ao produtor estrangeiro. A agência vem se esforçando para cumprir a regra, mas esbarra na pouca disponibilidade de pessoal. O desejável aumento de quantitativo pode tornar a fiscalização mais efetiva e contribuir para a construção e para a produção interna dos princípios ativos.

Por sua vez, as políticas de compras públicas do sistema de saúde devem ser direcionadas especialmente aos produtos de nicho tecnológico (IFAs de alta potência, oncológicos e hormônios), que estão alinhados com as transi-ções demográfica e epidemiológica brasileiras. A conjunção da necessidade de registro do princípio ativo, em conjunto com a sinalização do poder de compra do Estado, pode induzir investimentos nessas áreas por parte dos produtores independentes brasileiros ou, até mesmo, a verticalização desses insumos pelas empresas farmacêuticas.

Em um contexto de priorização da lista de produtos estratégicos do SUS, o foco nos medicamentos de nicho e naqueles mais sensíveis do ponto de

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72 vista da vulnerabilidade do SUS – como medicamentos antirretrovirais, antibióticos e de doenças negligenciadas – parecem conjugar relevantes características sociais e de desenvolvimento tecnológico para justificar o uso do instrumento pelo Estado brasileiro.

Por fim, o financiamento deve contribuir para aprofundar as trajetórias de inovação nas empresas farmacêuticas e farmoquímicas brasileiras. O apoio crítico aos planos estruturados de inovação das empresas, que inclui toda a equipe de P&D envolvida, pode direcioná-los aos produtos de mai-or densidade tecnológica. Além disso, o financiamento a custos acessíveis pode viabilizar projetos de produção dos IFAs de alta potência e de outros princípios ativos de nicho, contribuindo para transformar a estrutura indus-trial brasileira na direção de produtos de maior valor agregado.

Por esses motivos, deve-se manter a equidade das condições financeiras destinadas a toda a cadeia farmacêutica por meio do BNDES Profarma. Para o desenvolvimento de novos princípios ativos, em que estejam presentes desenvolvimento de competências tecnológicas não existentes e importante impacto social para a saúde pública, o BNDES deve utilizar instrumentos que reduzam o risco financeiro, inclusive recursos não reembolsáveis.

Considerações finais

A indústria farmoquímica é o principal insumo da indústria farmacêutica e, por isso, fortemente dependente de sua dinâmica. A perspectiva de de-manda futura da farmacêutica, em conjunto com o contexto regulatório, são os elementos centrais que afetam a decisão de investimento dos produtores de princípios ativos.

Assim como ocorre em outros segmentos de bens intermediários, os paí-ses asiáticos se tornaram a grande fábrica de princípios ativos vendidos no mundo. Na farmoquímica em particular, os mercados internacionais foram dominados por produtores chineses e indianos, com uma combinação entre custo competitivo e regulação sanitária e ambiental leniente das autoridades regulatórias internacionais.

Nesse contexto, a indústria brasileira foi particularmente afetada por uma combinação de fatores externos e internos. Nos anos 1990, enquanto os paí-ses asiáticos empreendiam políticas industriais ativas, o Brasil passava por um processo de desconstrução do arcabouço de substituição de importações utilizado nas décadas anteriores.

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73A história da farmoquímica brasileira mostra também a inadequação dos instrumentos de proteção focados exclusivamente no impacto econômico de determinados produtos na balança comercial. Essas políticas desconsideram o deslocamento da fronteira tecnológica, o acirramento da concorrência em torno dos produtos tradicionais e mesmo sua própria temporalidade.

Assim, neste trabalho identificaram-se oportunidades para a inserção da indústria farmoquímica brasileira, que podem ser organizadas em quatro ei-xos: nichos tecnológicos, produtos estratégicos para a sustentabilidade do SUS, contribuição para a inovação farmacêutica e competitividade inter-nacional. Essas quatro oportunidades podem ser endereçadas por meio de três principais instrumentos de políticas públicas, sumarizados na Figura 1.

A relação virtuosa entre as três políticas públicas voltadas às oportuni-dades identificadas pode recolocar a indústria farmoquímica brasileira em uma posição relevante na trajetória de evolução da cadeia farmacêutica bra-sileira. Uma indústria farmoquímica direcionada para princípios ativos de menor escala e maior valor agregado, com um posicionamento competitivo no que diz respeito a uma relação entre custo e qualidade equilibrada, além de reconhecida pelas principais agências reguladoras, parece ser o caminho desejável a ser construído no país.

Figura 1 | Oportunidades e políticas públicas para a indústria farmoquímica

Oportunidades Políticas públicas

Regulação Compras públicas Financiamento

Inovação farmacêutica

Nichos tecnológicos

Sustentabilidade do SUS

Competitividade internacional

Fonte: Elaboração própria.

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Mobilidade Urbana

BNDES Setorial 41, p. 79-134

Demanda por investimentos em mobilidade urbanano Brasil

Rodolfo Torres dos SantosAnie Gracie Noda Amicci Carlos Henrique Reis MalburgFilipe de Oliveira Souza Allan Amaral Paes de Mesentier Julia Febraro Franca Gomes da Silva Gumersindo Sueiro Lopez Junior Carlos Frederico Siqueira de Azevedo*

ResumoNas últimas décadas, o Brasil se consolidou como um país urbano e me-tropolitano. Os investimentos em infraestrutura de transporte público não acompanharam a urbanização. Assim, hoje as cidades brasileiras vêm en-frentando problemas crescentes de poluição, congestionamentos e aciden-tes de trânsito, além de a qualidade do transporte público ser insatisfatória. Este artigo, para além de expor um breve diagnóstico do setor, apresenta uma metodologia (e seus primeiros resultados) para se estimar o déficit de infraestrutura de transporte público de alta e média capacidade, bem como a consequente necessidade de investimentos em mobilidade urbana. Por fim, sugere-se uma agenda para dar tratamento a essa demanda de investimentos, analisando seus aspectos econômicos e financeiros.

* Respectivamente, chefe de departamento, gerentes, arquiteto, economista e estagiária de economia do Departamento de Mobilidade e Desenvolvimento Urbano da Área de Infraestrutura Social do BNDES; e coordenador de serviço e técnico administrativo do Departamento de Avaliação, Inovação e Conheci -men to da Área de Planejamento do BNDES. Os autores agradecem as contribuições e a disponibili-dade de Willian Alberto de Aquino Pereira, da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), em ajudar nas diferentes etapas deste trabalho. Considerando as inúmeras limitações deste estudo, os eventuais equívocos são de responsabilidade dos autores.

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80 Contextualização: mobilidade urbana e urbanização brasileira

Nas últimas décadas, o Brasil se consolidou como um país urbano e me-tropolitano. Atualmente, 84% da população brasileira vivem em cidades, sendo que 47% nas regiões metropolitanas (21% em cidades com mais de um milhão de habitantes) [IBGE (2010)]. Em consequência, as questões re-lativas ao funcionamento das cidades, com seus problemas e desafios, têm ganhado cada vez mais centralidade no debate sobre as políticas públicas voltadas ao desenvolvimento.

As grandes e médias cidades brasileiras enfrentam problemas crescen-tes de poluição, acidentes de trânsito e congestionamentos, levando grande parte da população a considerar insatisfatória a qualidade dos sistemas de transportes [Ipea (2011)]. A expansão da renda e do emprego aumenta a demanda da população por mobilidade e sua taxa de motorização.1 Além disso, o número de veículos, principalmente carros e motos, vem crescendo, impulsionado por estímulos fiscais, crédito favorecido e subsídios aos com-bustíveis, o que agrava ainda mais esses problemas.

Entre as diversas causas apontadas para essas deseconomias, é possível citar: o processo de urbanização extremamente acelerado nas décadas de 1960, 1970 e 1980; a falta de planejamento urbano integrado ao planejamento dos transportes; a opção rodoviária da matriz de transporte de passageiros; e a insuficiência de investimentos em infraestrutura. O planejamento urba-no, tradicionalmente, deve contemplar políticas de habitação, saneamento e transporte público, de forma a orientar os investimentos do Estado, favo-recendo o uso e a ocupação racionais do solo urbano, e permitir o desen-volvimento de cidades mais produtivas e eficientes.

A mobilidade urbana é reflexo direto das opções e prioridades do gestor público, tendo por base um planejamento urbano consistente, consubstanci-ado nos investimentos em infraestrutura de transporte público, em especial nos meios de transporte de alta e média capacidades. Por isso, não é pos-sível enfrentar a agenda da mobilidade urbana sem entendê-la sob duas perspectivas. A primeira está ligada à capacidade de se ampliar a oferta de infraestrutura, de modo a expandir a rede de transportes públicos, garantindo

1 Segundo Castelar, Fontes e Azevedo (2014), a taxa de motorização das regiões metropolitanas brasileiras cresceu de 20,7 veículos para cada cem habitantes em 2001 para 33,8 veículos para cada cem habitantes em 2012.

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81eficiência energética e ambiental, usando tecnologias adequadas ao volume e às características da demanda a ser atendida, com qualidade na prestação de serviço e respeito ao princípio da modicidade tarifária. A segunda con-siste em repensar as cidades, tornando-as mais compactas, estimulando a ocupação mista do espaço urbano, tanto no que se refere às atividades quan-to na mescla de estratos sociais, e investindo na requalificação urbana das áreas já dotadas de infraestrutura. Tudo isso a fim de reduzir a necessidade de deslocamentos, os horários de vale e as sazonalidades.

Com relação à capacidade de planejamento, a experiência das regiões metropolitanas brasileiras não é muito satisfatória. A legislação que institui as regiões metropolitanas é de 1973, e apenas São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre foram capazes de constituir institutos ou empresas de planejamento urbano regional [Vasconcelos (2012)]. Os instrumentos de planejamento ur-bano são relativamente recentes, o que os torna tardios em relação à própria urbanização. Embora a Constituição de 1988 estabeleça que cabe às cidades brasileiras elaborar seus planos diretores, com o objetivo de orientar o uso e a ocupação do solo, muitas ainda não conseguiram fazê-lo ou implementar seus planos. O Estatuto da Cidade, aprovado em 2001, que avança na regu-lamentação dos diversos instrumentos de gestão do espaço urbano, ainda é pouco utilizado. Vários municípios importantes ainda não regulamentaram alguns desses instrumentos, como os Estudos de Impacto de Vizinhança. Só recentemente, com a Lei da Mobilidade Urbana, é que passou a ser obriga-tória para municípios com mais de 20 mil habitantes a elaboração de planos de mobilidade urbana. Desse modo, os gestores deparam com regiões me-tropolitanas já consolidadas e com um tecido urbano complexo e de difícil governança, o que limita a intervenção do poder público.

Os investimentos em infraestrutura de transporte de passageiros não foram contínuos ao longo das décadas nem acompanharam o crescimento das cidades. Na década de 1970 até o início da década de 1980, houve in-vestimentos na implantação dos sistemas metroviários de São Paulo e Rio de Janeiro. Com a crise fiscal pela qual o Estado brasileiro passou nas déca-das de 1980 e 1990, os investimentos públicos diminuíram e, consequente-mente, os investimentos em infraestrutura também foram reduzidos, o que resultou em pouca expansão dos sistemas metroviários e na degradação de parte da rede ferroviária de passageiros em São Paulo e no Rio de Janeiro. No fim dos anos 1990 e nos anos 2000, têm início as primeiras concessões

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82 e a retomada de investimentos públicos no setor com investimentos na re-qualificação da malha ferroviária de passageiros, o que, inclusive, está em curso até hoje (CPTM e SuperVia). Ainda na década de 1990, realizou-se a maior parte dos investimentos do sistema metroferroviário no Distrito Fe-deral, o qual, embora tenha contado com o apoio do governo federal, sofreu atrasos e só entrou em operação em 2001.

Gráfico 1 | Incremento da malha ferroviária (São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Salvador)

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Distrito Federal SalvadorRio de JaneiroSão Paulo

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Fontes: Metrô São Paulo, Metrô Rio de Janeiro, Metrô do Distrito Federal e Metrô da Bahia.* Trata-se de uma estimativa para o período.

Na década passada, a prioridade dos investimentos foi centrada, ini-cialmente, em saneamento e habitação, setores que receberam recursos do Orçamento Geral da União (OGU) e descontingenciamento de crédito (autori zação de endividamento concedida pelo Conselho Monetário Nacio-nal) para estados e municípios. Já o transporte urbano de passageiros voltou para a agenda federal após a escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. A partir de então, vieram os PAC Cidades-Sede da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, PAC Mobilidade Grandes Cidades e PAC Mobilidade Médias Cidades, cuja efetividade ficou comprometida em razão da quase inexistência de estudos e projetos consis-tentes e maduros para serem apoiados.

Nos últimos anos, somando-se o esforço de alguns estados, especial-mente São Paulo e Rio de Janeiro, à estruturação das primeiras Parcerias

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83Público-Privadas no setor de transporte e o aumento das dotações do PAC realizadas pela União,2 inaugura-se um novo cenário de investimentos no setor de mobilidade. Hoje, a perspectiva de investimentos no setor de mo-bilidade urbana para o período 2015-2018 é da ordem de R$ 50 bilhões [Perspectivas (2014)].

Embora haja crescente participação privada por meio das concessões e das PPPs, a maior parcela dos recursos é pública. No entanto, dada a fragi-lidade fiscal e financeira dos estados e municípios para fazer frente a esses investimentos, será indispensável a participação da União com recursos orçamentários e viabilizando a prestação de garantias aos financiamentos. Além disso, é importante destacar que a principal dificuldade para realizar os investimentos em mobilidade urbana está na carência de estudos e pro-jetos de qualidade, como se verificou por ocasião das chamadas de projeto realizadas nos PACs Mobilidade.

Por fim, é preciso compreender a centralidade das cidades e, conse-quentemente, da mobilidade urbana na agenda de desenvolvimento do século XXI. A concorrência por investimentos em centros de tecnologia e serviços de alto valor agregado passa pela capacidade das cidades em ofer-tarem infraestrutura urbana de qualidade (energia, telecomunicações e mo-bilidade). Assim, dar eficiência às cidades não é só melhorar a qualidade de vida de seus cidadãos, mas também viabilizar infraestruturas de melhor qualidade para os setores econômicos que têm suas atividades vinculadas à vida urbana, como os centros de alta tecnologia e o setor de serviços, ge-rando externalidades positivas e ganhos de produtividade.

O déficit de infraestrutura e a demanda por investimentos em mobilidade urbana

Para poder avançar com os investimentos em mobilidade urbana e me-lhorar a capacidade de planejamento e as políticas públicas para o setor, é preciso melhorar o diagnóstico do déficit de infraestrutura de transportes de alta e média capacidade, o que significa responder às seguintes perguntas:

i) Qual é a necessidade de infraestrutura de mobilidade urbana do Brasil?

ii) Qual é a demanda por investimentos derivada desse défi cit?

2 Em especial, após as manifestações de junho 2013, cuja pauta principal foi a qualidade e o custo do transporte público.

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84 iii) Como essa demanda se distribui pelas regiões metropolitanas e pelos modos de transporte?

Sem um diagnóstico adequado, não é possível estabelecer uma agenda propositiva para se enfrentar o problema da mobilidade nas grandes regiões metropolitanas brasileiras. Sem uma ordem de grandeza dos recursos neces-sários e sem um cronograma viável e confiável, a indústria não realizará investimentos em produção e na estruturação de sua cadeia de fornecedores. Sem conhecer a necessidade de investimentos por regiões metropolitanas, não se consegue ter a real dimensão dos entraves fiscais, uma vez que o quadro de endividamento varia muito entre os estados brasileiros.

O objetivo deste trabalho é buscar responder a essas perguntas. O ca-minho previsível teria sido procurar essas informações nos órgãos respon-sáveis pelo planejamento local dos transportes. Acontece que, à exceção de algumas poucas metrópoles com tradição no setor, essas informações não existiam ou estavam desatualizadas. Isso é compreensível, já que não se improvisam projetos de transporte. Para se chegar ao projeto, é preciso passar por diversas etapas, quais sejam: elaboração de estudos de demanda e de um plano diretor de transporte compatível com o de desenvolvimento urbano, estudos de viabilidade técnica e econômica, priorização, projeto básico, licenciamento, busca de recursos, enfim, etapas que não se podem queimar e que demandam tempo, além de recursos financeiros e humanos. Assim, o gestor público não incorrerá nesses gastos sem ter alguma pers-pectiva de que poderá viabilizar os projetos.

Diante disso, buscou-se um caminho alternativo, extrapolando o pa-drão de atendimento vigente nas principais cidades brasileiras, utilizando informações existentes e produzindo outras, de forma a gerar uma base de dados suficiente para definir a ordem de grandeza dos investimentos em infraestrutura e material rodante, tendo em vista apenas os modos de média e alta capacidade. Espera-se, assim, contribuir para o aperfeiçoamento dos instrumentos de planejamento existentes e para a estruturação de mais um bloco de investimentos no setor.

O desafio de se estimar o déficit de infraestrutura de mobilidade urbana

Diferente de outros setores como energia elétrica, saneamento e habita-ção, que contam com estimativas para seus déficits de infraestrutura, não

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85há, para a mobilidade urbana, uma estimativa desse tipo. Isso se deve à falta de bases de dados apropriadas sobre a oferta existente de infraestrutura de transportes3 e à dificuldade de se estabelecer, de forma clara, o hiato entre a infraestrutura necessária ou satisfatória e a oferta existente.

No setor de energia elétrica, por exemplo, sabe-se que a demanda por quilowatts/hora guarda correlação com a atividade econômica. Com isso, ao se projetar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), é possível estimar a demanda futura por energia elétrica. E, uma vez conhecida a oferta de energia elétrica – informação produzida pelo próprio operador na-cional do sistema –, pode-se facilmente projetar o déficit de quilowatts/hora, chegando-se à necessidade de investimentos em usinas hidroelétricas, ter-moelétricas, eólicas e outras fontes de energia.

Outro exemplo são os déficits educacionais e de saúde. Existem boas bases de dados para esses setores (censos escolares e o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde – Datasus), de maneira que são conhecidas a oferta de vagas e de leitos e a forma como se distribuem pelo território. Pelos censos, tem-se acesso a informações como população, seu perfil etário e sua distribuição regional, e é possível, sem grandes dificuldades e com algumas projeções demográficas, calcular a necessidade de leitos hospitalares e de vagas na rede de ensino ao longo do tempo.

Por último, cita-se o exemplo do saneamento, que também é uma infraestrutura urbana. Constam, nos questionários do Censo e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) informações relativas às liga-ções de água e esgoto dos domicílios brasileiros, o que nos permite saber as condições de saneamento domiciliar por município de maneira muito precisa. Dessa forma, é possível contabilizar a cobertura necessária para a universalização e dimensionar o investimento em função do padrão de con-sumo por cada faixa de renda. Assim, também é possível estimar o déficit de infraestrutura de saneamento básico, por modalidade (água ou esgoto), e localizá-lo por região do país.

No caso da mobilidade urbana, o quadro é completamente diferen-te. A única informação que o Censo oferece sobre o tema é o tempo de

3 Embora haja um importante esforço da ANTP e de outras entidades do setor para realizar periodicamente levantamento de informações sobre as condições da mobilidade urbana no Brasil, as informações sobre as redes de transporte de passageiros no Brasil ainda são muito limitadas. Não há uma base de dados pública que indique a extensão das malhas metroferroviárias, seu estado e a forma como se distribuem por trechos e linhas, de modo que se possa analisar em detalhes a evolução dessas redes ao longo do tempo.

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86 deslocamento no percurso casa-trabalho.4 Essa informação, embora seja um bom indicador para se diagnosticarem as regiões mais críticas, não consegue ser uma boa referência para se detectar a carência de infraestrutura, justa-mente porque o tempo de deslocamento está diretamente correlacionado com a distância e o tipo de infraestrutura de transporte existente.

Isso também se deve às características do transporte urbano como pres-tação de serviço, que apresenta grande elasticidade da demanda em razão das diversas barreiras intrínsecas da atividade, como custo, tempo, descon-forto etc. Por se tratar de uma atividade-meio, as pessoas desejam despender o mínimo de tempo possível no transporte, para ter mais tempo para suas atividades-fim. As pessoas reagem de forma diferente na hora de decidir qual meio de transporte usar, e a escolha da infraestrutura a ser construída depende da combinação desse conjunto de decisões. Predizer essas decisões não é tarefa trivial, pois leva em conta aspectos da relação de eficiência e custo dos diversos meios de transporte e os desejos de cada indivíduo.

Os órgãos de planejamento local elaboram os planos diretores de trans-portes urbanos a partir de pesquisas de desejo de viagens que servirão de insumo para os estudos de demanda. Esses estudos, de forma integrada com o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, dão respaldo às priorizações de investimento e aos estudos de viabilidade técnica e econômica, possibili-tando a comparação de alternativas e a tomada de decisões de investimento. É nesse momento que devem ser elaborados os projetos básicos, definidos os orçamentos e cronogramas, e projetada a necessidade de investimentos. No entanto, a inexistência dessas informações dificulta a análise macros-setorial e impede que se determine a demanda por investimentos no setor.

Por essa razão, foi necessário desenvolver uma metodologia própria para o tratamento da questão. O princípio que norteou o estudo é o de que a capa-cidade do transporte deve ser proporcional à densidade populacional da área atendida. O estudo utilizou como base dados demográficos e territoriais no nível do setor censitário, o que se revelou um instrumento bastante adequado para se analisar o tecido urbano das regiões metropolitanas. Seguindo crité-rios de adensamento e informações sobre a dimensão das áreas territoriais dos setores censitários, projetou-se a infraestrutura necessária. Em paralelo,

4 Mihessen e Machado (2013) e Mihessen e Pero (2012) utilizam as informações de tempo de desloca-mento casa-trabalho para apresentar as condições de mobilidade urbana para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

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87levantaram-se as informações relativas à infraestrutura existente e aos in-vestimentos em curso, tornando-se possível, dessa forma, estabelecer-se o hiato entre necessidade e oferta/investimento e, assim, estimar o déficit de infraestrutura de transporte público.

Este trabalho não se propõe a dar um tratamento definitivo à questão. Trata-se apenas de uma tentativa de construção de uma metodologia capaz de estimar, com abrangência nacional, a demanda por transporte urbano de passageiros. Contém inúmeras simplificações e limitações que serão apre-sentadas ao longo do texto. Também é uma tentativa de se construir uma análise macrossetorial que, embora não substitua o planejamento metropo-litano nem os planos diretores de transporte urbano realizados localmente, sirva de referência para o planejamento de investimentos, na ausência de outros instrumentos.

Metodologia

A metodologia aplicada pode ser resumida em três etapas. Primeiro, calculou-se a necessidade de infraestrutura de mobilidade urbana para um grupo de 15 regiões metropolitanas. Em seguida, foram subtraídos a infraestrutura existente e os investimentos em curso, chegando-se ao déficit em infraestrutura, estimado em quilômetros e distribuído por meio de trans-porte e por região metropolitana. Por fim, aplicou-se uma matriz de custos ao déficit encontrado e foi possível estimar a necessidade ou demanda por investimentos em infraestrutura de mobilidade.

Etapa I: estimando a necessidade de infraestrutura de mobilidade urbana

Considerações iniciais sobre as regiões metropolitanas brasileiras

A fim de tornar a análise abrangente e ao mesmo tempo exequível, optou-se por um recorte territorial que se concentra nas grandes cidades do Brasil. As regiões analisadas correspondem ao grupo das 15 maiores regiões metropolitanas brasileiras:5 São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Distrito Federal,6 Fortaleza, Recife, Salvador, Curitiba, Goiânia, Campinas, Manaus, Belém, Grande Vitória e Baixada Santista.

5 O critério utilizado para classifi car as regiões metropolitanas foi a população residente urbana, e a composição das regiões metropolitanas é a mesma adotada pelo IBGE no Censo de 2010.6 O Distrito Federal é uma Região Integrada de Desenvolvimento e Entorno (RIDE), por compreender municípios de mais de uma unidade da federação.

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88 Quadro 1 | Regiões metropolitanas e população

Regiões metropolitanas População (hab.)

São Paulo 19.683.975

Rio de Janeiro 11.835.708

Belo Horizonte 5.414.701

Porto Alegre 3.958.985

Distrito Federal 3.717.728

Recife 3.690.547

Fortaleza 3.615.767

Salvador 3.573.973

Curitiba 3.174.201

Campinas 2.797.137

Goiânia 2.173.141

Manaus 2.106.322

Belém 2.101.883

Grande Vitória 1.687.704

Baixada Santista 1.664.136

Total 71.195.908

Fonte: IBGE (2010).

Esse grupo de regiões metropolitanas representa 44% da população ur-bana e 80% da população metropolitana do Brasil. Do ponto de vista do tamanho dos municípios, essa amostra responde pela quase totalidade das cidades brasileiras com mais de um milhão de habitantes (a única exce-ção é São Luís – MA), 38% da população dos municípios brasileiros entre 1,5 milhão de habitantes e 48% da população dos municípios brasileiros entre quinhentos mil e duzentos mil habitantes.

Quando observada essa amostra em relação às demais regiões metropo-litanas e cidades brasileiras, percebe-se que a maior parte dos problemas de deslocamento, que prejudicam a qualidade da mobilidade nas cidades brasi-leiras, está concentrada nessas 15 regiões metropolitanas. Por exemplo, en-quanto o tempo médio de deslocamento nesse grupo no trecho casa-trabalho é de 43 minutos (chegando a aproximadamente cinquenta minutos em São

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89Paulo e no Rio de Janeiro), nas demais regiões metropolitanas é de 27 mi-nutos e, no restante do Brasil, de 23 minutos no trecho casa-trabalho.

Gráfico 2 | Perfil da amostra – população por tamanho do município

-

10

20

30

40

50

Brasil (sem RMs)Regiões metropolitanas (sem 15 RMs)15 regiões metropolitanas

Municípios de500 mil a 200 mil habitantes

Municípios de 1 milhão a 500 mil habitantes

Municípios com mais de 1 milhão habitantes

Mil

es d

e h

ab

ita

nte

s

População

Fonte: IBGE (2010).

Gráfico 3 | Tempo médio gasto no deslocamento casa-trabalho

20

30

25

40

35

45

30 min (referência)Média BrasilMédia RM

Brasil (sem RMs)Demais regiões metropolitanas15 regiões metropolitanas

Min

uto

s

Fonte: IBGE (2010).

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90 Gráfico 4 | Tempo médio gasto no deslocamento casa-trabalho

20

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55

45

35

25

Média BrasilMédia RMMédia 15 RM

Campinas

Porto Alegre

Goiânia

Fortaleza

Baixada Santista

Belém

Curitiba

Grande Vitória

Manaus

Recife

Distrito Federal

Belo Horizonte

Salvador

Rio de Janeiro

São Paulo

Minutos

Fonte: IBGE (2010).

Outro indicador importante é o percentual de pessoas que levam mais de duas horas no deslocamento casa-trabalho. Esse grupo concentra 71% de des-locamentos desse tipo, enquanto as demais regiões metropolitanas, apenas 4%, e o restante do Brasil, 25%. Nesse último caso, trata-se, em sua maioria, de deslocamentos rurais que são atendidos por transporte de cunho regional ou intermunicipal, não abrangidos neste estudo.

Portanto, acredita-se que esse grupo de 15 RMs seja representativo da crise de mobilidade urbana que o Brasil atravessa, em especial a parcela do problema que deve ser enfrentada com investimentos em equipamen tos de transporte de alta e média capacidade, como metrôs, trens, veículos leves sobre trilhos (VLT), monotrilhos e bus rapid transit (BRT).

Por fim, a evolução demográfica brasileira indica uma estabilização do crescimento populacional dessas grandes regiões metropolitanas. Se, nos anos 1960, 1970 e 1980, essas regiões metropolitanas apresentaram grande crescimento, resultado da urbanização acelerada, vinculada ao processo de industrialização e dos grandes fluxos migratórios, hoje a realidade é outra, e essas regiões metropolitanas vêm apresentando um crescimento abaixo da

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91média nacional.7 Segundo UN-Habitat (2013), a expectativa de crescimento populacional para a próxima década para esse grupo de regiões metropoli-tanas é de apenas 0,1% ao ano.

Gráfico 5 | Distribuição do tempo gasto no deslocamento casa-trabalho (em %, por grupo)

0

20

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60

80

100

Brasil (sem RMs)Regiões metropolitanas (sem 15 RMs)15 regiões metropolitanas

Mais 2h1h a 2h 30 a 60 min 5 a 30 min0 a 5 min

Fonte: IBGE (2010).

Isso significa que a necessidade de infraestrutura urbana não deve cres-cer significativamente para além das necessidades atuais.8 Portanto, mesmo sendo os investimentos em equipamentos de transporte de alta e média ca-pacidade de longa maturação (uma linha de metrô leva aproxima damente dez anos entre a decisão de construí-la e sua efetiva operação), no plano macrossetorial pode-se supor que o déficit de hoje será o déficit de amanhã

7 Hoje, o crescimento populacional brasileiro é liderado pelas cidades médias. Isso signifi ca que, em breve, os problemas associados à mobilidade irão aparecer nessas cidades. Essa perspectiva precisa ser enfrentada desde já. Contudo, as políticas públicas para essas cidades se situam, ainda, no planeja-mento e na regulação do uso e ocupação do solo através dos planos diretores e de outros instrumentos. Nesse sentido, a Lei 12.587, de 3 de janeiro de 2012, que institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana e obriga os municípios com mais de 20 mil habitantes a elaborarem Planos de Mobilidade Urbana, precisa ser seguida por essas cidades. Os investimentos em mobilidade nessas cidades ainda são, em sua maioria, relativamente baixos, limitando-se a obras viárias, corredores de ônibus e terminais rodoviários.8 Isso só será verdade no caso de se caminhar para o adensamento das cidades, e não para seu es-praiamento; mesmo que as regiões metropolitanas parem de crescer, se não houver políticas de uso e ocupação do solo no sentido de compactar as cidades, a necessidade de infraestrutura aumentará e terá custos por habitante crescentes.

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92 (ou da próxima década), sem que haja necessidade de incorporar a proje-ção do crescimento populacional ao cálculo da demanda por infraestrutura.

Estimando a necessidade de infraestrutura de mobilidade urbana – etapa quantitativa

O sistema de transportes de uma cidade é composto por diversas soluções tecnológicas escolhidas de acordo com as características sociourbanísticas locais. Dessa forma, conclui-se que não há um modo de transporte superior aos demais; o que existe é o modo mais adequado para cada situação. Dado o objetivo deste trabalho, optou-se por organizar, de forma simplificada, as tecnologias de acordo com sua capacidade de carregamento (alta, média-alta, média e baixa) e alcance territorial (metropolitano, área conurbada ou local),9 conforme o Quadro 2. Neste trabalho, foram estimados apenas os modos de alta e média capacidade (marcados em cinza), pois representam a maior parte dos investimentos em virtude de sua complexidade e da necessidade de capital e de planejamento.

Os meios de transporte guardam relação entre adensamento e capacida-de, bem como entre a distância percorrida (o seu alcance) e a distância entre estações. Ou seja, à medida que aumenta a distância percorrida (alcance), aumenta o intervalo entre as estações, pois a área atendida torna-se mais rarefeita, ao contrário das áreas centrais mais adensadas. Por isso, o cami-nho utilizado para se estimar a necessidade de infraestrutura de mobilidade urbana foi o da densidade populacional, um indicador que sintetiza duas informações: população e área territorial (distância).

Sem dispor de estudos de demanda de todas as regiões, a densidade re-sidencial foi a proxy calculada pelos autores da parcela dos deslocamentos intraurbanos, que representa a origem na parte da manhã e o destino na parte da tarde.10 Assume-se, portanto, que o padrão de distribuição espa-cial dos empregos e demais atividades será semelhante em todas as regiões

9 O conceito de região metropolitana no Brasil não segue uma parametrização comum; em consequên-cia, as regiões metropolitanas não são homogêneas [Ipea (2011c)]. Assim, quando se trata de alcance metropolitano, foram consideradas as áreas de todos os municípios daquela região metropolitana. Quando se trata de alcance local, foi considerada apenas a área das capitais pertencentes a essas regiões metropolitanas (e para a Região Metropolitana de Campinas, Campinas, e para a Região Metropolitana da Baixada Santista, Santos). Quando se trata de Alcance da Área Conurbada, foi feita uma sele-ção dos municípios que contribuem para o adensamento da região metropolitana, respeitando-se a seguinte regra:

10 A “origem” do tipo residencial representa, em média, 80% a 90% da demanda por viagens nas pesquisas origem e destino, além de ser o tipo de demanda por deslocamento que exige a maior capi-laridade territorial.

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93metropolitanas. Utilizando a malha de setores censitários do IBGE, foram calculadas as áreas territoriais11 de cada setor censitário e, junto com as in-formações de população do Censo de 2010, foram calculadas as densidades demográficas dos setores censitários.12 Em seguida, levando em conta as di-ferentes capacidades, cada meio de transporte foi associado a um intervalo de densidades, como mostra o Quadro 3.

Quadro 2 | Classificação dos meios de transporte (alcance e capacidade)

Capacidade Alcance local Alcance área conurbada

Alcance metropolitano

Alta VLTtráfego misto1

Metrô pesado2 Trem pesado3

Su

bstitu

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Média-alta Corredor de ônibus simples

Metrô leve4 Trem leve5

Média Ônibus convencional

BRTmédia distância6

BRTlonga distância7

Baixa Van Ônibus convencional

Ônibus intermunicipal

Complementares

Fonte: Elaboração própria.1 VLT tráfego misto são os veículos leves sobre trilhos com características de inserção urbana que permitem o compartilhamento da via com outros veículos.2 Metrô pesado é o metrô utilizado em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, que atendem a regiões densas e próximas ao núcleo urbano.3 Trem pesado é o sistema ferroviário de alta capacidade que liga bairros e municípios distantes do núcleo urbano.4 Metrô leve é uma categoria genérica em que foram incluídos transportes sobre trilhos segregados com capacidade menor do que o metrô pesado, como os monotrilhos, os VLTs segregados.5 Trem leve são trens de menor capacidade e VLTs, muito utilizados no Nordeste pela CBTU. Sua bitola é geralmente menor do que os trens convencionais e servem para conectar a periferia ao núcleo urbano.6 BRTs média distância são BRTs em áreas mais adensadas e com intervalo menor entre as estações e maiores custos de desapropriações. Para que, neste estudo, um corredor de ônibus seja considerado um BRT, é preciso que reúna determinadas características, como embarque em nível, pagamento/validação externa ao veículo, via segregada, entre outros itens.7 BRTs longa distância são BRTs que atendem a áreas menos adensadas, com maiores distâncias entre as estações, normalmente realizando ligações metropolitanas.

11 O IBGE não fornece a informação da área territorial dos setores censitários, mas somente a malha vetorial. Portanto, para obter esse tipo informação, foi preciso produzir o dado primário utilizando um software de georreferenciamento para calcular as áreas de cada setor censitário.12 Para o cálculo das densidades demográfi cas, foram utilizados apenas os setores censitários de tipo 1 do Censo de 2010, ou seja, os setores censitários urbanos, das cidades ou vilas, das áreas urbanas.

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94 Quadro 3 | Parametrização dos meios de transporte

Capacidade Alcance local Alcance área conurbada

Alcance metropolitano

Alta VLT (tráfego misto)

Dens. mín.: 30.000 hab/km²

Distância média: 0,8 km²

Linha mínima: 10 km

Linha média: 15 km

Metrô pesado

Dens. mín.: 20.000 hab/km²

Distância média: 1,2 km²

Linha mínima: 15 km

Linha média: 30 km

Trem pesado

Dens. mín.: 12.500 hab/km²

Distância média: 2,0 km²

Linha mínima: 25 km

Linha média: 50 km

Média-alta Metrô leve

Dens. mín.: 17.500 hab/km²

Distância média: 1,2 km²

Linha mínima: 10 km

Linha média: 20 km

Trem leve

Dens. mín.: 10.000 hab/km²

Distância média: 2,0 km²

Linha mínima: 20 km

Linha média: 40 km

Média BRT

média distância

Dens. mín.: 15.000 hab/km²

Distância média: 0,9 km²

Linha mínima: 5 km

Linha média: 10 km

BRT

longa distância

Dens. mín.: 7.500 hab/km²

Distância média: 1,5 km²

Linha mínima: 15 km

Linha média: 30 km

Fonte: Elaboração própria.

O sistema de transporte de uma região metropolitana deve ser composto de soluções que abarquem diferentes alcances e capacidades. Dessa forma, os diferentes modos de transporte guardam relações de substitutibi-lidade e de complementaridade entre si no território.

Para efeito deste estudo, os modos de transporte são complementares no território quando atendem a alcances diferentes. Isso porque os padrões de deslocamento (distância, tempo e capacidade) são diferentes e desem-penham papéis distintos no território, compondo diferentes sistemas de transporte. Os modos de alcance metropolitano são caracterizados por lon-gos deslocamentos e fluxos pendulares; os modos de alcance local, por sua

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95vez, precisam atender à necessidade de pequenos deslocamentos e fluxos contínuos ao longo do dia. Por isso, determinada região precisa ser dotada de infraestrutura com tecnologias que atendam a diferentes alcances: me-tropolitano, área conurbada e local. Por exemplo, o centro do Rio de Janeiro compartilha seu espaço tanto para receber os fluxos metropolitanos através do sistema de trens quanto para receber os fluxos da área conurbada atra-vés do metrô, e a expectativa é de que o VLT, ora em implantação, venha a atender aos deslocamentos internos da área central.

Os modos substitutos cobrem faixas de demandas distintas, diferen-ciando-se na capacidade, em função do adensamento da área atendida. Não se justifica um corredor ser atendido por dois modos de transporte sobre-postos, a não ser que exerçam funções complementares em trechos e per-cursos específicos. Assim, a capacidade de um corredor de transportes será definida pelo adensamento daquela região. Conforme a densidade diminui, viabiliza-se a introdução de um modo de menor capacidade.

Figura 1 | Exemplo – meios de transporte: substitutos e complementares

Fonte: Elaboração própria.

Para as esferas de alcance metropolitano e da área conurbada, a cidade pode escolher entre quatro combinações, como se observa na Figura 2. Se, por um lado, os administradores públicos podem optar por alocar os diferentes modos de acordo com sua capacidade de transporte, por outro

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96 lado a escolha considera fatores diversos, como disponibilidade de recur-sos e prazo de implantação. Assim, algumas regiões metropolitanas podem mesclar soluções para o atendimento de sua área conurbada que passem pela utilização de metrô pesado, metrô leve e BRTs, como é o caso de São Pau-lo e do Rio de Janeiro. Já outras regiões metropolitanas, como Salvador e Curitiba, farão a opção por mesclar metrô e BRT, enquanto Santos e Goiâ-nia optam por um VLT e BRTs.

Figura 2 | Exemplo: quatro tipos de solução de mobilidade urbana

Fonte: Elaboração própria.

Os valores indicados no Quadro 3 representam as densidades mínimas que viabilizam determinada tecnologia. Outros dois elementos que caracte-rizam e diferenciam as tecnologias de transporte são o tamanho médio das linhas e a distância média entre as estações. Isso reflete as características operacionais de cada modo de transporte. Por exemplo, os metrôs se ca-racterizam por possuírem uma aceleração/desaceleração maior que a dos trens, o que permite que o intervalo das estações do metrô seja menor em relação ao trem.

A distância média entre as estações traduz o conceito de qual deve ser a área atendida por uma estação de metrô, o que significa que se trata de um indicador indireto de qualidade. Portanto, diminuindo-se a distância média entre as estações, amplia-se a capilaridade dos modos de transporte,

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97aumentando a qualidade e o tamanho da rede. Os parâmetros adotados se-guiram as distâncias verificadas no metrô de São Paulo.

Quadro 4 | Distância média entre estações em diferentes cidades do mundo

Cidade Distância média (km)

Paris 0,60 Barcelona 0,79 Berlim 0,80 Roma 0,83 Nova York 0,83 Lisboa 0,87 Santiago 0,99 Amsterdã 1,13 São Paulo 1,20 Rio de Janeiro 1,31 Nova Délhi 1,40 Istambul 1,42 Dubai 1,55 Xangai 1,65

Fonte: Urbanrail.net.

Feitas essas primeiras considerações, pode-se apresentar a fórmula uti-lizada para calcular as redes necessárias para cada sistema de transporte da seguinte forma: os setores censitários, com densidades pertencentes ao in-tervalo da densidade definida para aquele meio de transporte, são agregados definindo-se uma área correspondente na amostra. Essa área representa a área em que aquele modo de transporte deve ser ofertado. Definida a área de referência, divide-se esse valor pela distância média entre as estações e chega-se a uma primeira aproximação da rede projetada, como mostra a fórmula a seguir:

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98 Em seguida, esses valores foram ajustados por um Índice de Distribuição da População em relação à Tecnologia (IDPT), que tem por objetivo corrigir as distorções associadas à alocação dos modos de transporte em re-lação à distribuição da população no interior das regiões metropolitanas. Os testes de sensibilidade indicaram que as simplificações adotadas no modelo, como agrupar setores censitários descontínuos e desconsiderar a locali zação de empregos e serviços, resultaram em distorções nas redes necessárias. Ocorria que, se um percentual muito elevado da população encontrava-se em uma área muito adensada, a fórmula tendia a superestimar a infraestru-tura necessária. Da mesma forma, se a população estava muito dispersa no território, o modelo tendia a subestimar a infraestrutura necessária. Essas diferenças são expressões das distintas morfologias urbanas das cidades brasileiras, que refletem os diferentes padrões de uso e ocupação do solo.13

Nesse sentido, foi desenvolvido um índice que capta o desvio da den-sidade ponderada pela distribuição da população no território em relação à densidade de referência do meio de transporte. Esse índice é calculado a partir da razão entre dois índices, o Índice de Distribuição da População e o Índice de Referência da Tecnologia.

O Índice de Distribuição da População foi calculado da seguinte for-ma: a amostra foi dividida em 13 intervalos de 2.500 hab/km², sendo o primeiro de 0 hab/km² a 2.500 hab/km² e o último de 30.000 hab/km² até a maior densidade existente da amostra. Cada intervalo foi associado a um número inteiro positivo de 0 a 12. Em seguida, multiplicou-se o percentual da população pertencente àquele intervalo de densidade ao número inteiro associado. Portanto, no caso de uma região metropolitana muito densa, em que todos os habitantes pertencessem ao último intervalo de densidade, o Índice de Distribuição da População seria igual a 12. No caso de uma região metropolitana muito pouco densa, em que todos os habitantes pertencessem ao primeiro intervalo de densidade, o índice seria igual a zero.

O mesmo procedimento foi realizado em relação aos meios de transporte. Cada meio de transporte já associado a um intervalo de densidades passou a ser associado ao número inteiro positivo correspondente à sua densidade mínima, como mostra o Quadro 5, definindo, assim, o Índice de Referência da Tecnologia.

13 No Anexo I, são exibidos os mapas com as densidades das regiões metropolitanas brasileiras.

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99A razão entre esses dois índices define um novo índice, o IDPT. O objetivo desse índice é corrigir eventuais desvios, derivados da correlação entre densidade e rede estimada. Como a rede estimada é função direta da densidade, se uma região metropolitana fosse mais densa que a densidade de referência da tecnologia, isso levaria a se superestimar a rede necessária. No caso contrário, se a densidade da região metropolitana fosse muito bai-xa em relação à densidade de referência de uma tecnologia, isso conduziria a se subestimar a rede necessária. O índice tem por objetivo corrigir esses desvios, um a um, para cada meio de transporte. As fórmulas são apresen-tadas a seguir:

em que:

sendo:

Quadro 5 | Índice de Referência da Tecnologia (K)

Meio de transporte Kj

Densidade mínima (hab/km²)

VLT tráfego misto 12 30.000

Metrô pesado 8 20.000

Metrô leve 7 17.500

BRT média distância 6 15.000

Trem pesado 5 12.500

Trem leve 4 10.000

BRT longa distância 3 7.500

Fonte: Elaboração própria.

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100 Após essa correção, a rede estimada é uma representação ainda linear e contínua de um sistema de transportes, ou seja, é como se um sistema com-pleto de metrô aparecesse como uma única linha. Portanto, o valor obtido foi dividido pelo tamanho médio da linha e, a partir do número de linhas resultantes, o número de intercessões necessárias foi calculado para que essas linhas configurem uma rede de transportes. Aqui, optou-se por um padrão de intercessão conservador, de modo que, conforme uma nova linha é introduzida, tenha que, necessariamente, cruzar todas as linhas existentes, assumindo a forma de malha. Portanto, a partir do número de linhas, gera-se um incremento em extensão da rede derivada do número de intercessões, chamado Fator de Rede, como mostra a fórmula a seguir:

Finalmente, chega-se à fórmula da rede necessária:

Estimando a necessidade de infraestrutura de mobilidade urbana – etapa qualitativa

No fim, chega-se a uma tabela com os valores das redes necessárias para os quatro tipos de solução existentes mencionados na Figura 2. De acor-do com esse modelo, os diferentes tipos de solução são iguais em relação a abrangências da área onde será instalada a infraestrutura de transporte. Contudo, não guarda a mesma isonomia no que se refere à capacidade de transporte: as opções que privilegiam a alta capacidade tendem a ser mais eficientes. Portanto, o modelo permite realizar uma escolha entre os dife-rentes tipos de solução.

Tabela 1 | Necessidades: alcance metropolitano (em km)

Região metropolitana

Tipo I Tipo II Tipo III Tipo IV

Trem pesado

Trem leve

BRT LD

Trem pesado

BRT LD

Trem leve

BRT LD

BRT LD

São Paulo 225,5 49,9 55,9 225,5 110,2 240,7 55,9 330,5

(Continua)

14 Combinatória de l, l-2.

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Região metropolitana

Tipo I Tipo II Tipo III Tipo IV

Trem pesado

Trem leve

BRT LD

Trem pesado

BRT LD

Trem leve

BRT LD

BRT LD

Rio de Janeiro 125,4 42,1 52,5 125,4 99,1 146,8 52,5 215,8

Belo Horizonte

55,9 40,3 50,8 55,9 95,6 87,0 50,8 144,8

Porto Alegre 31,2 20,8 46,5 31,2 68,8 45,7 46,5 96,8

Distrito Federal

41,8 18,9 34,5 41,8 53,4 52,3 34,5 88,3

Recife 45,6 14,2 15,1 45,6 29,2 50,6 15,1 67,2

Fortaleza 43,0 11,9 14,8 43,0 26,7 46,3 14,8 62,6

Salvador 30,6 5,3 6,3 30,6 11,6 29,8 6,3 36,1

Curitiba 24,7 12,7 27,3 24,7 40,1 32,5 27,3 59,8

Campinas 21,0 18,6 37,6 21,0 56,2 35,4 37,6 74,5

Goiânia 9,0 10,6 34,9 9,0 45,5 17,9 34,9 52,7

Manaus 27,4 8,2 10,5 27,4 18,7 30,1 10,5 40,6

Belém 26,0 7,5 7,3 26,0 14,9 28,4 7,3 35,7

Grande Vitória 20,6 7,9 10,8 20,6 18,7 24,4 10,8 35,2

Baixada Santista

19,4 6,4 7,8 19,4 14,2 21,9 7,8 29,7

Fonte: Elaboração própria.

Tabela 2 | Necessidades: alcance da área conurbada (em km)

Região metropolitana

Tipo I Tipo II Tipo III Tipo IV

Metrô pesado

Metrô leve

BRT MD

Metrô pesado

BRT MD

Metrô leve

BRT MD

BRT MD

São Paulo 224,3 71,5 124,2 224,3 242,3 327,7 124,2 659,2

Rio de Janeiro 103,9 34,6 73,3 103,9 126,4 140,3 73,3 277,9

Belo Horizonte 32,7 13,2 27,4 32,7 43,4 43,0 27,4 84,2

(Continua)

(Continuação)

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Região metropolitana

Tipo I Tipo II Tipo III Tipo IV

Metrô pesado

Metrô leve

BRT MD

Metrô pesado

BRT MD

Metrô leve

BRT MD

BRT MD

Porto Alegre 20,1 9,9 15,6 20,1 26,9 27,5 15,6 49,7

Distrito Federal

23,5 14,9 24,0 23,5 42,0 35,5 24,0 70,0

Recife 35,0 13,1 21,0 35,0 36,9 45,0 21,0 76,5

Fortaleza 32,3 14,6 20,9 32,3 38,5 44,1 20,9 75,3

Salvador 39,4 6,4 7,3 39,4 14,6 42,1 7,3 56,7

Curitiba 17,8 8,7 12,4 17,8 22,3 24,3 12,4 41,1

Campinas 12,0 6,3 12,0 12,0 19,2 16,8 12,0 32,1

Goiânia 8,3 2,4 3,0 8,3 5,8 9,7 3,0 14,1

Manaus 21,0 9,7 16,9 21,0 28,0 28,1 16,9 51,7

Belém 25,2 7,5 14,4 25,2 22,9 29,5 14,4 50,8

Grande Vitória 13,9 6,1 10,4 13,9 17,3 18,2 10,4 32,1

Baixada Santista

15,6 5,3 9,0 15,6 15,2 19,0 9,0 31,7

Fonte: Elaboração própria.

Tabela 3 | Necessidades: alcance local (em km)

Região metropolitana VLT tráfego misto

São Paulo 145,1

Rio de Janeiro 97,0

Belo Horizonte 14,8

Porto Alegre 10,6

Distrito Federal 6,4

Recife 14,3

Fortaleza 21,3

Salvador 51,8

Curitiba 12,2

Campinas 6,6

Goiânia 5,8

(Continuação)

(Continua)

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Região metropolitana VLT tráfego misto

Manaus 7,3

Belém 11,6

Grande Vitória 3,5

Baixada Santista 4,4

Fonte: Elaboração própria.

Foram adotados, também, alguns critérios para a verificação da consis-tência das escolhas. De início, foram descartadas as possibilidades sem vi-abilidade operacional15 (marcadas em preto nas tabelas 1, 2 e 3), como é o caso de Goiânia, em que o modelo estima uma rede de metrô de 8,3 km, o que não teria sustentabilidade operacional.

Em seguida, fez-se uma análise qualitativa das escolhas, levando em consi-deração a infraestrutura já existente nessas regiões, as trajetórias já escolhidas pelo poder público e as características urbanas de cada região metropolitana.

Alcance metropolitano

O leitor perceberá que essa etapa apresenta certo grau de subjetividade, o que pode gerar maior variabilidade nas escolhas. O fundamento de nossas escolhas para alcances metropolitanos privilegiou as soluções associadas à infraestrutura existente. Assim, as regiões metropolitanas que contam com redes ferroviárias, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Recife, Fortaleza e Salvador, devem investir na expansão de suas redes, de modo a ampliar e complementar a cobertura metropolitana. Em Belo Horizonte, Brasília, Salvador e Porto Alegre, com trem pesado, e Recife e Fortaleza, com trem leve. A integração de tecnologia leve e pesa-da só se viabiliza nas redes ferroviárias de São Paulo e Rio de Janeiro em razão de sua grande extensão; nessas regiões metropolitanas, há ganhos na combinação do trem pesado nos principais troncos com o trem leve, que desempenha um papel complementar e alimentador.

Nas regiões metropolitanas que não contam com rede ferroviária de passa-geiros, como Curitiba, Campinas, Goiânia, Manaus, Belém, Vitória e Santos, não se acredita que seja factível implantar redes ferroviárias de passageiros de alta capacidade, pois os custos urbanísticos e de desapropriação seriam impeditivos. Nesse caso, BRT e VLT parecem ser as soluções de mobilidade

15 Determinadas no Quadro 3 pela extensão de linha mínima exigida para cada modo.

(Continuação)

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104 mais plausíveis, pois aproveitam as vias já existentes, em especial avenidas, estradas e rodovias que tiveram seu entorno ocupado e urbanizado ao longo do tempo e que, portanto, já guardam características troncais.

Alcance da área conurbada

As escolhas feitas neste estudo para as soluções de alcance da área co-nurbada também levaram em consideração a infraestrutura existente e as alternativas com que o planejamento urbano dessas regiões metropolitanas está trabalhando hoje.

As regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro optaram por investir em metrô pesado e, recentemente, têm optado pelo metrô leve – no caso, os monotrilhos. Em São Paulo, tem-se a Linha 15 e estão em cons-trução as linhas 17 e 18; no Rio de Janeiro, está em projeto a Linha 3. O Rio de Janeiro tem apresentado investimentos crescentes nos BRTs com TransOeste, TransCarioca, TransOlímpica e TransBrasil.

Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Recife, Fortaleza, Salvador e Curitiba devem investir na combinação metrô pesado e BRT. Porto Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza e Curitiba precisam implementar suas redes de metrôs subterrâneos. Brasília precisa completar a expansão do metrô na direção da Asa Norte e, em Salvador, já está em implantação uma importante rede metroviária.

Em Goiânia, Manaus, Belém, Vitória e Santos, a solução proposta é a combi nação de metrô leve (VLTs segregados ou monotrilhos) com os BRTs. Essa solução já vem sendo implementada em Santos e está prevista para Goiânia. Belém e Manaus, embora tivessem espaço para a implantação de um metrô, optaram pelo metrô leve levando em consideração que parte da demanda dessas regiões metropolitanas é absorvida pelo transporte aquaviário.

Em Campinas, a opção considerada é a do planejamento de transporte paulista, que envolve a implantação de um BRT na região de Campinas. Contudo, recentemente o município conseguiu um financiamento para estu-dar a viabilidade da implantação de um metrô leve na região. Embora essa possibilidade esteja prevista neste estudo, optou-se por seguir o planeja-mento do estado de São Paulo.

Alcance local

A escolha para a solução local levou em conta exclusivamente o que foi chamado neste trabalho de viabilidade operacional relativa à extensão

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105mínima de linha. Atualmente, o Rio de Janeiro é a única cidade com um projeto de VLT de tráfego misto em curso; a expectativa é que sua imple-mentação traga um “efeito demonstração” para outras cidades do país, especialmente pela inserção urbana amigável, que contribui para a requali-ficação do espaço construído e o desenvolvimento local, como se verifica em diversas cidades europeias.

Etapa II: oferta, investimentos e déficit em infraestrutura de mobilidade urbana

Superado o desafio de se estimar a necessidade de infraestrutura de mo-bilidade urbana nas grandes regiões metropolitanas brasileiras, foram des-contados a oferta existente e os investimentos em curso.

Nesse ponto, foram realizados ajustes qualitativos e quantitativos. Os ajustes qualitativos tiveram por objetivo compatibilizar as redes existentes à tipologia adotada pelo trabalho. Assim, nem todas as infraestruturas in-tituladas como metrô foram classificadas como tal. Por exemplo: o Metrô de Belo Horizonte foi classificado neste trabalho como trem, em razão das características do equipamento e de desempenhar um papel de transporte metropolitano. Outro exemplo foi o Metrô do Distrito Federal: o trecho subterrâneo que está contido no plano-piloto foi classificado como metrô, enquanto os trechos em superfície, que partem do plano-piloto em direção a Ceilândia e Samambaia, foram classificados como trens.

Os ajustes quantitativos objetivaram redimensionar as informações sobre a infraestrutura existente, a fim de excluir sobreposições de linha, linhas degradadas e ociosas, além das linhas “expressas” que utilizam a rede exis-tente, mas que não representam uma ampliação da área atendida.16

Os investimentos em curso que foram considerados nesse projeto são aqueles que, em junho de 2014, já estavam efetivamente em implementação ou em estágio avançado para tanto. A maior parte desses investimentos está prevista no PAC Mobilidade ou conta com recursos previstos nos Planos de Ajuste Fiscal dos estados.17

Isso significa que o déficit aqui abordado diz respeito, exclusiva-mente, à necessidade de investimentos de expansão da rede, tipicamente “greenfield”. Não foi considerada a necessidade de investimentos vinculados

16 Os ajustes realizados estão descritos no Anexo II.17 A listagem dos investimentos está descrita no Anexo III.

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106 a depreciação, modernização e recuperação da rede existente. A hipótese de fundo é a de que a rede existente é satisfatória. Outro ponto que não é contabilizado é a depreciação da frota existente, um importante indicador para a indústria de material rodante. Essas limitações tendem a subestimar os investimentos no setor.

Feitas essas considerações, finalmente chegou-se ao déficit em infraestru-tura em mobilidade urbana, por região metropolitana e meio de transporte:

Tabela 4 | Necessidade de investimento (em km)

Trem pesado

Trem leve

BRT LD

Metrô pesado

Metrô leve

BRT MD

VLT tráfego misto

São Paulo 38,9 55,9 93,4 27,8 112,2 145,1

Rio de Janeiro

1,2 47,2 34,6 34,3 83,0

Belo Horizonte

27,7 95,6 25,8 9,6 14,8

Porto Alegre

68,8 20,1 10,6

Distrito Federal

15,5 42,0

Recife 4,1 9,8 24,9 14,3

Fortaleza 14,8 20,3 6,0 21,3

Salvador 16,3 6,3 3,0 6,0 51,8

Curitiba 41,8 0,0 12,2

Campinas 74,5 32,1

Goiânia 31,0

Manaus 40,6 28,1 16,9

Belém 35,7 29,5 11,6

Grande Vitória

11,2 18,2

Baixada Santista

29,7 7,6 9,0

Brasil 27,7 60,5 506,1 235,2 145,8 293,1 364,6

Fonte: Elaboração própria.

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107Etapa III: matriz de custos e déficit de investimentos em mobilidade urbana

A última etapa deste trabalho foi aplicar uma matriz de custos ao déficit de infraestrutura encontrado. As variações de custos observadas são muito grandes, em função de aspectos como método construtivo e restrições por conta de solo e de interferências físicas. A matriz de custos utilizada está apresentada no Quadro 6 e adotou o custo médio de obras civis e material rodante observado nos projetos brasileiros recentes, em conjunto com refe-rências internacionais.18 No caso do BRT, foi considerada apenas a parte de obras civis, porque, em geral, a aquisição de veículos não é realizada pelo poder público, mas pelo operador do transporte.

Quadro 6 | Custo por meio de transporte

Custo médio/km (R$ milhões)

Material rodante(%)

Infraestrutura e sistemas (%)

Trem pesado 200 20 80

Trem leve 150 25 75

BRT longa distância 25 - 100

Metrô pesado 600 15 85

Metrô leve 200 20 80

BRT média distância 40 - 100

VLT tráfego misto 70 30 70

Fonte: Elaboração própria.

Dessa forma, chegou-se à demanda de investimentos em mobilidade urba-na da ordem de R$ 234 bilhões ou 4,8% do PIB,19 com valores apresentados por região metropolitana e por meio de transporte, como mostra a Tabela 5:

Tabela 5 | Necessidade de investimento (em R$ milhões)

Região metropolitana

Trem pesado

Trem leve

BRT (longa

distância)

Metrô pesado

Metrô leve

BRT (média

distância)

VLT misto

Total

São Paulo 5.831 1.397 56.057 5.563 4.488 10.158 83.494

18 Observados em Alouche (2013) e Flyvbjerg, Bruzelius e Van Wee (2008), e também nos projetos recentes com orçamentos divulgados.19 PIB de 2014, preços correntes.

(Continua)

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Região metropolitana

Trem pesado

Trem leve

BRT (longa

distância)

Metrô pesado

Metrô leve

BRT (média

distância)

VLT misto

Total

Rio de Janeiro 178 28.301 6.914 1.374 5.809 42.576

Belo Horizonte

5.532 2.391 15.462 384 1.037 24.806

Porto Alegre 1.720 12.063 740 14.523

Distrito Federal

9.282 1.680 10.963

Recife 621 5.905 997 998 8.521

Fortaleza 370 12.195 239 1.493 14.297

Salvador 2.438 159 1.825 239 3.627 8.288

Curitiba 1.046 9 855 1.910

Campinas 1.863 1.283 3.146

Goiânia 776 776

Manaus 1.015 5.617 677 7.309

Belém 892 5.901 809 7.602

Grande Vitória 281 3.645 3.926

Baixada Santista

742 1.527 362 2.631

Brasil 5.532 9.068 12.652 141.099 29.168 11.723 25.524 234.766

Fonte: Elaboração própria.

Resultados

A análise dos resultados por modo de transporte revela o já esperado: a maior parte dos recursos se destina aos modos metroferroviários, que res-pondem por 94% da demanda por investimentos, sendo R$ 210 bilhões para a construção de 834 km de metrôs, trens, monotrilhos e VLTs.

Quadro 7 | Necessidade de investimentos por meio de transporte

Tecnologia Défi cit (km) Valor (R$ milhões)

Metrô pesado 235 141.099

Metrô leve 146 29.168

VLT tráfego misto 365 25.524

Trem pesado 28 5.532

(Continuação)

(Continua)

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Tecnologia Défi cit (km) Valor (R$ milhões)

Trem leve 60 9.068

BRT longa distância 506 12.652

BRT média distância 293 11.723

Brasil 1.633 234.766

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 6 | Demanda por investimentos em mobilidade urbana

Metrô pesado Metrô leve VLT tráfego misto Trem pesado

Trem leve BRT longa distância BRT média distância

60%

5%5%

4%

2%

11%

13%

Fonte: Elaboração própria.

Ao projetar esses resultados para a indústria de material rodante, observa-se que há uma demanda adicional para a produção de 9.638 carros de passageiros. As projeções atuais da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer) [Abifer (2014)] estimam a produção de quatro mil carros de passageiros para o período 2010-2020. Essa demanda adicional permitiria dobrar a produção de material rodante metroferroviário no Brasil. Como o gas-to em material rodante é função da infraestrutura existente, com a ampliação da rede metroferroviária de passageiros em 834 km, necessariamente haveria uma ampliação significativa do mercado doméstico. Essa perspectiva precisa ser acompanhada de uma política industrial específica para o setor, na qual, obrigatoriamente, terão de ser discutidas questões como o conteúdo nacional dos equipamentos e a produtividade da indústria doméstica.

(Continuação)

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110 Quadro 8 | Necessidade de investimento em material rodante

Material rodante Valor (R$ milhões)

Custo unitário (R$ milhões)

Carros

Metrô pesado 21.165 4,00 5.291

Metrô leve 5.834 2,40 2.431

VLT tráfego misto 7.657 14,70* 521

Trem pesado 1.106 3,50 316

Trem leve 2.267 2,10 1.080

Brasil 38.029 9.638

Fonte: Elaboração própria.* Trata-se do custo médio de uma composição de sete carros.

Gráfico 7 | Produção de carros de passageiros – Brasil

0

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

Estimativa BNDESAbifer

2010-2020*2000-20101990-20001980-19901970-1980

me

ro d

e c

arr

os

de

pa

ssa

ge

iro

s

Fontes: Abifer e BNDES.* Estimativa Abifer (2014) para a próxima década.

O segmento rodoviário, por sua vez, que, neste estudo, abrange os BRTs – corredores de ônibus segregados com embarque em nível e cobrança externa –, embora represente apenas 6% da demanda por investimentos em mobilidade, corresponde à maior extensão da infraestrutura viária, 799 km.

Quadro 9 | Necessidade de investimentos por regiões metropolitanas

Região metropolitana Valor (R$ milhões)

São Paulo* 83.494

Rio de Janeiro* 42.576

(Continua)

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Região metropolitana Valor (R$ milhões)

Belo Horizonte* 24.806

Porto Alegre 14.523

Fortaleza* 14.297

Distrito Federal* 10.963

Recife 8.521

Salvador* 8.288

Belém 7.602

Manaus 7.309

Grande Vitória 3.926

Campinas 3.146

Baixada Santista* 2.631

Curitiba* 1.910

Goiânia* 776

Brasil 234.766

Fonte: Elaboração própria.* Regiões metropolitanas com investimentos em curso.

A análise dos resultados por região metropolitana aponta para a concen-tração dos investimentos nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza e Porto Alegre, que, juntas, respondem por 77% da demanda por investimentos.

A interpretação desses valores deve atentar para o fato de que, ao se calcular a demanda por investimentos, não só a oferta existente, mas tam-bém os investimentos em curso foram descontados da necessidade de infraestrutura.20 Isso significa que esses resultados apontam para a demanda de investimentos que vai além dos atuais investimentos metroferroviários em São Paulo (expansões das Linhas 4 e 5, implantação da Linha 6 e dos mono-trilhos das Linhas 15 e 17), Rio de Janeiro (Linha 4 e VLT), Belo Horizonte (Linha 3 – Savassi-Lagoinha), Fortaleza (Linha Leste), Salvador (conclusão das Linhas 1 e 2), Curitiba (Linha 1 – Trecho 1), Goiânia (VLT Anhanguera) e Santos (VLT Baixada Santista).

(Continuação)

20 Como já mencionado, refere-se ao cenário de junho de 2014.

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112 Portanto, a concentração desses investimentos em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza e Porto Alegre reflete a necessidade de essas regiões metropolitanas realizarem grandes investimentos metrofer-roviários, de forma complementar aos que já estão em curso. No caso de São Paulo e Rio de Janeiro, isso se justifica pelo porte dessas aglomerações urbanas; e, em Belo Horizonte e Porto Alegre, também pela necessidade de se implantarem ou incrementarem os sistemas de transporte sobre trilhos.

Gráfico 8 | Demanda por investimentos em mobilidade urbana

São Paulo*36%

Rio de Janeiro*18%

Belo Horizonte*11%

Porto Alegre6%

Fortaleza*6%

Distrito Federal*5%

Recife4%

Salvador*3% Belém

3%

Manaus3%

Grande Vitória2%

Campinas1% Baixada Santista*

1%

Curitiba*1%

Goiânia*0%

Fonte: Elaboração própria.* Regiões metropolitanas com investimentos em curso.

Esse cenário fica mais claro ao se apresentarem esses mesmos resulta-dos em valores per capita, os quais revelam quão grande é a demanda por investimentos em relação ao tamanho da população das regiões metropoli-tanas, verdadeiros indicadores da defasagem de investimentos em infraes-trutura. Belo Horizonte, São Paulo, Fortaleza e Porto Alegre apresentam as maiores demandas por investimento per capita. Nesse contexto, embora a demanda de São Paulo seja a maior em termos absolutos, do ponto de vista

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113da demanda por habitante Belo Horizonte exigirá um esforço considera-velmente maior. Isso pode ser explicado pelo baixo desenvolvimento do sistema metroferroviário de Belo Horizonte, cuja malha não cobre sequer as regiões mais adensadas da metrópole.

Quadro 10 | Necessidade de investimento per capita por região metropolitana

Regiões metropolitanas Valor per capita (R$)

Belo Horizonte 4.701,49

São Paulo 4.297,81

Fortaleza 4.114,03

Porto Alegre 3.777,18

Belém 3.732,32

Manaus 3.699,06

Rio de Janeiro 3.615,01

Brasil 3.377,39

Distrito Federal 3.127,42

Recife 2.374,01

Vitória 2.366,36

Salvador 2.363,71

Santos 1.584,19

Campinas 1.154,54

Curitiba 653,56

Goiânia 364,19

Fonte: Elaboração própria.

Esses resultados também podem ser interpretados em percentuais do PIB dos estados.21 Esse outro indicador revela a capacidade que os esta-dos possuem de mobilizar recursos para viabilizar seus investimentos, ou a dimensão desses investimentos em relação a suas economias. Fortaleza, Manaus, Rio de Janeiro e Belém são as regiões metropolitanas que teriam as maiores dificuldades de realizar os projetos, levando-se em conta sua ca-pacidade de investimento. Mais uma vez, a comparação com São Paulo é instrutiva. Embora São Paulo apresente o maior déficit em termos absolutos, em compa ração com seu PIB, a demanda por investimentos fica próxima à média nacional em 5,56%. Fortaleza, por sua vez, com 13,8%, Manaus,

21 Estimativa do PIB dos estados. Valores de 2009 atualizados pelo crescimento do PIB brasileiro.

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114 com 9%, e Rio de Janeiro e Belém, com 7% de seu PIB, seriam as regiões metropolitanas com maior dificuldade de fazer frente às necessidades de investimento. Isso signi fica que, muito provavelmente, esses estados só conseguirão viabilizar seus projetos por meio de transferências da União.

Quadro 11 | Necessidade de investimentos em percentual do PIB das UFs

Estados Percentual do PIB das UFs

CE 13,82

AM 9,27

RJ 7,71

PA 7,35

PE 6,92

DF 5,56

SP* 5,56

MG 5,41

Brasil 4,76

RS 4,61

BA 4,31

ES 3,32

PR 0,67

GO 0,58

Fonte: Elaboração própria, com base em IpeaData.* São Paulo representa a soma das regiões metropolitanas de São Paulo, Campinas e Baixada Santista.

Uma agenda para viabilizar os investimentos em mobilidade urbana

No Brasil, a operação e os investimentos em mobilidade urbana são ori-ginalmente públicos. Foi assim na implantação dos metrôs de São Paulo e Rio de Janeiro, nas décadas de 1960, 1970 e 1980, e no Distrito Federal, nos anos 1990. A viabilização dos investimentos e a própria operação foram equacionadas pela administração pública, tanto estadual quanto federal, e eventuais desajustes operacionais e financeiros podiam ser acomodados no interior do orçamento público. Assim, a operação não dependia diretamente de sua lucratividade operacional, e a estruturação do investimento dependia apenas da capacidade fiscal, administrativa e gerencial da administração pública em viabilizar seus projetos.

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115Com o processo de desestatização que o país vivenciou ao longo da dé-cada de 1990, com a consolidação das concessões dos serviços públicos, e com as parcerias público-privadas nos anos 2000, o setor de mobilidade urbana passou por um processo de transformação institucional, caracteri-zado pela entrada de atores privados no investimento e na operação. Hoje, o setor conta com diferentes arranjos institucionais. A operação pode ser tanto privada quanto pública ou compartilhada com linhas administradas por empresas públicas e outras por empresas privadas.22 No entanto, a qua-se totalidade dos investimentos ainda permanece pública, por mais que os contratos de concessão e as parcerias público-privadas tenham conseguido mobilizar capitais privados para os investimentos em mobilidade urbana.23 Essa nova realidade levará a mudanças das competências administrativas da própria administração pública, que antes tinha de ser capaz de operar e realizar os investimentos e, hoje, precisa assumir funções de regulação, estruturação de contratos e projetos de concessão.

