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    AS RELAESLITERRIAS

    DE PORTUGALCOM O BRASIL

    Biblioteca Breve

    SRIE LITERATURA

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    ISBN 972 - 566 - 189 - 3

    DIRECTOR DA PUBLICAOANTNIO QUADROS

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    JOO ALVES DAS NEVES

    AS RELAES

    LITERRIASDE PORTUGALCOM O BRASIL

    MINISTRIO DA EDUCAO

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    TtuloAs Relaes Literrias de Portugal

    com o Brasil___________________________________________Biblioteca Breve / Volume 130

    ___________________________________________1. edio1992___________________________________________Instituto de Cultura e Lngua PortuguesaMinistrio da Educao e Cultura___________________________________________Instituto de Cultura e Lngua PortuguesaDiviso de PublicaesPraa do Prncipe Real, 14-1., 1200 LisboaDireitos de traduo, reproduo e adaptao,reservados para todos os pases

    ___________________________________Tiragem4000 exemplares___________________________________________Coordenao geral

    Beja Madeira___________________________________________

    Orientao grficaLus Correia___________________________________________Distribuio comercial

    Livraria Bertrand, SARLApartado 37, Amadora Portugal___________________________________Composio e impresso

    Grfica Maiadouro, SARua Padre Lus Campos, 6864470 MAIADezembro 1992Depsito Legal n. 61 316/92

    ISSN 0871 5165

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    NDICE

    Pg.

    Uma explicao, em vez do prefcio ........................................................7

    I

    OS INTELECTUAIS E ARTISTAS PORTUGUESESNO BRASIL

    Jornais e Jornalistas Portugueses no Brasil............................11Depois da independncia.................................................19Os Portugueses na Imprensa Brasileira ...................... .....24

    Os Portugueses no Teatro Brasileiro ..................... ................ 34A participao no Cinema ..................... ....................... ......... 40Os Modernistas dAqum e dAlm-Mar ...................... ........ 47Os Estudos Pessoanos no Brasil ........................ .................... 53

    Os precursores.................................................................53Bibliografia Brasileira.....................................................63Ricardo Reis, o heternimo emigrado.........................88

    II AUTORES PORTUGUESES NO BRASILA presena de Cames...........................................................98

    O tricentenrio...............................................................105Edies e estudos ........................................................112

    O Brasil na vida literria de Camilo ...................... .............. 120As polmicas................................................................130

    A influncia de Antnio Nobre na Poesia Brasileira ........... 146Os Poetas.......................................................................153Os crt icos ....................................................................168

    O Brasil na memria de Antero de Quental.........................183Leitores e estudiosos ecianos...............................................191

    O Brasil na obra de Ea..............................................191Os Amigos Brasil eiros ................................................201O colaborador de A Provncia de S. Paulo...........207

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    Ricardo Severo, o Patriarca da Colnia ........................ ..225Os vencidos de 1891 ...................................................226As est radas do ideal ....................................................228A Revista Portuguesa de So Paulo ......................230

    Jaime Corteso, historiador de duas Ptrias.........................238A colaborao na imprensa brasileira .......................245

    Os trs romances brasileiros de Ferreira de Castro..........249Gnese de A Selva ..................................................251Um Autor Brasileiro..................................................255O dilogo com o Brasil...............................................259

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    UMA EXPLICAO,EM VEZ DO PREFCIO

    O projecto inicial deste volume deveria abordar no s acontribuio dos escritores portugueses s Letras Brasileiras

    post-1822, mas tambm a participao nos sectores daImprensa, do Teatro, Cinema, Ensino, Cincias, Msica,

    Artes Plsticas, etc.No entanto, logo aps o incio da recolha da

    bibliografia, conclumos que a tarefa se tornava difcil,seno impossvel, porque no h estudos sistemticos sobrequalquer daqueles sectores. E foi por isso que optmos porabordar apenas alguns dos temas, desde o da imprensa (sorarssimos, parciais ou copiados os estudos conhecidos)ao teatro, cinema, referindo tambm as ligaes dosmodernistas e os estudos pessoanos, por se tratar do temamais insistentemente analisado no Brasil contemporneo.

    Passmos depois ao comentrio das relaes ouinfluncias de certos autores portugueses: Cames, Camilo,

    Ea, Antnio Nobre e Antero (apesar da granderepercusso que a obra deste ltimo teve no Brasil o que

    pouca gente se lembrou de avaliar), passando por RicardoSevero, cuja influncia cultural foi enorme sobre a

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    colnia, e Jaime Corteso (foi efectivamente o historiadordas duas Ptrias), sem esquecer a obra brasileira deFerreira de Castro.

    Ficam para outro volume as observaes indispensveisem torno da aco desenvolvida por Fidelino de Figueiredo(como professor e ensasta), Agostinho da Silva (e quantolhe devem Portugal e o Brasil!) e outros professores

    portugueses, bem como por Miguel Torga, Vitorino

    Nemsio, Antnio Botto, Joaquim Pao dArcos ou porNuno Simes, Jos Osrio de Oliveira, Lus ForjazTrigueiros e muitos mais, com relevo para Adolfo Casais

    Monteiro, assim como o que fizeram Jorge de Sena ouAntnio Ferro e at mesmo Joo Gaspar Simes, cujapresena nos suplementos e revistas culturais foi to intensaque alguns o julgavam, pelo menos, residente no Brasil,onde os seus livros continuam a ser bastante lidos (e nemsempre citados).

    Outros escritores teriam de ser referenciados nestaaproximao de Portugal com o Brasil, incluindo Antnio

    Ramos de Almeida e Amndio Csar (cada um a seumodo), Antnio Quadros e Arnaldo Saraiva e tantosoutros que dedicaram estudos problemtica luso-brasileira, bastando esta enunciao para se insinuar que muitssimo ampla a matria.

    Alis, omissos todos havemos sido no aprofundamentodas relaes culturais entre Portugal e o Brasil, com relevomuito especial para o subsdio dos intelectuais e artistas

    portugueses Cultura Brasileira, conforme exemplificam oscasos flagrantes do poeta Faustino Xavier de Novais ou dohistoriador Joo Lcio de Azevedo (para no ir mais

    longe), nem to pouco tratmos com o devido rigor a

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    situao dos autores brasileiros nascidos em Portugal(Jos Geraldo Vieira, Domingos Carvalho da Silva e

    por a fora), assim como se ignoram os casos to especiaisdos poetas e ensastas Joo Manuel Simes, Carlos dAlgee Jos Rodrigues de Paiva e o dos dramaturgos Maria

    Adelaide Amaral e Cunha de Leiradella, ao lado de umbom nmero de poetas, ficcionistas, ensastas, pintores,cineastas, teatrlogos, professores universitrios, cientistas,

    jornalistas, etc., etc., etc.O inverso tambm verdadeiro: quem que estudou aaco desenvolvida por autores brasileiros no dilogo comPortugal? E a tarefa dos centros de estudos portugueses dasUniversidades Brasileiras? J no assinalaremos em

    pormenor o papel desempenhado, no mbito da culturapelas agremiaes luso-brasileiras, porque esse tem sidodesordenado, alm de ignorar e at de repudiar, por vezes, otrabalho intelectual dos portugueses que no podem ou noquerem integrar-se na vida associativa. No obstante,diremos que urge aprofundar estes estudos sobre as relaes

    literrias (e no s) de Portugal com o Brasil, mas tambmdo Brasil com Portugal, tudo isto passando por cima decertas revistas que para l dos anncios procuraramcontribuir, de facto, para um conhecimento real e to amploquanto possvel da problemtica que interessa aos dois

    pases. O balano que pode ser feito at hoje escasso edisperso, porque nunca tivemos uma verdadeira polticacultural o que explica at os malogros noutrosdomnios, desde a economia poltica. At quando?

    O autor

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    IOS INTELECTUAIS E ARTISTASPORTUGUESES NO BRASIL

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    JORNAIS E JORNALISTAS PORTUGUESESNO BRASIL

    Se um dia se fizer um estudo sobre a participaodos portugueses na Imprensa brasileira, depois daindependncia, verificar-se- que ela foi to amplaquanto benfica.

    Uma presena que vem, alis, desde 1808, quandocomeou a ser publicada a Gazeta do Rio de Janeiro(10/9/1808), arremedo de jornal, no dizer deNelson Werneck Sodr, dirigido por Frei Jos

    Tibrcio da Rocha. Meses antes, tinha comeado a

    aparecer em Londres, no dia 1. de Junho de 1808, oCorreio Brazilienseou Armazm Literrio, dirigido porHiplito Jos da Costa, que dissentia daadministrao portuguesa mas que no pregava aindependncia (acabou em Dezembro de 1822). Oprimeiro jornal efectivamente impresso no Brasil, areferida Gazeta, foi a decorrncia normal dainstituio da Imprensa Rgia e que divulgava osactos oficiais.

    A exaltao que se faz do Correio Braziliense, se justa por ter sido o jornal redigido por quem sabia

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    do ofcio, relega a um plano muito secundrio aimportncia da Gazeta do Rio de Janeiro, como sededuz da histria de Werneck Sodr, maisantiportugus do que historiador. E noconhecemos estudos sobre o primeiro peridicocarioca que alcancem o nvel da pesquisa de MariaBeatriz Nizza da Silva sobre o segundo jornal doBrasil, Idade de Ouro do Brasil, cuja primeira

    impresso de 14 de Maio de 1811 (durou at 1823),por iniciativa do comerciante portugus Manoel

    Antnio da Silva, redigido inicialmente por GonaloVicente Portela (1812) e depois pelo padre IgncioJos de Macedo (1816). Saa na cidade de Salvador(Bahia), onde em 1812 seria tambm lanada aprimeira revista literria, As Variedades / ou /

    Ensaios de Literatura, que teve como primeiroredactor o bacharel emigrado Diogo Soares da SilvaBivar, uma curiosssima personalidade que foimagistrado e jornalista, crtico e escritor.

    O historiador Hlio Vianna traou a biografiadeste singular jornalista e literato, em Contribuio Histria da Imprensa Brasileira / 1812 / 1869,esclarecendo que ele nasceu em Abrantes(6/2/1785) e veio a morrer no Rio de Janeiro (em10/10/1865); era formado em Direito, em Coimbra,e foi inspector da Plantao das Amoreiras, directorda Fiao e Tecidos dos Bichos de Seda de Abrantese administrador dos Tabacos na comarca. Por tersido colaboracionista do invasor francs Junot (queo comprou com o cargo de Juiz de Fora de

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    Abrantes), Diogo Bivar foi condenado ao degredoem Moambique, mas conseguiu fixar-se na Bahia,graas proteco do governador da Capitania, D.Marcos de Noronha e Brito, 8. conde de Arcos.

    Acabou participando na redaco da Idade de Ourodo Brasil, ao lado do padre Jos Igncio de Macedo.Casou com a baiana Violante de Lima, foi nomeadocensor (1821) e mais tarde mudou-se para o Rio de

    Janeiro. Manico, defendeu a independncia doBrasil. Advogado, foi tambm um dos juzes doConselho de Jurados por excessos da liberdade deImprensa (1825/26), tendo exercido outrosimportantes cargos oficiais, alm de lente de DireitoMercantil e de inspector da Aula de Comrcio. Umdos filhos, Luiz, foi director do jornalA Regeneraoe a filha Violante apontada como a primeirajornalista brasileira por ter dirigido o Jornal dasSenhoras(de 1852 a 1855).

