AS CLÁUSULAS SOCIAIS COMO INSTRUMENTO DE … · Prof. Dr. Marcelo Lima Guerra UFC . A Alexandre...

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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA-UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CCJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL AS CLÁUSULAS SOCIAIS COMO INSTRUMENTO DE EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO TRABALHO Ana Isabel Modena Fortaleza-CE Junho, 2010

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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA-UNIFOR

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL

AS CLÁUSULAS SOCIAIS COMO INSTRUMENTO DE

EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO

TRABALHO

Ana Isabel Modena

Fortaleza-CE Junho, 2010

ANA ISABEL MODENA

AS CLÁUSULAS SOCIAIS COMO INSTRUMENTO DE

EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO

TRABALHO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito Constitucional, sob a orientação da Profa. Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça.

Fortaleza – Ceará 2010

______________________________________________________________________________

M689c Modena, Ana Isabel. As cláusulas sociais como instrumento de efetividade dos direitos fundamentais do trabalho / Ana Isabel Modena. - 2010. 147 f.

Dissertação (mestrado) – Universidade de Fortaleza, 2010. “Orientação: Profa. Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça.”

1. Direitos fundamentais. 2. Dignidade humana. 3. Cláusulas sociais. 4. Direitos sociais. I. Título. CDU 342.7 ______________________________________________________________________________

ANA ISABEL MODENA

AS CLÁUSULAS SOCIAIS COMO INSTRUMENTO DE

EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO

TRABALHO

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________ Profa. Dra. Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça

UNIFOR

___________________________________________ Prof. Dr. José Júlio da Ponte Neto

UNIFOR

___________________________________________ Prof. Dr. Marcelo Lima Guerra

UFC

A Alexandre Bruno, com amor e gratidão

por ter sido para mim um companheiro

incansável, presente, atencioso e

dedicado. Você me possibilitou uma „nova

vida‟. Que a trilhemos juntos.

À minha filha Maryana, pelo amor materno

que me possibilitou sentir.

AGRADECIMENTOS

É certo que um trabalho como este só se concretiza com o auxílio

indispensável de algumas pessoas. Cada qual a seu modo, direta ou indiretamente.

Agradeço, a minha orientadora e mestre, Profa. Dra. Maria Lírida Calou

de Araújo e Mendonça, pela atenção e dedicação a mim dispensadas; pela

receptividade e disponibilidade na orientação e condução do trabalho.

Agradeço, ainda, aos Professores Dr. José Júlio da Ponte Neto e Dr.

Marcelo Lima Guerra pelas contribuições apresentadas na avaliação do presente

trabalho.

Aos meus pais, Aldino e Helena, pelo amor parental, cuidado e

dedicação e por me ensinarem o caminho de uma vida digna e solidária.

Agradeço a minha irmã Fátima por tudo que fez por mim nesses

últimos anos e tenho a certeza de que ela não consegue dimensionar a importância

dos seus atos para mim e na minha vida. Agradeço ainda ao Roque, Thomas e

Nícolas.

Ao meu irmão Gilmar, da mesma forma. Ainda a Anabel, Nicole e

Luciane.

Aos meus amigos Raquel, Léo e Sandra, por todos os conselhos e pela

acolhida que nunca me negaram.

RESUMO

Este trabalho aborda a temática dos direitos fundamentais sociais, que têm sua fundamentabilidade garantida no texto constitucional e que se amparam axiologicamente pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Como balizas do constitucionalismo moderno, fundamentam a interpretação das normas definidoras de direitos. São analisados em dupla perspectiva: a subjetiva, enquanto direitos individuais; e a objetiva, que trata da eficácia irradiante desses direitos. Possuem um cunho inegavelmente econômico, o que acaba por influenciar a efetividade e a realização desses direitos. Por este aspecto, sente-se a necessidade de estudar as normas programáticas e a reserva do possível, assim como os reflexos que esses institutos adquirem frente ao conteúdo dos direitos fundamentais sociais, porque a Administração Pública passou a utilizá-los com freqüência nas demandas a ela impostas. Este trabalho visa analisar esses aspectos e averiguar a crise em que adentrou o Estado Social dando margem a práticas agressivas aos direitos fundamentais sociais, principalmente os trabalhistas, como o dumping social. Na tentativa de combater essas práticas, surgiu a cláusula social como instrumento de alcance internacional que permite tratar da efetividade dos direitos fundamentais sociais sob a perspectiva de um problema global e que, internamente, permite a realização desses direitos no cumprimento do escopo manifestado na norma constitucional de promoção da dignidade da pessoa humana. Para tanto, buscaram-se na pesquisa doutrinária, jurisprudencial e legislativa, bem como no direito comparado, os subsídios necessários para o presente estudo.