Isso irá recolocar questões sobre o funcionamento do setor. A modici-dade tarifária, que é uma prerrogativa técnica e socialmente desejável para se viabilizar o transporte público de massa, impede que o investimento seja financiado apenas por meio da tarifa. Por isso, para viabilizar os investimen-tos, é preciso recorrer a recursos públicos. Portanto, mesmo com a mobi-lização de capitais privados por meio de contratos de concessão e PPPs, o investimento depende da capacidade de endividamento e da situação fiscal dos estados e municípios.

Dessa forma, para viabilizar os investimentos em mobilidade urbana, é preciso articular as diferentes esferas da administração pública. O primei-ro esforço de coordenação está na própria regulamentação e regulação do setor. No Brasil, o transporte urbano de passageiros é atribuição constitu-cional dos municípios, que, dessa forma, são os principais atores do setor. O município é o poder concedente e, na maior parte dos casos, planejador, regulador e fiscalizador. Eventualmente, é também operador. Os municípios são responsáveis, particularmente, pelos sistemas de pequena e média capa-cidade operados por ônibus. Os estados têm a função de poder concedente

22 Um bom exemplo é o sistema metroviário de São Paulo, no qual a Linha 4 é operada por uma empresa privada, enquanto as demais são operadas pelo poder público através de uma estatal.23 Esses são alguns exemplos de PPPs no setor de mobilidade que o BNDES tem ajudado a estruturar: Metrô Linha 6 (governo do estado de São Paulo e Consórcio MOVE SP), CTRENS (aquisição de 36 novos trens) e VLT do Centro do Rio de Janeiro.

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116 e, em geral, são responsáveis por sistemas de média e alta capacidade, como trens, metrôs e barcas, com a atribuição de planejar os transportes metropo-litanos, regulamentá-los e fiscalizá-los, diretamente ou através de agências reguladoras, e mesmo operá-los, como acontece com parte dos metrôs e trens de subúrbio. Em alguns casos, o próprio governo federal assume essa função, como é o caso dos trens da CBTU ou da Trensurb, de Porto Alegre.

O segundo esforço de coordenação está na estruturação dos projetos. O investimento em alta e média capacidade é de responsabilidade dos estados. Sua continuidade depende da capacidade de financiamento desses atores, cujo endividamento está limitado pela política de descontingenciamento da União. Outro ponto é a própria capacidade econômica e financeira dos estados de mobilizar recursos para grandes projetos de infraestrutura. A es-trutura tributária e fiscal brasileira concentra receitas na União e descentra-liza os gastos entre União, estados e municípios, o que leva a um aumento da dependência desses últimos de transferências voluntárias do governo federal. Por isso, só será possível viabilizar grandes blocos de investimen-tos em infraestrutura urbana se houver a participação da União nos projetos através de recursos orçamentários e do descontingenciamento dos demais entes. Os Programas de Aceleração do Crescimento foram uma sinalização da União nesse sentido. Neles, articulam-se as diferentes esferas de gover-no, compartilhando responsabilidades e diferentes níveis de participação, com o objetivo de financiar e viabilizar os projetos.

Por fim, embora os investimentos em alta e média capacidade sejam metropolitanos e de responsabilidade dos governos estaduais, os projetos se concentram em poucos municípios. Portanto, é importante aumentar a parti-cipação dos municípios na estruturação de projetos e possibilitar a articulação entre eles através de consórcios. Porém, a governança entre diferentes mu-nicípios para impulsionar investimentos conjuntos ainda encontra limitação no compartilhamento de responsabilidades e na estruturação de garantias.24

Na tentativa de dar tangibilidade à demanda por investimentos de R$ 234 bi lhões (4,76% do PIB), foi realizado um exercício simples em que esse

24 Ainda no plano municipal, é preciso desenvolver os instrumentos de fi nanciamento que captem parte da renda da terra para fi nanciar projetos de mobilidade urbana. Em geral, os projetos de mobilidade conduzem a uma valorização imobiliária de seu entorno. Nesse sentido, o desenvolvimento de alterna-tivas operacionais, defi nidas com base em instrumentos urbanísticos e fi nanceiros, como as Operações Urbanas Consorciadas, o Solo Criado, a Outorga Onerosa de Direito de Construir e os Cepacs, que são títulos utilizados para fi nanciar operações urbanas consorciadas [Torres e Gorgulho (2014)], precisam ser aplicados com o objetivo de fi nanciar projetos de mobilidade.

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117estoque de investimentos é apresentado em um fluxo de 12 anos – o que é compatível com o prazo de maturação desse tipo de projeto –, de maneira a atingir e se estabilizar no nível de 0,4% do PIB. Nesse exercício, é preciso levar em consideração o fluxo de investimentos já em curso hoje. Pela pro-jeção feita, para que se possa eliminar o déficit de infraestrutura de mobili-dade na próxima década, é preciso que o setor de mobilidade urbana venha a realizar investimentos da ordem de R$ 25 bilhões ao ano.

Gráfico 9 | Projeção de investimentos – mobilidade urbana (0,4% do PIB)

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Bloco I + Bloco IIBloco II – Demanda por investimentosBloco I – Investimentos em curso

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Fonte: Elaboração própria.

Esses valores, se comparados com as taxas históricas de investimen-to no setor, são extremamente significativos, embora não exista uma base de dados confiável sobre os investimentos desagregados pelos diversos setores da economia. Uma estimativa feita a partir dos financiamentos do BNDES desde o início do Plano Real prevê uma taxa média histórica de in-vestimento da ordem de 0,05% do PIB até 2013, e a projeção para o período de 2014-2020, que leva em consideração os investimentos vinculados aos projetos em curso, elevará a taxa de investimento para 0,2% do PIB. No exercício, para fazer frente ao desafio estimado, será preciso dobrar a taxa de investimento do setor, até atingir 0,4% do PIB, o que significa alcançar o patamar médio de R$ 25 bilhões ao ano no período 2016-2027.

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118 Gráfico 10 | Investimento em mobilidade urbana

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Média do investimento necessário: 0,4% do PIB Média do investimento previsto: 0,2% do PIB

Média do investimento histórico: 0,05% do PIB

Demanda por investimentosInvestimento em cursoInvestimento histórico

2027

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2025

2024

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2022

2021

2020

2019

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2017

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2001

2000

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1998

1997

1996

1995

% do PIB

Fonte: Elaboração própria.

Esses valores, entretanto, quando comparados a outros segmentos do setor de infraestrutura, não se mostram tão significativos. Estima-se que a taxa média de investimento do setor de infraestrutura, nos últimos dez anos, tenha sido de 2,1% do PIB, sendo 0,2% em saneamento, 0,5% em teleco-municações e 0,8% em energia elétrica [Allain e Turolla (2014)]. Ou seja, em capacidade de mobilização de capital, investimentos da ordem de 0,4% do PIB para o setor de mobilidade urbana são perfeitamente compatíveis com as dimensões da economia brasileira.

O segundo exercício foi aplicar, a esse fluxo de investimento, uma proposta de compartilhamento entre o poder público e os agentes priva-dos. Segundo esse modelo de compartilhamento, a União entraria com 50%, estados e municípios com 35% e a iniciativa privada com 15%.25 Nesse exercício, os novos investimentos começariam a se realizar a partir de 2016, o que exigiria, no período 2016-2017, recursos de OGU na faixa de R$ 903 milhões/ano, R$ 632 milhões/ano de espaço fiscal para estados e municípios e R$ 270 milhões/ano de mobilização de capital privado. No

25 Estrutura semelhante àquela que se apresenta em alguns projetos do PAC.

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119período 2018-2020, esses recursos precisariam atingir R$ 8,1 bilhões/ano de investimentos da União, R$ 5,6 bilhões/ano de espaço fiscal de estados e municípios, e R$ 2,4 bilhões/ano de mobilização de recursos privados. Finalmente, no período 2020-2027, preveem-se investimentos anuais da ordem de R$ 13 bilhões para a União, R$ 9,1 bilhões para estados e muni-cípios e R$ 3,9 bilhões de recursos privados.

Nesse cenário, foi simulada a participação do BNDES (ou de outras fontes de longo prazo) no financiamento a estados, municípios e setor pri-vado, em diferentes níveis. O financiamento, que cobriria 90% ou 70% da metade dos investimentos, significaria para o BNDES sustentar um nível de contratações e desembolsos anuais entre R$ 12 bilhões e R$ 9 bilhões, respectivamente, dependendo do nível de participação que esse Banco possa vir a assumir nos projetos.

Gráfico 11 | Projeção do financiamento – mobilidade urbana (0,4% do PIB)

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BNDES – 70%BNDES – 90%

Necessidade de investimento (estados/municípios + privado)Investimentos em curso

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Fonte: Elaboração própria.

Conclusão

A realidade das grandes cidades brasileiras exige grandes investimentos em infraestrutura de transporte de passageiros de alta e média capacidade.

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120 Viabilizar esses investimentos é um desafio para o conjunto da sociedade brasileira e exigirá uma ação articulada da administração pública, em seus diferentes níveis, com o capital privado. Só assim será possível estruturar projetos com arcabouços contratuais cada vez mais sofisticados.

Trata-se de uma agenda vasta e complexa. O BNDES está atento às ten-dências e aos desafios apresentados pelo desenvolvimento brasileiro e vem dando prioridade à mobilidade urbana na elaboração e adequação de sua política operacional. Esse diagnóstico preliminar dos desafios envolvidos no setor aqui apresentado não pretende ser exato ou impositivo, tencionando apenas subsidiar o debate das políticas públicas para a mobilidade urbana.

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121FLYVBJERG, B.; BRUZELIUS, N.; VAN WEE, B. Comparison of capital costs per route-kilometre in urban rail, European Journal of Transport and

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123Anexo I | Mapas das regiões metropolitanas

Demanda por investimentos em mobilidade urbana no Brasil

124

Mobilidade Urbana

125

Demanda por investimentos em mobilidade urbana no Brasil

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Mobilidade Urbana

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Demanda por investimentos em mobilidade urbana no Brasil

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Mobilidade Urbana

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Demanda por investimentos em mobilidade urbana no Brasil

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Mobilidade Urbana131

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132

Fontes: IBGE e elaboração própria, com base em GeoBNDES.

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133Anexo II | Classificação da oferta e investimentos (em km)

Oferta

Região metropolitana

Trem pesado

Trem leve

BRT (longa

distância)

Metrô pesado

Metrô leve

BRT (média

distância)

VLT tráfego misto

São Paulo 252,1 - - 78,1 - 12,0 -

Rio de Janeiro 148,3 40,9 56,0 41,8 - 39,0 -

Belo Horizonte

28,2 - - - - 34,0 -

Porto Alegre 39,0 - - - - 5,2 -

Distrito Federal

36,0 - - 8,0 - - -

Recife - 46,5 - 25,2 - - -

Fortaleza - 42,9 - - - - -

Salvador - 13,5 - 6,6 - - -

Curitiba - - - - - 47,0 -

Campinas - - - - - - -

Goiânia - - - - - 13,5 -

Manaus - - - - - - -

Belém - - - - - - -

Grande Vitória - - - - - - -

Baixada Santista

- - - - - - -

Investimento

Região metropolitana

Trem pesado

Trem leve

BRT (longa

distância)

Metrô pesado

Metrô leve

BRT (média

distância)

VLT tráfego misto

São Paulo 4,5 11,0 - 52,8 43,7 - -

Rio de Janeiro - - 23,0 14,9 - - 14,0

Belo Horizonte

- - - 6,9 - - -

Porto Alegre - - - - - 22,7 -

Distrito Federal

6,5 - 74,0 - - - -

Recife - - 33,0 - - 12,0 -

Fortaleza - 16,0 - 12,0 - 32,5 -

Salvador - - - 29,8 - 8,6 -

(Continua)

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134 (Continuação)

Investimento

Região metropolitana

Trem pesado

Trem leve

BRT (longa

distância)

Metrô pesado

Metrô leve

BRT (média

distância)

VLT tráfego misto

Curitiba - - 18,0 17,8 - - -

Campinas - - - - - - -

Goiânia - - 21,7 - 12,9 - -

Manaus - - - - - - -

Belém - - - - - 20,0 -

Grande Vitória

- - 24,0 - - 11,0 -

Baixada Santista

- - - - 11,4 - -

Fonte: Elaboração própria.

Varejo

BNDES Setorial 41, p. 135-180

Comércio eletrônico, tecnologias móveis e mídias sociais no Brasil

Rangel GalinariOsmar Cervieri JuniorJob Rodrigues Teixeira JuniorEduardo Lederman Rawet*

Resumo

Nos últimos anos, a atividade varejista vem experimentando significativas transformações, derivadas, sobretudo, do contínuo desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação. Entre elas, o comércio eletrôni-co destaca-se por apresentar grande dinamismo e influenciar o comporta-mento de firmas e consumidores. O presente trabalho analisa os principais determinantes, as consequências e perspectivas do desenvolvimento dessa modalidade de comércio no Brasil, bem como de suas variantes, surgidas com o advento das tecnologias móveis e mídias sociais.

* Respectivamente, economista, engenheiro, gerente e estagiário do Departamento de Bens de Consumo, Comércio e Serviços da Área Industrial do BNDES.

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136 Introdução

Ao longo da história, o comércio, uma das atividades econômicas mais tradicionais empreendidas pelo homem, foi submetido de maneira gradual a inúmeras transformações. Milênios separam o escambo do pagamento com cartões de crédito, as pequenas tendas dos hipermercados e os pro-dutos artesanais dos conteúdos digitais. No entanto, em anos recentes, a atividade vem sendo submetida a uma verdadeira revolução, determinada, sobretudo, pelo acelerado desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação (TIC).

Com o advento da internet e de outras tecnologias genéricas, inúme-ras aplicações vêm alterando não apenas a forma de comercialização, mas também diversas práticas associadas à administração da firma varejista, à gestão de cadeias de fornecimento, ao marketing, às formas de pagamento e ao relacionamento com clientes.

Como lembra OECD (2013, p. 6), “o comércio é o mecanismo funda-mental que dá suporte à maioria das atividades econômicas”. Dado o papel de destaque da atividade no tecido econômico, a publicação ressalta que “inovações que facilitam a comercialização, que reduzem custos de transa-ção, ou que provêm mais informações aos seus participantes geram ganhos de eficiência para toda a economia”.

Com isso em vista, o presente trabalho aborda alguns dos principais desdobramentos da aplicação de novas tecnologias de comercialização na atividade varejista. Para tanto, está dividido em cinco seções incluindo esta introdução.

A segunda seção tem como foco o e-commerce (comércio eletrônico) praticado entre empresas e consumidores finais, inovação que começou a ser implementada no varejo durante os anos 1990, mas que ainda se encon-tra em plena expansão. Nela, são discutidas as implicações econômicas e sociais do desenvolvimento dessa atividade, bem como as transformações tecnológicas que viabilizam sua difusão. Ademais, apresenta um panorama do comércio eletrônico no Brasil e no mundo, onde os determinantes de seu crescimento são destacados. A terceira seção é dedicada a duas tendências tecnológicas recentes que deverão favorecer o e-commerce num futuro breve, além de mudar a relação das pessoas com o varejo: as tecnologias móveis, que reduzem substancialmente as barreiras de tempo e de lugar para a efe-tivação da demanda, e as mídias sociais, que propiciam novas experiên cias

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137de consumo, maior acesso dos empreendedores ao mercado virtual e am-pliam o volume de informação disponível para os consumidores. A quarta seção expõe uma breve discussão sobre desafios e oportunidades do co-mércio eletrônico nos próximos anos, e a quinta e última seção apresenta as considerações finais.

Comércio eletrônico

Definições

Apesar de o e-commerce ser uma atividade bastante conhecida na atuali-dade, a Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD) preocupou-se em defini-la, com vistas a tornar claros seus contornos, facilitar a produção de estatísticas internacionalmente comparáveis e a elaboração de políticas públicas para o setor.

Em sua versão mais recente, OECD (2011, p. 72) define e-commerce como uma transação de “venda ou compra de bens ou serviços, conduzida por meio de redes de computadores e métodos especificamente concebidos para a recepção ou efetuação de pedidos”. Essa definição enquadra como e-commerce as transações cujos pedidos são realizados por esses métodos, mesmo quando o pagamento ou a entrega é realizado off-line. No entanto, exclui pedidos feitos por chamadas telefônicas, enviados por fac-símile ou redigidos por e-mail, restringindo-se a operações realizadas em webpages, extranets (rede de computadores que permite acesso externo controlado) ou Electronic Data Interchange (EDI).1

Transações de e-commerce podem envolver diversas classes de agentes econômicos. Dependendo da natureza das partes envolvidas, essas transações recebem diferentes denominações, entre elas: business to business (B2B), business to consumer (B2C), business to government (B2G), consumer to

consumer (C2C).

Até os dias atuais, o desenvolvimento do e-commerce pode ser dividido em três fases, que de certa forma dependeram do progresso tecnológico,

1 Segundo Bittar e Lima (2004), a tecnologia EDI consiste na transferência de dados de computador para computador, entre parceiros comerciais, usando mensagens eletrônicas de dados estruturados e agrupados na forma de mensagens padronizadas. Por contar com processamento automático de infor-mações e dispensar o uso de papel e de mensagens em formatos livres ou verbais, constitui-se em uma forma de comunicação segura, efi ciente e que favorece a diminuição de erros e de custos.

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138 especialmente o verificado no campo das tecnologias de informação e co-municação (TIC).

Na primeira delas, iniciada nos anos 1970, o e-commerce restringia-se a operações B2B entre grandes corporações que estabeleciam entre si redes privadas de comunicação (Virtual Area Networks – VANs) e, por meio de sistemas EDI e EFT (transferência eletrônica de fundos), realizavam tran-sações financeiras e trocas de documentos eletronicamente.

Na segunda fase, iniciada nos anos 1990, o comércio eletrônico B2C floresceu. Avanços tecnológicos permitiram a popularização da internet, o desenvolvimento de sistemas de pagamento on-line cada vez mais segu-ros, o barateamento de aparelhos de informática e de telecomunicação, a melhoria do design dos websites e a criação de aplicações que tornaram o comércio eletrônico mais atrativo ao consumidor, como as ferramentas de busca e comparação de preços.

Nesse mesmo período, o comércio B2B também experimentou um ex-pressivo incremento. Grandes corporações começaram a mudar parte de suas redes privadas para a internet, permitindo às empresas menores se ligarem a elas eletronicamente. À medida que a internet substituiu ou complemen-tou as VANs, um crescente número de pequenos empresários começou a transacionar com as grandes corporações, ou entre si, integrando complexas cadeias de fornecimento.

Por fim, a terceira fase do e-commerce ainda encontra-se em seu estágio inicial e mostra tendência de grande crescimento. Com a paulatina difusão de dispositivos móveis (smartphones, tablets, phablets,2 e-readers etc.) e de redes de internet banda larga, uma nova modalidade de comércio on-line começa a ganhar densidade: o mobile commerce ou m-commerce. Por sua importância como potencial elemento dinamizador do comércio eletrônico, essa tecnologia será tratada em uma seção específica no presente trabalho.

Impactos sobre a atividade varejista

De acordo com OECD (2013), o e-commerce está conduzindo uma ver-dadeira mudança estrutural no varejo. O impacto do e-commerce sobre a atividade não se resume a uma simples mudança na forma de transacionar bens ou serviços (Figura 1). Mais do que isso, as tecnologias associadas a

2 Dispositivos que reúnem funções de smartphones e tablets e cujas telas têm de cinco a sete polegadas.

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139essa modalidade de comércio vêm alterando toda a lógica da organização do mercado e das firmas varejistas.

Figura 1 | Principais impactos do e-commerce sobre os negócios

E-commerce

Redução debarreiras à entrada

Novosconhecimentos

Intensificaçãoda concorrência

Redução de custosoperacionais

Novos modelosde negócios

Maior escopode mercado

Negócios

Tecnologia

Banda larga

Conectividade

EDI

Fonte: OECD (2013).

De acordo com Kubota e Milani (2011), o uso da internet como canal de comercialização está associado a elevações do nível de eficiência das firmas. Utilizando dados da Pesquisa Anual do Comércio do IBGE em um modelo econométrico, esses autores encontraram evidências de que o e-commerce contribui para a produtividade das empresas brasileiras atacadistas e vare-jistas que o adotam.3

Uma das fontes desse diferencial de produtividade está nas economias de custos que o e-commerce propicia, sobretudo as relativas ao capital e ao trabalho. Comparativamente ao varejo off-line, a estruturação de um e-commerce, em geral, demanda menor volume de investimento em ativos físicos, a exemplo da edificação de lojas e de estacionamentos e da compra de mobiliário. Por operar com um número de funcionários relativamente

3 Pelo fato de que empresas mais produtivas têm maior propensão a comercializar em diversos canais, inclusive no on-line, o modelo econométrico foi devidamente corrigido para a endogeneidade.

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140 menor, dado que não necessitam de uma equipe de vendas, as empresas que aderem ao e-commerce deparam-se com menores despesas com salários, encargos e comissões.

A atividade proporciona também economias relativas ao transporte e estocagem de mercadorias. Novos modelos de negócios, como os das em-presas que comercializam produtos digitais, como e-books, músicas, filmes, imagens, base de dados, softwares etc., operam com custo de transporte praticamente nulo. As que transacionam mercadorias físicas estão sujeitas a menores custos de estocagem, dado que seus produtos podem ser manti-dos em poucos centros de distribuição, simplificando o complexo gerencia-mento de estoques que se observa no varejo multilocal. Acrescente-se ainda que o acompanhamento em tempo real do perfil dos clientes4 permite ao varejo on-line antecipar tendências de mercado e programar suas compras de maneira mais eficiente.

Os benefícios percebidos pelas empresas que comercializam on-line não se resumem à esfera dos custos. O e-commerce também aumenta signifi-cativamente o escopo de mercado das firmas, potencializando as vendas. Enquanto uma loja física, em geral, concentra suas vendas em uma área geo-gráfica próxima de suas instalações (bairro, cidade, municípios vizinhos), uma loja on-line é capaz de ofertar seus produtos em todo o território na-cional e até mesmo em outros países. O e-commerce também proporciona uma ampliação do escopo temporal em que as firmas atuam. Suas lojas per-manecem ativas 24 horas por dia, 365 dias por ano, podendo ser acessadas nos momentos em que o varejo físico não está disponível.

Vistos de maneira agregada, os elementos citados anteriormente contri-buem para a intensificação da concorrência da atividade varejista. Tal fenô-meno é amplificado pela redução de barreiras à entrada que o e-commerce

proporciona. O requerimento de capital para a implementação de uma loja on-line é relativamente baixo e, em muitos casos, bastante inferior ao de uma loja física.5 Além disso, empresas com maiores restrições de capital podem en-trar no e-commerce mesmo sem manter um site próprio. Para isso, podem

4 Áreas do site em que mais navegam, produtos que visualizam, que compram com certa frequência ou que abandonam nos carrinhos de compras.5 Em Rosa (2014), por exemplo, é destacado que um bom site de vendas, dotado de sistema de paga-mentos seguro, custa a partir de R$ 10 mil.

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141contratar um e-marketplace,6 os serviços de hospedagens de lojas virtuais que cobram pequenas mensalidades, ou abrir uma loja em uma rede social.7

Os baixos custos de busca e troca de informações propiciados pela inter-net constituem outra fonte de redução de barreiras à entrada no e-commerce. Com o desenvolvimento de ferramentas de comparação de preços, em-presas entrantes, sejam elas industriais, comerciais ou de outros serviços, tornaram-se mais visíveis e aptas a acessar diretamente os consumidores finais, contornando eventuais acordos preexistentes entre os players já es-tabelecidos no mercado. É necessário frisar que, embora as facilidades da internet permitam que novos players entrem e se tornem visíveis no mer-cado, o poder e a reputação das marcas já estabelecidas, conquistados no próprio mundo virtual ou herdados do varejo tradicional, constituem-se em barreiras ao crescimento dos entrantes, principalmente os de pequeno porte ou sem tradição no varejo off-line.

O e-commerce vem alterando também a base de conhecimentos que sustenta a atividade varejista. Empresas que entram no mercado on-line geralmente passam a demandar profissionais mais qualificados, dotados de conhecimentos ou habilidades até então pouco usuais para a firma. Em meio a esse processo, os profissionais relacionados às TIC, como engenhei-ros, analistas de sistemas e técnicos em informática, naturalmente ganham espaço, haja vista que as firmas tornam-se mais intensivas em conheci-mento. No entanto, o sucesso do varejo on-line não se baseia apenas em critérios técnicos. Para sobreviver em um mercado altamente competitivo, as firmas de e-commerce precisam compor quadros decisórios com profis-sionais de formações tradicionais (administração, contabilidade, economia, marketing etc.), porém capacitados para lidar com uma empresa e um mer-cado intensivos em informação.

Impacto sobre os consumidores

Um dos principais benefícios do e-commerce para os consumidores é sua ampla oferta de produtos. Lojas on-line, em geral, conseguem ofertar maior variedade de produtos que o varejo físico tradicional, uma vez que

6 Plataformas como o E-bay, a Amazon, o Aliexpress, o Extra.com, as Americanas.com, entre outras, que oferecem soluções para vendas on-line de produtos de terceiros.7 Ressalte-se que a construção de um website é apenas um dos desafi os a serem superados pela empresa que pretende aderir ao e-commerce. A facilidade com que se entra no mercado on-line não necessaria-mente se traduz em sucesso para as fi rmas. Além de um site bem-estruturado, as empresas precisam dar atenção especial ao seu back offi ce e às soluções logísticas adequadas a sua realidade.

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142 se deparam com custos de gerenciamento de estoques relativamente meno-res, além de ampla abrangência territorial que lhes confere grande mercado potencial e acesso a clientes com gostos diversificados.

Além do acesso a uma gama maior de produtos, os consumidores be-neficiam-se do comércio on-line ao encontrarem uma grande quantidade de informações que não apenas qualificam produtos ou fornecedores, mas que, principalmente, permite-lhes adquirir bens e serviços a preços meno-res. De acordo com Civic Consulting (2011) , uma pesquisa realizada em 17 países-membros da União Europeia entre dezembro de 2010 e fevereiro de 2011 revelou que, de fato, os produtos on-line são geralmente ofertados a preços inferiores aos observados no varejo tradicional. O estudo estimou em € 3,5 bilhões o ganho de bem-estar do consumidor europeu com a aqui-sição de produtos pela internet.

Para a obtenção desses benefícios, as ferramentas de comparação de pre-ços, como o Buscapé, o Booking.com e o Decolar.com, são fundamentais. Além dos preços, essas ferramentas geralmente contam com indicadores construídos a partir da experiência dos usuários, que sugerem a idoneidade de lojistas, a qualidade dos produtos, além de espaço para comentários dos consumidores. A decisão de compra dos consumidores pode ainda ser auxi-liada por uma grande quantidade de informações disponibilizadas em sites de reclamação, em fóruns virtuais, em blogs especializados ou em redes sociais. Juntos, todos esses recursos dão poder aos consumidores e mitigam os efeitos negativos de algumas fontes de resistência ao e-commerce, em es-pecial, o receio de não receber o produto após a confirmação do pagamento, ou de que dados pessoais sejam utilizados em fraudes.

O comércio eletrônico também contribui para a elevação do bem-estar de seus consumidores ao oferecer-lhes outras vantagens, como a economia de tempo e de custo de deslocamento até uma loja física; as reduzidas bar-reiras de tempo (sites operam 24 horas por dia) e de distância (acesso a lo-jas estabelecidas em outros países); a entrega imediata de produtos digitais, como e-books, softwares, e-tickets; e a possibilidade de customização de pro-dutos, a exemplo de artigos do vestuário, óculos, computadores, carros etc.

Impacto sobre o mercado de trabalho

Conforme Terzi (2011), à medida que se expande, o e-commerce im-pacta salários e empregos. A atividade cria postos de trabalho em setores

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143industriais e de serviços relacionados à informação ou à economia criativa (fabricação de hardwares, softwares, games, aplicativos e outros conteúdos digitais) e, de maneira indireta, em diversos ramos da economia – serviços, financeiros, logísticos, de telemarketing etc. Por outro lado, nos casos em que substitui, parcial ou integralmente, a maneira tradicional de fazer ne-gócios, o e-commerce afeta a expansão de algumas ocupações, como a de vendedores e agentes de viagens.

Os ganhos ou perdas líquidas do emprego proporcionados pela expansão do e-commerce são difíceis de serem mensurados e variam tanto no tempo como no espaço geográfico. As perdas ou a desaceleração da criação de pos-tos de trabalho tende a ocorrer em ocupações que geram um grande número de empregos, no entanto, relativamente mal remunerados – o que pode ser um problema para países que se encontram com altas taxas de desemprego, mas um benefício para os que necessitam liberar mão de obra para traba-lhos mais qualificados. Os ganhos tendem a ocorrer em setores que geram menos postos de trabalho, mas que contratam pessoas com melhores níveis educacionais e que recebem salários relativamente altos, como analistas de sistemas, engenheiros e gestores.

No decorrer desse processo, é de se esperar que os salários reais dos pro-fissionais tipicamente demandados pela expansão do comércio eletrônico experimentem taxas de crescimento positivas, ao contrário das atividades afetadas negativamente pelo e-commerce, cujos salários tendem a se estag-nar ou a crescer relativamente menos.

O e-commerce B2C no mundo

O presente trabalho tem como foco as transações on-line realizadas entre empresas e consumidores. Responsáveis por cerca de 10% do e-commerce mundial,8 as transações B2C despertam grande interesse por parte dos consumidores, haja vista a praticidade, a comodidade e as economias que proporcionam, assim como das empresas comerciais ou industriais, dado que esse canal de comercialização se revela como uma forma de romper barreiras à entrada no mercado e como um meio de ampliar sua base de clientes potenciais.

Marcado por um grande dinamismo em um passado recente, os prognós-ticos sobre o desempenho econômico da atividade são bastante positivos.

8 Segundo informações de WTO (2013).

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144 Como mostra o Gráfico 1, espera-se que as vendas mundiais do e-commerce B2C continuem a crescer a elevadas taxas nos próximos anos (média de 13% a.a. entre 2015 e 2018) e cheguem a US$ 2,356 trilhões em 2018.

Gráfico 1 | E-commerce B2C: vendas mundiais e taxa de crescimento anual – 2011 a 2018 (em US$ bilhões e %)

857

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2011 2012 2013 2014* 2015* 2016* 2017* 2018*

Vendas (US$ bilhões) Crescimento anual (%)

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Fonte: eMarketer (www.emarketer.com; acesso em: jul. 2014).Nota: Inclui todos os produtos e serviços adquiridos via internet, por meio de qualquer tipo de dispositivo eletrônico.* Dados estimados pelo eMarketer.

Deve-se destacar que há uma grande disponibilidade de informações sobre o e-commerce B2C. No entanto, sua medição encontra dificuldades práticas e metodológicas. Há poucas estatísticas oficiais sobre o tema, e as metodologias privadas nem sempre são claras, de forma que os resultados publicados por fontes alternativas apresentam algumas divergências. O comércio eletrônico B2C global em 2013, por exemplo, foi estimado em US$ 1,25 trilhão pela Interactive Media in Retail Group, em US$ 1,23 tri-lhão pelo eMarketer e em US$ 963 bilhões pelo Goldman Sachs, que se limitou, porém, a dados sobre o varejo on-line.9

9 Já o comércio eletrônico B2B, isto é, aquele constituído de relações entre clientes e fornecedores, independentes ou pertencentes a um mesmo grupo econômico, apesar de dominar o cenário global do e-commerce não oferece grande disponibilidade de informações. Segundo WTO (2013), uma pesquisa conduzida pelo US-based International Data Corporation (IDC) estimou que esse tipo de transação somou US$ 12,4 trilhões em 2012, isto é, cerca de 90% de todo o e-commerce mundial.

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145Ainda que haja discrepâncias entre as estimativas sobre os valores abso-lutos do comércio eletrônico mundial, sua tendência de crescimento não é questionada. Explicam esse fato a contínua ampliação do número de usuá-rios da internet, o progresso tecnológico das TIC, melhorias contínuas na infraestrutura de telecomunicação, o crescente acesso a redes de banda lar-ga, a difusão de dispositivos conectáveis à internet, a evolução de aparatos regulatórios e a presença de planos nacionais de banda larga (PNBL) na maior parte dos países (Mapa 1), que buscam não apenas a ampliação do acesso, mas também a melhoria da qualidade das conexões. Contribuem também algumas mudanças culturais que tendem a reduzir a resistência à prática do e-commerce por parte da população, além de mudanças demo-gráficas, principalmente a crescente incorporação ao mercado consumidor de pessoas que nasceram ou cresceram em um ambiente no qual o acesso ao mundo virtual é trivial.

Mapa 1 | Situação de planos nacionais de banda larga (PNBL), em 2013

Fonte: Cisco e ITU (2013).

Apesar de haver uma tendência de crescimento do e-commerce em nível mundial, a distribuição geográfica de fatores que determinam seu desempe-nho não é uniforme, de forma que o desenvolvimento da atividade mostra-se desigual em diferentes áreas do globo. Como mostra a Tabela 1, atualmen-te quase 60% do valor transacionado por meio do comércio eletrônico no

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146 mundo concentra-se na América do Norte e na Europa Ocidental, regiões que respondem por 50% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial e que apresentam as maiores taxas de penetração de e-consumidores. Essas áreas reúnem as melhores condições para a atividade: constituem grandes mer-cados e contam com elevada renda per capita e boa infraestrutura de tele-comunicações. A região da Ásia/Pacífico apresenta grande participação no e-commerce mundial, principalmente por concentrar a maior parte da popu-lação do planeta (56,3%). Embora conte com alguns países desenvolvidos (Japão, Austrália e Nova Zelândia), em seu conjunto, a região apresenta baixa renda per capita e penetração de e-consumidores próxima à média mundial. Já a América Latina, o Oriente Médio e a África, regiões marcadas por deficiências em infraestrutura de telecomunicações e baixa renda per

capita, reúnem as piores condições para a prática do e-commerce.

Tabela 1 | PIB, população e e-commerce: participação de regiões selecionadas no total mundial

Região Participação no e-commerce

B2C mundial em 2014 (%)

Penetração de e-consumidores* em 2014 (%)

Participação na população mundial em 2013 (%)

Participação no PIB mundial em 2013 (%)

PIB per capita em 2013 (US$ mil/pessoa)

América do Norte (excl. México)

32,8 73,6 5,0 25,1 52,2

Ásia-Pacífi co

31,2 44,1 56,3 31,4 5,8

Europa Ocidental

25,4 65,2 7,4 24,9 35,3

América Latina

4,3 29,9 8,5 7,8 9,6

Europa Oriental e Central

4,0 43,4 4,2 3,9 9,7

Oriente Médio e África

2,3 33,1 18,6 6,9 3,9

Total 100,0 42,7 100,0 100,0 10,4

Fontes: eMarketer e United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD).* Usuários de internet, com 14 anos ou mais de idade, que fi zeram pelo menos uma compra on-line durante o ano.

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147À semelhança de outros países em desenvolvimento, o Brasil enfrenta grandes desafios para a popularização do acesso e melhoria da qualidade da internet em seu território. Não obstante, o comércio eletrônico brasileiro tem apresentado resultados que atestam a força de seu mercado interno e destacam o país em relação a seus pares latino-americanos. A próxima seção é dedicada ao desempenho do comércio eletrônico brasileiro nos últimos anos e seus principais determinantes.

O e-commerce B2C no Brasil: panorama recente e determinantes de seu desenvolvimento

O Brasil desperta a atenção de investidores internacionais e recebe des-taque em diversos estudos setoriais, haja vista que a escala e a dinâmica de seu mercado o distingue dos demais países da América Latina. Embora responda por 44% do PIB e por 33% da população da região, o Brasil con-ta com quase 60% de todo o e-commerce praticado na região (Gráfico 2).

Gráfico 2 | Participação de países selecionados no e-commerce B2C, no PIB e na população na América Latina e Caribe, 2011 (em %)

59

14

6 3 3 2 1

10

44

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8 4 6 6

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7 3

5 8

5

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10

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70

Brasil México Argentina Chile Venezuela Colômbia Peru Outros

Part. no e-commerce da América Latina (%) Part. no PIB da América Latina (%)

Part. na população da América Latina

Fontes: AméricaEconomía (2012) e UNCTAD.

O volume transacionado no Brasil coloca-o não apenas distante das de-mais economias latino-americanas, mas entre os maiores mercados mun-diais. Segundo McKinsey (2013), no ano de 2011 as vendas on-line no Brasil alçaram o país à oitava posição do ranking mundial do e-commerce, atrás dos Estados Unidos (EUA), China, Japão, Reino Unido, Alemanha, Coreia do Sul e França.

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148 Apesar de grande em termos absolutos, o Brasil está longe de ser consi-derado um mercado maduro. A baixa participação do e-commerce nas ven-das totais do comércio varejista do país (Gráfico 3) fornece um primeiro elemento para a construção desse diagnóstico.

Gráfico 3 | Estimativa da participação das vendas on-line no total das vendas do comércio varejista – Brasil e países selecionados, 2014 e 2018 (em %)

18,0

16,6

11,5

12,7

12,0

10,8

11,2

8,9

8,2

6,7

6,2

5,3

5,6

6,5

4,8

4,6

3,0

2,3

2,5

2,6

1,4

1,4

13,0

10,1

9,8

9,7

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7,3

6,5

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4,9

4,6

4,3

4,1

4,1

3,8

3,5

2,2

1,7

1,4

1,2

0,7

0,6

- 5,0 10,0 15,0 20,0

Reino Unido

China*

Finlândia

Noruega

Coreia do Sul

Dinamarca

Alemanha

EUA

Canadá

Japão

França

Holanda

Austrália

Espanha

Brasil

Suécia

Rússia

Itália

Argentina

México

Índia

Indonésia

2014 2018

Fonte: eMarketer, dez. 2014.* Exclusive Hong Kong.Nota: Inclui produtos ou serviços pedidos pela internet, por meio de qualquer dispositivo, independentemente da forma de entrega e pagamento. Exclui tíquetes de viagens e de eventos.

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149O ritmo em que a atividade se expande no país constitui outra evidên-cia acerca da relativa imaturidade do mercado brasileiro. Como mostra o Gráfico 4, entre 2005 e 2014, as vendas do e-commerce cresceram a elevadas taxas (em média, 35% ao ano), chegando R$ 34,6 bilhões no fim do período.

Embora o crescimento médio anual do e-commerce no Brasil venha se desacelerando, principalmente em função de um efeito estatístico (a base de comparação vem se tornando cada vez maior), cálculos do eMarketer sugerem que, em 2014, as vendas on-line no país tenham apresentado uma das maiores taxas de crescimento entre os grandes mercados consumidores do mundo (24%), sendo o Brasil superado apenas pela China (63,8%) e a Índia (31,5%).

Gráfico 4 | Faturamento e crescimento anual do e-commerce – Brasil, 2005 a 2014

2,5

35,8

43

76

43

30 29

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28

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20

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5

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30

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2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Faturamento (R$ bilhões) Crescimento anual (%)

R$

bil

es

%

*

Fonte: E-bit Informação (www.ebitempresa.com.br).* Estimativa do E-bit.

A explicação para os números positivos do comércio eletrônico no Brasil encontra-se em diversos fenômenos concomitantes. Merecem destaque o dinamismo recente do mercado consumidor interno, o acirramento da con-corrência no varejo, a crescente penetração de dispositivos com acesso à internet nos lares brasileiros, a melhoria na infraestrutura de telecomunica-ções do país e mudanças no comportamento dos consumidores.

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150 O dinamismo do mercado consumidor interno

Por afetar direta ou indiretamente os demais fatores supracitados, um dos principais determinantes do crescimento acelerado do e-commerce no Brasil foi o recente desempenho do país no campo econômico. Nos últi-mos anos, o Brasil atravessou um período singular de sua história, no qual se combinaram crescimento econômico e distribuição de renda. Políticas implementadas nos últimos anos, como as de inclusão social, de valoriza-ção real do salário mínimo, de expansão da oferta de crédito, somadas a um ambiente macroeconômico estável, contribuíram para o fortalecimento do mercado consumidor interno. Nesse período, o poder de compra das famí-lias brasileiras ampliou-se, assim como o número de potenciais consumi-dores, haja vista a sensível redução da taxa de desemprego e a emergência da chamada nova classe média. Os efeitos desses eventos sobre o comércio varejista brasileiro são visíveis. Entre 2005 e 2014, a atividade cresceu, em termos reais, cerca de 7% ao ano, de acordo com dados do IBGE – Pesquisa Mensal do Comércio [IBGE (2014b)].

Mudanças estruturais no varejo

A expansão do consumo das famílias, associada à desconcentração geo-gráfica do crescimento econômico (em direção às regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, periferia das grandes metrópoles e cidades do interior), re-dundou em mudanças qualitativas na atividade varejista no país. A disputa por esse novo contingente de consumo levou ao acirramento da rivalidade no segmento que, por seu turno, estimulou o investimento em inovações e a reorientação estratégica dos principais players do mercado. Nesse contex-to, a diversificação de canais de comercialização, em especial, o comércio eletrônico, tornou-se praticamente uma obrigação.

As primeiras lojas on-line do Brasil iniciaram suas atividades na segunda metade dos anos 1990. Entre elas estavam o Ponto Frio, que lançou seu ca-nal de e-commerce em 1996, o Submarino e a Americanas.com, cujos sites de vendas foram lançados em 1999. No entanto, foi nos anos 2000 que o e-commerce do país começou a ganhar densidade. Nesse período intensifi-cou-se o lançamento de sites de vendas e ocorreram fusões e aquisições que formaram os principais players da atualidade: em 2002, a Netshoes inaugura suas operações on-line; em 2005, a Americanas.com adquire o Shoptime, enquanto o Submarino compra o Ingresso.com e a Travelweb; em 2006,

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151forma-se a B2W com a fusão de Americanas.com e Submarino; em 2009, o Grupo Pão de Açúcar anuncia a compra da controladora do Ponto Frio e sua fusão com as Casas Bahia, cujo e-commerce fora lançado um ano antes – atualmente, as empresas desse grupo compõem a Cnova, empresa formada pela Nova Pontocom, que centraliza as operações de e-commerce de CasasBahia.com.br, Pontofrio.com e Extra.com.br, e pelo Casino, que empreende o e-commerce na França, Colômbia, Tailândia e Vietnã por meio da Cdiscount.

No fim dos anos 2000 e princípio dos 2010, entraram em cena os sites de compras coletivas,10 os outlets ou clubes de compras on-line e come-çaram a se desenvolver novas formas de comercialização, especialmente as vendas por redes sociais ou por e-marketplaces.11 Nesse mesmo perío-do, capitais estrangeiros adquiriram participação em varejistas nacionais, como a Netshoes e o Peixe Urbano, ou iniciaram operações diretas no país, a exemplo da Netflix, que em 2011 começou a oferecer serviços de vídeo por streaming no Brasil, e da gigante americana Amazon, que, em dezembro de 2012, iniciou suas operações no país comercializando conteúdo digital e uma marca de e-reader.

Esses movimentos desenharam a heterogênea estrutura de mercado hoje prevalecente no e-commerce brasileiro. Contando com baixas barreiras à entrada, esse mercado é formado por um grande contingente de pequenos varejistas, que tendem a se especializar em determinados nichos ou segmen-tos, e por um reduzido número de grandes corporações, que se dedicam a um amplo espectro de negócios, investem vultosas quantias em marketing e con-correm por meio de preços (produtos e frete) e de condições de pagamento.

Em relação a faturamento, o mercado brasileiro de e-commerce é atual-mente liderado pela B2W (Americanas.com, Submarino, Shoptime, Ingresso.com, B2W Viagens e Sou Barato), pela Nova Pontocom (Ponto Frio, Casas Bahia, Extra, Partiu Viagens e Barateiro.com) e pelo Compra Fácil, gru-pos sediados no Sudeste do país, região que concentra a maior parte dos

10 Modalidade de e-commerce que tem como objetivo vender produtos e serviços para um número mínimo pré-estabelecido de consumidores por oferta, segundo o site Ecommerce News.11 Em 2013, o Extra.com e o Submarino adotaram o e-marketplace como estratégia de negócios. Desde então, outros varejistas de grande porte passaram a utilizar o modelo visando à geração de receitas de serviços e à atração de consumidores para seus websites.

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152 e-varejistas e dos consumidores que efetuam compras on-line12 (Tabela 2). Além dessas empresas, há no país cerca de 1.460 varejistas que comercia-lizam pela internet, segundo dados da Pesquisa Anual do Comércio 2012 [IBGE (2014)].

Por outro lado, segundo o Ibope E-Commerce,13 em relação a unidades transacionadas o campeão de vendas no Brasil é o Aliexpress, e-marketplace do grupo chinês Alibaba. Embora invista relativamente pouco em marketing no Brasil e conte com largos prazos de entrega (seus artigos vêm diretamen-te da China), por oferecer uma grande gama de produtos a baixos preços, o Aliexpress vem ganhando espaço no país, sobretudo na categoria de moda e acessórios, que responde por mais de 60% das compras de brasileiros no site. Entre julho e setembro de 2014, a empresa recebeu 11 milhões de pe-didos de consumidores brasileiros, enquanto o segundo colocado (a B2W) comercializou 3,8 milhões de unidades no Brasil. Interessante destacar que o tíquete médio das vendas do Aliexpress no Brasil corresponde a um dé-cimo do tíquete médio das vendas on-line do país.

Tabela 2 | Os maiores e-varejistas do Brasil em 2013

Empresa Faturamento líquido (R$ milhões)

Sede Número de funcionários

B2W 6.088,0 RJ 10.017

Nova Pontocom 4.297,0 SP 2.500

Compra Fácil 1.166,7 RJ 1.416

Netshoes 965,1 SP 2.000

Click-On* 450,0 SP 110

Mercado Livre** 446,0 SP 537

Buscapé 300,0 SP 1.700

Flores Online 20,0 SP N/D

Fonte: Revista No Varejo – Edição Especial 2014-2015.*Faturamento estimado pela revista No Varejo. **Faturamento bruto.

12 Sebrae e E-commerce Brasil (2015) evidenciam esse fato. Na amostra da pesquisa, a Região Sudeste concentra 63% das sedes das empresas de e-commerce e mais de 50% das vendas realizadas por meio desse canal.13 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/colunas/carodinheiro/2015/02/1583212-o-gigante--chines-e-o-e-commerce.shtml>. Acesso em: 3 fev. 2015.

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153Apesar de importantes no mercado interno, as empresas brasileiras des-tacadas anteriormente ainda se encontram muito distantes das grandes trans-nacionais originadas em mercados mais maduros. Como mostra a Tabela 3, as Lojas Americanas, maior empresa brasileira de e-commerce, ocupava ape-nas a 15ª posição do ranking dos maiores e-varejistas do mundo em 2012. Ressalte-se que segundo informações contidas no website da Via Varejo,14 a Cnova, empresa formada em 2014 pela Nova Pontocom e pelo Casino, deverá consolidar-se como um grande player global do comércio eletrônico nos próximos anos – o faturamento das empresas que formam o novo grupo foi estimado em US$ 4,9 bilhões, segundo dados de 2013.

Tabela 3 | Os maiores e-varejistas do mundo em 2012

Classifi cação dos maiores e-varejistas em 2012

Empresa Origem Vendas on-line 2012

(US$ milhões)

1 Amazon.com Estados Unidos 51.733,00

2 Apple Estados Unidos 8.600,00

3 Walmart Estados Unidos 7.500,00

4 Otto Alemanha 7.410,60

5 Jingdong Mall China 6.663,30

6 Tesco Reino Unido 4.761,50

7 Liberty Interactive Estados Unidos 4.397,40

8 Dell Estados Unidos 4.370,00

9 Grupo Casino França 3.422,60

10 Jia.com China 3.204,70

11 Newegg Estados Unidos 2.800,00

12 Home Retail Group Reino Unido 2.734,20

13 Best Buy Estados Unidos 2.630,00

14 Staples Estados Unidos 2.500,00

15 Lojas Americanas Brasil 2.477,40

Fonte: Deloitte (2014).

Como em qualquer mercado promissor, a alta rivalidade entre as empresas é notória no e-commerce brasileiro. Nesse ambiente, o comportamento dos principais players produz efeitos ambíguos sobre o mercado. Por um lado,

14 Disponível em: <http://www.viavarejo.com.br/imprensa/interna/criacaeo-da-cnova-empresa-global--de-comercio-eletronico-e-aprovada>. Acesso em: 27 jan. 2015.

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154 a disputa das empresas pela oferta do melhor preço, associada a outras prá-ticas, como o instituto do frete grátis e de longos parcelamentos sem juros, tende a aumentar o bem-estar dos consumidores e a estimular o uso desse canal de comercialização. Por outro, as estratégias adotadas pelas empre-sas para a ampliação de seu market share, bem como para a elevação das barreiras à entrada no setor, têm prejudicado o crescimento dos pequenos e-varejistas e comprometido as margens das grandes, que com frequência operam com prejuízo.

Insustentável no longo prazo, essa realidade começa a mudar. Um cres-cente número de empresas tem percebido que ganhar eficiência e melhorar a qualidade dos serviços prestados é fundamental para conquistar os clien-tes. Conforme matéria publicada no jornal O Globo, em 20 de setembro de 2013, atentas a essa nova orientação, algumas empresas brasileiras de e-commerce vêm alterando suas estratégias visando combinar crescimento com geração de lucros. De modo a tornar seus custos mais racionais e ele-var as margens de comercialização, certos players do mercado têm mudado suas políticas de frete, com base na percepção de que a cobrança de tarifa não impede a venda.15 Uma das soluções encontradas é cobrar pela conve-niência, por exemplo, clientes que desejam receber suas encomendas mais rápido pagam um frete mais alto. Outra modalidade de economia de cus-tos com transportes implementada pelas empresas é a integração das lojas on-line com as físicas por meio de centros de distribuição unificados. O en-curtamento dos prazos de parcelamento, pelo menos dos sem juros, também tem se mostrado uma alternativa de racionalização de custos.

A popularização de dispositivos TIC no Brasil

A combinação entre o progresso tecnológico no campo das TIC e as condições econômicas do Brasil vem contribuindo significativamente para o desenvolvimento do e-commerce no país. A constante inovação das TIC vem produzindo uma série de dispositivos eletrônicos conectáveis à internet, cuja crescente variedade e preços em declínio vem tornando-os acessíveis aos diversos estratos sociais. Já o modelo de crescimento econômico com inclusão social verificado no Brasil ampliou o poder de compra das famílias e permitiu a concretização da demanda por esse tipo de tecnologia.

Como resultado, a aquisição e o uso de dispositivos conectáveis à internet expandiu-se a altas taxas no país. Para ilustrar esse fenômeno, o Gráfico 5

15 Segundo o E-bit, em 2013 as vendas do e-commerce brasileiro cresceram 28%, embora a oferta de frete grátis tenha caído de 55% para 50% no decorrer do ano.

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155mostra que a proporção de domicílios brasileiros com computador passou de 15% em 2003 para 49% em 2013. Já o Gráfico 6 apresenta o consumo de smartphones e tablets no Brasil, cujas vendas cresceram a um ritmo ace-lerado nos últimos cinco anos e chegaram a 57,7 milhões de unidades em 2014. Relativamente recentes no mercado brasileiro, esses dois dispositi-vos converteram-se rapidamente em desejo de consumo de todas as classes sociais e de um amplo espectro etário de consumidores. Espera-se que nos próximos anos suas vendas continuem aceleradas, tanto em função da bus-ca por atualização tecnológica, quanto pelo crescente interesse por parte da população em utilizar a internet móvel para se manter conectada ou para se beneficiar dos serviços oferecidos via aplicativos.

Gráfico 5 | Domicílios particulares permanentes com microcomputador e microcomputador com acesso à internet – Brasil, 2003 a 2013 (em %)

15

49

11

42

-

10

20

30

40

50

60

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013

Microcomputador Microcomputador com acesso à internet

Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad).

Gráfico 6 | Vendas de smartphones e tablets – Brasil, 2010 a 2014 (em mil unidades)

4.900 9.000

16.000

35.000

47.000

110 800 3.100

7.900 10.700

-

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

30.000

35.000

40.000

45.000

50.000

2010 2011 2012 2013 2014

Smartphones Tablets

Fonte: International Data Corporation (IDC).

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156 A infraestrutura logística e de telecomunicações no Brasil

A expansão do e-commerce em qualquer país depende, naturalmente, da infraestrutura disponível. Enquanto a oferta de energia se mostra uma variável menos crítica, logística e telecomunicações surgem como cruciais para o bom desenvolvimento da atividade.

Em relação à logística, eventuais insuficiências podem impactar os custos e a qualidade do serviço final, causando gargalos e experiências frustrantes capazes de inibir o avanço dessa modalidade de compra. De fato, a logística é um tema crítico para o êxito do varejo on-line. Uma vez que as empresas de e-commerce são responsáveis por todas as etapas das operações de venda pela internet, a eficiência das entregas está diretamente relacionada com sua imagem perante os consumidores, mesmo quando os serviços de distribuição são terceirizados. Nesse sentido, o sucesso do e-commerce depende signifi-cativamente da contratação de operadores logísticos eficientes e confiáveis ou, como fazem parte das grandes empresas varejistas, da construção de uma infraestrutura logística própria, que conte com uma frota adequada e centros de distribuição modernos em termos tecnológicos, além de posicio-nados de maneira estratégica no território nacional. Outra possibilidade é a combinação de serviços terceirizados com infraestrutura própria.

A despeito dos gargalos existentes na infraestrutura logística do Brasil, há que se reconhecer que os serviços de distribuição do país têm sido ca-pazes de suportar o incomum ritmo de crescimento da demanda observado nos últimos anos, causado por pressões advindas do e-commerce: ainda que operando no limite da capacidade e apresentando falhas episódicas, os prestadores de serviços logísticos têm levado aos lares dos consumidores brasileiros um volume de itens que se expande exponencialmente.

Liderados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT),16 que conta há longa data com uma estrutura de distribuição dotada de alta capilaridade e produtos competitivos para o e-commerce, em especial para empresas iniciantes, os operadores logísticos têm aproveitado a expansão do varejo on-line no Brasil para crescer e se modernizar. Nos últimos anos tem crescido o número de prestadores de serviços logísticos especializa-dos, como os voltados à entrega de pequenas e médias encomendas, e as

16 De acordo com uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Comércio Eletrônico em uma amostra de 225 empresas de e-commerce, a ECT exerce papel de destaque na logística do e-commerce brasileiro. Na amostra pesquisada, 93% das empresas contrataram os serviços da ECT no ano de 2013, 35% contrataram operadores privados e 13% possuía frota própria. Essa última opção foi bastante utilizada em entregas expressas, de produtos especiais ou perecíveis, como joias, fl ores e alimentos.

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157inovações em logística, a exemplo da rastreabilidade das encomendas, a adoção de sistemas automatizados de controle de estoques e a participação dos operadores na integração de canais – abastecimento de lojas físicas para que os clientes possam ali retirar compras efetuadas on-line.

A infraestrutura de telecomunicações, por seu turno, possui uma impor-tância ainda maior para o e-commerce, uma vez que integra a essência da atividade. Por isso, o tema será aqui ressaltado.

A vitalidade do e-commerce depende da cobertura geográfica/popu-lacional dos serviços de telefonia e internet, assim como de sua constan-te atualização tecnológica, dado que, à medida que se diversificam ou se sofisticam, os serviços oferecidos na rede demandam conexões de melhor qualidade. Nesse sentido, o Brasil tem ainda um longo caminho a percorrer. O país ocupou o 65º lugar do ranking 2013 (de 166 países) de infraestrutura e uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (ICT Development Index – IDI) da International Telecommunication Union [ITU (2014)]. Embora a velocidade média da internet entregue no país venha aumentando continuamente, no terceiro trimestre de 2014, o país ocupou o 90º lugar em um ranking (de 238 países) baseado nessa variável, elaborado pela consul-toria Akamai. Nesse período, a velocidade média da internet brasileira foi de 2,9 Mbps, abaixo da média mundial (4,5 Mbps), e de diversos países das Américas (Gráfico 7).17

Gráfico 7 | Velocidade média da banda larga fixa (Mbps) e posição no ranking mundial de velocidade da internet no terceiro trimestre de 2014

11,5

10,3

5,5 4,5 4,2 4,1 4,1

3,6 3,6 3,4 2,9 2,9 2,7

1,3 1,3 1,1

0

2

4

6

8

10

12

EUA

(12

º)

Ca

na

(21

º)

Uru

gu

ai (

53º)

Mu

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na

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9º)

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(70

º)

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79º)

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(80

º)

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(8

7º)

Bra

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90

º)

Pa

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(9

3º)

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Pa

rag

ua

i (13

3º)

Ven

ezu

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Bo

lívi

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136

º)

Mb

ps

Fonte: Akamai (2015).

17 O ranking foi liderado por Coreia do Sul (25,3 Mbps), Hong Kong (16,3 Mbps) e Japão (15 Mbps).

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158 Apesar de se encontrar relativamente atrasado, investimentos recentes das empresas de telecomunicações garantiram inegável progresso do Brasil no campo das TIC, sobretudo quando se considera a cobertura dos serviços.18 O Gráfico 8 ilustra bem esse fato. As assinaturas de banda larga fixa no Brasil passaram de três milhões de unidades em 2004 para vinte milhões em 2013. Com esse crescimento, o Brasil chegou a dez assinaturas para cada cem ha-bitantes, patamar superior à média dos países em desenvolvimento (5,8).

Importante destacar que, desde o ano de 2012, todos os municípios brasi-leiros encontram-se cobertos por serviço de banda larga fixa.19 Ainda assim, apenas 43% dos domicílios do país têm acesso à internet (exclusive via te-lefone celular) e menos de 30% conectam-se por meio de banda larga fixa. O Brasil depara-se, portanto, com o desafio de elevar a penetração da banda larga nos lares brasileiros, mas também com o de reduzir as desigualdades de acesso à internet presentes entre regiões e classes sociais (Tabela 4).

Gráfico 8 | Assinaturas de banda larga fixa a cabo – valor absoluto e por cem habitantes, Brasil, 2004 a 2013

0

2

4

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12

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5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Assinaturas de banda larga fixa (mil unidades)

Assinaturas de banda larga fixa por cem habitantes

Fonte: ITU World Telecommunication (ICT) indicators database.

18 De acordo com informações do Portal Teleco (http://www.teleco.com.br), as empresas de teleco-municações brasileiras investiram cerca de R$ 134,8 bilhões entre 2009 e setembro de 2014. Lima e Moreira (2014) estimam que elas deverão investir mais R$ 141 bilhões entre 2015 e 2018.19 Fonte: Portal Teleco. Considera-se nessa estatística o atendimento por operadoras de SCM com as tecnologias xDSL, Cable Modem, FTTH e MMDS e não se incluem os pequenos provedores que utilizam tecnologia wireless e banda larga móvel.

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159Tabela 4 | Proporção de domicílios com acesso à internet, por tipo de conexão

Área, região e classe social

Proporção de

domicílios com

acesso à internet

Acesso discado

Banda larga fi xa* Modem 3G

Não sabeTotal Via

caboVia linha telefônica

(DSL)

Via rádio

Via satélite

Área Urbana 48 10 66 35 19 10 4 21 6

Rural 15 7 60 17 10 29 4 27 6

Região Sudeste 51 7 68 41 16 9 3 22 7

Nordeste 30 14 62 39 9 10 5 19 8

Sul 51 9 76 20 38 17 4 18 3

Norte 26 17 36 15 9 10 6 45 6

Centro-Oeste

44 15 59 25 19 11 6 23 7

Classe social

A 98 8 74 43 24 5 3 24 4

B 80 9 72 38 22 10 3 20 5

C 39 10 61 30 15 12 4 23 7

D/E 8 12 50 29 9 11 3 24 15

Total 43 10 66 34 18 11 4 22 6

Fonte: Comitê Gestor da Internet no Brasil (2014).* Inclui tecnologias de modem digital via linha telefônica (xDSL), modem via cabo, conexão via rádio ou via satélite.Nota: Pesquisa com resposta estimulada em 62,8 milhões de domicílios. Dados coletados entre setembro de 2013 e fevereiro de 2014.

Levando em consideração que as pessoas também se conectam à rede mundial em seus trabalhos, dados do Ibope/Nielsen20 referentes ao mês de agosto de 2014 revelam que no Brasil mais de 90 milhões de pessoas (44% da população do país) acessam a internet. Desse total, 63 milhões (31% da população do país) são usuários ativos, isto é, utilizaram a rede pelo me-nos uma vez no mês pesquisado. Ao considerar que as pessoas também se conectam em outros ambientes (lan houses, clubes, escolas, igrejas etc.), a pesquisa indica que cerca de 120 milhões de brasileiros (59% da popula-ção) acessam a internet.

Nos últimos anos a banda larga móvel também se expandiu rapidamente no Brasil, como evidencia o Gráfico 9. A tecnologia 3G está presente em 68,8% dos municípios do país, que abrigam quase toda a população (91,5%).

20 <http://www.nielsen.com/br/pt.html>.

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160 Oferecida no Brasil desde o fim de 2012, a 4G encontra-se presente em uma pequena quantidade de municípios que, por serem de médio ou grande por-te, reúnem cerca de 41% da população do país. Vale destacar que segundo dados disponíveis no Portal Teleco, em novembro de 2014, do total de tele-fones celulares portados pelos brasileiros, 50% eram dotados de tecnologia que permite o acesso à banda larga móvel. Nessa data, cerca de 49% utili-zavam tecnologia 3G e 2% 4G. De acordo com dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), publicados no portal G1 em 22 de julho de 2014,21 o Brasil possui 123,6 milhões de conexões de banda larga móvel, o que corresponde a 45% de todas as linhas de celular do país.

Gráfico 9 | Percentual de municípios e da população cobertos por banda larga móvel, segundo a tecnologia – Brasil, 2008 a nov. 2014 (em %)

8,1

68,8

2,6

58,8

91,5

41,2

-

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

2008 2009 2010 2011 2012 2013 Nov. 2014

Municípios cobertos por tecnologia 3G Municípios cobertos por tecnologia 4G

População coberta pela tecnologia 3G População coberta pela tecnologia 4G

Fonte: Portal Teleco.

Usada pelas classes sociais mais abastadas como um complemento à banda larga fixa e como uma alternativa a esta pelas classes menos favore-cidas, a banda larga móvel tem ainda algumas limitações como elemento dinamizador do comércio eletrônico no país. Cerca de 76% dos telefones celulares do Brasil operam por meio de planos pré-pagos, dotados de pacotes de dados cuja franquia se esgota rapidamente. Por ser mais instável e menos

21 Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/07/sete-paises-tem-100-de-penetracao--de-banda-larga-movel-diz-ocde.html>. Acesso em: 13 jan. 2014.

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161veloz que a banda larga fixa,22 o serviço móvel provoca certa apreensão ao consumidor no momento da finalização das compras.

Ainda assim, a contribuição da mobilidade para o e-commerce é inques-tionável. Os smartphones têm sido cada vez mais usados como ferramenta de pesquisa de preços. Os consumidores não raro utilizam esse recurso dentro das lojas físicas, nas quais procuram uma experiência real com os produtos, e efetivam as compras no canal que julgam mais adequado.

Apesar dos problemas enumerados anteriormente, a mobilidade é enca-rada de maneira positiva pelo setor varejista, tanto que as principais em-presas do setor encontram-se empenhadas em desenvolver ou aprimorar as versões mobile de seus sites e atentas às potencialidades do comércio via rede sociais, como será visto em seções específicas do presente trabalho.

Mudanças nos hábitos dos consumidores

Os determinantes econômicos, sociais e tecnológicos vistos anteriormen-te não são capazes de explicar isoladamente o crescimento do e-commerce no Brasil. Seus efeitos só são percebidos num contexto em que as pessoas mudam sua relação com a tecnologia e seus hábitos de consumo.

À medida que a população percebe a conveniência e as vantagens eco-nômicas de efetuar compras pela internet, se informa sobre seus direitos, entende os instrumentos que sinalizam a segurança nas transações ou a ido-neidade dos varejistas e se familiariza com o modus operandi das compras on-line ou das devoluções de produtos adquiridos pela internet, um maior número de pessoas passa a utilizar esse canal de comercialização.

Nos últimos dez anos, o número de pessoas que já realizaram pelo menos uma compra on-line no Brasil cresceu de maneira acelerada, como ilustra o Gráfico 10. Em praticamente todos os anos desse período, a adição de novos e-consumidores superou a do ano anterior – em 2014 o número de e-consu-midores chegou a 63 milhões, com a adição de quase 12 milhões de pessoas que fizeram uma compra on-line pela primeira vez. Segundo o E-bit, nos últimos anos a maior parte dos novos entrantes foi composta por pessoas do sexo feminino, com ensino fundamental ou médio e pertencentes à classe C.

22 Sua velocidade média, no terceiro trimestre de 2014, foi de 1,5 Mbps, segundo o Portal Teleco.

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162 Gráfico 10 | Evolução do número de pessoas que já fizeram pelo menos uma compra on-line – Brasil, 2005 a 2014 (em milhões)

4,8 7,0 9,5

13,2

17,6

23,4

32,0

42,2

51,3

63,0

1,4 2,2 2,5 3,7 4,4 5,8 8,6 10,2 9,1

11,7

-

10

20

30

40

50

60

70

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014*

Total de e-consumidores Novos e-consumidores

Fonte: E-bit Informação (www.ebitempresa.com.br).* Estimativa E-bit.

Outra mudança no comportamento dos consumidores, que poderá impactar as vendas do e-commerce,23 mas com certeza mudará a estrutura in-terna dos varejistas multicanal, é sua conversão em clientes omnicanal. Esse tipo de cliente explora todas as possibilidades de interação com as marcas, compara preços nos diversos canais de comercialização disponíveis (lojas físicas, sites na internet, aplicativos, telefone etc.), não se importa com o canal em que aprecia a oferta, mas sim com a experiência de compra. Dessa forma, efetua a transação no canal que julgar mais conveniente e escolhe como quer receber sua mercadoria, isto é, on-line (produtos digitais), em casa, no trabalho, em lojas físicas, entre outras.

O desejo do consumidor de ser tratado da mesma maneira em qualquer canal, de encontrar os mesmos produtos, deparar-se com as mesmas ofertas e com políticas de vendas ou trocas similares traz grandes desafios para o varejo. A integração de canais implica importantes mudanças em sistemas de informação, em bases de dados, na gestão da logística e de estoques, nas estratégias de marketing e na comunicação do setor de vendas com os consumidores.

O crescimento do e-commerce no Brasil também está associado a uma mudança na composição da cesta dos e-consumidores. Até anos recentes, as

23 De acordo com o site ecommercebrasil.com, um estudo realizado pela Deloitte mostrou que os clientes cross canal gastam 82% mais que os que compram nas lojas tradicionais.

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163categorias de produtos que lideravam as vendas pela internet eram formadas por eletrodomésticos, produtos de informática e eletrônicos (Gráfico 11). Atualmente, a cesta do brasileiro tornou-se mais parecida com a dos eu-ropeus e norte-americanos, visto que os segmentos de produtos de moda, perfumaria e cosméticos assumiram a liderança das vendas.

Gráfico 11 | Categorias de produtos mais vendidos pelo e-commerce brasileiro (em volume de pedidos), 2011 e 2013

18

19

5

7

10

7

7

8

12

15

0 5 10 15 20

Cosméticos, perfumaria, cuidadospessoais e saúde

Moda e acessórios

Eletrônicos

Informática

Eletrodomésticos

2011 2013

Fonte: E-bit Informação (www.ebitempresa.com.br).

Até um passado recente, o comércio on-line desses segmentos no Brasil encontrava-se praticamente desacreditado pela falta de padrão do vestuário nacional e tradição dos consumidores de experimentar esses produtos antes da compra. De fato, essa mudança comportamental é relevante e demonstra certo amadurecimento tanto do consumidor quanto dos varejistas brasilei-ros. Ambos estão aprendendo a lidar com trocas ou devoluções de produtos adquiridos ou vendidos pela internet. Ademais, os varejistas estão se em-penhando em especificar bem seus produtos, em oferecer soluções virtuais que simulem a experimentação real e deixando mais claras suas políticas de trocas e devoluções.

Mobilidade e mídias sociais

O m-commerce

O m-commerce (mobile commerce) é a modalidade de comércio eletrô-nico feito por dispositivos móveis, como smartphones e tablets. Embora

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164 pareça mero detalhe conceitual, o fato de as transações serem efetuadas por dispositivos “não fixos” tem importantes implicações. Enquanto o e-commerce depende dos momentos em que os consumidores estão diante de um computador conectado à internet, geralmente em suas residências, no m-commerce as pessoas estão acessíveis ao consumo por muito mais tempo e praticamente em qualquer lugar.

No m-commerce, é possível oferecer bens e serviços específicos à loca-lização do consumidor, explorando tanto a conveniência como as oportuni-dades de consumo por impulso. Em uma abordagem conhecida como fiding, ofertas são realizadas através de painéis virtuais de produtos com códigos de barras, que podem ser lidos diretamente pelos dispositivos móveis. Outra solução já em uso consiste em aplicativos que permitem tirar uma foto de um produto na rua, reconhecer o item ou modelos similares e indicar as lojas com disponibilidade em estoque. Ainda podem ser citadas as aplicações que facilitam o processo de compra, como os dispositivos para acoplar cartão de crédito ao celular, ou comprar em um clique (one-click shop).

Essas e outras possibilidades estão refletidas nas estimativas para o mer-cado mundial de comércio eletrônico, como ilustra a Tabela 5, que apresenta previsões do Goldman Sachs. Apesar do m-commerce ter movimentado o equivalente a um quinto do e-commerce em 2013, espera-se que essa pro-porção dobre até o ano de 2016. Se os bons prognósticos para o setor se confirmarem, em 2018 o m-commerce deverá movimentar valores próximos aos registrados pelo e-commerce no ano de 2013.