    Hlio Vianna enumerou 20 dos seus trabalhos,

    incluindo os de redactor, sobre temas histricos,literrios, geogrficos, etc. Segundo o filho Luiz,Diogo Soares da Silva Bivar nasceu abastado, viveuilibado e morreu pobre. Em Portugal, publicou a

    Memria em que se prova que a vila de Abrantes fora aantiga Tubucei dos romanos e no Tancos como outrossupem (1802), assim como os estatutos da SociedadeLiterria Tubucianae um Novo Atlas geogrfico. Eno Brasil h que relevar, entre outros, o Almanaqueda Bahia para 1811. Quanto revistaAs Variedadesou Ensaios de Literatura, de que se conhecem

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    algumas pginas de 1814 que teriam sidoadicionadas ao encalhe da publicao inicial, em1812 reunia discursos sobre os costumes e as

    virtudes morais e sociais, algumas novelas deescolhido gosto e moral; extractos de histria antigae moderna, nacional ou estrangeira, resumo de

    viagens; pedaos de autores clssicos portugueses,quer em prosa, quer em verso, cuja leitura tende a

    formar gosto e pureza na linguagem; algumasanedotas e boas respostas, etc..

    Ainda no perodo colonial, poderamos citar aparticipao de relevo que tiveram os portugueses naImprensa, incluindo o prprio D. Pedro (I do Brasil,como imperador, e IV de Portugal, como rei),nascido em Queluz aos 12/10/1798, onde veio amorrer em 24/9/1834. A vasta e irrefutveldocumentao reunida por Hlio Vianna no livro D.Pedro I, jornalista confirma que o futuro imperador erei foi um inveterado jornalista panfletrio, de

    acordo com os manuscritos hoje guardados noArquivo da Famlia Imperial Brasileira, que ficou porlargos anos no Castelo dEu (Frana), para ondeforam levados aps a implantao da RepblicaBrasileira, em 1889; mais tarde, voltaram ao Brasil eesto hoje no Museu Imperial de Petrpolis, ondepuderam ser compulsados pelo historiador, que osutilizou largamente no livro sobre as actividadesjornalsticas de D. Pedro, enquanto apenas prncipee at depois de proclamar a independncia e de usaro ttulo de Imperador do Brasil. O real periodista

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    redigia desde o folheto isolado ao artigo panfletriono jornal e o seu primeiro pseudnimo teria sidoSimplcio Maria das Necessidades, sacristo daFreguesia de So Joo de Itabora, com o qualassinou o folheto de 21/1/1822, a propsito dosincidentes relacionados com o Fico, quando acorte de Lisboa o mandou regressar a Portugal. D.Pedro ficou, depois de ter anunciado, no Rio de

    Janeiro: Como para o bem de todos e felicidadegeral da nao, estou pronto: diga ao povo que fico.

    Alm de ter sido jornalisticamente sacristo,D. Pedro usou tambm outros pseudnimos, desdeO inimigo dos marotos (os portugueses eram essesmarotos) ao Piolho viajante, passando por O

    Anglo-Manaco e, por isso, o Constitucional Puro,O Espreita, O Ultra-Brasileiro, O Filantropo,O Derrete-Chumbo a cacete, etc., esclarecendoHlio Vianna que D. Pedro utilizava a pena comoum azorrague para flagelar os adversrios: Sem d

    nem piedade, custico, irreverente, escrevendo asverdades abertamente, citando nomes e factos,doesse a quem doesse.

    Por algum tempo, suspeitou-se do realjornalista mas outros o desculpavam com oargumento de que o verdadeiro autor dos artigos epanfletos era o secretrio de D. Pedro, FranciscoGomes da Silva O Chalaa , nascido em 1791em Lisboa e que foi em 1808 para o Brasil. Em

    verdade, ambos foram jornalistas e, acima de tudo,panfletrios. No livro D. Pedro I, jornalista, Hlio

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    Vianna informa que O Chalaa escreveu nosjornais O Espelho, Dirio Fluminense, Dirio doGoverno e Gazeta do Brasil, salientando que oprncipe regente e imperador, ao contrrio dosgovernantes que chamam outros para divulgar assuas ideias quando as tm , preferiu ser, eleprprio, seu panfletrio e periodista, neste casocomo encoberto colaborador-missivista de jornais

    cariocas do seu tempo. E contou sempre, at 1830,com o constante auxlio do dedicado secretrioparticular e oficial do gabinete ConselheiroFrancisco Gomes da Silva, apelidado O Chalaa.

    A actividade jornalstica do real panfletrioatingia, por vezes, as raias da inoportunidadepoltica, ao ponto de o principal ministro damonarquia brasileira, o marqus de Barbacena, terconseguido do Imperador, em 1830, a promessa deele no escrever para as gazetas, no se sabendo,porm, se o jornalista ficou em silncio, limitando-

    se a assoprar ao francs Henri Plasson, redactor dojornal Moderador (e talvez a outros plumitivos),informaes que no tardavam a aparecer em letraimpressa o que levou Hlio Viana a concluir: D.Pedro, como se v, jornalista veterano, apesar desempre encoberto por pseudnimos, sabia o que

    valia a Imprensa, para a formao da opinio pblicae, assim, aqui o deixamos, esperando terdemonstrado que foi publicista dos mais activos,conquanto at agora dos menos conhecidos de nossaHistria.

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    Do historiador brasileiro se destacam ainda asobservaes sobre o jornalista, conselheiro, oficialde gabinete, comendador e secretrio real FranciscoGomes da Silva, que ganhou o apelido de Chalaapor suas habituais faccias. Filho de um ourives dacasa real, nasceu em Lisboa em 1791 e veio em 1808para o Rio: Apresentado, muitas vezes, apenascomo companheiro de patuscadas do fundador do

    Imprio Brasileiro, com acentuada antipatia quequase sempre aparece nas pginas de nossoshistorigrafos, inclusive como principal figura dochamado gabinete secreto, que se dizia existir nosanos imediatamente anteriores abdicao (de D.Pedro) de 1831. Por um artigo que lhe foi atribudo,o marqus de Barbacena conseguiu que O Chalaafosse mandado para Npoles, como encarregado denegcios do Brasil. Das Memrias oferecidas NaoBrasileira (Londres, 1831) no mais se duvida queforam redigidas por Francisco Gomes da Silva,

    apesar de terem sido atribudas a autoresliterariamente mais notveis, Rodrigo da FonsecaMagalhes ou Almeida Garrett, esse mediante opagamento de trinta libras esterlinas, informouHlio Vianna. O historiador concluiu que outrostextos jornalsticos so da autoria indiscutvel doChalaa, conforme documentam os manuscritos, eaponta o panfleto Breve Anlise Malagueta

    Extraordinria ou Extravaganten. 3, de 28 de Maioe 1824, cujo custo de impresso foi de 60$360,

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    pagos por D. Pedro I Imprensa Nacional (Rio deJaneiro).

    O curioso que as malaguetas foram jornaispublicados por Lus Augusto May O Malagueta

    , que nasceu em Lisboa (1782). De origem inglesaresidiu em Londres, de onde foi para o Brasil, comointrprete de trabalhadores suecos destinados Fbrica de Ferro de Ipanema, em Sorocaba. Lus

    Augusto May foi militar, chegou ao posto de capitoe exerceu vrios cargos civis, nomeadamente o desecretrio do representante de Portugal na capitalbritnica, Domingos Antnio de Sousa Coutinho.

    Ao lanar, no Rio de Janeiro, o jornalMalagueta,em 18/12/1821, 1. de uma srie, declarou-seindependente no campo razo da liberdade deimprensa. O ltimo peridico da srie saiu em5/6/1822, mas a repercusso foi to grande queprovocou a publicao de 8 folhetos de resposta.Dez meses mais tarde, apareceu a Malagueta

    Extraordinria (31/7/1822), a mais notvel detodas, por ter dado motivo violenta agresso no diaseguinte sofrido pelo jornalista, de que tanto se faloue escreveu, poca e posteriormente, observou oautor da Contribuio Histria da imprensaBrasileira. E a agresso insinua como era o tom dospanfletos de D. Pedro e do Chalaa. Em1828/1829, assinala Hlio Vianna a segunda fase daMalagueta, a ltima das quais veio a aparecer em1832.

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    Lus Augusto May, que faleceu em 1850, foi umdos jornalistas mais combativos e combatidos doBrasil. Deputado por Minas Gerais e a seguir peloRio de Janeiro, nas duas primeiras legislaturas doImprio, foi agredido duas vezes pelos seusadversrios polticos. No tendo conseguidoreeleger-se, em 1834, May entrou em definitivadecadncia poltica, diz Hlio Vianna, que

    acrescenta haver tentado o jornalista nascido emLisboa aproximar-se de D. Pedro I, mas, ao queparece, as suas violentas crticas do passado nuncaforam perdoadas.

    Depois da independncia

    Se lermos A Histria da Imprensa no Brasil, deWerneck Sodr, bem pouco saberemos dosportugueses. No captulo sobre Imprensa e

    Literatura, por exemplo, informa que, no final dosculo XIX, entre os jornais que do destaque sletras alinham-se, principalmente, o Dirio Mercantil,de So Paulo, mas no esclarece que o jornal eradirigido pelo portugus Gaspar da Silva. E ao referiroJornal do Comrcio(Rio de Janeiro), menciona semexplicaes a coluna Dominicais de Joo Luso e acolaborao, entre outros, do portugus Cndido deFigueiredo, enquanto na Gazeta de Notcias(tambm do Rio) cita mas sem lhe atribuirimportncia que est de volta Ramalho Ortigo.

    Noutra passagem sobre o aludidoJornal do Comrcio,

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    refere que, dos estrangeiros, distinguem-se Justinode Montalvo, e cita as Cartas de Lisboa de JosMaria Alpoim, os artigos de Cmara Reys (?), masno d explicaes nenhumas, embora assinale asesplndidas crnicas do visconde de Santo Tirso,reunidas depois nos volumes De Rebus Pluribus eCartas de Algures informaes muito incompletas,como veremos mais adiante.

    Quanto aos jornais, o parcialssimo e superficialhistoriador coloca no mesmo ramo a proliferaodos pasquins, em 1831, apontando A LusitniaTriunfante. Noutra pgina, ficamos a saber doaparecimento de um jornal, O Luso-Brasileiro,lanado em 1822 em Belm do Par por Jos RibeiroGuimares, mas que estava a servio dosdominadores locais, contrrios independncia.Em 1823, surgiu o Luso-Paraense, sob a direco domesmo Guimares e de Jos Lazier. Por volta de1876, refere Werneck o aparecimento da Mala da

    Europa, revista impressa em Portugal, masdestinada ao Brasil. E encontram-se ainda na

    werneckiana histria breves menes a O ReguladorLuso-Brasileiro: na Corte, a 29 de Julho (1822),comearia a circular, sintomaticamente, o semanrio(), redigido por Frei Francisco de Sampaio e por

    Antnio Jos da Silva Loureiro, que apareceu at 12de Maro de 1823, defendendo a unio entre Brasil ePortugal e o governo andradista. Outro jornal foiADefesa dos Portugueses (Rio de Janeiro), arroladonuma lista dos jornais de 1883. No sculo XX, h

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    referncias s actividades jornalsticas de CarlosMalheiro Dias, Julio Machado e Correia Dias, maso leitor desprevenido no saber por Werneck queeles eram portugueses. V l que a pgs. 253 ohistoriador que vimos seguindo fala do jornal OBesouro, de 1878, com as excelentes charges deRafael Bordallo Pinheiro. Em compensao, nadaacrescenta acerca dos inmeros jornalistas

    portugueses que trabalharam na Imprensa brasileirae que nela tiveram especial destaque. So numerosasas omisses, entre as quais se apontam os nomes deFilinto de Almeida, Jos Maria Lisboa, FaustinoXavier de Novaes, padre Sena Freitas, Gaspar daSilva e Augusto Emlio Zaluar, jornalistasportugueses que tiveram grande projeco.