Palavras-chave: Direitos fundamentais sociais. Dignidade da pessoa humana.

Efetividade. Dumping social. Cláusula social.

ABSTRACT

This monograph deals with the theme of Fundamental Social Constitutional Rights, axiologically founded in the Principle of Human Dignity. As foundational to modern Constitutionalism, the Fundamental Social Constitutional Rights lead the interpretation of Law Rules. The Fundamental Social Constitutional Rights is here analyzed in a double perspective, i.e., subjectively, relating to Private Rights; and objectively, as their radiating efficacy. As to their actual undoubtedly economic aspect, these fundamental rights do deeply effect their juridical realization and effectiveness. So doing, it is naturally imperative the exam of the Constitutional Programmatic Rules and the so-called “Reserva do Possível”, as their responses toward the Fundamental Social Constitutional Rights‟ content. It also remarks the fact of its State‟s super usage in Court. This study aims to examine these aspects and find that the crisis within the welfare state by a margin aggressive practices to fundamental social rights, especially the labor such as social dumping. In an attempt to combat this practice came the social clause as an instrument of international scope that allows dealing with the effectiveness of fundamental social rights from the perspective of a global problem and that, internally, allowing the realization of these rights in compliance with the scope expressed in the constitutional norm promoting human dignity. The searching tools included Brazilians Judicial Precedent (Case Law), Constitutional Doctrine, and Legal System.

Key-words: Fundamental Social Constitutional Rights. Principle of Human Dignity. Entailing. Effectiveness. Social dumping. Social clause.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................... 09

1 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................................ 14

1.1 Estado Constitucional e Direitos Fundamentais .............................. 17

1.2 A dimensão subjetiva dos direitos fundamentais ............................. 23

1.3 A dimensão objetiva dos direitos fundamentais ............................... 25

1.4 Normas programáticas ..................................................................... 31

1.5 Dignidade da Pessoa Humana ........................................................ 35

2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS ............................................ 43

2.1 Fundamentabilidade dos Direitos Sociais ........................................ 44

2.2 Direitos Fundamentais Sociais como Direitos Subjetivos ................ 46

2.3 Garantia do núcleo essencial ........................................................... 49

2.4 Mínimo existencial ............................................................................ 56

2.5 A exigibilidade dos direitos sociais ................................................... 58

2.6 O mínimo existencial frente à reserva do possível .......................... 62

2.7 A ponderação entre reserva do possível e o mínimo existencial ..... 65

2.8 O reducionismo dos direitos fundamentais sociais .......................... 71

3 A GLOBALIZAÇÃO, O NEOLIBERALISMO E OS ORGANISMOS INTERNACIONAIS ....................................................................................

73

3.1 A complexidade social ..................................................................... 73

3.2 O Neoliberalismo e sua influência econômica e jurídica .................. 74

3.3 A globalização neoliberal e o esvaziamento do papel do Estado .... 77

3.4 Reflexos do Neoliberalismo e da Globalização no Direito do

Trabalho .................................................................................................

79

3.5 Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) .............................. 83

3.6 Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

(OCDE) ..................................................................................................

87

3.7 Organização Mundial do Comércio (OMC) ..................................... 88

3.8 Sistema de Solução de Controvérsias da OMC .............................. 89

3.9 Organização Internacional do Trabalho ........................................... 94

3.10 Ação Normativa da OIT: Convenções e Recomendações ............. 98

4 A EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NO

MUNDO GLOBALIZADO ...........................................................................

103

4.1 Comércio Internacional .................................................................... 103

4.2 A busca pelo desenvolvimento ........................................................ 113

4.3 A crise do Estado Social .................................................................. 117

4.4 O dumping social ............................................................................. 120

4.5 O Direito e o comércio internacional ............................................... 126

4.6 Cláusula social ................................................................................. 129

CONCLUSÃO ............................................................................................. 137 REFERÊNCIAS .......................................................................................... 141 ANEXO ....................................................................................................... 148

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 inaugura uma nova ordem jurídica interna,

privilegiando, expressamente, como fundamento do Estado Democrático de Direito

brasileiro, a dignidade da pessoa humana. Objetiva unificar e reforçar o rol de

direitos fundamentais que nela vêm expressos. Positivando valores do Estado

Liberal e do Estado Social, intenta criar mecanismos que propiciem a democracia e

a igualdade numa sociedade plural.