Tabela 5 | E-commerce e m-commerce, dados mundiais e estimativas

2012 2013 2014* 2015* 2016* 2017* 2018*

e-commerce

(US$ bilhões) 545 638 752 882 1.024 1.179 1.346

Taxa de crescimento anual

17,1% 17,9% 17,3% 16,1% 15,1% 14,2%

m-commerce

(US$ bilhões) 61 133 204 298 415 516 626

Taxa de crescimento anual

118,0% 53,4% 46,1% 39,3% 24,3% 21,3%

(Continua)

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2012 2013 2014* 2015* 2016* 2017* 2018*

Proporção em e-commerce

20,8% 27,1% 33,8% 40,5% 43,8% 46,5%

Dispositivos de m-commerce

Smarthphones (milhões de unidades)

680 987 1.252 1.488 1.711 1.917 2.108

Tablets (milhões de unidades)

67 73 92 113 134 157 181

Total de aparelhos (milhões de unidades)

747 1.060 1.344 1.601 1.845 2.074 2.289

Taxa de crescimento anual

41,9% 26,8% 19,1% 15,2% 12,4% 10,4%

Consumidores em m-commerce

Consumidores (milhões de pessoas)

210 379 535 586 830 961 1.089

Taxa de crescimento anual

80,5% 41,2% 9,5% 41,6% 15,8% 13,3%

Consumidores/total de aparelhos

28,1% 35,8% 39,8% 36,6% 45,0% 46,3% 47,6%

Fonte: Goldman Sachs.* Dados estimados pela fonte.

A Tabela 5 mostra que o percentual de usuários que utilizam tablets e smartphones para realizar compras tende a crescer, passando de 36% em 2013 para 48% em 2018. Esse movimento sugere que a familiaridade das pessoas com a aplicação das tecnologias móveis ao consumo ainda tem um considerável potencial inexplorado. Além disso, vale ressaltar que as promissoras perspectivas para o m-commerce são resultado do crescimen-to tanto dessa categoria de consumidores (31% a.a.) quanto de seus gastos individuais (12% a.a.).

No Brasil, a adoção dos dispositivos móveis no comércio eletrônico ain-da se encontra em fase inicial. Como mostra o Gráfico 12, a participação do m-commerce no total de transações de e-commerce está bem aquém da mé-dia mundial, porém com taxa de crescimento bastante superior (235% a.a.).

(Continuação)

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166 Gráfico 12 | Participação do m-commerce no total de transações do e-commerce – Brasil, 2011 a 2014 (em %)

0,1 0,3 0,8

1,3

2,5

3,6

4,8

7,0

Jan. 2011 Jun. 2011 Jan. 2012 Jun. 2012 Jan. 2013 Jun. 2013 Jan. 2014 Jun. 2014

Fonte: E-bit (2014).

O Gráfico 13 mostra a distribuição das duas modalidades de comércio eletrônico entre as classes de renda. O m-commerce concentra-se nas fai-xas mais altas, dado que tablets, smartphones e planos de internet móvel competem nas classes C e D com soluções mais simples e baratas oferecidas pelas operadoras de telefonia. Já o e-commerce tem uma distribuição mais uniforme, por conta da popularização dos computadores pessoais e do acesso à internet. Essa característica indica que produtos e marcas de maior valor agregado vendidos no comércio eletrônico encontram no m-commerce uma oferta mais bem direcionada a seus públicos-alvo (classes de consumo A e B).

Gráfico 13 | Distribuição de e-commerce e m-commerce entre as classes de renda – Brasil, 1° semestre de 2014

64%

25%

11%

48% 45%

7%

A e B C e D Prefere não informar

m-commerce e-commerce

Fonte: E-bit (2014).

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167O Gráfico 14 expõe as principais categorias de produtos adquiridos em m-commerce no Brasil.

Gráfico 14 | Ranking de categorias m-commerce – Brasil, 1º semestre de 2014

3%

4%

5%

5%

5%

8%

9%

11%

17%

18%

Alimentos e bebidas

Informática

Telefonia e celulares

Esporte e lazer

Eletrônicos

Casa e decoração

Livros, assinaturas e revistas

Eletrodomésticos

Cosméticos, perfumaria e saúde

Moda e acessórios

Fonte: E-bit (2014).

Considerando que o m-commerce é realizado em tablets ou smartphones, desenvolver uma interface para esses dispositivos é um desafio para o mer-cado varejista. Para oferecer uma boa experiência de compra, é necessário criar uma versão totalmente separada do website original da empresa, com a finalidade de acomodar, em um aparelho com tela consideravelmente menor, as imagens e descrições dos produtos, principalmente no caso dos smartphones. Conhecida como web móvel (ou versão mobile), em seu layout são necessárias algumas características fundamentais, como botões grandes, pouco texto, rolagem de tela e check-out rápidos e funcionais. Do contrário, se o usuário precisar percorrer a tela em todas as direções para visualizar seu conteúdo, a experiência poderá ser frustrante.

Considerando que websites tradicionais são mais amigáveis em telas maiores, a Tabela 6 indica que a adoção da web móvel em celulares ainda possui um caminho a percorrer. As estimativas do número de dispositivos móveis em uso no Brasil mostram que smartphones representam aproxi-madamente quatro vezes a quantidade de tablets. No entanto, o volume de m-commerce no país distribui-se de maneira inversa, com maior partici-pação dos tablets.

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168 Tabela 6 | Share dos dispositivos móveis em número de aparelhos e volume de m-commerce – Brasil, 2014

Tablets (%) Smartphones (%)

Quantidade de aparelhos 19 81

Volume em m-commerce 60 40

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do E-bit e do IDC Brasil.

Com relação à oferta em m-commerce, o varejista pode optar por duas formas de disponibilizá-lo ao cliente: endereços digitados em navegador ou aplicativos a serem instalados nos aparelhos. Para empresas que dese-jam uma interface mais elaborada, a melhor opção são os aplicativos, que trazem a vantagem de serem desenvolvidos para determinado hardware e sistema operacional. Já o acesso tradicional (digitado) traz a vantagem de não ser uma modalidade tão específica, oferecendo maior flexibilidade e alcance de público.

A exploração do potencial de crescimento do m-commerce no Brasil depende da oferta de uma experiência de navegação em internet rápida em sites desenvolvidos para os dispositivos móveis. Com relação à primeira condição, um dos principais desafios está na melhoria da infraestrutura de redes 3G e 4G. Além de ampliar sua abrangência, há a necessidade de au-mentar a velocidade de tráfego de dados, principalmente em horários de pico. Com isso, os desenvolvedores de aplicativos poderão criar produtos mais sofisticados, que demandam taxas rápidas de download, oferecen-do mais possibilidades às empresas e aos consumidores.

O social commerce

Com o advento das mídias sociais, diversas empresas de e-commerce têm percebido a oportunidade de divulgar suas marcas ou de ampliar suas ven-das por meio de uma nova forma de comercialização conhecida por social

commerce ou s-commerce. Essa modalidade de comércio eletrônico con-siste na venda de produtos e serviços diretamente em mídias sociais, como o Facebook, o Twitter, o Google+, o LinkedIn e o Pinterest. Nesse tipo de comércio, o cliente pode realizar todas as etapas do processo de compra, que compreende a busca de produtos, a escolha, o pagamento e a avaliação no ambiente de uma rede social.

A prática do s-commerce tende a favorecer clientes e fornecedores. Além de todos os benefícios oferecidos pelo comércio eletrônico tradicional, os

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169usuários de redes sociais podem obter informações adicionais sobre produtos e lojistas diretamente de sua rede de contatos que, em geral, costuma ser per-cebida como mais confiável que fontes alternativas. Já os varejistas podem estreitar sua relação com os clientes usuais ou potenciais, na medida em que as redes sociais favorecem a comunicação e interatividade entre pessoas e empresas. Por meio das redes, os varejistas podem esclarecer dúvidas, dar sugestões e criar experiências de compras personalizadas. Ademais, podem empreender marketing direto ou se beneficiar do marketing espontâneo, realizado por pessoas que curtem ou compartilham a página do lojista, um produto específico ou a experiência de compra em sua rede de contatos.

O Ecommerce News24 frisa que o s-commerce requer que os comerciantes interajam com os consumidores como se fosse pessoalmente, de forma a construir e aprofundar relacionamentos. Quando essa relação é bem admi-nistrada, aumenta a probabilidade de produtos e serviços receberem avalia-ções positivas, influenciando potenciais clientes. Por outro lado, caso venha a ser mal gerida, a imagem da empresa pode ficar comprometida, uma vez que as pessoas têm alta propensão a compartilhar experiências negativas.

Apesar de relativamente pouco explorado, o s-commerce poderá gerar grandes oportunidades em um futuro próximo. A base de clientes poten-ciais do Facebook, maior rede social da atualidade no Brasil e no mundo, por exemplo, é muito significativa. De acordo com o eMarketer, cerca de 1,3 bilhão de pessoas eram usuárias dessa rede social em 2014. Segundo suas estimativas, esse número tende a se expandir e chegar a 1,7 bilhão em 2017. No Brasil, cerca de 76% dos usuários de internet, ou 81 milhões de pessoas, tinham conta no Facebook no ano de 2014. Caso cresça segundo as taxas estimadas pelo eMarketer, a penetração da rede social no país che-gará a 84% e abrangerá 104 milhões de pessoas em 2017.

Apesar de ainda ser uma aposta, o impacto econômico das mídias so-ciais já é perceptível. Uma pesquisa recente analisou como o Facebook estimula a atividade econômica ao proporcionar ferramentas para o marketing, uma plataforma para os desenvolvedores de aplicativos, além de demanda por conectividade [Deloitte (2015)]. Considerando efeitos diretos sobre as vendas de empresas que se relacionam com a rede social, efeitos indiretos sobre a cadeia produtiva em que essas empresas estão inseridas e efeitos induzidos pelo consumo das pessoas empregadas nesse sistema, o

24 Disponível em: <http://ecommercenews.com.br/glossario/social-commerce>. Acesso em: 3 jan. 2015.

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170 estudo estimou que o Facebook proporcionou um impacto econômico (em termos de valor agregado) de US$ 227 bilhões e a criação de 4,5 milhões de empregos em todo o mundo, no ano de 2014. Ainda segundo esse estu-do, a grande penetração do Facebook no Brasil trouxe resultados significa-tivos ao país, isto é, um impacto econômico de US$ 10 bilhões e a criação de 231 mil postos de trabalho em 2014. Informe-se que a maior parte do impacto econômico estimado adveio de efeitos relacionados ao marketing na rede. Além do compartilhamento de links e de experiências de consu-mo, atribui-se esse resultado a um aumento da efetividade do marketing, isto é, da maior conversão de vendas em relação ao custo das campanhas, dado que ferramentas próprias da rede social favorecem a identificação do público-alvo das empresas com maior precisão.

Vale destacar que as mídias sociais podem beneficiar sobremaneira os pequenos empreendedores.25 Por permitir que empresas de qualquer porte tornem suas marcas mais conhecidas, de certa forma elas reduzem barrei-ras ao marketing e viabilizam muitos negócios. No caso do Facebook, uma pequena empresa pode abrir gratuitamente e de maneira bastante simples uma fan page (espécie de perfil de pessoas jurídicas) na rede social, apre-sentar seus produtos e interagir com potenciais clientes em bases local, nacional e internacional.26 As mídias sociais facilitam também o acesso dos pequenos empresários ao universo do e-commerce. Por meio de alguns aplicativos existentes no mercado, é possível montar rapidamente uma loja no Facebook, por exemplo. Em geral, o uso dessas ferramentas está sujei-to ao pagamento de alguma comissão sobre o valor das vendas, mas tem a vantagem de dispensar, para o empresário, o conhecimento de linguagens de programação ou a contratação de especialistas em TI para a construção e manutenção da loja on-line.

Comercializar por meio de mídias sociais também pode beneficiar em-presas maiores, sobretudo em função do marketing que oferece. Entre os grandes varejistas do Brasil, o Magazine Luiza destaca-se por adotar o s-commerce como estratégia de fortalecimento da marca e ampliação de

25 Mercados de nicho ou de produtos voltados para jovens (grupo que compõe a maior parte do público das redes sociais) são uma boa aposta para as micro, pequenas e médias empresas nessa modalidade de comércio.26 Segundo Deloitte (2015), atualmente mais de trinta mil pequenas e médias empresas têm página no Facebook.

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171vendas. No modelo criado pela empresa, conhecido por Magazine Você, qualquer pessoa pode tornar-se um vendedor da marca no Facebook. Sem nenhum investimento, o interessado seleciona produtos à venda no site da empresa e cria sua própria loja, podendo compartilhar seu mix de produtos com seus contatos da rede social. Para cada venda realizada, o Magazine Luiza paga uma comissão, que varia de 2,5% a 4,5% do valor do produto. A parte operacional, que passa pelo recebimento do valor da venda, entre-ga do produto e pagamento de comissões fica a cargo do Magazine Luiza. Lançado para público em fevereiro de 2012, o Magazine Você chegou ao fim desse mesmo ano com um total de 62 mil lojas.

Pode-se dizer que no Brasil o s-commerce ainda se encontra em um es-tágio inicial de desenvolvimento. Caso essa modalidade de venda de fato encontre eco entre os consumidores brasileiros, as perspectivas de cresci-mento se tornarão bastante positivas, dados o grande número de pessoas on-line no país e a assiduidade do brasileiro na internet e nas redes so-ciais. De acordo com um estudo publicado em maio de 2014 pela agência norte-americana comScore, os brasileiros ficam, em média, 29,7 horas por mês conectados à internet em seus computadores – sete pontos percentuais a mais que a média mundial. Desse total de tempo, 43% são passados em re-des sociais, valor também superior à média mundial de 25%. Ainda que não seja uma panaceia para empreendedores do varejo ou de outros segmentos industriais e de serviços, o s-commerce já deve ser encarado como algo po-sitivo e merecedor de análises futuras, uma vez que a atividade, no mínimo, proporciona uma democratização do marketing e oferece oportunidades para a concretização do empreendedorismo individual.

Desafios e oportunidades para os próximos anos

Ainda que o varejo on-line continue a crescer a dois dígitos nos próximos anos, alguma desaceleração, como já percebida no varejo tradicional no ano de 2014, não deve ser descartada. Nesse cenário, espera-se que os consu-midores se tornem mais cautelosos e valorizem a experiência de compra. Além disso, independentemente de qualquer prognóstico de vendas, pode-se dizer que a concorrência no e-commerce tende a acirrar nos próximos anos. Em mercados dinâmicos como esse, é comum a constante presença de no-vos entrantes. Ademais, deve-se sempre considerar a expectativa de que

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172 gigantes internacionais desembarquem no Brasil ou reposicionem negócios já em operação no país.27

Oferecer um serviço eficiente, que cumpra prazos e prime pela qualidade tanto durante a venda quanto no pós-venda, será condição sine qua non para o sucesso das empresas brasileiras de e-commerce nos próximos anos. Como isso se alcança por meio de investimentos em recursos humanos, tecnologia, infraestrutura e logística, o principal desafio imposto às empresas é conci-liar investimentos com rentabilidade. Para tanto, é fundamental monitorar constantemente os custos,28 criar uma infraestrutura logística adequada ou contratar operadores logísticos eficientes, estipular prazos de entrega factí-veis e cooperar para uma mudança cultural desse mercado. Como os consu-midores brasileiros ainda dão grande peso aos preços na decisão da compra, faz-se necessário dar estímulos para que percebam as vantagens de pagar pela conveniência (entregas expressas, pagamentos parcelados etc.), pela eficiência e por bons serviços pós-venda.

Mudanças tecnológicas e nos hábitos dos consumidores também impõem desafios para o e-commerce. Embora haja atualmente uma grande deman-da para soluções de mobilidade, a maior parte das empresas brasileiras que comercializam on-line não dispõe de aplicativos para vendas, tampouco tem sites preparados para as peculiaridades da navegação em tablets ou smartphones. Portanto, para se beneficiarem da acelerada expansão da mo-bilidade no país, os varejistas precisam investir na construção de aplicativos, ou tornar seus sites amigáveis aos dispositivos móveis.

Outro desafio surgido de demandas dos consumidores consiste em con-verter empresas que operam em múltiplos canais em empresas omnicanal. As que optarem por esse caminho deverão se empenhar para superar dificuldades operacionais, como a unificação de bancos de dados das lojas físicas e virtuais, a integração de sua estrutura logística e reformular estra-tégias de marketing, de modo a tornar mais homogênea a experiência dos consumidores nos diversos canais.

O e-commerce deve também monitorar constantemente as mudanças dos aparatos regulatórios do país e adequar-se rapidamente a seus requerimentos,

27 O Carrefour, por exemplo, terceira maior rede de supermercados instalada no Brasil, pode relançar o seu e-commerce a qualquer momento. A Amazon, que a princípio só vendia conteúdo digital no país, está entrando no negócio de produtos físicos. Além disso, grandes varejistas internacionais, como a Best Buy, a Tesco e a Walgreens ainda não contam com operações no Brasil. 28 Principalmente dos fretes, da logística reversa, dos parcelamentos, da armazenagem e do marketing.

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173com vistas a evitar problemas de ordem jurídica. Nos últimos dois anos, por exemplo, a Lei do E-commerce (Decreto 7.962/2013), o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) e a Lei de Entregas do Estado de São Paulo (Lei Estadual 13.747/09) impuseram a adoção de certas condutas por parte dos e-varejistas. Deve-se destacar, porém, que a adaptação às normas não apenas vem exigindo esforços dos empresários. Ao ampliarem a segurança dos consumidores, fortalecem o canal de comercialização.

A Lei do E-commerce é uma regulamentação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) que estabelece algumas regras para o co-mércio on-line. Entre elas está a obrigatoriedade de destacar nos sites de vendas o nome, o registro e o endereço físico da empresa. O lojista deve informar também características essenciais dos produtos e serviços comer-cializados, quaisquer despesas adicionais relacionadas à transação (fretes, seguros e outras), as formas de pagamento, disponibilidade e prazo de en-trega. O varejista deve disponibilizar ainda um contrato de compra e venda que possa ser salvo pelo consumidor, manter serviço adequado e eficaz de atendimento em meio eletrônico e informar de forma clara e ostensiva os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento. As sanções previstas em caso de não cumprimento das regras são as mesmas do Código de Defesa do Consumidor e incluem multas, suspensão tempo-rária e fechamento definitivo da empresa.

O Marco Civil da Internet estabelece princípios, garantias, direitos e deve-res para o uso da internet no Brasil. Ainda que não voltado exclusivamente a questões a respeito do comércio eletrônico, estabelece algumas normas que impactam a atividade, em especial no que tange a coleta, armazenagem e manuseio de dados dos clientes.

Em seu capítulo II, a lei estabelece a inviolabilidade e o sigilo do fluxo das comunicações dos usuários pela internet, bem como de comunicações privadas armazenadas (salvo por ordem judicial). Isso significa que empresas não podem monitorar e utilizar informações contidas em trocas de mensa-gens para planejar ou implementar o seu marketing digital.

A lei também assegura ao usuário da internet o direito de receber infor-mações claras e completas sobre coleta, uso, armazenamento, tratamen-to e proteção de seus dados pessoais, que somente poderão ser utilizados para finalidades que: (i) justifiquem sua coleta; (ii) não sejam vedadas pela

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174 legislação; e (iii) estejam especificadas nos contratos de prestação de ser-viços ou quanto a uso de aplicações de internet.

A lei veda às empresas o fornecimento a terceiros de dados pessoais de seus clientes, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de in-ternet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei. Assegura também ao consumidor o direito ao consentimento expresso sobre coleta, uso, armazenamento e tratamento de dados pessoais, além da exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet, a seu requerimento, ao tér-mino da relação entre as partes.

Entre as penalidades previstas às empresas que não cumprirem o previs-to no Marco Civil da Internet estão: advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas; multa de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício; suspensão temporária das atividades; e proibição de exercício das atividades.

A Lei de Entregas, por seu turno, exigiu adaptações nos serviços de lo-gísticas associados ao e-commerce. Segundo essa lei, no estado de São Paulo os fornecedores de bens e serviços são obrigados a estipular data e turno para a realização de entregas aos consumidores. Além disso, devem ofere-cer, sem a cobrança de custos adicionais, alternativas para que o consumidor possa escolher a opção que melhor lhe atenda. O não cumprimento da lei também gera sanções, que vão de multas à interdição do estabelecimento.

Outro desafio presente no cotidiano do e-commerce do Brasil refere-se à sua gestão de caixa. Trata-se de um aspecto financeiro do setor que, em-bora pareça um detalhe técnico, afeta profundamente a lógica de expansão da atividade.

Em um cenário de forte crescimento de vendas, dois tipos de empresa vivenciam o fenômeno de modo diferente: empresas com sobras de caixa e empresas com necessidade de capital de giro crescente.

Quando o poder de barganha do varejista perante seus fornecedores é alto e empregado na negociação dos prazos de pagamento, ao mesmo tempo em que um poder de mercado não desprezível permite que prazos de recebimento igualmente adequados sejam praticados com consumidores, configura-se um modelo no qual as entradas no caixa em t, ligadas ao próprio período t (os consumidores pagam à vista), superam largamente as saídas em t, que são

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175ligadas ao período t-1 (ou seja, o varejista paga hoje, com hiato temporal, itens fornecidos no período anterior), dada a premissa de que o cenário em análise é de grande crescimento de vendas. Surge então um saldo crescente que pode ser revertido em ganho financeiro, ajudando a enfrentar, se for o caso, margens baixas e custos logísticos e de marketing altos.

Por outro lado, se o poder de barganha da empresa perante fornecedores e clientes é mais baixo, algumas variáveis importantes assumem uma con-figuração desafiadora. A dinâmica anteriormente descrita inverte-se, e as saídas no período t, referentes ao custo das mercadorias vendidas no próprio período t (isto é, com pagamento aos fornecedores à vista), superam as en-tradas em t, ligadas às vendas do período t-1 (recebidas dos consumidores com algum prazo e, sob a hipótese de alto ritmo de expansão, envolvendo valores menores). Ao longo do tempo, mês após mês a necessidade de capi-tal de giro da empresa cresce, demandando suporte financeiro. Além desse custo financeiro de peso cada vez maior (algo que se agrava caso as taxas de juros sejam altas), o alto ritmo de crescimento esbarra em outras difi-culdades: quanto mais rápido as vendas crescem, maior a pressão sobre as margens, menor o espaço para corrigir os subsídios implícitos na política de frete gratuito e maiores os gastos com propaganda on-line (uma necessidade singular das empresas de e-commerce, que precisam reforçar sua presença na rede por meio de sistemas automatizados de propaganda, cujos bids acabam por representar uma fatia significativa dos custos). Nesse caso, crescer rapi-damente não é uma fonte de ganhos, mas sim uma pressão sobre os custos.

Além de desafios, o e-commerce também se depara com oportunidades. O mercado de nicho, que em geral é explorado por pequenos varejistas, cresce a elevadas taxas. O mercado de aplicativos no país, que já fatura US$ 1,5 bilhão,29 e a venda de produtos ou serviços por meio deles (chamado de on-line to off-line – O2O), apresenta grande potencial de crescimento. O mercado internacional também oferece oportunidade para empresas brasi-leiras. Alguns países da América Latina, como o México e a Argentina, têm maior penetração de e-consumidores e mais smartphones per capita do que o Brasil. No entanto, eles têm menor participação das vendas on-line como proporção das vendas do varejo. A experiência adquirida pelas empresas de e-commerce do Brasil pode revelar-se uma importante vantagem competi-tiva, caso decidam se expandir para essa região.

29 Disponível em: <http://jornalggn.com.br/noticia/brasil-movimenta-us-15-bi-na-industria-de--aplicativos>. Acesso em: 5 jan. 2015.

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176 Considerações finais

Nos últimos anos, o comércio eletrônico brasileiro expandiu-se a elevadas taxas. Diversos fatores contribuíram para o sucesso da atividade, entre eles, o crescimento econômico com inclusão social, a melhoria da infraestrutura de telecomunicações do país, a difusão de dispositivos eletrônicos conectá-veis à internet, além de mudanças no comportamento dos consumidores.

Mais do que uma mera forma de comercializar, a verdadeira importân-cia do desenvolvimento do e-commerce para a economia brasileira está em sua capacidade de alterar a lógica do mercado varejista e a estrutura interna das firmas, de ampliar a coordenação de cadeias de valor e de aumentar o bem-estar dos consumidores.

Por colocar em um mesmo ambiente firmas antes separadas por barreiras geográficas, o comércio eletrônico tende a elevar o patamar da competição no setor varejista. Para conquistar espaço em um mercado promissor, mas caracterizado por alta rivalidade, firmas praticantes do e-commerce tendem a investir na modernização de suas operações e a contratar profissionais qualificados, o que as torna mais eficientes e intensivas em conhecimento. Somando-se a isso o fato de que os varejistas on-line observam em tempo real o comportamento dos consumidores, pode-se afirmar que o e-commerce contribui para a consolidação do varejo como condutor de cadeias de valor e, em alguma medida, como difusor de eficiência em parte significativa do tecido produtivo.

Para os consumidores, o comércio eletrônico tende a aumentar o bem--estar deles por meio de diversas frentes. Além de conveniência, as ven-das on-line oferecem preços mais competitivos, acesso a maior sortimento de produtos, grande volume de informações e diferentes experiências de consumo. Com o advento das tecnologias móveis e das mídias sociais, os consumidores deparam-se ainda com menores barreiras de tempo e es-paço para efetivação de suas demandas, acesso a experiências de consumo de sua rede de contatos e maior influência sobre o comportamento dos va-rejistas, dado que podem comparar preços a qualquer momento (inclusive no interior de lojas físicas) e compartilhar rapidamente com outros consu-midores eventuais elogios ou insatisfações.

Para o futuro próximo, espera-se que a atividade continue a se expandir no país. O recente aumento do número de pessoas que efetuaram sua pri-meira compra on-line e a emergência de novas formas de comercialização

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177pela internet sugerem que o movimento de alta deve manter-se no curto prazo – mesmo que o varejo em geral não cresça como no passado recente, o e-commerce deverá ganhar participação no total das vendas.

Os prognósticos também são positivos para um horizonte mais distante. Independentemente do desempenho econômico do país nos próximos anos, a evolução de aplicações das TIC no varejo vem resultando na criação de facilidades que paulatinamente incorporam-se à realidade do Brasil. O big

data30 e a computação em nuvem, por exemplo, já são empregados por al-guns varejistas brasileiros. Outras tecnologias, como pagamentos móveis, internet das coisas e impressoras 3D, deverão impactar significativamente o varejo on-line e off-line nos próximos anos. Além disso, como destacam Rolli e Sciarretta (2015), em um futuro não muito distante, o mercado de trabalho do país absorverá uma geração acostumada com novas tecnolo-gias (chamada de geração smartphone), hiperconectada a redes sociais e a fóruns de consumidores, menos temerosa de realizar transações on-line e menos apegadas às marcas tradicionais do varejo. Nesse contexto, as firmas varejistas (e alguns ramos dos serviços) deverão se deparar com grandes oportunidades, mas também com diversos desafios, que só serão superados com investimento em infraestrutura, tecnologia e conhecimento.

Com forte presença no setor de comércio e serviços, o BNDES tem dado suporte a planos de investimento em e-commerce de diversas empresas brasileiras, bem como a empreendimentos logísticos e a investimentos em TI. Trata-se de um núcleo de alto valor agregado do setor terciário que se encontra em expansão e tende a demandar recursos crescentes. O apoio do BNDES a tais iniciativas também será crescente, algo que se coaduna com a importância estratégica desses segmentos.

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AMÉRICAECONOMÍA. Estudio de comercio electrónico en América Latina. Santiago de Chile: AméricaEconomía Intelligence, 2012. Disponível em:

30 Captação e análise de grandes quantidades de dados, para fi ns específi cos. Entre as aplicações para o varejo está a elaboração de campanhas de marketing mais assertivas, por meio da análise de dados coletados na internet sobre o comportamento dos consumidores.

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180 WTO – WORLD TRADE ORGANIZATION. E-commerce in developing

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Siderurgia

BNDES Setorial 41, p. 181-236

Sustentabilidade da siderurgia brasileira: eficiência energética, emissões e competitividade

Pedro Sérgio Landim de Carvalho

Pedro Paulo Dias Mesquita

Elizio Damião G. de Araújo*

Resumo

O presente artigo busca analisar a sustentabilidade da siderurgia brasilei-ra, com foco em parâmetros de eficiência de produção e competitividade. Comparativamente, são apresentados parâmetros de sustentabilidade bra-sileiros e internacionais, bem como um quadro atual da indústria sobre a eficiência energética, abrangendo programas de redução de consumo ener-gético e emissões, além de dados de autoprodução de energia da siderurgia brasileira. São realizadas análises de eficiência e competitividade por rotas e etapas de produção, com destaque para a eficiência e o consumo de energia, principal fonte de emissões das usinas siderúrgicas. As análises contemplam a identificação da posição relativa da indústria brasileira quanto ao consu-mo dos principais insumos, buscando identificar os países produtores mais eficientes em cada etapa de produção. Por fim, apresentam-se as principais tecnologias e processos promotores de eficiência energética e redução de emissões, bem como oportunidades e perspectivas de apoio à adoção dessas tecnologias por indústrias menos avançadas.

* Respectivamente, gerente, economista e engenheiro do Departamento de Indústria de Base da Área de Insumos Básicos do BNDES.

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182 A indústria siderúrgica: principais segmentos e produtos

A indústria siderúrgica é importante fornecedora de insumos para pro-dutos de diversas indústrias e para a construção civil. É formada por gran-des empresas, em geral verticalizadas, que operam as diversas fases do processo produtivo, da transformação do minério em ferro primário (gusa ou ferro-esponja) à produção de bobinas laminadas a quente, a frio ou gal-vanizadas, para aplicação em produtos na indústria automotiva, de bens de capital, naval, de linha branca, entre outras. Os laminados longos, também produtos siderúrgicos, cujo principal exemplo é o vergalhão, são muito usa-dos nos setores de habitação e infraestrutura. Cabe destacar outro segmento importante da indústria siderúrgica: a produção de tubos de aço, que podem ser com costura ou sem costura.

Por ser uma indústria intensiva em capital, necessita de investimentos em ativos destinados a projetos de longo prazo de maturação, que implicam elevado aporte de recursos e fortes barreiras à entrada.

A indústria siderúrgica brasileira consegue atender à quase totalidade da demanda do mercado doméstico, produzindo uma ampla gama de produ -tos de aços planos e longos. A maior parte da produção siderúrgica nacional é de aço carbono comum. Vale observar que todos os produtos fabricados em aço carbono também podem ser produzidos em aço especial ou liga-do. No entanto, pela complexidade dos processos de elaboração dos aços especiais e pelo valor intrínseco dos chamados elementos de liga (níquel, cromo, cobalto, nióbio, vanádio, entre outros), geralmente são produzidos em pequenos volumes e têm aplicações específicas.

Rotas tecnológicas e principais processos de produção do aço

O aço é uma liga metálica ferro-carbono em que o ferro participa pelo menos com 98% e o carbono com até 2%. Entre outras propriedades, apre-senta resistência mecânica, maleabilidade e ductilidade, principais caracte-rísticas necessárias às suas diversas aplicações na engenharia estrutural.

O processo de produção do aço pode ser dividido em três etapas básicas:

1. redução, em que o minério de ferro é transformado em ferro metálico (gusa ou ferro-esponja);

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1832. refi no, em que são retiradas as impurezas da liga metálica e reduzido o teor de carbono, etapa na qual se obtém o aço propriamente dito; e

3. conformação mecânica, na qual o produto semiacabado, resultado da solidifi cação do aço (lingotamento), é laminado na forma desejada: chapas, barras, fi os, tubos etc.

A divisão do processo produtivo nessas três etapas permite, ainda, uma classificação da siderurgia em dois segmentos: (i) as usinas integradas, que executam as três etapas citadas, procedendo à redução do minério de ferro através do coque, do carvão vegetal ou do gás natural; e (ii) as semi-integradas, em que o aço é obtido através da fusão/refino da carga metálica, composta de sucata e ferro-gusa ou ferro-esponja.

A seguir, apresentam-se, de forma sumariada, as três etapas básicas de produção do aço.

Redução do minério de ferro

O processo de redução consiste na transformação do minério de fer-ro, geralmente na forma de um óxido de ferro, em uma liga metálica de ferro-carbono, a partir do uso de um agente redutor – no caso, o elemento carbono. Do processo de redução, obtém-se o chamado ferro primário ou ferro de primeira fusão (liga de ferro e carbono).

A obtenção do ferro primário ou ferro reduzido pode ser feita por meio de diversas rotas tecnológicas. As mais comumente utilizadas são:

1. redução do minério (na forma de granulado, de sínter ou de pelota) em altos-fornos, com uso do coque de carvão mineral como agente termorredutor, tendo como produto o ferro-gusa líquido, que é trans-portado à aciaria, unidade na qual é transformado em aço, no caso de uma unidade integrada a coque;

2. redução do minério (na forma de sínter ou pelota) a partir do carvão vegetal como termorredutor, em fornos menores, tendo como produto o ferro-gusa líquido, que pode ou não ser solidifi cado na forma de pão de gusa, para ser usado em etapa posterior, na produção do aço, geralmente em fornos elétricos;

3. produção de ferro-esponja (ferro primário sólido), a partir do minério na forma de pelotas ou granulado, com uso de gás reformado como

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184 agente redutor (em geral, obtido a partir do gás natural), no processo conhecido como redução direta, cuja tecnologia mais usada é a Midrex;1

4. produção de ferro primário através de fusão redutora, cuja tecnologia mais usada é a Corex (vide nota 1).

Em unidades integradas a coque – rota mais utilizada mundialmente na produção de aço –, o minério de ferro, o coque e os fundentes são carre gados pelo topo, no alto-forno, enquanto pelas ventaneiras, localizadas na base do forno, é injetado ar quente, dando início ao processo de fusão da carga sólida. A temperatura nos alto-fornos varia de 1.000°C no topo a 1.500°C na base. A combinação do carbono do coque com o oxigênio do minério libera o calor necessário para fundir o metal. Na base do alto-forno, vai se depositando o ferro-gusa, que, depois, é retirado e levado aos conversores para seu refino.

O ferro primário obtido nessa etapa segue para o processo de refino, no qual se obtém o aço propriamente dito.

Cabe observar que, no Brasil, de acordo com a configuração técnica das usinas, a produção de aço apresenta forte concentração em unidades integradas a coque, chegando a representar 80,3% da produção em 2013.

Outro ponto importante é que, no Brasil, a produção de aço através do uso de conversores a oxigênio (LD/BOF – Basic Oxygen Furnace), que será detalhada a seguir, representa boa parcela da produção, chegando a ter par-ticipação de 73,3%, entre os processos de aciaria, em 2013. Nesse mesmo ano, em todo o mundo, a participação dos conversores LD/BOF chegou a 71,7% do total de produção de aço bruto.

Refino (aciaria)

Trata-se da etapa em que o ferro primário é convertido em aço líquido. Utiliza-se o chamado refino secundário ou metalurgia de panela quando se deseja conferir ao aço características mais nobres, seja pela adição de elementos de liga, seja pela utilização de atmosferas controladas para tra-tamento do aço líquido.

1 A tecnologia Midrex baseia-se na redução direta do minério de ferro pela passagem de um gás redu -tor em contracorrente ao fl uxo descendente da carga ferrífera (granulados e pelotas). O processo Corex tem dois estágios básicos: em um primeiro reator, realiza-se a redução quase total do minério de ferro em estado sólido. Nesse reator, o material obtido é carregado para um segundo reator, onde é fundido para completar o processo de redução. A energia empregada nesse processo é fornecida pela queima do carvão mineral do segundo reator.

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185Basicamente, existem três processos de produção de aço líquido, caracte-rizados pelo emprego de diferentes fornos de refino: o conversor a oxigênio (LD/BOF), o forno elétrico a arco (EAF – Electric Arc Furnace) e o forno Siemens-Martin (OH – Open Heart).

O processo Siemens-Martin está praticamente em desuso por causa de sua baixa produtividade e ao alto potencial poluidor, razão pela qual não será objeto de detalhamento neste artigo. Atualmente, tal processo é utili-zado apenas na Ucrânia e na Rússia.

Conversor a oxigênio (LD/BOF)

O processo de refino do aço em conversores a oxigênio (processo LD/BOF) tem por objetivo reduzir os teores de carbono do ferro-gusa, na fase líquida, através de injeção de oxigênio com lanças de sopro. Nessa fase, também ocorre redução dos teores de outros elementos, como silício, enxofre e fósforo.

Forno elétrico a arco (EAF – Electric Arc Furnace)

O processo de produção do aço em forno elétrico (EAF) consiste na fusão de sucata de aço e de ferro primário (gusa ou ferro-esponja) a partir do calor gerado por um arco elétrico formado entre eletrodos de grafita ou entre os eletrodos e a carga metálica.

Depois da fusão da carga, injeta-se oxigênio por meio de uma lança, a fim de promover a reação de oxidação de carbono, silício e fósforo, visando à redução desses elementos.

A transformação de gusa em aço, tanto nos conversores como nos for-nos elétricos, sempre libera monóxido (CO) e dióxido de carbono (CO

2).

Após a obtenção do aço líquido, ocorre a solidificação, a partir de pro-cesso de lingotamento, a fim de seguir para a etapa de conformação do ma-terial através da laminação.

Conformação (laminação)

A laminação é o processo metalúrgico de conformação mecânica mais utilizado. Consiste na passagem do material semiacabado (placa ou barra) entre dois cilindros, visando à diminuição da espessura da placa/barra, que

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186 ocorre por meio das forças de atrito entre o semiacabado e os cilindros de laminação. Antes de passar pelos cilindros, o material é levado ao forno de reaquecimento para que fique ao rubro, ou seja, dúctil o suficiente para que possa ser laminado até se obterem espessuras muito finas.

Por meio da laminação, são obtidos produtos acabados, que tanto po-dem ser planos (chapas grossas, chapas e folhas laminadas a quente e a frio) quanto longos (fio-máquina, vergalhões, perfis, tubos). Em geral, os laminados planos a quente e a frio são apresentados na forma de bobinas.

A seguir, as figuras apresentam, de forma esquemática, os fluxos simpli-ficados das duas rotas mais empregadas na produção de aço:

Figura 1 | Principais rotas de produção de aço

Figura 1a | Rota de produção em unidades integradas a coque (alto-forno e LD/BOF)

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187Figura 1b | Rota de produção a partir de aciaria elétrica (EAF)

Fonte: Elaboração própria.

Aspectos ambientais

A indústria siderúrgica é grande consumidora de energia e de materiais e, como tal, também responsável por considerável volume de efluentes, dada a grande quantidade de reações físico-químicas envolvidas nas diver-sas etapas do processo de fabricação do aço. Assim, para a transformação do minério de ferro em produto laminado de aço, passando pelas etapas de coqueificação, sinterização, redução e refino, são produzidos grandes vo-lumes de emissões gasosas, efluentes líquidos e resíduos sólidos. A partir da década de 1980, por pressão da sociedade e da legislação pertinente, a indústria tem-se tornado mais eficiente e sustentável, por meio da recicla-gem de produtos e subprodutos, que promoveram a redução do consumo específico de energia.

Em uma planta siderúrgica integrada, as etapas mais emissoras de efluen-tes são a coqueria, a sinterização, a redução no alto-forno e a aciaria. As no-vas tecnologias e mudanças de processos buscam eliminar algumas etapas ou mitigar o impacto ambiental produzido. Nesse aspecto, há uma tendên-cia mundial no sentido de compactar as plantas siderúrgicas, visando a uma maior utilização de sucata reciclável e flexibilização dos processos, o que explica o emprego crescente de aciarias elétricas, plantas semi-integradas conhecidas como minimills.

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188 A Tabela 1 apresenta os principais insumos energéticos e efluentes ge-rados nas principais etapas/processos siderúrgicos:

Tabela 1 | Principais insumos energéticos e efluentes da siderurgia

Principais insumos

energéticos

Principais efl uentes

Gasosos Líquidos Sólidos

Rota

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Sinterização Coque

Energia elétrica (baixo consumo)

Material particulado, CO, CO

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2, NO

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VOCS, HF e HCL

- Pós, lamas e carepas

Coqueria Carvão metalúrgico

Energia elétrica (baixo consumo)

Material particulado, CO, CO

2, SO

2 NO

X,

VOCS, benzeno, PAH e CH

4

Amônia, benzeno, tolueno e xileno

Material particulado e alcatrão

Alto-forno Coque, PCI

Energia elétrica (baixo consumo)

Material particulado, CO, CO

2, SO

2, NO

X,

VOCS, HF e HCL

- Pós, lamas e escória

Aciaria a oxigênio (LD/BOF)

Energia elétrica (baixo consumo)

Material particulado, metais (zinco), CO, VOCS, HF e HCL

- Pós, lamas, metais solúveis, zinco e escória

Lingotamento contínuo

Energia elétrica (baixo consumo)

- Óleo Sólidos suspensos e sucata

Laminação Gás de coqueria, gás de alto-forno ou de aciaria e energia elétrica (alto consumo)

Material particulado, CO, CO

2, SO

2, NO

X,

VOCS e vapores ácidos

Óleos e ácidos

Carepas, lamas e pickle liquor (líquor ácido)

Rota

via

EA

F

Aciaria elétrica

Energia elétrica (alto consumo)

Material particulado, metais (zinco, chumbo e mercúrio), CO

2 e

dioxinas

- Pós, lamas e escória

Lingotamento contínuo

Energia elétrica (baixo consumo)

- Óleo Sólidos suspensos e sucata

Laminação Gás natural e energia elétrica (alto consumo)

Material particulado, CO, CO

2, SO

2, NO

X,

VOCS e vapores ácidos

Óleos e ácidos

Carepas, lamas e pickle liquor (líquor ácido)

(Continua)

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Principais insumos

energéticos

Principais efl uentes

Gasosos Líquidos Sólidos

Ou

tras

Redução direta Midrex

Gás natural NOx

- -

Fusão redutora (Corex)

Carvão mineral (energético ou metalúrgico)

CO2

- -

Fontes: CGEE (2009) e Costa (2002).

Os resíduos sólidos siderúrgicos podem ser classificados em três cate-gorias básicas: (i) recicláveis que contêm ferro – entre os quais, citam-se as poeiras e lamas de alto-forno, de aciaria e de sinterização; as lamas das unidades de tratamento; água de recirculação da laminação; e as carepas; (ii) resíduos carboquímicos, provenientes, basicamente, das etapas de pro-dução de coque; e (iii) as escórias – geradas, principalmente, na produção de ferro-gusa no alto-forno e nas aciarias a oxigênio e elétricas.

Sustentabilidade da siderurgia

A dinâmica da siderurgia mundial, como de diversos outros setores in-dustriais, tem sido diretamente afetada por fatores econômicos e socioam-bientais, que representam enormes desafios em médio e longo prazos para o setor, entre os quais, estão:

• enorme expansão da capacidade produtiva de produtos siderúrgicos, com aumento da concorrência e da pressão sobre o preço de insumos na última década;

• intensifi cação da pressão exercida para a redução de impactos am-bientais, em um contexto de maior exigência por qualidade de vida; e

• elevação e incerteza sobre preços de energia em âmbito mundial.

Em 2013, a capacidade de produção mundial de aço foi de 2.166 milhões de toneladas, enquanto a produção de aço bruto apurada foi de 1.606 mi -lhões de toneladas, o que revela a enorme capacidade ociosa da indústria, que normalmente opera com o Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci) acima de 85%. Esse fato acentua a competição pelos mercados consumi-dores, além de se constituir em enorme pressão sobre o preço dos insumos e do produto final.

(Continuação)

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190 Os dez maiores países produtores mundiais, cujas eficiência energé-tica e competitividade são analisadas neste estudo, somaram, em 2013, 1.338 milhões de toneladas, representando 83,3% do total produzido de aço bruto no mundo. A Tabela 2 apresenta a produção desses países em 2013 e 2012, bem como a variação percentual ano a ano.

Tabela 2 | Produção de aço dos dez maiores países produtores (em milhões de t)

País Produção2013

Produção2012

Variação2013-2012 (%)

China 779,0 731,0 6,6

Japão 110,6 107,2 3,2

EUA 86,9 88,7 (2,0)

Índia 81,2 77,3 5,0

Rússia 69,5 70,4 (1,3)

Coreia do Sul 66,1 69,1 (4,3)

Alemanha 42,6 42,7 (0,2)

Turquia 34,7 35,6 (2,5)

Brasil 34,2 34,5 (0,9)

Ucrânia 32,8 33,0 (0,6)

Fonte: IABr.

No fim de 2013, o parque produtor de aço brasileiro, composto de 29 usi -nas, tinha capacidade instalada de 48,5 milhões de toneladas anuais de aço bruto, apresentando, a exemplo da indústria mundial, sobrecapacidade de oferta, com uma produção de 34,2 milhões de toneladas no mesmo ano.

No Brasil, o setor siderúrgico, nos próximos anos, além de enfrentar a pressão competitiva atual, deverá deparar com maior elevação nos preços de energia elétrica em relação à média dos principais países produtores. Além disso, outros importantes fatores com impacto sobre a competição dos produtores brasileiros são a taxa de câmbio, com períodos de aprecia-ção excessiva, e a tributação elevada.

Esse setor, no país, é o maior emissor industrial de gases de efeito estufa (GEE) e segundo maior consumidor industrial de energia. De acordo com dados do balanço energético nacional de 2014 (ano-base 2013), a produção de ferro primário e aço respondeu por 18,4% do consumo industrial de ener-gia. A indústria siderúrgica emitiu 46% da emissão total do Setor Processos

Industriais em 2010 (dados de estimativas anuais de emissões de gases de efeito estufa no Brasil, publicado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e

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191Inovação – MCTI em 2013). Considerando as emissões brasileiras totais, o setor respondeu por cerca de 3,7%.

A maior competição enfrentada impõe às indústrias do setor o desafio de reduzir custos e elevar a competitividade, ao mesmo tempo contemplando soluções capazes de promover a redução do consumo energético e do vo-lume de emissões.

Atualmente, existem diversas ações voltadas à promoção da sustenta-bilidade da indústria do aço, a exemplo de monitoramentos realizados pela World Steel Association (WSA)2 e pelo Instituto Aço Brasil (IABr).

Anualmente, a WSA publica um relatório com um conjunto de oito indica-dores selecionados, avaliando a performance ambiental, social e econômica da indústria siderúrgica mundial. No que diz respeito à questão ambiental, o relatório apresenta três indicadores de sustentabilidade: (i) emissão de GEE,

em t CO2 eq/t de aço bruto; (ii) intensidade energética, em GJ/t de aço bruto;

e (iii) rendimento dos insumos, em % convertido em produtos, subprodutos ou coprodutos. Também anualmente, o IABr publica um relatório de sus-tentabilidade da siderurgia brasileira, seguindo as orientações da WSA e baseando-se também no Global Report Initiative (GRI). A seguir, a tabela apresenta os três indicadores citados de sustentabilidade da WSA e do IABr, de 2009 a 2011 (último ano de publicação dos dados pelo IABr):

Tabela 3 | Indicadores de sustentabilidade

Sustentabilidade ambiental 2009 2010 2011 2012

Emissão de gases do efeito estufa (t CO2 eq./t de aço bruto)

WSA 1,80 1,8 1,7 1,7

IABr 1,59 1,7 1,7 1,7

Intensidade energética (GJ /t de aço bruto)

WSA 20,10 20,7 19,6 19,6

IABr 18,20 18,7 19,4 n/d

Efi ciência de materiais (% de material convertido em produtos, coprodutos e subprodutos)

WSA 97,90 97,7 94,4 96,4

IABr 98,50 98,1 98,1 n/d

Fontes: IABr e WSA.

2 A World Steel Association (Associação Mundial do Aço, em português) congrega cerca de 170 side-rúrgicas, associações nacionais e regionais da indústria do aço, bem como institutos de pesquisa, repre-sentando cerca de 85% da produção mundial de aço.

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192 No Brasil, citam-se também: o Programa Brasileiro GHG Protocol, vol-tado ao controle e à gestão de emissões de GEE; e o Protocolo de Sustenta-bilidade do Carvão Vegetal, iniciativa do IABr que contou com a adesão de todas as associadas do Instituto e prevê que, em 2016, 100% da demanda de carvão vegetal da siderurgia seja suprida por meio de plantio próprio ou de terceiros (em 2013, 88,7% da madeira para produção de carvão ve-getal teve origem em floresta plantada própria, 7,7% em floresta plantada de terceiros e 3,6% em resíduos florestais legalizados).

Além dessas iniciativas, há diversos programas no mundo com o desafio de desenvolver novas tecnologias e soluções, bem como de promover re-dução de consumo energético e emissões de GEE, entre os quais, citam-se:

• Estados Unidos da América (EUA)

- Better Plants Program (BPP)

O BBP é uma iniciativa voluntária da qual as plantas industriais podem participar, por meio de compromisso voluntário, visando à redução do consumo de energia, em até 25%, no prazo de dez anos. Para tanto, as empresas participantes ganham, além de reconhecimento, suporte técnico do Departamento de Energia dos Estados Unidos (Department of Energy – DOE). O referido programa integra iniciativa governa-mental (Save Energy Now LEADER) e foi criado em 2009 com o objetivo de alcançar um índice de redução de 25% no consumo de energia industrial até 2017.

Além do BBP, os EUA apresentam outras ações, como o Industrial Technologies Program (ITP), no qual se encontra o Advanced Manufacturing Office (AMO) (maior programa do governo dos Es-tados Unidos), com o objetivo de desenvolver a aplicação de novas tecnologias energoeficientes para a indústria em geral.

• União Europeia

- EU Emissions Trading Scheme (EU ETS)

O Esquema Europeu de Comercialização de Emissões é um siste-ma de limitação de emissões e comercialização (cap and trade) de crédi tos de carbono, baseado no Protocolo de Quioto. Para as ati-vidades industriais mais intensivas em emissões de GEE, como é o

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193caso da siderurgia, o EU ETS estabelece limites anuais de emissões de CO

2 eq, por empresa.

De acordo com as regras do EU ETS, ao fim de cada ano, as empre-sas devem apresentar seus inventários de emissões de GEE. Caso as empresas emitam cotas abaixo do limite estabelecido, terão di-reito a créditos de carbono, que podem ser negociados com outras empresas ou guardados para utilização futura. Caso ultrapasse o limite estabelecido, a empresa paga pesadas multas, proporcionais ao volu me de GEE emitido acima da cota, ou terá de compensar esse volume com créditos de carbono, que podem ser próprios ou adquiridos de outras empresas.

- Ultra-Low CO2 Steelmaking (ULCOS)

O ULCOS tem por objetivo minimizar os volumes de emissão de dióxi do de carbono (CO

2) nos processos de produção do aço. Trata-se

de um consórcio de 48 empresas europeias e organismos de 15 paí-ses europeus, que lançaram uma iniciativa de cooperação em P,D&I, que visa ao apoio a projetos que possibilitem significativa redução nas emissões de CO

2 advindas da produção do aço. O consórcio é

formado pelas maiores siderúrgicas europeias, empresas de energia, institutos de pesquisa e universidades, que contam com o suporte da Comissão Europeia.

• China

- Programa chinês para padronização da energia industrial

Como parte desse programa, são criados padrões de eficiência energé-tica, nos quais são definidos níveis mínimos de eficiência energética a serem aplicados nas plantas existentes, levando-se em conta os di-ferentes tipos de matérias-primas, unidades auxiliares e combustíveis empregados nas plantas siderúrgicas.

Eficiência energética e emissões

A indústria do aço busca continuamente alternativas tecnológicas e opera-cionais para aumentar sua eficiência energética. Nos últimos cinquenta anos, o setor reduziu o consumo energético por tonelada produzida em 60%. No

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194 entanto, em razão dessa vertiginosa queda, a redução do consumo de ener-gia nos últimos anos tem ocorrido a taxas declinantes e deverá ser cada vez mais difícil obter ganhos de eficiência com base nas tecnologias existentes.

Por sua vez, mais de 80% das emissões de GEE na siderurgia provêm do consumo de insumos energéticos. Portanto, ao seguir um movimento semelhante ao do consumo de energia, reduzir as emissões de CO

2 depen-

derá, cada vez mais, do desenvolvimento e da introdução de novas tecno-logias na produção de aço.

Nos últimos anos, as empresas siderúrgicas brasileiras, seguindo o mo-vimento mundial, desenvolveram ações para reduzir o consumo energético em suas operações, com destaque para: (i) cogeração de energia elétrica através do reaproveitamento dos gases do processo; (ii) substituição de insumos/combustíveis; (iii) otimização do controle dos processos via au-tomação; e (iv) programas de treinamento/sensibilização de fornecedores.

Na siderurgia, o consumo de energia se dá, basicamente, na forma de energia térmica e de energia elétrica. A energia térmica envolve quase todos os processos, sendo mais intensamente utilizada em unidades integradas, que englobam os processos de sinterização, coqueificação e redução. As etapas de coqueificação e redução, embora intensivas em energia, são as que apresentam maior potencial absoluto de economia e recuperação, considerando tanto a energia contida no coque quanto nos gases e calor dos processos.

O uso de energia elétrica é mais intenso na laminação a quente e na eta-pa de refino, tanto nos fornos elétricos como nos conversores a oxigênio. Cabe destacar que a energia elétrica, basicamente, é usada na siderurgia como força eletromotriz, salvo no caso dos fornos elétricos, que empre-gam a energia elétrica para a fusão de carga metálica e refino do aço. Nesse processo, usam-se eletrodos de grafite, que criam um diferencial de tensão entre eles e/ou a carga, fazendo surgir um arco voltaico que fornece calor necessário à fusão do metal.

A seguir, apresentam-se evolução do consumo total de energia, em gigajoule por tonelada (GJ/t), na produção de aço e de ferro-gusa no Brasil de 2004 a 2013 (incluindo-se a produção de ferro-gusa de produtores inde-pendentes) e sua respectiva distribuição.

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195Gráfico 1 | Consumo de energia da siderurgia brasileira (em GJ/t)

12,0

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22,5

24,0

Ferro primário e aço

2013201220112010200920082007200620052004

Fonte: BEN-2014.

Pode-se observar a redução de consumo total de energia da siderurgia brasileira a uma taxa média de 1,15% ao ano, explicada pela adoção de medidas e tecnologias mais eficientes, principalmente pelas plantas com entrada em operação mais recente.

No Anexo I, encontram-se tabelas com os consumos energéticos de três unidades siderúrgicas brasileiras típicas, com a quantificação da energia em cada etapa e o consumo total em GJ/t.

A seguir, apresentam-se as principais fontes de energia da siderurgia brasileira, com o percentual da energia total consumida.

Conforme se observa, o coque de carvão mineral, que, em 2013, re-presentou 44,9% do total do consumo em GJ, nos últimos anos apresen-tou o maior crescimento de uso em relação às demais fontes. Esse fato deve-se principalmente ao aumento relativo da produção de aço bruto via LD/BOF, em unidade integrada, com a entrada recente em produção da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA). Outro ponto importante é a forte presença do carvão vegetal na matriz energética da siderurgia bra-sileira. Atualmente, o Brasil é o único país que utiliza esse insumo como termorredutor na produção de ferro-gusa, viável por conta da disponibili-dade de vastas áreas de floresta e da ausência de carvão metalúrgico, que é importado em sua totalidade.

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196 Gráfico 2 | Distribuição do consumo de energia da siderurgia brasileira por fonteGráfico 2100

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1970 1980 1990 2000 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Outros Gás natural Gás de coqueria Eletricidade Carvão vapor (PCI)

Carvão vegetal Coque de carvão mineral

%

Fonte: BEN-2014.

Embora, nos últimos anos, tenha-se observado redução do consumo to-tal, a indústria siderúrgica, como já citado, permanece como o maior emis-sor industrial de GEE, o que impõe ao setor a responsabilidade de seguir avançando no processo de redução do consumo de energia e de emissões.

Para reduzir o impacto ambiental provocado pelo setor, a indústria tem executado, em todo o mundo, programas com metas ambiciosas de redu-ção de GEE, a exemplo do programa ULCOS, já citado, com uma meta de 50% de redução das emissões, o que poderia ser atingido a partir de 2020.

Além disso, contribui para o prosseguimento dessa trajetória de queda a difusão de uma série de medidas e tecnologias relacionadas principalmente à recuperação de gases e calor. Isso porque, em função da qualidade e energia térmica, os gases provenientes dos processos siderúrgicos podem ser usa-dos em outras etapas na planta, assim como na geração de energia elétrica e de vapor. Entre esses gases, destacam-se o gás de coqueria (GCO), o gás de alto-forno (GAF) e o gás de aciaria (GAC). O aproveitamento dos gases e dos resíduos sólidos representa uma tendência mundial.

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197É importante observar que, no Brasil, o gás de coqueria apresenta alto índice de reaproveitamento, tendo alcançado cerca de 99% em 2013. A si-derurgia brasileira ainda tem a possibilidade de melhorar o aproveitamento dos gases de alto-forno e de aciaria, que se encontram na faixa de 90% e 70%, respectivamente [IABr (2013)]. Cabe destacar que, quanto maior for o reaproveitamento dos gases, menor será o consumo de insumos não renová-veis no processo produtivo, além de permitir a cogeração de energia elétrica.

Energia elétrica

O atual cenário desfavorável do mercado de energia elétrica brasilei-ro, com tendência de custos mais elevados a partir da utilização de fontes mais onerosas de geração, leva à necessidade de se realizar um esforço adi-cional no sentido de reduzir, particularmente, o consumo de eletricidade. Esse objetivo, a ser perseguido por diversos setores consumidores, aplica-se fortemente à siderurgia, que, além de apresentar elevado consumo total de energia, tem elevado consumo específico de eletricidade.

O objetivo consiste em reduzir o consumo de eletricidade da rede, uma vez que a indústria siderúrgica apresenta grande potencial de cogeração.

Tabela 4 | Balanço de energia elétrica da siderurgia brasileira

Balanço de energia elétrica*

2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Consumo total (GWh) 18.363 18.622 14.898 18.755 19.933 19.717 19.671

Autoprodução (GWh) 5.149 7.035 5.954 6.224 10.633 9.433 10.900

Consumo líquido da rede (GWh)

13.214 11.587 8.944 12.531 9.300 10.284 8.771

Consumo líquido específi co (MWh/t)

391 343 337 381 265 297 257

Fonte: BEN-2014.* Dados referentes à produção de ferro-gusa e aço no Brasil.

Na siderurgia, os processos mais intensivos em energia elétrica são a aciaria elétrica (EAF), os conversores a oxigênio LD/BOF e a laminação a quente. Em 2013, a soma do consumo de energia elétrica em EAF e em LD/BOF respondeu por aproximadamente 46% do consumo total de ener-gia elétrica na produção do aço. Ressalta-se que, no Brasil, a energia elé-trica corresponde a cerca de 14% do total dos custos de produção de uma minimill, que utiliza o forno elétrico, enquanto, na produção de uma unidade integrada a coque, esse custo representa apenas 3%.

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198 Conforme observado, a indústria brasileira tem reduzido o consumo de energia elétrica da rede e, em 2013, apresentou um consumo por tonelada de aço produzida 34,4% inferior ao verificado em 2007.

A redução é explicada pela capacidade de autoprodução de energia das indústrias siderúrgicas, que se tem elevado principalmente por conta da entrada em operação de novas plantas, as quais contemplam usinas com grandes potenciais termelétricos, como é o caso da CSA, com operação em volumes significativos a partir de 2011. Cabe citar a autoprodução prevista da Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP), ainda em construção.

A Tabela 5 apresenta as usinas de geração elétrica das principais com-panhias siderúrgicas brasileiras (omitem-se as pequenas usinas geradoras, em sua maioria composta de guseiros independentes).

Tabela 5 | Usinas de geração elétrica – siderurgia brasileira

Usina Potência (kW)

Proprietário Município Fonte

Usinas em operação

Açominas 102.890 Gerdau Açominas S.A.

Ouro Branco (MG) Gás de alto-forno – CM

CST 225.100 Arcelor Mittal Brasil S.A.

Serra (ES) Efl uentes gasosos

CTE II 177.970 Companhia Siderúrgica Nacional

Volta Redonda (RJ) Gás natural

Cosipar 14.000 Companhia Siderúrgica do Pará

Marabá (PA) Gás de alto-forno – CM

Cosipa 27.000 Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S.A.

Cubatão (SP) Gás de alto-forno – CM

Usiminas 18.810 Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S.A.

Ipatinga (MG) Gás de alto-forno – biomassa

Sol 147.300 Arcelor Mittal Brasil S.A.

Serra (ES) Calor de processo – OF

Usiminas 2 63.155 Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S.A.

Ipatinga (MG) Gás de alto-forno – biomassa

Do Atlântico 490.000 ThyssenKrupp CSA Siderúrgica do Atlântico Ltda.

Rio de Janeiro (RJ) Efl uentes gasosos

(Continua)

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Usina Potência (kW)

Proprietário Município Fonte

Usinas em operação

Cosipa II 18.500 Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S.A.

Cubatão (SP) Gás de alto-forno – CM

Usinas em construçãoCSP 218.000 Companhia

Siderúrgica do Pecém

São Gonçalo do Amarante (CE)

Gás de alto-forno – biomassa

Usinas ainda não iniciadasTRT 21.000 Companhia

Siderúrgica Nacional

Volta Redonda (RJ) Gás de alto-forno – CM

Fonte: Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

A CSA responde por cerca de 38% da capacidade de geração energética dos produtores de aço, graças à implantação de tecnologias que permitem o reaproveitamento dos gases e do calor resultante da produção. O gás gerado na coqueria e na operação dos dois altos-fornos, bem como o calor resul-tante dos processos, movimentam três turbinas: uma a vapor, de 310 MW, e duas a gás, com capacidade de 90 MW cada.

A geração elétrica da planta excede sua necessidade de consumo, e esse excedente é vendido na rede, conferindo capacidade adicional ao siste-ma elétrico. A planta pode ser considerada referência quanto a eficiência energética, com baixos índices de emissão de GEE, contemplando ainda a reutilização do gás de aciaria nos processos de sinterização e redução, o que reduz o consumo de gás natural.

Quanto à eficiência energética e de consumo de energia elétrica, a in-dústria siderúrgica brasileira é composta por um mix de indústrias mais ou menos eficientes, englobando algumas usinas autossuficientes em energia elétrica, como é o caso da CST, mas também usinas ainda carentes de in-vestimentos para a adoção de tecnologias que promovam maior eficiência, a exemplo dos processos de recuperação de gases e calor.

Na comparação com os dez maiores produtores mundiais de aço, o Bra-sil apresenta consumo relativamente baixo, embora ainda esteja acima do

(Continuação)

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200 Japão e da Coreia do Sul, países com estrutura produtiva semelhante (parti-cipação relativa de BOF e EAF), porém tecnologicamente mais avançados. O Gráfico 3 apresenta o consumo de energia elétrica em kWh/t de aço lí-quido em 2014, considerando todas as rotas tecnológicas de produção de aço (BOF, EAF e OH):

Gráfico 3 | Consumo de energia elétrica dos dez maiores países produtores (kWh/t de aço líquido) – 2014

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300

EUATurquiaÍndiaRússiaAlemanhaBrasilUcrâniaChinaCoreia Japão

Fonte: CRU (2014c).

O consumo de energia elétrica por tonelada de aço produzido leva em consideração, além da eficiência e das tecnologias de recuperação aplicadas aos processos, a rota empregada na produção de aço. Assim, Estados Unidos e Turquia, com grande parte da produção através de aciarias elétricas (EAF), apresentam-se mais intensivos no uso desse insumo energético. Cabe des-tacar que os Estados Unidos contam com grande geração de sucata, sendo um dos poucos países do mundo com escalas de produção que suportam o uso do EAF na produção de aços planos.

Nos capítulos seguintes, são realizadas análises do consumo de energia e dos principais insumos na produção de aço no país, por rota de produ- ção – inte grada (alto-forno + BOF) e minimills (EAF) –, com uma breve avaliação da eficiência e da competitividade brasileira na produção, res-pectivamente, de aços laminados planos – representados pela bobina a quente (BQ) – e laminados longos – representados pelo vergalhão.

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201Eficiência e competitividade da produção em usinas integradas

Mundialmente – o Brasil incluído –, a maior parcela da produção de aço é feita em usinas integradas a coque (aproximadamente 74%, em 2013), as quais integram a redução de minério de ferro (produção de ferro primário) no alto-forno e a conversão em aço com uso de conversores a oxigênio. Essa também é a rota mais utilizada na produção de aços planos. Atualmente, a produção de aço em unidades integradas a coque exige escalas econômicas de cerca de 2,5 milhões de toneladas por alto-forno, apresentando-se mui-to mais concentrada que a produção de aço a partir de minimills, unidades semi-integradas que utilizam fornos elétricos a arco.

Etapa de redução

Antecede a produção de aço líquido. Nela, o minério de ferro é trans-formado em ferro metálico, ou ferro primário, no alto-forno (AF). A ali-mentação do AF é feita basicamente de carga ferrosa (minério na forma de granulado, pelota e/ou sínter) e de matéria carbonosa (coque e carvão), além de fluxantes e fundentes.

O consumo médio dos dez maiores produtores mundiais de carga ferro-sa é de 1.634 kg/t de ferro-gusa. Hoje, a média brasileira é de 1.641 kg/t de ferro-gusa, o que corresponde à sexta menor taxa de consumo entre os dez maiores produtores mundiais. O país que apresenta o menor consumo de carga ferrosa são os Estados Unidos, com 1.520 kg/t de ferro-gusa, pela opção, mais onerosa, do uso praticamente integral de pelota. Cabe observar que o consumo depende do mix da carga.

Outro aspecto importante a ser considerado na produção de ferro-gusa é a taxa de geração de escória. Atualmente, a média de produção de escória entre os dez maiores produtores é de 294 kg/t de gusa líquido. A produção de escória, além de outros fatores, decorre, em boa parte, do mix da carga e da qualidade do minério. No Brasil, a produção de escória é de 300 kg/t de gusa líquido. A Ucrânia e a China têm as maiores taxas de produção de escória, 444 kg/t e 342 kg/t de gusa líquido, respectivamente.

A etapa de redução em usinas integradas a coque é uma das etapas de produção de aço mais intensivas em energia. A energia consumida corres-ponde, principalmente, à energia térmica do agente termorredutor, o coque,

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202 e à injeção de finos de material carbonoso pelas laterais do AF. Nessa etapa, a energia térmica despendida pode chegar a até cerca de oito vezes o con-sumo de energia térmica no processo de coqueificação, segunda etapa mais intensiva em energia térmica. No consumo de energia elétrica, essa etapa fica atrás somente da laminação a quente e da aciaria elétrica.

Gráfico 4 | Carga ferrosa (metálica) do alto-forno: dez maiores países produtores (em kg/t de ferro primário)

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DRI/HBI Sucata (incluindo a autogerada) Granulado (lump ore)

Pelota Sínter

AlemanhaEUACoreiaTurquiaChinaJapãoBrasilRússiaUcrâniaÍndia

Fonte: CRU (2014c).

Essa etapa, responsável pelo maior parte do consumo total de energia, dá origem a dois dos principais indicadores de eficiência energética na side-rurgia: (i) o consumo específico de coque, em kg/t de ferro-gusa produzido, conhecido pela denominação inglesa coke rate; e (ii) o consumo específico de finos de carvão (ou de outra fonte de matéria carbonosa), conhecido pela designação, em inglês, pulverized coal injection (PCI).

Em tese, é possível diminuir a utilização de coque (coke rate) através do aumento de PCI. Essa substituição permite a redução do consumo de ener-gia na produção de ferro-gusa, dado que o carvão é injetado diretamente nos altos-fornos, sem a necessidade de coqueificação. A taxa de consumo

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203desses dois insumos energéticos somados por tonelada produzida é deno-minada de fuel rate.

O Gráfico 5 apresenta o consumo de coque e de PCI (fuel rate) dos dez maiores produtores mundiais.

Gráfico 5 | Consumo de material carbonoso: dez maiores países produtores –coque + PCI (fuel rate) (em kg/t de ferro-gusa)

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PCI Coque equivalente (coke rate)

UcrâniaÍndiaChinaTurquiaJapãoCoreiaBrasilRússiaAlemanhaEUA

Fonte: CRU (2014c).

Como observado, o Brasil apresenta um fuel rate relativamente baixo, acima apenas de Rússia, EUA e Alemanha, que, contudo, por questões re-lacionadas à oferta de outros insumos energéticos, realizam grande injeção de gás natural (Rússia e EUA) e de óleo combustível (Alemanha).

De acordo com um estudo realizado em setembro de 2012 pela EPA (United States Environmental Protection Agency), intitulado “Available And Emerging Technologies for Reducing Greenhouse Gas Emissions from the Iron and Steel Industry”, é possível utilizar até 225 kg/t de PCI em AF, visando ao aumento de sua eficiência energética. De acordo com esse es-tudo, nos Estados Unidos seria possível reduzir o consumo de energia em até 0,77 GJ/t de gusa líquido, com um investimento médio de US$ 45/t de PCI injetado.

Atualmente, a média dos dez maiores produtores é de 111 kg de PCI/t de gusa. O país que mais recorre a essa substituição é a Coreia do Sul, com 195 kg de PCI/t de gusa e o menor consumo de coque. O Brasil apresenta

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204 consumo médio de 130 kg de PCI/t de gusa, sendo o segundo mais intensi-vo no uso de PCI. Algumas siderúrgicas, inclusive, utilizam finos de carvão vegetal em substituição ao PCI.

Os Estados Unidos apresentam a menor média de consumo, cerca de 31 kg de PCI/t de gusa, que é compensada pela injeção de cerca de 3,5 GJ/t de gás natural, em face da abundância desse insumo.

A partir da análise realizada, pode-se considerar a indústria coreana uma das mais avançadas, cujo baixo consumo influi diretamente no custo de energia envolvido na produção de ferro-gusa, atualmente o quarto me-nor custo, atrás apenas de Ucrânia, Rússia e EUA, países que têm preços relativos muito baixos de coque (Ucrânia) e gás natural (Rússia e EUA).

Gráfico 6 | Custo de energia na etapa de redução: dez maiores países produtores (em US$/t)

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Eletricidade Energia Injetados (PCI, gás natural etc.) Coque

ChinaAlemanhaÍndiaBrasilTurquiaJapãoCoreiaEUARússiaUcrânia

Fonte: CRU (2014c).