    Se esses e muito outros jornalistas e escritoresderam o seu contributo Imprensa brasileira, tantomelhor. Pena que Werneck Sodr tenha olhos

    vesgos para o que de positivo fizeram os

    portugueses e no hesite repetir a balela de que oatraso na implantao da tipografia foi para manteros brasileiros na ignorncia, ao comparar o avanoespanhol e o atraso portugus: Que razes teriaeste contraste de orientao se, poca, Portugal eEspanha, submetidos ao mesmo regime, o feudal,deviam ter o mesmo atraso em suas colnias? Ohistoriador responde que a Universidade tambmchegou com atraso ao Brasil os motivos so osmesmos que atrasaram o desenvolvimento daImprensa.

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    Alguns dos mestres contemporneos dacomunicao social corrigem a informao deficientede historiadores como o N. W. Sodr, e um deles, oprofessor Jos Marques de Melo, elucida no livroSociologia da Imprensa Brasileira, que em relao

    Amrica Portuguesa, h uma grande distncia entreo comeo da ocupao e o funcionamento efectivode uma administrao colonial, circunstncia que,

    isoladamente, j pode esclarecer a ausncia detipografias naquele perodo. E, noutra passagem,admite Marques de Melo que Portugal poderia tertambm razes polticas para evitar que a Imprensase desenvolvesse no Brasil, mas logo a seguirpondera no ser possvel afirmar-se que ametrpole houvesse tomado medidas definitivas, deordem geral, para impedir o funcionamento daImprensa em terras brasileiras. O precedente

    verificado nos territrios coloniais do Oriente ()pe por terra toda a argumentao de que Lisboa

    visualizava na Imprensa um instrumentorevolucionrio, capaz de propiciar a libertao dospovos colonizados, e que, por isso mesmo, deveriaser aniquilada. Ao contrrio, a Imprensa foi noOriente um recurso eficaz para assegurar asubmisso das populaes, tarefa a que osmissionrios se entregaram com entusiasmo.

    O ensasta e professor brasileiro continua odesenvolvimento do seu raciocnio e completa-ocom esta sensata afirmao: Diramos que noexistiu uma legislao expressamente restritiva

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    instalao de tipografias no Brasil. O que se costumaapresentar como prova da intransigncia lusa so osdocumentos legais expedidos para atender asituaes especficas de desrespeito s normas

    vigentes e da burla vigilncia das autoridades.Referimo-nos aos textos legais de 1706 e de 1747,determinando a apreenso de tipografias aquiinstaladas clandestinamente. E acentua o prof.

    Marques de Melo haver uma diferena muitogrande entre um diploma legal proibindotaxativamente o funcionamento de tipografias (queno chegou a existir) e determinaes isoladas dasoficinas montadas sem autorizao dos governantesmetropolitanos.

    Outro facto que merece ser tomado em conta a condescendncia com que Portugal procedeu emrelao aos autores brasileiros, que foram impressosem Portugal e circularam em terras do Brasil. Arealidade que l-se na Sociologia da Imprensa

    Brasileira a Imprensa no surgiu no Brasilporque no havia capitalismo e burguesia no perodocolonial. Em verdade, o problema no demasiado simples e tangvel como pretende

    Werneck Sodr.Em resumo, as actividades comerciais no Brasil,

    assim como as administrativas e culturais, nopassavam de meros embries, rudimentares e poucosolidificados, declara o prof. Marques de Melo:Tanto assim que no foram suficientes para impor anecessidade da Imprensa como elemento

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    imprescindvel (que no o era) vida colonial. Emcompensao, Goa e Macau tiveram mais cedo aImprensa porque reuniam essas condies eprecisavam da Imprensa.

    Os Portugueses na Imprensa Brasileira

    As omisses e distorses sobre o papel cumpridona Imprensa brasileira pelos jornalistas (e outros)portugueses devem ser apontadas e corrigidas. Oque no ser tarefa fcil. Por uma srie de motivos, oprincipal dos quais o descaso pelo exame srio dasquestes relacionadas com o dilogo cultural entreportugueses e brasileiros. Basta ver o que tem sidofeito, nos ltimos anos antes e depois do 25 de

    AbrilDe qualquer modo, lembrando que quem no

    tem co caa com gato, h que tentar, ao menos,

    sugerir algo de positivo, recapitulando certaspesquisas e ideias que temos defendido h pelomenos um decnio. E comeamos por confessar queo material de pesquisa to vasto que s para odetectar ser necessria uma boa equipa

    Abrimos com vrias listas, catalogadasgrosseiramente, e em primeiro lugar poderamosfazer uma lista dos jornalistas portugueses queactuaram no Brasil: a nossa relao provisria estcom algumas dezenas de nomes. Viria depois a dosque ainda esto vivos, partindo exclusivamente de

    pessoas que conhecemos de perto ou de longe e

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    chegmos a duas dezenas. Numa terceira relao dosque viveram (ou vivem) neste pas e quecolaboraram na imprensa brasileira, j fomos almdos 50. Quanto ao nmero dos portugueses queforam correspondentes ou colaboradores daimprensa do Brasil, a lista ainda mais longa. E noentrmos sequer na chamada imprensa luso-brasileira, at porque a pesquisa se torna mais

    complicada, seno impossvel: o jornal mais antigoem circulao (Voz de Portugal, semanrio do Rio de

    Janeiro) tem pouco mais de 50 anos e ascoleces dos jornais do passado quem as guardou?

    Outro caso impressionante que no pode deixarde ser referido o do O Estado de S. Paulo, por setratar do jornal brasileiro por onde devem terpassado mais portugueses, desde a fundao, em1875. Foram mais de 20, entre os jornalistas deprofisso, sem falar dos colaboradores portugueses,Em primeiro lugar, no pode esquecer-se que entre

    os fundadores deste jornal republicano esteve umportugus o jornalista Jos Maria Lisboa, que tevelugar de realce em outros rgos da imprensabrasileira e acabou sendo o principal fundador edirector de outro jornal, o Dirio Popular, lanadoem 1885 e ainda em circulao em So Paulo.

    Nos primrdios deA Provncia de S. Paulo(ttuloinicial de O Estado, que mudou de nome quando aRepblica transformou as antigas provncias emestados), entre os principais redactores destacava-se Gaspar da Silva (Boaventura Gaspar da Silva

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    Barbosa), que foi enobrecido com o ttulo devisconde de So Boaventura pelo rei D. Carlos, apso seu regresso a Portugal. Esteve no s nAProvncia, mas tambm no Jornal do Comrcio e noDirio Mercantil de So Paulo, alm de ter sido umdos fundadores de A Repblica das Letras (1876),que foi um dos primeiros jornais brasileiros adivulgar Ea de Queirs. E andou igualmente pela

    imprensa de Campinas e de Sorocaba, tendo deixadovrios livros em prosa e verso, desde Reverberos,Antes de soprar luz, Reaco e liberdade, etc. NaProvncia de S. Paulopublicou inmeros artigos sobretemas diversos, mas com destaque para as artes eletras destacando-se como modernista do seutempo. Violento polemista foi atacado comferocidade por Camilo Castelo Branco (emborahouvesse sido um fervoroso camilianista) noCancioneiro Alegre: Que pena se este Gaspar seestraga com a cachaa brasileira!

    A participao dos portugueses na imprensabrasileira um mundo: Fidelino de Figueiredo emUm sculo de relaes luso-brasileiras (1825-1928), jassinalara a extraordinria repercusso que teve nosjornais do Brasil a colaborao dos escritores ejornalistas portugueses: Muitas penas portuguesastm mantido a ligao espiritual do Brasil comPortugal, por meio da imprensa brasileira, falando-lhe da velha metrpole, da sua cultura e de quantodo antigo mundo possa interessar os seuslongnquos leitores: Ea de Queirs, Maria Amlia

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    Vaz de Carvalho, Ramalho Ortigo, visconde deSanto Thyrso, Pinheiro Chagas, Mariano Pina,Guilherme de Azevedo, conde de Sabugosa, etc.Grande parte da obra de Maria Amlia mesmoconstituda por essa colaborao na imprensacarioca, e uma vez compendiada em volume nosinformava um pouco dos valores literrios do Brasil,porque sobre eles discorria tambm.

    O prof. Fidelino de Figueiredo abre apenas agrande porta: quem sabe que vrios dos livros deRamalho Ortigo foram inicialmente publicados naGazeta de Notcias, do Rio de Janeiro, para a qual oautor deA Holandateria levado Ea de Queirs? Naaltura em que o redactor dAs Farpas veio ao Brasil,

    A Provncia de S. Paulo salientava que quando eleapareceu, Portugal literrio ainda era um feudo doromantismo, sob todos os pontos de vista. O fachorevolucionrio foi ele quem o ateou, tendo porcompanheiro o ilustre autor do Primo Baslio e de O

    Crime do Padre Amaro.E os ecianos do Brasil que ainda hoje pedem

    meas aos pessoanos? No Livro do Centenrio deEa de Queiroz, o poeta Manuel Bandeira fez olevantamento da colaborao na Gazeta de Notcias,onde Ea de Queirs comeou a escrever em 1880 eonde saram muitos dos textos que mais tarde foraminseridos nos volumes Cartas de Paris e Londres,Cartas da Inglaterra, Correspondncia de Fradique

    Mendes, Notas Contemporneas, Ecos de Paris, Cartasinditas de Fradique Mendes, Cartas Familiares e

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    Bilhetes de Paris, alguns contos, o 1. captulo de OsMaias. A colaborao prolongou-se at 20 deSetembro de 1897, data em que o jornal cariocaimprimiu As catstrofes e as leis da emoo.

    O romancista de A Cidade e as Serras desejouardentemente esta colaborao na imprensabrasileira, tendo em vista, sobretudo, o equilbrio doseu oramento, permanentemente deficitrio, e

    admitiu a hiptese de escrever para a Gazeta daBahia e para o Jornal do Commercio (do Rio).Nenhum bigrafo ou crtico falou, porm, dascrnicas e de Os Maias que vieram a lume naspginas de A Provncia de S. Paulo, conformepudemos documentar em O colaborador de AProvncia de S. Paulo.

    Cremos que fomos tambm os primeiros arevelar as 15 crnicas inditas que Antnio Nobrepublicou, no Correio de Campinas, em 1885, assuntoque tratmos em artigo nO Estado de S. Pauloe nO

    Primeiro de Janeiro, em 1967, assunto que ainda noesgotmos e ao qual pretendemos voltar um dia.

    Outro colaborador que foi muito apreciado pelosleitores dos jornais do Rio de Janeiro e So Paulo foiCarlos Cirilo Machado, 2. visconde de Santo Tirso(1865-1919), diplomata e comentador de questes daactualidade.

    E Rafael Bordallo Pinheiro, que viveu cerca de 4anos no Rio de Janeiro, ganhou a vida comocaricaturista dos jornais Mosquito, Psit!!! e Besouro,entre 1875 e 1879. A influncia que exerceu na

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    imprensa brasileira da poca ainda no foidevidamente estudada, mas podemos garantir quefoi imensa. E foi ainda o grande caricaturista oprimeiro de uma srie de outros caricaturistasportugueses no Brasil em torno de duas dezenasno final do sculo XIX e na primeira metade dosculo XX, outro tema para uma pesquisa que valeriaa pena fazer.

    Se se fizesse a histria da participao dosportugueses na imprensa brasileira, deveria seguir-sea ordem cronolgica, mas os apontamentos que

    vamos desenvolvendo no a atendem, so quase umpouco ao sabor da memria e das pesquisasincompletas que vimos fazendo. No obstante,devemos abrir espao para Faustino Xavier deNovaes (1820-1869), o poeta satrico que veio doPorto para o Rio, que foi amigo de Camilo (que oapresenta e exalta no Cancioneiro Alegre). Colaborouem jornais e revistas, publicou livros, foi muito

    apreciado, mas nem por isso deixou de ser infeliz. Esua irm Carolina Novaes acabou sendo o grandeamor do maior escritor brasileiro, Machado de Assis.

    Outro jornalista invulgar foi Augusto EmlioZaluar (1826-1882), que estudou Medicina emLisboa e se dedicou s letras. Chegou comoemigrado ao Rio em 1849 e aqui viveu comofuncionrio pblico, professor e jornalista.Colaborou numa srie de publicaes, fundoujornais em Vassouras, Petrpolis e Santos, deixoulivros de versos e de prosa (alguns traduzidos), um

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    dos quais o raro testemunho de um grandejornalista e escritor, Peregrinao pela Provncia de SoPaulo(1860-1861). Melhor do que qualquer epitfio,as palavras de A Provncia de S. Paulo, na hora damorte de Zaluar: Os seus filhos esto reduzidos agrande pobreza, s tendo herdado de seu pai amemria de um homem honrado e trabalhador.

    Carlos Malheiro Dias, Joo Luso, Thomaz

    Ribeiro Collao, o padre Sena Freitas, crtico epolemista que tambm veio para os Brasis, JosMaria Lisboa e Gaspar da Silva, para citar apenasalguns, entre centenas, deixaram na Imprensabrasileira uma lembrana que perdurou por largosanos. Alis, bastaria pesquisar na coleco de AProvnciae de O Estado de S. Paulopara se verificarcomo foi profunda e altamente benfica para a nossaCultura a colaborao de portugueses. E debrasileiros tambm, claro, nos artigos sobrequestes portuguesas. O grupo dos portugueses, nO

    Estado , daria, no um captulo, mas um livro, se oabrssemos em 1875 e o folhessemos at aostempos contemporneos. Lembrar-se-o apenasoutros colaboradores, alm dos j referidos, como omdico e escritor Antnio Maria BettencourtRodrigues (1855-1933), que foi para o Brasil por

    volta de 1890, exilado voluntrio por serrepublicano, e que veio a ser ministro dos NegciosEstrangeiros uma tarefa com certeza menosimportante do que os 350 artigos que publicou nojornal O Estado de S. Paulosobre questes cientficas

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    (alguns depois reunidos em vrios livros), polticas eculturais.

    Outro colaborador assduo foi o jornalista eescritor Filinto de Almeida (1857-1945), que apesarde portugus pertenceu Academia Brasileira deLetras (outros raros portugueses tiveram tambmessa honra). Jaime Corteso publicou mais de 200artigos nO Estado de S. Paulo, vrios dos quais esto

    hoje nos dois volumes de Introduo Histria dasBandeiras(64 artigos que tivemos a honra de ajudar areunir), em Portugal a terra e o homem e noutroslivros do maior historiador luso-brasileirocontemporneo.

    O republicano Ricardo Severo, emigrado porcausa da intentona revolucionria do Porto, em1891, publicou uma cinquentena de artigos(incluindo conferncias) nO Estado (e noutraspublicaes brasileiras), sendo porventura o maisilustre dos emigrados: era um homem notvel no

    apenas pelas suas actividades profissionais deengenheiro e empresrio mas igualmente pela acocultural que desenvolveu no Brasil para honra dePortugal.

    Fialho de Almeida publicou nO Estado de S.Paulo99 artigos e contos, pelo menos, trabalhos queno conseguimos inventariar at ao fim, poissupomos que vrios deles no foram includos noslivros do admirvel contista, crtico e jornalistaportugus. Saibam quantos a reunio dos textosque Fialho mandou para oJornal do Brasil, do Rio de

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    Janeiro, quando a imprensa portuguesa boicotouimplacavelmente Fialho, por ele ter deixado de serrepublicano. Os trabalhos que mandou para O

    Estado , ao que parece como correspondente dojornal, saram na ltima dcada do sculo XIX.

    Henrique Galvo (1895-1970) outro caso porestudar, pois foi graas a O Estado de S. Paulo(ondepublicava um artigo semanal, depois da aventura do

    Santa Maria) que sobreviveu inclusive nosltimos quatro anos de existncia, que passou numaclnica paulista. Mas foi nas colunas do jornal quechegou a ser um viveiro de anti-salazaristas (todoscomunistas, segundo os comendadores dosalazarismo em So Paulo, e at de alguns do ps-25 de Abril) que o capito Galvo disparouimplacavelmente sobre os seus adversrios e ex-companheiros da Unio Nacional

    Fechamos a lista com Adolfo Casais Monteiro, ogrande campeo entre os colaboradores

    portugueses de O Estado de S. Paulo maspoderamos citar outros, desde Jorge de Sena aosque viveram sempre em Portugal, entre os quaisscar Lopes, Joo Gaspar Simes e quantosmais? Ainda sobre Casais Monteiro, o singularcampeo: j localizmos mais de 500 artigos(muitos dos quais sobre poltica portuguesa).

    O simples enunciado das questes a aprofundard uma ideia aproximada do muito que precisa serinvestigado para se traar uma perspectiva da acodos portugueses na imprensa brasileira.

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    Quanto chamada imprensa luso-brasileira outro captulo a desenvolver, principalmente depoisde 1822 e, em particular, na segunda metade dosculo XIX e na primeira do sculo XX quando foimais intensa a emigrao portuguesa para o Brasil.E, neste captulo, h ainda que estudar o sentido e aimportncia de revistas aparentemente to prximasmas de esprito to diferentes como foram a

    Atlntidae aAtlntico.

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    OS PORTUGUESESNO TEATRO BRASILEIRO

    Atinge cerca de 250 verbetes a Contribuioportuguesa ao teatro do Brasil, apresentada por CarlosK. Couto durante o I Encontro dos Intelectuais e

    Artistas Portugueses que em Maio de 1990 serealizou em So Paulo por iniciativa do Centro deEstudos Americanos Fernando Pessoa.

    Ainda que baseado em grande parte no livro de J.Galante de Souza, O Teatro no Brasil, nem por issose revela menos significativo o trabalho de Carlos K.

    Couto, que actor e dramaturgo, tendo trabalhadono s no teatro mas tambm no rdio e nateleviso, bem como na imprensa. Crtico e cronista,poeta com vrios livros publicados, trata-se de maisum autor brasileiro nascido em Portugal (no Porto) ea sua ltima iniciativa foi a construo de um teatroao ar livre, num terreno de sua propriedade, emNiteroi. Poeta de rara sensibilidade, no somentequando faz versos mas tambm quando se consagra crnica e ao teatro.

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    Queixa-se o pesquisador que na busca que fezpara colectar subsdios capazes, a fim de levar abom termo o seu empreendimento isto , adocumentao que os portugueses tmproporcionado ao teatro brasileiro no encontrouqualquer literatura especializada a respeito, onde,alm de nomes e factos, fossem analisadascriticamente as fases e a importncia de tal

    contribuio. Infelizmente, o que se passa no teatroocorre tambm na poesia, na fico e no ensaio ouno jornalismo, bem como no cinema e nas artesplsticas para no referir outros sectores vitais,que vo desde o ensino cincia.

    Na verdade, no existe uma poltica culturalportuguesa no Brasil e no h sequer estudos amplose sistematizados sobre a nossa emigrao. Tudo oque existe fragmentrio e as poucas obrasrealizadas desde 1822 esto dispersas pelasbibliotecas brasileiras e portuguesas, grandes e

    pequenas, oficiais e particulares. Pouco se sabe emrelao aos temas de interesse comum nos dois ladosatlnticos como se a Portugal no interessassemas razes lusadas do Brasil nem ao Brasilmerecessem qualquer importncia o papel doportugus emigrado.

    O exemplo da pesquisa feita por Carlos K. Coutodemonstra a amplido e, ao mesmo tempo, acomplexidade da presena dos portugueses no teatrodo jovem pas: Imperdovel lacuna, scompreensvel por bem se conhecerem os tempos

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    do obscurantismo cultural que nossos dois pasesatravessaram neste sculo. E pela quase totalindiferena do capital lusitano, sempre interessadoem investir mais em nozes do que em vozes,coisa para sonhadores. Isso de movimentos culturaisde profundidade ainda no a preocupao palpvelpara a maioria das empresas de porte, no apenasdirigidas por patrcios nossos, mas tambm pelos

    americanos, ingleses, turcos e brasileiros acentua o autor da Contribuio portuguesa ao teatro doBrasil. E diz ainda: Hoje, a evoluo da arte derepresentao encontrou caminhos de cinema, rdio,televiso, propaganda, num leque que o torna cada

    vez mais importante e indispensvel. A informticaagiganta-se e o mundo vai-se transformando numagrande pista de corrida onde chega primeiro quemtiver mais dados informativos. Por fim, adverte:Assim, mais do que nunca, parece-nos oportunauma fixao coordenada das lutas que tm tido

    milhares de portugueses do Brasil em jornaistribunas, universidades, laboratrios, teatro.

    O levantamento feito por Carlos K. Couto incompleto, esclarece-nos ele, juntando, alis,actores, tcnicos e autores teatrais ou simplesmestres-ensaiadores e s inclui alguns (haverfalhas) dos que nasceram em Portugal aps aindependncia do Brasil, em 1822. Emcompensao, d pistas oportunssimas sobre asactividades intensas e prolongadas de alguns artistasportugueses, conforme, ocorre com a primeira da

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    lista, Adelina Abranches, que tendo-se iniciado noteatro aos 5 anos, em Lisboa, foi no Rio de Janeiroque trabalhou pela primeira vez, depois de adulta. Eoutra novidade: a sua filha Aura, que tanto ilustrou oteatro portugus como sua me nasceu noBrasil

    Os mais de 200 verbetes trazem outrasinformaes preciosas sobre as ligaes teatrais de

    muitos portugueses que se tornaram maisconhecidos pela sua maior projeco nas letras ou naimprensa. Na verdade, so duas dezenas osportugueses ligados ao jornalismo mas que tambmno Brasil se dedicaram ao teatro e vice-versa.Muitos deles dedicaram-se cena e conquistaram, deresto, grande xito.

    Determinadas das figuras so mencionadas nashistrias do teatro brasileiro, mas somente depassagem, como o caso de Furtado Coelho que foiautor de vrias peas e alguns romances, jornalista,

    pintor, pianista, compositor e dramaturgo, alm deempresrio. Foi ele quem apresentou ao Brasil aactriz (e poetisa) Eugnia Cmara, que veio a ser ogrande amor do poeta Castro Alves. Furtado Coelhofoi casado com a actriz Lucinda Simes, tendo sido,na opinio de Couto, o portugus que maiscontribuiu para a introduo do teatro realista noBrasil.

    A est uma informao que nunca foiaprofundada, embora se fale com muita frequnciana aco que tiveram no Brasil os teatrlogos de

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    outros pases. Quem sabe se algum completar estainvestigao sumria agora levantada e que mereceser mais aprofundada e interpretada luz daextraordinria contribuio que os portuguesesoferecem aos alicerces do teatro brasileiro?