A vantagem oriunda dos preços relativamente baixos dos insumos en-volvidos no processo, caso dos países anteriormente citados, é parcialmente eliminada quando considerado o crédito gerado a partir da recuperação de energia do processo e calculado o consumo líquido de energia, apresenta-do a seguir:

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205Gráfico 7 | Custo líquido de energia na etapa de redução – dez maiores países produtores (em US$/t)

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ÍndiaRússiaEUATurquiaBrasilAlemanhaUcrâniaChinaJapãoCoreia

Fonte: CRU (2014c).

Apesar de apresentar um fuel rate relativamente baixo, o Brasil tem um custo de energia elevado, posicionando-se entre os países com custos mais elevados, quando considerados tanto o consumo total quanto o consumo lí-quido (descontada a energia recuperada no alto-forno). O custo elevado pode ser explicado principalmente por preços relativos mais elevados de coque e gás natural. O custo elevado do coque no Brasil possibilitaria avanços no processo de produção via maior substituição do coque, a exemplo da Coreia do Sul, com redução no custo total de energia.

Aqui, vale destacar que a cogeração de energia elétrica a partir dos gases do alto-forno (GAF), com a utilização de turbinas de topo,3 ainda apresenta espaço para aproveitamento, tanto no Brasil como nos demais produtores.

Entre as unidades de cogeração de eletricidade existentes no Brasil que utilizam o GAF, as usinas mais eficientes atingem uma taxa de conversão energética em torno de 35%. O valor de 30% é uma estimativa razoável para a eficiência média de todos os autoprodutores.

O consumo de energia elétrica de um alto-forno deve-se basicamente à necessidade de energia eletromotriz para a movimentação de grandes volu-mes de carga. Ganhos de eficiência podem ser obtidos a partir de motores

3 A turbina de recuperação de pressão de topo é instalada na saída do coletor de pó do alto-forno. Após coletados os resíduos, o gás do alto-forno é conduzido para a turbina, acionando-a a partir da expansão do gás, mediante a redução da pressão dos gases, até a pressão atmosférica. A força-motriz da turbina se transfere para o gerador, que, por sua vez, a transforma em energia elétrica.

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206 mais eficientes. Embora se trate de uma etapa com consumo relativamente elevado, pode ser superavitária em energia elétrica, a partir da cogeração com o uso de gases e calor do processo, como ocorre com CSA e CST, já citados neste artigo.

Competitividade

O custo do ferro-gusa representa o maior custo de produção do aço e, portanto, influencia diretamente a posição relativa da indústria quanto aos custos de produção de aço.

No gráfico a seguir, são apresentados os custos de produção de ferro primário dos dez maiores países produtores mundiais de aço.

Gráfico 8 | Custo operacional de produção de ferro-gusa: dez maiores países produtores (em US$/t)

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AlemanhaChinaJapãoTurquiaEUACoreiaBrasilRússiaÍndiaUcrânia

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Fonte: CRU (2014c).

Conforme se observa, no processo de produção de ferro primário o Brasil ocupa a quarta posição entre os dez maiores do mundo, mostrando-se bas-tante competitivo no quesito de custos operacionais da produção de ferro primário. Cabe destacar que tanto a Ucrânia como a Rússia ainda produzem ferro primário com uso da tecnologia open heart (OH), que apresenta cus-tos de produção menores, devido, principalmente, ao baixíssimo controle de emissões.

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207A Rússia apresenta uma vantagem em relação ao processo de coqueifi-cação, cujo produto, o coque, entra na composição dos custos de produção de ferro primário: em 2013, esse país figurou entre os dez países de menor custo de produção do coque. Nesse caso, o Brasil entra em desvantagem, apresentando o maior custo de produção de coque, entre os dez maiores pro-dutores, por causa do custo de importação do carvão metalúrgico, quesito em que o país é totalmente dependente.

A Índia, além da questão do baixo custo de mão de obra, apresenta al-gumas peculiaridades que lhe conferem vantagem comparativa. Nesse país, algumas siderúrgicas adotam tecnologias de redução alternativas conjuga-das, como a Corex e a Midrex, com uso de carvão mineral, sem necessida-de de coqueificá-lo. Nas unidades de custos menores de produção de ferro primário, que empregam essa tecnologia, os processos de pelotização são feitos pela própria siderúrgica, com minério próprio (cujo preço é repassa-do a custo de transferência), e chegam a representar mais de 60% da carga metálica utilizada.

No Brasil, atualmente não há utilização de gases na etapa de redução do minério para a produção de ferro-esponja (DRI), seja o gás natural, sejam aqueles provenientes da gaseificação do carvão. A experiência mais recente na siderurgia brasileira foi realizada na Usiba, do Grupo Gerdau, que en-cerrou a operação por considerá-la inviável.

Etapa de produção de aço líquido (BOF)

Nessa etapa, para a produção de aço líquido, são consumidos basica-mente o ferro-gusa produzido na etapa de redução e sucata de ferro, que constituem a carga ferrosa, e outras ligas metálicas, de acordo com as es-pecificações técnicas desejadas.

Os níveis de consumo de carga metálica são relativamente homogêneos, com variação máxima em torno de 3,4% entre os maiores produtores. Os países que apresentam as menores taxas de consumo são Estados Unidos, Coreia do Sul e Japão.

A produção e o refino do aço em conversores a oxigênio (BOF), diferen-temente da etapa de redução, consomem um volume muito baixo de ener-gia. No entanto, essa é uma etapa intensiva em emissões, porque é nela que ocorre a diminuição do nível de carbono contido no ferro-gusa, a partir da

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208 injeção de oxigênio puro, com a formação de gás com elevada concentra-ção de CO. A recuperação dos gases e o calor liberado representam oportu-nidades de ganho de eficiência energética e ambiental, além de redução do consumo total da planta produtiva.

Há informações sobre medidas de recuperação de gás de BOF adotadas em usinas europeias da ArcelorMittal - Florange (França), Bremen (Alema-nha) e Gent (Bélgica). Na usina de Bremen, 80% do gás recuperado é utili-zado no forno de aquecimento da laminação em substituição ao gás natural, enquanto o restante é destinado à cogeração de energia elétrica. Estima-se que, nesse caso, o sistema de recuperação gera redução das emissões de GEE em até 100.000 t/ano. Quanto à eficiência energética, a recuperação de gás de BOF geraria uma economia de 3% a 4% do consumo total de energia da planta.

No Brasil, ainda há espaço para a implantação de sistemas de recuperação de gás de BOF, a exemplo de um projeto recente de instalação da Gerdau Açominas, que aproveita o gás gerado como combustível nas caldeiras de sua central termelétrica. Dessa forma, a maior difusão de sistemas de recupera-ção de gás de BOF se constitui em oportunidade de promoção de eficiência energética e redução de emissões para a indústria brasileira.

Competitividade

O Brasil se encontra relativamente bem posicionado quanto ao custo de produção de aço líquido via BOF, em virtude da competitividade advinda principalmente do custo da carga ferrosa consumida no processo, que, como já citado, representa um dos principais determinantes de competitividade da siderurgia. Entre os dez maiores produtores, o Brasil ocupa a quarta po-sição, como observado no Gráfico 9.

Apesar da posição relativamente favorável, o Brasil apresenta custos de conversão da carga ferrosa em aço líquido bem elevados, o que revela um cenário desfavorável quanto à competitividade dessa etapa de produ-ção no Brasil. Entre os principais fatores negativos, destacam-se: custos de ferroligas utilizadas para refino, custos de mão de obra, gastos com gestão, manutenção e bens acessórios, além da relativamente baixa recuperação de resíduos do processo (gás, escória etc.). Entre os menores custos de conver-são, estão os do Japão e os da Coreia.

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209Gráfico 9 | Custo operacional de produção de aço líquido via BOF: dez maiores países produtores (em US$/t)

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300

350

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450

500

AlemanhaEUAChinaTurquiaCoreiaJapãoBrasilRússiaÍndiaUcrânia

Fonte: CRU ( 2014c).

A análise ainda revela espaço para ganhos de competitividade via me-lhoria dos processos de produção e incorporação de tecnologias e medidas promotoras de eficiência.

Produção de laminados planos: BQ

A produção brasileira de laminados planos atingiu um volume de 15 mi-lhões de toneladas em 2013, representando 57,2% do total de aços lamina-dos no país. A produção ocorre integralmente na Região Sudeste, que conta com reservas de minério de ferro, boa logística dedicada e os principais mercados consumidores.

Na Tabela 6, mostra-se a evolução recente da produção brasileira de la-minados planos, distribuída por empresa, incluindo-se a produção de aços planos especiais e ligados, que, no Brasil, é feita pela Aperam.

Tabela 6 | Produção brasileira de aços planos (em mil t)

Empresa 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Aperam 694 518 677 656 623 673

ArcellorMital Tubarão 2.468 2.567 3.620 3.510 3.430 3.681

CSN 4.460 3.810 4.653 4.665 4.704 4.587

(Continua)

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210

Empresa 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Gerdau Aço Minas - - - - - 34

Usiminas 6.743 4.957 6.262 5.434 6.140 6.039

Total 14.365 11.852 15.212 14.265 14.897 15.014

Fonte: IABr (2014a).

Excluindo-se a Gerdau Açominas, que iniciou a produção de aços planos no fim de 2013, os demais produtores, que contam com uma capacidade con-junta instalada de 23,7 milhões de toneladas por ano de aço bruto, operaram com um NUCI médio de 69,5% em 2013. Avaliando-se apenas a capacidade instalada de laminação a quente de aço (hot strip rolling capacity), que foi da ordem de 17,4 milhões de t, o NUCI atingiu cerca de 86%.

Em 2013, do total produzido de aços planos, 96,2% foram destinados aos produtos planos de aço carbono comum, sendo o restante para aços es-peciais ligados. De 2008 até a presente data, o perfil de produção de lami-nados planos, no país, praticamente não sofreu modificação.

Depois da redução no alto-forno, o processo de laminação é o maior con-sumidor de energia em usinas integradas, com uso intensivo de gás natural em fornos de reaquecimento, representando o maior custo de conversão do processo. A laminação a quente é a etapa mais intensiva em energia elétrica numa usina integrada, com consumo em torno de 100 kWh/t.

O Gráfico 10 apresenta a distribuição de custos médios por etapa de produção de aços planos no Brasil (perfil semelhante aos dez maiores pro-dutores considerados neste estudo):

Gráfico 10 | Custo operacional de produção de aços planos por etapa (em US$/t) – 2014

0

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100

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200

250

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350

400

450

500

Etapa 3 – Laminação de planos

Etapa 3 – Lingotamento

Etapa 2 – Produção de aço – BOF

Etapa 1 – Produção de ferro primário

Fonte: CRU (2014c).

(Continuação)

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211A laminação de bobinas a quente pode ser considerada uma das etapas mais eficientes da siderurgia brasileira, o que se revela pelos relativamente baixos níveis de consumo dos principais insumos (placas, energia para rea-quecimento e eletricidade), como observado nos gráficos a seguir.

Gráficos 11, 12 e 13 | Taxas de consumo dos principais insumos da laminação de bobinas a quente

0,85

0,90

0,95

1,00

1,05

1,10

ChinaTurquiaUcrâniaRússiaEUAAlemanhaJapãoÍndiaBrasilCoreia

Consumo de placas (t/t BQ)

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

2,5

EUAChinaRússiaAlemanhaUcrâniaBrasilÍndiaJapãoCoreiaTurquia

Consumo de energia – forno de reaquecimento (GJ/t BQ)

0

50

100

150

RússiaChinaEUAAlemanhaTurquiaJapãoBrasilCoreiaUcrâniaÍndia

Consumo de eletricidade (kWhr/BQ)

Fonte: CRU (2014).

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212 Competitividade

Nessa etapa, a maior eficiência brasileira implica melhor posicionamento do Brasil em competitividade no mercado de bobinas a quente, com melhor posição relativa, em comparação às demais etapas de produção, inclusive quanto ao custo de conversão da placa em bobina a quente observado entre os maiores produtores.

Gráfico 14 | Custo operacional de produção de bobinas a quente: dez maiores países produtores (em US$/t)

0

100

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400

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600

700

Conversão Material

AlemanhaCoreiaTurquiaEUAChinaJapãoUcrâniaBrasilRússiaÍndia

Fonte: CRU (2014c).

Entre os fatores da competitividade brasileira, além da replicação do custo da carga ferrosa até o fim do processo produtivo, aqui na forma de placas, verifica-se o baixo coeficiente do consumo de placas, que, embo-ra apresente pequenas variações entre os produtores, representa economia significativa, dada a magnitude do preço de placas em relação aos demais custos envolvidos no processo.

Países como Coreia do Sul e Japão apresentam custos de conversão mais baixos que os observados no Brasil, com base, principalmente, nas menores taxas de consumo e, portanto, na maior eficiência da produção. Isso revela espaço para avanços e aperfeiçoamento também no processo de laminação, a despeito do custo baixo total de produção de bobinas a quente observa-do no país. Entre as alternativas para ganhos de eficiência, vale destacar: utilização de gás de BOF em fornos de reaquecimento em substituição ao

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213gás natural e de tecnologias de controle e maior automação dos processos, com economia de consumo de energia e consequente redução de emissões.

Por fim, a atual situação das usinas integradas brasileiras ainda permite uma série de avanços para promover eficiência e ganho de competitividade nas diversas etapas de produção, o que deverá ser mais urgente num cenário futuro de preços relativos mais elevados de energia.

Eficiência e competitividade da produção em minimills (EAF)

Em 2013, o Brasil produziu 8.570 mil t de aço líquido em minimills a partir do uso do EAF. Esse aço líquido produzido é integralmente destinado à produção de laminados longos, incluindo aços longos especiais e tubos sem costura. Por apresentarem menor escala de produção e fazerem eleva-do uso de sucata, as minimills são localizadas de forma mais distribuída no território nacional.

A participação da produção de aço via EAF na produção total brasilei-ra é de cerca de 24%. Entre os países com maior participação dessa rota, destacam-se os Estados Unidos, a Índia e a Coreia do Sul, com produção via EAF destinada inclusive a laminados planos, geralmente produzidos a partir de usinas integradas.

Quanto à sustentabilidade, a produção via EAF é uma rota muito mais limpa que a rota integrada, pois parte da utilização, principalmente, de suca-ta ferrosa para a produção e o refino de aço líquido. A utilização de sucata, além de retirar o material descartado do ambiente, permite a recuperação da energia empregada na produção desse material, que, devolvido ao processo de produção do aço, elimina o volume de energia e de emissões envolvido nas etapas necessárias à produção do ferro primário (ferro-gusa), engloba-das pelas usinas integradas.

Etapa de produção de aço líquido (EAF)

Para a transformação e o refino de uma composição de sucata e ferro primário em aço líquido, a carga é fundida a temperaturas elevadas, alcan-çadas com o uso intensivo de energia elétrica. Portanto, apesar do menor volume de energia total empregada, a produção do aço líquido via EAF é a etapa mais intensiva em energia elétrica na siderurgia. Como já mencionado, trata-se de uma etapa com baixo volume de emissões, com destaque para as emissões indiretas, determinadas pela matriz energética local.

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214 Dos dez maiores produtores de aço, não há dados de minimills (EAF) na Índia e na Ucrânia, posicionadas entre os países de menor custo no mer-cado mundial, razão pela qual não integram as análises acerca dessa etapa de produção.

Os principais insumos envolvidos no processo são: carga metálica (com-posição de sucata e ferro primário) e eletricidade.

De forma semelhante à produção de aço líquido via BOF, há pouca va-riação nos níveis de consumo de carga metálica nessa etapa. No entanto, quanto à composição da carga, vale destacar a participação de pelotas de redução direta na Rússia, beneficiada a partir do gás natural abundante, além da utilização de sucata de forma exclusiva nos Estados Unidos e na Alemanha, e quase exclusivamente na Turquia e na Coreia.

Gráfico 15 | Consumo de eletricidade na produção de aço líquido via EAF: principais países (em kWh/t aço líquido)

0

100

200

300

400

500

600

RússiaJapãoCoreiaBrasilAlemanhaEUATurquiaChina

Fonte: CRU (2014c).

A indústria brasileira apresenta um consumo de eletricidade em linha com indústrias de reconhecida eficiência, como a coreana e a alemã. Turquia e Estados Unidos, países especializados na produção via EAF, apresentam taxas de consumo mais baixas, enquanto o consumo neste estudo relativo à China se refere a usinas relativamente novas, que entraram em operação na década de 2000 e contemplam tecnologias recentes de controle de processos.

A indústria norte-americana pode ser considerada uma das mais eficien-tes em produção via EAF, tendo promovido uma grande expansão de sua

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215participação na produção total de aço. Nos últimos vinte anos, a produção via EAF saltou de 40% para 60% da produção total, índice registrado em 2013. Trata-se de uma indústria com baixas taxas de consumo de seus principais insumos, carga metálica, eletricidade, ferroligas, além de ocupar o menor número de trabalhadores no processo.

A eficiência observada nas usinas dos Estados Unidos pode ser explicada pela difusão das diversas tecnologias de controle e automação da produção, envolvendo acompanhamento e ajuste minucioso dos parâmetros de pro-cesso em tempo real, servindo, portanto, de referência para a promoção de avanços e aperfeiçoamento nos processos praticados no Brasil.

Competitividade

A exemplo do verificado na indústria integrada, o custo da carga me-tálica também é o maior determinante de competitividade na produção de aço líquido via EAF, representando, em média, cerca de 70% do custo total de produção.

Gráfico 16 | Custo operacional de produção de aço líquido via EAF: principais países (em kWh/t aço líquido)

2014

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400

500

600

AlemanhaCoreiaChinaEUATurquiaJapãoBrasilRússia

Fonte: CRU (2014c).

A indústria brasileira está posicionada entre os menores custos de produ-ção, o que reflete os preços relativamente baixos de carga metálica, tanto de ferro-gusa quanto, principalmente, de sucata. Portanto, o bom posicionamento

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216 em custo total de produção da indústria brasileira não deve ser confundido com uma maior eficiência de seus processos de produção.

A análise revela que o Brasil ocupa posição mediana quando se com-param os custos de conversão da carga metálica em aço líquido, superior a Estados Unidos, Turquia e China. Os Estados Unidos têm o menor custo de conversão, o que retrata a eficiência e as tecnologias aplicadas a seus processos produtivos.

Produção de laminados longos: vergalhão

No Brasil, a maior parcela de laminados longos é produzida em minimills, a partir do aço líquido de aciarias elétricas (EAF). Em 2013, a produção de aços laminados longos, incluindo a produção de tubos sem costura e de aços especiais, chegou a 11.250 mil t. Com uma capacidade instalada de 15,6 milhões no mesmo ano, os produtores brasileiros operaram com uma taxa de utilização média em torno de 72%.

Na indústria brasileira de aços longos, cinco grupos – Gerdau, Arcelor--Mittal, Votorantim, Vallourec e Sinobras – respondem pela operação de 17 unidades, localizadas nas regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Sul do país. A Região Centro-Oeste já conta com uma unidade de laminação de longos, a Sitrel, uma parceria entre a Votorantim Siderurgia e o Grupo Grendene. Os maiores produtores brasileiros de longos são Gerdau e Arcelor Mittal, detendo cerca de 52% e 28%, respectivamente, da capacidade produtiva apurada em 2013.

Apesar da taxa de utilização abaixo da média histórica, o mercado prevê elevação da capacidade de produção de vergalhões e fio-máquina entre 2014 e 2015, com destaque para as operações de novos entrantes, que poderão promover uma adição de capacidade de 1,75 milhão de toneladas.

O excesso de capacidade que atualmente caracteriza a siderurgia mundial, conjugado à entrada em operação de novos entrantes, acirra a concorrência no mercado brasileiro e contribui para um movimento maior das empresas em busca por ganhos de eficiência e redução de custos.

O processo de laminação de longos não difere muito da laminação de planos, apresentando taxas equivalentes de consumo de carga metálica (tarugos), energia e eletricidade. O Brasil se apresenta relativamente mais eficiente quanto à laminação de longos, em comparação com a indústria de laminados de planos, conforme observado a seguir.

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217Gráficos 17, 18 e 19 | Taxas de consumo dos principais insumos da laminação de vergalhão

0,90

0,95

1,00

1,05

1,10

AlemanhaUcrâniaRússiaChinaTurquiaCoreiaEUAJapãoBrasilÍndia

Consumo de tarugos (t/t vergalhão)

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

RússiaChinaTurquiaCoreiaUcrâniaÍndiaEUAAlemanhaBrasilJapão

Consumo de energia – forno de reaquecimento (GJ/t vergalhão)

0

50

100

150

UcrâniaRússiaEUATurquiaCoreiaAlemanhaJapãoBrasilChinaÍndia

Consumo de eletricidade (kWhr/t vergalhão)

Fonte: CRU (2014c).

A relativa eficiência observada nas taxas de consumo acima pode ser explicada pela recente implantação de unidades de laminação no Brasil, as quais contemplam tecnologias eficientes de controle e automação da pro-dução. A capacidade de produção brasileira de vergalhões mais que dobrou

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218 nos últimos dez anos, com adição robusta entre 2006 e 2010 e novas adi-ções em 2013 e 2014.

Competitividade

Na comparação entre os dez maiores produtores de aços longos, o Brasil é o país que, atualmente, apresenta o quarto menor custo médio de produ-ção, perdendo somente para Índia, Ucrânia e Rússia, como observado no Gráfico 20.

Gráfico 20 | Custo operacional de produção de vergalhões: dez maiores países produtores

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400

500

600

700

Conversão Material

AlemanhaCoreiaEUATurquiaChinaJapãoBrasilRússiaUcrâniaÍndia

Fonte: CRU (2014c).

A vantagem dos produtores brasileiros recai, em geral, sobre os custos dos insumos metálicos. Os produtores brasileiros contam com o terceiro menor custo de insumos metálicos do mundo. No caso da laminação de longos, o Brasil também conta com taxas eficientes de consumo dos prin-cipais insumos.

Na comparação com minimills de baixo custo produtoras de longos dos dez principais produtores mundiais, as usinas brasileiras se destacam entre as mais competitivas.

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219Após o custo de carga metálica, o custo de eletricidade seria um dos mais representativos na produção brasileira de longos, em geral a partir de minimills (EAF). A análise considera energia elétrica de contratos assinados em anos anteriores, entre os menores preços do mundo.

Portanto, apesar do quadro confortável apurado nesta análise, o cenário atual de substancial elevação dos preços de energia elétrica deverá impactar significativamente os custos de produção de longos no Brasil. Esse cenário poderá conduzir a uma elevação da participação das usinas integradas na produção de laminados longos (a exemplo do movimento atual da CSN), com aproveitamento do potencial gerador de energia dessa usina.

Possibilidades tecnológicas voltadas à eficiência energética e à redução de emissões de GEE

Conforme já mencionado, a produção de aço é realizada principalmente em usinas integradas a coque. Atualmente, a produção integrada a coque na China – maior produtor mundial de aço – chega a representar, aproximada-mente, 82% da produção siderúrgica.

Na produção de aço a partir do ferro primário oriundo do AF, a rota mais amplamente utilizada é a conversão a oxigênio LD/BOF. Na China, cujo grande volume de investimentos na siderurgia ocorreu apenas nos últimos 15 anos, a utilização de conversores LD/BOF chega a 92% da produção de aço carbono, inclusive para a produção de aços longos, cuja rota mais co-mumente usada é a produção via EAF. A China deve apresentar uma taxa ligeiramente diferenciada de crescimento na produção de aço via rota EAF nos próximos anos, por questões ambientais, porém a rota de produção a partir de altos-fornos continuará com altíssima predominância.

No mundo, a produção de aço a partir de conversores LD/BOF chegou a 71,7% em 2013. No Brasil, 73,3% da produção de aço, nesse ano, se deve à rota LD/BOF.

Segundo projeções da CRU, até pelo menos 2025, a produção de aço através do LD/BOF deverá ficar na faixa de 70% a 72%, o que revela pou-ca ou praticamente nenhuma mudança no perfil siderúrgico mundial de produção. O restante da produção de aço deverá continuar a ocorrer via fornos elétricos a arco (EAF), que utilizam sucata de aço e ferro primário (ferro-gusa e/ou ferro-esponja) como insumos.

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220 Embora, nos próximos anos, o setor não apresente alteração significati-va no padrão de produção do aço, conforme já visto, algumas tecnologias alternativas voltadas à redução (mais eficientes, mais flexíveis e com me-nores emissões de CO

2) têm-se mostrado importantes, particularmente no

fornecimento de unidades de ferro primário para minimills e na reciclagem de resíduos siderúrgicos, podendo-se citar as seguintes:

1. Fusão-redutora (bath smelting) – Nela, os óxidos de ferro, dissolvidos em banhos metálicos e/ou em escórias líquidas, são rapidamente redu-zidos pelo carbono, produzindo o metal líquido (ferro primário líquido);

2. Redução sólida (leitos fl uidizado e fi xo) – Através de reações gás--sólido, gases redutores (H

2, CO) promovem a redução dos óxidos,

produzindo o ferro-esponja;

3. Autorredução – A reação do tipo sólido-sólido ocorre a partir dos intermediários gasosos no interior dos aglomerados (fi nos de minério e materiais carbonosos), produzindo metal líquido ou ferro-esponja. O contato íntimo entre as partículas e a ausência de N

2 resulta em

reações muito rápidas e energeticamente efi cientes.

Entre as diversas tecnologias de redução sólida, destaca-se a tecnologia Midrex, já mencionada, que utiliza gás natural e deverá elevar, nos próximos anos, sua produção nos Estados Unidos (em razão do aumento da produção de shale gas) e no Oriente Médio, principalmente no Irã e na Arábia Saudita.

Entre as tecnologias de autorredução, cabe destacar a Tecnored. Con-cebida e desenvolvida no Brasil, a Tecnored apresenta um conjunto de vantagens: (i) possibilidade de processamento de uma grande variedade de cargas (minérios, sucatas, cavacos etc.); (ii) baixo custo de investimento; e (iii) flexibilidade, podendo ser dimensionado a partir de módulos básicos. Essa tecnologia ainda se encontra em fase experimental no Brasil.

Sobre as alternativas tecnológicas para o aumento da eficiência ener-gética e a redução das emissões de GEE, existem tecnologias emergentes que poderão propiciar queda mais significativa nas emissões e poderão vir a ser utilizadas no longo prazo. No âmbito do programa europeu ULCOS (Ultra-Low CO

2 Steelmaking), foram escolhidas algumas tecnologias de

ruptura, a partir da colaboração das principais indústrias siderúrgicas mun-diais, visando a uma redução drástica das emissões de CO

2 (pelo menos de

50%), comparativamente às melhores práticas correntes de produção de aço, entre as quais duas são sumariadas a seguir:

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221• Processo eletrolítico de produção de ferro: o uso de eletrólise na produção de aço, em intensidade energética, é similar ou um pouco abaixo do processo tradicional de produção, devendo chegar a um consumo médio de 15 GJ/t de aço líquido. Nas tecnologias atuais, esse consumo é, em média, de 20 GJ/t. A tecnologia pode ser atrativa quanto a redução de emissões de GEE se a geração de energia elétrica, fonte energética para o processo eletrolítico, tiver como fonte energia oriunda de processos de baixa emissão, como as energias alternativas ou a hidroeletricidade. Em relação ao processo propriamente dito, as opções mais promissoras são a eletrólise em meio aquoso alcalino e a piroeletrólise. Essas tecnologias, embo-ra tecnicamente viáveis, devem levar décadas para atingir uma escala comercial.

• HIsarna com captação e estocagem de CO2: tecnologia baseada

em fusão-redutora (bath smelting). Consiste na combinação de pré-aquecimento e redução parcial em um reator de ciclones, com um reator para a redução total e consequente produção de ferro-gusa líquido. Trata-se de uma tecnologia similar à Corex, já mostrada, com a vantagem de necessitar de menos carvão, além de se mostrar mais fl exível, sendo possível substituir o carvão mineral por biomassa, gás natural ou até mesmo hidrogênio.

O processo HIsarna está sendo desenvolvido na Holanda. Uma planta--piloto está em fase de testes e utiliza, adicionalmente, tecnologias de separação, captura de CO

2 e injeção do CO

2 capturado em formações

geológicas apropriadas, o que diminui ainda mais as emissões de GEE.

Quanto às tecnologias que já são aplicadas ou podem vir a ser aplica-das em curto ou médio prazo (tanto pelo ganho de eficiência energética apresentado como em relação à economicidade da alternativa), expõem-se, a seguir, algumas relacionadas à produção de aço em unidades integradas a coque (incluindo os processos de preparação de carga, como a sinterização e a coqueificação), à produção via EAF e a processos comuns às duas rotas (p. ex., lingotamento/laminação), com base em EPA (2012).

Tecnologias relativas às unidades integradas a coque

Processo de sinterização

A tecnologia de heat recovery (recuperação de calor) na planta de sin-terização pode ser usada no pré-aquecimento do ar de combustão dos

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222 queimadores e na produção de vapor superaquecido, que pode ser usado para cogeração de energia a partir de turbinas a vapor. Essa tecnologia pode representar uma economia de cerca 0,6 GJ/t de sínter, com custo de capital aproximado de US$ 5,00/t, com pay-back de cerca de três anos. O emprego dessa alternativa permite a redução de emissões de NO

x, SO

x e de particulados.

Outras opções interessantes no processo de sinterização que podem me-lhorar a eficiência energética e apresentam baixo custo relativo de capital e menores pay-back são: (i) redução de escapamento de gás na planta, com consequente redução do consumo de energia elétrica dos ventiladores do forno; (ii) aprofundamento do leito de sinterização, com consequente au-mento na produtividade e na redução do consumo energético e de emissões; (iii) implantação de sistemas automatizados de monitoramento e controle do processo, resultando em até 5% de redução do consumo energético; e (iv) aproveitamento de resíduos energéticos de outros processos, na plan-ta de sinterização, como o óleo residual do processo de laminação a frio.

Processo de coqueificação

Uso de sistemas computadorizados para controle de temperatura nas coquerias, regulando-se em função da necessidade, em vez do uso de aque-cimento constante (convencional), o que pode representar um consumo de combustível em até 10% a partir da otimização do suprimento. Ainda é pos-sível citar outras tecnologias com baixo custo de capital e energo-eficientes, como: (i) uso do heat recovery (recuperação de calor) nas baterias de co-que, que pode ser usado no pré-aquecimento do ar para os queimadores; e (ii) técnica de apagamento a seco do coque, que, além de permitir, a par-tir do equipamento usado, melhor taxa de recuperação dos gases, reduz o consumo de coque no alto-forno (melhora do rendimento do coque), pelas características do coque obtido nesse procedimento.

Alto-forno (AF) e aciaria LD/BOF

No AF, o aumento da injeção de PCI pode representar redução na pro-dução de coque, resultando na diminuição de uma grande quantidade de energia consumida nesse processo, que pode chegar até cerca de 0,8 GJ/t de ferro-gusa. O aumento do PCI também propicia queda dos custos ope-racionais no processo de redução no AF.

Nessa etapa, ainda é possível aumentar a injeção de gás de coquerias (GCO) e da aciaria (GAC) no AF, o que promove a redução de emissões de

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223CO2. Cabe destacar que há um limite técnico de injeção de GCO, que é de

0,1 t/t de ferro-gusa líquido.

Outras tecnologias que visam à redução do consumo energético podem ser enumeradas, como: (i) recuperação de gás de alto-forno; (ii) recupera-ção de calor da aciaria e aumento da recuperação de gás de BOF; (iii) sis-temas de controle e automação da reciclagem do GAF; (iv) recuperação de calor da escória.

No Anexo II, traz-se uma tabela com algumas tecnologias que podem proporcionar ganhos de eficiência energética nas unidades integradas a co-que, levando-se em consideração as principais etapas envolvidas na produção de aço, com indicadores selecionados de redução de emissões, economia de energia, custo de capital e tempo de retorno dos investimentos.

Tecnologias relativas às unidades semi-integradas com base em EAF

Na produção de aço via EAF, merecem destaque:

1. uso de transformadores de alta potência, cujo custo de capital é de cerca de US$ 400.000/forno elétrico, podendo reduzir o consumo de energia elétrica em até 15 kWh/t;

2. uso de escória espumante, obtida a partir da injeção de carbono (na forma de carvão granular) e oxigênio, cujo capital estimado é de cer-ca de US$ 16,00/t de aço líquido, promovendo aumento de até 20% na efi ciência elétrica, com uma redução de até 7,0 kWh/t de aço no consumo energético;

3. uso de corrente contínua (DC), em vez de corrente alternada (AC), com eletrodo único, o que permite redução de até 5% no consumo de energia elétrica. Essa tecnologia está limitada a novas instalações, pelos altos custos de adaptação dos fornos de corrente alternada;

4. pré-aquecimento de sucata com alimentação contínua do forno elétri-co, reduzindo o consumo de energia elétrica em até 50 kWh/t de aço. Essa tecnologia já está sendo usada pelo Grupo Gerdau na unidade de Charlotte, NC, EUA; e

5. uso de redes neurais no controle de variáveis do processo em tempo real, como temperatura do banho de aço, teor de carbono do aço, injeção de oxigênio, monitoramento dos gases de exaustão etc.

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224 No Anexo III, há uma tabela com algumas tecnologias que podem pro-porcionar ganhos de eficiência energética na produção de aço via EAF, mostrando indicadores selecionados de redução de emissões, economia de energia, custo de capital e tempo de retorno dos investimentos.

Processos comuns às duas rotas

Além das tecnologias descritas, existem as seguintes:

1. Aumento da efi ciência do lingotamento contínuo a partir do uso de tecnologia near net shape casting, que consiste no lingotamento do metal em uma forma já bem próxima do produto fi nal, reduzindo, assim, as etapas de laminação. Nessa tecnologia, o metal lingotado passa diretamente ao laminador a quente, eliminando-se as etapas de resfriamento e posterior reaquecimento para a laminação. Alguns processos que empregam a tecnologia near net shape casting têm sido desenvolvidos pela indústria, notadamente no que se refere ao lingotamento de placas menos espessas e de laminados de tiras a quente. Cabe destacar que se trata de uma tecnologia de uso ainda limitado a alguns formatos de produtos. Estima-se, com o uso dessa tecnologia, reduzir o consumo energético da ordem de 5,0 GJ/t de aço bruto, com investimentos de cerca de US$ 240,00/t de aço bruto e pay-back estimado de 3,3 anos.

2. Aumento da efi ciência de preaquecimento de semiacabados para a lami-nação, a partir de sistemas mais efetivos de monitoramento e controle.

3. Uso de motores de corrente alternada mais efi cientes nos processos de laminação, tanto na laminação a quente como a frio.

4. Outras tecnologias, como: sistemas de monitoramento de efi ciência do uso de energia; encapsulamento de fornos; aproveitamento do calor dos produtos; uso de walking beam furnace para o preaquecimento de semiacabados para a laminação.

No Anexo IV, encontra-se uma tabela com algumas tecnologias que po-dem proporcionar ganhos de eficiência energética nos processos siderúrgicos comuns às duas rotas anteriormente apresentadas, mostrando indicadores selecionados de redução de emissões, economia de energia, custo de capital e tempo de retorno dos investimentos.

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225Oportunidades e perspectivas

Este estudo evidencia oportunidades de ganho de eficiência nas diver-sas etapas do processo de produção do aço, com destaque para a adoção de tecnologias e medidas de promoção de eficiência energética e redução de emissões. A indústria brasileira é composta por conjuntos de usinas com graus diferentes de eficiência, com oportunidades de investimento e avanço em seus processos de produção.

Mundialmente, as empresas têm buscado desenvolver métodos e tecno-logias de produção cada vez mais limpos e eficientes, visando à redução do consumo de energia e de emissões. A pressão exercida para se reduzir a emissão global de GEE impõe à siderurgia, maior emissor industrial, uma agenda de contínuo desenvolvimento e a adoção de novos processos e sis-temas voltados a uma indústria de baixo carbono.

O atual cenário de excesso de capacidade produtiva e elevação dos custos de energia torna o avanço dos processos e das tecnologias uma questão ainda mais urgente para a sustentabilidade individual das usinas no mercado global.

O estudo destaca as indústrias da Coreia do Sul e dos Estados Unidos como de elevada eficiência na produção, o que se revela pelas baixas ta-xas relativas de consumo dos principais insumos. A indústria brasileira se beneficia do custo baixo de carga metálica e se posiciona relativamente bem em competitividade. No entanto, a observação de taxas mais baixas de consumo em indústrias submetidas a condições menos favoráveis quan-to a disponibilidade e custo de determinados insumos revela espaços para ganhos de eficiência na siderurgia brasileira, a partir da implementação contínua de melhores sistemas e tecnologias de processo.

Entre os diagnósticos feitos ao longo deste estudo, destaca-se a capaci-dade de autoprodução de energia elétrica das usinas siderúrgicas integra-das, as quais têm potencial para a produção líquida de energia elétrica com reaproveitamento de gases e calor de processo, a exemplo do que já fazem a CSA e a CST. O aproveitamento de todo esse potencial energético ainda não é uma realidade em toda a indústria brasileira, que deverá promover os investimentos necessários para que isso ocorra, principalmente no atual cenário de elevação do custo de energia elétrica.

Enquanto algumas usinas brasileiras mantêm planos de investimento em busca de processos mais eficientes, redução de custos, e de construção

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226 de estrutura mais competitiva, outras têm adiado investimentos importan-tes em sustentabilidade e deverão cada vez mais sofrer o impacto negativo sobre os resultados.

O momento atual vivenciado pela indústria brasileira, marcado por uma grande elevação de preços de energia, principalmente da energia elétrica, e também pela elevação de salários, deverá mover usinas para um patamar mais elevado de eficiência e produtividade, que somente será possível se cumprir-se a agenda de investimentos seguida pelas usinas mais avançadas, com base na avaliação e na adoção de algumas das tecnologias promotoras de eficiência apresentadas no capítulo anterior.

As possibilidades de atuação do BNDES

O BNDES conta com programas e linhas facilitadas para que as empre-sas realizem a agenda de investimentos necessária às usinas siderúrgicas brasileiras que ainda deverão adotar tecnologias e processos viáveis para a redução no consumo de energia e emissões.

Além das linhas mais tradicionais de apoio à indústria e à aquisição de bens de capital, o BNDES oferece uma linha específica, Apoio a Projetos de Eficiência Energética (Proesco). Trata-se de uma linha voltada, até mes-mo, ao financiamento de usuários finais de energia, visando à realização de intervenções que comprovadamente contribuam para a economia de energia, aumentem a eficiência global do sistema energético ou promovam a subs-tituição de combustíveis de origem fóssil por fontes renováveis. Com um dos mais baixos custos financeiros e elevada participação do investimento, esse seria um dos produtos mais adequados.

Os investimentos em sistemas voltados à redução do consumo de energia e de emissões também podem ser financiados na linha de Meio Ambiente, que tem condições semelhantes ao Proesco.

Atualmente, as empresas contam com taxas de financiamento de até 7,1% para aquisição de máquinas e equipamentos novos e prazo de até oito anos para pagamento, incluídos até dois anos de carência.

Por se tratar de um setor prioritário do Plano Setorial para Redução das Emissões da Indústria, projetos que efetivamente reduzam as emissões de GEE na siderurgia também podem ser apoiados pelo Fundo Clima, que

Sideru

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227conta com condições ainda mais favoráveis de crédito, em alguns casos, inclusive, com custo financeiro inferior a 2% a.a.

O Programa Fundo Clima, em seu subprograma Gestão e Serviço de Carbonos, também contempla o apoio à elaboração de inventários e proje-tos para a medição de emissões de GEE, em linha com o programa brasi-leiro GHG Protocol. Já elaboraram inventários as empresas ArcelorMittal Brasil – CST (2008), CSN (2013) e CSA (2013), e essa prática deve ser difundida para todo o setor.

Por fim, o BNDES, além de prover recursos financeiros para o desen-volvimento contínuo do setor, pode desempenhar relevante papel de articu-lação com instituições e associações representativas, indústrias siderúrgicas e consumidoras de aço, além de agentes de pesquisa, a fim de orientar polí-ticas e ações destinadas ao desenvolvimento sustentável e ao fortalecimento da cadeia do aço.

Conclusões

Nos últimos anos, a indústria siderúrgica brasileira apresentou parâmetros de sustentabilidade alinhados com a recente evolução da siderurgia mundial, tendo obtido importante redução do consumo total de energia (GJ/t), a uma taxa média de 1,15% a.a. de 2004 a 2013, explicada pela adoção de medi-das e tecnologias mais eficientes, principalmente com a entrada de plantas em operação mais recente.

A comparação com os dez maiores países produtores revela que o Brasil apresenta taxas relativamente baixas de consumo de energia e de seus prin-cipais insumos, não se tratando, porém, de realidade comum a toda a in-dústria brasileira. Algumas usinas têm adiado investimentos importantes e operado aquém quanto a sustentabilidade e eficiência produtiva, evidencia-das pelos dados de produção das indústrias da Coreia do Sul e dos Estados Unidos, notadamente mais eficientes. Para alcançar patamar mais elevado de eficiência e produtividade, considerando o cenário de maior competição global, essas usinas precisam executar uma importante agenda de investi-mentos em tecnologias promotoras de eficiência.

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228 Anexo I | Consumo energético de usinas brasileiras típicas

Usina integrada, produtora de planos – consumo energético – 2013

Consumo energético*

Consumo de energia elétrica

Carvão

GJ/t produto kWh/t produto kg/t produto

Coqueria 3,06 25,00 -

Sinterização 0,03 34,00 47,00

Alto-forno 1,90 71,00 472,00

BOF 0,10 30,00 -

Placas 0,12 11,99 -

LTQ 1,34 94,31 -

Total 21,02 1.169,46 2.631,10

MGJ 21,02 4,21 78,93

kWh 5.839,86 1.169,46 21.925,85

GWh 5,84 1,17 21,93

Total de energia consumida em GJ/t de aço bruto 20,42

Usina integrada, produtora de longos – consumo energético – 2013

Consumo energético*

Consumo de energia elétrica

Carvão

GJ/t produto kWh/t produto kg/t produto

Sinterização 0,2 23,0 51,0

Alto-forno 1,9 71,0 521,3

Aciaria BOF 0,1 50,0 -

Tarugo 0,0 16,0 -

Fio-máquina 1,2 117,0 -

Total 4,49 373,10 780,75

MGJ 4,5 1,3 23,4

kWh 1.246,5 373,1 6.506,3

GWh 1,2 0,4 6,5

Total de energia consumida em GJ/t de aço bruto** 21,67

(Continua)

Sideru

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229

Usina semi-integrada, produtora de longos – consumo energético – 2013

Consumo energético*

Consumo de energia elétrica

Carvão

GJ/t produto kWh/t produto kg/t produto

Aciaria EAF 0,30 466,00 28,99

Tarugo 0,15 15,00 0,00

Vergalhão 1,12 110,00 0,00

Fio-máquina 1,12 112,00 0,00

Seções 1,27 117,00 0,00

Total 2,29 818,01 39,43

MGJ 2,29 2,94 1,18

kWh 635,23 818,01 328,55

GWh 0,64 0,82 0,33

Total de energia consumida em GJ/t de aço bruto** 4,86* Consumo de energia de todas as fontes excluindo-se a energia elétrica e a do carvão mineral.** No caso de unidade semi-integrada, a parcela referente à energia consumida no processo de redução não está incluída. Essa energia é computada no processo de produção de ferro-gusa.

(Continuação)

Sustentabilidade da siderurgia brasileira: eficiência energética, emissões e competitividade

230Anexo II | Tecnologias aplicadas a unidades integradas de produção de aço – eficiência energética: indicadores selecionados

Tecnologia Redução de emissões

Economia de energia

elétrica

Economia de energia – outras

fontes

Custo de capital Pay-back time

Sin

teri

zaçã

o

1- Uso de tecnologia de heat recovery

Alta – até 57 kg CO

2/t de sínter

Desprezível Alta – 0,55 GJ/t de sínter

Médio – US$ 4,7/t de sínter

Curto – 2,8 anos

2- Redução de escapamento de gás

Baixa – até 2 kg CO

2/t de sínter

Desprezível Desprezível Baixo – US$ 0,14/t de sínter

Curto – 1,3 ano

3- Aprofundamento do leito de sinterização

Média – até 10 kg CO

2/t

de sínter

Desprezível Baixa – 0,09 GJ/t de sínter

Baixo – US$ 0,01/t de sínter

Curto – 0,1 ano

4- Melhoria dos processos de automação e controle

Baixa – até 5 kg CO

2/t de sínter

Desprezível Baixa – 0,05 GJ/t de sínter

Baixo – US$ 0,21/t de sínter

Curto – 1,4 ano

5- Uso de óleos residuais de outros processos

Média – até 20 kg CO

2/t

de sínter

Desprezível Média – 0,18 GJ/t de sínter

Baixo – US$ 0,29/t de sínter

Curto – 0,5 ano

Coq

uei

fi ca

ção

1- Uso de sistemas para controle de mistura do carvão

Média – até 7 kg CO

2/t de coque

Desprezível Alta – 0,30 GJ/t de coque

Muito alto – US$ 77/t de coque

Curto – 2,8 anos

2- Sistemas para controle de temperatura do processo

Baixa – até 4 kg CO

2/t

de coque

Desprezível Alta – 0,30 GJ/t de coque

Muito alto – US$ 77/t de coque

Muito longo > 30 anos

3- Compressor de GCO com velocidade controlada

Baixa – até 0,12 kg CO

2/t

de coque

Desprezível Alta – 1,2 GJ/t de coque

Baixo – US$ 0,47/t de coque

Muito longo > 20 anos

4- Apagamento a seco do coque Alta – até 27 kg CO

2/t de coque

Desprezível Alta – 0,30 GJ/t de coque

Muito alto – US$ 110/t de coque

Muito longo > 30 anos

(Continua)

Siderurgia

231Tecnologia Redução de

emissões Economia de energia

elétrica

Economia de energia – outras

fontes

Custo de capital Pay-back timeA

lto-

forn

o

1- Aumento da injeção de PCI para até 225 kg/t

Alta – até 35 kg CO

2/t de gusa

Desprezível Alta – 0,57 GJ/t de gusa

Médio – US$ 8,0/t de gusa

Curto – 2,4 anos

2- Aumento da injeção de gás natural para até 140 kg/t

Alta – até 55 kg CO

2/t de gusa

Desprezível Alta – 0,90 GJ/t de gusa

Médio – US$ 7,8/t de gusa

Curto – 1,5 ano

3- Recuperação do gás de alto-forno

Baixa – até 4 kg CO

2/t de gusa

Desprezível Baixa – 0,07 GJ/t de gusa

Baixo – US$ 0,47/t de gusa

Curto – 0,8 ano

4- Uso de turbina de topo úmida Média – até 18 kg CO

2/t

de gusa

Baixa – 0,11 GJ/t de gusa

Nenhuma Alto – US$ 32/t de gusa

Muito longo > 20 anos

5- Automação do processo de preaquecimento do ar de injeção

Média – até 22 kg CO

2/t

de gusa

Desprezível Alta – 0,37 GJ/t de gusa

Baixo – US$ 0,47/t de gusa

Curto – 0,4 ano

6- Melhoria dos sistemas de automação e controle

Média – até 25 kg CO

2/t

de gusa

Desprezível Alta – 0,40 GJ/t de gusa

Baixo – US$ 0,56/t de gusa

Curto – 0,4 ano

BO

F

1- Tecnologia de recuperação de gás de aciaria mais efi ciente

Alta – até 46 kg CO

2/t de aço

Desprezível Alta – 0,55 GJ/t de aço Alto – US$ 34,4/t de aço

Longo – 12 anos

2- Ventiladores com velocidade variáveis controladas (VSD)

Baixa – até 0,6 kg CO

2/t

de aço

Desprezível Baixa – 0,03 GJ/t de aço

Baixo – US$ 0,31/t de aço

Médio – 8 anos

(Continuação)

Sustentabilidade da siderurgia brasileira: eficiência energética, emissões e competitividade

232Anexo III | Tecnologias aplicadas à produção de aço via EAF – eficiência energética: indicadores selecionados

Tecnologia Redução de emissões Economia de energia elétrica

Economia de energia – outras fontes

Custo de capital Pay-back time

EA

F

1- Processos de automação e controle com uso de redes neurais

Alta – até 18 kg CO2/t

de aço Média – 0,11 GJ/t de aço Desprezível Baixo – US$ 1,5/t

de açoCurto – 0,5 ano

2- Transformadores de ultra-alta-potência

Média – até 10 kg CO

2/t aço

Baixa – 0,06 GJ/t de aço Desprezível Médio – US$ 4,3/t de aço

Médio – 5,2 anos

3- Injeção de gás inerte para aumento da transferência de calor

Média – até 12 kg CO

2/t aço

Baixa – 0,07 GJ/t de aço Desprezível Baixo – US$ 0,94/t de aço

Curto – 0,2 ano

4- Uso de escória espumante

Média – até 11 kg CO

2/t aço

Baixa – 0,07 GJ/t de aço Desprezível Alto – US$ 15,6/t de aço

Médio – 4,2 anos

5- Queimadores oxy-fuel

Alta – até 24 kg CO

2/t aço

Média – 0,14 GJ/t de aço Desprezível Médio – US$ 7,5/t de aço

Curto – 0,9 ano

6- Forno a corrente contínua (DC)

Alta – até 53 kg CO

2/t aço

Alta – 0,32 GJ/t de aço Desprezível Médio – US$ 6,1/t de aço

Médio – 9,2 anos

7- Preaquecimento de sucata

Alta – até 35 kg CO

2/t aço

Alta – 0,22 GJ/t de aço Desprezível Médio – US$ 7,8/t de aço

Médio – 8,0 anos

8- Monitoramento e controle dos ventiladores de gases de combustão

Média – até 9 kg CO

2/t aço

Baixa – 0,05 GJ/t de aço Desprezível Baixo – US$ 3,1/t de aço

Curto – 4,3 anos

9- Furo excêntrico na carcaça do forno para vazamento de escória

Média – até 9 kg CO

2/t aço

Baixa – 0,05 GJ/t de aço Desprezível Baixo – US$ 5,0/t de aço

Médio – 6,8 anos

Siderurgia

233Anexo IV | Tecnologias aplicadas a processos comuns às duas rotas – eficiência energética: indicadores selecionados

Tecnologia Redução de emissões

Economia de energia

elétrica

Economia de energia – outras

fontes

Custo de capital Pay-back timeL

ingo

tam

ento

e la

min

ação

1- Lingotamento tipo near net shape

Muito alta – até 730 kg CO

2/t de aço

Alta – 0,64 GJ/t de aço

Muito alta – 3,5 GJ/t de aço

Muito alto – US$ 235/t de aço

Curto – 3,3 anos

2- Controle de processo nos laminadores de tiras a quente (LTQ)

Média – até 15,0 kg CO

2/t de aço

Desprezível Alta – 0,3 GJ/t de aço

Baixo – US$ 1,1/t de aço

Curto – 1,2 ano

3- Queimadores mais efi cientes com sistemas de regeneração e recuperação de gases

Alta – até 35,2 kg CO

2/t de aço

Alta – 0,70 GJ/t de aço

Desprezível Baixo – US$ 3,9/t de aço

Curto – 1,8 ano

4- Controle de oxigênio do sist. de ventilação de ar de combustão com uso de VSD

Média – até 17,0 kg CO

2/t de aço

Desprezível Alta – 0,33 GJ/t de aço

Baixo – US$ 0,79/t de aço

Médio – 0,8 ano

5- Recuperação de calor da água de resfriamento do LTQ para geração de vapor

Baixa – até 1,9 kg CO

2/t de aço

Desprezível Baixa – 0,03 GJ/t de aço

Baixo – US$ 1,3/t de aço

ND

6- Recuperação de calor de fornos das linhas de tratamento térmico

Média – até 17,5 kg CO

2/t de aço

Baixa – 0,02 GJ/t de aço

Alta – 0,30 GJ/t de aço

Médio – US$ 4,2/t de aço

Curto – 4,0 anos

7- Dispositivos para redução de perdas por evaporação de ácido nas linhas de decapagem

Média – até 9,9 kg CO

2/t de aço

Desprezível Média – 0,20 GJ/t de aço

Médio – US$ 4,4/t de aço

Médio – 7,3 anos

8- Sistemas de monitoramento automático e de metas em laminadores a frio

Alta – até 35,3 kg CO

2/t de aço

Desprezível Média – 0,21 GJ/t de aço

Baixo – US$ 1,7/t de aço

Curto – 0,8 ano

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de

234 Referências

CGEE – CENTRO DE GESTÃO E ESTUDOS ESTRATÉGICOS. Recomendações

para inovação tecnológica na siderurgia do Brasil. 2009. Disponível em: <http://www.abmbrasil.com.br/epss/arquivos/documentos/2011_4_18_16_58_57_43153.pdf>. Acesso em: 21 mai. 2014.

COSTA, M. M. Princípios de ecologia industrial aplicados à

sustentabilidade ambiental e aos sistemas de produção de aço. 2002. 257 p. Tese (D.Sc., Planejamento Energético) – Coppe/UFRJ, Rio de Janeiro, 2002.

CRU INTERNATIONAL. Crude Steel Market Outlook. CRU, 2014a.

______. Steel Long Products Market Outlook. CRU, 2014b.

______. Steel Cost Model 2014. CRU, 2014c.

EPA – UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY. Available and

emerging technologies for reducing greenhouse gas emissions from the

iron and steel industry. 2012. Disponível em: <http://www.epa.gov/nsr/ghgdocs/ironsteel.pdf>. Acesso em: 27 out. 2014.

EPE – EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA. Balanço energético nacional

2014: ano-base 2013. Rio de Janeiro, 2014.

IABR – INSTITUTO AÇO BRASIL. Relatório de sustentabilidade 2013. 2013. Disponível em: <http://www.acobrasil.org.br/site/portugues/sustentabilidade/downloads/relatorio_sustentabilidade_2013v3.pdf>. Acesso em: 21 mai. 2014.

______. Anuário estatístico 2014. Rio de Janeiro, 2014a.

______. Relatório de sustentabilidade 2014, 2014b. Disponível em: <http://www.acobrasil.org.br/site/portugues/sustentabilidade/downloads/Relatorio%20de%20Sustentabilidade_2014_web.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2014.

______. A indústria do aço no Brasil, 2014c. Disponível em: http://www.acobrasil.org.br/site/portugues/sustentabilidade/downloads/livro_cni.pdf. Acesso em: 11 ago. 2014.

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235MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO – MCTI/SECRETARIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO – SEPED/COORDENAÇÃO GERAL DE MUDANÇAS GLOBAIS DE CLIMA – CGMC. Estimativas anuais de emissões de gases de efeito estufa no Brasil.

MCTI, 2013 Disponível em: <http://gvces.com.br/arquivos/177/EstimativasClima.pdf>. Acesso em: 10 out. 2014.

WSA – WORLD STEEL ASSOCIATION. Sustainable steel policy and

indicators 2013. Disponível em: <http://www.worldsteel.org/dms/internetDocumentList/bookshop/Sustainable-Steel-Policy---Indicators-2013/document/Sustainable%20steel%3A%20Policy%20and%20indicators%202013.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2014.

______. Steel’s contribution to a low carbon future, 2014. Disponível em: <http://www.worldsteel.org/dms/internetDocumentList/bookshop/Steel-s-contribution-to-a-Low-Carbon-Future-2014/document/Steel_s%20contribution%20to%20a%20Low%20Carbon%20Future%202014.pdf>. Acesso em: 6 jun. 2014.

Sites consultados

ANEEL – AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA, BANCO DE INFORMAÇÕES DE GERAÇÃO (BIG) – <www.aneel.gov.br>.

CARBON TRUST, EU EMISSIONS TRADING SCHEME (EU ETS) – <www.carbontrust.com>.

IETD – INDUSTRIAL EFFICIENCY TECHNOLOGY DATABASE – <http://ietd.iipnetwork.org>.

ULCOS – ULTRA-LOW CARBON DIOXIDE (CO2) STEELMAKING –

<www.ulcos.org>.

Bibliografia

D’ABREU, J. C. Estudo setorial da siderurgia. Rio de Janeiro: Lucky Editora, 2009.

MOURÃO, M. B. Introdução à siderurgia. São Paulo: Associação Brasileira de Metalurgia e Materiais, 2007.

Biocombustíveis

BNDES Setorial 41, p. 237-294

De promessa a realidade: como o etanol celulósico pode revolucionar a indústria da cana-de-açúcar – uma avaliação do potencial competitivo e sugestões de política pública

Artur Yabe MilanezDiego NykoMarcelo Soares ValenteLuciano Cunha de SousaAntonio BonomiCharles Dayan Farias de JesusMarcos Djun Barbosa WatanabeMateus Ferreira ChagasMylene Cristina Alves Ferreira RezendeOtávio CavalettTassia Lopes JunqueiraVera Lúcia Reis de Gouvêia∗

Resumo

Após um longo período de desenvolvimento tecnológico em nível mun-dial, o etanol celulósico ou de segunda geração (E2G) atingiu o estágio de plantas comerciais. O Brasil, por conta dos projetos fomentados pelo Plano Conjunto BNDES-Finep de Apoio à Inovação Tecnológica Industrial dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico (PAISS), tem atualmente uma ca-pacidade instalada de produção de E2G de cerca de 140 milhões de litros

* Respectivamente, gerente setorial, economista e engenheiro do Departamento de Biocombustíveis do BNDES; analista do Departamento de Competitividade Industrial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC); coordenador e pesquisadores da Divisão de Avaliação Integrada de Biorrefi narias do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).

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ública

238 por ano. Contudo, tal volume ainda pode ser considerado pequeno quando comparado à demanda interna de combustíveis, hoje suprida com volumes relevantes de gasolina importada. Assim, com o objetivo de fomentar a implementação de mecanismos de política pública que acelerem os inves-timentos em novas plantas de E2G, este artigo apresenta, baseado em pre-missas discutidas com diversas empresas e especialistas, estimativas sobre o potencial de melhoria de eficiência e redução de custos de produção do E2G em diferentes cenários tecnológicos. Se bem-sucedidas, tais políti-cas ajudariam a alterar o atual paradigma tecnoeconômico da indústria da cana-de-açúcar, resgatando sua competitividade.

Introdução

O setor de combustíveis líquidos no Brasil experimentou mudanças sig-nificativas na última década. O aumento da frota de veículos leves ocasionou crescimento significativo do consumo de combustíveis, cujo atendimento, até 2008-2009, foi feito majoritariamente por meio do aumento da produ-ção interna de etanol.

Entretanto, a redução da competitividade do produto resultou em estag-nação do investimento em novas usinas. Nesse cenário, a frota crescente de veículos passou a consumir mais gasolina, o que implicou o incremento do volume de importações, haja vista a capacidade limitada de refino no Brasil [Milanez et al. (2012)].

Ademais, como as novas refinarias em construção no Brasil concentram-se mais na produção de diesel e de outros derivados de maior valor agregado, a manutenção do atual patamar de venda de veículos leves implicará a im-portação de volumes crescentes de gasolina. Tais volumes poderão alcan-çar níveis superiores a dez bilhões de litros já no início da próxima década.

Desse modo, é indispensável que se busquem formas de resgatar a atra-tividade econômica do etanol, cuja competitividade se reduziu nos últimos anos, entre outros motivos, pelo amadurecimento de seu atual paradigma tecnológico agrícola e industrial [Nyko et al. (2010; 2013a)].

Dentre as opções tecnológicas que vêm sendo desenvolvidas no Brasil, destacam-se as iniciativas dedicadas ao E2G, cujo impacto na produtividade em etanol pode significar um aumento de até 50% em relação ao nível atual. Com esse novo paradigma tecnológico, abre-se a possibilidade também para

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239uma nova geração de biomassas mais produtivas, com maior conteúdo de fibras, como é o caso da cana-energia.

A iniciativa conjunta de BNDES e Finep – Inovação e Pesquisa por meio do PAISS, em 2011, viabilizou a implementação das três primeiras plantas de E2G no Brasil, das quais duas em escala comercial e outra demonstra-tiva, o que significou um passo importante na trajetória evolutiva do E2G, até então limitado a iniciativas em escalas laboratorial e piloto. Contudo, a capacidade dessas plantas, em conjunto, chega a pouco mais de 140 milhões de litros por safra, volume ainda pequeno quando comparado aos níveis de importação de gasolina, que a produção interna de E2G poderia reduzir. O ápice da importação ocorreu em 2012, quando o país importou 3,8 bilhões de litros. Em 2014, foram importados 2,2 bilhões de litros de gasolina.

Nesse contexto, o presente trabalho tem por objetivo avaliar a importância da implementação de mecanismos de políticas públicas que apoiem continua-mente as atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D), bem como ace-lerem os investimentos em novas plantas de E2G no Brasil. Além desta Introdução, o artigo está dividido em mais três seções e a conclusão. Na segunda seção, são comparados os principais mecanismos de políticas pú-blicas existentes nos Estados Unidos da América (EUA) e no Brasil.

A seção seguinte é reservada para avaliar técnico e economicamente a produção atual de E2G comparado à de etanol de primeira geração (E1G), bem como o potencial de melhoria de eficiência e redução de custo do E2G no Brasil. Na quarta seção, sugere-se um conjunto de políticas públicas que podem contribuir para acelerar os ganhos de eficiência do E2G. Na última seção, são expostas as principais conclusões.

Políticas tecnológicas para o E2G

A corrida tecnológica mundial pelos biocombustíveis de segunda geração vem sendo direta ou indiretamente analisada em diversos trabalhos e em diferentes perspectivas [Bastos (2012); Dias et al. (2012; 2013); Nyko et

al. (2010); Pereira (2013); Pugatch Consilium (2014); Raele et al. (2014)].

O E2G é produzido a partir de material lignocelulósico (MLC) prove-niente da biomassa. Nas últimas décadas, diversas fontes lignocelulósicas vêm sendo estudadas para a produção de E2G, tais como, palha de milho, de trigo e de arroz, resíduos de cana-de-açúcar, bagaço de sorgo sacarino,

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240 gramíneas, resíduos florestais. No Brasil, pelo fato de ser a matéria-prima predominante na produção de E1G, a cana-de-açúcar tem sido o foco dos principais estudos para a produção de E2G.

O E2G recebe atenção especial em muitos países, como os da União Europeia (UE), os EUA, a China e o Brasil. Nesses países, governos e empresas estão engajados em viabilizar comercialmente o E2G, que repre-senta importante passo na direção da sustentabilidade ambiental e, em al-guns casos, segurança/independência energética nacional. Nesse contexto, a inovação no segmento recebe amplo apoio público. Entre os principais instrumentos de política pública, figuram mandatos de mistura obrigatória, incentivos fiscais e subvenções (grants) para P&D.

Como argumentado em Nyko et al. (2010), os EUA oferecem o melhor exemplo de portfólio de políticas públicas que, de modo sinérgico, fomen-tam a inovação tecnológica em biocombustíveis celulósicos em suas dife-rentes dimensões. São diversos programas e planos de ação que apoiam a pesquisa, o desenvolvimento e a adoção crescente de novas tecnologias pelo país. Cada instrumento de política tecnológica tem suas próprias ca-racterísticas e objetivos específicos que visam à superação de obstáculos de diferentes naturezas.1

Gretz et al. (2010) [apud Pereira (2013)] enxergam papéis distintos e complementares das políticas de incentivos tributários e de subvenção no fomento à inovação. Segundo os autores, enquanto o primeiro tipo de po-lítica deve ser usado para aumentar os investimentos em P&D, os grants devem ser usados para diversificar a composição de pesquisa e o desenvol-vimento realizado pelas empresas.

Para melhor entender a lógica que fundamenta essas distintas, po-rém integradas, políticas tecnológicas, Steinmueller (2010) apresenta di-versos modelos possíveis de políticas para inovação. Esses modelos são organizados em quatro categorias: (1) políticas voltadas à oferta de no-vas tecnologias; (2) políticas voltadas à demanda por novas tecnologias; (3) política para a oferta de fatores complementares; e (4) mecanismos de mudança institucional.

1 Ressalta-se que, ao longo deste texto, os exemplos de política pública nos EUA se restringem ao apoio federal. Procura-se oferecer exemplos recentes, mas não necessariamente disponíveis na data de publicação deste estudo. De modo não exaustivo, o objetivo é ilustrar o vasto conjunto de instrumentos mais importantes utilizados pelos EUA.

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241Deve-se ressaltar que tais políticas e categorias não são exaustivas. Para o objetivo do estudo aqui elaborado, serão abordadas apenas algumas polí-ticas voltadas à demanda e à oferta de novas tecnologias, já que essas duas categorias permitem classificar as principais políticas estadunidenses de apoio aos biocombustíveis celulósicos, que aqui são tomadas como exem-plo bem-sucedido de fomento. Além disso, a classificação também permite identificar os elos e as complementaridades entre essas políticas, que con-correm para o pleno desenvolvimento tecnológico do E2G naquele país. Assim, as discussões que seguem sumarizam as principais categorias (de demanda e oferta) propostas por Steinmueller (2010), associando-lhes as principais políticas tecnológicas para o E2G nos EUA.

As políticas voltadas à demanda por novas tecnologias

Como argumentado por Steinmuller (2010), o processo da difusão tec-nológica não é necessariamente automático. Pelo contrário, é comum haver alguma resistência por parte de possíveis usuários no processo de adoção da tecnologia. Como resultado, torna-se lento o ritmo da difusão da inovação. Além disso, a aceitação da inovação pelo mercado pode não ser imediata em muitos casos, visto que o custo e/ou o preço do produto ou serviço podem ser temporariamente superiores ao custo/preço de tecnologias substitutas que já existem. Mesmo havendo aumento correspondente na qualidade do produto ou serviço, este pode não ser adotado por distorções na percepção e/ou por diferenças de valorização individual pelos eventuais usuários. Essa situação pode ocorrer com o E2G, que tem maior potencial para redução dos impactos ambientais em comparação com os combustíveis tradicionais existentes [Dias et al. (2012); Luo et al. (2009a; 2009b)].2

Além disso, o setor energético tem uma série de características que ne-cessitam ser levadas em consideração. Em primeiro lugar, no mercado de energia, o cliente não tem escolha, o que torna esse mercado bastante regu-lado. Mesmo em países com tradição econômica de pouca interferência de mercado, como os EUA, existem regras rígidas sobre as características do produto, quem pode produzir, em quais circunstâncias, quem pode distribuir etc. Em segundo lugar, novas tecnologias no setor energético normalmente

2 A difusão tecnológica do E2G terá que ocorrer em dois níveis indissociáveis. No primeiro, as empresas produtoras de etanol deverão incorporar as novas tecnologias em seus processos produtivos. Em um segundo nível, é necessário que os usuários fi nais de combustíveis consumam o E2G.

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242 competem com tecnologias já bem-estabelecidas, com custos baixos e am-pla base instalada, de maneira que o maior problema a ser enfrentado pelas inovações no setor é o de atingir a escala necessária. No setor de energia, é necessário que se leve em conta o suprimento de tecnologia, mas também a criação de demanda para esse tipo de tecnologia e elementos organizacionais que sejam propriamente alinhados para ligar os dois [Peters et al. (2012); Weiss e Bonvillian (2009); Ye, Paulson e Khanna (2014)].

No caso do E2G, pode-se considerar que o processo de difusão das tec-nologias de produção ainda nem começou. De propriedade de empresas que também desenvolvem as tecnologias de produção de E2G, as plantas pioneiras começaram a produzir seus primeiros litros de etanol em 2014. Ainda que conhecidas, as etapas físicas, químicas e biológicas da produção de E2G devem sofrer alterações e evoluções com o processo de escalona-mento industrial. Há um longo processo de aprendizagem a ser percorrido, durante o qual deverão ser superados substanciais riscos e incertezas para que a difusão ocorra satisfatoriamente.

Se, por um lado, há problemas observados no processo de difusão tec-nológica, por outro, há razões para acreditar que o aumento do ritmo da di-fusão tecnológica deverá ser benéfico socialmente. Entre elas, destacam-se: (1) a própria aprendizagem, que tende a levar a reduções consistentes de custos e, portanto, com potencial de gerar aumentos do bem-estar social; e (2) o aumento da produtividade para seus usuários ou para outras partes da economia, o que poderia acelerar o crescimento econômico e também o bem-estar social. No caso do E2G, é importante considerar também a di-mensão ambiental. O produto gera impactos ambientais expressivamente menores, principalmente quando comparado a seus substitutos de origem fóssil ou mesmo a outros biocombustíveis [Dias et al. (2012); Luo et al. (2009a; 2009b)]. Assim, a difusão da produção e do uso do E2G representaria passo importante na luta contra as mudanças climáticas e outras categorias de impacto ambiental relevantes, como o uso da terra e de recursos fósseis.

Subsídios à adoção de novas tecnologias

A oferta de subsídios aos eventuais usuários de uma nova tecnologia é um dos instrumentos mais conhecidos e utilizados pelos formuladores de políticas públicas. Segundo Steinmueller (2010), a oferta de subsídios à ado-ção de tecnologia é equivalente à redução do preço do bem ou do serviço a ser adotado, o que levaria ao aumento do consumo.

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243Nos EUA, há exemplos de ofertas de subsídios à adoção de biocombus-tíveis alternativos. Até dezembro de 2013, a Receita Federal dos EUA ofe-receu crédito tributário no valor de US$ 0,50 por galão (R$ 0,30 por litro)3 de certos combustíveis alternativos usados (ou misturados na gasolina, diesel ou querosene) para veículos terrestres, marítimos ou aéreos. Etanol, biodie-sel e metanol não foram elegíveis para receber esse apoio, que se destinou, entre outros, ao gás liquefeito de petróleo (GLP), gás natural e hidrocarbo-netos liquefeitos derivados de biomassa.4 O crédito foi concedido aos dis-tribuidores (ou misturadores) de combustíveis [Cunningham et al. (2013)].

Até o fim de 2011, a Receita Federal americana também ofereceu sub-sídio aos distribuidores de combustíveis que misturassem etanol com gaso-lina. O crédito tributário oferecido era de US$ 0,45 por galão (R$ 0,27 por litro)5 de etanol misturado. Todavia, essa legislação não fazia diferenciação entre o E1G e o E2G.