    As relaes teatrais de um Henrique Chavessugerem outras pistas no teatro e fora dele: foi comele que Rafael Bordallo Pinheiro lanou o jornal O

    Besouro, no Rio de Janeiro parceria que ningumlembra, j que o caricaturista e ceramista se tornoufamoso. No obstante, Henrique Chaves colaboroutambm nO Mosquito (o jornal que contratouBordallo a peso de ouro e que veio a tornar-setambm colaborador da Gazeta de Notcias, ondeEa de Queirs publicou as crnicas de que fez maistarde livros inteiros), alm de ter sido um dospioneiros da taquigrafia no Brasil, pois a introduziuno Parlamento deste Pas.

    Outro nome ao acaso, Correia Varela, que

    escreveu numerosas comdias segundo Carlos K.Couto, e com algumas alcanou xito, alm de tersido actor e fundador de 33 jornais: PtriaPortuguesa, Dirio Portuguse Portugal Dirio. E, noraro, h informaes sobre os emigrados polticosportugueses no Brasil outro campo intacto e que

    valeria a pena devassar, pois o exlio vem do inciodas lutas entre miguelistas e liberais, tendo alcanadooutros pontos altos no fim do sculo passado comos republicanos inconformistas (BettencourtRodrigues, Ricardo Severo e outros), depois com os

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    monrquicos vencidos (entre os quais CarlosMalheiro Dias), vindo logo a seguir os anti-salazaristas (de Jaime Corteso a Adolfo CasaisMonteiro a relao extensa), at aos que saram dePortugal, Angola e Moambique depois do 25 de

    Abril de 1974Alm de ter alargado os verbetes de J. Galante de

    Sousa, o autor da Contribuio Portuguesa ao Teatro do

    Brasil incluiu outros teatrlogos mais recentes,classificando-os entre autores, ensaiadores, actrizes,actores e at mesmo empresrios. Destaca osdramaturgos Cunha de Leiradella (autor de APulga, representada em Portugal) e Maria Adelaide

    Amaral, que j deixaram de ser uma revelao, poisse destacam hoje entre os mais importantes autoresdo teatro brasileiro contemporneo.

    Valeu a pena o esforo de Carlos K. Couto, quese autocritica com modstia: Claro que, numtrabalho feito com a nica preocupao de levantar

    uma lebre, como se diz em Portugal, muitas lacunash que se preencher, e para isso contamos com aboa vontade e a memria de quantos puderemcolaborar. Mas valeu a pena, apesar da indiferenaoficial c e l por tudo o que diz respeito acocultural dos emigrados que no aceitam tutelas

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    A PARTICIPAO NO CINEMA

    Muito se fala de Carmen Miranda, que nasceu emPortugal mas emigrou com os pais, ainda criana,para o Brasil, onde se tornaria famosa como cantorae actriz, dentro e fora do pas de adopo, masapontada sempre como artista brasileira. Para osnorte-americanos, ela foi a bombs-hell, conhecidaem todo o mundo por obra e graa da msica e docinema.

    Houve, porm, outra artista portuguesa que deunotabilssimo contributo ao cinema brasileiro,

    embora sejam raros os que disso se lembram hoje:foi Carmen Santos (Maria do Carmo Santos), quenasceu em Vila Flor no dia 8 de Junho de 1904 echegou ao Brasil em 1912, onde haveria de se imporcomo actriz, realizadora e produtora. Fez a estreiano cinema como actriz, actuando no filme Ururau(1919) e recebeu um papel de destaque nacinematizao do discutido romance naturalista de

    Jlio Ribeiro, A Carne(1924), tendo participado noano seguinte em Mademoiselle Cinema que retrataa vida carioca da poca (a produo foi da FAB-

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    Filmes Artsticos Brasileiros, fundada por CarmenSantos).

    de 1929 o filme Sangue Mineiro, deHumberto Mauro outro dos pioneiros do cinemabrasileiro, pois a cineasta portuguesa tambm o foi,interpretado por Carmen, que co-produziu a fita.Em 1930 participa do Limite, sob a direco deMrio Peixoto, filme hoje considerado clssico. Em

    1934, fez Favela dos meus amores (pela sua novaprodutora Brasil Vox Filme) e at dcada de 50 aportuguesa de Vila Flor foi uma das grandespersonagens do cinema brasileiro, destacando-seprincipalmente como actriz, mas sem deixar de teruma participao de realce na produo de filmes,bem como na condio de realizadora.

    O caso de Carmen Santos sintomtico: sabe-secada vez menos da participao de intelectuais eartistas portugueses no Brasil, particularmente nacinematografia, sector em que os actores e actrizes,

    realizadores, tcnicos e produtores so muitas vezesapresentados como brasileiros o que no tem,afinal, importncia nenhuma, porque o importante que hajam trabalhado, e bem.

    No livro que escreveu sob o ttulo de O cais doolhar / Fonocinema portugus (ed. Instituto CinemaPortugus), Jos Matos-Cruz arrolou uma srie defilmes, actores e realizadores que estabeceram boaspontes entre o cinema de dois pases intercmbio promissor que no foi continuado,infelizmente. Alis, um dos casos mais expressivos

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    certamente o de Chianca de Garcia. Alis, quemdiria?, o filme A Severa (1931), que abre a lista deMatos-Cruz, teve a herona, Dina Teresa,transplantada para este pas, onde morreu. E noGado Bravo(1934) encontramos um conhecido luso-brasileiro, Antnio Botto, que foi autor dos poemasinsertos na histria cinematizada por Antnio LopesRibeiro, NAs Pupilas do Senhor Reitor (1935),

    apareceu como director de produo o j referidoChianca, cuja obra est a exigir um estudoapropriado. E nO Trevo de Quatro Folhas (1936) l

    vem Chianca de Garcia, como realizador, e odesconhecido Toms Ribeiro Colao na condiode autor dos poemas, enquanto dos intrpretes sedestacam a luso-brasileira Beatriz Costa e o brasileiroProcpio Ferreira.

    Na Maria Papoila (1937), h um caracterizador,Fernando Barros, que se imporia no s comocineasta mas tambm como jornalista e que ainda

    hoje vive em So Paulo. Voltamos a encontrarChianca de Garcia como responsvel porA Rosa do

    Adro (1938) e, no mesmo ano, Fernando Barros colaborador de A Cano da Terra e caracterizadorde Os Fidalgos da Casa Mourisca, ao passo queBeatriz Costa intrprete da Aldeia da roupa branca.Em 1939, A varanda dos rouxinisdestaca mais doisluso-brasileiros, Dina Teresa e Fernando Barros(assistente), aparecendo este ltimo tambm no JooRato(1940), como caracterizador.

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    Por entre as extensas listas de cada pelcula,outros nomes de brasileiros e de luso-brasileiros noestaro identificados, e em 1945 vem A Noiva doBrasil, sob a direco de Santos Mendes (jornalistaportugus h longos anos radicado em So Paulo) e,entre as participantes, a cantora Maria Sidnio, quepor tanto tempo andou por esses Brasis.

    O filme Trs dias sem Deus de 1946; a

    realizadora foi Brbara Virgnia (tinha 16 anos!), queinterpretou um dos papis. Como actriz,declamadora e cantora foi tantas vezes ao Brasil queacabou casando em So Paulo, onde vive.

    Abandonou a vida artstica, mas durante alguns anosfez programas de rdio, at que resolveu apenascuidar da famlia, dar aulas e escrever livros.

    Reencontramos a mesma Brbara no Aqui,Portugal(1947), de que temos vaga lembrana e quefoi, no dizer do insuspeito Domingos deMascarenhas (tambm por algum tempo luso-

    brasileiro) um perfeito monumento deartificiosismo pelintra. As Irms Meireles actuaramigualmente e Artur Agostinho (todos com vivnciado Brasil).

    De 1948 o Serra Brava, de Armando Miranda,que foi buscar a histria ao romance Maria dos

    Tojos, de Miguel ngelo Barros Ferreira, esseminhoto que, jovem ainda, veio para o Brasil, ondefez uma longa e frutuosa carreira de jornalista eescritor. Tem cerca de 50 livros publicados, nosquais abordou temas que vo desde a Histria

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    reportagem, passando pela fico. Embora retiradodas lides jornalsticas, um dos paulistanos quemelhor conhece So Paulo. O filme Serra Brava tersido o mais feliz de Miranda, de acordo com aopinio de D. Mascarenhas.

    O Vendaval maravilhoso de 1949: dirigido pelopioneiro Leito de Barros, o argumentista foi JoracyCamargo (que no conseguiu repetir o xito do Deus

    lhe pague). Cremos que dos principais intrpretesbrasileiros, h que relevar Paulo Maurcio, de que seperdeu o rasto artstico e que recriou a figura deCastro Alves, enquanto Eugnia Cmara, a actrizque se tornou a grande paixo do poeta baiano, foi

    vivida por Amlia Rodrigues. Edmundo Lopes foi oRuy Barbosa e Barreto Poeira reviveu o actorportugus Furtado Coelho, que tanto influenciou osactores brasileiros da sua poca. A co-produo foidividida entre aAtlnticoe David Serrador, sabendo-se que o filme, apesar das boas intenes, no teve o

    xito que se esperava. As filmagens decorreram nosestdios da Tobis Portuguesa e Lisboa Filme, naCinelndia e Randall (Rio de Janeiro).

    Da para a frente no houve cooperao aressalvar, embora deva corrigir-se a informao no

    verbete sobre A viagem presidencial ao Brasil (1957)de Antnio Lopes Ribeiro (70 min.), onde no roteirose inclui uma visita a Braslia que ento noexistia, excepto no papel e onde o general CraveiroLopes no podia ter ido. Quanto ao mais, h queacrescentar as espordicas aparies de actores

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    brasileiros e luso-brasileiros em filmes portugueses(e vice-versa) e, em 1960, As Pupilas do SenhorReitor, de Perdigo Queiroga, com dois brasileiros(ao lado de outros portugueses) na interpretao,

    Anselmo Duarte e Marisa Prado.No ficam por aqui as menes ao que poder

    enquadrar-se na cinematografia luso-brasileira.Sobretudo no domnio documental, h outras

    indicaes nas fichas de filmes que recebemos daCinemateca Portuguesa: a lista de 6 filmes apenas eabre com o documentrio intitulado Presidente CafFilho, evocativo da visita a Portugal (1955, realizaode Antnio Lopes Ribeiro). Seguem-se: a j referidaViagem presidencial ao Brasil (indica-se a data de1956), Comunidade Luso-Brasileira (de A. L. Ribeiro,1956), Relquias portuguesas no Brasil (de Leito deBarros, 1959), Cruzeiro do Sul (sobre a viagem deSacadura Cabral-Gago Coutinho, realizao deFernando Lopes), Voo da amizade(de Lisboa ao Rio

    de Janeiro, direco de Fernando Lopes, 1966).Quem tiver condies de acesso a outras fontes,

    certamente mais aprofundadas do que as nossas,encontrar talvez outros filmes e muitas outras pistasque possam levar ao conhecimento do que foi ointercmbio cinematogrfico de portugueses ebrasileiros. No ser difcil concluir, com base nasexperincias do passado, pela viabilidade deprojectos futuros, desde que elaborados semfantasias nem preconceitos polticos.

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    Entretanto, para j, torna-se necessrioinventariar o que efectivamente existe de interessepara os dois pases e, em especial, para os luso-brasileiros, a fim de que possa dar-se incio organizao da cinemateca que no temos mas deque precisamos.

    No volume dedicado a Chianca de Garcia,organizado por Lus de Pina (editado pela

    Cinemateca Portuguesa), acrescenta-se filmografiado cineasta luso-brasileiro a realizao, argumento,sequncia cinematogrfica e planificao de Ver eamar, alm de 3 filmes dirigidos no Brasil: Pureza(1940), 24 horas de sonho(1941),Appassionata(1952)e Ai que saudades da Tobis! e Chianca de Garcia um carioca de Lisboa (1982), produzido para a RTP,com fotografia de Reinaldo Varela, som de JosManuel Coelho e sequncia e realizao do prprioChianca. O entrevistador foi Lus de Pina.