Mandatos de uso/mistura obrigatória

No que tange especificamente aos biocombustíveis, os mandatos que obrigam seu uso são um tipo de instrumento empregado por diversos paí-ses do mundo. Esse instrumento estimula a demanda ao mesmo tempo em que busca reduzir as incertezas de mercado. De fato, a lógica nesse tipo de medida é a formação de um mercado que, com o tempo, tende a se conso-lidar e se expandir, o que acelera a curva de aprendizado das empresas e contribui para a difusão mais rápida dessas novas tecnologias.

Nos EUA, foi criado o Renewable Fuel Standard (RFS), um dos princi-pais programas federais de apoio aos biocombustíveis celulósicos. Gerido pela Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos EUA, o RFS tem como ob-jetivo garantir um consumo mínimo de combustíveis renováveis. O progra-ma originou-se no Energy Policy Act de 2005 e foi expandido pelo Energy Independence and Security Act (EISA) de 2007, dando origem ao RFS2.

Segundo o RFS2, os combustíveis renováveis devem ser misturados em quantidades crescentes a cada ano, chegando a 36 bilhões de galões (ou vo-lume próximo a 136 bilhões de litros) em 2022 (Gráfico 1). Como ilustração,

3 Dólar a R$ 2,30 (jul. 2014).4 Atualmente, o foco do governo dos EUA recai sobre os combustíveis drop-in, ou seja, aqueles que podem ser usados sem restrições nos atuais motores veiculares, substituindo integralmente os combus-tíveis fósseis.5 Dólar a R$ 2,30 (jul. 2014).

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244 esse valor representaria cerca de 25% do consumo americano de gasolina, que vem girando em torno de quinhentos bilhões de litros por ano.

Gráfico 1 | Metas de consumo da RFS2 segundo EISA 2007

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Biocombustíveis convencionais Biocombustível celulósico

Diesel a partir de biomassa* Biocombustíveis avançados (sem especificação)

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es

F onte: Elaboração própria, com base em EPA.* A partir de 2013, não há valores defi nidos para o diesel a partir de biomassa. Determinou-se apenas que seu consumo não pode ser inferior a um bilhão de galões por ano.

O RFS2 determinou que deveriam ser consumidos não apenas biocombus-tíveis convencionais, como o etanol de milho, mas também biocombus tíveis avançados, como os celulósicos e o diesel de biomassa. Essa classificação de biocombustíveis é definida por meio de critérios de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE). O RFS2 considera que biocombustíveis celuló-sicos são aqueles derivados de qualquer material celulósico, hemicelulósico ou de lignina que, por sua vez, sejam derivados de biomassa renovável, e que reduzam as emissões de GEE em, pelo menos, 60% quando compara-dos aos substitutos fósseis. Em 2022, deverão ser consumidos 16 bilhões de galões (ou cerca de sessenta bilhões de litros) de biocombustíveis celuló-sicos nos EUA (ver Gráfico 1), pouco mais de 10% do total de gasolina consumida atualmente.

Políticas voltadas à oferta de novas tecnologias

As políticas que incentivam a oferta de novas tecnologias baseiam-se, em grande medida, na concepção de fluxo linear da inovação, ou seja, par-tem da constatação de que estímulos contínuos à pesquisa e ao desenvolvi-mento científico tendem a aumentar as inovações do sistema (technology

push). Desse modo, ao incentivar o aumento das atividades científicas, essas

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245políticas pretendem aumentar o ritmo e a direção da mudança tecnológica [Steinmueller (2010)].

Políticas tecnológicas horizontais

Nesse conjunto, as políticas tecnológicas horizontais são de implemen-tação relativamente simples e têm potencial para atingir grande número de atores. Normalmente, o objetivo dessas políticas é incentivar o aumento de gastos em P&D das empresas e, dessa forma, aumentar a produtividade global da economia. Nesse sentido, incentivos fiscais são importantes meca-nismos de políticas tecnológicas horizontais. Todavia, Steinmueller (2010) chama a atenção para o escopo dessas políticas. O principal alerta recai sobre a possibilidade de comportamentos oportunistas de muitas empresas em políticas com grande abrangência. O benefício da redução de alíquotas de imposto sobre gastos com inovação, por exemplo, poderia ser obtido por empresas cujas atividades correntes já sejam consideradas atividades de P&D, sem aumento, portanto, daqueles gastos. Logo, políticas tecnoló-gicas mais focadas poderiam obter maior sucesso.

Para buscar exemplos dessas políticas nos EUA, é preciso ampliar o foco analítico de modo a abarcar, além das atividades tradicionais de P&D das empresas, também a construção de plantas pioneiras de E2G nas atividades de inovação.6 Sem ter abrangência horizontal, os dois exemplos oferecidos aqui são de subsídios voltados à produção dos biocombustíveis celulósi-cos. Em uma primeira etapa, a Receita Federal Americana concedeu crédito tributário para a produção de biocombustíveis celulósicos. Os produtores poderiam reivindicar crédito de até US$ 1,01 por galão (R$ 0,61 por litro)7 de biocombustível celulósico produzido nos EUA depois de 31 de dezem-bro de 2008.8 Em uma segunda etapa, a mesma Receita Federal concedeu subsídio especial de 50% para as deduções com depreciação das plantas de biocombustíveis celulósicos que utilizassem a hidrólise enzimática em seu processo produtivo. Esse subsídio foi válido somente para o primei-ro ano de operação dessas plantas. Ambos os créditos tarifários, previstos

6 Se o foco analítico se restringisse às atividades tradicionais de P&D, as políticas públicas que apoiam a produção dos biocombustíveis celulósicos, que são apresentadas adiante, seriam consideradas políticas voltadas à demanda.7 Dólar a R$ 2,30 (jul. 2014). 8 Esse crédito para o E2G varia com outros créditos disponíveis para esse biocombustível, de tal forma que o valor total de todos os créditos seja de US$ 1,01 por galão [Yacobucci (2012)].

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246 originalmente para se encerrarem no fim de 2012, foram renovados até o fim de 2013 [Amarasekara (2013); Miller et al. (2010); Yacobucci (2012)].

Estratégias de sinalização

Como apresentado em Steinmueller (2010), as estratégias de sinaliza-ção objetivam influenciar as expectativas tecnológicas dos tomadores de decisão privados, diminuindo as assimetrias de informação que eventual-mente existem no ambiente de negócios. Segundo o autor, em um contexto no qual a informação é assimétrica e a incerteza é significativa, deve ser considerado o apoio a projetos de demonstração. Assim, ao gerar parâme-tros técnicos e econômicos em escala que represente confiabilidade, uma planta de demonstração de E2G operacionalmente ativa poderia ter efeito de sinalização para os atores reticentes em investir nessa nova tecnologia.

De fato, a maior parte das políticas públicas para a inovação acaba ge-rando algum tipo de sinalização. Programas com recortes temáticos bem definidos e que estimulem a competição, por exemplo, podem funcionar como mecanismo de sinalização, visto que deixam claro quais são as prio-ridades e as visões de longo prazo de determinado país.

Financiamento temático

Outro tipo de política tecnológica importante e amplamente usada pelos EUA é o financiamento temático. Como definido por Steinmueller (2010), esse termo é abrangente e pode contemplar diversos programas, sendo o modelo dominante entre as políticas tecnológicas voltadas à oferta. A ca-racterística principal desse tipo de política é a predefinição de temas, para os quais os candidatos elegíveis são convidados a submeter propostas de programas de P&D. Segundo o autor, a principal vantagem desse tipo de política tecnológica é o foco, que pode levar em conta aspectos setoriais, regionais, sociais e tecnológicos.

Nos EUA, vários departamentos são responsáveis por elaborar e con-duzir programas de financiamento temático. Entre eles, destacam-se o Departamento de Energia (DOE) e o Departamento de Agricultura (USDA). Apesar de existir alguma redundância entre os programas desses departamen-tos, a complementaridade é o aspecto que melhor define a relação entre eles.9

9 Para detalhamento dos papéis das agências e departamentos federais dos EUA na cadeia produtiva da bioenergia, ver DOE-EERE (2014). Importante ressaltar a existência da Biomass R&D Board, interagência presidida conjuntamente por DOE e USDA cujo objetivo é discutir, de modo coordenado com as demais agências federais envolvidas no tema, a evolução tecnológica setorial e as estratégias de implementação de políticas tecnológicas na área de biocombustíveis, bioprodutos e bioenergia.

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247Sob a responsabilidade do USDA, destaca-se o Biorefinery, Renewable Chemical and Biobased Product Manufacturing Assistance Program. O programa surgiu pela primeira vez na Farm Bill de 2008. Na época, deno-minava-se apenas Biorefinery Assistance e oferecia tanto subvenções eco-nômicas10 (grants) quanto garantias a empréstimos11 para a construção de biorrefinarias de escala comercial e/ou modernização de biorrefinarias de-monstrativas para biorrefinarias comerciais. O objetivo do programa era demonstrar a viabilidade comercial dos processos de conversão de biomassa em biocombustíveis avançados.

Renovado pela Farm Bill de 2014, o programa incorporou os produ-tos da química renovável ao escopo do apoio. Além disso, o programa deixou de oferecer subvenções, mas manteve as garantias de emprésti-mos [Schnepf (2014)]. Segundo Panoutsou et al. (2013), até 2013, haviam sido investidos mais de US$ 1 bilhão em 29 projetos de biorrefinarias inte-gradas e US$ 1,7 bilhão havia sido a contrapartida do setor privado.

O USDA, em parceria com o DOE, também é responsável pelo Biomass Research and Development Initiative, programa que oferece subvenções para projetos de pesquisa, desenvolvimento e demonstração de biocombustíveis. São três os principais focos de apoio desse programa: (1) desenvolvimento de matérias-primas; (2) desenvolvimento de biocombustíveis e bioprodutos; e (3) análise do desenvolvimento dos biocombustíveis. Para ter acesso ao apoio, há um processo competitivo, e a participação máxima do governo é de 80% do custo total do projeto.

No que concerne às responsabilidades do DOE, o Bioenergy Technologies Office (BETO) é o órgão responsável por fomentar tecnologias comercial-mente viáveis para biocombustíveis e bioprodutos. Para tanto, o BETO se-gue planejamento plurianual consubstanciado em seu Multi-Year Program Plan (MYPP), documento que estabelece os objetivos e identifica as ativi-dades de pesquisa, desenvolvimento e demonstração que deverão ser foco do órgão durante cinco anos.12

10 Limitada a até 30% dos custos totais do projeto.11 As garantias de empréstimo são limitadas em até US$ 250 milhões ou 80% dos custos totais do projeto.12 A formulação do MYPP envolve o estabelecimento de metas arrojadas e indicadores de desempenho para as tecnologias que serão fomentadas. Por exemplo, no MYPP de 2014 [DOE-EERE (2014)], fi ca estabelecido que, em 2017, deverá ser validada, em escala-piloto, pelo menos uma rota tecnológica para a produção de um biocombustível composto de hidrocarbonetos, precifi cado a US$ 3 por galão de gasolina equivalente e com redução de, no mínimo, 50% de GHG quando comparado aos substitutos fósseis.

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248 A partir da formulação e validação do MYPP, são construídos alguns design cases, a partir dos quais são simulados modelos de rotas de conver-são de biomassa em biocombustível. Como ressaltado em Pereira (2013), as simulações contam com o auxílio de laboratórios nacionais, como o National Renewable Energy Laboratory (NREL). As simulações permitem identificar os desafios tecnológicos a serem enfrentados para a consecução dos obje-tivos traçados. Além disso, o autor ainda destaca que o produto final mais importante dessas simulações é a estimativa do preço mínimo de venda do etanol celulósico,13 que se converte em meta a ser alcançada pelo BETO.

Em seguida, o BETO elabora diversas oportunidades de financiamento, finalizando assim a formulação de instrumentos de apoio financeiro. Nas palavras de Pereira (2013, p. 64):

Com base no planejamento estratégico, nos design cases, e nas contri-

buições de stakeholders [...], a equipe do BETO elege tópicos tecno-

lógicos-chave, que confi guram gargalos para a viabilidade econômica

de processos de conversão de biomassa em biocombustíveis, biopro-

dutos ou bioenergia, e redige uma oportunidade de fi nanciamento.

Cada oportunidade de financiamento funciona como um edital, no qual estão disponíveis todas as informações necessárias para os eventuais inte-ressados em pleitear as subvenções econômicas relacionadas às tecnologias e à superação de gargalos identificados como prioridades no MYPP.

Políticas de apoio ao E2G no Brasil

Como argumentado em Nyko et al. (2010), até o fim da última década, as tentativas de apoio ao E2G no Brasil eram difusas, descoordenadas e sem fôlego. Para superar tais problemas, o BNDES e a Finep lançaram, em 2011, o PAISS. Com a oferta de financiamento a baixo custo e de recursos não reembolsáveis, o plano buscou fomentar novas e coordenadas iniciati-vas empresariais de P&D em temas específicos relacionados à conversão da biomassa da cana-de-açúcar em E2G e outros produtos.

Outra iniciativa que busca organizar o apoio técnico e financeiro à ativi-dade de P&D é o Programa de Pesquisa em Bioenergia (Bioen) da Fundação

13 Esse preço é aquele que “remuneraria o investimento, considerando todos os custos de produção esti-mados e as condições operacionais atingidas” para determinada opção tecnológica [Pereira (2013, p. 61)].

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249de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Segundo a insti-tuição, o Bioen objetiva estimular e articular atividades de P&D para pro-mover o avanço do conhecimento e sua aplicação em áreas relacionadas à produção de bioenergia no Brasil.

No caso do PAISS, as atividades de inovação fomentadas foram priori-tariamente aquelas com foco comercial, desenvolvidas por empresas. Já no caso do Bioen, as atividades apoiadas têm viés majoritariamente acadêmico, apesar de haver a possibilidade de pesquisa cooperativa entre a academia e o setor privado.

Em ambos os casos, trata-se de políticas de inovação voltadas à oferta. De acordo com a terminologia aqui empregada, são políticas de financiamento temático. O PAISS, por meio de edital, e o Bioen, por meio de suas chama-das de propostas, apresentam os focos temáticos que devem ser objeto de planos de negócio e projetos de pesquisa encaminhados pelos interessados.

Apesar de bem-sucedidos no financiamento a essas atividades [Nyko et

al. (2013b)]14 esses planos carecem de complementação de outras políticas de apoio à inovação, tal como ocorre com as políticas voltadas à demanda nos EUA. O PAISS, por exemplo, fomentou a construção de três plantas de E2G no Brasil, das quais duas entraram em comissionamento no segundo semestre de 2014. Todavia, ainda não há, por exemplo, políticas que favo-reçam o consumo de E2G pelos usuários finais, o que facilitaria a difusão dessas novas rotas de conversão para outras empresas do setor. Sem tais po-líticas, a tendência é que a difusão tecnológica ocorra em ritmo inferior ao desejado e que a produção brasileira de E2G seja exportada para mercados cujos incentivos sejam revertidos em preços mais elevados para esse produto.

Desse modo, a fim de justificar a implementação de mecanismos de po-líticas públicas que venham a complementar o atual cenário brasileiro, o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) realizou, com base em premissas discutidas com diversas empresas e especialistas, simulações sobre o potencial de melhoria de eficiência do E2G em diferentes cenários tecnológicos, cujos resultados são apresentados na próxima seção.

14 Para uma avaliação dos resultados do Bioen, ver: <http://www.bv.fapesp.br/pt/16/pesquisa-em--bioenergia-bioen/>. Acesso em: 8 dez. 2014.

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250 Estimativa do potencial de melhoria de eficiência da produção de E2G

Metodologia e premissas

Aspectos gerais

Para a realização deste estudo, utilizou-se a ferramenta Biorrefinaria Virtual de Cana-de-Açúcar (BVC) desenvolvida pela Divisão de Avaliação Integrada de Biorrefinarias do CTBE, integrado ao Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). A BVC é uma plataforma de simulação computacional que possibilita avaliar tecnicamente, e nos três eixos da sustentabilidade (econômico, ambiental e social), diferentes rotas e tecnologias integradas na cadeia produtiva da cana-de-açúcar e de outras biomassas. Neste trabalho, a BVC foi usada para estimar o custo da produ-ção do E2G ao longo do tempo. É fundamental enfatizar que as premissas agrícolas, industriais e econômicas utilizadas foram discutidas e definidas com a ativa participação das principais empresas do setor.

O processamento de sorgo sacarino, milho e cana-energia para a produ-ção de E1G (a partir da fermentação do caldo rico em açúcares) e energia elétrica excedente já vem sendo implementado em algumas unidades in-dustriais, utilizando parte da infraestrutura que ficaria ociosa na entressafra de cana-de-açúcar. Entende-se que há espaço para maior utilização dessas culturas à medida que novas variedades de plantas e aprimoramentos nos processos agrícolas e industriais estejam disponíveis. Entretanto, neste estu-do, optou-se por considerar apenas a cana-energia (CE) para complementar, ou, até mesmo, substituir a cana-de-açúcar convencional (CC), em virtude de seu grande potencial produtivo.

Foram definidos 14 cenários para essa avaliação, conforme mostrado na Figura 1. Os cenários foram divididos contemplando os horizontes temporais de curto, médio e longo prazo e a respectiva rota tecnológica empregada. Os custos de produção da CC e da CE para os diferentes cenários foram estimados por meio do CanaSoft,15 modelo integrante da BVC. Na fase in-dustrial, foram definidos e simulados cenários de plantas de E1G, E1G2G (etanol de 1ª e 2ª geração) integradas e E2G independentes.

15 O modelo CanaSoft é um conjunto de planilhas eletrônicas contendo informações agronômicas e de engenharia agrícola para o cálculo do custo total de produção de uma determinada biomassa considerando o custo das operações agrícolas, insumos químicos, fertilizantes, pesticidas, mão de obra, entre outros itens importantes na composição do custo total da biomassa [Bonomi et al. (2012)].

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251Figura 1 | Cenários de produção de E2G avaliados

Caso-base

Curto prazo(2016-2020)

Médio prazo(2021-2025)

Longo prazo(2026-2030)

1G

1G2G integrado

2G independente

Fonte: Elaboração própria.

O caso-base (Cenário 0) representa a média atual do setor, isto é, uma planta 1G anexa com capacidade de processamento na faixa de dois milhões de toneladas na safra, com tecnologia básica e sem integração energética. Esse cenário tem a função de mostrar o custo do E1G próximo do atual na maior parte das usinas na Região Centro-Sul do Brasil e de validar as me-todologias e premissas utilizadas. P ela metodologia empregada, é neces-sário que seja conhecido o custo do E1G para o cálculo do custo do E2G, conforme descrito neste artigo. Nos cenários de E2G, foram introduzidas no médio e no longo prazo duas rotas tecnológicas (rotas A e B). A Rota A refere-se a um processo de produção de E2G com fermentação separada de C5 (açúcares com cinco carbonos, xilose). A Rota B refere-se a um proces-so com cofermentação dos açúcares C5 e C6 (açúcares com seis carbonos, glicose). Assim, por exemplo, o Cenário 9B refere-se a um cenário 2G inde-pendente de longo prazo usando a rota tecnológica B para produção de E2G.

Sistemas de produção de biomassa

A cana-de-açúcar é, atualmente, a única biomassa usada em grande es-cala para a produção de E1G e açúcar no Brasil. Entretanto, para os cená-rios de médio e longo prazos, foi considerada a introdução gradual da CE como biomassa adicional à CC, sendo a CE composta por palha e colmos

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252 integrados. O Quadro 1 apresenta a quantidade de biomassa processada nos diferentes cenários desenhados para essa avaliação.

A composição de cada uma das biomassas consideradas neste estudo é apresentada na Tabela 1. As principais premissas adotadas para a produ-ção de CC e CE nos diferentes horizontes temporais são apresentadas na Tabela 2. Para a CC, considera-se que a produtividade, o nível de utilização de agricultura de precisão e de mecanização no plantio e colheita, bem como a quantidade de palha recolhida, aumentem conforme o horizonte temporal, seguindo uma expectativa relativamente otimista para o setor sucroenergé-tico. São aplicados valores típicos de consumo de insumos para correção do solo (calagem e gessagem), para fertilização (aplicação de fertilizantes minerais, vinhaça, torta de filtro e cinzas) e para controle químico de pragas da produção de CC na Região Centro-Sul do Brasil. Para a CE, também é considerado um aumento de produtividade conforme essa cultura se estabe-lece e novas variedades estejam disponíveis no futuro. Para cenários, a partir do médio prazo, foi considerada a substituição parcial do diesel, utilizado pelos caminhões e maquinário agrícola, pelo biogás produzido a partir da biodigestão da vinhaça. Para o longo prazo, considerou-se que um maqui-nário mais avançado e eficiente (Estrutura de Tráfego Controlado – ETC) [Braunbeck (2014); Cardoso (2014)], atualmente em desenvolvimento, es-tará disponível e será empregado no plantio e na colheita.

Quadro 1 | Biomassa processada por ano nos diferentes cenários avaliados

Cenário Safra (200 dias)

Entressafra (130 dias)

Comentários

0 2 Mt de CC - Usina anexa representando a média da capacidade de processamento de CC das usinas na Região Centro-Sul do Brasil. Considerando a produtividade média (Tabela 2) e a capacidade de moagem, são necessários 25 mil hectares de colheita de CC para moagem.a

1, 4 4 Mt de CC

0,25 Mt (base seca) de palha de CC

- Usina autônoma representando a capacidade média de processamento de CC das usinas mais novas. É considerado também o recolhimento de 50% da palhab para a geração de excedente de energia elétrica (Cenário 1) ou E2G (Cenário 4). A área agrícola necessária para moagem é de cinquenta mil hectares.

(Continua)

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Cenário Safra (200 dias)

Entressafra (130 dias)

Comentários

2, 5A, 5B

4 Mt de CC

0,34 Mt (base seca) de palha de CC

1,72 Mt de CE

Com o aumento de produtividade de CC considerado para o médio prazo, mantendo a mesma capacidade anual de processamento de CC na safra, há um excedente de área agrícola (dez mil hectares, dos quais 8,62 mil são utilizados para a produção de CE). Nessa área é considerada a produção de CE para processamento durante a entressafra da CC. A quantidade de CE processada na entressafra foi determinada mantendo-se o mesmo processamento horário de fi bras da safra, uma vez que são usadas as mesmas moendas que operam com CC. Foi considerado que a CE pode ser colhida durante a entressafra de CC, pois não há a preocupação com a perda da qualidade do açúcar, e também que haverá maquinário apropriado para essa operação durante a época de chuvas na Região Centro-Sul.c

3, 6A, 6B

4 Mt de CC

0,39 Mt de palha (base seca) de CC

1,50 Mt de CE

2,67 Mt de CE

Com o aumento ainda maior na produtividade de CC considerado para o longo prazo, há um excedente maior de área agrícola (16,7 mil hectares, em relação à área do curto prazo). No total desse excedente de área, é considerada a produção de CE para processamento durante o ano todo. Nesse caso, é considerada a aquisição de dois ternos de moenda adicionais para processar a CE o ano todo. O conjunto de moendas que processa CC durante a safra também será usado para processar CE durante a entressafra de CC.

7 0,42 Mt (base seca) de material lignocelulósico

A capacidade é defi nida pela quantidade de MLCd excedente de um cenário equivalente ao Cenário 1, só que projetado para gerar excedentes de MLC em vez de usá-lo para gerar excedentes de energia elétrica.

8A, 8B 4,38 Mt de CE A capacidade de processamento desses cenários de produção de E2G independentes é defi nida como a mesma capacidade de processamento de fi bras dos cenários integrados equivalentes (nesse caso, o Cenário 5).

9A, 9B 6,78 Mt de CE A capacidade de processamento desses cenários de produção de E2G independentes é defi nida como a mesma capacidade de processamento de fi bras dos cenários integrados equivalentes (nesse caso, o Cenário 6).

Fonte: Elaboração própria.

(Continuação)

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254 a Assumiu-se a hipótese de que toda a cana seria plantada entre os meses de maio e novembro (cana de ano e cana de inverno), após a colheita da última soca, de forma que toda a área agrícola sempre estará disponível para colheita em todas as safras.b A produtividade agrícola da palha de CC considerada neste estudo foi de 140 kg (base seca) por tonelada de colmo de cana-de-açúcar.c Equipamentos de colheita, que percorrem apenas caminhos preferenciais e compactados, e práticas de mane jo adequadas tornarão possível, já no médio prazo, o início da colheita da cana energia no período de chuvas.d MLC = Material lignocelulósico.

Tabela 1 | Composição das biomassas utilizadas neste estudo (% mássica)

Componente Biomassaa

Colmos de cana-de-açúcar

Palha de cana-de-açúcarb

Cana-energiac

Água 70,3 15,0 66,8

Sacarose 14,0 4,3 8,1

Açúcares redutores 0,6 0,2 2,5

Fibras 12,7 77,9 21,3

Celulose 6,0 32,4 10,0

Hemicelulose 3,5 24,8 5,9

Lignina 3,2 20,6 5,4

Outros 2,4 2,6 1,3

Fonte: Elaboração própria.a Não inclui as impurezas minerais.b Composição para a palha enfardada. A umidade da palha integral varia conforme a quantidade recolhida: 33,6 % para 50% de recolhimento; 31,3% para 60% de recolhimento; e 29,6% para 70% de recolhimento.c Considerada composição integral (colmo + palha).

Uma vez que o sistema de produção de CE não está consolidado no Brasil, foi considerado neste estudo um sistema de produção com as mesmas operações realizadas para a CC, com utilização dos mesmos equipamentos ajustados para uma biomassa com maior produtividade. O plantio e a colhei-ta da CE são totalmente mecanizados, porém foi considerada uma redução na velocidade operacional da colhedora (em função da maior quantidade de biomassa por unidade de área para CE) visando manter sua produtivida-de diária equivalente àquela obtida colhendo CC. Toda a palha produzida é recolhida junto com os colmos utilizando o sistema de colheita integral. A reposição dos nutrientes extraídos é feita com aplicação de fertilizantes minerais (nitrogênio, fósforo e potássio).

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255Tabela 2 | Principais premissas adotadas para a produção de CC e CE nos diferentes horizontes temporais considerados

Cenários 0 1/4/7 2/5A/5B 3/6A/6B 8A/8B 9A/9B

Cana (CC ou CE)a

Unidades CC CC CC CE CC CE CE CE

Produtividade agrícola

t ha-1 ano-1 80 80 100 200 120 250 200 250

Distância de transporte

km 25 35 35 35 35 35 22,7 25,2

Longevidade Cortes ciclo-1 5 5 5 10 5 10 10 10

Cultivo reduzido e agricultura de precisãob

% da área total 20 20 80 80 100 100 80 100

Plantio % manual 40 20 - - - - - -

% mecanizado 60 80 100 100 - - 100 -

% ETC - - - - 100 100 - 100

Colheita % manual com queima

30 10 - - - - - -

% mecanizada sem queima

70 90 100 100 - - 100 -

% ETC - - - - 100 100 - 100

Recolhimento de palhac

% da palha disponível

- 50 60 100 70 100 100 100

Substituição de diesel (biogás)d

% da energia utilizada nos maquinários e caminhões

- - 70 70 70 70 70 70

Fonte: Elaboração própria.a CC: cana-de-açúcar; CE: cana-energia.b Considera-se agricultura de precisão não somente o uso de GPS, mas também a aplicação de insumos em taxas variáveis. c Fardos para distâncias maiores (50% da área total) e colheita integral para distâncias menores (50% da área total).d Percentagem máxima de substituição de diesel em motores dual-fuel (ciclo diesel adaptado para queima da mistura diesel-biogás). O biogás excedente é queimado em motores de combustão para produção de eletricidade.

Sistemas industriais de conversão da biomassa

Um resumo dos principais parâmetros industriais dos cenários avaliados encontra-se na Tabela 3 e no Anexo 1. Considera-se uma redução no consu-mo de vapor nos horizontes temporais em razão da otimização energética. Para os cenários de médio e longo prazo, é considerado um aumento no teor

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256 alcoólico do vinho, assim como a introdução da biodigestão da vinhaça. Na moagem da CE, considerou-se uma queda na eficiência de extração de açúcares pelo maior conteúdo de fibras. Nos cenários 2, 5A e 5B, a CE é processada na entressafra com a mesma moenda de cinco ternos que opera com CC na safra, mas com eficiência de extração menor (90%). Já nos ce-nários 3, 6A e 6B, a CE também é processada paralelamente à CC na safra, mas com moendas de dois ternos e eficiência de extração de 80%. As plantas 2G independentes (8A, 8B, 9A e 9B) dispõem apenas das moendas de dois ternos processando CE o ano todo, contando ainda com uma pequena planta de E1G para processar o caldo da CE, que, apesar de conter menos açúcares do que a CC, apresenta uma quantidade que não pode ser desconsiderada. O Cenário 7 compra MLC, sendo esse cenário o único com produção 2G realmente independente. Não foram considerados, na produção de E2G, os efeitos de inibidores gerados por açúcares não extraídos no bagaço da CE.

Tabela 3 | Parâmetros industriais dos cenários

Cenários 0 1/4/7 2/5A/5B/8A/8B 3/6A/6B/9A/9B

Produtos Etanol e açúcar

Etanol e eletricidade

Etanol e eletricidade

Etanol e eletricidade

Tecnologia Básica Otimização intermediária

Otimizada Otimizada

Pressão da caldeira 22 bar 65 bar 65 bar 65 bar

Consumo de vapor para 1G (vapor de baixa pressão)

~500 kg/TCa ~380 kg/TC ~360 kg/TC ~360 kg/TC

Teor alcoólico do vinho C6/C12 (g/l)

70 70 85 85

Processo de desidratação

Destilação azeotrópica

Peneira molecular

Peneira molecular

Peneira molecular

Biodigestão da vinhaça

- - DQOb: 21 kg/m³ vinhaça

72% efi ciência

0,29 Nm³/DQO removida

DQOb: 21 kg/m³ vinhaça

80% efi ciência

0,31 Nm³/DQO removida

Efi ciência de extração da cana-energiac

- - 5 ternos: 90%d 2 ternos: 80%

5 ternos: 90%d 2 ternos: 80%

Fonte: Elaboração própria.a TC: Tonelada de cana-de-açúcar. b DQO: Demanda química de oxigênio.c Para referência, efi ciência de extração de açúcar em moenda de cinco ternos de 96%.d Apenas nos cenários 2, 5, 3 e 6.

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257Para a produção de E2G, duas rotas tecnológicas foram analisadas: fer-mentação separada de C5 (xilose) e cofermentação de C5 e C6 (glicose). Na Rota A, apresentada na Figura 2, o MLC (bagaço e palha) é primeiramente pré-tratado em um processo de explosão a vapor, cujo objetivo é aumentar a acessibilidade à celulose e, dessa forma, permitir a atuação de enzimas específicas na próxima etapa. O Anexo 2 contém os principais parâmetros utilizados no pré-tratamento.

Após um processo de separação (parâmetros no Anexo 5), originam-se duas correntes: celulignina e licor de C5. A celulignina é submetida a um processo de hidrólise enzimática para liberação de açúcares (parâmetros no Anexo 2). O hidrolisado produzido é separado em duas correntes: sólidos re-siduais (em grande parte lignina) e licor de C6. Os sólidos residuais seguem para a cogeração para serem queimados e o licor de C6 segue para os tanques de fermentação do E1G. O licor de C5, proveniente do pré-tratamento, tem seu pH ajustado, é concentrado e enviado para a fermentação dos açúcares C5, na qual também ocorre a desoligomerização (quebra dos oligômeros) na forma de açúcares fermentescíveis (xilose e glicose). O Anexo 3 contém alguns parâmetros dessa etapa. Nesse processo, são utilizados microrganis-mos geneticamente modificados (OGM), que são parcialmente reciclados para compensar a diminuição por morte e a perda de eficiência.

Por fim, o vinho produzido é enviado às colunas de destilação junta-mente com o vinho produzido pela fermentação do licor de C6 e do caldo da cana-de-açúcar.

Figura 2 | Fluxograma da rota tecnológica A para produção de etanol 2G (fermentação separada)

Fonte: Elaboração própria.

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258 O fluxograma da rota tecnológica B para produção de E2G é apresen-ta do na Figura 3. Nesse processo, os licores de C5 e C6 são fermentados conjuntamente (cofermentação). Todo MLC é pré-tratado como na rota A, mas sem a separação do licor de C5. O MLC tratado é diretamente enviado para a hidrólise enzimática. O hidrolisado resultante sofre um ajuste de pH e é fermentado com OGM, mas sem reciclo deste, em função da presença de sólidos. O Anexo 4 mostra os principais parâmetros da cofermentação.

O vinho resultante é enviado à primeira coluna de destilação. O produ-to do fundo é separado em vinhaça e sólidos residuais que são enviados à central de cogeração para queima.

Figura 3 | Fluxograma da rota tecnológica B para produção de etanol 2G (cofermentação)

Fonte: Elaboração própria.

Metodologia para cálcu lo do investimento industrial

Existem diversas metodologias que permitem estimar o custo do investi-mento para a implantação de uma instalação industrial [Peters et al. (2002); Turton et al. (2009)]. No entanto, sua aplicação direta e extensiva na indús-tria sucroenergética é limitada, dado que há poucos dados disponíveis na literatura aberta. Neste trabalho, as estimativas foram elaboradas basea das no banco de dados de investimento contido na BVC. As informações que formam esse banco de dados foram catalogadas a partir de diferentes cota-ções de equipamentos, dados de custo de áreas de processo fornecidas por empresas de engenharia ou ainda de dados de especialistas do setor, da lite-ratura e de outras fontes públicas. As tecnologias 2G, por estarem ainda em desenvolvimento, apresentam maior incerteza na estimativa de investimento.

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259Nesses casos, a abordagem utilizada foi gerar as estimativas baseando-se nos valores de aquisição dos principais equipamentos das áreas de proces-so e, com a aplicação de fatores e percentagens, foi estimado o valor total de investimento da área.

Pelas diferenças temporais e tecnológicas dos cenários, foi sempre con-siderado que as plantas industriais seriam executadas como projetos do tipo greenfield, isto é, seriam construídas sem que houvesse infraestrutura ou planta anterior. Com essa abordagem, foi possível padronizar a comparação entre os cenários, principalmente para os casos integrados, dado que não havia a necessidade de se definirem as modificações em uma planta preexis-tente (brownfield) de modo a comportar as tecnologias 2G de cada cenário.

A metodologia utilizada para gerar as estimativas de investimento foi desenvolvida de maneira modular e flexível, visando ser sensível às ca-racterísticas tecnológicas que diferenciam os diversos cenários industriais descritos. Considerou-se a divisão da planta em dois setores: 1G+interface e 2G. O setor 1G+interface engloba as áreas de produção tradicionalmen-te encontradas nas plantas atuais de processamento de cana-de-açúcar, tais como recepção de cana, extração, tratamento e concentração do caldo, fer-mentação, destilação, geração e distribuição de vapor e energia elétrica. Sendo assim, as áreas nas quais a infraestrutura pode ser compartilhada são estimadas considerando as diferentes capacidades calculadas para cada cenário. Vale informar que o investimento em biodigestão e os custos com seguro, engenharia, urbanização, estrutura civil auxiliar, entre outros, tam-bém foram alocados nesse setor.

No setor 2G, estão as áreas de produção voltadas ao processamento do bagaço, como as áreas de pré-tratamento, separação de licor C5 e C6, pro-pagação de OGM e fermentação de C5 ou cofermentação dos açúcares de segunda geração (C5/C6). As capacidades das áreas foram definidas de modo a suprir as necessidades da planta durante a safra e entressafra em função do processamento das diferentes biomassas em cada cenário.

De modo a acomodar a evolução temporal das tecnologias 2G e tam-bém da biodigestão, foi aplicado um desconto de 10% no investimento nessas áreas para os cenários de médio prazo e de 20% para os de longo prazo. Com isso, espera-se representar o avanço tecnológico dos fabrican-tes com o estabelecimento de um mercado para essas plantas e novas so-luções de engenharia resultantes da curva de aprendizado. Tal abordagem

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260 não foi estendida para as áreas 1G e de interface, dada a maturidade das operações envolvidas.

Análise financeira para estimativa do custo do E2G

A análise financeira foi realizada tendo como base as premissas econô-micas mostradas na Tabela 4. Considerando a projeção do estudo para os horizontes de curto, médio e longo prazos, os preços considerados são de séries históricas de uma década para o etanol anidro e açúcar. No caso da eletricidade a partir da biomassa, foram considerados os preços de lei-lões de energia entre os anos de 2005 a 2013. Todos os preços utilizados no cálculo das médias foram corrigidos de acordo com Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), sendo julho de 2014 a data de referência para a atualização. Para a avaliação financeira, foram assumidos cenários de produção verticalizados, nos quais os custos totais de produção das di-ferentes biomassas (calculadas utilizando o CanaSoft) refletem os custos de aquisição da biomassa para o processamento industrial.

Tabela 4 | Premissas econômicas utilizadas na avaliação financeira

Preços Valor Referência

Etanol anidro (R$/l) 1,34 Cepea, média móvel (2004-2014)

Eletricidade (R$/MWh) 132,43 MME, média de leilões (2005-2013)

Açúcar (R$/kg) 1,00 Cepea, média móvel (2004-2014)

Principais parâmetros Valor

Taxa mínima de atratividade (% a.a.) 12

Horizonte de tempo do projeto (anos) 25

Taxa de depreciação contábil (% a.a.) 10

Manutenção anual (% Capexa) 3

Custo da enzima – curto prazo (US$/l etanol 2G) 0,13

Custo da enzima – médio prazo (US$/l etanol 2G) 0,08

Custo da enzima – longo prazo (US$/l etanol 2G) 0,06

Impostos sobre a renda (IRPJ+CSLL)b (%) 34

Data de referência (preços) Julho de 2014

Taxa de câmbio (R$/US$) 2,30

Fonte: Elaboração própria.a Capex: Investimento em bens de capital.b IRPJ: Imposto de Renda – Pessoa Jurídica; CSLL: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.

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261O custo do etanol é calculado como o somatório dos custos opera cionais com o custo do capital investido. Os custos operacionais estão associados ao custeio da biomassa, da manutenção, da mão de obra, das enzimas e da utilização de outros insumos (como produtos químicos diversos, levedu-ras, entre outros) no processo produtivo. O custo com o capital é calcula-do considerando o desembolso anual que seria necessário para remunerar o investimento a uma taxa mínima de atratividade de 12% ao ano por um período de 25 anos.

O custo do E2G (Custo 2G) é obtido por meio de um critério de aloca-ção dos custos de produção. Esse cálculo é dividido em três etapas, confor-me mostrado na Figura 4. Primeiramente, os custos de produção na planta de primeira geração são distribuídos entre eletricidade e E1G (Custo 1G), utilizando o critério de participação nas receitas (isto é, caso a eletricidade contribua em 20% nas receitas totais, 80% dos custos de produção serão alocados para o etanol). O custo por litro é obtido dividindo-se o custo anual alocado pelo volume de etanol produzido naquele ano.

Na segunda etapa de cálculo, o custo de produção em uma planta integra-da (Custo 1G2G) é obtido utilizando-se o mesmo critério de alocação dos custos entre etanol e eletricidade. Na terceira etapa, esse custo combinado 1G2G pode ser separado entre E1G e E2G, de acordo com a participação percentual de cada um deles na receita, ou, nesse caso, por ser o mesmo produto, no volume total produzido de etanol (isto é, caso 70% da produ-ção anual de etanol seja de primeira geração, 30% dos custos 1G2G serão atribuídos ao E2G). Sendo o custo do E1G já conhecido desde a primeira etapa de cálculo, esse valor é fixado para que seja possível a obtenção do custo somente do etanol 2G, de acordo com a equação a seguir:

P1G

. C1G

+ P2G

. C2G

= C1G2G

Em que:

P1G

= participação do etanol 1G na produção total de etanol (%);

C1G

= custo de produção do etanol 1G (R$/l);

P2G

= participação do etanol 2G na produção total de etanol (%);

C2G

= custo de produção do etanol 2G (R$/l); e

C1G2G

= custo de produção do etanol 1G2G (R$/l).

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262 Figura 4 | Método de alocação para cálculo do custo do etanol

Fonte: Elaboração própria.Nota: Para os cenários 1, 2 e 3 utilizou-se apenas a etapa 1. No Cenário 7, foi usada uma abordagem semelhante à etapa 1. Para os demais cenários, são usadas as três etapas. Para o Cenário 0, foi realizada a alocação entre açúcar e etanol.

Como é possível observar na Figura 4, o preço da eletricidade interfere na alocação dos custos para o etanol. Em casos nos quais o preço da eletri-cidade seja consideravelmente maior que aquele considerado neste estudo, a tendência é de obtenção de menores valores para o custo do E1G, por sua menor participação no rateio dos custos. Considerando que o custo do E1G2G é menos afetado por mudanças no preço da eletricidade (em razão de seu menor excedente de energia elétrica), essa redução no custo do E1G faria com que uma parcela maior de custos fosse alocada para o E2G, au-mentando seu custo.

Estimativa dos custos do E2G nos diferentes cenários avaliados

Estimativa dos custos de produção da biomassa

As premissas apresentadas na Tabela 2 foram introduzidas no modelo CanaSoft para o cálculo do custo das diferentes biomassas em cada cenário. A Tabela 5 exibe os resultados para o custo dos colmos de CC, da palha d e CC e da CE (colmo e palha) para os diferentes cenários considerados neste estudo (maior detalhamento dos custos de produção pode ser encontrado no Anexo 6). É mostrada também a proporção do uso anual de cada uma dessas biomassas com base na definição dos cenários. Com o custo de cada

Bio

com

bu

stíveis

263biomassa e a proporção de uso anual, foi calculado também o custo ponde-rado da biomassa, que serve como um índice relativo para comparação dos custos por cenário. Destaca-se que, pela dificuldade de se estabelecer uma base comum para a comparação dos custos para as diferentes biomassas, a proporção de uso anual e o custo ponderado são apresentados em base seca.

O custo da CE é notadamente menor que o da CC em virtude, principal-mente, de sua maior produtividade e longevidade (número de cortes) em comparação com a CC. Os principais fatores que contribuem para a dimi-nuição dos custos das diferentes biomassas com o aumento do horizonte temporal são o aumento de produtividade, a substituição parcial do diesel por biogás gerado com a vinhaça (a partir do médio prazo) e o uso da ETC para o plantio e colheita nos cenários de longo prazo.

Tabela 5 | Custo dos colmos de CC, palha de CC e CE (colmo e palha juntos) para os diferentes cenários considerados

Cenários Colmos de cana-de-açúcar

(CC)

Palha de cana-de-açúcara

(PC)

Cana-energia (CE)

Proporção (% base seca)

Custo ponderado

R$/t base úmida

R$/t base seca

R$/tbase úmida

CC : PC : CE R$/t base seca

0 64,10 - - 100 : 00 : 00 215,75

1 66,95 62,31 - 83 : 17 : 00 196,84

2 46,71 47,08 32,55 57 : 16 : 27 123,45

3 37,15 47,52 27,82 40 : 13 : 47 95,56

4 67,38 62,31 - 83 : 17 : 00 198,01

5A 47,68 47,08 32,95 57 : 16 : 27 125,63

5B 47,76 47,08 33,08 57 : 16 : 27 125,88

6A 38,37 47,52 29,05 40 : 13 : 47 98,93

6B 38,48 47,52 29,15 40 : 13 : 47 99,21

7 - - - - 103,29b

8A - - 29,52 00 : 00 : 100 88,87

8B - - 29,62 00 : 00 : 100 89,17

9A - - 26,36 00 : 00 : 100 79,37

9B - - 26,45 00 : 00 : 100 79,62

Fonte: Elaboração própria.a O custo da palha é calculado como o custo adicional do recolhimento da palha em relação a um cenário idêntico, porém sem o recolhimento da palha. Mais informações em Cardoso et al. (2013).b Custo de oportunidade do MLC (bagaço + palha) é considerado 60% das receitas potenciais com a eletricidade que poderia ser gerada. Ava liou-se que essa remuneração parcial refl ete o investimento que seria necessário para ampliação da cogeração e da exportação de eletricidade. Essa remuneração parcial foi defi nida com base em critério usado para determinar o preço da cana-de-açúcar pago pelas usinas (Consecana).

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264 Resultados técnicos dos diferentes cenários industriais avaliados

A produção de E2G obtida utilizando como base de referência a quanti-dade de MLC seco enviada ao pré-tratamento é apresentada no Gráfico 2.

Gráfico 2 | Produção de E2G nos cenários 1G2G integrados e 2G independentes

0

50

100

150

200

250

300

350

400

4 7 5A 8A 5B 8B 6A 9A 6B 9B

Pro

du

ção

de

E2G

(l/

t M

LC)

Cenários

Curto prazo Médio prazo Longo prazo

Fonte: Elaboração própria.

Na Tabela 6, é possível observar três patamares de produção de E2G (em l/t MLC seco) coincidentes com os horizontes temporais definidos: para o curto prazo, em torno de 240; para o médio, cerca de 300; e, para o longo prazo, próximo a 350. Esses valores refletem os avanços tecnológi-cos considerados para o processo 2G, tais como aumento de rendimentos nas etapas de conversão e maior recuperação dos produt os nas etapas de separação sólido-líquido.

Complementarmente, na Tabela 6, é apresentada a produção global de etanol e eletricidade resultante do balanço de massa e energia do processo para os cenários avaliados.

Tabela 6 | Produção de etanol e eletricidade para os cenários avaliados

Cenários Etanol Etanol Eletricidade Eletricidade

(l/t canaa) (l/t biomassa secab) (kWh/t cana) (kWh/t biomassa seca)

0c 53,6 180,4 11,5 38,7

1 84,9 235,8 174,3 484,1

(Continua)

Bio

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bu

stíveis

265

Cenários Etanol Etanol Eletricidade Eletricidade

(l/t canaa) (l/t biomassa secab) (kWh/t cana) (kWh/t biomassa seca)

2 76,6 209,4 201,5 551,1

3 68,8 190,0 216,7 598,9

4 108,4 301,2 68,6 190,4

5A 116,6 318,8 70,4 192,6

5B 121,9 333,4 66,6 182,0

6A 121,1 334,7 68,0 187,9

6B 124,6 344,3 69,6 192,2

7 22,9d 216,9 36,8d 348,9

8A 94,0 284,9 69,6 210,9

8B 100,3 304,1 61,1 185,3

9A 99,1 300,2 70,3 213,0

9B 102,5 310,6 65,1 197,2

Fonte: Elaboração própria.a Cana inclui CC e CE.b Biomassa seca inclui os sólidos totais da CC, da palha e da CE.c No Cenário 0, por ser uma usina anexa, são produzidas adicionalmente 51,4 kg de açúcar por tonelada de CC. Pela baixa produção de eletricidade, não foi considerada a exportação.d Considerou-se a quantidade de cana processada no cenário que disponibiliza o MLC para o Cenário 7.

Na Tabela 6, observa-se grande variação na produção de etanol, em fun-ção das diferenças nas capacidades de processamento de biomassa entre os cenários e dos diferentes rendimentos do processo 2G. A inclusão de CE nos cenários 1G (2 e 3) reduziu a produção de etanol por tonelada de cana e de biomassa seca, uma vez que essa matéria-prima apresenta menor quantidade de açúcares totais. A produção de eletricidade aumenta consi-deravelmente com a inclusão de palha e a otimização energética da planta, o que pode ser verificado na comparação entre os cenários 1, 2 e 3 com o Cenário 0. No entanto, com a integração do processo 2G, a produção de eletricidade é reduzida expressivamente, pois todo o material disponível (aquele que excede o necessário para suprir o vapor de todo o processo) é destinado ao processo 2G, em vez de ser utilizado como combustível na etapa de cogeração de vapor e eletricidade.

Observa-se também que os cenários de cofermentação apresentam pro-dução de etanol um pouco superior aos cenários de fermentação separada. Isso se deve principalmente às menores perdas de açúcares por não existi-rem etapas de separação sólido-líquido no processo 2G com cofermentação.

(Continuação)

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266 O Gráfico 3 exibe a produção anual de E1G e E2G para cada cenário. O Cenário 0 apresenta a menor produção de E1G, uma vez que é uma plan-ta com menor processamento de biomassa e, além disso, destina parte do caldo à produção de açúcar. O Cenário 7 tem uma capacidade de produção anual de aproximadamente noventa milhões de litros, compatível com a planta 2G inaugurada em 2014 no Brasil [Novacana (2014)]. Nos cenários 6A e 6B, haveria maximização da produção de etanol, que poderia chegar ao patamar de um bilhão de litros em cada planta. Para os cenários 8 e 9, vale ressaltar que há produção de E1G, proveniente do caldo extraído da CE, similar à de E2G.

Gráfico 3 | Produção anual de E1G e E2G nos cenários avaliados

0

100

200

300

400

500

600

0 1 2 3 4 5A 5B 6A 6B 7 8A 8B 9A 9B

1G 2G

Pro

du

ção

de

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no

l (m

ilh

ões

l/a

no

)

Cenários

1G 1G2G integrado 2G independente

Fonte: Elaboração própria.

Investimentos industriais para os diferentes cenários avaliados

As estimativas de investimento para a implantação de cada um dos di-versos cenários são mostradas na Tabela 7, bem como a relação do investi-mento com a produção total de etanol.

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267Tabela 7 | Estimativas de investimentos dos cenários (valores em R$ milhões)

Cenários Investimento (R$ milhões) Produção de etanol (milhões de l/ano)

Investimento (R$/l)

1G + interface

2G Total 1G 2G Total

0 366 - 366 107 - 107 -a

1 1.004 - 1.004 340 - 340 2,96

2 1.088 - 1.088 438 - 438 2,48

3 1.443 - 1.443 562 - 562 2,57

4 944 425 1.369 340 94 434 3,16

5A 1.048 376 1.424 438 229 667 2,13

5B 1.032 436 1.468 438 260 698 2,10

6A 1.349 437 1.786 562 427 989 1,81

6B 1.313 459 1.772 562 456 1.017 1,74

7 169 281 450 - 92 92 4,91

8A 633 289 922 221 190 411 2,24

8B 612 303 915 221 218 439 2,08

9A 899 299 1.198 343 329 672 1,78

9B 886 338 1.224 343 352 695 1,76

Fonte: Elaboração própria.a Não foi calculada a relação (R$/l) para o caso-base por este não ser comparável aos demais em razão da produção de açúcar.

A dispersão das estimativas de investimento reflete principalmente, além das tecnologias empregadas, as diversas capacidades de processamento dos diferentes cenários. A análise desses valores de investimento deve sempre levar em conta a descrição dos cenários, uma vez que alguns deles não são diretamente comparáveis. Porém, vale citar que não houve diferença expres-siva entre os investimentos dos cenários com as rotas A ou B.

Observa-s e ainda que a maior relação investimento-produção de eta-nol é da planta 2G independente no curto prazo, pois não há comparti-lhamento da infraestrutura e tem menor escala de produção de etanol. O investimento (em R$/l) diminui ao longo do tempo em razão de maiores rendimentos e produtividades em etanol, operação durante o ano todo, au-mento da escala das plantas e redução no investimento resultante da curva de aprendizado.

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268 Estimativa da evolução temporal dos custos do E2G

Os resultados da análise financeira para estimativa dos custos do E2G estão agrupados na Tabela 8. Observa-se que, no curto prazo, os custos do E2G são superiores aos custos do E1G. A partir do médio prazo, há uma inversão dessa situação. As curvas nos gráficos 4a e 4b mostram esta ten-dência, caso as premissas assumidas nessa avaliação se concretizem. Os custos do E2G em cenários integrados e independentes, com fermentação C5 separada ou com cofermentação, apresentaram diferença muito pequena entre si, especialmente no longo prazo.

Tabela 8 | Estimativa dos custos de produção do E1G e E2G nos diferentes horizontes temporais

Cenários Custo 1G (R$/l)

Custo 2G (R$/l)

Diferença (R$/l)

Base 0 1,091 - -

Curto prazo 1 1,159 - -

4 1,159 1,528 0,369

7 1,159 1,475 0,316

Médio prazo 2 0,845 - -

5A 0,845 0,769 (0,076)

5B 0,845 0,742 (0,103)

8A 0,845 0,727 (0,118)

8B 0,845 0,675 (0,171)

Longo prazo 3 0,756 - -

6A 0,756 0,550 (0,206)

6B 0,756 0,521 (0,235)

9A 0,756 0,524 (0,232)

9B 0,756 0,521 (0,235)

Fonte: Elaboração própria.

O custo de produção do etanol no Cenário 0 também está representado no Gráfico 4a (R$ 1,091/l). Observa-se que esse custo ficou abaixo do custo de E1G do Cenário 1 (R$ 1,159/l), já que a usina anexa é favorecida pela média histórica dos preços do açúcar na última década. Caso fossem con-siderados os preços atuais (de julho de 2014) para o etanol anidro, açúcar e eletricidade, o custo de produção do E1G no Cenário 1 seria menor que no Cenário 0, em função do critério de alocação dos custos baseados nas receitas com cada um dos produtos.

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269A queda observada no custo de produção do E2G (Gráfico 4) está as-sociada à contínua redução no tempo nos custos do capital, da biomassa e das enzimas.

Gráfico 4 | Evolução dos custos de produção do E1G e E2G

Gráfico 4a | Cenários integrados

0,3

0,5

0,7

0,9

1,1

1,3

1,5

1,7

Curto Médio Longo

Custo 1G (1, 2, 3) Custo 2G (4, 5A, 6A)

Custo 2G (4, 5B, 6B) Custo 1G (Cenário 0)

Cenários integrados

Cu

sto

do

eta

no

l (R

$/l)

Gráfico 4b | Cenários independentes

0,3

0,5

0,7

0,9

1,1

1,3

1,5

1,7

Curto Médio Longo

Custo 1G (1, 2, 3) Custo 2G (7, 8A, 9A)

Custo 2G (7, 8B, 9B)

Cenários independentes

Cu

sto

do

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no

l (R

$/l)

Fonte: Elaboração própria.

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270 Como mostra o Gráfico 5, o custo com capital é de cerca de R$ 0,60/l de E2G no curto prazo, sendo reduzido para patamares próximos a R$ 0,20 no longo prazo. Essa redução é um reflexo de uma expectativa de queda gra-dual nos custos com equipamentos industriais e do aumento progressivo no rendimento de etanol nas plantas de segunda geração, reduzindo a relação Capex por litro de E2G produzido. Já os custos com a biomassa são redu-zidos de um patamar de R$ 0,40/l no curto prazo para aproximadamente R$ 0,15/l no longo prazo, em razão da redução do custo de produção da biomassa nos médio e longo prazos mostrados anteriormente. A redução no custo com enzimas ao longo do tempo é uma premissa importante deste es-tudo, como foi mostrado na Tabela 4.

Gráfico 5 | Evolução dos componentes de custos de produção do E2G

Gráfico 5a | Cenários integrados

Outros (insumos, levedura, açúcar)

Mão de obra Manutenção

Enzima Biomassa (total) Custo com capital

0,00

0,20

0,40

0,60

0,80

1,00

1,20

1,40

1,60 4 5A 6A

Cu

sto

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no

l 2G

(R

$/l)

Gráfico 5b | Cenários independentes

0,00

0,20

0,40

0,60

0,80

1,00

1,20

1,40

1,60

Outros (insumos, levedura, açúcar)

Mão de obra Manutenção

Enzima Biomassa (total) Custo com capital

7 8A 9A

Cu

sto

eta

no

l 2G

(R

$/l)

Fonte: Elaboração própria.

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271Análise de sensibilidade na estimativa dos custos do E2G

Uma análise de sensibilidade foi realizada para mostrar o impacto de possíveis variações no custo da biomassa, das enzimas e no investimento no custo total do E2G. Foi considerada uma variação percentual de 30% em re-lação ao custo determinístico (calculado por meio do CanaSoft) da biomassa, ao custo estimado da enzima e ao investimento. No caso da biomassa, essa variação reflete a variabilidade histórica do preço da cana na última década.

Os gráficos 6a e 6b mostram o E1G mais sensível às variações no custo da biomassa por causa da maior participação desta em seus custos operacionais, se comparada à composição de custos do E2G. Obviamente, a sensibilidade ao custo da enzima afeta apenas o E2G, já que a produção de E1G não usa enzimas. No curto e no longo prazo, existem faixas distintas de custos de E1G e E2G, sendo que no curto prazo, sempre há predominância de custos 2G superiores e, no longo prazo, essa situação se inverte, mesmo com as variabilidades de 30% consideradas. Esse resultado mostra que, ainda que as premissas otimistas consideradas em relação à redução do custo de bio-massa e enzima não se concretizem, o custo do E2G será inferior ao de E1G no longo prazo. No médio prazo, no entanto, existe certa similaridade nos custos de produção de E1G e E2G (na faixa de R$ 0,70/l a R$ 0,85/l).

Gráfico 6 | Análise de sensibilidade dos custos de produção do E1G e E2G considerando variação no custo da biomassa (a), de enzima (b) e no investimento (c)

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1,0

1,2

1,4

1,6

1,8

Custo 2G (4, 5A e 6A) Custo 1G (1, 2 e 3)

Curto Médio Longo

a) Sensibilidade ao custo da biomassa

Cu

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no

l (R

$/l

)

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272

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1,0

1,2

1,4

1,6

1,8

Custo 2G (4, 5A e 6A) Custo 1G (1, 2 e 3)

Curto Médio Longo

b) Sensibilidade ao custo da enzima

Cu

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no

l (R

$/l

)

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

1,2

1,4

1,6

1,8

Custo 2G (4, 5A e 6A) Custo 1G (1, 2 e 3)

Curto Médio Longo

c) Sensibilidade ao investimento

Cu

sto

do

eta

no

l (R

$/l

)

Fonte: Elaboração própria.

No caso da sensibilidade do custo do etanol às variações nos valores de investimento (Gráfico 6c), observa-se que o Capex interfere de forma mais acentuada no custo do E2G. Isso ocorre pela maior participação do custo com o capital na composição final do custo do E2G, se comparado ao perfil de composição de custos do E1G. Observa-se também que, no curto prazo, existe uma possibilidade de valores coincidentes de custos do E1G

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273e do E2G, caso haja redução simultânea de 30% no valor considerado para o investimento no Cenário 4 e um acréscimo de 30% no valor considerado para o investimento no Cenário 1. Nesse caso, o valor obtido para o E1G e o E2G seria o mesmo: R$ 1,28/l. No longo prazo, no entanto, as faixas distintas mostram que, em teoria, não há possibilidade de semelhança de custos do E1G e do E2G. No médio prazo, os valores de E1G e E2G podem apresentar similaridade de custos na faixa de R$ 0,75/l e R$ 0,88/l.

Comparação dos custos de E2G com os combustíveis fósseis

A fim de ilustrar a competitividade do etanol com combustíveis fósseis no cenário internacional ao longo do tempo, os custos de produção de etanol foram comparados com o preço do petróleo necessário para produzir gaso-lina com custo equivalente ao etanol anidro, em base energética (US$/GJ). A relação entre o preço do barril de petróleo (crude oil, WTI) e o custo de produção da gasolina seguiu a estimativa da U.S. Energy Information Administration [U.S. EIA (2014)].

Gráfico 7 | Evolução da competitividade do etanol com combustíveis fósseis no cenário internacional

a

c d

b

Fonte: Elaboração própria.

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274 Nos gráficos 7a e 7b, os custos do E1G e E2G no curto prazo são de R$ 1,16/l e R$ 1,53/l respectivamente, faixa que corresponde a US$ 22,5/GJ e US$ 29,7/GJ. Essa equivalência de preços entre etanol e gasolina só seria possível caso os preços do petróleo fossem, respectivamente, US$ 97,0 e US$ 128,0 por barril. No longo prazo (gráficos 7c e 7d), a redução de cus-tos do E1G e E2G leva essa relação ao patamar de US$ 63,0 e US$ 44,0 por barril, respectivamente.

Discussão dos resultados e limitações do estudo

As projeções apresentadas para o custo de produção de E2G estão intrin-secamente relacionadas às premissas e considerações deste estudo. Diante da variedade de possibilidades existentes de rotas tecnológicas ou ainda de matérias-primas para o processo 2G, buscou-se abranger as principais al-ternativas de forma que o estudo pudesse fornecer informações suficientes para embasar a formulação de políticas públicas. É importante destacar que não foi objeto deste trabalho identificar a contribuição individual das pre-missas na redução dos custos de produção do E1G e E2G.

A inserção da CE nos cenários de médio e longo prazos pode ser consi-derada otimista. Ainda existem incertezas com relação ao processo de ex-tração do caldo de CE por seu maior teor de fibras, mas, espera-se que, no médio e no longo prazo, a eficiência de extração seja pouco inferior à da CC para uma taxa de embebição que forneça um caldo com concentração similar. Outros aspectos relevantes e passíveis de considerável incerteza são as projeções para a produtividade agrícola, o sistema de produção e a defi-nição da composição da CE (teor de fibras, açúcares, umidade). Por outro lado, de forma conservadora, limitou-se o processamento de CE à capaci-dade atual de processamento de fibras das usinas de cana, o que excluiu a possibilidade de aumentar-se a escala de processamento industrial.

Com a introdução do processo 2G, espera-se aumento nos volumes gera-dos de vinhaça. A alta carga orgânica desse efluente pode ser um obstáculo para sua utilização direta na fertirrigação, uma vez que possíveis alterações nas regulamentações de sua disposição no campo podem ser implementadas em um futuro próximo. A biodigestão de vinhaça é uma alternativa para a redução de odores e também para a conversão de sua carga orgânica em biogás. Esse produto pode ser utilizado como combustível para geração de eletricidade ou, ainda, como substituto parcial do diesel nos maquinários

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275agrícolas e caminhões, uma vez que já existem alternativas disponíveis para a adaptação dos motores. Poucos estudos abordam a biodigestão da vinhaça 2G, a qual tem carga orgânica bastante variável e dependente da tecnologia utilizada. Portanto, assumiu-se, como simplificação, que a vinhaça 2G teria os mesmos rendimentos da biodigestão da vinhaça 1G. Na realidade, são esperadas maiores cargas orgânicas, mas com menores eficiências de con-versão em vista da maior presença de potenciais inibidores.

A consideração de CE como matéria-prima e a utilização de biogás em substituição ao diesel apresentam impactos diretos no custo da biomas-sa calculado para os diferentes cenários. A biomassa, o custo de capital e as enzimas são os principais contribuintes para a composição do custo de produção do E2G. A análise de sensibilidade com variação nos custos com biomassa e enzimas indicou que a diferença entre os custos de produção do E1G e E2G pode se aproximar ou se afastar, mas que a tendência não mu-daria para curto e longo prazos. Isto é, no curto prazo, o E1G teria um custo menor que o E2G e, no longo prazo, essa situação se inverteria.16

Com relação ao custo de capital, além do amadurecimento tecnológico do processo 2G, que inclui aumento de teores de sólidos e diminuição nos tempos de reação, o que reduziria a capacidade necessária dos equipamen-tos, considerou-se uma diminuição gradual no investimento, o qual se daria em longo e médio prazos pela maior disponibilidade de fabricantes e novas soluções de engenharia. A redução do custo de capital também é consequên-cia do próprio aumento de rendimentos e produtividades do processo 2G, possibilitando a maior produção de E2G.

Por outro lado, deve-se ter claro que os cenários que contemplam tecnolo-gias integradas (4, 5A, 5B, 6A, 6B) consideraram investimentos em plantas greenfields. Logo, de forma conservadora, ao não considerar a integração de tecnologias de E2G às usinas existentes, o artigo não faz simulações para investimentos brownfields, o que tenderia a diminuir o custo de capital.

Quanto às enzimas, estas podem ser produzidas na própria planta de produção de etanol, utilizando fontes de açúcar e carbono disponíveis, bem como vapor e eletricidade. Alternativamente, podem ser compradas de

16 Diante desses resultados, é importante ressaltar que, de modo a simplifi car as simulações e o processo analítico, este artigo optou por considerar apenas a CE como biomassa complementar à CC. Assim, outras biomassas com elevado potencial de produtividade agrícola e que apresentem custos semelhantes aos projetos para a CE podem igualmente surgir como alternativa nos cenários considerados.

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276 fornecedores, os quais se beneficiam do aumento de escala, da tecnologia de produção e da mão de obra especializada. Neste estudo, considerou-se uma projeção de valores decrescentes, confirmados por fornecedores, com base na produção de E2G. Esses valores são considerados independente-mente da forma de aquisição das enzimas, uma vez que ambas as alternati-vas provavelmente coexistirão no período considerado.

De forma conservadora, não se considerou a cofermentação de C5 e C6 no curto prazo, ainda que essa tecnologia já esteja sendo empregada nas atuais plantas de E2G. Contudo, a configuração da planta 2G (integrada ou independente; cofermentação ou fermentação separada) não apresentou im-pacto expressivo de modo a alterar a tendência da diferença de custo entre E1G e E2G, principalmente em vista das incertezas existentes nas premissas adotadas, em especial para os cenários de médio e longo prazos.

Com relação à produtividade industrial, a premissa de produção de 240 l/t MLC (base seca), no curto prazo, foi considerada razoavelmente conservadora por parte das empresas que participaram do estudo. Para al-gumas, já é possível atingir 300 l/t MLC, patamar alcançado apenas para os cenários de médio prazo. No entanto, vale ressaltar que não há informação pública quanto aos tempos requeridos em cada etapa do processo 2G, que podem ser superiores aos considerados neste estudo.

Além disso, a oferta de açúcares oriundos de biomassa representa uma grande oportunidade para a produção, em uma mesma planta, de químicos verdes e E2G. O conjunto de produtos químicos, sobretudo aqueles com diversas aplicações – mais conhecidos como building blocks –, compreende uma grande diversidade de opções, como o ácido succínico, butadieno, farne-seno, óleos especiais, entre outros [Bain & Company e Gas Energy (2014)]. Contudo, apesar de estar em linha com o conceito de biorrefinarias, tendên-cia que deve consolidar-se no futuro, a produção de químicos verdes e E2G em uma mesma planta não foi considerada neste estudo.

No que tange às premissas econômicas, os modelos de composição de custo têm seus dados de entrada em moeda nacional. No caso de flutua-ções cambiais, o modelo não capta tais efeitos sobre a aquisição de insu-mos, equipamentos e demais componentes de custos do etanol brasileiro. Na comparação com o custo do barril de petróleo, a desvalorização do real em relação ao dólar estadunidense causaria redução no custo energético do etanol (US$/GJ). Isso quer dizer que um dólar mais valorizado reduziria o

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277preço do etanol brasileiro em um contexto que utiliza o dólar estaduniden-se como referência.

Ainda sobre premissas econômicas, aumentos no preço da eletricidade elevam o custo de oportunidade do MLC, matéria-prima do Cenário 7, o que aumenta o custo do E2G. Para os demais cenários, e com base no crité-rio de alocação aqui utilizado (Figura 4), aumentos no preço da eletricidade diminuem a alocação dos custos para o E1G, e em menor proporção, para o E1G2G. Como resultado líquido, tem-se um aumento do custo alocado para o E2G a fim de compensar a maior redução do custo alocado para o E1G.

Portanto, pode-se afirmar que, ao combinar parâmetros de maior incerte-za com outros mais conservadores, o conjunto de premissas utilizado pode ser considerado equilibrado e, como conclusão principal, o estudo aponta, já no médio prazo, um grande potencial para que o E2G seja mais compe-titivo que o etanol convencional.

Contudo, essa evolução não ocorrerá de forma espontânea, pois boa parte dos ganhos de eficiência aqui discutida só ocorrerá em decorrência da construção de novas plantas de E2G e, consequentemente, do aumento de escala e redução de custos, além do maior investimento em P&D em biomassa, enzimas e equipamentos para E2G. Assim, para que tal cenário se realize, é indispensável a criação de mecanismos de política pública que estimulem o investimento no E2G, justamente o objetivo da próxima seção.

Sugestões de políticas públicas para o etanol 2G no Brasil

Conforme discutido nas seções anteriores, o E2G vem sendo objeto da atenção de diversos mecanismos públicos de incentivos, tanto para seu desen-volvimento tecnológico e escalonamento produtivo, quanto para a ampliação de seu consumo e a maior inserção na matriz energética de diversos países.

No Brasil, o foco maior de apoio está na oferta de fundos para P&D. Menor atenção é posta nos mecanismos de estímulos ao consumo de E2G, o que contrasta com o que vem sendo praticado em outros países, sobretu-do os EUA.

A análise do potencial de evolução do E2G demonstra que estamos diante apenas do início de sua curva de aprendizado, havendo significativas opor-tunidades de aumento de eficiência, sobretudo nas etapas de produção de biomassa, enzimas e equipamentos.

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278 Ao se estimularem os investimentos em novas plantas de E2G, haveria maior incentivo para o desenvolvimento de toda a cadeia produtiva, como a instalação, no Brasil, de fornecedores de enzimas e equipamentos, o que implicaria aumento de escala e redução de custos e maior incentivo ao de-senvolvimento tecnológico.

Assim, o objetivo desta seção é apresentar alternativas de políticas que tenham capacidade de, ao incentivar produção e consumo, acelerar os ganhos de produtividade oriundos do E2G e, com isso, ampliar sua participação tanto no mercado doméstico quanto nas exportações do Brasil.

Mandato obrigatório de mistura

Em setembro de 2014, foi sancionada a Lei 13.033, que estabelece que o Poder Executivo poderá elevar de 25% para 27,5% o percentual obrigatório de adição de etanol anidro à gasolina, desde que constatada sua viabilidade técnica. Considerando os atuais volumes de consumo de gasolina no Brasil, esse aumento de mistura exigiria produção adicional de quase um bilhão de litros de etanol anidro.

Se apenas 10% desse volume adicional (cem milhões de litros) fosse direcionado para o consumo de etanol anidro celulósico, a produção das primeiras plantas brasileiras receberiam suficiente incentivo para distribuir seu produto localmente, evitando a exportação de parcela majoritária des-sa produção. Ademais, havendo a sinalização de um aumento gradativo da parcela do anidro celulósico na mistura obrigatória, outros projetos seriam estimulados, o que poderia engendrar novo ciclo de investimentos no setor.

Adicionalmente, a meta inicial de cem milhões de litros de anidro celu-lósico representaria apenas 0,25% do volume atual da gasolina consumida nos postos, o que significaria que, mesmo que o litro de anidro celulósico obtivesse um prêmio de R$ 0,50, seu impacto ao consumidor ficaria em torno de R$ 0,00125 por litro de gasolina. Isto é, um tanque de quarenta li-tros poderia ser completado com custo adicional de apenas cinco centavos, pago apenas pelo consumidor de combustíveis.

Por outro lado, deveria ser evitado que parcela tão pequena de um novo aditivo à gasolina fosse obrigatória em todo o território nacional, de forma a minimizar custos logísticos. Uma eventual solução seria a concentração da mistura nos estados canavieiros que já contêm projetos de E2G implan-tados ou em implementação.

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279Contudo, ainda que se concentre geograficamente a mistura física do E2G, restaria solucionar a repartição de custos entre as distribuidoras de combustíveis. Mecanismos similares aos certificados de mistura de biocom-bustíveis utilizados nos EUA (Renewable Identification Number – RIN), que conferem a seu proprietário a evidência de que cumpriu a meta de con-sumo mandatória, poderia ser uma solução a ser analisada. Outra alternati-va seria o desenho de leilões específicos para o E2G, assim como já ocorre com o biodiesel.

Subsídios ao consumo

Ao contrário do mandato, a oferta de subsídios não implicaria a repar-tição dos custos entre as distribuidoras, pois aquelas obrigadas a misturar ou aquelas que optarem por misturar parcela de anidro celulósico seriam ressarcidas diretamente pelo governo, o que tornaria a política de incentivo mais simples e de implementação mais rápida.

Contudo, os custos seriam pagos por todos os contribuintes, e não apenas pelos usuários de veículos. Considerando o hipotético prêmio de R$ 0,50 por litro e um consumo inicial de cem milhões de litros, a opção pelo subsídio exigiria uma despesa fiscal anual de pelo menos R$ 50 milhões.

Incentivos ao investimento na produção: isenção de tributos e financiamento

De forma a complementar o incentivo ao consumo, seria importante es-tabelecer medidas temporárias que facilitassem o investimento na produção do E2G, tais como:

1. isenção dos tributos federais para aquisição e importação de máquinas e equipamentos destinados a plantas para processamento de açúcares oriundos de biomassa (incluindo aquelas que produzirão E2G e quí-micos renováveis) e a plantas para produção de enzimas, a exemplo do que já ocorre com os benefícios concedidos através do Regime Especial de Incentivos Fiscais da Indústria Petrolífera (Repenec) e do Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (Reporto);

2. isenção dos tributos federais para importação e aquisição internas de enzimas e leveduras, o que também seria um caso semelhante ao

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280 Repenec e Reporto, pois poderia ser defendida a adoção do conceito de ativo biológico para os casos de produção on-site;

3. suspensão do Programa Integração Social e Contribuição para Fi-nanciamento da Seguridade Social (PIS/Cofi ns) nas aquisições de biomassa celulósica, tal como já ocorre no mercado de cana;

4. extensão do crédito presumido de PIS/Cofi ns para o E2G por um período maior de tempo que o do E1G;

5. depreciação acelerada dos equipamentos usados na produção do E2G;

6. redução das alíquotas da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para empresas produtoras de E2G; e

7. redução das alíquotas de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) para empresas produtoras de E2G.

Além dos incentivos tributários, seria importante analisar a possibilidade da criação de programa federal de financiamento agrícola específico para agricultura de fins energéticos e/ou químicos que incentivasse o plantio de culturas como a cana-energia e sorgo biomassa, entre outros materiais.

Ainda com relação ao financiamento à produção, o BNDES poderia estudar a conveniência de criar incentivos para o investimento em plantas que processam açúcares oriundos de biomassa (incluindo aquelas que pro-duzirão E2G e químicos renováveis) e para plantas que produzem enzimas.

Financiamento contínuo à P&D aplicada (empresas e ICTs)

As iniciativas do PAISS 1 e 2 ajudaram a despertar o interesse de empre-sas para as novas tecnologias fomentadas. No entanto, em razão da reduzida participação de recursos não reembolsáveis (cerca de R$ 250 milhões em um total de R$ 5 bilhões), boa parte dos projetos optou por utilizar biotec-nologias desenvolvidas no exterior, evitando assim apostar em alternativas nacionais ainda em fase de maior risco tecnológico.

Desse modo, o aumento da oferta de recursos não reembolsáveis, tanto para instituições tecnológicas como para empresas, seria uma oportunidade única para complementar o esforço do PAISS, ao auxiliar o amadurecimento de tecnologias locais e fomentar a competição com as alternativas estran-geiras, sobretudo no que tange a:

1. coquetéis enzimáticos;

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2812. cepas de leveduras para fermentação de pentoses;

3. sistemas de pré-tratamento exclusivamente dedicados à biomassa de cana e previamente adaptados à integração com usinas 1G;

4. novos clones de cana-energia, sorgo biomassa e outros materiais lignocelulósicos;

5. máquinas e equipamentos especifi camente desenhados para plantio e colheita de cana-energia, sorgo biomassa e outros materiais ligno-celulósicos; e

6. novos microrganismos para conversão de açúcares da cana em building

blocks químicos selecionados de acordo com seu impacto na demanda interna e potencial de exportação de produtos químicos fi nais.

Entre os mecanismos que poderiam ser criados ou direcionados para su-portar essas iniciativas, destacam-se: (1) a priorização do Programa Nacional de Plataformas do Conhecimento e dos recursos de P&D obrigatórios da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) (nos casos que envolvem cogeração de energia elétrica); e, eventualmente, (2) a criação de fundo de pesquisa específico para biocom-bustíveis e bioquímicos. Ademais, seria oportuno atrelar ao financiamento de P&D metas de desempenho das tecnologias que se busca desenvolver.

Regulamentação da biotecnologia industrial

Entre as principais barreiras ao investimento privado em atividades de P&D que utilizam técnicas de biotecnologia avançada, destaca-se a inse-gurança jurídica causada pelo marco regulatório vigente no nível federal.

Da Lei de Acesso ao Patrimônio Genético da Biodiversidade Brasileira

Instituída pela Medida Provisória (MP) 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, essa lei cria o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), de caráter deliberativo e normativo, composto por representantes de órgãos e entidades da Administração Pública Federal que detêm competência sobre as diversas ações de que trata a referida MP.

Na opinião de alguns especialistas, a legislação vigente fora formulada em um período no qual a preocupação fundamental do país era se proteger contra a “biopirataria”, o crime de alguém que explora nossos recursos sem autorização. O receio principal naquele momento era de uma fuga de ele-mentos e conhecimentos nativos para o exterior.

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282 Apesar disso, os riscos de evasão do patrimônio genético da biodiver-sidade local para o exterior parecem não terem sido evitados com a atual legislação, uma vez que o controle de tais restrições legais somente pode ser aplicado em território nacional. Diante desse cenário, ainda que a in-tenção dessa MP seja meritória, passa a ser essencial uma reflexão sobre o referido marco regulatório e seu modus operandi. É necessário rever o processo estabelecido de concessão de autorizações para pesquisa com base no recurso genético da biodiversidade brasileira, evitando limitar ou mesmo coibir uma das atividades econômicas na qual o Brasil tem grande vantagem comparativa natural.

Uma proposição seria a substituição do atual processo de autorização pelo CGEN por um simples cadastro de acesso ao patrimônio genético, em um portal único, autodeclaratório por parte de seus executores, nos casos de atividades de P&D realizadas no país. Essa alternativa eliminaria um grande gargalo para a atividade de pesquisa de novos produtos e processos que usas-sem a biodiversidade brasileira. Para os agentes inovadores locais, seriam reduzidos a forte insegurança jurídica, os prazos de autorização excessivos e incompatíveis com suas atividades finalísticas e os riscos de penalidades severas em casos de não aderência aos requisitos legais.

Do processo de fiscalização de atividades que envolvam organismos

geneticamente modificados e seus derivados

A Lei 11.105, de 24 de março de 2005, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos gene-ticamente modificados (OGM) e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) e reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), entre outras providências.

Essa lei prevê que os interessados em realizar atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados deverão requerer autorização da CTNBio, que se manifestará de forma expressa.

De acordo com relatos de agentes envolvidos no processo de obtenção de autorização, especificamente para a biotecnologia industrial voltada para a produção de biocombustíveis e produtos químicos a partir de biomassa, um processo de autorização de uso de determinado OGM leva, em média, dois anos. Qualquer nova variação nesse OGM já autorizado, por meio de técnicas de engenharia genética, ainda que produza um microrganismo muito

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283similar ao que já está aprovado, necessita de um novo processo, que leva cerca de dois anos adicionais.

Uma sugestão para tornar esse processo mais eficiente, sem compro-meter a segurança do meio ambiente e da saúde pública, é a criação de atalhos no processo de análise, com trâmite simplificado para aqueles orga-nismos classificados como Classe de Risco I, na qual se enquadram quase todas as demandas da indústria de biocombustíveis e de químicos a partir de biomassa. Sugere-se criar um mecanismo de cadastro, no qual o agente executor se responsabilize pelas informações prestadas e eventuais omis-sões. Com as informações prestadas, caso não haja manifestação contrária do agente regulador no prazo de noventa dias, o processo estaria automa-ticamente deferido. Naturalmente, a autorização não eximiria de eventuais penalidades o agente responsável pela execução, caso as informações por ele prestadas estivessem incorretas.

Outra questão frequentemente apontada como fonte dos atrasos nos processos de autorização pela CTNBio é a composição heterogênea dessa Comissão. Apesar do requisito de formação acadêmica de alto nível dos 27 representantes doutores em ciências, nem todos dispõem de conhecimentos específicos acerca do potencial econômico (e de seus desdobramentos so-ciais positivos) e dos riscos reais associados às atividades de pesquisa e uso de OGM em ambientes industriais. Essa carência no conhecimento técnico específico traz insegurança à própria equipe da CTNBio que, por precau-ção, fortalece as exigências de testes e ensaios prévios mediante pedidos de vista nos pleitos de autorização.

Para agravar a situação, os representantes que compõem a CTNBio não têm dedicação integral aos trabalhos da Comissão, ou seja, embora possam exercer função remunerada em órgãos de governo ou centros públicos de pesquisa, não são remunerados especificamente para o trabalho adicional demandado pela Comissão. Por isso, sugere-se uma reestruturação da com-posição dos quadros do agente regulador, com a criação de equipes técnicas especialistas, dedicadas ao tema e remuneradas para esse fim.

Formação de mão de obra técnica em biotecnologia industrial

Segundo depoimento de representantes dos setores ligados à ativida-de de pesquisa no campo da biotecnologia industrial, o padrão acadêmico brasileiro é reconhecidamente bom nos conhecimentos básicos, alicerce de

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284 muitas das tecnologias modernas que estão sendo desenvolvidas. No en-tanto, há uma carência de profissionais que detenham familiaridade com as técnicas modernas da biotecnologia avançada. Nesse campo específico, recomenda-se a articulação com o Ministério da Educação a fim de estabe-lecer um programa mais extensivo de educação em biotecnologia industrial, considerando ações como:

• rever a grade curricular dos cursos de biotecnologia e correlatos, à luz dos cursos mais reconhecidos internacionalmente como referência para o setor;

• priorizar programas como o Ciência sem Fronteiras para estudantes interessados em cursos de biotecnologia, considerando parceiros os países e as universidades estrangeiras com comprovada capacitação nessa área do conhecimento;

• aumentar a disponibilidade de cursos de nível técnico no campo da biotecnologia, incluindo a revisão da grade curricular para incorporar o uso de técnicas modernas de biologia sintética; e

• ampliar a integração entre escola e indústria, conferindo aos alunos prévia experiência para compreender e vivenciar os principais desafi os enfrentados pelas empresas que trabalham com biotecnologia.

Acompanhamento e avaliação dos impactos

Para que o impacto das políticas aqui desenhadas possa ser avaliado fu-turamente, é preciso monitorar a evolução tecnológica do E2G e, sempre que possível, identificar uma relação de causalidade com os instrumentos de política implementados.

Assim, seria oportuno estabelecer no Brasil um programa periódico de avaliação dos custos correntes e futuros da produção de E2G em bases ex-perimentais, o que poderia ser viabilizado pela utilização tanto da Planta--Piloto para Desenvolvimento de Processos (PPDP) quanto da BVC, ambas localizadas no CTBE/CNPEM. Essas estruturas permitiriam validação ex-perimental, simulação e avaliação em escala-piloto de diversas rotas tecno-lógicas de E2G e de químicos a partir de biomassas brasileiras.

A geração dessa referência periódica de custos, independente e quali-ficada, contribuirá positivamente para o desenvolvimento dessa indústria no Brasil, seja influenciando estratégias empresariais, seja subsidiando e avaliando a agenda de política pública.

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285Como dito anteriormente, as estimativas de custos obtidas [Humbird et al. (2011)] pelo NREL dos EUA vêm subsidiando, em certa medida, os principais mecanismos de incentivo ao desenvolvimento do E2G, como é o caso do mandato obrigatório de consumo de combustíveis celulósicos.

Conclusão

Este artigo procurou demonstrar o potencial competitivo do E2G no Brasil e, com base na avaliação feita, sugeriu mecanismos de política pú-blica capazes de acelerar sua evolução tecnológica.

O diagnóstico, baseado principalmente na estrutura analítica e no co-nhecimento do CTBE e apoiado em entrevistas com as principais empre-sas com iniciativas relevantes para E2G no Brasil, concluiu, em função das premissas assumidas, que, por conta de avanços nas etapas de produção e conversão de biomassa e da redução no custo de enzimas e equipamentos, o E2G pode ser mais competitivo que o etanol convencional e próximo do patamar de preço de barril de petróleo a US$ 44, no longo prazo.

Com esse nível de competitividade, o E2G não seria apenas uma solu-ção para reduzir o volume de gasolina importada pelo Brasil, mas também uma alavanca poderosa de exportações, haja vista o fato de o consumo de combustíveis avançados ser valorizado por políticas públicas nos EUA e na Europa.

Ademais, o E2G competitivo também poderia determinar um ciclo in-tenso de investimentos na química renovável, atraídos pelo açúcar de custo baixo proveniente da biomassa. A associação de tais produtos químicos com o E2G, não apenas contribuiria para reduzir o significativo déficit brasileiro na indústria química, mas também colocaria o Brasil como referência mun-dial para localização de biorrefinarias.

Contudo, essa (r)evolução não ocorrerá de forma espontânea. Boa parte dos avanços tecnológicos previstos depende, em grande medida, da amplia-ção dos investimentos em novas usinas de E2G. Isso implicaria maior de-senvolvimento local da cadeia produtiva, com aumento de escala e redução de custos, sobretudo no que tange a biomassas com maior produtividade e conteúdo de fibras, enzimas mais eficientes e equipamentos com menor custo. Ademais, um cenário de maior inserção do E2G também implicaria maiores investimentos em P&D, outro fator determinante para o aumento da eficiência em diversas etapas de sua produção.

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286 Portanto, a implementação de mecanismos como os sugeridos neste ar-tigo, se bem-sucedida, cumprirá papel determinante para produzir ganhos de eficiência mais rápidos e intensos e, com isso, acelerar a difusão de um novo paradigma tecnoeconômico na indústria brasileira de cana-de-açúcar, agora baseado no conceito de biorrefinarias. O resultado final esperado é o aumento da competitividade do setor.

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Anexo 1 | Parâmetros do processo 1G e etapa de cogeração

Processo 1G Caso-base Curto prazo

Médio prazo

Longo prazo

Efi ciência de separação de palha na limpeza a seco (%)

- 55 65 75

Efi ciência de separação de terra na limpeza a seco (%)

- 65 65 65

Efi ciência de extração de açúcares (para CC)a (%)

96 95,37 95,36 95,42

Efi ciência de fermentação dos açúcares C6/C12 (%)

89,5 90b 90 90

Teor de etanol no vinho (g/l) 70 70 85 85

Efi ciência da destilação (%) 99 99 99 99

Pureza do etanol anidro (% em massa) 99,6 99,6 99,6 99,6

Pureza do açúcar fi nal (% em massa) 99,6 - - -

Umidade do açúcar produzido (% em massa) 0,1 - - -

(Continua)

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Processo 1G Caso-base Curto prazo

Médio prazo

Longo prazo

Cogeração

Pressão de caldeira (bar) 22 65 65 65

Efi ciência de caldeira (com base no poder calorífi co inferior) (%)

75 87,8 87,8 87,8

Efi ciência isentrópica da turbina de acionamento mecânico (%)

55 - - -

Demanda de energia mecânica – preparo e extração de CC (kWh/t CC)

14 - - -

Efi ciência isentrópica do turbogerador (%) 70,6 83,3 83,3 83,3

Demanda de energia elétrica – processo 1G, exceto preparo e extração (kWh/t CC+CE)

12 12 12 12

Demanda de energia elétrica – preparo e extração de CC (kWh/t CC)

- 18 18 18

Demanda de energia elétrica – preparo e extração de CE (kWh/t CE) – moenda de 5 ternos

- - 25,2 25,2

Demanda de energia elétrica – preparo e extração de CE (kWh/t CE) – moenda de 2 ternos

- - 22,7 22,7

Demanda de energia elétrica – processo 2G (kWh/t MLC)

- 48 48 48

Efi ciência do motor de combustão interna com biogás (%)

- 38 38 38

Fonte: Elaboração própria.a Considerou-se uma redução da efi ciência de extração de modo a manter a mesma concentração de sólidos solúveis do bagaço do caso-base (Cenário 0).b Na Rota A, a fermentação do licor C6 é realizada em conjunto com o caldo; neste caso, considerou-se a redução da efi ciência para 88%.

Anexo 2 | Parâmetros do pré-tratamento com explosão a vapor e hidróliseenzimática (rotas A e B)

Curto prazo

Médio prazo

Longo prazo

Pré-tratamento com explosão com vapor

Temperatura (°C) 190 200 210

Tempo de residência (min) 15 10 5

(Continuação)

(Continua)

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Curto prazo

Médio prazo

Longo prazo

Pré-tratamento com explosão com vapor

Teor de sólidos (%) Defi nido pela quantidade de vapor requerida para atingir a temperatura no reator

Conversão de celulose a glicose (%) 0,5 1,0 1,0

Conversão de celulose a oligômeros de glicose (%) 3,0 3,0 3,0

Degradação de celulose a HMF* (%) 1,5 1,5 1,5

Conversão de xilana a xilose (%) 30 45 60

Conversão de xilana a oligômeros de xilose (%) 30 25 20

Degradação de xilana a furfural (%) 10 10 10

Solubilização de lignina (%) 10 10 10

Conversão do grupo acetil a ácido acético (%) 70 80 90

Hidrólise enzimática

Temperatura (°C) 50 50 65

Pressão (bar) 1,0 1,0 1,0

Tempo de residência (h) 48 36 36

Teor de sólidos (%) 15 20 25

Conversão de celulose a glicose (%) 60 70 80

Conversão de xilana a xilose (%) 60 70 80

Conversão do grupo acetil a ácido acético (%) 60 70 80

Conversão de oligômeros de xilose a xilose (%) 60 70 80

Fonte: Elaboração própria.* HMF = Hidroximetilfurfural.

Anexo 3 | Parâmetros da desoligomerização e fermentações para rota A (fermentação separada)

Curto prazo

Médio prazo

Longo prazo

Desoligomerização e fermentação de C5

Temperatura (°C) 33 33 33

Tempo de residência (h) 48 36 24

Conversão de oligômeros de xilose a xilose (%) 80 90 90

(Continuação)

(Continua)

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Curto prazo

Médio prazo

Longo prazo

Desoligomerização e fermentação de C5

Conversão de oligômeros de glicose a glicose (%) 80 90 90

Conversão de C6 a etanol (%) 90 90 90

Conversão de C5 a etanol (%) 80 80 85

Concentração alcoólica máxima (g/l) 70 70 70

Reciclo de células (%) 80 90 95

Fermentação de C6/C12

Condições operacionais Idênticas a 1G

Idênticas a 1G

Idênticas a 1G

Conversão de C6/C12 a etanol (%) 88 90 90

Concentração alcoólica máxima (g/l) 70 85 85

Fonte: Elaboração própria.

Anexo 4 | Parâmetros da fermentação para rota B (cofermentação de C5/C6)

Curto prazo

Médio prazo

Longo prazo

Cofermentação de C5/C6

Temperatura (°C) 33 33 33

Tempo de residência (h) 48 36 24

Conversão de C6 a etanol (%) 90 90 90

Conversão de C5 a etanol (%) 80 80 85

Concentração alcoólica máxima (g/l) 70 70 70

Fonte: Elaboração própria.

Anexo 5 | Parâmetros das separações sólido-líquido (rotas A e B)

Curto prazo

Médio prazo

Longo prazo

Separação da celuligninaa

Água adicionada (% de fi bras de celulignina) 250 180 180

Retenção de sólidos (%) 99,5 99,5 99,5

Sólidos solúveis recuperados do licor (%) 98 98 98

Umidade da celulignina (%) 50 50 50

(Continuação)

(Continua)

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293(Continuação)

Curto prazo

Médio prazo

Longo prazo

Separação de sólidos residuaisb

Água adicionada (% de fi bras de celulignina) - - -

Retenção de sólidos (%) 95 97 99

Sólidos solúveis recuperados do licor (%) 92 95 99

Umidade da celulignina (%) 55 50 50

Fonte: Elaboração própria.a Após o pré-tratamento, apenas para a rota A.b Após a hidrólise na rota A e após a destilação na rota B.

Anexo 6 | Detalhamento dos custos de produção da matéria-prima para cenários selecionados

Cenários Cana convencional Cana energia

0 1 2 3 2 3

(1) Operações agrícolas

R$ ha-¹ ano-¹

1.908,79 2.021,06 1.757,11 1.717,39 1.990,44 2.476,47

Maquinárioa R$ ha-¹ ano-¹

553,89 715,77 793,87 787,25 896,23 1.204,86

Manutenção R$ ha-¹ ano-¹

266,91 338,89 376,21 358,21 454,99 547,07

Dieselb R$ ha-¹ ano-¹

323,76 386,83 124,98 133,11 170,59 208,69

Lubrifi cantes R$ ha-¹ ano-¹

21,94 25,49 27,66 23,87 35,35 37,34

Taxas e seguros R$ ha-¹ ano-¹

6,36 8,14 9,03 8,62 10,43 13,32

Mão de obra – oper. mecanizadas

R$ ha-¹ ano-¹

145,86 175,12 186,33 167,32 184,30 226,64

Mão de obra – oper. manuais

R$ ha-¹ ano-¹

590,07 370,82 239,02 239,02 238,55 238,55

(2) Insumos R$ ha-¹ ano-¹

1.134,52 1.133,05 876,06 775,03 585,73 514,20

Mudas R$ ha-¹ ano-¹

253,00 277,10 301,19 158,13 150,60 79,06

Agroquímicos R$ ha-¹ ano-¹

135,14 119,90 104,66 104,66 106,89 106,89

Fertiliz. minerais R$ ha-¹ ano-¹

707,00 885,35 766,31 770,42 1.442,47 1.169,45

Calcário e gesso R$ ha-¹ ano-¹

39,39 39,39 39,39 39,39 19,69 19,69

(Continua)

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Cenários Cana convencional Cana energia

0 1 2 3 2 3

(3) Transporteb R$ ha-¹ ano-¹

718,45 1.105,14 1.040,58 1.230,86 2.429,31 2.398,55

Transporte de colmos e palha

R$ ha-¹ ano-¹

482,89 719,85 685,10 877,60 1.968,12 1.816,11

Transporte de insumos

R$ ha-¹ ano-¹

76,10 90,85 69,01 67,16 85,74 88,73

Transporte de re síduos industriais – vinhaça, torta de fi ltro e cinzas

R$ ha-¹ ano-¹

159,46 294,44 286,48 286,10 375,44 493,71

(4) Remunera ção da terra

R$ ha-¹ ano-¹

996,25 996,25 996,25 996,25 996,25 996,25

(5) Impostos e taxas

R$ ha-¹ ano-¹

154,66 154,02 193,73 239,34 399,57 503,10

Custo total (1 + 2 + 3 + 4 + 5)

R$ ha-¹ ano-¹

4.912,67 5.409,52 4.863,74 4.958,87 6.401,31 6.888,57

Divisão dos custos totais por etapa do ciclo produtivo

Reforma R$ ha-¹ ano-¹

876,65 857,43 710,15 552,25 390,30 320,45

Tratos culturais R$ ha-¹ ano-¹

1.177,77 1.284,61 1.016,65 1.016,39 1.093,31 1.205,02

Corte e carrega men to e transporte

R$ ha-¹ ano-¹

1.707,33 2.117,22 1.946,95 2.154,64 3.521,86 3.863,75

Remuneração da terra

R$ ha-¹ ano-¹

996,25 996,25 996,25 996,25 996,25 996,25

Impostos/taxas R$ ha-¹ ano-¹

154,66 154,02 193,73 239,34 399,57 503,10

Produçõesc

Colmos t ha-¹ 76,64 76,32 96,00 118,60 - -

Palha recolhida (base seca)

t ha-¹ - 4,81 8,06 11,62 - -

Cana energia t ha-¹ - - - - 196,66 247,61

Fonte: Elaboração própria.a Inclui a depreciação e a remuneração do capital, considerando uma taxa de 12% ao ano, ao longo da vida útil de cada maquinário.b Para os cenários de médio e longo prazos, 70% do diesel é substituído por biogás.c Descontando os colmos que são utilizados como mudas na reforma do canavial.

(Continuação)

Automotivo

BNDES Setorial 41, p. 295-344

Veículos híbridos e elétricos: sugestões de políticas públicas para o segmento

Luiz Felipe Hupsel VazDaniel Chiari BarrosBernardo Hauch Ribeiro de Castro*

Resumo

A eletrificação é a principal alternativa para melhorar a eficiência energéti-ca e reduzir sensivelmente o impacto ambiental dos veículos automotores. Apesar da ainda baixa penetração mundial, a eletrificação veicular plena tem capacidade de reconfigurar a indústria automotiva. A concepção da enge-nharia do veículo é substancialmente diferente, trazendo oportunidades para novos entrantes e novas tecnologias. No Brasil, poucos são os incentivos, resultando em um mercado ainda menor. O presente artigo traz uma discus-são sobre as políticas públicas presentes em outros países e uma avaliação preliminar de sua aplicação no Brasil. Há um conjunto amplo de políticas que podem ser adotadas, com maior ou menor custo. Cabe ao Brasil eleger a eficiência energética como meta, abrindo espaço para veículos mais limpos e para as transformações industriais inerentes a tal escolha.

* Respectivamente, engenheiro, economista e gerente do Departamento das Indústrias Metalmecânica e de Mobilidade da Área Industrial do BNDES. Os autores agradecem os comentários de Antônio Marcos Hoelz Pinto Ambrozio e Haroldo Fialho Prates, isentando-os da responsabilidade por eventuais erros remanescentes.

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296 Introdução

Tradicionalmente, os veículos são movidos por um motor a combustão interna, em geral a gasolina ou a diesel, em que uma mistura ar/combustível sofre compressão. A explosão resultante desse processo gera movimento. Esses motores têm níveis de eficiência que beiram os 40%, havendo gran-des perdas em todo o processo, principalmente na forma de energia térmica. Além disso, a queima na câmara de combustão gera diversos gases nocivos, que são expelidos pelo escapamento.

Os motores elétricos têm níveis de eficiência superiores. Se consi-derada toda a sequência, desde a entrada da energia elétrica até o movi-mento das rodas, a eficiência total em um veículo puramente elétrico é de aproximadamente 59% a 62%.1 Já em um modelo a combustão interna, a eficiência da conversão da energia contida no combustível para o que gera movimento é de 17% a 21% [US Department of Energy (2014)].

Os gases do escape dos sistemas a combustão contêm, além de dióxido de carbono (CO

2) e água, outros subprodutos, entre os quais: hidrocarbo-

netos não queimados (HC), óxidos de nitrogênio (NOx), dióxido de enxofre

(SO2) e material particulado2 (MP). Estes últimos, em especial nos grandes

centros urbanos, têm ligação direta com doenças cardiorrespiratórias e são cancerígenos [WHO (2012)]. Estima-se que, apenas na cidade de São Paulo, quatro mil pessoas morram por ano por problemas causados pela poluição do ar, gerando custos de US$ 1,5 bilhão ao Estado. Em comparação, a AIDS causa cerca de mil mortes ao ano [Saldiva (2010)].

Nos veículos puramente elétricos, a propulsão é somente elétrica, não havendo motor a combustão. Nos veículos denominados Battery Electric Vehicles (BEV) – o tipo mais frequente de modelo puramente elétrico –, a energia provém da bateria e a recarga é feita pela conexão à rede elétrica. Há ainda os Fuel Cell Electric Vehicles (FCEV) – cuja carga das baterias é feita por uma célula-combustível, normalmente a hidrogênio – e os tró-lebus – que, a princípio, não dispõem de baterias, estando constantemente conectados à rede elétrica.

1 Efi ciência do motor elétrico assumida entre 72,4% e 76,2%, já ajustada para perdas no inversor, na transmissão e nos sistemas auxiliares. Efi ciência da bateria e do carregador estimada em 81% (90% cada). Logo, a efi ciência total do sistema fi ca entre 59% a 62% [US Department of Energy (2014)].2 “São partículas de material sólido ou líquido que podem conter uma variedade de componentes químicos. São classifi cados de acordo com seu tamanho, sendo que grande parte do MP de origem veicular tem diâmetro menor do que 2,5µm, podendo ser referido como MP

2,5” [Brasil (2011, p. 19)].

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297Os híbridos, por sua vez, são intermediários. Veículos híbridos (Hybrid Electric Vehicles – HEV) são aqueles que combinam um motor a combus-tão interna com um ou mais motores elétricos para propulsão. Por combinar os dois tipos, os motores têm menor porte que nas configurações plenas. A hibridização ocorre por meio de diferentes arquiteturas (série, paralelo) e níveis (micro, mild, full), amplamente discutidos na literatura [Castro e Ferreira (2010); Husain (2011); Mehrdad, Yimin e Ali (2010)]. Em linhas gerais, quanto maior o nível de hibridização, maiores o motor elétrico, o alternador e a bateria e menor o motor a combustão.

Os HEVs, contudo, não dispõem de estrutura para conexão à rede elétri-ca. Não há cabo nem conector para recarregar a bateria diretamente. A carga provém do próprio motor a combustão e de mecanismos como frenagem regenerativa, que recarregam a bateria. O usuário precisa, portanto, abaste-cer o veículo com combustível. Os veículos com a possibilidade de recar-ga diretamente da rede elétrica são denominados Plug-in Hybrid Electric Vehicle (PHEV) e têm fundamentalmente a mesma configuração de um full

hybrid. A diferença está nos componentes elétricos (como motor, alternador e bateria), que são ainda maiores e possibilitam a operação integralmen-te em modo elétrico, já que a bateria pode ser recarregada diretamente na rede. Os HEVs e PHEVs são de 30% a 40% mais eficientes que os modelos tradicionais a combustão interna, além de emitirem menos gases.

Contudo, híbridos e elétricos têm limitações por não estarem no mesmo grau de maturidade tecnológica que os veículos a combustão. O alto custo das baterias, o elevado tempo de recarga, a carente infraestrutura de recarga e a limitada autonomia são alguns dos principais inibidores à adoção em massa desses veículos. Mas as vantagens de eficiência energética, o menor impacto ambiental local e global e a redução da dependência do petróleo, sempre envolvido em complexas questões geopolíticas, sobrepõem-se às limitações e têm levado alguns países a adotarem políticas públicas de in-centivo à oferta e à demanda de híbridos e elétricos.

Os estímulos são diversos e podem ser de natureza financeira, fiscal ou até mesmo não monetária, com tendência maior de apoio aos elétricos puros e não aos híbridos. Nos Estados Unidos da América (EUA), por exemplo, é concedido um crédito de até US$ 7,5 mil ao preço de venda do veículo, de acordo com o tamanho da bateria. Na Noruega, há isenção de imposto de venda (IVA) e taxas de licenciamento. No Reino Unido, há um programa

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298 de apoio à instalação de infraestrutura de recarga que totaliza £ 37 milhões (cerca de US$ 55 milhões). Além desses, há benefícios não monetários, como liberação de tráfego por faixas exclusivas, estacionamento diferenci-ado e isenção de pedágio.

Em alguns desses países, os resultados já aparecem. Nos EUA, maior mercado automotivo mundial, foram licenciados cerca de 63 mil veículos puramente elétricos e 544 mil híbridos (HEV e PHEV) em 2014, somando o equivalente a 3,5% das vendas totais. A Noruega é o país com a maior participação relativa de elétricos puros nos novos licenciamentos, com 4% de todos os novos veículos. No mundo todo, em 2013, foram licenciados 1,6 milhão de veículos híbridos (HEV e PHEV) e 105 mil puramente elé-tricos. Isso equivale a aproximadamente 2% de todos os licenciamentos globais. No Brasil, em 2014, foram licenciados apenas 855 veículos hí-bridos ou elétricos, em um total de cerca de 3,3 milhões [Anfavea (2014); MarkLines (2014)].

Apesar da ainda baixa penetração mundial, a eletrificação veicular ple-na tem capacidade de reconfigurar a indústria automotiva. A concepção da engenharia do veículo é substancialmente diferente, trazendo oportunidades para novos entrantes e novas tecnologias. O objetivo do presente trabalho é, portanto, sugerir políticas públicas para favorecer a difusão de veículos híbridos e elétricos no Brasil, com o objetivo de alcançar um mercado mais eficiente energeticamente, mais sustentável e que induza a inovação no país.

Breve histórico do veículo elétrico

No início do século XX, existiam mais veículos elétricos do que a com-bustão interna circulando nas ruas. Como na maioria das indústrias nascen-tes, a automotiva viveu uma disputa de padrões tecnológicos em seu início, que incluía até o veículo movido a vapor. Os veículos elétricos contavam com inúmeras vantagens em relação a seus concorrentes na virada para o século XX. Primeiramente, eram mais fáceis de operar, pois não requeriam troca de marchas, como os modelos a gasolina. Também não havia vibração, barulho e odor resultantes da operação do motor a combustão. Os veículos a gasolina necessitavam do acionamento manual de uma manivela para ini-ciar a operação, uma vez que a partida elétrica só foi criada posteriormente. Nesse momento, os Estados Unidos (EUA) eram o maior mercado global e possuíam cerca de 90 mil veículos registrados. Desses, 40% eram movidos

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299a vapor, 38% eram elétricos e 22% eram a gasolina [Bellis (2014); Electric Vehicles News (2014)].

Contudo, mesmo com as vantagens da tração elétrica, as próximas dé-cadas viram o estabelecimento do motor a combustão interna como padrão da indústria. Em 1912, Charles Kettering inventou a partida elétrica, eli-minando todas as inconveniências do acionamento manual via manivela. Nessa mesma época, o silenciador, inventado em 1897, é incorporado ao automóvel, reduzindo consideravelmente o ruído de operação. Em 1913, Henry Ford inicia o primeiro sistema de produção em massa na empresa que carrega seu nome. O objetivo era massificar o produto e torná-lo o mais barato possível. Até então, o carros eram itens de luxo, voltados às classes mais ricas, e sua produção era artesanal. Um carro a gasolina passou a ser vendido por US$ 650 (valor equivalente a US$ 15.617 em 2014) em face de US$ 1.750 de um elétrico (valor equivalente a US$ 42.045 em 2014) [Bellis (2014); Electric Vehicles News (2014)].

A infraestrutura e os custos associados ao veículo também foram decisi-vos. No início do século XX, as áreas rurais não tinham acesso à eletricidade, e as urbanas tinham sérias limitações. Já existia algum tipo de iluminação elétrica em vias públicas, mas dentro das residências era algo restrito aos mais ricos. Além disso, o desenvolvimento econômico das cidades ameri-canas implicou um sistema melhor e maior de estradas, o que aumentou a demanda por veículos de maior autonomia.

Para a maior autonomia se justificar, o preço do combustível deveria ser acessível. Também no início do século XX foram descobertas reservas de petróleo no Texas, o que tornou a gasolina barata e de fácil acesso. Diversos postos de abastecimento surgiram pelo país e o carro a combustão interna tornou-se o padrão dominante da indústria. A gasolina abundante e barata impedia o desenvolvimento de quaisquer tecnologias alternativas.

Tal domínio só foi novamente ameaçado na crise do petróleo dos anos 1970. O embargo dos países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) resultou em escassez no fornecimento de petróleo e aumento considerável do preço do barril, o que impactou diretamente a gasolina. Antes baratos e abundantes, a crise levou diversos países a repensarem suas políti-cas em relação aos combustíveis fósseis. Havia clara necessidade de maior independência no fornecimento desses insumos e de desenvolvimento de tecnologias alternativas de propulsão, entre essas a elétrica [Matulka (2014)].

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300 Um desses países foi os EUA. Em 1976, foi promulgado o Electric and Hybrid Vehicle Research, Development, and Demonstration Act, que autori-zou o Ministério de Energia a apoiar projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em veículos híbridos e elétricos. Nessa mesma época, as empresas Sebring-Vanguard e American Motors Corporation (AMC) apresentaram carros elétricos comerciais. A primeira fabricava um pequeno carro elétrico para uso urbano, o Citicar (Figura 1a), que vendeu cerca de duas mil uni-dades. A segunda produziu 350 comerciais leves, denominados Electrucks, para uso dos correios americanos. O Electruck alcançava uma velocidade máxima de 53 km/h, sua autonomia era de apenas 47 km (em razão do re-gime de operação de constantes paradas para entregas), sua recarga levava cerca de oito horas e ele custava o dobro do preço de um modelo similar movido a combustível fóssil [USPS (2014)].

No Brasil, o desenvolvimento de veículos elétricos foi tímido, pois o principal foco da política pública à época foi o Programa Nacional do Álcool (Proálcool).3 Ainda assim, merece destaque o protótipo nacional Gurgel Itaipu (Figura 1b), com motor elétrico de 3,2 kW (4,2 cv), veloci-dade máxima de 50 km/h e autonomia entre 60 km e 80 km. Contudo, as limitações de performance, o preço acima das opções tradicionais e o fim do embargo dos países da Opep contribuíram para um novo período de es-quecimento do veículo elétrico até os anos 1990 [Pereira (2007)].

Figura 1 | Citicar e Gurgel Itaipu

Figura 1a | Citicar Figura 1b | Gurgel Itaipu

Fonte: Wikimedia Commons. (Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/File:GreenComutaCar.jpg> e <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Gurgel_Itaipu_E150.jpg>.)

3 Criado em 14 de novembro de 1975 pelo Decreto 76.593.

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301No fim do século XX, a principal motivação para o ressurgimento do veículo elétrico foi a sustentabilidade ambiental. A Rio-92 foi o evento da Organização das Nações Unidas (ONU) que marcou por despertar maior conscientização global pela melhoria da qualidade do ar nas cidades, pela redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e pela substituição de combustíveis fósseis por energias alternativas. O efeito no setor automoti-vo foi a busca por veículos mais eficientes e com menor impacto ambien-tal, retomando o interesse pela eletrificação veicular. Em 1997, é lançado no Japão o primeiro veículo híbrido produzido em massa, o Toyota Prius.

Já nos anos 2000, mais um aspecto passou a contribuir de forma signifi-cativa para incentivar a eletrificação veicular. O preço do petróleo voltou a subir e alcançou níveis superiores aos do embargo dos anos 1970 (Gráfico 1), impactando diretamente os combustíveis derivados. No Brasil, apenas de 2000 a 2010, o mercado automotivo cresceu 136%, com grande participação dos veículos flex-fuel, que se tornaram os mais licenciados entre os leves4 (Gráfico 2). Os licenciamentos de veículos pesados (caminhões e ônibus) cresceram 117% no mesmo período [Anfavea (2014)].

Tamanho crescimento gerou impactos na demanda por energia e nas emissões do país. Cabe, portanto, analisar o perfil brasileiro de consumo de energia e de emissões do setor de transportes, para que se possa, então, analisar os impactos da eletrificação veicular no país, o que será realizado na próxima seção.

Gráfico 1 | Preço do petróleo bruto: série histórica 1965-2013 (em US$ de 2013)

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Fonte: Elaboração própria, com base em BP (2014).

4 Veículos leves, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), são os automóveis e os comerciais leves.

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302 Gráfico 2 | Brasil total de licenciamentos por combustível: série histórica 1957-2013 (em unidades)

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Total Gasolina Etanol Flex

Fonte: Elaboração própria, com base em Anfavea (2014).

Contexto brasileiro

O setor de transportes desempenha papel crucial em qualquer economia, seja na movimentação de pessoas seja na de cargas. O correto entendimento do perfil da matriz de transportes de um país é um passo necessário e fun-damental para o desenvolvimento de políticas públicas, pois se trata de um setor de alta demanda energética, grande impacto ambiental e causador de diversas externalidades positivas e negativas.

O setor de transportes é o segundo maior consumidor de energia do país, atrás apenas da indústria (Gráfico 3). Desde 1970, a demanda cresceu a uma taxa média de 4,4% ao ano, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) cres-ceu o equivalente a 3,9% ao ano. Em 2013, liderou o aumento da demanda energética, crescendo 5,2% e chegando a cerca de 83 milhões de Toneladas Equivalentes de Petróleo (TEP)5 ou 31,9% do consumo final brasileiro. A indústria retraiu o consumo em -0,5%, atingindo 88 milhões de TEP. Do total consumido pelo setor de transportes, o predomínio é rodoviário: apro-ximadamente 92,6% são oriundos desse modo, 4,4% do aéreo, 1,6% do hi-droviário e 1,4% do ferroviário [ANP (2014); EPE (2014)].

5 É uma unidade de energia defi nida como o calor liberado na combustão de uma tonelada de petróleo cru.

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303 Gráfico 3 | Consumo final energético por setor no Brasil (103 ³ TEP): série histórica 1970-2013

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Fonte: Elaboração própria, com base em ANP (2014).

O modo rodoviário é tradicionalmente caracterizado por veículos movi-dos por combustíveis fósseis. Apesar de a indústria liderar o consumo total de energia, suas fontes são diversas e incluem principalmente eletricidade. Já o setor de transportes tem por base o petróleo, liderando a demanda com 68,9% do consumo final energético de derivados de petróleo. Desse consu-mo, a principal fonte é o óleo diesel, seguido da gasolina [EPE (2014)]. O primeiro é utilizado predominantemente em ônibus e caminhões, enquanto a gasolina é usada principalmente em automóveis e motocicletas.

Esse perfil de consumo traz duas consequências imediatas: grande de-pendência desses derivados de petróleo e as emissões associadas. Em rela-ção à dependência, o Gráfico 4 e o Gráfico 5 ilustram a balança comercial brasileira para diesel e gasolina, respectivamente. Nota-se que, em ambas as situações, o país é deficitário, ou seja, há dependência externa desses combustíveis, gerando fragilidades, em especial considerando o perfil pre-dominantemente rodoviário.

Para o diesel, em 2013, o déficit foi de aproximadamente 7,6 milhões de TEP e de US$ 7,5 bilhões em volume de recursos (Gráfico 4). Na série histórica, o déficit é permanente desde 1989 e agravou-se nos últimos anos. Como a matriz brasileira de transporte de cargas é fortemente concentrada no modo rodoviário, com 67% de todo o volume sendo transportado dessa

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304 maneira [Ilos (2014)], a dependência gera fragilidade estratégica, pressões sobre os custos e potencial impacto inflacionário.

Gráfico 4 | Balança comercial brasileira de diesel: série histórica 1970-2013

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Fonte: Elaboração própria, com base em ANP (2014).Nota: Valores da balança disponíveis apenas a partir de 2004.

Já em relação à gasolina, o déficit é mais recente e foi da ordem de 1,5 milhão de TEP em 2013 (Gráfico 5). O aumento da frota de automóveis e a menor competitividade do etanol perante a gasolina em alguns estados contribuíram para o crescimento da demanda de gasolina e para a maior necessidade de importações.6

6 Para os próximos anos, a tendência é de redução do défi cit de diesel e aumento do défi cit da gasolina, com possibilidade de alcançar o superávit de diesel em 2018. Isso se deve à ampliação e à modernização do parque de refi no que privilegia o diesel. Dentre as novas refi narias, merece destaque a Refi naria General Abreu e Lima ou Refi naria do Nordeste, que inaugurou uma primeira etapa de operação em dezembro de 2014 e que terá uma segunda etapa de operação ainda sem previsão de inauguração [EPE (2013); Nascimento (2015)].

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305 Gráfico 5 | Balança comercial brasileira de gasolina tipo A: série histórica 1970-2013

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Fonte: Elaboração própria, com base em ANP (2014).Nota: A gasolina tipo A é a produzida pelas refi narias. A vendida ao consumidor fi nal é a gasolina tipo C, com adição de etanol anidro na proporção estabelecida pela legislação.

A queima desses combustíveis pelos veículos leva à emissão de gases nocivos à saúde e ao meio ambiente. De fato, com o crescimento signi-ficativo da frota brasileira, o setor de transportes passou a responder por 12,4% das emissões totais de GEE do país, número bem superior aos 3,3% de 1995, com automóveis e caminhões liderando a quantidade de emissões, mesmo com as diversas regulamentações para redução (Gráfico 6). Os veí-culos a diesel são, ainda, responsáveis pela emissão de quase todo o mate-rial particulado que, conforme já exposto, é cancerígeno e altamente nocivo à saúde. Cabe ressaltar, contudo, que o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve) e o Programa de Controle da Poluição do Ar por Motociclos e Veículos Similares (Promot) vêm reduzin-do essas emissões por meio regulatório (Gráfico 7).

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306 Gráfico 6 | Emissões brasileiras por tipo de veículo em CO2e (t GWP)* e proporção

do total das emissões brasileiras de GEE oriundas de veículos

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10,0% 11,1%

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Motocicletas Comerciais leves Ônibus

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%

Fonte: Elaboração própria, com base em Brasil (2014a).Notas: CO

2e, ou equivalente em dióxido de carbono, é uma métrica que expressa o potencial de

aquecimento global de diversos gases caso fossem emitidos como CO2. Gases considerados:

CH4 (metano), CO (monóxido de carbono), CO

2 (dióxido de carbono), N

2O (óxido nitroso),

NMVOC (compostos orgânicos voláteis, com exceção do metano), NOx (óxidos de nitrogênio).

* Global Warming Potential.

Gráfico 7 | Emissões de MP7

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Comerciais leves (diesel) Ônibus (diesel) Caminhões (diesel) Veículos a gasolina

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2012

Fonte: Elaboração própria, com base em Brasil (2014a).Nota: Apenas emissões de material particulado oriundas do escapamento.

7 Mesmo com o aumento da frota de veículos pesados no Brasil, as emissões de MP apresentaram queda nos últimos anos. A partir da década de 1990, foram estabelecidos os primeiros limites legais às emissões e, desde então, a legislação foi se tornando mais restritiva a cada revisão: do Proconve P2 ao P6, a redução de MP foi da ordem de trinta vezes.

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307É importante notar que mesmo os automóveis movidos a etanol emitem GEEs. A utilização do etanol em substituição à gasolina reduz a dependên-cia externa do derivado de petróleo, mas as emissões precisam ser analisa-das com cautela. O etanol é dito de ciclo fechado de absorção-liberação de carbono, pois a cana-de-açúcar absorve o CO

2 da atmosfera, em especial

durante a fase de crescimento.

Contudo, é necessário observar a localização das emissões. Os grandes centros urbanos, por exemplo, notoriamente sofrem com altos índices de poluição, que, a princípio, não seriam solucionados com veículos a etanol. Por mais que as plantações absorvam o carbono da atmosfera, a população urbana continuaria sofrendo seus impactos diretos. A adoção em massa de veículos puramente elétricos merece igual cautela: é necessária uma matriz de geração de eletricidade limpa para que o balanço global seja positivo. Caso contrário, um incentivo à adoção de veículos elétricos poderia pena-lizar a sociedade, pois implicaria a produção de mais energia elétrica de forma não sustentável, diminuindo as emissões nos centros urbanos, mas aumentando no local da geração.

O Brasil tem uma matriz elétrica predominantemente limpa8 e renovável. De fato, a participação de renováveis foi de 79,3% em 2013, perante uma média de apenas 20,3% no resto do mundo, fortemente impulsionada pela geração hidráulica. Cabe ressaltar, contudo, que, nos últimos anos, houve um aumento considerável da participação de termelétricas no parque de geração brasileiro, especialmente aquelas movidas a gás natural. Isso im-pactou negativamente as emissões do segmento de geração de eletricidade, que subiram de 87,2 milhões t/CO

2e em 2005, ou 3,71% do total brasilei-

ro, para 145,6 milhões t/CO2e em 2012, ou 9,78% do total [EPE (2014)].

É fundamental, portanto, analisar o impacto que a adoção de veículos elétricos geraria na matriz de geração brasileira sob dois prismas: consumo de energia elétrica e emissões globais. Alguns estudos trazem relevantes contribuições para a análise do impacto do veículo elétrico na matriz bra-sileira [Baran (2012); Borba (2012); Sperandio, Saldanha e Basso (2012); Simon (2013)]. Segundo Borba (2012), a principal questão é a potência ne-cessária no momento de recarga do veículo, e não a energia demandada: se,

8 Há ampla discussão na literatura sobre o impacto das emissões resultantes da decomposição da matéria orgânica presente nos reservatórios das hidrelétricas. Em recente estudo sobre as hidrelétricas brasilei-ras, identifi cou-se que, à exceção da usina Balbina, as emissões de hidrelétricas são substancialmente menores do que as equivalentes termelétricas [Eletrobras e Coppe-UFRJ (2014)].

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308 em 2011, 20% de toda a frota de veículos leves no Brasil fosse elétrica, a demanda de energia seria equivalente a menos de 2% do total. Contudo, se esses veículos efetuassem recarga ao mesmo tempo, seria necessária uma potência bem maior, que poderia gerar impactos de até 20% na demanda máxima de energia, dependendo do modo de carga.9

Contudo, ao se observar as vendas de veículos elétricos no mundo, a frota de nenhum país é próxima de 20% de elétricos. O país com o maior participação de elétricos nos novos licenciamentos é a Noruega, com cer-ca de 4%. Os demais países têm números abaixo de 1%, conforme será mais bem abordado na seção “Mercado Global de Veículos Híbridos e Elétricos e Efetividade das Políticas Públicas”. Portanto, a frota de elétricos é naturalmente ainda menor, gerando impacto desprezível na demanda de energia. Ademais, em relação ao balanço energético total, de acordo com Baran (2012), mesmo que houvesse aumento significativo da frota de elé-tricos, o ganho seria considerável, pois o veículo elétrico é mais eficiente e compensa o combustível fóssil que deixaria de ser consumido, gerando economias. Sperandio, Saldanha e Basso (2012) sugerem que seja contro-lada a interface do veículo elétrico com a rede, fazendo com que ele forne-ça energia em horários críticos e se recarregue durante o período de baixa demanda (de madrugada, estacionado na garagem), usando tecnologias de

smart grid e vehicle to grid.

O processo de difusão do carro elétrico em todo mundo vem ocorrendo de forma gradativa, o que permite o planejamento do investimento. Na me-dida em que a frota aumentar, pode-se estimar que a necessidade de maiores investimentos vai ocorrer primeiramente na distribuição de energia elétrica, para suportar a carga dos veículos. Para que os benefícios do veículo elétrico sejam maximizados, é crucial que o aumento em geração seja suprido por novos investimentos que privilegiem fontes renováveis e de baixas emis-sões. Segundo Wilson (2013), se for mantido o arranjo da matriz de geração brasileira, a adoção de veículos elétricos no país traz benefícios ambientais, pois reduz as emissões globais.

9 O modo de carga dita a taxa em que a bateria será recarregada. Pode ser em Corrente Alternada (AC) ou Corrente Contínua (DC). Segundo a norma SAE J1772, a recarga pode ser AC Level 1 (120 V; 1,4 kW; 12 A ou 120 V; 1,9 kW; 16 A); AC Level 2 (240 V, até 19,2 kW, 80 A); DC Level 1 (200 V-450 V, 36 kW, 80 A); DC Level 2 (200 V-450 V, até 90 kW, 200 A) [SAE (2011)].

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309Políticas públicas no mundo

Os principais países do mundo vêm adotando uma série de medidas para incentivar a difusão de veículos híbridos e elétricos. Os incentivos obser-vados são os mais variados e visam, além de tornar a solução economica-mente atraente, superar, no caso dos puramente elétricos, obstáculos iniciais como a escassez de infraestrutura de abastecimento e a baixa autonomia. Ademais, benefícios não monetários, como faixas de rolagem exclusivas, estacionamento preferencial, entre outros, já estão em vigência em alguns locais e figuram como importantes diferenciais na decisão de compra do consumidor. Em grandes centros urbanos, onde o tráfego é intenso e há es-cassez de vagas, esses benefícios tornam-se especialmente relevantes. Os incentivos não monetários podem, portanto, ter considerável efeito sem re-querer esforço fiscal por parte dos governos locais. Nas subseções a seguir, serão apresentadas as principais políticas de incentivo à oferta e à demanda que vêm sendo utilizadas ao redor do mundo. Na seção “Mercado Global de Veículos Híbridos e Elétricos e Efetividade das Políticas Públicas”, poderá ser observado que muitos países que apoiam a tecnologia vêm obtendo re-sultados significativos no tocante ao volume de vendas de veículos híbri-dos e elétricos.

Políticas de incentivo à oferta

Os incentivos à oferta vão desde o suporte à atividade de P&D em ba-terias, células a combustível e veículos elétricos até o estabelecimento de normas mais rígidas para a redução das emissões de poluentes e de padro-nização de componentes como o carregador veicular.

P&D

Os principais países desenvolvidos vêm investindo recursos em P&D para avançar no domínio tecnológico dos veículos elétricos e de seus compo-nentes centrais, como bateria, inversor, motor etc. Como exemplo, no Reino Unido, o Conselho Estratégico de Tecnologia identificou sessenta projetos de P&D voltados a iniciativas de baixo carbono. Na Suécia, € 2,5 milhões (cerca de US$ 3 milhões) foram destinados à atividade de P&D em bate-rias. Já no Japão, há uma concentração no desenvolvimento de infraes-trutura. Na Alemanha, o apoio financeiro está mais direcionado à parte mecânica, à criação de uma cadeia integrada de valor, além de tecnologia

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310 de informação e comunicação e baterias. Nos EUA, o orçamento de 2012, de US$ 268 milhões, esteve concentrado em baterias, células a com-bustível, sistemas veiculares e infraestrutura [IEA (2013)].

Nos países em desenvolvimento, alguns esforços merecem destaque. Na China, aproximadamente 7 bilhões (cerca de US$ 1,1 bilhão) estão sendo direcionados para projetos de demonstração da tecnologia e de sua viabilidade [IEA (2013)]. Na Índia, em janeiro de 2013, foi lançado o Plano Nacional de Mobilidade Elétrica 2020. A estrutura prevê uma estreita co-laboração entre governo, indústria e academia e tem como meta posicionar o país como um dos líderes nesse mercado. Um conselho nacional para mobilidade elétrica irá gerenciar os esforços de P&D e de desenvolvimen-to de infraestrutura. O esforço de P&D acordado tem cinco prioridades. No topo estão células de bateria e, em seguida, sistemas de gerenciamento da bateria (BMS), eletrônica de potência, motor elétrico e sistemas de trans-missão. O governo ambiciona vendas de seis a sete milhões de veículos em 2020, considerando os segmentos de duas e quatro rodas híbridos, híbridos plug-in e elétricos puros. Na Coreia do Sul, o governo vem estimulando os veículos verdes desde 2004, quando estabeleceu uma lei para seu desen-volvimento e difusão, que, todavia, não trouxe resultados imediatos. Em fevereiro de 2011, oito tópicos de P&D foram escolhidos como prioritários, dos quais cinco para VEs tradicionais (motor, sistemas de arrefecimento e refrigeração, redução de tamanho do veículo e das peças, baterias e carre-gadores) e um para veículos a célula a combustível (stacks).10 Os tópicos restantes referem-se a diesel mais limpo. Metas de avanço foram estabele-cidas para os tópicos [Swedish Agency for Growth Policy Analysis (2013)].

Metas de emissões

A maioria dos países desenvolvidos conta com regulamentações especí-ficas para aferição e controle dos níveis de emissão de poluentes e consumo de combustível. Na União Europeia, as metas de emissões de dióxido de carbono (CO

2) estão continuamente sendo revistas, exigindo mais tecnologia

das montadoras. Para o ano de 2020, a meta de emissões para os veícu los leves está fixada em 95 g CO

2/km, de acordo com o New European Driving

10 Para atingir a potência e a voltagem desejadas, várias células a combustível são dispostas em série, aumentando-se a tensão. A esse conjunto de células a combustível dá-se o nome de stack. Para detalhes, ver Sartori (2002).

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311Cycle11 (NEDC), uma redução de cerca de 27% em relação à legislação vi-gente no período de 2012 a 2015 (130 g CO

2/km). Para alcançar a meta, uma

maior hibridização e/ou eletrificação de parte dos veículos será necessária [McKinsey & Company (2014)].

Nos EUA, as metas também são fixadas no longo prazo, sendo poste-riormente desdobradas em metas anuais, facilitando a programação dos fa-bricantes e a definição das agendas de P&D. O ciclo de teste Federal Test Procedure (FTP)-75 é usado para mensurar as emissões dos automóveis e comerciais leves em condições urbanas. Já o ciclo de teste Highway Fuel Economy Test (HWFET) mede as emissões dos veículos leves em condi-ções de estrada.12 Estima-se que as metas podem reduzir a dependência de petróleo em dois milhões de barris/dia em 202513 e promover uma economia acumulada de US$ 1,7 bilhão em combustível pelas famílias.

Normas cada vez mais restritivas tendem a abrir espaço para os veículos elétricos. O Quadro 1 mostra um levantamento de regulamentações de emis-sões em diversos países. Destaca-se que elas diferem fundamen talmente em dois aspectos: quanto ao ciclo de condução e ao parâmetro para mensuração da frota. Há convergência em três ciclos diferentes: os países americanos normalmente utilizam o ciclo criado nos EUA; Europa, China e Índia uti-lizam o ciclo europeu; e o Japão utiliza um ciclo próprio. Tais ciclos con-sistem em procedimentos padronizados que buscam reproduzir o amplo conjunto de situações reais de trânsito enfrentadas pelos motoristas. Quanto ao parâmetro de mensuração da frota, há duas formas adotadas. A primeira utiliza a soma da massa dos veículos comercializados. A segunda utiliza o footprint,14 que é uma medida da área de sombra do veículo.

11 Para detalhes sobre o ciclo de teste NEDC, ver <https://www.dieselnet.com/standards/ cycles/ece_eudc. php>.12 Em 1996, foi realizada uma revisão na regulamentação norte-americana a fi m de superar as falhas que o ciclo FTP-75 apresenta. Tal revisão criou dois novos ciclos de testes complementares, o US06 e o SC03. O primeiro reproduz condições de alta velocidade, alta aceleração e comportamento agressivo e o segundo reproduz emissões associadas ao uso do ar-condicionado. Detalhes em: <http://www.unep.org/transport/gfei/autotool/ approaches/information/testcycles.asp#US> e <http://www.epa.gov/nvfel/testing/regulations-vehicles.htm>.13 O consumo atual dos Estados Unidos é de cerca de vinte milhões de barris/dia.14 Footprint é a área entre eixos de veículos, dada pelo produto da distância entre eixos (defi nida como a distância entre os centros da roda dianteira e traseira) pela bitola (distância transversal média entre os centros das bandas de rodagem dos pneus).

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312 Quadro 1 | Panorama global sobre regulamentações de emissões (levantamento não exaustivo)

País/região

Ano-alvo Meta de emissões

convertidas para o ciclo

NEDC*

Parâmetro para

aferição da média

corporativa

Frota-alvo Ciclo de teste

Brasil 2017 138 g CO2/km Peso Automóveis/

comerciais leves

Comb. (FTP-75 + HWFET)

Canadá 2025 97 g CO2/km Footprint Automóveis Comb. (FTP-75 +

HWFET)

Canadá 2025 141 g CO2/km Footprint Comerciais

levesComb. (FTP-75 + HWFET)

China 2015 161 g CO2/km Peso e por

veículoAutomóveis/comerciais leves

NEDC

China (proposta)

2020 117 g CO2/km Peso e por

veículoAutomóveis/ comerciais leves

NEDC

Coreia do Sul

2015 145 g CO2/km Peso Automóveis Comb. (FTP-75 +

HWFET)

Coreia do Sul (proposta)

2020 97 g CO2/km Peso Automóveis Comb. (FTP-75 +

HWFET)

EUA 2025 97 g CO2/km Footprint Automóveis Comb. (FTP-75 +

HWFET)

EUA 2025 141 g CO2/km Footprint Comerciais

levesComb. (FTP-75 + HWFET)

Índia 2021 113 g CO2/km Peso Automóveis NEDC

Japão 2020 122 g CO2/km Peso Automóveis JC08

Japão 2015 155 g CO2/km Peso Comerciais

levesJC08

México 2016 145 g CO2/km Footprint Automóveis Comb. (FTP-75 +

HWFET)

México 2016 196 g CO2/km Footprint Comerciais

levesComb. (FTP-75 + HWFET)

União Europeia

2021 95 g CO2/km Peso Automóveis NEDC

União Europeia

2020 147 g CO2/km Peso Comerciais

levesNEDC

Fonte: Elaboração própria, com base em Yang (2014).* Alguns países estabelecem as metas em consumo de combustível e não em emissões de CO

2. A

conversão foi realizada pelo International Council on Clean Transportation (ICCT), segundo metodologia disponível em Kühlwein, German e Bandivadekar (2014).

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313Vários países estabelecem créditos adicionais para veículos inovado-res, permitindo que montadoras que lancem veículos elétricos ou híbridos sejam mais beneficiadas no atendimento às metas. Cabe ressaltar também que, além das legislações sobre as emissões de dióxido de carbono, outras regulamentações de emissões de outros gases também estão tornando-se mais restritivas.

Os governos também vêm estipulando metas de adoção de veículos elé-tricos, reforçando o compromisso de reduzir o consumo de combustíveis fósseis e de acelerar a difusão da tecnologia elétrica. A meta conjunta da União Europeia é ter entre oito milhões a nove milhões de veículos elétri-cos em circulação até 2020, cerca de 3% da frota total projetada. França, Alemanha e Holanda, por exemplo, têm metas de dois milhões, um milhão e duzentos mil veículos, respectivamente [McKinsey & Company (2014)].

Padronização e harmonização de normas

Os esforços para a harmonização de normas entre os países são impor-tantes para estimular a produção de veículos elétricos e híbridos, ao redu-zir as incertezas dos fabricantes e as barreiras à entrada entre os países. Nessa direção, cabe destacar o estabelecimento das normas de segurança para colisão frontal (ECE R94), lateral (ECE R95) e para a segurança das baterias de veículos elétricos (ECE R100) por meio do World Forum For Harmonization of Vehicle Regulations,15 organizado pela United Nations Economic Commission for Europe (UNECE). Essas normas foram criadas em razão das especificidades da arquitetura elétrica e de componentes sen-síveis, como a bateria. Atualmente, o Brasil não é signatário de nenhum dos acordos administrados pelo Fórum [ISO (2012)].

A padronização dos componentes centrais também é importante para facilitar o comércio mundial, ampliando os mercados potenciais dos produ-tos. A atuação apenas nos mercados nacionais não confere, em geral, uma escala suficiente para viabilizar sua produção. Os padrões dos plugues para recarga, por exemplo, já são regulados pela International Electrotechnical Commission (IEC) por meio do padrão IEC 62196-2.16 Se uma gama vasta de padrões convivesse ao mesmo tempo, muitos fabricantes teriam dificuldade

15 Para mais detalhes, ver <http://www.unece.org/trans/main/welcwp29.html>.16 Para mais detalhes, ver <http://www.greencarcongress.com/2011/10/iec-20111020.html>.

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314 para se inserir globalmente, configurando-se como mais uma barreira à di-fusão dos veículos elétricos.

Políticas de incentivo à demanda

No lado da demanda, os incentivos financeiros mais utilizados são os subsídios para a compra de veículos verdes e a redução de impostos e taxas no ato da compra e ao longo da vida útil do veículo. O caso norueguês me-rece destaque tendo em vista que o governo investiu em diversas frentes e com bastante sucesso, tornando o país uma referência mundial de políticas públicas no tema. A criação de infraestrutura de recarga também é funda-mental para a difusão dos veículos elétricos, já que sua ausência limita as situações de uso e implica maior disciplina do motorista. Os veículos pura-mente elétricos disponíveis atualmente têm autonomia que atende à maior parte dos trajetos diários nas grandes cidades, mas que não permitem via-gens maiores sem recargas intermediárias. A recarga diária na residência (ou no local de trabalho) do motorista deve se tornar também um hábito. A existência de infraestrutura, portanto, estimula a demanda por veículos elétricos, na medida em que aumenta suas possibilidades de uso.

Cabe ressaltar que a criação de infraestrutura também estimula a oferta, já que as Original Equipment Manufacturers (OEM) tendem a não produzir e comercializar veículos elétricos em países ou regiões sem a infraestrutura necessária para operá-los. No Quadro 2, encontram-se as principais polí-ticas de estímulo à demanda adotadas em países relevantes selecionados.

Quadro 2 | Políticas públicas de estímulo à demanda por veículos elétricos e/ou híbridos – países selecionados (levantamento não exaustivo)

Região Países Incentivos fi nanceiros Infraestrutura

América do Norte

EUA Até US$ 7,5 mil em crédito no valor de venda, de acordo com a capacidade da bateria. Há redução progressiva até o fabricante atingir duzentos mil veículos produzidos. Também há incentivos por parte de alguns estados.

Crédito de imposto de 30% do custo para instalações comerciais de pontos de recarga (limite de US$ 30 mil). Crédito de imposto de até US$ 1 mil para instalações residenciais.

US$ 360 milhões destinados à infraestrutura em projetos-piloto.

(Continua)

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315

Região Países Incentivos fi nanceiros Infraestrutura

Europa Alemanha Isenção de taxas de licenciamento.

Quatro regiões foram escolhidas para demonstração de elétricos puros e híbridos plug-in.

Dinamarca Isenção de impostos de registro e de licenciamento.

kr 70 milhões (cerca de US$ 11 milhões) para o desenvolvimento de infraestrutura de recarga.

Espanha Subsídios de até 25% no preço do veículo antes dos impostos no montante de até € 6 mil (cerca de US$ 7 mil).

Incentivos públicos para um projeto-piloto de demonstração. Incentivos para instalação de infraestrutura de recarga em colaboração entre governos federal e regionais.

Finlândia € 5 milhões (cerca de US$ 6 milhões) destinados ao programa nacional de desenvolvimento de veículos elétricos.

€ 5 milhões (cerca de US$ 6 milhões) destinados à infraestrutura no âmbito do programa nacional de desenvolvimento de veículos elétricos.

França € 450 milhões (cerca de US$ 500 milhões) em descontos concedidos aos consumidores que comprarem veículos efi cientes, com 90% desse montante advindo de taxas sobre os veículos inefi cientes e 10% de subsídios diretos.

€ 50 milhões (cerca de US$ 60 milhões) para cobrir 50% do custo com infraestrutura de recarga (equipamento e instalação).

Holanda Redução de impostos no valor de 10% a 12% do custo do veículo.

Quatrocentos postos de recarga apoiados por incentivos.

Itália Isenção de taxas de licenciamento nos primeiros cinco anos. A partir do sexto ano, o desconto é de 75%.

-

Noruega Isenção de impostos de compra (IVA) e de licenciamento. Isenção de impostos de importação para elétricos puros.

Governo investiu cerca de € 6,5 milhões na construção de dois mil postos de recarga. Em 2013, 4,5 mil postos já estavam disponíveis.

Reino Unido

Subsídio de 25% no preço do carro até o máximo de £ 5 mil (cerca de US$ 8 mil) e de 20% no custo de um comercial leve até o máximo de £ 8 mil (cerca de US$ 12 mil), desde que o veículo emita menos que 75 g CO

2/km. Há também

isenção de taxas para veículos elétricos puros.

£ 37 milhões (cerca de US$ 55 milhões) destinadas a postos de recarga públicos, residenciais e em ruas e rodovias. (O orçamento estará disponível até 2015).

(Continuação)

(Continua)

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316

Região Países Incentivos fi nanceiros Infraestrutura

Europa Suécia Isenção de taxa de licenciamento nos primeiros cinco anos. Subsídios de € 4.500 (cerca de US$ 5 mil) no preço de veículos que emitam até 50 g CO

2/km. Equalização do

valor tributável do veículo de baixa emissão ao do correspondente diesel/gasolina para frotas de empresas.

Apoio por meio de fundo para pesquisa, desenvolvimento e demonstração. Não há incentivos mais amplos para infraestrutura.

Ásia China Subsídios para a compra de veículos de até 60 mil (cerca de US$ 10 mil).

-

Índia Subsídio de 100 mil (cerca de US$ 2 mil) ou 20% do preço do veículo, prevalecendo o que for menor. Incentivos fi scais para elétricos puros e híbridos plug-in.

Há planos para facilitar a instalação de postos elétricos.

Japão Isenção de taxas de aquisição e sobre o peso do veículo. Incentivos de até ¥ 850 mil (cerca de US$ 8 mil) para a compra de elétricos puros e híbridos plug-in.

Apoio para custear até 50% do custo do equipamento de recarga, limitado a até ¥ 1,5 milhão (cerca de US$ 12 mil) por carregador.

Fonte: Elaboração própria, com base em Gov.UK (2014), Hannisdahl, Malvik e Wensaas (2013), IEA (2013), Tesla Motors (2014) e Vergis et al. (2014).