    Viveu no Brasil desde 1939 at sua morte, em

    1982, e o mnimo que pode afirmar-se de EduardoAugusto Chianca da Silva Garcia que a sua obramerece o interesse daqueles que defendem, de facto,o dilogo Portugal-Brasil. So ainda numerosos osque com ele conviveram e podem oferecerdepoimentos sobre o que fez no mundo doespectculo e em especial no cinema. sem dvida,a figura principal da cinematografia luso-brasileira.Quem o vai relembrar, atravs da sua obra?

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    OS MODERNISTASDAQUM E DALM-MAR

    Ainda so escassos os estudos que relacionam osmodernistas portugueses e brasileiros, apesar dosesforos de Casais Monteiro, Jos Osrio deOliveira, Jorge de Sena, Arnaldo Saraiva, JooGaspar Simes, Amndio Csar e Lus Forjaz

    Trigueiros, do lado portugus, e de CassianoRicardo, Menotti del Picchia e de poucos mais,designadamente o ltimo livro de Eustquio Gomes.

    Na sua ampla Histria do Modernismo Brasileiro,

    Mrio da Silva Brito no d especial destaque aodilogo dos ento futuristas de ambas as margensatlnticas, embora sobrem os testemunhos nos livrosO Modernismo Brasileiro e o Modernismo Portugus eOs rapazes dA Onda e outros rapazes, assim comonos depoimentos de Menotti del Picchia e deCassiano Ricardo, um e outro redigidos para asmanifestaes que em 1972 se realizaram em Lisboa,a propsito da exposio Brasil primeiro tempomodernista.

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    O depoimento A Semana de Arte Moderna ePortugal) foi divulgado por Arnaldo Saraiva e nelesublinha Menotti, depois de relembrar algunsepisdios da histria comum, o trao de unioestabelecido por Antnio Ferro: Vinha ele do seupas com uma iniciao revolucionria pois foraeditor da famosa revista Orpheu, templo vanguardistano qual oficiavam o gnio de Fernando Pessoa e S-

    Carneiro. Cita o relacionamento do jovem futuristaportugus com Jorge Lus Borges e adianta queintegrando-se Antnio Ferro no nosso grupo(Oswald, Mrio e eu) faria com que, espiritualmenteirmanados, argentinos, portugueses e brasileiros, sejuntassem para eclodir a revoluo culturalmodernista concomitantemente nos trs pases.

    Muitos pormenores desse relacionamento foramdados por Cassiano Ricardo no voluminho Arte &In/dependncia(apontamentos para uma palestra queseria pronunciada em Lisboa, numa comemorao

    ao Cinquentenrio da Semana de Arte Moderna, de22, em So Paulo), editada em 1973 pela Livraria

    Jos Olympio: Ningum ignora o surto de arte que,quase a um s tempo, irrompe em Portugal e nomeu pas; antes mesmo de 1922. Nasce de umiderio de renovao poltico-social, por todosconhecido e reconhecido.

    Cita Cassiano Ricardo as inovaes de Mrio e deOswald de Andrade, salientando que o ltimomerece um registro parte, por ter sido o nicogenial dos reformadores paulistas e, ao mesmo

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    tempo, o mais lusada de todos. Os seus ready-made, em que aproveita trechos do Vaz Caminha,Gondavo, Frei Vicente do Salvador e dos cronistasdo descobrimento do Brasil, constituem original,surpreendente prova disso.

    Esta opinio inusitada de Cassiano Ricardo,quando se fez crer que Oswald de Andrade era umlusfono radical, tem o apoio dos conceitos emitidos

    pelo autor de Serafim Ponte Grande, obra em queArnaldo Saraiva encontra no raros paralelos comLeviana, de Antnio Ferro, bem como entre A cenado dio, de Almada Negreiros, e a Ode ao burgus, deMrio de Andrade.

    So cada vez menos os sobreviventes dosfuturismos portugus e brasileiros e, entre os raros,dever apontar-se a escritora Fernanda de Castro,que em 1922 veio casar com Antnio Ferro noBrasil, tendo servido de padrinhos no s oalmirante Gago Coutinho mas tambm os

    modernistas, conforme nos esclareceu Guilherme deAlmeida a primeira pessoa que nos falou dessecasamento futurista (na igreja, em Lisboa, ecivilmente no Brasil): Por tal forma Antnio Ferrose vinculou ao nosso grupo que, por um acto que lheconferiria espiritualmente cidadania bandeirante,quis realizar suas npcias com a noiva amada quedeixara em Portugal. Linda, culta, artista, aquichegou para casar-se numa ruidosa festividadeapadrinhada pelo nosso grupo rebelde, festa solene e

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    jovial que tomou o carcter de uma comovida efraterna confraternizao luso-brasileira.

    Na verdade, Antnio Ferro, que do jornalismo eda literatura passaria mais tarde poltica, foi oelemento de ligao dos modernistas portugueses ebrasileiros, em 1922, juntamente com Fernanda deCastro, que no seu livro Ao fim da memria (anos de1906 a 1932) se refere aos contactos que os dois

    mantiveram com os ento futuristas de vriascidades brasileiras, com relevo para So Paulo, ondeas duas grandes pintoras do modernismo, Tarsila do

    Amaral e Anita Malfatti, a retrataram provas quedispensariam quaisquer outros comentrios: Aminha chegada ao Rio, em 1922, o primeiro passeiopela cidade, o reencontro com Antnio, o encontrocom Gago Coutinho, que se prestara a ir ao nossoConsulado assinar a procurao que, transmitidatelegraficamente em cifra, permitiria o meucasamento na Igreja de Santa Isabel... E recorda

    igualmente: Ah, meu Deus, como exprimir o meuespanto, o meu terror ao ver nas paredes doprimeiro teatro do Rio de Janeiro enormes cartazesanunciando uma conferncia de Antnio Ferro, AIdade do Jaz, Jazz-Band, e um recital de poesia porFernanda de Castro. Recusar no podia, pois, se omeu marido era atrevido e ousado, eles (os amigos)eram doidos, completamente doidos, sobretudo oOswald de Andrade.

    E o So Paulo dos futuristas de 22? Depois dehistoriar uma reunio em cada de D. Olvia

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    Penteado, lembra a escritora portuguesa: As minhasmelhores recordaes do Brasil fui l quatro

    vezes so contudo as que esto ligadas semanarevolucionria de So Paulo, aquela revoluoliterria em que a gente nova das letras e das artes,de sangue na guelra, a golpes de panfletos, dediscursos, de artigos nos jornais deu um golpe demorte nos conformistas, nos acadmicos, nos botas-

    de-elstico. E vem a seguir o rol dos amigos: Mriode Andrade, Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade,Monteiro Lobato, Menotti del Picchia, Jos Lins doRego, Guilherme de Almeida, Paulo Prado e outrosde que lembro menos bem.

    No livro Os rapazes dA Onda e outros rapazes,Eustquio Gomes ilustra no s as duasconferncias de Antnio Ferro em Campinas e osrecitais de Fernanda de Castro mas tambm noutrascidades do Brasil, visto que os dois futuristasportugueses se apresentaram no apenas no Rio de

    Janeiro, So Paulo e Campinas mas tambm emRibeiro Preto, Santos, Belo Horizonte, Juiz de Forae Recife. Trs conferncias de Antnio Ferro: Aarte de bem morrer, As mulheres e a literatura eA Idade do Jazz-Band, esta ltima bem no estilofuturista, e os recitais da poetisa.

    Numa Carta aberta ao Portugal de hoje / aoPortugal de vinte e tantos anos, resumiu AntnioFerro a sua visita ao Brasil (in Contempornea deMaro de 1923): Quando eu desembarquei no Riode Janeiro, esse Rio de Janeiro para que Deus pintou

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    alguns dos seus mais belos cenrios, o Portugalmoderno, o Portugal Infante, o Portugal com osolhos de estrelas e cabelos de ondas, era um segredopara o Brasil, um segredo absoluto, um segredoinexplicvel Explica o que disse e viu e ouviu,lembrando que a sua pea Mar-Alto, representadapor ele e pelos actores Luclia Simes e Erico Braga,no Teatro Santana, em So Paulo, foi atacada sob o

    aspecto moral, com uma certa violncia (em Lisboa,foi proibida, o que provocou grandes protestos).

    No restam dvidas: aps os laos estabelecidospelos modernistas de Orpheu, o Jazz-band trazidopor Antnio Ferro, em 1922, foi o que mais fez

    vibrar os realizadores e seguidores da Semana deArte Moderna, em So Paulo.

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    OS ESTUDOS PESSOANOS NO BRASIL

    Os precursores

    Raros poetas, mesmo os mais perdidosnas profundidades do tempo, me deram

    jamais, como me deu Fernando Pessoa, aquem contudo vi e ouvi, de quem nestemomento ainda julgo ouvir o risinho trocista, ever os olhos brilhando de malcia, raros mederam jamais a impresso de tal distncia, detal afastamento no tempo.

    Com estas palavras abria o artigo O exemplo deFernando Pessoa, de Adolfo Casais Monteiro,transcrito no Boletim de Ariel, Rio de Janeiro, em

    Abril de 1938, do Dirio de Lisboa (de 9 deDezembro de 1937).

    Considerando-o poeta intemporal como talveznenhum outro, o autor do artigo terminava com aafirmao de que Fernando Pessoa soube abdicardas pobres satisfaes da glria, viver obscuro,sabendo muito bem quem era e quanto valia.

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    quando o evoco assim, to puro na supremagrandeza da ateno obra e de indiferena por estamisria que os homens fizeram da vida, que eumelhor me sinto quanto pode significar o culto pelasua memria, e ao que nos chama o seu exemplo.

    At prova em contrrio, foi este artigo de CasaisMonteiro o primeiro publicado no Brasil acerca doinventor dos heternimos, neste mesmo pas para

    onde imigraria o articulista, em 1954, e onde setornaria um dos principais divulgadores da obrapessoana.

    Decorrido cerca de meio ano, apareceria naRevista Brasil o artigo A apresentao de FernandoPessoa, subscrito por Joo Gaspar Simes, que setornaria tambm um dos grandes divulgadores daobra pessoana no Brasil, embora continuasse a viverem Portugal.

    Apesar do alto significado dos dois artigospioneiros, no se tm referido trs outros, assinados

    por Domingos Carvalho da Silva, ao CorreioPaulistano: o primeiro, Atravs da nova poesiaportuguesa, saiu em 19 de Setembro de 1943, etratava de vrios autores, destacando FernandoPessoa como talvez o mais notvel expoente danova poesia portuguesa. Salvo a Mensagem, a suaobra potica no chegou ainda at ns. Mensagem um hino vibrante onde se chocam as mais avanadasinovaes literrias com o tema extravagante de umsebastianista alucinado e mstico. Entretanto, essaalucinao, esse (?) sobrenadando nos pramos do

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    irrealizvel, do impossvel, contribuem para a poticacom um vivo sabor mitolgico, to do gosto doextraordinrio poeta. E acentuava Domingos: Apresena de Pessoa na moderna poesia portuguesa sem dvida um acontecimento.

    Em outro artigo, Fernando Pessoa elemesmo, Domingos Carvalho da Silva comentou(em 6/2/1944) a antologia pessoana que Casais

    Monteiro publicara em Lisboa em 1942, alm de sereferir a um terceiro artigo, no mesmo CorreioPessoano, que ainda no conseguimos ler: J meocupei de Fernando Pessoa em dois artigos sobre amoderna poesia portuguesa, publicados no CorreioPaulistano, e tive mesmo oportunidade detranscrever um poemeto de sua autoria, extrado de

    Mensagem, o seu livro nico. Pessoa no publicou emsua vida outro livro qualquer, mas o nmero depoesias esparsas por ele assinadas nas revistasportuguesas, grande. Grande tambm a obra

    potica dos seus heternimos Alberto Caeiro,Ricardo Reis e lvaro de Campos.

    Por estes documentos se verifica que os meiosliterrios brasileiros no estavam alheios revoluo pessoana em Portugal, embora mereaespecial relevo a publicao dos Poetas Novos dePortugal, colectnea organizada e prefaciada porCeclia Meireles para a editora Dois Mundos (Rio de

    Janeiro, 1944). Observa-se que a grande poetisaescreveu o seu prefcio em 1943 e no pode haverdvidas de que as suas interpretaes sobre o

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    poeta heteronmico devem ter surpreendido omundo literrio brasileiro: o caso maisextraordinrio das letras portuguesas sustentavaCeclia, ao mesmo tempo que julgava o poetaportugus possuidor de qualidades lricas to rarasque dulcificam, eterizam a lngua em que escreveu,tornando-a um instrumento de delicadeza nova,sensvel ao mais abstracto toque, no se limitou a

    viver a sua personalidade: desdobrou-se em outrasdiferentes mas igualmente poderosas, realizandoassim a obra de quatro poetas que fossemigualmente geniais.

    H indicaes de que Antnio Cndido publicouem Setembro de 1944 um artigo sobre as Poesias deFernando Pessoa (2. ed.), na revista Clima, masinfelizmente no conhecemos o texto. E a respeitodeste livro pessoano escreveu Murilo Mendes oartigo Fernando Pessoa, na Folha da Manh(Recife, 10/12/1944), que fecha com as seguintes e

    entusisticas palavras: Querido Fernando Pessoa: aolado de Cames, de Antero, de Antnio Nobre, de

    Villon, de Baudelaire, de Rimbaud, tu estsconnosco, com os poetas que te desprendem agorada sombra de Monte Abiegno, com os poetasencarregados de transmitir atravs dos sculos, a

    vocao transcendente do homem.Curiosamente, o artigo que Lcio Cardoso

    publicou em 21/7/46 no suplemento Letras eArtes do jornal A Manh do Rio de Janeiro foidedicado A Murilo Mendes o que pressupe a

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    troca de impresses entre os dois autores brasileirosa propsito de Fernando Pessoa. O texto de LcioCardoso na verdade um curto ensaio e havia sidolido anteriormente (24/5/1946) durante umencontro na Faculdade de Direito de BeloHorizonte. O entusiasmo de Lcio Cardoso ia desdeaMensagem Ode Martima, obras daquele que maisse aproximou de Cames, o nico que pode ser

    colocado sua grande sombra. E lembrava quecertamente todo poeta um ser mltiplo, mas emFernando Pessoa a multiplicidade era a prpriaessncia do seu ser, a condio do seu drama, osalicerces da sua genial criao. Felizmente, o grandeescritor mineiro reincidiu e em 10/12/1950 veio apblico na mesma carioca A Manh dar Umaexplicao de Fernando Pessoa, alm de tercomentado o Mar portugus, em Letras Brasileiras(Rio de Janeiro, em Janeiro de 1950).

    Entretanto, h que revelar o aparecimento de

    Alguns dos 35 Sonetos de Fernando Pessoa, editadosem 1954 em So Paulo pelo Clube de Poesia,traduzidos por Adolfo Casais Monteiro e Jorge deSena. O prefcio foi de Casais e tem a data de SoPaulo, Setembro de 1954 e nele se esclarece que aideia de publicao se deve a Domingos Carvalho daSilva. Da traduo dos sonetos II, III, IV, XI, XIII,XVII, XXVIII e XXIX encarregou-se CasaisMonteiro, cabendo a Jorge de Sena os sonetos X,XIV, XV e XXVII, enquanto os XXXI e XXXVforam traduzidos pelos dois. O texto original, em

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    ingls, tambm foi reproduzido e a edio foidirigida por Milton Godoi Campos, distribuidor dasedies do Clube de Poesia.

    Em Novembro de 1985, entregou-nos DomingosCarvalho da Silva um depoimento que seriadivulgado num projecto que no pde serconcretizado. Declarando no pertencer grei dosespecialistas, lembrou Domingos que em Julho de

    1954 o escritor Casais Monteiro viera a So Paulo, afim de participar do Congresso Internacional deEscritores, comemorativo do IV centenrio dafundao da cidade, e mostrou-lhe os 14 sonetosingleses j ento traduzidos por ele e Sena: Era seuplano completar a traduo dos 35 sonetos, mas istono tinha data prevista depe Carvalho da Silva.

    Jorge de Sena estava em Portugal e a falta decontacto directo e pessoal entre os dois tradutoresalongaria e dificultaria, por certo, a tarefa. Sugeriento a Casais a publicao dos sonetos j traduzidos

    e ele concordou.Evidentemente, h outros pormenores

    interessantes no depoimento de Domingos deCarvalho da Silva, mas fica para outra oportunidadeo relato completo sobre o aparecimento da primeiraobra brasileira de Pessoa, to incompleta comohavia sido a feliz iniciativa de Ceclia Meireles dedestacar o poeta daMensageme dos heternimos nasua histrica colectnea.

    Supomos que a obra de Fernando Pessoa teve asua estreia internacional em So Paulo, durante o

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    Congresso de Escritores e Encontros Intelectuais,realizados em So Paulo, sob o patrocnio da Unescoe da Comisso do IV Centenrio da Cidade de SoPaulo. Conforme ilustram os anais publicados soba gide da Sociedade Paulista de Escritores, emedio de Anhambi (So Paulo, 1957, 657 pgs.),dirigida por Paulo Duarte, Adolfo Casais Monteiroapresentou a tese Fernando Pessoa, o Insincero

    Verdico. estranho que no haja a menor referncia a esta

    comunicao ao Congresso paulista nos Estudossobre a poesia de Fernando Pessoa (ed. Agir, RJ,1958), nem tampouco em A Poesia de FernandoPessoa(org. de Jos Blanco, ed. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1985), embora o trabalhohaja sido publicado em Portugal, autonomamente,em 1954, no sabemos se antes ou depois doconclave internacional de So Paulo (EditorialInqurito, Lisboa).

    No discurso que fez no Congresso, em nome detodas as delegaes estrangeiras, Adolfo CasaisMonteiro falou muito pouco, mas selou desde logo oseu no-regresso a Portugal, ao dizer que apesar detodas as sevcias e de todos os processos usados paraos amarrar a qualquer regime, essa liberdadeessencial, que no pode deixar de caracterizar oescritor, se mantm, embora as condies em queisso se realiza sejam as mais adversas possveis. Ena primeira comunicao que fez (Problemas da

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    crtica de arte) citou Fernando Pessoa, ao lado dePicasso, Stravinsky, Joyce, Proust e Kafka.

    Casais Monteiro veio a fazer parte da comissoque redigiu a declarao de princpios do Congressode Escritores (nossa actividade s se pode exercernum clima de liberdade a mais irrestrita e real),

    valendo a pena informar que a comunicaoFernando Pessoa, o Insincero Verdico teve como

    relator o poeta Emlio Moura e foi considerada umadas mais importantes teses apresentada Seco dePoesia. L-se ainda, nos anais: O trabalho deCasais Monteiro provoca os mais vivos debates,havendo falado os congressistas Burlamaqui Kopke,Da Costa e Silva, Vicente Carnicelli e Ciro Pimentel.Logo aps o autor defende o seu trabalho dealgumas restries que lhe foram feitas, justificando-se e improvisando consideraes do maior interesse.O sr. Domingos Carvalho da Silva, ponderandoacerca do valor da contribuio do conhecido crtico

    portugus, prope a aprovao de sua tese poraclamao o que feito com entusiasmo.

    A fica uma plida evocao do baptismointernacional de Fernando Pessoa em So Paulo. Aoseu estudo inicial juntaria Casais Monteiro 17 artigospessoanos nO Estado de S. Paulo e outros emdiferentes publicaes brasileiras. Caminho que tevedepois ilustres continuadores na imprensa, nactedra e no livro, ressaltando-se nas obrasimpressas os estudos de Cleonice Berardinelli,Gilberto de Mello Kujawsky, Carlos Alberto

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    Iannone, Nelly Novaes Coelho, Leyla Perrone-Moiss, Massaud Moiss, Carlos Felipe Moiss, SilvaBlkior, Pedro Lyra, Linhares Filho, Beatriz Berrini,Pradelino Rosa, Tieko Yamaguchi, Jos Clcio,Baslio Quesado, Eduardo Penuela Canizal, MariaHelosa Martins Dias e Maria Helena Nry Garcez(para citar somente os que tm livros autnomospessoanos), entre outros, ao lado de escritores

    portugueses que vivem ou viveram no Brasil lista dos nomeados haver que acrescentar, pelomenos, Antnio Pina Coelho, a edio brasileirade Unidade e Diversidade de Fernando Pessoa, de

    Jacinto do Prado Coelho, e Um Fernando Pessoa, deAgostinho da Silva.

    Nesta equao pessoana no Brasil no podemomitir-se os casos dos autores brasileiros quepublicaram os seus trabalhos em Portugal, nemtampouco aqueles portugueses que viram editadosseus estudos no Brasil, merecendo destaque a

    organizao e estudo de Maria Aliete Galloz da ObraPotica de Fernando Pessoa. Nem as pesquisas deum Arnaldo Saraiva, O Modernismo Brasileiro e o

    Modernismo Portugus(Porto, 1986) e as reflexes deJos Augusto Seabra, em Fernando Pessoa ou opoetodrama e O heterotexto pessoano (ambos emedies da Perspectiva, SP). H, de facto, umainterpretao bem transparente: Um Fernando Pessoafoi inicialmente impresso em Porto Alegre e aindadas interpretaes indispensveis para acompreenso do nacionalismo pessoano. E o acaso

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    de ter sido editada em So Salvador da Bahia apesquisa de Jorge Nemsio, A obra potica deFernando Pessoa? E a primeirssima publicao dopoema de Pessoa, Antnio de Oliveira Salazar, noSuplemento Literrio de O Estado de S. Paulo, em1960, por interferncia de Jorge de Sena, quedesembarcou na Bahia, em Agosto de 1959, com OPoeta um fingidor, lido no IV Congresso

    Internacional de Estudos Luso-Brasileiros?O resto tudo a presena assdua e

    interessada de ensastas e professores brasileiros(alm de poetas) nos trs primeiros congressosinternacionais pessoanos, enquanto os estudiosos detodo o mundo se renem agora em So Paulo amaioridade de Lngua Portuguesa no mundo analisae discute o maior poeta contemporneo de LnguaPortuguesa. nesta metrpole com mais de 10milhes de pessoas que vamos lembrar para sempre,no bronze e no mrmore, o Pessoa de muitas

    pessoas. Um monumento em plena avenida Sagres a homenagem de So Paulo e do Brasil, numainiciativa do Centro de Estudos AmericanosFernando Pessoa e da Academia Lusada que teve oapoio da Fundao Eng. Antnio de Almeida (doPorto), doadora do belssimo busto esculpido porIrene Vilar.