Outros incentivos à demanda

Além de subsídios diretos, isenções e deduções fiscais e provimento de infraestrutura de recarga, outros incentivos, inclusive não monetários, vêm sendo adotados em níveis diversos de governo por todo o mundo. Dentre tais incentivos, destacam-se: gratuidade em estacionamentos públicos, usos de faixas exclusivas, isenção de pedágios em rodovias e de taxas de circu-lação em centros urbanos, vagas cativas em estacionamentos, descontos no seguro do veículo, dispensa de inspeções veiculares, descontos no valor da eletricidade para recarga de veículos elétricos, programas voltados à cons-cientização e à informação do consumidor, realização de demonstrações públicas de veículos híbridos e elétricos, promoção de compras públicas

(Continuação)

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317para uso em frotas estatais, práticas de car sharing com uso de veículos elétricos etc. Tais medidas cumprem papel relevante nos locais em que vêm sendo adotadas. O espaço para a criação de novas políticas é muito grande e, como muitas das vigentes estão restritas a um estado da federação ou a uma cidade, há ampla possibilidade de extensão para outras regiões e paí-ses. No Quadro 3, são listados alguns exemplos de países/regiões onde tais incentivos já são uma realidade.

Quadro 3 | Outros incentivos para veículos elétricos e/ou híbridos – países selecionados (levantamento não exaustivo)

País Síntese dos incentivos locais

França Autolib oferece sistema de car sharing em Paris e outras cidades utilizando VEs, complementando o sistema de compartilhamento de bicicletas.

Reino Unido

Isenção de taxa de circulação na região central de Londres.

Itália Estacionamento grátis nas áreas amarela e azul e acesso livre na área C em Milão. Veículos elétricos têm permissão de circular em dias de circulação restrita.

Alemanha A partir do início de 2015, veículos elétricos terão estacionamento grátis, vagas reservadas e poderão circular nas faixas destinadas aos ônibus.

Holanda Amsterdã oferece estacionamento e recarga grátis.

Portugal O país desenvolveu amplo sistema integrado de pontos de abastecimento sob uma plataforma única por meio do consórcio Mobi.E.

Dinamarca Estacionamento grátis em Copenhague.

Noruega Estacionamentos públicos grátis, vagas reservadas, isenção de pedágios em todas as rodovias, faixa exclusiva nas principais cidades.

Suécia Veículos elétricos têm isenção de taxa de circulação na região central de Estocolmo, além de setenta pontos de abastecimento sem custo. Estacionamento grátis em Arlanda e em certas áreas de Gotemburgo.

Canadá Em Ontário, veículos elétricos e híbridos plug-in podem utilizar as vias destinadas a veículos com alta ocupação (dois ou mais passageiros).

EUA Os incentivos variam de estado para estado, mas compreendem a possibilidade de utilizar as faixas preferenciais em vias destinadas a veículos com alta ocupação (carpool), isenção da inspeção veicular anual para veículos elétricos e híbridos plug-in, descontos no seguro para proprietários de elétricos ou híbridos, estacionamento grátis para veículos elétricos, reserva de vagas para elétricos em estacionamentos, isenção ou redução de pedágio em alguns pontos, descontos na tarifa de recarga de veículos elétricos e híbridos plug-in.

Fonte: Elaboração própria, com base em Autolib (s.d.), Hannisdahl, Malvik e Wensaas (2013), Hartman (2014), Mobi.E (s.d.), Nicola (2014), Ontario (2012) e Tesla Motors (2014).

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318 Tendo em vista todos os incentivos listados, cabe analisar a resposta do mercado e a efetividade dessas políticas.

Mercado global de veículos híbridos e elétricos e efetividade das políticas públicas

Em 2013 foram licenciados cerca de 1,7 milhão de veículos híbridos ou elétricos em todo o mundo, o equivalente a aproximadamente 2% do total. Embora os licenciamentos de híbridos e elétricos ainda sejam uma peque-na fração do total, desde 2005, o mercado vem crescendo a 24,9% ao ano, contra 3,1% do mercado de convencionais. A maior participação é de HEVs, liderando o número de licenciamentos totais (Gráfico 8).

Gráfico 8 | Evolução global dos licenciamentos de veículos híbridos e elétricos

0,44% 0,53% 0,67% 0,69%

1,07% 1,09%

1,46%

1,94% 2,01%

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0,6

1,2

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300.000

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900.000

1.200.000

1.500.000

1.800.000

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

HEV EV PHEV Proporção

Tota

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no

vos

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am

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tos

(EV

+ H

EV +

PH

EV)

(%)

Pro

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tos

Fonte: Elaboração própria, com base em Shahan (2014) e MarkLines (2014).

O maior mercado global de híbridos é o Japão. O país lidera os licen-ciamentos, tanto em valores absolutos quanto relativos. Somente em 2013, foram mais de novecentos mil veículos híbridos licenciados, ou 17,33% do total. Isso se explica pelo tempo em que são comercializados veículos híbridos no país (desde 1997) e pelos incentivos que esses automóveis re-ceberam desde então.

Merece destaque, também, a Holanda. Apesar de ser um mercado pequeno em termos absolutos, os híbridos obtiveram a segunda maior participação relativa nos novos licenciamentos, com destaque para os PHEVs. O país

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319isenta diversos modelos de PHEVs de impostos de registro e circulação, além de conceder incentivos para veículos empresariais. Esses últimos recebem estímulos de até € 38 mil (cerca de US$ 45 mil), ou 75% do preço-base de um veículo como o Volvo V60 [McKinsey & Company (2014) e Mock e Yang (2014)]. O impacto do incentivo reflete-se nos licenciamentos, que subiram 73% em termos absolutos de 2012 para 2013.

O Gráfico 9 traz uma lista dos principais mercados de veículos híbridos e sua participação em relação ao total de licenciamentos.

Gráfico 9 | Dez maiores mercados globais de veículos híbridos (HEV e PHEV)

17,33%

3,43%

1,82% 0,99%

5,16%

0,72%1, 30%

0,04%

2,28%

0,26%

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20

1

10

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1.000

10.000

100.000

1.000.000

Japão EUA Coreia ReinoUnido

Holanda Canadá Malásia China Taiwan França

2010 2011 2012 2013 Proporção em 2013

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(H

EV +

PH

EV)

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tos

Fonte: Elaboração própria, com base em MarkLines (2014) e Shahan (2014).

Entre os modelos mais licenciados de HEVs, a liderança é da família Prius, da Toyota. A montadora japonesa dispõe de seis modelos entre os dez HEVs mais licenciados, dos quais quatro da família Prius, além dos sedãs Camry e Crown. O domínio das montadoras asiáticas é marcante, com apenas a americana Ford figurando entre os modelos mais licenciados de HEVs (Tabela 1).

Tabela 1 | HEV: modelos mais licenciados no mundo em 2013

Modelo Montadora Licenciamentos

1 Prius Toyota 309.985

2 Aqua (Prius C) Toyota 309.499

3 Prius Alpha Toyota 106.843

(Continua)

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320

Modelo Montadora Licenciamentos

4 Fit (Jazz) Honda 95.078

5 Serena Renault-Nissan 82.779

6 Camry Toyota 66.109

7 Crown Toyota 54.888

8 Fusion Ford 37.300

9 Sonata Hyundai 35.159

10 Prius v Toyota 34.989

Fonte: Elaboração própria, com base em MarkLines (2014) e Shahan (2014).

Já em relação aos PHEVs, o cenário é um pouco distinto. O primeiro pon-to a destacar é a maior diversidade de montadoras entre os dez modelos mais licenciados. O mercado também é bem menor, com o modelo mais licencia-do, o GM Volt, somando pouco mais de 28 mil unidades em todo o mundo (Tabela 2). Durante todo o ano de 2013, foram licenciados cerca de 87 mil PHEVs globalmente contra 1,5 milhão de HEVs. Destaca-se o crescimento, de 2012 para 2013, do mercado de PHEVs, de 61,1%, enquanto o de HEVs aumentou apenas 3,2%, número próximo ao dos veículos convencionais.

Tabela 2 | PHEV: modelos mais licenciados no mundo em 2013

Modelo Montadora Licenciamentos

1 Volt GM 28.252

2 Prius Toyota 23.075

3 Outlander Mitsubishi 18.444

4 V60 Volvo 7.437

5 C-Max Ford 7.353

6 Fusion Ford 6.206

7 Ampera GM 3.157

8 F3DM BYD 1.005

9 S60 Volvo 674

10 Accord Honda 588

Fonte: Elaboração própria, com base em Shahan (2014).

O mercado de veículos puramente elétricos cresceu 77,6% de 2012 para 2013, sendo os EUA o maior mercado em termos absolutos (Gráfico 10). De todos os pouco mais de 111 mil BEVs licenciados no mundo em 2013, cerca

(Continuação)

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321de 40% foram no país. Os incentivos federais e estaduais têm refletido de forma positiva nas vendas, apesar de ainda pequenas em termos relativos.

A maior participação relativa é da Noruega, com 4% de todos os licen-ciamentos em 2013. O mercado de BEVs no país aumentou cerca de 83% de 2012 para 2013, fruto de uma política agressiva de incentivos monetá-rios e não monetários. Um Renault Zoe, por exemplo, recebe incentivos de aproximadamente € 15.395 (cerca de US$ 18 mil), ou 55% do preço-base do veículo no país, no ato da compra, mais € 1.515 (cerca de US$ 1,8 mil) de benefícios anuais recorrentes, em razão da isenção de taxa de circulação [McKinsey & Company (2014); Shahan (2014)].

Gráfico 10 | Dez maiores mercados globais de veículos puramente elétricos (BEV)

0,30% 0,31% 0,05%

0,38%

4,00%

0,16%

0,70%

0,09% 0,05% 0,04%

0,0

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1.000

10.000

100.000

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2010 2011 2012 2013 Proporção em 2013

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)

Fonte: Elaboração própria, com base em MarkLines (2014) e Shahan (2014).

Conforme comentado, os incentivos à infraestrutura de recarga também são alvo de políticas públicas e impactam positivamente o mercado nesses países. Os EUA contam com pouco mais de 23 mil pontos de recarga, for-temente impulsionados por incentivos governamentais. São números bem superiores aos dos demais países, principalmente pela grande extensão ter-ritorial do país (Tabela 3).

Tabela 3 | Infraestrutura de recarga: pontos instalados não residenciais

País Carga lenta* Carga rápida**

Reino Unido 3.000 150

(Continua)

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322

País Carga lenta* Carga rápida**

França 1.700 100

Alemanha 2.800 50

Holanda 6.000 120

Portugal 1.000 70

Espanha 800 20

Suécia 1.000 20

Dinamarca 3.800 120

Noruega 1.300 87

Estados Unidos*** 20.948 2.087

Fonte: Elaboração própria, com base em McKinsey & Company (2014) e U.S. Department of Energy (2015).Notas: *, ** A Comissão Europeia defi ne menos de 22 kW como carga lenta e mais de 22 kW como rápida. Algumas instalações entre 20 kW-25 kW podem ser chamadas, ainda, de semirrápidas. *** Para os EUA, considera-se rápida a carga em corrente contínua (DC Level 2) a 200 V-450 V DC até 90 kW (200 A).Obs.: Números aproximados para a Europa. Levantamento não exaustivo.

O modelo de BEV mais licenciado é o Leaf, da Renault-Nissan. De fato, a montadora tem papel de destaque no mercado de puramente elétricos, com quatro modelos entre os dez mais licenciados (Tabela 4). De todos os Leafs licenciados, 49% foram nos EUA, 28% no Japão e 10% na Noruega. Já o Tesla Model S é predominantemente vendido nos EUA, com 84% de todos os licenciamentos em 2013 sendo realizados naquele país.

Tabela 4 | BEV: modelos mais licenciados no mundo em 2013

Modelo Montadora Licenciamentos

1 Leaf Renault-Nissan 47.484

2 Model S Tesla 22.186

3 Zoe Renault-Nissan 8.869

4 Kangoo ZE Renault-Nissan 5.886

5 QQ3 EV Chery 5.007

6 i-MiEV Mitsubishi 4.769

7 Smart Fortwo ED Daimler 4.130

8 Twizy Renault-Nissan 3.062

9 J3 EV Jac 2.500

10 Focus Electric Ford 1.894

Fonte: Elaboração própria, com base em Shahan (2014).

(Continuação)

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323Apesar do predomínio de montadoras tradicionais no ranking de licen-ciamentos de híbridos e elétricos, os BEVs abrem oportunidades para no-vos entrantes. Uma tração puramente elétrica é mais simples e um motor elétrico tem menos componentes que um motor a combustão interna. Ou seja, elimina-se uma grande barreira de entrada da indústria automotiva: o powertrain. Já a arquitetura de um veículo híbrido mescla motores a com-bustão interna e elétrico, tornando necessária a competência de powertrain a combustão. Isso limita o número de empresas, fazendo com que as mon-tadoras tradicionais concorram nesse mercado, daí o menor número de em-presas. Tal fato pode ser notado no Gráfico 11. Percebe-se um número bem maior de montadoras que tiveram veículos puramente elétricos licenciados, quando comparado às arquiteturas híbridas.

O mercado de veículos puramente elétricos cresce em um ritmo bem maior que o de convencionais e tem menor barreira de entrada, aumentan-do o potencial para novas empresas. Não obstante, há grande espaço para inovação e desenvolvimento de novas tecnologias em powertrain elétrico e armazenagem de energia, tanto em baterias quanto em gestão da energia.

Gráfico 11 | Número de montadoras com modelos licenciados

1

2 4

7 9

1 2 2 4

6

9

12

18

34 33

4 5 5

9

12

18

25

33

56 57

3 3 3 5 68

11 1115 15

0

10

20

30

40

50

60

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

BEV PHEV HEV

Fonte: Elaboração própria, com base em MarkLines (2014) e Shahan (2014).

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324 O mercado brasileiro

Difusão dos veículos elétricos e híbridos no Brasil

Ainda que o mercado automobilístico brasileiro figure como um dos maiores do mundo, tendo já ocupado a quarta posição mundial, a disponi-bilidade de veículos elétricos e híbridos ainda é muito restrita. Boa parte dos modelos são automóveis de luxo disponíveis apenas por encomenda. Os principais modelos comercializados na rede de concessionárias são a ver-são híbrida do Ford Fusion e o Toyota Prius. O Quadro 4 lista os principais modelos disponíveis no Brasil e algumas de suas características técnicas.

Quadro 4 | Modelos elétricos e híbridos disponíveis no mercado brasileiro

Marca/modelo

Motor a combustão

Tipo Origem Lançamento no Brasil

Em

issõ

es (

g C

O2/

km

) Consumo (gasolina)

(km/l)

Con

sum

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J/k

m)

Preço (R$ mil)

Cid

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Est

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Dez

. 201

3

Dez

. 201

4

Ford Fusion

2.0 – 16 V HEV México Ago. 2013 (1ª geração lançada em nov. 2010)

81 16,8 14,7 1,33 126 127

Toyota Prius

1.8 – 16 V HEV Japão Jan. 2013 86 15,7 14,3 1,40 116 111

Lexus CT200h

1.8 – 16 V HEV Japão Mai. 2013 87 15,7 14,2 1,41 149 148

Nissan Leaf

Não há BEV Japão n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. n.d.

BMW i3 Rex

0.6 PHEV Alemanha Set. 2014 13 n.d. n.d. n.d. - 229

BMW i8 e-Drive

1.5 – 12 V HEV Alemanha Set. 2014 n.d. n.d. n.d. n.d. - 800

Porsche Panamera S E-Hybrid

3.0 PHEV Alemanha Out. 2014 n.d. n.d. n.d. n.d. - n.d.

Audi A3 E-tron

1.4 PHEV Alemanha 2015 n.d. n.d. n.d. n.d. - -

Fonte: Elaboração própria, com base nos sites dos fabricantes, Fipe (2014) e PBE (2014).

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325O histórico de vendas acompanha a baixa disponibilidade de modelos, sendo ainda incipiente, embora apresente uma tendência de crescimento, como se observa na Tabela 5. Destaca-se a mínima participação dos híbri-dos e elétricos no total de licenciamentos no país, bem abaixo dos 2% co-mercializados globalmente em 2013.

Tabela 5 | Vendas de veículos elétricos e híbridos no mercado brasileiro

Modelo 2012 2013 2014

Ford Fusion n.d. 106 706

Toyota Prius 25 324 76

Demais n.d. 61 73

Total 117 491 855

% do total de licenciamentos 0,0032 0,0137 0,0256

Fonte: Elaboração própria, com base em Anfavea (2014), Fenabrave (2014) e Redação AB (2014).

O Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) informou uma fro-ta, em dezembro de 2014, de 1.730 híbridos. Dos principais veículos pu-ramente elétricos disponíveis no Brasil, o Denatran informava uma frota de 34 modelos Nissan Leaf, sendo a maior parte táxis nas cidades do Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP), e seis modelos Mitsubishi i-Miev. Empresas do setor energético, como Itaipu, Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), Companhia Paranaense de Energia (Copel) e Companhia Energética de Minas Gerais S.A. (Cemig), frequentemente dispõem de pe-quenas frotas de veículos puramente elétricos para testes, pesquisa e trans-porte de pessoal.

Quanto aos ônibus, a disponibilidade também é limitada. No Brasil, a fro-ta elétrica é majoritariamente de trólebus, conforme se observa na Tabela 6. Os trólebus estão presentes em apenas três corredores, todos no estado de São Paulo. Os ônibus híbridos compõem a segunda frota em volume e es-tão presentes nas cidades de São Paulo (SP) e Curitiba (PR), onde estão os dois fabricantes instalados no Brasil – a empresa brasileira Eletra e a sueca Volvo. Os ônibus a hidrogênio e os elétricos a bateria são oriundos de pro-jetos de demonstração.

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326 Tabela 6 | Frota estimada de ônibus elétricos e híbridos no Brasil

Tipo Quantidade

Trólebus 276

Híbrido 78

Elétrico a bateria 1

Hidrogênio 2

Total estimado 357

Fonte: Elaboração própria, com base em pesquisa de campo.

No entanto, a frota elétrica é ínfima se comparada ao total de ônibus ur-banos no Brasil, estimados em mais de 250 mil.

Incentivos tributários

Há poucos incentivos no Brasil para os veículos elétricos e híbridos, em comparação a outros países. No caso dos veículos leves, as principais ini-ciativas correm por conta das próprias montadoras, por exemplo, cessão em comodato de táxis elétricos em grandes cidades brasileiras.

Há alguns incentivos tributários, mas que exercem pouca influência so-bre o preço. As principais isenções são do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e apenas em alguns estados.

O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) que incide sobre veículos leves é definido por cilindrada do motor, o que leva os elétricos puros, que não dispõem de motor a combustão, a serem classificados como “outros”, que estão na maior alíquota. No entanto, visto que o IPI é utilizado como prêmio para as montadoras que ultrapassarem, no conjunto de veículos ven-didos, as metas de redução de emissões estabelecidas no regime automotivo (Inovar-Auto), os veículos elétricos e híbridos poderão contribuir de forma mais contundente para tal atendimento, gerando a possibilidade de usufruto de um benefício adicional no IPI.

Em setembro de 2014, foi estabelecida uma redução temporária no Imposto de Importação (ex-tarifário) para veículos híbridos sem tecnologia de recarga elétrica externa. É importante notar que essa redução não deve atingir veículos importados de países com os quais o Brasil tem acordos

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327comerciais,17 pois, desde que dentro de determinadas cotas, os veículos já dispõem de isenção tarifária.

A alíquota do Imposto de Importação para veículos automotores, via de regra, é de 35%. Para os veículos elétricos e híbridos, de acordo com seu consumo energético, há uma graduação nas alíquotas, conforme resumido na Tabela 7.

Tabela 7 | Alíquotas do Imposto de Importação para veículos híbridos com motores entre um litro e três litros (em %)

Faixa de consumo energético (MJ/km)

Situação do veículo na importação

Desmontado Semidesmontado Montado

0,01-1,10 0 0 2

1,10-1,68 0 2 4

1,68-2,07 2 5 7

Fonte: Elaboração própria, com base na Resolução Camex 86, de 18.9.2014.

Consequentemente, os modelos Toyota Prius e Lexus CT200h, dispo-níveis no Brasil, tiveram a alíquota reduzida de 35% para 4%, se forem importados montados. É interessante notar que a faixa de consumo energé-tico, 2,07 MJ/km equivale ao consumo médio em 2011 da frota brasileira, utilizada como parâmetro para estabelecimento das metas do Inovar-Auto, e 1,68 MJ/km é igual à meta a cumprir em 2017 para usufruir do maior ní-vel de redução do IPI.

Cabe citar também que o principal imposto incidente sobre os veícu-los, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), não tem sido utilizado na promoção dos veículos elétricos e híbridos. A arre-cadação com o ICMS de automóveis somou, em 2012, R$ 35,7 bilhões, enquanto o conjunto dos tributos federais somou R$ 33,2 bilhões – dos quais R$ 11,9 bilhões no Programa de Integração Social (PIS)/Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), R$ 4,4 bilhões de IPI e R$ 2,0 bilhões em Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), entre ou-tros [Cetad (2013; 2014)].

17 O Brasil tem acordos de complementação econômica (ACEs) específi cos sobre o setor automotivo com a Argentina (ACE-14) e o Uruguai (ACE-02). Há, ainda, um acordo mais amplo entre o Mercosul e o México (ACE-55). Mais detalhes disponíveis no site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).

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328 Interesse empresarial no tema

Em abril de 2013, foi lançado o Plano Inova Energia pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), BNDES e Finep – Inovação e Pesquisa, denominado Plano de Ação Conjunta Inova Energia, em que um dos temas era apoiar iniciativas que promovessem o desenvolvimento de integradores e o adensamento da cadeia de componentes na produção de veículos híbridos/elétricos e a melhoria de eficiência energética de veícu-los automotores no país. O plano visava selecionar planos de negócio que contemplassem projetos de inovação em temas como: desenvolvimento de tecnologias para motores, componentes e sistemas completos de tração elétrica para veículos automotores híbridos/elétricos, assim como tecnolo-gias que possibilitassem a melhoria da eficiência energética em sistemas de motorização a etanol (ou flex-fuel) e transmissão; desenvolvimento de baterias, supercapacitores, outras tecnologias de acumuladores e recupera-dores de energia para tração, células a combustível e materiais para bate-rias, bem como sistemas de gerenciamento e seus componentes, para uso em veículos automotores híbridos/elétricos, preferencialmente a etanol; e projetos pioneiros em escala-piloto ou superior de desenvolvimento e im-plementação de produção de veículos automotores híbridos/elétricos, pre-ferencialmente a etanol.

Foram realizadas diversas ações de divulgação do plano, tais como: con-tato direto com empresas do setor automotivo e elétrico, reconhecidamente com projetos nos temas definidos, e apresentações em eventos setoriais, além da mídia espontânea em vários jornais de grande circulação. A primeira etapa buscava que as empresas manifestassem interesse no desenvolvimen-to de projetos nos temas. Como uma das primeiras iniciativas organizadas pelo governo federal voltada para a promoção dos veículos elétricos, houve grande procura. Noventa e quatro empresas demonstraram interesse nesse tema, além de 37 instituições científicas e tecnológicas (ICT).

Posteriormente à divulgação dos resultados do Inova Energia e apenas para fins de reflexão no âmbito deste artigo, foi realizado um trabalho de classificação das intenções de investimento em função de sua relação com o setor automotivo e da vertente tecnológica do investimento. A intenção foi entender que tipo de empresa tinha intenção de investimento em que tipo de tecnologia.

Desse modo, as empresas foram classificadas em dois grupos: os per-tencentes à cadeia automotiva (incluindo montadoras, fornecedores de

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329autopeças e prestadores de serviços) – incumbentes; e as start-ups ou empre-sas pertencentes a outros setores (elétrico, por exemplo) – novos entrantes. Para aferição da vertente tecnológica, foram classificadas também em dois grupos: os com viés elétrico (veículos elétricos, a célula-combustível e com-ponentes para esses veículos ou para uso comum em híbridos e elétricos) e os com viés a combustão (veículos a combustão mais eficientes, incluídos os híbridos não elétricos e os micro-híbridos). Do total, foram descontadas as empresas que apresentaram projetos para outros tipos de transporte (aéreo ou naval) ou sem detalhes suficientes que permitissem a classificação exposta. O resultado dessa reflexão é apresentado na Tabela 8.

Tabela 8 | Propostas apresentadas ao Plano Inova Energia, conforme vertente tecnológica e atuação (em %)

Novos entrantes Incumbentes Total

Elétrico 71 29 100

A combustão 31 69 100

Fonte: Elaboração própria.

Não surpreendentemente, assim como em outros países há diversas mon-tadoras tentando se estabelecer no novo paradigma (vide Gráfico 11). No Brasil, isso não é diferente.

Esse cenário, em que empresas que não trabalham tradicionalmente no setor automotivo começam a vislumbrar oportunidades no setor, cria con-dições únicas para a inovação. São trazidas novas ideias por empresas que enxergam as questões por outros prismas. O resultado é a criação de novos negócios, com alterações dos antigos laços. Há uma reconfiguração da ca-deira produtiva.

Em um setor economicamente tão importante como o automotivo, tal reconfiguração pode ser assistida pelo Poder Público, com o objetivo de melhor posicionar as empresas brasileiras para os novos desafios.

Sugestões de políticas públicas para o setor no Brasil

A partir da síntese das experiências globais e da realidade brasileira, re-latadas nas seções anteriores, propõe-se elencar possibilidades de atuação do Poder Público nessa mudança de paradigma.

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330 Apesar de figurarem em um único setor, veículos leves, ônibus, cami-nhões, fabricantes de autopeças e de reboques e semirreboques têm lógicas distintas. Suas características levam a políticas diferentes. Assim, a presen-te seção está organizada por segmento, com uma breve discussão sobre as sugestões de políticas.

Políticas abrangentes

Metas de emissões de longo prazo, com degraus anuais e bônus em caso de

antecipação por parte das empresas

Na maior parte dos grandes países produtores ou consumidores de veícu-los, estão implementadas metas de eficiência energética (vide Quadro 1). No Brasil, além do Proconve, que estabelece limites de emissões para poluentes em veículos leves e pesados, o regime automotivo lançado em 2012 sob o nome de Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores (Inovar-Auto) estabeleceu metas de emissões de dióxido de carbono para veículos leves. O horizonte desse regime é 2017. É fundamental que se discuta sua extensão para além de 2017, assumindo-a como uma política de longo prazo, como ocorre em outros países. A extensão e as novas metas também possibilitarão a orien-tação dos investimentos das montadoras, que demandam geralmente prazos superiores a três anos entre a concepção e a entrada no mercado.

Além disso, é importante que a meta de eficiência energética de lon-go prazo seja desdobrada em períodos menores (preferencialmente ano a ano), para os veículos leves e pesados, possibilitando que haja um trabalho constante de P&D em eficiência energética e uma adequada programação de metas por parte das empresas.

Por fim, a exemplo do que existe em outros países, pode-se estudar a criação de um bônus para o cumprimento antecipado das metas. Dessa for-ma, haveria uma mitigação do custo adicional dessa antecipação, acompa-nhado de um imediato benefício para a população (redução de emissões) e para as montadoras (preços mais competitivos).

Etiquetagem veicular obrigatória

O consumidor deve entender e participar do movimento pela melhoria da eficiência energética dos veículos. Boa parte dos países utiliza um ins-trumento que existe no Brasil, mas que é adotado de forma voluntária pelas montadoras, a etiquetagem veicular. Ela permite que se dê transparência aos impactos ambientais dos veículos.

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331Estímulo a P&D no segmento, com explicitação nos principais programas,

visando estimular o desenvolvimento de fabricantes brasileiros

Com o objetivo de localizar o desenvolvimento tecnológico de soluções em eficiência energética no setor automotivo, é importante que se identi-fiquem universidades e centros de pesquisa capacitados para dialogar com as empresas e criar linhas de pesquisa apontadas para o futuro da indústria. Isso envolve a disponibilidade não só de recursos financeiros para pesqui-sa, como também de pessoal formado em disciplinas fundamentais para o novo paradigma (por exemplo, engenharia elétrica, engenharia de sistemas e química de baterias) e capaz de liderar essa revolução.

Manutenção das linhas de financiamento em condições diferenciadas para

capacidade produtiva de veículos elétricos e para comercialização de

veículos pesados elétricos

Apoio a iniciativas de criação de capacidade produtiva para veículos elétricos e híbridos e para sua comercialização. A produção local torna mais simples a inserção de fornecedores locais e desperta o interesse das pessoas pelo setor.

Incentivos via instrumentos financeiros que permitam atenuar

a perda de valor de revendas dos veículos elétricos e híbridos

Tendo em vista que o custo das baterias ainda é elevado e sua vida útil curta, espera-se que haja grande perda do valor de revenda dos veículos elé-tricos e híbridos. Certamente, o valor de revenda torna-se mais uma barreira para a aquisição desses veículos.

Integração do etanol aos motores eletrificados

Por fim, propõe-se o apoio a estudos de formas de integração do motor a etanol no novo paradigma do setor automotivo, através de veículos híbridos flex, de modo a aproveitar o amplo desenvolvimento já realizado no Brasil, seus impactos econômicos e o fato de se tratar de um combustível renovável.

Políticas específicas para veículos leves elétricos e híbridosIncentivos monetários aos compradores de veículos elétricos, via crédito ou

redução de impostos

Os países com maior presença de veículos elétricos e híbridos têm pra-ticado um incentivo monetário ao comprador, que toma diferentes formas, desde um desconto no preço até um crédito que pode ser utilizado no aba-timento de impostos. O grande argumento dessas políticas é que o preço

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332 desses veículos é maior principalmente em decorrência de uma escala menor de produção. Nos EUA, por exemplo, os créditos existem até que se atinja uma escala mínima econômica. O primeiro objetivo do incentivo é acelerar a adoção. Em segundo lugar, o crédito visa atenuar a mudança de rotina (rea bastecimento diário, autonomia limitada etc.) que os veículos pura-mente elétricos imputam aos usuários. Não por acaso, os créditos para esses veículos costumam ser maiores do que os dos híbridos. Ao mesmo tempo, há uma grande possibilidade de criação de negócios acessórios (eletropos-tos, serviços específicos etc.), que podem gerar impacto tributário positivo.

Incentivos à adoção de veículos elétricos para táxis, uso em locadoras e

para frotas públicas

Há alternativas de difusão mais lentas, via públicos específicos, como táxis, locadoras e frotas públicas. O custo das medidas torna-se menor e há um efeito-demonstração, visto que as pessoas acabam tomando contato com as novas tecnologias sem necessariamente adquiri-las. Além disso, em todos eles, normalmente há pontos fixos de estacionamento, facilitando a instalação de pontos de recarga. No caso dos táxis, é possível extrapolar a experiência da cidade de São Paulo, com a abertura de novas autonomias para táxis elétricos. Nas grandes metrópoles brasileiras, o custo da licença, quando adquirida de terceiros, costuma superar em muitas vezes o valor do veículo. No caso das locadoras, há grande rotatividade dos veículos. Ao saírem da frota das locadoras, acabam sendo vendidos para pessoas físicas. Nas frotas públicas, seu uso pode se tornar um exemplo para a população, colaborando de forma mais enfática para redução das emissões.

Incentivo à geração distribuída, à adaptação de residências e à instalação

de postos de recarga rápida e avaliação dos

impactos nas distribuidoras de energia

Uma das grandes preocupações de quem pensa em adquirir um veí-culo elétrico é a necessidade de recarga. Há incentivo natural para que sua recarga aconteça na residência do motorista. De uma forma geral, o carregamento deve ocorrer à noite. A fim de evitar o horário de pico, que poderia sobrecarregar os sistemas elétricos locais, diversos países têm im-plantado uma tarifação diferenciada. Assim, a recarga acontece justamente quando há uma redução do consumo de energia nas cidades, o que facilita a operação das distribuidoras. Com boa parte das recargas ocorrendo nas

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333residências, a instalação de postos de recarga rápida não precisaria acom-panhar a quantidade de postos de gasolina atuais, podendo ser em menor número nas cidades e em localizações estratégicas nas estradas. Há ainda a possibilidade de vender energia ao sistema, quando o veículo estiver carregado e conectado à rede. O veículo pode fornecer energia ao siste-ma elétrico em horários de pico e realizar o carregamento em horários de baixa demanda.

Definição de alíquotas de IPI segundo eficiência ou criação do NCM 8703.4 “Veículos tracionados por motor elétrico”

A fim de tornar a estrutura tributária mais adequada à convivência entre diferentes tecnologias, é aconselhável que as alíquotas de IPI não mais obser-vem as cilindradas18 dos motores, mas, sim, sua eficiência. Alternativamente, uma medida de implementação mais simples é a criação de uma categoria para os veículos elétricos. Nesse caso, os híbridos, por terem também mo-tores a combustão, continuariam sendo classificados segundo as alíquotas existentes. O ideal é que os veículos elétricos disponham de alíquota equi-valente ou inferior aos veículos com motor de pistão alternativo de ignição por centelha de cilindrada não superior a 1.000 cm3. Dado que as vendas desse tipo de veículo no Brasil são incipientes, não haveria impacto tribu-tário relevante na adoção de tal medida.

Incentivo à implantação de sistemas de compartilhamento de veículos elétricos e estudo sobre a conveniência de criação de privilégios de circulação e estacionamento a veículos elétricos

Em cidades brasileiras adensadas, é possível a adoção de sistemas de compartilhamento de veículos elétricos (car sharing), como ocorre em vá-rios outras cidades, especialmente na Europa. Tais sistemas normalmente estão acompanhados de medidas que privilegiam sua circulação em detri-mento dos veículos a combustão (exemplos: exceção ao rodízio, tarifa es-pecial em pedágios metropolitanos, reserva de vagas de estacionamento, permissão especial de circulação em faixas exclusivas ou fora de horários predefinidos etc.).

18 A cilindrada, ou volume de deslocamento, de um motor é o somatório dos volumes percorridos pelos pistões nos cilindros entre os pontos de mínimo e máximo. Normalmente é indicada em litros ou centímetros cúbicos. Por exemplo, um motor de 2.0 l e quatro cilindros tem um volume de deslocamento de 500 ml por cilindro. Essa métrica só faz sentido em motores a combustão e não pode ser usada em motores elétricos diretamente.

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334 Redução temporária do Imposto de Importação para

componentes selecionados do powertrain híbrido

Um veículo híbrido sem possibilidade de recarga externa não requer mudanças no comportamento do consumidor, sendo sua adaptação muito mais simples e barata quando comparada a um veículo puramente elétrico. Da mesma forma, sua semelhança com os veículos convencionais permi-te afirmar que várias das montadoras instaladas no Brasil têm capacitação para o desenvolvimento local de versões híbridas flex-fuel dos modelos aqui fabricados. Com um mercado mais atrativo para veículos híbridos, há possibilidade de um rápido emparelhamento das fábricas locais ao que já existe no restante do mundo.

Políticas específicas para ônibus e caminhões híbridos e elétricos

Criação de um subsídio verde com recursos federais para a equalização

de tarifas no transporte coletivo urbano elétrico ou subsídio às baterias

e criação de mecanismos de depreciação acelerada de ônibus

e caminhões elétricos

Diferentemente dos veículos leves, o Brasil dispõe de capacidade local para a fabricação de ônibus híbridos (Eletra e Volvo) e elétricos (Eletra e BYD, esta última em fase de implantação). Há financiamento no BNDES à comercialização desses em bases que os diferenciam dos veículos a diesel. No entanto, as vendas não deslancham, pois a política de transporte urbano é, na maior parte das vezes, municipal. Ademais, no Brasil, a compra de veículos é feita pelos operadores. Em muitos casos, os operadores aferem lucro quando modernizam sua frota, ao revenderem os veículos antigos a operadores de outros municípios. Além da incerteza no valor de revenda, em função de dúvidas sobre a vida útil e a eventual necessidade de infraes-trutura se for elétrico (rede aérea se for trólebus ou estrutura para recarga se for com bateria), os veículos costumam ser mais caros. Assim, os muni-cípios ficam receosos de que a adoção de ônibus elétricos ou híbridos leve à necessidade de aumento das tarifas ou maior subsídio.

Análise preliminar das políticas

Cada uma das sugestões de políticas traz consigo um custo de implan-tação (que pode ser um impacto na arrecadação, no caso de desonerações), a abrangência da solução, a complexidade de implementação e seu res-ponsável. Seguindo esses critérios, foram analisadas de forma preliminar

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335as políticas listadas anteriormente, conforme apresentado no Quadro 5. Políticas públicas devem, portanto, avaliar o custo-benefício da iniciativa, começando por medidas de maior abrangência e menores custos fiscais e complexidade de implantação.

Quadro 5 | Análise preliminar das políticas sugeridas

Política Esfera Abrangência Impacto na arrecadação

Complexidade de implementação

Meta de efi ciência Federal Ampla Baixo Média

Bônus de antecipação

Federal Ampla Médio Média

Etiquetagem obrigatória

Federal Ampla Baixo Baixa

P&D Vários Ampla Baixo Baixa

Financiamento Federal Ampla Baixo Baixa

Incentivo monetário Vários Ampla Alto Média

Táxi elétrico Municipal Restrita Baixo Baixa

Frotistas Federal Restrita Médio Baixa

Frotas públicas Todas Restrita Médio Alta

Geração distribuída Municipal Ampla Baixo Alta

Adaptação de residências

Municipal Ampla Baixo Média

Instalação de eletropostos

Municipal Ampla Baixo Média

Revisão da TIPI Federal Ampla Médio Média

Car sharing Municipal Ampla Baixo Média

Subsídio às tarifas Federal Ônibus urbanos

Médio Média

Depreciação acelerada

Federal Ônibus urbanos

Médio Baixa

Fonte: Elaboração própria.

Considerações finais

Os veículos elétricos e híbridos têm figurado como a fronteira tecno-lógica do setor automotivo. Como toda grande mudança, ela traz desafios

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336 e incertezas. As empresas incumbentes tendem a concentrar seus esforços na manutenção do status quo, reinventando o veículo a combustão interna. Grandes novidades vêm surgindo e têm elevado consideravelmente a efi-ciência energética dos veículos. Várias dessas tecnologias são impulsiona-das também pelas metas de emissões, ditadas por legislações locais. Nos últimos anos, têm sido frequentes as discussões sobre redução de peso dos veículos (uso de alumínio e fibra de carbono, retirada de sistemas como o “tanquinho”, revisão da estrutura etc.), downsizing do motor (uso de mo-tores de três cilindros em vez de quatro, muitas vezes sobrealimentados) e aumento no número de marchas (veículos com transmissões de seis, sete, oito e até nove velocidades), entre outras inovações.

Além de contribuir no esforço de maior eficiência energética, os veículos elétricos não representariam impacto significativo no consumo de energia elétrica no país. Como o processo de difusão em diversos mercados desen-volvidos tem se mostrado gradual, o mesmo deve ser esperado para o Brasil. Não haveria necessidade, portanto, de investimentos adicionais em geração de energia elétrica em curto e médio prazos.

Como a maior parte dos principais centros de pesquisa automotiva locali-za-se fora do país, a adoção de novas tecnologias tende a ocorrer lentamen-te no Brasil, após consolidação nos mercados “centrais”. Alguns exemplos dessa dinâmica incluem a difusão do sistema de freio ABS, dos airbags, da injeção eletrônica e do pneu radial.

As mudanças mais paradigmáticas no mercado brasileiro ocorreram alia-das a políticas públicas específicas. O caso mais emblemático é a introdução do etanol como combustível nos veículos brasileiros. Atualmente, mesmo alguns modelos importados sofrem conversão para utilização de etanol.

Estudos sobre a adoção de inovações mostram que as pessoas reagem de formas diferentes às novidades. Alguns, mais ávidos por novas tecno-logias, têm um interesse especial pela sensação de exclusividade que elas podem trazer nos primeiros momentos. Embora desempenhem um papel importante nas últimas fases de desenvolvimento de produtos (são eles, por exemplo, que adotam as versões beta de novos softwares), tendem a não constituir um mercado relevante. Depois de mais amplamente adota-das essas tecnologias e com preços compatíveis a esses ganhos de escala, o mercado torna-se mais atraente.

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337O setor automotivo passa por uma revolução com a eletrificação dos veículos. Como ocorre na introdução de inovações mais radicais, a introdu-ção de veículos elétricos, em especial os puramente elétricos, traz consigo a necessidade de mudança no comportamento dos consumidores. Em um exemplo bem simples, em vez de buscar um posto de gasolina uma vez por semana, o consumidor tem que adquirir o hábito de plugar seu automóvel diariamente na tomada. Mas as mudanças vão muito além disso.

A necessidade de mudança de comportamento traz uma insegurança ao consumidor médio, implicando um início lento. Isso mostra por que as ven-das de veículos puramente elétricos parecem não deslanchar globalmente. Embora possa ser tratado como apenas mais um modelo de automóvel nos Salões do Automóvel pelo mundo, ele desperta no consumidor mediano sua aversão ao novo.

Porém, se, de um lado, há um custo para o indivíduo, a difusão de veí-culos elétricos representa também uma oportunidade de negócios para em-presas que nem consideravam fornecer para o setor automotivo. Exemplos incluem fornecedores de equipamentos elétricos e programadores, além da possibilidade de criação de novos negócios.

O setor automotivo é responsável por grandes investimentos em P&D e inovação no Brasil e no mundo. No Brasil, ele lidera os investimentos entre os setores industriais, com 23% do total em 2011, segundo a Pesquisa de Inovação (Pintec) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Não incentivar investimentos na fronteira tecnológica significa reduzir as chances de desenvolvimento de uma indústria forte e internacionalizada, restringindo-a a desenvolvimentos periféricos. Estar no que pode se tornar a principal vertente tecnológica da indústria significa aspirar desenvolver uma capacidade exportadora. Um plano de exportação de longo prazo para mercados “centrais”, portanto, necessariamente passa pela produção local de veículos híbridos e elétricos. Da mesma forma, a manutenção de uma cadeia produtiva local também depende de sua preparação para enfrentar o novo paradigma. Novos componentes serão requeridos, abrindo espaço para fornecedores não tradicionais.

Há um conjunto amplo de políticas que podem ser adotadas pelo Brasil, com maior ou menor custo e com diferentes centros de decisão. Cabe ao país eleger a eficiência energética como meta, abrindo espaço para veícu-los mais limpos e para as transformações industriais inerentes a tal escolha.

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Complexo Eletrônico

BNDES Setorial 41, p. 345-396

Microeletrônica: qual é a ambição do Brasil?

Ricardo RiveraIngrid TeixeiraCarlos AzenHenrique MiguelJosé Ricardo Sales*

Resumo

A importância da eletrônica é cada vez mais percebida no cotidiano de empresas, governos e pessoas. Dos brinquedos infantis a aviões e carros não tripulados, passando pela automação do agronegócio, indústria e ser-viços, os componentes semicondutores estão no coração da Revolução da Informação, agregando parcelas cada vez maiores das funcionalidades e do custo a esses bens. Tal como diversos países desenvolvidos e em desenvol-vimento, o Brasil definiu as bases de sua estratégia e tornou a posicionar o setor como prioritário desde o início da década de 2000. O artigo realiza uma análise da série de medidas implantadas, com consequente criação de “embriões” privados e públicos de um ecossistema produtivo em construção e propõe algumas recomendações para os agentes públicos e privados en-volvidos com o setor. Como uma indústria dependente de incentivos e com longo prazo de maturação, é de suma importância que o governo redobre o compromisso com uma agenda de longo prazo, criando condições para que esses embriões floresçam e para que o Brasil seja um destino competitivo

* Respectivamente, gerente setorial e engenheira do Departamento de Tecnologia da Informação e Comunicação da Área Industrial do BNDES, assessor da presidência do BNDES, coordenador da política de microeletrônica da Secretaria de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e analista de comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Os autores agradecem a todos os entrevistados a receptividade durante as visitas, discussões e contri-buições sobre o tema e aos revisores anônimos do texto.

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346 para novos investimentos. Para tanto, há necessidade de implementar um conjunto amplo e coordenado de medidas, centradas em ações para forma-ção de pessoal, financiamento, incentivo à inovação, desenvolvimento de mercado local, logística, entre outros. O esforço do governo para a gestão dessas iniciativas é fundamental, com identificação de interlocutores de alto nível e priorização efetiva na implementação das medidas já percebidas.

Introdução

Após anos de políticas ativas, em 2014, o governo chinês revisitou seu plano de desenvolvimento do ecossistema de microeletrônica, redobrando suas apostas no sucesso do plano com um fundo de US$ 20 bilhões. Nos anos 2000, a Rússia e a Índia também identificaram o setor como estratégi-co, apoiando via fundos governamentais bilionários o desenvolvimento de start-ups, joint ventures e aquisição de empresas estratégicas.

Não é coincidência que países populosos com pretensões industriais dis-pensem esforços tão significativos para realizar o catching up na micro e nanoeletrônica. Tais países se somam aos entrantes de outras épocas nessa indústria – Japão, Coreia, Cingapura, Malásia etc. Quando se trata de tecno-logia, o “bonde da história” passa diversas vezes para os que se posicionam de maneira a aproveitar as rupturas tecnológicas e de modelos de negócios que se abrem de tempos em tempos.

Além dos evidentes impactos na balança comercial, a questão estratégi-ca da produção e domínio tecnológico da microeletrônica abrange diversos pontos, como:

• Motor de inovação: a eletrônica é cada vez mais ubíqua em toda a so-ciedade, que passa a ter sua “inteligência” dominada pela micro/nanoe -letrônica, e é peça fundamental na resposta a diversos desafi os em áreas críticas como saúde, segurança, energia e logística (chips com biossensores para exames clínicos em tempo real, por exemplo).

• Empregos qualifi cados: oportunidade de geração de empregos qualifi cados em uma indústria altamente intensiva em conhecimento.

• Consumo crescente: a explosão de dispositivos conectados à internet impulsionará consumo de componentes como sensores, rastreadores, transmissores, processadores etc. Segundo Cisco (2015), o número

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347de dispositivos conectados à internet por habitante na Terra deverá saltar de 1,86 (ou dez bilhões) em 2010 para 6,58 (ou cinquenta bilhões) em 2020.

• Tecnologia estratégica: a tecnologia é assim tratada por países de-senvolvidos, em projetos de defesa, telecomunicações ou energia. Estimulada pelo embargo econômico, a Rússia busca desenvolver para 2015 seu próprio processador para uso em computadores do governo, substituindo os atuais Intel e AMD [Russian News Agency (2014)].

• Valor agregado: os circuitos integrados (CIs) respondem por uma parcela cada vez maior de valor do custo de bens e equipamentos em setores como equipamentos médicos, bens de capital, telecomu-nicações, entre outros. Segundo IC Insights (2011), o conteúdo de semicondutores em equipamentos eletrônicos saltou de 6% em 1974 para 26% em 2010, com previsão de essa participação alcançar no mínimo 30% no longo prazo.

Essa última característica é uma das principais causas da perda da agre-gação de valor na indústria eletrônica brasileira. A participação da transfor-mação industrial desse segmento na indústria brasileira caiu de 5,5% em 2003 para 2,5% em 2012, segundo dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Como uma das poucas grandes economias do mundo ainda sem produção local na etapa de difusão em microeletrônica [Gutierrez e Leal (2004)], o Brasil tem registrado déficits comerciais crescentes em semicondutores (Gráfico 1) – subestimado pelo fato de não serem contabilizados os chips embarcados em produtos, partes e peças importados. A tendência para os próximos anos é de agravamento de déficit comercial à medida que se proliferam os dispositivos eletrônicos em novos mercados, como o da Internet das Coisas (IoT – Internet of Things). O esvaziamento da cadeia eletrônica tende ainda a se estender a outros se-tores em que o país tem participação relevante na indústria mundial, como de bens de capital, automotivo, equipamentos médicos etc.

Tal diagnóstico foi vislumbrado há mais de uma década, quando o então Ministério da Ciê ncia e Tecnologia lançou em 2002 o Plano Nacional de Microeletrônica (PNM) [Programa (2002)], e o BNDES contratou o estu-do da consultoria AT Kearney1 para mapear as alternativas para uma nova entrada do país no setor, após descontinuados os incentivos do período

1 Os resultados desse estudo foram sinteticamente apresentados pelo BNDES em Gutierrez e Leal (2004).

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348 pré-abertura comercial da década de 1990. Os resultados desses estudos apontaram para a importância do ecossistema integral da microeletrônica, com vistas ao fortalecimento do Complexo Eletrônico local e/ou a redu-ção do impacto na balança comercial. Para tanto, seria necessário corrigir lacunas estruturais e oferecer um pacote de incentivo à altura de práticas internacionais para atração de investimentos, com incentivos tributários, financeiros, regulatórios, de infraestrutura, apoio à inovação, formação de recursos humanos, desenvolvimento de mercado, entre outros.

Gráfico 1 | Déficit comercial em semicondutores (em US$ milhões)

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Fonte: Elaboração própria, com base em PIA-IBGE.

Desde então, três políticas industriais puseram o setor entre os focos prio-ritários do país – Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce), de 2003; Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), de 2008; e Plano Brasil Maior (PBM), de 2011 –, tendo como opção estratégica o desenvolvimento do ecossistema baseado em inovações a partir de tecno-logias maduras de microeletrônica que não concorressem frontalmente com os grandes players e fossem sinérgicas com o tecido da indústria eletrôni-ca local. Como resultado, diferentes “embriões” desse ecossistema foram constituídos, para os quais a presente publicação busca lançar um olhar perspectivo com base nas oportunidades de mercado apresentadas.

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349Entre outras oportunidades, talvez a mais marcante resida no fato de que o desenvolvimento da indústria está deixando de ser tão fortemente pautado pela Lei de Moore2 ou, em outras palavras, pela busca da miniaturização com ganhos em performance e redução de custo dos chips, via aumento de escala de produção de circuitos. São exemplos de espaços disponíveis para novos entrantes e para os “embriões“ brasileiros: a agregação de diversas funcionalidades em um único chip, em um único circuito integrado; a di-versidade de aplicações eletrônicas demandadas pela Internet das Coisas; a adição de outras camadas de conhecimento, como microfluídica, fotônica, eletrônica orgânica, entre outras.

O artigo em tela propõe-se a fazer uma avaliação técnica e crítica dos avanços, barreiras e desafios da política industrial brasileira para semicon-dutores. Tendo como autores integrantes do BNDES, do MCTI e do MDIC, que trabalharam com outros representantes e instituições na formulação e execução da política de desenvolvimento de semicondutores no país, o texto pretende ser um insumo não exaustivo para o aperfeiçoamento de tal política pela nova gestão do Poder Executivo.

Para tanto, além da revisão bibliográfica e estudos de consultorias es-pecializadas, os autores basearam suas conclusões em entrevistas com re-presentantes locais do setor de semicondutores (fabricantes e projetistas), compradores, universidades e centro de pesquisa, bem como especialistas e consultores brasileiros e estrangeiros.

Cadeia de semicondutores3

Mercado

O mercado global de semicondutores é estimado em US$ 350 bilhões (Gráfico 2), ou cerca de 25% da indústria eletrônica [IC Insights (2014)]. Historicamente, as taxas de crescimento da indústria têm sido superiores ao crescimento global, demonstrando relevância cada vez maior do segmento na economia.

2 Ao observar a evolução da integração de transistores, Gordon Moore defi niu em 1965 uma lei que se tornou uma profecia autorrealizável, afi rmando que o número de transistores por área dobraria a cada 24 meses, ditando o ritmo do processo de miniaturização até os dias de hoje (2014). Os nós tecnológicos evoluíram da escala de micras em (década de 1990) para micrômetros (1980), e o atual paradigma tecno-lógico produtivo é de 10 nm, ou 0,01% de um fi o de cabelo (para comparação, um vírus mede 100 nm).3 Apesar das diferenças, os termos semicondutores (referenciando a característica de um material), micro(nano)eletrônica (dimensão dos dispositivos eletrônicos) e circuitos integrados (CIs, um tipo de dispositivo semicondutor) são comumente tratados como sinônimos e assim o serão neste texto.

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350 Gráfico 2 | Mercado global de semicondutores

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CAGR

1992-2002 9,0%

2002-2012 7,6%

2007-2012 2,6%

2012-2017F 5,9%

Fonte: IC Insights e Stamford (2015).

As previsões da IC Insights para 2018 (Gráfico 3) apresentam, como destaques, a maturidade do segmento de informática (PCs e servidores), o ainda crescente mercado de mobilidade (tablets e celulares), o expressivo crescimento do segmento automotivo e a nascente e promissora área de IoT.

Gráfico 3 | Mercado de semicondutores por segmentos (em US$ bilhões)

Set-top box

US$ 5,5

Informática US$ 73,1

TV digital

US$ 14,1

Celulares US$ 70,7

Automotivo US$ 21,7

Medicina US$ 4,5 bilhões

Redes sem fio US$ 9,4

IoT US$ 3,3

Tablets US$ 17,6

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CAGR esperado (2013-2018)

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Fonte: IC Insights (2013).

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351A relevância da microeletrônica de acordo com cada segmento varia desde 4% dos equipamentos eletrônicos em uso militar até mais de 30% em com-putação, em que CIs como microprocessadores, memória e outros são parte fundamental da performa nce e do custo final do equipamento (Gráfico 4).

Gráfico 4 | Participação dos semicondutores nas receitas de equipamentos eletrônicos por mercado final

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% de semicondutores nas receitas de equipamentos Média geral

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Fontes: Garter e BofA Merrill Lynch.

Os CIs são o principal segmento dos componentes semicondutores – incluindo circuitos analógicos, microprocessadores, memórias e dispositivos lógicos – e representam mais de 81% das receitas (Figura 1). Esse grupo é li-derado por poucas grandes empresas, como Intel, Samsung e Qualcomm. Para maior entendimento dos aspectos tecnológicos de semicondutores, sugere-se a leitura de Gutierrez e Mendes (2009).

Excluindo-se os segmentos em que há intensa concorrência com grandes players – como microcircuitos integrados – microprocessadores, microcontro-ladores e Digital Signal Processor (DSP) –, memórias e Field Programmable Gate Arrav (FPGA), que correspondem a cerca de 47% do mercado total –, há um universo considerável de componentes menos sofisticados ou mais customizados do ponto de vista de aplicação, que correspondem a um mer-cado superior a US$ 180 bilhões. São os dispositivos de sinais analógicos de aplicação específica, os componentes discretos, os optoeletrônicos e os sen-sores, destacando-se players como Texas Instruments, Analog Devices, ON Semiconductor, Infineon, STMicroelectronics e Bosch.

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352 Figura 1 | Distribuição de receitas por tipo de componente da indústria global

2012 – Indústria de semicondutoresUS$ 293 bilhões

Circuitos Integrados (CI)81%

US$ 238 bilhões

Discretos/outros19%

US$ 55 bilhões

Discretos: 7%, US$ 19 bilhõesÓpticos: 10%, US$ 28 bilhõesSensores: 3%, US$ 8 bilhões

Infineon: 10%NXP: 7%

Toshiba: 6%Renesas: 6%

Analógico13%

US$ 39 bilhões

Propósito geral5%

US$ 15 bilhões

TI 26%ADI 12%

Maxim 10%Linear 6%

Analógico de propósito específico

6%US$ 24 bilhões

Qualcomm 13%STM 8%

TI 7%Skyworks 6%

Micro CI21%

US$ 60 bilhões

Microprocessadores14%

US$ 41 bilhões

Intel 87%AMD 7%

Freescale 2%IBM 2%

Microcontroladores 5%

US$ 15 bilhões

Renesas 28%Freescale 9%Infineon 7%

STM 6%

Processador Digitalde Sinais (DSP)

1%US$ 4 bilhões

Memória20%

US$ 57 bilhões

DRAM9%

US$ 26 bilhões

Samsung 42%Hynix 23%Elpida 14%Micron 12%

NAND9%

US$ 25 bilhões

Samsung 37%Toshiba 29%Micron 15%Hynix 11%

TI 70%ADI 7%

Freescale 6%Toshiba 6%

Lógica28%

US$ 82 bilhões

Lógica de propósitoespecífico

(SoC)22%

US$ 64 bilhões

Qualcomm 16%Intel 11%

Samsung 11%Broadcom 10%

Lógica padrão6%

US$ 18 bilhões

Xilinx 18%Altera 15%

Samsung 9%Novatek 9%

Fonte: BofA Merrill Lynch (2013).

Os componentes analógicos e discretos são parte importante de uma série de “micromercados” promissores, como classificado pela McKinsey (2013). Na área médica, por exemplo, há oportunidades em explorar o uso de semicondutores em equipamentos de medição, tecnologias de engenharia genética, imagem, monitoramento, equipamentos portáteis, equipamentos cirúrgicos etc. Nos automóveis, emprega-se uma média de US$ 350 em com-ponentes semicondutores por carro, e os componentes analógicos, sensores e discretos representam 70% desse valor.

Modelos de negócios

A Figura 2 apresenta o ciclo de desenvolvimento e produção de um se-micondutor, desde seu projeto até o encapsulamento e teste.

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353Figura 2 | Ciclo de produto de um circuito integrado

Fonte: Elaboração própria, com base em Consórcio AT Kearney.

Quando as primeiras empresas que desenvolviam microeletrônica na década de 1960 surgiram nos Estados Unidos da América (EUA) para atender à demanda de aplicações militares e aeroespaciais, todas as etapas eram realizadas em um modelo vertical denominado Integrated Device Manufacturer (IDM). Até então, os CIs desenvolvidos e fabricados eram geralmente consumidos pela própria empresa. Após a década de 1970, pro-dutos eletrônicos, equipamentos industriais e os primeiros computadores de grande porte também começaram a exigir circuitos integrados [Brown e Linden (2009)]. A década seguinte seria marcada pelo início da era dos computadores pessoais, levando a indústria a crescer em média 16% por ano.

Os crescentes investimentos para fabricação e custos de projeto impli-caram diversificação geográfica em busca de menores custos de mão de obra e, principalmente, incentivos de governos interessados em estimular o desenvolvimento local da indústria. A fragmentação dessa cadeia foi inicia-da pela migração da etapa de encapsulamento e testes [Assembly & Test Services (ATS)] e, posteriormente, de design (formação de centros cativos) dos chips para a Ásia4 em modelo verticalizado.

4 Em 2006, 43,5% da etapa de encapsulamento e testes estava terceirizada.

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354 O aprofundamento desse processo ocorreu com o surgimento de empre-sas especializadas nas etapas de produção e design nos modelos conhecidos como foundry e fabless. As foundries são a etapa de maior valor agregado da cadeia de semicondutores, pois geram mais empregos, apresentam maior volume de faturamento, oferecem maiores margens operacionais e, via de regra, atraem as demais etapas de produção.

As empresas de projetos, quando proprietárias do CI e controladoras do ciclo de desenvolvimento e comercialização, passaram a ser denominadas fabless; as que se posicionaram prestando serviços de design em um elo anterior na cadeia passaram a ser denominadas design houses (DHs). Para expandir a carteira nesse novo cenário, as foundries (fábricas) passaram a comercializar blocos de propriedade intelectual (IPs, ou partes de chips) para que os clientes reaproveitassem em seus projetos, dando início ao modelo Semiconductor Intellectual Property (SIP). A participação das vendas de CIs por fabless saltou de 7% em 1999 para 23% em 2010 [IC Insights (2011)].

Na década de 1990, a demanda por equipamentos eletrônicos passou das grandes empresas para consumidores de menor porte e mais sensíveis a pre-ços – computadores pessoais, videogames etc. –, comprimindo as margens do setor. No fim dessa década, constatou-se que os ganhos de produtivida-de na área de fabricação não foram acompanhados pela área de projetos de CI. Para aumentar a produtividade e reduzir custos de mão de obra, o setor respondeu com o uso intensivo de ferramentas de software para auxílio ao projeto – Eletronic Design Automation (EDA) –, o emprego em grande es-cala de reuso de blocos em múltiplos projetos e o aumento de equipes de projetos em países como exemplo a Índia, Brasil (Freescale) e China, que passaram a receber centros cativos de desenvolvimento de CIs [Brown e Linden (2009)].

Em face de ciclos de desenvolvimento de projetos cada vez menores, as empresas fornecedoras das ferramentas de projeto Electronic Design Automation (EDA) desde a década de 1970 passaram a ter protagonismo com o fornecimento dos blocos de projeto de hardware e o modelo de sis-temas para testes que podem ser reusados, tornando-se os principais vende-dores de Propriedade Intelectual (IP) no mercado – entre os quais, Cadence, Mentor e Synopsys. Por outro lado, empresas fornecedoras de IP, como a ARM, também passaram a vender sofisticadas ferramentas de testes.

Nos anos 2000, a demanda crescente pela miniaturização para atender aos requisitos de mercado impulsionou os fabricantes – em especial a Intel –

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355a investirem intensamente em aumento da capacidade.5 Um conjunto de fabricantes tradicionais de alta escala – como Renesas, Freescale e NXP – não conseguiu acompanhar o ritmo dos investimentos e passou a adotar um modelo fablite – operando como fabless para CIs de menor geometria.6 Poucos ainda operam com IDMs, aqueles que têm capacidade de produção.

As foundries e IDMs que conseguiram seguir o ritmo de investimentos em tecnologia de ponta (leading edge) – como Intel, TSMC, Samsung –

seguem construindo megafoundries, com investimentos que podem superar US$ 10 bilhões. Atuam fundamentalmente nos mercados de processadores e memórias (larga escala) e estão localizadas principalmente em países com ecossistema consolidado – ex.: Taiwan, EUA e Coreia do Sul. As foundries e IDMs de médio porte que não conseguiram acompanhar o ritmo de inves-timentos focaram em nichos de mercado – ex.: componentes automotivos, sensores, transceptores de radiofrequência e sistemas microeletromecâni-cos (MEMs) –, adensando camadas tecnológicas a seus processos. Há ainda foundries de pequeno porte, focadas na prototipação de produtos inovadores, tipicamente construídas em centros de pesquisa para o desenvolvimento de produtos e processos inovadores [Programa (2002)].

A esse conjunto de modelos de negócios presentes na cadeia, junta-se uma miríade de fornecedores de insumos químicos e de equipamentos, que tende a seguir o mesmo movimento de consolidação (fusões e aquisições) crescente na indústria.

Políticas públicas para semicondutores

A importância histórica do papel dos governos

É possível dizer que todos os países que desenvolveram o setor o fize-ram com apoio significativo do governo, desde as primeiras encomendas para aplicações nas áreas de defesa e aeroespacial na década de 1960 pelo governo nos EUA.

5 Como exemplo, o custo de desenvolvimento do processo produtivo da geração 45 nm saltou de US$ 1,5 bilhão para US$ 2,4 bilhões por empresa [Goldman Sachs apud Brown e Linden (2009)].6 Geometria (ou nó tecnológico) é defi nida pela organização International Technology Roadmap for Semiconductors (ITRS) em função do tamanho de construção de um transistor (que é o menor compo-nente eletrônico que compõe os circuitos eletrônicos como memórias e processadores). Quanto menor a geometria, menor é o componente construído e maior é desempenho por área de silício.

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356 Com políticas agressivas de desenvolvimento da cadeia desde a década de 1960, que incluíam obrigação de transferência de tecnologia para explo-rar o crescente mercado local, proteção tarifária, subsídios à implantação de novas fábricas e investimento em tecnologia e apoio a grandes grupos verticalizados, após iniciar atividades de back-end, o Japão passou a do-minar a etapa de difusão [Brown e Linden (2009)]. A participação na pro-dução mundial de memórias do Japão subiu de 24% para 65% ao longo da década. Foi também significativo o crescimento das indústrias japonesas fornecedoras de equipamentos e insumos para a indústria.

Os passos japoneses foram seguidos pela Coreia do Sul, mesmo com mercado interno menor, com a entrada dos grandes grupos (Samsung e Hyundai, por exemplo) no ramo de semicondutores, também focada em memórias, em meados da década de 1970. A persistência do governo foi decisiva para o desenvolvimento do ecossistema, uma vez que, até 1987, a indústria tinha investido mais de cinco vezes o faturamento acumulado [Morris (1990)].

Com a fragmentação da cadeia produtiva nos modelos fabless e foundry, outros países da Ásia entraram no setor. O governo de Taiwan observou a necessidade mundial por trinta novas fábricas de semicondutores que se-riam construídas até 2010. Por meio de suporte do governo via sistema fi-nanceiro, a TSMC, hoje maior foundry independente do mundo,7 foi criada em 1985, em investimento do governo de Taiwan com a Philips [Brown e Linden (2009); Mazurek (2003)].

Assim como Taiwan, o governo de Cingapura – originalmente realizando o back-end para firmas japonesas e americanas – apoiou, juntamente com empresas taiwanesas, a construção da Chartered, adquirida posteriormente pela GlobalFoundries, em 1987, sendo até 2010 a terceira maior foundry mundial. A estratégia de entrada tardia desses países foi feita com progra-mas de investimento agressivos de capital para aquisição e difusão de tec-nologia [Wessner (2003)].

Como maior consumidor de CIs, com mais da metade da demanda mundial (US$ 161 bilhões em 2014) e etapas de design e encapsulamento relativamente bem desenvolvidas, a China vem tentando, desde 1995, de-senvolver suas capacidades em difusão. Foram lançados diversos projetos

7 Em 2014, faturou cerca de US$ 20 bilhões. Fonte: <http://www.tsmc.com/english/aboutTSMC/ index.htm>.

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357nacionais com metas para fabricação para wafers de seis, oito e 12 polegadas. O presidente da XMC, uma das maiores empresas chinesas, entende que a ausência de vantagens específicas (o custo de mão de obra representa cerca de 10% dos custos de uma fábrica) e o processo decisório do governo (lento e avesso ao risco) são os principais fatores de fracasso chinês até o momen-to – apenas 9% dos CIs foram fornecidos por empresas de origem chinesa.

A lista de países novos entrantes e dos já atuantes que redobraram a apos-ta no setor é longa. Em 2009, o governo de Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos) fundou a Global Foundries, parceria com a fabricante america-na de processadores AMD, usando recursos do fundo público Mubadala Development Company PJSC.8 Apoiando a mesma iniciativa, o governo de Nova York ofereceu US$ 1,5 bilhão em grants e incentivos fiscais para o estabelecimento da fábrica local.

Por meio do fundo público Rusnano constituído em 2007 com capital inicial de US$ 5 bilhões9 dedicado à nanotecnologia, a Rússia apoiou com US$ 300 milhões a formação da Crocus Nano Electronics LLC., em 2011, oriunda da start-up americana com tecnologia para memórias e sensores, a Crocus Technology S.A. Em 2013, a Europa lançou programa estratégico EU 10/100/20, com a meta de produzir 20% do mercado global de semi-condutores até 2020, planejando € 10 bilhões de financiamento público/privado e outros € 100 bilhões da indústria.

A Índia anunciou, em 2014, investimento de US$ 10 bilhões para duas novas fábricas de semicondutores em parceria com IBM, TowerJazz e STMicroelectronics, apoiadas pelo governo com financiamentos sem ju-ros10 para aquisição de equipamentos e redução de impostos. O governo de Israel aprovou, também em 2014, doações de US$ 300 milhões para nova fábrica da Intel cujo investimento total será de US$ 6 bilhões.11

Com esse pano de fundo, as próximas seções deste capítulo analisam o histórico do Brasil e suas políticas de fomento.

8 O Sheikh Mohamed Bin Zayed Al Nahyan (príncipe de Abu Dhabi e comandante das Forças Armadas) é o Chairman do Board de Diretores do Mubadala cujo portfólio de investimentos está avaliado em US$ 60,8 bilhões. Disponível em: <mubadala.com >. Acesso em: 2 fev. 2015.9 Rusnano Capital foi estabelecido em 2010. Fonte: <rncapital.ch/index.php/about-us.html>.10 Fonte: <http://www.reuters.com/article/2014/02/14/india-semiconductor-idUSL3N0L-J3GO20140214>.11 Governo de Israel, disponível em: <mfa.gov.il/MFA/InnovativeIsrael/DoingBusiness/Pages/Intel-to-upgrade-its-Kiryat-Gat-plant-22-sep-2014.aspx>, acessado em 3 fev. 2015.

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358 Histórico do setor no Brasil

A primeira fábrica de microeletrônica no Brasil data de 1975, uma uni-dade de montagem e testes de circuitos integrados da Philco. No entanto, somente nos anos 1980 o setor ganhou força, com técnicos do então Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Telebras (CPqD), cuja sigla foi mantida, enviados para os EUA para treinamento e desenvolvimento dos primeiros circuitos integrados projetados pelo Brasil – como processadores para te-lex, repetidores Pulse Code Modulation (PCM) e de comutação. Na mesma época, a Secretaria Especial de Informática (SEI) selecionou três empresas brasileiras que iniciariam suas atividades em back-end e deveriam aden-sar progressivamente a cadeia para desenvolver a etapa de difusão: Elebra, Itautec e SID [BNDES (1995)]. A essas, juntavam-se multinacionais12 mais concentradas nas etapas de encapsulamento, totalizando mais de vinte em-presas atuantes no setor. O Brasil chegou a exportar autorrádios com chips projetados e fabricados no país [Programa (2002)].

A partir do início da década de 1990, com a abertura comercial abrupta, a incipiente indústria de semicondutores perdeu competitividade por razões relacionadas a fatores como defasagem tecnológica, reorganização produtiva mundial, questões políticas, econômicas e financeiras, e também gerenciais. Iniciou-se um processo rápido de esvaziamento desse elo crítico da cadeia produtiva. O fechamento, em meados dos anos 1990, da única fábrica de difusão no país, a SID, poderia ser considerado o término simbólico des-se período. Outrossim, a Lei de Informática (Lei 8.248/91) concentrou os estímulos econômicos na etapa final de montagem, estipulando processos produtivos básicos (PPB) que, de forma geral, restringiam-se à montagem de componentes e kits importados, com toda microeletrônica já embarcada no exterior [Gutierrez e Leal (2004)].

Como reflexo, a produção local de semicondutores recuou de US$ 200 mi-lhões em 1989 para US$ 54 milhões em 2008 [Abinee apud Programa (2002)], a cadeia de suprimentos local encolheu, houve fuga de técnicos e o gap tecnológico do país para o restante do mundo ampliou-se considera-velmente. A perda da cadeia de microeletrônica é um dos principais fatores que explicam a ampliação no déficit da cadeia produtiva de eletrônicos de US$ 0,9 bilhão em 1992 para US$ 22 bilhões em 2014 – cumprindo ressaltar

12 Entre as quais, Texas Instruments, IBM, NEC e Fairchild.

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359que esse déficit é subestimado, uma vez que diversos bens, equipamentos e partes e peças são importados com CIs embarcados. O Gráfico 5 apresenta a evolução do faturamento e da balança comercial da indústria eletrônica (em dólares), bem como: (i) indicadores que demonstram como essa in-dústria se tornou uma importante montadora, com decrescente penetração de produtos acabados (concentrando a importação em partes, peças e com-ponentes); (ii) peso crescente da microeletrônica nas importações totais do setor e; (iii) queda vertiginosa da competitividade internacional (relação exportação-importação).

Gráfico 5a | Balança comercial da cadeia eletrônica

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8

2010

2012

2014

Importações totais Exportações totais

Faturamento da indústria eletrônica

US

$ m

ilh

õe

s

Gráfico 5b | Indicadores da balança comercial (média do triênio)

46%

16%

0,34 32%

21%

0,08

Importação de

produtos finais/

importações totais

Importações de

microeletrônica/

importações totais

Exportações totais/

importações totais

1992-1995 2012-2014

Fonte: Elaboração própr ia, com base em Abinee e Secex.

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360 O Plano Nacional de Microeletrônica e o estudo BNDES13

Com os objetivos de explorar as janelas de oportunidade abertas com a crescente fragmentação da indústria, promover o desenvolvimento de ca-pital humano, o processo de inovação tecnológica e o (re)adensamento da cadeia produtiva brasileira e ampliar o atendimento ao mercado interno e promover exportações, em 2002 o então MCT formulou o Plano Nacional de Microeletrônica (PNM) com três subprogramas, cujos objetivos são apresentados no Quadro 1 [Programa (2002)].

Quadro 1 | Objetivos estratégicos do Plano Nacional de Microeletrônica (2002)

Subprograma Objetivos estratégicos

Projetos de CIs • Atração de atividade de projeto de CIs para o país

• Formação de empresas locais de projetos de CIs

• Capacitação de recursos humanos

• Estímulo à engenharia de produto de bens eletrônicos

• Criação de centros tecnológicos de i novação em CIs

Fabricação (front-end)

• Implantação de foundry de prototipagem – Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec) – para capacitação industrial e tecnológica na área de microfabricação

• Atração de uma foundry de média ou larga escala

Encapsulamento e teste (back-end)

• Estímulo ao uso de componentes montados no país

• Acompanhamento do progresso tecnológico no segmento

• Preparação para a implantação de um processo de fabricação completo a partir da atração de novas fábricas de back-end

Fonte: PNM (2002).

Em paralelo, e de maneira complementar e orquestrada, o Fórum de Competitividade do Complexo Eletrônico14 indicou a necessidade de um estudo para atração de fabricantes de CIs, que viria a ser licitado e coorde-nado pelo BNDES e o MDIC e executado pelas consultorias internacionais AT Kearney e IDC e o escritório Azevedo Sette.

Partiu-se do diagnóstico de que o elo da fabricação: (i) estava presen-te em todos os países que tinham um complexo eletrônico desenvolvido; (ii) era vetor de atração dos demais elos do ecossistema; e (iii) responsável

13 Apoio à atração de investimentos para a produção de circuitos integrados no Brasil.14 Iniciativa capitaneada pelo MDIC, com participação de entes do governo, indústria e classe trabalhadora.

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361pela maior parcela de faturamento, empregos, margens operacionais e agre-gação de valor na cadeia de semicondutores. O estudo do BNDES Apoio à

atração de investimentos para a produção de circuitos integrados no Brasil analisou diferentes alternativas de atração de investimentos fabris, agrupan-do nove,15 que foram organizadas em duas macroalternativas estratégicas [Gutierrez e Leal (2004)]:

1) Megafábricas de IDMs de microprocessadores ou foundries líderes especializadas independentes com plantas de alta escala na fronteira tecnológica (ex.: processadores, memórias DRAM), foco em merca-dos de massa (informática, telecomunicações), investimentos na casa dos bilhões de dólares e tendo como principal benefício o impacto expressivo na balança comercial dado o elevado nível esperado de exportações.

2) Fábricas de médio porte (MCU, ASICs/SoC, MEMs, foundries

especializadas) focadas em nichos, com menores impactos na ex-portação e na balança comercial. A principal virtude desta alternativa reside no potencial de agregação de valor ao complexo eletrônico local, em segmentos nos quais o Brasil já tem produção (automotivo, equipamentos médicos, entre outros) e nos quais os ganhos com CIs inovadores compensam a escala relativamente reduzida em relação à primeira opção.

Ainda como conclusão do estudo, a priorização do fomento para atrair empresas de uma ou outra alternativa deveria ser feita, tendo em vista que, para criar o ecossistema, seria necessário ter mais de uma fábrica e serem preenchidos os demais elos da cadeia – concepção, projeto de CI, back-end.

A estratégia brasileira para microeletrônica

A equipe envolvida no estudo, com a assessoria da consultoria e de espe-cialistas brasileiros do mundo acadêmico e empresarial, indicou como prio-ridade estratégica o segmento de componentes com fábricas de médio porte para aplicação específica (ASICs/SoCs), com maior potencial de irradiação no tecido industrial brasileiro [Salerno e Daher (2006)]. Estava en-tão definido o norte estratégico da política brasileira para a microeletrônica.

15 (1) Fabricante-líder de memórias DRAM; (2) fabricante do segundo pelotão de memórias DRAM; (3) fabricante de microprocessadores (MPU); (4) fabricante de memórias fl ash; (5) fabricante de microcontroladores (MCU) e circuitos customizados (ASIC e SOC); (6) fundição especializada líder; (7) fundição especializada de médio porte; (8) fabricante de analógicos SLIC; e (9) fabricante de MEMs.

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362 Tanto o estudo quanto o PNM foram elaborados em época de globali-zação avançada e acordos comerciais internacionais baseados em regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Por um lado, não era mais possível dispor dos instrumentos de política industrial utilizados por outros países; por outro lado, a observação da experiência internacional indicou que estímulos ofertados para a atração das empresas do setor eram bastan-te assertivos. Como conclusão, ambos abordaram um conjunto de fatores críticos ao investimento, instrumentos e ações que o Brasil deveria seguir, no curto prazo, para atrair investimentos e desenvolver seu ecossistema de microeletrônica. Tais fatores foram estabelecidos respeitando a competi-tividade dos elos a jusante na cadeia do complexo eletrônico instalada no país e entendendo que o equacionamento do déficit comercial não se daria no curto prazo, mas sim como fruto de uma política de Estado resiliente e, fundamentalmente, bem articulada.

A Figura 3 sintetiza os fatores críticos aos investimentos apontados pelos estudos, indicando o norte das ações a serem desenvolvidas nas políticas industriais que se seguiriam.

Figura 3 | Síntese dos fatores críticos aos investimentos do PNM (2002) e estudo BNDES (2003)

Fonte: Elaboração própria, com base em PNM.

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363Políticas industriais recentes (Pitce, PDP e PBM)

Compreendendo a importância do setor para a indústria brasileira, o go-verno federal o alçou à condição de estratégico quando do lançamento da Pitce (2003-2007), ao lado de outros três setores formadores de vantagens comparativas dinâmicas – bens de capital, software e fármacos [Salerno e Daher (2006)]. Tal distinção proporcionou avanços relevantes na constru-ção do ambiente para investimentos, tendo, entre as medidas realizadas, o apoio financeiro ao Ceitec e ao programa CI Brasil (suporte inicial a cinco DHs), a formulação do arcabouço legal específico do setor – Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Indústria de Semicondutores (Padis)16 – e a operação da primeira fábrica de encapsulamento de memória no país, após a abertura econômica da década de 1990 (Figura 4).

Figura 4 | Evolução das políticas e respostas de mercado

Fonte: Elaboração própria.

Após 2007, as políticas industriais subsequentes PDP (2008-20 11) e PBM (2012-2014) mantiveram o status de prioridade, mas incorporam um con junto amplo de outros setores industriais, retirando o destaque e a força política que o setor teve durante a Pitce.

16 Lei 11.484/2007.

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364 As respostas do mercado, ou doravante denominadas “embriões” do ecossistema brasileiro, serão tema da seção “Os ‘embriões’ do ecossistema brasileiro”.

Os “embriões” do ecossistema brasileiro

Segundo Neves (2014), o Brasil realizou opções estratégicas e está em pleno curso de implantação do ecossistema de sem icondutores brasileiro, os “embriões” produtivos. Dados da Associação Brasileira da Indústria de Semicondutores (Abisemi), criada em 2014, indicam que o setor de se-micondutores já fatura mais de R$ 1 bilhão por ano e gera mais de 1.500 empregos qualificados no país. Os investimentos em infraestrutura fabril foram aproximadamente de US$ 1 bilhão e de mais de US$ 100 milhões em atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D).

Fabricação

Da visão inicial de seus idealizadores, Wolfgang Sauer e o governo de Minas Gerais, ao início da construção da fábrica da hoje Unitec Brasil em Ribeirão das Neves (MG) transcorreram quase duas décadas. A longa cos-tura para desenhar a estratégia, buscar investidores e estruturar o projeto culminou em um arranjo que envolveu a BNDESPAR, o EBX (substituído em 2014 pelo grupo argentino Corporación América), a construtora Matec e a IBM, além do financiamento de BNDES, Finep – Inovação e Pesquisa e Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG).

Em linha com os resultados dos estudos, os investidores optaram pelo investimento em uma fábrica de médio porte (cerca de 340 wafers por dia), com tecnologia de processos madura (90 nm e 130 nm, wafers de 200 mm, mixed signal) em aplicações crescentes, como a da IoT, e inovadoras, como em microfluídica, atendendo ao mercado de ciências da vida, como os lab-on-chip e exames clínicos. O modelo de negócios da Unitec tende a concorrer com empresas como Analog Devices, NXP, Texas Instruments e ST Microelectronics.

A semente para a criação, em 2008, da empresa Ceitec na cidade de Porto Alegre (RS) foi a assinatura de um protocolo de intenções, no ano 2000, entre os governos municipal, estadual e federal, instituições de ensino su-perior – Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Pontifícia

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365Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) – com corpo do-cente previamente capacitado no exterior e empresas privadas, incluindo a Motorola, doadora dos principais equipamentos de difusão na geometria de 600 nm em wafers de 100 mm. Em 2005, iniciaram-se algumas atividades de projeto de CIs, no contexto de uma associação civil sem fins lucrativos, ainda realizadas nos parques tecnológicos da UFRGS e da PUC-RS, e a construção de um prédio para abrigar as atividades de pesquisa e manufa-tura em terreno doado pela prefeitura.

Somente em 2008, criou-se a empresa estatal Ceitec como herdeira na-tural dessas iniciativas, mas revendo a estratégia inicial de essencialmente centrada na fábrica de prototipagem para incluir um portfólio de produtos de mercado concentrado em soluções de Radio Frequency Identification (RFID) entre 600 nm e 180 nm – entre os quais chips para rastreamento bovino, de sangue (Hemobras), veicular (SINIAV), registro civil (passaporte e identida-de), além de produtos para CIs ASICs para telecomunicações (chip Wimax e modulador da TV Digital) e automação industrial. A empresa conta com cerca de setenta projetistas especializados em tecnologia digital, analógica e mista e adota um modelo Fab-Lite, prevendo a produção de alguns dos chips por ela projetados e outros fabricados por terceiros. Inicialmente, a empresa está focada nos mercados do Brasil e da América Latina.

A BrPhotonics surgiu de uma joint venture entre o CPqD e a americana GigOptix – empresa com faturamento de US$ 29 milhões em 2013, focada no desenvolvimento de componentes fotônicos e circuitos analógicos de alta velocidade. Entendendo ser crítico o domínio da microeletrônica para a com-petência central do CPqD (comunicação óptica em altas taxas de transmissão) e credenciado por suas pesquisas e conhecimento reconhecido mundialmen-te na área, a fundação decidiu retomar suas atividades em microe letrônica, montou uma equipe de cerca de quarenta funcionários e iniciou o desen-volvimento de CIs de menor geometria (maior complexidade) no cenário brasileiro – chips para processamento de sinais digitais (DSP) em 28 nm e para transporte em redes ópticas – Optical Transport Network (OTN) – em 40 nm, além de chips fotônicos (ainda nascentes no mundo inteiro). A em-presa desenvolve e comercializa os CIs eletrônicos, fotônicos e híbridos. A BrPhotonics está implantando uma fábrica de chips fotônicos com foco em comunicações de altíssimas taxas de transmissão.

Esses embriões desempenham papéis fundamentais no ecossistema, lis-tados no Quadro 2.

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366 Quadro 2 | Potencial de agregação de valor ao ecossistema das fábricas

• Protagonismo em novas tecnologias: Com “embriões” atuando na fronteira tecnológica em suas áreas, tanto a Unitec, em microfl uídica, quanto a BrPhotonics, em fotônica, podem alcançar protagonismo mundial e se tornarem empresas nacionais exportadoras de produtos de alta tecnologia.

• Fabricação para empresas de projeto de CI: com tecnologias de fabricação que permitem o compartilhamento do wafer por vários projetos, a Unitec poderá estimular o desenvolvimento de CIs e prestar serviços de design e fabricação para empresas locais já instaladas no Brasil (Ceitec, HT Micron, Smart Modular e as DHs).

• “Cartão de visitas”: unidades fabris são importantes para caracterizar que o país está de fato estrategicamente comprometido com o setor.

• Custo do pioneirismo: Ceitec e Unitec estão enfrentando todas as difi culdades de desenvolvimento inicial da cadeia de suprimentos, aperfeiçoamento do arcabouço legal, sensibilização de órgãos fi scalizadores, formação de mão de obra, repatriação de talentos, criação de uma reputação positiva, que gerarão benefícios para os demais investimentos produtivos.

• Know-how e mão de obra: o Ceitec foi um dos primeiros formadores de mão de obra para o ecossistema e de conhecimento sobre os problemas da micro-nanofabricação (manuseio de gases especiais, logística etc.). Uma das DHs privadas mais promissoras, a Chipus, foi fundada por um ex-colaborador do Ceitec.

• Mobilização da academia e sociedade: o Ceitec ajudou a pavimentar o caminho para operações da HT Micron com universidades, órgãos de fi scalização, federação das indústrias etc.

Fonte: Elaboração própria.

Encapsulamento

Como segmento mais maduro do ecossistema brasileiro, o elo de back-

-end data da década de 1980, com a planta de encapsulamento de chips de memória DRAM d a SID Microeletrônica e da Itaucom17 como últimas re-manescentes do período de reserva. A partir de meados de 2000, estimula-do pelos PPB, o elo de encapsulamento voltou a ter investimentos e, até o fim de 2014, existiam três operações locais de encapsulamento de CIs de memórias beneficiárias do regime Padis: a Smart, HT Micron e Multilaser.

Com a Pitce, a empresa americana de montagem de módulos de memó-ria Smart Modular Technologies, que estabeleceu suas atividades no Brasil no fim de 2002, decidiu iniciar as operações de encapsulamento de circui-tos integrados de memória, construindo sua fábrica de encapsulamento e clean room em 2005, época em que Itaucom deixou o mercado. A unidade

17 Além das fábricas de componentes semicondutores de potência da Aegis e da Semikron.

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367brasileira é a única do grupo a realizar o encapsulamento de componentes semicondutores. Atualmente controlada por Silverlake, um dos maiores fun-dos de private equity de tecnologia do mundo, a empresa conta com cerca de 550 empregados no país e cerca de vinte engenheiros de P&D na Coreia do Sul focados em projetos avançados de memórias. A empresa apresentou um crescimento acelerado na última década, impulsionado pelo considerável aumento da produção local de computadores, laptops e servidores (memórias DRAM). Em 2011, entrou no segmento de tablets, smartphones e celulares, oferecendo ao mercado nacional componentes que reúnem o que há de mais avançado no mundo em tecnologia de circuitos integrados.

O grupo de empresários gaúchos que fundou a montadora de bens ele-trônicos Teikon também identificou a oportunidade de investir na etapa de back-end, por meio de consórcio com a empresa coreana Hana Micron. Em 2009, nascia a HT Micron Semicondutores, situada no campus da Unisinos, que completou o arranjo para apoiar a formação de mão de obra, montar a sala limpa temporária até a conclusão da fábrica e receber os re-cursos de P&D que o novo empreendimento iria gerar. A nova fábrica foi inaugurada pela Presidenta da República em junho de 2014 e já opera com boa capacidade de produção.

Complementando a lista de encapsuladoras de memórias, em um movi-mento de integração, a fabricante de equipamentos de informática Multilaser inaugurou sua unidade de encapsulamento DRAM no fim de 2014, para consumo próprio e abastecimento de mercado.

As operações de encapsulamento de memória trazem os seguintes bene-fícios ao ecossistema no Brasil listados no Quadro 3.

Quadro 3 | Potencial de agregação de valor ao ecossistema das encapsuladoras

• Fortalecimento de Institutos de Ciência e Tecnologia (ICTs) e universidades: em atendimento às exigências do Padis para aplicação de recursos em P&D em semi condutores, a Smart já utilizou serviços de mais de vinte ICTs locais, tendo instalado um centro de testes de memórias no Instituto Eldorado. Ainda em estágio inicial, a Multilaser deverá seguir curso semelhante. A HT Micron utiliza os recursos para reforçar sua relação com a Unisinos, responsável pela formação de RH nas universidades na Coreia do Sul.

• Novo paradigma tecnológico: com as atividades de P&D desenvolvidas pelo centro de pesquisas na Unisinos, pode-se capturar oportunidades em serviços de encapsulamento e testes das próximas gerações tecnológicas, por exemplo, Through Sillicon Via (TSV).

(Continua)

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• Redução do impacto na balança comercial: estima-se que as operações locais de encapsulamento de memórias DRAM (usadas para PCs e notebooks) sejam responsáveis por uma redução média do défi cit comercial em até US$ 100 milhões/ano, ou cerca de 10% do défi cit de memórias DRAM* usadas pelo país.

• Desenvolvimento de know-how em testes: no mundo, o serviço de encapsulamento é feito por terceiros como um serviço; os testes, elo crítico na área de memória, são feitos in-house. Como o PPB orienta que parte dessa atividade seja feita localmente, as encapsuladoras passam a ser empresas de produto, comprando o wafer, encapsulando e vendendo no mercado local. Para tanto, estão desenvolvendo P&D e conhecimento na área de testes.

Fonte: Elaboração própria.* Estimativa baseada em 2014 (Alice/MDIC – apenas de memórias DRAM e wafers).

Para uma rota mais inovadora e de nicho, o BNDES apoiou o desenvolvi-mento de tecnologia de encapsulamento em baixa temperatura em cerâmica (low temperatur e co fired ceramic – LTCC) pelo CSEM Brasil, localizado em Belo Horizonte (MG). Tal encapsulamento tem elevado valor agregado e aplicação em ambientes hostis – alta temperatura, frequência, vibração, impacto etc. – e são biocompatíveis – ex.: inserção de dispositivos em se-res humanos.

Projeto de CI

Em 2006, o CI Brasil semeou e forneceu o apoio inicial para as primei-ras 22 empresas e institutos que desenvolveram projetos de CI, que foram analisadas em recente estudo coordenado pela Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) [ABDI (2014)]. Destas, dez foram classificadas em estágio muito incipiente e não serão comentadas neste documento.18

Quadro 4 | Empresas de projeto de CI no Brasil

Modelo Iniciativas Natureza Número de funcionários

Centros cativos

Freescale (SP)

STI (SP)

Jasper/Cadence (MG)

Multinacional Mais de 150

Até 5

51 a 100*

18 Por outro lado, as iniciativas do CPqD e Jasper foram incluídas na análise, dadas as particularidades comentadas adiante.

(Continuação)

(Continua)

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Modelo Iniciativas Natureza Número de funcionários

Fabless BrPhotonics/CPqD (SP)

SiliconReef (PE)

Ceitec design (RS)

SMDH (RS)

Empresa

Empresa estatal

ICT pública

Até 5

6 a 10

31 a 50

51 a 100

Fabless verticalizada

Eldorado (SP)

LSI-Tec (SP)

Von Braun (SP)

CTI (SP)

Cetene (PE)

ICT privada

ICT pública

51 a 100

31 a 50

21 a 30

21 a 30

11 a 20

SIP Chipus (SC)

Idea! (SP)

Empresa 11 a 20

6 a 10

Fonte: Adaptação BNDES, com base em ABDI (2014). * Estimativa BNDES.

As 14 iniciativas de projeto de CI no Brasil com nível mínimo de ma-turidade são apresentadas no Quadro 4, em quatro modelos de negócios principais. É possível notar que nenhuma iniciativa de puro serviço de design (DH) conseguiu decolar: das dez iniciativas incipientes, seis eram DHs. As empresas e ICTs que ganharam alguma maturidade evoluíram para outros modelos – embora muitas tenham mantido as atividades de serviços de design como forma de manter suas equipes em atividade e complemen-tar o portfólio.

Mais da metade das iniciativas que evoluíram encontra-se em São Paulo (oito em 14), estado que concentra elevado contingente de empresas de base eletrônica, ICTs e universidades.

Centros cativos

Única iniciativa comercial de projetos de CI no país existente previa-mente ao PNM, a Freescale é o maior dos centros cativos em operação no Brasil, com mais de cem engenheiros de projetos, sendo referência para soluções no setor automotivo. Compete por serviços de design com outras filiais, com custos de mão de obra superiores aos da Índia e inferiores aos dos EUA, mas com baixa rotatividade e reconhecida competência. Entre diversos produtos desenvolvidos localmente, dispõe de microcontroladores

(Continuação)

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370 de powertrain premiados internacionalmente, embarcados até nos módu-los de controle de injeção e tração da Fórmula 1 e supercarros, tais como Koenisseg e Corvette. Recentemente, a corporação reviu sua estratégia para tornar a unidade um centro de lucro, passando a ter a responsabilidade de desenvolver negócios localmente, nos segmentos industrial e de eletrôni-ca de consumo, com foco na IoT.

Outro caso interessante é o da Jasper, empresa de EDA recentemente adquirida pela Cadence. Toda a atividade de P&D em ferramentas de tes-tes de verificação é feita em Belo Horizonte, em núcleo montado por pro-fessor brasileiro com larga experiência no Vale do Silício, licenciado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Metade das patentes re-gistradas pela empresa nos EUA teve a participação do grupo brasileiro. Além da Jasper e da Freescale, também está no país pequeno centro cativo da Toshiba (STI Microelectronics), fruto das negociações do padrão de TV digital brasileiro, com foco inicial em explorar o mercado de RFID em con-junto com o Centro de Pesquisas Avançadas Wernher Von Braun.

Fabless

Quatro organizações têm foco em serem fornecedoras fabless no país. Entre as empresas, a equipe de design da estatal Ceitec está focada em chips de identificação por radiofrequência (RFID) e já desenvolveu seis produtos para esse segmento, alcançando, em 2014, a marca de dez milhões de chips comercializados.

A Silicon Reef é uma start-up apoiada pelo fundo de investimentos Criatec, do BNDES, e atua na área de mixed-signal. Seu primeiro produto é um chip para gerenciamento de energia do tipo energy-harvesting, aplica-do a equipamentos de consumo, em sua etapa final de testes de engenharia em potenciais clientes.

Completa a lista das fabless brasileiras a Santa Maria DH (SMDH), ICT vinculada à universidade local. Desenvolveu, em parceria com a empresa Chipus, um chip microcontrolador de 8 bits; o produto tem lotes de enge-nharia, que estão sendo testados pela empresa Exatron, fabricante brasileira de equipamentos na área de automação. A DH projetou ainda, sob enco-menda do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o primeiro CI resistente à radiação, que está operando com êxito no nanossatélite brasi-leiro desde junho de 2013.

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371Fabless verticalizadas

No Brasil, há um conjunto de ICTs com capacitação em engenharia de hardware e sistemas, captando historicamente recursos significativos de P&D da Lei de Informática para desenvolvimento de bens eletrônicos. Alguns deles formaram uma DH a partir do Programa CI Brasil e posicio-nam-se também como ofertantes de soluções de referência em um modelo fabless verticalizada, avançando na atribuição de desenvolvimento de CI para ofertar uma solução de hardware, software embarcado e CI para seus clientes finais. Tal modelo, em especial, é interessante, em virtude do quadro de baixa demanda local de CIs pelas empresas eletrônicas, pouco treinadas para encomendar o desenvolvimento de um CI específico.

Nessa categoria, destacam-se: LSI-Tec – ICT vinculada à USP-SP –, Eldorado – originariamente instituto da Motorola (SP) – e o instituto inde-pendente Wernher von Braun, em Campinas (SP). Os dois primeiros têm atuação razoavelmente diversificada – automação industrial, equipamentos médicos, TV digital, rastreamento, smart grids, entre outras aplicações que possuem fabricante local de equipamentos eletrônicos. Já o von Braun de-senvolveu solução própria para rastreamento de frota e aguarda o início do projeto Brasil-ID [ABDI (2014)].

O porte dessas ICTs na área de CI tem proporcionado a formação de parcerias relevantes. Com cerca de sessenta projetistas, o Eldorado está estruturando talvez o maior centro de qualificação, testes e homologação de CIs da América Latina, firmou parceria com a Intel para formação de designers, tem desenvolvido projetos com CPqD, Freescale, Perceptia entre outras empresas, além de ter sido o ensaio inicial do programa de formação de pessoal do CI Brasil. O LSI-Tec deverá abrigar o novo centro de forma-ção de projetistas do CI Brasil, ao passo que o Von Braun firmou parceria com a Toshiba.

SIP

Duas start-ups evoluíram do estágio de DH para se posicionarem como fornecedoras de blocos de IP. Com menos de dez projetistas, a Idea! desenvolveu IPs moduladores e demoduladores para TV digital, e busca atingir maturidade para migrar para modelo fabless. Com cerca de 15 projetistas, a Chipus tem se destacado, tendo firmado parcerias com foundries e clientes internacionais e evoluído consistentemente em porte.

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372 Os diferentes modelos de negócio entregam benefícios comuns e espe-cíficos ao ecossistema, conforme se mostra no Quadro 5.

Quadro 5 | Potencial de agregação de valor ao ecossistema das empresas com projeto de CI

• Benefícios comuns: formação de mão de obra com elevado salário e especializa ção setorial.

• Centros cativos: potencial gerador de start-ups por funcionários contextualizados no setor, fortalecimento da marca do país no setor ("cartão de visitas") para atração de novos investimentos e (eventual) desenvolvimento de CI com foco no mercado local, fortalecendo indústria a jusante. Impacto desprezível na balança de serviços e registro de PI (transferência entre fi rmas).

• Fabless: fortalecimento do complexo eletrônico, ao desenvolver CIs para indústria a jusante local; subcontratação de serviços para DHs/SIPs; quando fabless verticalizada, ajuda as empresas eletrônicas locais a melhorar seus produtos por meio do desenvolvimento de CIs específi cos.

• DHs e SIP: porta de entrada para os demais modelos, formando projetistas e relacionamentos na indústria.

Fonte: Elaboração própria.

Estratégia e recomendações

A importância do ecossistema de CI e equipamentos eletrônicos

Com base na Lei de Informática, o Brasil logrou êxito em forma r um dos maiores e mais diversificados parques fabris de eletrônica no mundo, ainda que concentrado na etapa de montagem final, com faturamento anu-al superior a US$ 150 bilhões e com 170 mil empregados. O adensamento produtivo e a agregação de valor local ainda são limitados, uma vez que essa produção limita-se à montagem de kits importados, os quais já con-têm embarcados os componentes críticos (em especial semicondutores e displays), que progressivamente consolidam a maior parte do valor do bem final. No médio prazo, há riscos de aprofundamento da fragilização desse parque, com deterioração da balança comercial e perda de postos de traba-lho já conquistados.

Para reverter esse quadro, é mister promover a interação entre essa indústria de equipamentos eletrônicos e as diferentes etapas da ca-deia produtiva de CI – projeto e fabricação (incluídas tanto as etapas de front-end como back-end) –, devendo haver um “sistema simbiótico e indissociável” levando-se em conta os relacionamentos entre esses elos, descritos na Figura 5.

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373Figura 5 | Ecossistema de componentes e bens finais

Fonte: Elaboração própria.

a) Projeto de CI/equipamentos eletrônicos: estando próximos de projetis-tas de CI, os fabricantes de máquinas e equipamentos e stão expostos a propostas de como reduzir custos e melhorar a performance de seus produtos. Por outro lado, a interação e cooperação entre ambos são fundamentais para que os projetistas desenvolvam IPs e “reference

designs”, agregando valor a seus portfólios de produtos.

b) Projeto de CI/fabricação de CI: ainda que muitas empresas tenham decidido terceirizar a etapa de fabricação, alguns fatores favorecem a proximidade entre projeto e fabricação: maior agilidade no relacio-namento projetista-fábrica nas etapas de testes e validação do projeto e menor barreira de entrada para novas design houses, por exemplo. Para as fábricas, a capacitação em projeto é fundamental para agregar maior valor aos componentes e desenvolver soluções e processos inovadores, criando novos nichos de atuação para estas.

c) Fabricação de CI/equipamentos eletrônicos: em especial em seus pri-meiros anos, quando há a necessidade de preenchimento da capacidade produtiva, esse relacionamento local é fundamental. Por outro lado, a presença de um fabricante de CI encurta os ciclos de fornecimento de componentes para os fabricantes de equipamentos, resultando em menor necessidade de capital de giro. Do ponto de vista estrutural, ter no Brasil os dois elos favorece a existência de capacidades sinérgicas em fabricação, sobretudo tendo em vista a migração cada vez maior de etapas da montagem de equipamentos para fabricação dos CIs.

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374 Para além das relações entre os elos, a existência de um ecossistema completo – instituições de ensino, centros de P&D e fornecedores de insu-mos e equipamentos – promove a criação e a atração de competências em um ciclo virtuoso, facilitando novos investimentos, repatriação de profis-sionais, formação de recursos humanos etc.

Oportunidades e desafios para o país

Oportunidades

Posta a necessidade de desenvolvimento do ecossistema completo, per-siste o desafio de como construí-lo e tornar o país relevante na indústria. Diversas oportunidades se colocaram ao longo da história da indústria, seja quando ela precisou de soluções de baixo custo, seja quando os países in-vestiram fortemente em inovação, compraram ativos estratégicos, aprovei-taram seus mercados internos ou oportunidades em mudanças tecnológicas ou de novos mercados, tema desta seção.

Na fronteira da rota tecnológica tradicional baseada na Lei de Moore, especialistas do setor indicam que as aplicações digitais (processadores e memórias) tendem a perseguir o adensamento de transistores por pelo me-nos até a próxima década, divergindo sobre se o avanço vai se concretizar às custas de aumento de custos e/ou da melhoria da performance dos chips produzidos [McKinsey (2013)]. Considerados o nível de investimentos re-queridos para etapa de difusão e os requisitos mínimos de maturidade do ecossistema, parece não ser plausível perseguir esse objetivo no estágio em que o Brasil se encontra. Todavia, dadas as proporções do mercado in-terno brasileiro, a atuação na etapa de back-end auxilia no fortalecimento do ecossistema. Com a forte expansão no segmento de comunicação mó-vel, o encapsulamento de outros componentes além dos CIs de memórias (módulos de câmeras, componentes wireless, multimídia etc.) começa a se tornar competitivo.

Com a evolução de técnicas de encapsulamento em três dimensões (3D), as empresas ainda têm a oportunidade de ocupar um espaço intermediário entre a difusão e encapsulamento, área de valor agregado significativamente superior ao back-end atual. Tecnologias de encapsulamento multicamadas, agregação de vias de comunicação nos chips (TSV), além de tecnologias de nicho, como o LTCC ou flexíveis são áreas que podem ser exploradas pelos embriões instalados no Brasil.

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375Em outro ritmo, as aplicações analógicas não escalam da mesma forma. Além da redução das dimensões dos transistores conseguida com os avanços na área digital, alguns componentes já se encontram em seus limites físicos de construção ou necessitam de novos materiais e processos de integração de sistemas.19 De acordo com a LFoundry, a maioria das aplicações analógicas são desenvolvidas em nó tecnológico de 130 nm ou superior.

A integração de sistemas diferentes sobre o silício, promovendo a di-versificação funcional no mesmo chip (System on Chip – SoC) ou diversos chips no mesmo encapsulamento (System in a Package – SiP), promoveu uma nova dimensão de valor para além da miniaturização, denominada “More than Moore”. A inovação vai se realizar com o uso das tecnolo-gias maduras em diversas novas aplicações, como em sensores, microfluí-dica, MEMs, interfaces integradas, optoeletrônica, eletrônica orgânica e híbrida etc.

Levando em conta as condições de contorno iniciais, com o país não dis-pondo de fundos bilionários para entrar no setor, o conceito fundamental da estratégia brasileira tem sido, e deverá continuar sendo, perseguir conjun-tamente oportunidades baseadas nessas tecnologias maduras, ratificando a escolha feita após as conclusões do PNM e do estudo do BNDES.

No lado das aplicações, as oportunidades são derivadas tanto do vasto mercado brasileiro e existência de uma indústria local montadora em seg-mentos que utilizam conteúdo de microeletrônica (automotivo, saúde, teleco-municações etc.), como de projetos de interesse do governo (identificação de cidadãos, defesa, comunicação etc.). Novos paradigmas tecnológicos como a IoT também têm o potencial de demandar CIs, em aplicações de interesse público e privado. O Quadro 6 ilustra os principais alvos e oportunidades, sem a pretensão de ser exaustivo.

Nesses CIs, haverá diferentes graus de protagonismo e inovação, sem prejuízo à importância de cada segmento. Como exemplo, hoje o Brasil está na fronteira tecnológica na área de componentes ópticos e fotônica, conquista derivada do trabalho e conhecimento acumulado pelo CPqD em

19 Ex.: Para reduzir o tamanho de um capacitor (elemento armazenador de energia, usado em diversas funções na eletrônica), é necessário desenvolver novos materiais. Outro exemplo são as aplicações em eletrônica de potência e de alta voltagem, que têm suas dimensões defi nidas por leis da física e, por isso, têm mais limitações em serem reduzidas.

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376 anos de pesquisa e desen volvimento. Como prova de haver oportunidades de sinergia do ecossistema, nesse caso pode haver uma oportunidade para a Ceitec incorporar à sua operação atual uma fábrica para fotônica em silício.

Quadro 6 | Exemplos de alvos e aplicações

Aplicações ComponentesProjetos do governo

• Identidade• Segurança• Defesa• Comunicação etc.

• Smartcards (e-Passaoirt, Brasil-ID)• RFID (SINIAV)• Microprocessadores e ASICs para uso

especial (confi dencialidade militar, resistentes à radiação, criptografi a etc.)

Automotivo • Tração, transmissão e injeção

• Sistemas de segurança e controle (ABS, airbag etc.)

• Infotainment• Comunicação etc.

• Sensores• MEMS (acelerômetros etc.)• Microcontroladores• CI analógicos, mixed-signal e high-

voltage

Saúde • Dispositivos de monitoramento remoto

• Sensores para identifi cação de efermidades

• MEMS (microfl úidos, "lab-on-a-chip")

• Sensores• ASICs

Telecom e eletrônica de consumo

• Componentes para dispositivos móveis (celulares, smartphones e tablets)

• Circuitos ópticos avançados

• Memórias (eMMC, DRAM, Flash, SSD)

• SoCs• Módulos de câmeras, componentes

wireless e multimedia• Circuitos integrados e componentes

ópticos para redes de alta velocidadeInternet das Coisas/Cidades Inteligentes

• Rastreamento de frotas (SINIAV)

• Iluminação pública efi ciente• Smart Grid• Cidades Inteligentes

• Sensores• RFID• ASICs para conectividade e RF• CI analógicos e mixed-signal• Memórias (fl ash)

Fonte: BNDES. Quadro não exaustivo de aplicações e CIs.

De forma semelhante, os desenvolvimentos em outras áreas, como mi-crofluídica e eletrônica orgânica, proporcionam ao país oportunidade de inserção em áreas inovadoras. Já outros produtos ou serviços mais “como-ditizados” dependerão mais de alavancas de estímulo de mercado. De qual-quer forma, a atuação nas duas pontas, seja como “protagonista mundial” ou “seguidor”, se reforça e são ambas fundamentais para fortalecimento do ecossistema de microeletrônica no Brasil.

A Figura 6 ilustra o papel protagonista que a indústria brasileira pode exercer em diferentes produtos e serviços.

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377Figura 6 | Posicionamento do Brasil na indústria

Fonte: BNDES.

Por fim, há um conjunto de competências ainda pouco aproveitadas para alavancar o setor. Em época de carência mundial de engenheiro de software – que tem crescente participação no custo de desenvolvimento de um CI –, o país dispõe da oportunidade de se posicionar mundialmente, dada a reco-nhecida capacidade de brasileiros na área. Outra competência diz respeito à capacidade científic a em áreas como medicina, agricultura, entre outras, cujo conhecimento não vem sendo convertido em silício, na inteligência de bens e equipamentos para a área.

Para aproveitar essas oportunidades, os embriões locais e as novas em-presas terão que superar alguns desafios, descritos a seguir.

Desafios

Fabricação

Dado o porte das fábricas instaladas no país, Unitec e Ceitec se aproxi-mam do modelo de negócios de empresas fabless com capacidade de produ-ção para projetos próprios ou desenvolvidos em colaboração. Não obstante terem internamente tecnologias disponíveis para construção de alguns chips, tais empresas poderiam fornecer ao mercado produtos que demandem outros

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378 processos produtivos, tais como chips high-voltage para equipamentos do setor elétrico, entre outras tecnologias e aplicações.

Na Unitec, serão exploradas oportunidades de parceria para o fornecimen-to de produtos já comercializados e também de produtos ainda não presentes no mercado local. Nos primeiros anos de produção, entretanto, a demanda local terá peso significativo para a empresa. A empresa atuará também no desenvolvimento conjunto com o ecossistema nacional de novos produtos, produzindo-os e comercializando-os no mercado global.

Dois grandes desafios devem ser enfrentados pela empresa pública Ceitec S.A. O primeiro diz respeito à sua condição de empresa pública, ten -do restrições de regime de contratação de pessoal por concurso público e obrigatoriedade de realizar compras seguindo os procedimentos e regras da Lei 8.666/93, que disciplina as compras de empresas e órgãos públicos. Essa condição dificulta o dia a dia da empresa, desde a contratação de ser-viços e de especialistas do exterior, a retenção de talentos, a possibilidade de participação acionária de empresas no exterior e mesmo de receber in-vestimentos de empresas estrangeiras. Realizar todo o ciclo de fabricação é outro grande desafio para a empresa. Embora a etapa final de front-end (processamento de lâminas), tenha iniciado apenas em 2014, em função de dificuldades operacionais, é mister que esteja homologada quanto antes.20

Desafio adicional às foundries nacionais está relacionado ao acesso ao mercado mundial. Dificilmente haverá demanda local que justifique o in-vestimento de fabricação. Por isso, o portfólio das foundries deve incluir produtos inovadores e que atendam a outras demandas em nichos específi-cos, como o da fotônica, e em novos mercados, como o da IoT.

Apesar de parte relevante da fabricação mundial ser em tecnologias de até 600 nm, em geral são produtos que envolvem amplo relacionamento com o cliente (ex.: automotivo), produzidos em fábricas concorrentes já depreciadas com escala superior. Quanto maior for o atraso, maior a obso-lescência e a necessidade de desenvolver processos fortemente inovadores, o que demandará investimentos mais significativos. Todavia, há um leque de oportunidades para a fabricação no Ceitec, entre os quais os componentes microssistemas (MEMs) – ex.: sensores, giroscópios etc. – optoeletrônicos e fotônicos, bem como a possibilidade de retornar ao plano inicial de ser

20 Em 2014, cerca de 50% do processo fi nal de fabricação do Chip do Boi pôde ser feito no Ceitec, sendo as etapas iniciais feitas na Alemanha (X-Fab). Fonte: Demonstrações Financeiras Ceitec (2013).

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379uma fábrica de prototipagem e inovação. Existe ainda a possibilidade de fazer uma atualização da tecnologia da fábrica para 350 nm ou 250 nm, o que ampliaria o leque de alternativas de mercado, e até mesmo a parceria ou venda do ativo para fabricante integrado no ecossistema internacional.

Atuando em área de fronteira tecnológica, os desafios que se apresentam à BrPhotonics são distintos daqueles apresentados à Unitec e ao Ceitec. A empresa é uma start-up considerada líder em tecnologia para componentes de fotônica,21 que tem, entre os principais desafios, atuar em mercado glo-bal, de alta complexidade tecnológica e de relativos poucos compradores – equipamentos de telecom. Para manter sua vantagem competitiva em uma área nascente – fotônica em silício –, a empresa deverá trilhar o caminho natural da indústria eletrônica: integração do maior número de dispositivos em um menor número de componentes, participando do desenvolvimento de tecnologias, processos produtivos e materiais. Fazendo um paralelo com a microeletrônica, o estágio atual da fotônica em silício seria equivalente ao da década de 1970 da microeletrônica, em que os circuitos eram proje-tados manualmente e o conhecimento dos processos das fábricas tinha que ser continuamente validado anteriormente à produção.

Encapsulamento e testes

Para o elo de encapsulamento e testes, destacam-se os seguintes desafios:

• Instabilidade do mercado de memórias (incorporadas ao chip): está previsto o crescimento do mercado de memórias; no entanto, a entrada de novos players poderá reduzir as margens das empresas, demandando diversifi cação de aplicações e busca de novos parceiros tecnológicos.

• Novas tecnologias de memórias de menor custo: estão sendo previstas para os próximos anos. A possível integração das memórias em com-ponentes de maior interação é outra alternativa tecnológica esperada.

• Dependência dos fornecedores: necessidade de fortalecer parcerias de longo prazo com os principais fornecedores de wafer – entre os quais, Samsung, SK Hynix, Micron, Toshiba e Intel.

• Internacionalização/exportação: embora ainda persistam fatores críticos para a competitividade internacional das operações locais –

21 Fonte: <http://www.businesswire.com/news/home/20140306005367/en/BrPhotonics-Demonstrate-100Gbps-Integrated-TOSA-Reference-Platform#.VNo3B-bF-uJ>.

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380 entre os quais a escala de fabricação comparativamente menor, a dependência dos fornecedores de wafers e os entraves decorrentes da logística de importação e exportação –, deve-se estimular a busca de competitividade das memórias encapsuladas no Brasil, aprovei-tando oportunidades em negociações internacionais e na oferta de projetos especiais de novas memórias ou na exportação de memórias agregadas a bens fi nais.

Projetos de CIs

A despeito de se perceber esse elo do ecossistema como aquele com as menores barreiras de entrada em relação à fabricação, há relevantes desafios para sustentabilidade e crescimento dos embriões locais.

Entre esses desafios, é necessário ampliar a formação de massa crítica: atualmente, o país tem apenas duas dezenas de DHs e algumas centenas de designers em atividade, ao passo que países como a China têm mais de qui-nhentas fabless, das quais nove estão entre as cinquenta maiores do mundo (IC Insights) – e, segundo pesquisa realizada pela EE Times, empregam em média 160 designers –, com 34% das empresas fabless chinesas faturan-do mais de US$ 50 milhões. Nesse caso o volume também importa: quanto mais designers trabalhando, maior a propensão a surgirem novas empresas.

Atrair novos centros cativos é importante nesse processo, mas depen-de em parte da existência de casos de sucesso que inspirem novos em-preendedores e ajudem a credibilidade de empresas locais de projetos de CI privadas. Os embriões fabris – Unitec e Ceitec – poderão ter papel re-levante com suas equipes próprias de design ou terceirizando para outras empresas/ICTs locais.

Apesar de ter uma grande indústria consumidora de CIs, pelas razões já citadas, há dificuldades de se desenvolver o mercado local. Outrossim, a indústria brasileira carece de empresas que façam desenho e projeto de produto no nível eletrônico e demandem volumes relevantes de CIs, razão pela qual estratégias traçadas no mercado externo também precisam ser consideradas, bem como a criação de empresas inovadoras em hardware.

Nesse ponto, há que se considerar o perfil do empreendedor de proje-tos de CI brasileiro, de formação técnica sólida, mas com pouca base em

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381negócios, experiência e credibilidade no exterior. Ações como o programa Ciências Sem Fronteiras e intercâmbios são importantes, porém é necessário criar oportunidades para retorno e fixação dessa mão de obra qualificada no país.

Uma forma de solucionar essa questão seria por meio de centro(s) de P&D, fundamental(is) para agregar conhecimento e inovação ao CI local. O caso do CPqD é emblemático: as credenciais para participar da cadeia global de desenvolvimento de CI vieram do reconhecimento da competência adquirida ao longo de anos de pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I) em sua área de atuação. A interação entre universidade e empresa no país ainda é aquém do necessário para introduzir novos produtos, tal como entre empresas de projeto de CI e fabricantes de equipamentos.

A oferta de solução completa (reference design) pode aproximar essa relação. Dada a aceleração da inovação, os fabricantes de equipamentos eletrônicos demandam progressivamente mais soluções completas, fican-do mais concentrados nos atributos de design de funcionalidade, marca e interação com o usuário. Nesse contexto, os departamentos de engenharia de produto têm crescido significativamente nas fabless e IDMs, que passam a desenhar CIs já associados a produtos de referência que demonstrem as funcionalidades do chip e permitam customizações específicas. Tal tendên-cia justifica a dificuldade das iniciativas que se posicionaram como DHs no CI Brasil, que tiveram muita dificuldade de acessar mercado.

Avanços e recomendações para a política brasileira

de semicondutores

O país avançou bastante à luz dos requisitos necessários para desenvol-vimento do ecossistema elencados no estudo do BNDES e no PNM, nas di-mensões mostradas na Figura 4. Apesar disso, ainda há lacunas importantes a superar, que serão apresentadas a seguir, em conjunto com os avanços.

Formação de RH e P&D

Com início em 2005 e coordenado pelo MCTI, o programa CI Brasil tem como principal atribuição a formação de RH na área e estímulo à criação de DHs. O Quadro 7 exibe os resultados alcançados por meio do investimento de cerca de R$ 200 milhões entre 2005 e 2014.

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382 Quadro 7 | Resultados do CI Brasil: treinamento

Foco Ação Resultados e comentários

Formação de RH

Formação profi ssional (treinamento de projetistas)

• três centros de treinamento em funcionamento (Porto Alegre, Campinas e São Paulo) e um em gestação (Belo Horizonte) com capacidade de treinar duzentos projetistas/ano

• 726 designers treinados, com cerca de 30% destes atuando nas DHs locais e 60% em fabricantes de bens eletrônicos*

Formação acadêmica (graduação e pós-graduação)

• 103 bolsas de mestrado, 23 de doutorado e 976 bolsas para projetistas em treinamento nos centros de treinamento

• Projeto Brazil IP (qualifi cação de estudantes de graduação): 18 universidades, trezentos alunos, 25 projetos desenvolvidos (PI, FPGA e ASIC)

• aquisição de licenças de ferramentas EDA para universidades e centros de P&D: mais de quarenta instituições e centros de P&D participantes; 4.500 estudantes envolvidos

Centros de P&D Modernização, estruturação e fortalecimento

• apoio fi nanceiro do MCTI, BNDES, Lei de Informática e Funttel: CTI, CPqD, Instituto de Pesquisas Eldorado, Instituto Flextronics e Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) (semicondutores), Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e CSEM (semicondutores orgânicos)

Fonte: MCTI (2014).* Estimativas do coordenador do Programa de treinamento do CI Brasil.

Há consenso de que o Brasil tem logrado êxito em capacitar RH em projetos de CI. Além do aproveitamento direto da mão de obra formada, grande parte dos projetistas tem sido absorvida pela indústria de hardware, que, por estar constituída, oferece melhor remuneração. Tal fenômeno ten-de a fortalecer o ecossistema, uma vez que esses engenheiros apresentam a formação necessária para identificar a oportunidade e encomendar o de-senvolvimento de CIs.

Entre os pontos de melhoria do programa de formação de RH e P&D, sugerem-se:

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383• Fluxo de recursos previsíveis: tal como em outras áreas de ciên-cia e tecnologia, não há previsibilidade de longo prazo de recursos destinados para os objetivos do CI Brasil, como indica a Tabela 1, difi cultando o planejamento das ações.

Tabela 1 | Recursos destinados à formação de pessoal – bolsas CNPq (em R$ milhões)

Recursos 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Bolsas CNPq – CT, DH e PNM 3,8 14,0 12,0 17,0 2,5 7,0 19,3

Fonte: MCTI.

• Atratividade: a tarefa de atrair os maiores talentos é difi cultada por estar limitada ao valor da bolsa concedida pelo CNPq e pelo fato de o curso de formação não conferir diploma de mestrado.

• Centros de P&D: não foram destinados recursos públicos signifi ca-tivos para fortalecer um centro de pesquisa na área, bem como nas universidades que atuam no setor – ex.: Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), UFRGS e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Ambiente de negócios, infraestrutura e logística

Além de formação de RH, o ambiente de negócios, a infraestrutura e a logística foram posicionados como critérios eliminatórios ao investimento no estudo contratado pelo BNDES. Em alguns dos condicionantes ao in-vestimento, houve melhora significativa (a obtenção do grau de investimen-to, por exemplo); em outros fatores, apesar de não terem sido atingidos os benchmarks internacionais, os embriões têm conseguido contornar a con-tento – por exemplo, a agilidade na concessão de vistos a estrangeiros e o acesso a serviços públicos como água, saneamento etc.

Restam, contudo, questões de competitividade do país que podem ou não ser tratadas especificamente para o setor. Entre as passíveis de trata-mento setorial, um regime aduaneiro ágil e eficiente permanece como um dos mais críticos desafios apontados pelos embriões em levantamento feito pelo BNDES em 2014. As operações de comércio exterior dessas empresas usualmente são parametrizadas em canais amarelo e vermelho no Siscomex, implicando custos e tempos adicionais na produção, prejudicando a compe-titividade local. É necessário, portanto, que haja trâmites ágeis, contínuos

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384 e automáticos para esse setor (canal verde), com o devido monitoramento governamental posterior.

Ademais, o Brasil precisa enfrentar questões mais gerais para assegurar a competitividade de sua indústria, sobretudo para um setor tão complexo e dinâmico como o de microeletrônica. Segundo o ranking de competitivi-dade geral (Fórum Econômico Mundial), o Brasil figura na posição geral de 57º em 144 economias (77º em infraestrutura, 104º em funcionamento das instituições e 126º em sistema educacional). Países asiáticos mais compe-titivos na indústria de eletrônicos estão em posições muito mais favoráveis, como Taiwan (14º), Japão (6º) ou Cingapura (2º).

Pacote de incentivos

Entre as ações implementadas pela política brasileira de apoio à indús-tria para fazer frente aos agressivos regimes tributários e à oferta de funding observados em outros países, sobressai a criação do Padis, em 2007, con-ferindo desoneração de determinados tributos federais incidentes na im-plantação industrial para um conjunto limitado de insumos e equipamentos, relacionados à produção e comercialização de dispositivos semicondutores e displays. Ademais, percebe-se um claro amadurecimento do arcabouço legal, inclusive com adesão de alguns estados e municípios que demons-tram vocação setorial.

O apoio financeiro é dado por mecanismos de financiamento de longo prazo com taxas subsidiadas, apoio acionário (direto e por meio de fun-dos) e utilização de recursos não reembolsáveis para o desenvolvimento de projetos de CI por meio de ICTs em parcerias com empresas – Fundo Tecnológico (Funtec), do BNDES.

O Quadro 8 expõe o conjunto de regimes tributários e instrumentos de apoio financeiro que foram sancionados para melhoria da competitividade na cadeia de CI.

Quadro 8 | Evolução no marco legal tributário e funding na indústria de semicondutores

Instrumento Descrição Impacto

Padis [Lei 11.484/07] Incentivos fi scais federais

Redução de tributos federais incidentes na estruturação e operação dos empreendimentos benefi ciados.

(Continua)

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Instrumento Descrição Impacto

Lei 12.844/2013 Desoneração da folha de pagamentos (INSS)

Redução de custo do projetista de CI.

Leis estaduais Redução ou isenção de ICMS para benefi ciárias do Padis

Ampliação da desoneração tributária do Padis para alguns estados (ex.: RS, MG e SP).

Financiamento do BNDES e Finep – 2004-2014

Financiamento, participação acionária e grants

BNDES: Melhores condições de apoio do Banco. US$ 367 milhões (38% equity) em apoio fi nanceiro para fabricação (Ceitec, Unitec Brasil, HT Micron e Smart), grants de US$ 95 milhões e US$ 800 mil em equity para design houses (18 projetos de CIs).

Finep: US$ 167 milhões em apoio fi nanceiro, do qual uma parte para a IDM (Unitec Brasil), e US$ 7 milhões de grants para design houses.

Fontes: BNDES e Finep.

O Padis foi um passo importante para atração da indústria de microele-trônica para o Brasil, mas não evoluiu como deveria tanto em escopo dos incentivos como na atualização dos modelos de negócio da indústria e in-corporação de novos produtos. Ademais, a morosidade em sua operacionali-zação, principalmente na atualização dos anexos (que descrevem em grande detalhe os insumos e equipamentos beneficiados pela redução de tributos), faz do Padis um regime um tanto desatualizado e com escopo limitado. Por meio de diversos levantamentos feitos com as empresas e técnicos do go-verno, uma série de medidas de aperfeiçoamento foram identificadas, sendo as mais importantes relacionadas a seguir:

• Adequação para modelo fabless: hoje o chip projetado no Brasil e produzido no exterior é tributado na importação. Considerando que esse é o modelo de negócios que mais cresce no mundo, é necessário adequar a legislação para que viabilize a desoneração do chip proje-tado/desenvolvido no país, mas fabricado no exterior.

• Aprovação dos projetos por empresa e não por produto: pela le-gislação, a empresa já é dedicada ao segmento; uma vez habilitada, apenas atualizaria os produtos periodicamente.

(Continuação)

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386 • Desoneração de serviços: a contratação de serviços é essencial para instalação e operação das fábricas de semicondutores, abarcando serviços técnicos altamente especializados. A carga tributária total incidente sobre serviços pode superar 45% (serviços externos) e hoje não é benefi ciada pelo Padis, resultando em grande custo para as em-presas, especialmente quando comparada às práticas de outros países.

Por sua vez, os mecanismos de financiamento apresentam, entre outras, as seguintes lacunas:

• Apoio a start-ups: a criação do fundo Criatec pelo BNDES para apoio a empresas nascentes inovadoras foi um passo importante para apoiar projetos de maior risco; no entanto, o alcance ainda é limitado pelo vo-lume de recursos, pelo prazo de retorno dos investimentos e pela falta de especialização no segmento de circuitos integrados. Existe ainda uma lacuna no apoio às empresas nascentes, em especial fabless, que precisam de um volume maior de recursos para as etapas de design e prototipagem (podem facilmente ultrapassar dezenas de milhões de dólares) e podem demorar a ter retorno fi nanceiro.

• Agilidade: os ciclos tecnológicos do setor de semicondutores são cada vez mais curtos, pela renovação acelerada da eletrônica de consumo e pelos avanços tecnológicos no desenvolvimento e produção dos componentes; portanto, é necessário que os prazos para os instrumen-tos fi nanceiros de apoio ao setor sejam adequados a essa realidade.

• Apoio ao desenvolvimento tecnológico: o desenvolvimento dos CIs envolve uma série de riscos e, por isso, demanda recursos fi nancei-ros diferenciados; a maioria dos países tem instrumentos de apoio fi nanceiro não reembolsável diretamente a empresas, algo inexistente no Brasil.

Desenvolvimento de mercado

A fim de estimular a criação de mercado para desenvolvimento e fabri-cação, diferentes mecanismos devem ser trabalhados em conjunto, tanto para aplicações de alto valor (foco das etapas de projeto e fabricação) como para aplicações de alto volume (foco do back-end). Os mecanis-mos mais importantes são o PPB (Lei de Informática), regulação de setores demandantes (saúde, energia, telecomunicações, transporte etc.), compras governamentais (como no caso de defesa, identificação, passaporte etc.) e exportação (direta ou embarcada).

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387O Quadro 9 ilustra os principais instrumentos disponíveis para estímulo ao mercado brasileiro de semicondutores.

Quadro 9 | Evolução dos instrumentos para desenvolvimento de mercado

Instrumento Descrição Impacto

Lei de Informática (LI)

Estímulos à aquisição de memórias encapsuladas localmente.

Criação e fortalecimento de ecossistema de back-end de memórias no país.

Portaria MCT 950/06

Reconhecimento de bem desenvolvido com tecnologia nacional: desoneração tributária, fi nanciamento à comercialização, participação em licitações públicas e leilões da Anatel em condições diferenciadas.

Estímulo ao projeto/engenharia de bens eletrônicos, elo fundamental para demanda de CIs.

Poder de Compra Público (Lei 8.666/93 e Decreto 7.174/10)

Margem adicional para bens de TICs com desenvolvimento local (Portaria 950/06).

Bens eletrônicos contemplados com a Portaria 950/06 gozam de margem adicional em compras públicas.

Portaria MCTI 1.309/13

O bem que incorpora chip reconhecido por essa portaria obtém a Portaria 950/06 automaticamente.

Fortalecimento da relação entre a empresa de equipamentos eletrônicos e projetistas de CI locais.

Fonte: BNDES.

Para potencializar os benefícios desses avanços, algumas considerações são traçadas a seguir (Figura 7).

Figura 7 | Ecossistema de CI e atendimento aos mercados potenciais

Fonte: BNDES.

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388 • Demanda privada: a Lei de Informática logrou êxito em construir uma indústria montadora de bens eletrônicos, com incentivos fi scais associados a investimentos em P&D e produção local. O advento da Portaria 950/06 e, mais recentemente, a Portaria 1.309/13 para circuitos projetados no país são exemplos de medidas que devem ser preservadas e aprofundadas,22 a fi m de diferenciar os bens aqui projeta-dos e aumentar a demanda por desenvolvimento de componen tes con-cebidos por engenheiros locais. Trata-se de uma condição necessária para o ecossistema local prosperar: o estímulo ao projeto de produto local, seja este de empresas brasileiras, seja de multinacionais. Em outros setores produtivos que não estão sob o arcabouço da LI – mas que são relevantes consumidores de CIs de aplicações específi cas, como os setores automotivos, energia, saúde, entre outros –, também há espaço para estimular o uso de eletrônica e CIs desenvolvidos localmente, como nas negociações de contrapartidas de regimes auto-motivos, normatização (alimentos, passaporte, remédios, rastreamento veicular, identifi cação de rebanhos) ou regulamentação em editais de agências – como a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) nos casos de chips relacionados à geração de energia, iluminação pública e telecom.

• Poder de compra público: o governo pode ser um agente importante para criação de mercado para componentes semicondutores. A ex-periência dos EUA é emblemática pela demanda e desenvolvimento de tecnologia pelas aplicações na área militar. No Brasil, além do potencial de explorar as aplicações de defesa, há oportunidades para abordar temas de interesse nacional usando sistemas de base eletrô-nica, principalmente regulamentando soluções baseadas em chips de identifi cação (ex.: identidade eletrônica e do passaporte).

• Exportação: a exportação de semicondutores pode se dar de três formas distintas: (i) prestação de serviço de design e venda de blocos de PI; (ii) venda de CIs (montados ou não) para fabricantes de equi-pamento no exterior; e (iii) venda de bens fi nais com microeletrônica nacional embarcada (computadores, smartphones, automóveis etc.). A inserção no mercado global, especialmente para as oportunidades

22 A Lei de Informática foi renovada recentemente (Lei 13.023/14), conferindo desoneração de 80% do IPI para bens montados localmente e 100% para bens com tecnologia nacional.

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389(i) e (ii), não é trivial e depende da construção de uma marca confi ável e capacidade comprovada de entrega. Isso pode ser criado em parte pela atração de centros cativos e de empresas que usariam o Brasil como plataforma de desenvolvimento e fabricação e, em parte, pelo crescente estabelecimento de parcerias internacionais com players já posicionados no mercado mundial. De fato, o país tem potencial para atração mesmo de grandes empresas globais (Intel, Qualcomm, entre outras) para desenvolvimento de componentes e equipamentos adaptados ao mercado interno (e ser plataforma para exportação). Por fi m, com o ingresso do grupo argentino Corporación América no controle da Unitec, são abertas oportunidades mais evidentes para exportação, sobretudo no mercado latino-americano.

Fomento aos investimentos

Atração de investimentos estrangeiros

Nesse período, foram organizadas diversas missões governamentais para os EUA, Taiwan, Malásia, Inglaterra, Alemanha, Japão, entre outros, com o foco na atração de investimentos fabris, fabless e centros cativos, além de fomentar a exportação de design pelas DHs instaladas no Brasil.23

Apesar de os resultados na atração de investimentos terem sido tímidos24 em função das barreiras ainda existentes e da melhor oferta de outros países, tais missões foram de grande importância não apenas para divulgar o Brasil como rota de investimento, mas também para o conhecimento das barreiras e desafios para os objetivos do PNM, servindo para consolidar um grupo técnico transversal e articulado no governo brasileiro.

Promoção de DHs locais

Além de formar recursos humanos, também foi designado ao CI Brasil o papel de atrair, fixar e promover empresas de design de CI. O Quadro 10 mostra os resultados alcançados.

23 A opção Brasil acabou sendo preterida pelo pacote de incentivos apresentado por países concorrentes.24 É possível citar a ampliação do time de projetistas em P&D da Freescale Brasil como exemplo de sucesso de políticas de estímulo à formação de recursos humanos, através do CI-Brasil e de edital dirigido a essa fi nalidade.

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390 Quadro 10 | Promoção de DHs locais

Instrumento Descrição Impacto

Formação de DHs locais

Bolsas in-company e licenças EDA

• Apoio a 22 DHs (nove privadas, quatro privadas sem fi ns lucrativos e nove públicas) com licenças e bolsas CNPq.

• Setenta bolsas e licenças anuais para cem usuários.

Atração de DHs estrangeiras

Bolsas in-company

• Cinquenta bolsas implementadas nos últimos seis anos, para apoio à ampliação do corpo de projetistas de um centro cativo local.

Fontes: MCTI e BNDES.

A despeito de a natureza dos investimentos em design ser de menor monta, as barreiras de entrada no setor não são desprezíveis, dependendo fundamentalmente de uma relação de confiança entre contratante do ser-viço e a DH. Tal relação é estabelecida com tempo e a partir da carteira de projetos já constituída. Em conjunto com recursos da Finep e do BNDES, os esforços de formação de DHs do MCTI proporcionaram um conjunto de 22 DHs apoiadas. Nenhuma delas alcançou ainda um produto de sucesso co-mercial, fundamental para divulgação e fortalecimento de todo o programa.

Alguns pontos de reflexão para melhoria do programa de formação de DHs são listados a seguir:

• Fluxo de recursos previsíveis: tal como apontado para formação de RH.

• Aperfeiçoamento da estratégia: passado o momento inicial ex-ploratório, no qual foram semeadas as primeiras iniciativas, as DHs apoiadas pelo CI Brasil poderiam ser orientadas por uma estratégia quanto aos focos de desenvolvimento (produto, setores, mercados, tecnologias etc.) e modelos de negócio a serem priorizados (atração de centros cativos ou fortalecimento das DHs locais), acesso a mercado e oferta comercial, como forma de criar sinergia e fortalecimento de competências em determinadas áreas de especialização e do ecossiste-ma, sem excluir outras que possam surgir fora da estratégia defi nida.

• Orientação de mercado: as difi culdades de desenvolvimento do mercado local pelas razões já apontadas somam-se à falta de estímulo

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391e instrumentos de apoio para que as DHs apoiadas desenvolvam mercado. Por exemplo, a forma de apoio é incompleta para start-ups

e fabless, uma vez que seus custos vão além do salário do projetista, requerendo apoio para os custos fi xos, para serviços de foundries, marketing etc. Por conseguinte, há forte concentração do apoio para ICTs públicas e sem fi ns lucrativos, frequentemente gerenciadas por professores universitários, que acumulam a tarefa de conduzir a DH às atividades docentes.

• Sustentabilidade das DHs e dispersão de recursos: é notório que, pela própria natureza da atividade, as DHs demandam tempo para amadurecer. Em função dos itens anteriores, sugere-se que o programa concentre recursos em torno de poucos projetos e DHs que sinalizem capacidade para executá-los.

Gestão e governança

O Brasil formou um grupo técnico com várias instituições governamen-tais – destacadamente MCTI, MDIC, ABDI, BNDES, Finep e Agência Brasileira de Promoção de Exportações do Brasil (Apex) – atuantes na defesa da indústria e na implementação das diversas medidas necessárias. Todavia, esse grupo não tem efetiva institucionalização e representatividade, tanto para atração de investimentos em missões internacionais quanto para empoderamento para executar as medidas necessárias.

O estudo do BNDES de 2002 já indicava que países bem-sucedidos em atrair investimentos elevaram o setor ao mais alto nível de prioridade na hierarquia do governo, chegando a formar agências específicas para cui-dar do assunto, com equipes exclusivas para construir o relacionamento e gerar negócios. A Pitce, de forma semelhante, também previu a criação de uma “sala especial de atração de investimentos”, vinculada diretamente à Presidência da República. O decreto que a criou, em 2004, continua vigen-te, mas a sala não opera há alguns anos.

É fundamental que haja uma clara identificação dos líderes e participantes dentro do governo para promover o desenvolvimento da indústria coorde-nando todos os eixos de medidas. Os principais objetivos seriam: (i) evitar dispersão de esforços e garantir o alinhamento em torno de projetos-chave; e (ii) ter um canal único para interlocução com as empresas.

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392 Conclusões

O complexo eletrônico no país está em uma encruzilhada. Ou aproveitará bem os embriões existentes e as oportunidades que surgem, construindo as bases de uma indústria brasileira intensiva em eletrônica e valor agregado, ou mais uma geração de empresários, pesquisadores, servidores públicos serão protagonistas ou espectadores de um novo “voo de galinha” do se-tor de semicondutores. Mais do que isso, o eventual fracasso dessa cons-trução resultará, mais cedo ou mais tarde, no enfraquecimento de diversas cadeias produtivas locais, como em equipamentos médicos, autopeças e bens de capital.

Apesar de a tecnologia constantemente se renovar e ser eventualmente possível inserir o país no mapa mundial, a perda de direção e incentivo na década de 1990 foi determinante para ampliar o gap tecnológico em relação a países que iniciaram a trajetória na indústria junto com o Brasil e já, há pelo menos uma década, atingiram um estágio de maturidade do ecossistema.

Trata-se de uma indústria estratégica, cujo domínio da micro e nanopro-dução e desenvolvimento implica vantagens comparativas dinâmicas, condi-ção muito importante para que passos em futuras novas tecnologias possam ser dados. Um único microprocessador de milímetros pode chegar a mais de US$ 100. Quantos quilos de soja seriam necessários para repor esse déficit comercial? Qual seria a massa salarial correspondente em ambos os casos? Qual seria a eficiência na cadeia logística e a correspondente moderniza-ção que poderia ser alcançada se o Brasil abraçasse com afinco o projeto de construir sua indústria de semicondutores?

Em meados dos anos 2000, o país optou por uma rota estratégica menos intensiva em capital que a de outras nações, que está sendo seguida desde então: tecnologias maduras em aplicações sinérgicas com a indústria local e potencial inovador por meio da adição de camadas tecnológicas, e foco em nichos de mercado para os primeiros passos da indústria.

Muito esforço foi colocado para a formação de pessoal e desenvolvimen-to de algumas tecnologias de vanguarda mundial; e hoje há embriões que podem explorar nichos de elevado valor agregado e competir no curto prazo em nível mundial – como nos campos de fotônica e eletrônica orgânica – e outros que podem competir em áreas tecnologicamente mais maduras, ala-vancando-se no mercado local – como RFID, ASICs, em áreas como IoT etc.

Como em todos os países que entraram nessa indústria, o governo tem e terá papel central. Deve atuar para remover as lacunas estruturais apontadas

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393(em especial, questões tributárias e logísticas/aduaneiras), desenvolver mer-cados, financiar a formação de recursos humanos, criar infraestrutura de P&D e oferecer alternativas de financiamento muito competitivas.

Em todas essas áreas, há desafios para o governo que se inicia, incluindo a previsibilidade nos recursos para formação de pessoal, efetiva instrumen-tação do poder de compra público para desenvolvimento de mercado e, no curtíssimo prazo, a renovação e o aperfeiçoamento do Padis.

Construir e fortalecer centros de inovação também é fundamental para o médio prazo, pois embasa a estratégia escolhida de diferenciação por ino-vação, adicionando camadas como microfluídica, eletrônica híbrida, novos materiais (ex.: grafeno) etc. Ainda, faz o elo entre a pesquisa científica e os produtos microeletrônicos e retém os talentos brasileiros e atrai cientistas e pesquisadores internacionais (intercâmbio internacional).

A inovação será chave para o sucesso brasileiro, sendo necessário criar alternativas adequadas de financiamento a start-ups que desenvolvam ou demandem CIs locais. Por demandar recursos relativamente elevados para financiar o desenvolvimento e produção inicial de CIs e com longo prazo para maturação, os fundos de investimentos tradicionais não têm demons-trado apetite para investir no setor, sobretudo considerando o estágio ini-cial do cenário brasileiro. Para evitar armadilhas orçamentárias, há que se considerarem os recursos não contingenciáveis de empresas e governo; e a utilização dos recursos de investimentos obrigatórios em P&D da Lei de Informática são candidatos naturais a financiar esse desenvolvimento – bem como o BNDES e a Finep, complementados por outros fundos orçamentários.

Porém, sem uma gestão focada com força dentro do governo e uma agen-da de longo prazo estável, provavelmente as medidas necessárias não serão tratadas com a devida agilidade e profundidade. Com esses limitantes, o potencial de expansão dos embriões e demais investimentos em andamento podem impedir o crescimento e distanciar cada vez mais o Brasil da pujante indústria global de semicondutores.

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