    Esta multiplicao de manifestaes foiprenunciada quando, em 1985, por ocasio docinquentenrio da morte do Poeta se realizou emSo Paulo o I Colquio Luso-Brasileiro de Estudos

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    Pessoanos, promovido pela Academia Lusada e peloncleo que viria a constituir o Centro de EstudosFernando Pessoa, e ao qual compareceram JooGaspar Simes, Teresa Rita Lopes e AntnioQuadros, enquanto Eduardo Loureno, Jos

    Augusto Seabra e outros nos enviaramcomunicaes.

    No se esgota nestas linhas o tema que nos

    propusemos pesquisar: na realidade, ele prosseguenas pginas de todos os jornais e revistas, no som enas imagens das emissoras de rdio e de televiso,nos livros de autores que a exemplo de OctvioPaz, Roman Jakobson e outros de fora ou brasileiros

    inseriram interpretaes pessoanas da maiorrelevncia em seus livros editados neste pas. ComOs Estudos Pessoanosno Brasil, catalogados a seguirestamos apenas comeando a recolher material paraa avaliao futura da presena de Fernando Pessoano Brasil.

    Bibliografia Brasileira

    Na relao bibliogrfica incluem-se apenasedies brasileiras de Fernando Pessoa e estudospublicados no Brasil, alm de outros, de autoresbrasileiros, porm divulgados em Portugal. Foramincludos trabalhos divulgados em revistasespecializadas, mas excludos os jornais esuplementos litero-culturais.

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    Por razes de espao, registam-se aqui apenascomentrios relativos aos trabalhos realizados porCeclia Meireles (cujo prefcio se transcreve na

    ntegra) e Adolfo Casais Monteiro, primeirosdivulgadores de Fernando Pessoa no Brasil.

    As referncias, dentro dos limites cronolgicosindicados, apresentam-se por ordem alfabtica:

    1944

    POETAS NOVOS DE PORTUGAL. Seleco eprefcio de Ceclia Meireles. Rio de Janeiro, DoisMundos Editora, 1944.

    Considerando a poca em que foi redigido oprefcio de Ceclia Meireles (Rio, 1943) a seguirtranscrito, pode afirmar-se sem exagero que foi umdos mais importantes estudos brasileiros sobre apoesia portuguesa dos novos:

    Fernando Pessoa o caso mais extraordinrio dasletras portuguesas. Nascido em 1888, possuidor dequalidades lricas to raras que dulcificam, eterizam alngua em que escreveu, tornando-a um instrumento dedelicadeza nova, sensvel ao mais abstracto toque, nose limitou a viver a sua personalidade: desdobrou-se emoutras diferentes mas igualmente poderosas, realizandoassim a obra de quatro poetas que fossem igualmente

    geniais.

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    grato ouvir falar de si mesmo um dos poetas aquem as novas geraes portuguesas consideram Mestre

    no dizer de Joo Gaspar Simes. De suaautenticidade de artista, falam estas suas palavras:

    a minha vida gira em torno da minha obraliterria boa ou m que seja ou possa ser. Tudo omais na vida tem para mim um interesse secundrio: hcoisas, naturalmente, que estimaria ter, outras que tanto

    faz que venham ou no venham (Carta de 29-9-1929).A respeito das suas mltiplas personalidades,

    desdobradas sob vrios heternimos, tenta explicar em 11de Dezembro de 1931, em carta a Joo Gaspar Simes:

    O ponto central da minha personalidade como artista que sou um poeta dramtico; tenho continuamente, emtudo quanto escrevo, a exaltao ntima do poeta e adespersonalizao do dramaturgo. Voo outro eis tudo.Do ponto de vista humano em que ao crtico nocompete tocar, pois de nada lhe serve que toque souum histero-neurastnico, com a predominncia do elemento

    neurastnico na inteligncia e na vontade (minuciosidadede uma, tibieza de outra). Desde que o crtico fixe,

    porm, que sou essencia lmente dramtico, tem a chave daminha personalidade, no que pode interess-lo a ele ou aqualquer pessoa que no seja um psiquiatra, que, porhiptese, o crtico no tem que ser... Munido desta chave,ele pode abrir lentamente todas as fechaduras da minhaexpresso. Sabe que, como poeta, sinto; que, como poetadramtico, sinto despegando-me de mim; que, comodramtico (sem poeta) transmudo automaticamente o quesinto para uma expresso alheia ao que senti, construindo

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    na emoo uma pessoa inexistente que a sentisseverdadeiramente, e por isso sentisse verdadeiramente, e porisso sentisse, em derivao, outras emoes que eu,

    puramente eu, me esqueci de sentir.Mais tarde, em 13 de Janeiro de 1935, voltaria a

    explicar a Casais Monteiro o problema de seus hete-rnimos (e no pseudnimos, pois o poeta no se ocultavasob falsos nomes: multiplicava-se em personalidades):

    Como escreve em nome dsses trs?Caeiro, por pura e inesperada inspirao, sem saber

    ou sequer calcular que iria escrever. Ricardo Reis, depoisde uma deliberao abstracta, que subitamente seconcretiza numa ode. Campos, quando sinto um sbitoimpulso para escrever e no sei o qu.

    tempo de dizer-se que os trs a que se refere so:Ricardo Reis, Alberto Caeiro e lvaro de Campos.Todos trs viviam to ntidos em redor do poeta que eleconseguia retrat-los, descrev-los em suas vidas, gostos e

    pensamentos.

    De Ricardo Reis, dizia com a naturalidade de quemescreve a biografia de um amigo ntimo que nascera em1887, no Porto, fora educado num colgio de jesutas,exercia a profisso de mdico, e vivia no Brasil desde1919, pois se expatriara espontaneamente, por sermonrquico. Era latinista por educao alheia, e umsemi-helenista por educao prpria. Manifesta-se doseguinte modo: A por 1912, salvo erro (que nunca podeser grande) veio-me idia escrever uns poemas de ndole

    pag. Esbocei uma coisa em verso irregular (no no estilode lvaro de Campos, mas num estilo de meia

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    regularidade), e abandonei o caso. Esboara-se-me,contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da

    pessoa que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido, sem queeu soubesse, o Ricardo Reis) (Carta a Casais Monteiro,13-1-1935).

    Assim, era esse heternimo do poeta, ao tempo da suamanifestao, homem de seus vinte e cinco anos e pago

    por carcter. Definiu-o ainda o poeta com estas curtas

    palavras: Ricardo Reis disse: Abomino a mentira,porque uma inexactido. Todo o Ricardo Reis passado,presente e futuro est nisto.

    No menos curiosa a informao sobre AlbertoCaeiro, cuja durao, alis, no muito longa: Ano emeio ou dois anos depois (reporta-se ao nascimento deRicardo Reis) lembrei-me um dia de fazer uma partida aoS Carneiro de inventar um poeta buclico, de espciecomplicada, e apresentar-lho, j me no lembro como, emqualquer espcie de realidade. Levei uns dias a elaborar o

    poeta, mas nada consegui. Num dia em que finalmente

    desistira foi em 8 de Maro de 1914 acerquei-mede uma cmoda alta e, tomando um papel, comecei aescrever, de p, como escrevo sempre que posso. E escrevitrinta e tantos poemas a fio, numa espcie de xtase, cujanatureza no consegui definir. Foi o dia triunfal daminha vida e nunca poderei ter outro assim. Abri com umttulo O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foio aparecimento de algum em mim, a quem dei desde logoo nome de Alberto Caeiro.

    Esse Alberto Caeiro o poeta dizia-o nascido emLisboa, em 1889. Vivera quase toda a sua vida no

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    campo, e no tivera profisso nem quase nenhumaeducao. Pessoa descreveu-lhe o fsico com enternecidamincia e pela boca do terceiro heternimo (lvaro deCampos) que escreveu umas Notas para a recordao domeu mestre Caeiro; disse, com encanto: O meu mestreCaeiro no era um pago: era o paganismo... Em Caeirono havia explicao para o paganismo; haviaconsubstanciao.

    Finalmente, lvaro de Campos, nascido em Tavira a15 de Outubro de 1890, deixou em trs quartos o seucurso de engenharia naval por Glasgow, e, de volta deuma viagem ao Oriente, indo passear ao Ribatejo,encontrou, em casa de um primo, aquele Alberto Caeiroque havia de ser seu mestre.

    Pessoa dizia: Pus em lvaro de Campos toda aemoo que no dou nem a mim nem vida. E fazia seuheternimo discorrer da seguinte maneira, sobre assuntosde arte:

    Toda a arte uma forma de literatura, porque toda a

    arte dizer qualquer coisa. H duas formas de dizer falar e estar calado. As artes que no so a literatura soas projeces de um silncio expressivo. H que procurarem toda a arte que no a literatura a frase silenciosaque ela contm, ou o poema, ou o romance, ou o drama.

    Quando se diz poema sinfnico fala-se exactamente, eno de um modo translato e fcil. O caso parece menossimples que as artes visuais, mas, se nos prepararmos coma considerao de que linhas, planos, volumes, cores,

    justaposies e contraposies so fenmenos verbais dadossem palavras, ou antes por hierglifos espirituais,

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    compreenderemos como compreender as artes visuais, eainda que as no cheguemos a compreender ainda, teremosao menos, j em nosso poder, o livro que contm a cifra ea alma que pode conter a decifrao. Tanto basta atchegar o resto.

    Os que de mais perto viram e acompanharam a vidadesse singular poeta parece no terem concludo comabsoluta clareza sobre o que ele tentou explicar

    minuciosamente a respeito de seus heternimos. Ficou-lhesa dvida sobre os limites de independncia que haveriaalcanado cada uma dessas outras personalidadesinventadas ou recebidas.

    Em meio a todas elas, Fernando Pessoa, ele prprio,no tambm um caso simples: lrico da mais claraessncia, , ao mesmo tempo esotrico, e sbito se faz

    proftico e patritico.Por esquisitas determinaes do Fado, no realizou os

    projectos, expostos na famosa carta a Casais Monteiro, depublicar no fim do ano de 35 um grande volume com seus

    pequenos poemas. Por essa ocasio, devia ele mesmopartir-se a outros mistrios, para desconsolo dos que oamavam, e luto das letras portuguesas. Sua obra maisvaliosa acha-se indita e dispersa em revistas de ondese recolheu o que foi possvel para esta antologia. Vemsendo, no entanto, anunciada a sua publicao, graas aocarinho de poetas e amigos.

    O que se publicou em 1934, foi o volumezinhoMensagem, com que alcanou um segundo prmio numconcurso.

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    Nenhum leitor de Fernando Pessoa pode conformar-secom que s isso lhe tenha sido possvel publicar. Reparosdessa espcie acaso lhe foram feitos, para que respondessena carta a Casais Monteiro de 13 de janeiro de 1935:

    Concordo absolutamente consigo em que no foi feliza estreia, que de mim mesmo fiz com um livro danatureza de Mensagem. Sou, de fato, um nacionalistamstico, um sebastianista racional. Mas sou, aparte isso,

    e at em contradio com isso, muitas outras coisas. Eessas coisas, pela mesma natureza do livro, aMensagem no as inclui.

    Continua mais adiante:Concordo consigo, disse, em que no foi feliz a estreia

    que de mim mesmo fiz com a publicao de MensagemMas concordo com os factos que foi a melhor estreia queeu poderia fazer. Precisamente porque essa faceta emcerto modo secundria da minha personalidade notinha nunca sido suficientemente manifestada nas minhascolaboraes em revistas (excepto no caso do Mar

    portugus parte deste mesmo livro) prec isamente porisso convinha que ela aparecesse e que aparecesse agora.

    Devia ter o poeta uma razo misteriosa para assimfalar. Sabe-se que foi estudioso de coisas transcendentes,gozando de alta reputao entre os que se ocupam deastrologia. Talvez, pois, a Mensagem que ele ach