Neste contexto, uma das inovações mais significativas do texto constitucional

foi o enquadramento de uma série de direitos, anteriormente dispersos na ordem

social e econômica, no Capítulo II do Título II da Carta Magna, os chamados direitos

fundamentais sociais.

Esses direitos, muitas vezes de caráter prestacional, são destinados a garantir

condições materiais básicas para a população, promovendo-se a igualdade material.

Os direitos fundamentais que, no constitucionalismo liberal, eram interpretados como

direitos individuais, passam a ter uma destacada face social.

Como resultado, prestações materiais passam a ser impostas aos poderes

públicos, balizadas pelo mandamento constitucional, sem a preocupação com as

reais conseqüências econômicas. O Estado, como agente arrecadador, tem a sua

disposição recursos a todo o momento, tornando-se necessária, apenas, uma

melhor alocação desses recursos para a satisfação de todos os direitos

fundamentais.

Justifica-se este estudo, através da axiologia social consagrada na Constituição

Federal de 1988 e que se encontra abalada. Assim, tem-se como premissa

averiguar a concepção analítica dos direitos fundamentais sociais, comprometida

com os valores que foram escolhidos pelo texto constitucional, vislumbrando a

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efetividade da norma prescrita e de alguns instrumentos utilizados para garantir os

direitos trabalhistas.

Para tanto, fundamenta-se cientificamente essa pesquisa através do método

dedutivo do direito positivo, lido à luz da nova doutrina sobre o tema, sem descuidar

dos preceitos da norma constitucional, internamente prescrita.

No plano metodológico, além da leitura doutrinária específica sobre o tema,

buscou-se a consulta a algumas decisões jurisprudenciais determinadas por

Tribunais Superiores, bem como a leitura de artigos dispostos em periódicos e na

rede mundial (Internet), tudo devidamente citado no corpo do texto e nas referências

bibliográficas.

No primeiro capítulo, primou-se pela fundamentação teórica formal e material

do assunto com a definição de conceitos pertinentes no âmbito do

constitucionalismo moderno, em especial atenção ao princípio da dignidade da

pessoa humana. Analisa-se, ainda, a terminologia apropriada ao assunto, os tipos

de Estado e o seu reflexo nos direitos fundamentais sociais, bem como, as

dimensões subjetivas e objetivas dos direitos fundamentais sociais e seu reflexo nos

modelos de Estado historicamente experimentados e as normas programáticas.

Há casos em que a satisfação de um direito fundamental de um cidadão pode

comprometer o direito de outro. Portanto, o conteúdo e o alcance das normas de

direitos fundamentais não poderão ser dimensionados exclusivamente a partir da

perspectiva subjetiva do titular do direito, mas ponderados com a esfera jurídica em

concreto de todos os cidadãos.

Por outro lado, não se pode, a priori, defender a supremacia do interesse

público sobre o particular, afastando-se a proteção ao interesse individual. Será que,

se os direitos fundamentais sociais não forem observados como verdadeiros direitos

subjetivos vinculantes aos poderes públicos, a efetivação da pauta social

constitucional tornar-se-á viável?

Hoje, a dimensão valorativa dos direitos fundamentais sociais assume especial

importância na atual doutrina do direito constitucional. Busca-se o restabelecimento

11

da comunicação entre o direito e a ética, preenchendo-se o conteúdo das

disposições constitucionais a partir dos valores vigentes na sociedade.

No segundo capítulo, faz-se um estudo mais minucioso acerca dos direitos

fundamentais sociais e dos institutos que os fundamentam. Busca-se aclarar as

garantias concedidas pela norma constitucional, mesmo que de forma reflexa, como

a garantia do mínimo existencial e a garantia do núcleo essencial dos direitos

fundamentais sociais.

Verifica-se ainda a reserva do possível, uma vez que a Administração Pública

passou a utilizá-la com freqüência frente às exigências judiciais, mesmo sem ter a

delimitação do seu conteúdo. Na verdade, sob a argumentação da “reserva do

possível”, passou-se a legitimar a não-realização dos direitos fundamentais sociais,

especialmente na dimensão prestacional imposta ao Estado.

Emerge dessa análise a percepção de que a garantia de condições mínimas

para uma existência digna independe de uma expressa previsão constitucional para

poder ser reconhecida, já que é decorrente da própria proteção à vida. Entretanto,

ainda que a definição de um mínimo existencial possa variar, é possível reconhecer

que determinadas prestações materiais são consideradas essenciais para a

manutenção da vida humana com dignidade.

Deve-se atentar para o fato de que a referência a um mínimo existencial não se

revele redutora do alcance dos direitos, principalmente os sociais, através de

parâmetros que rondem o limiar da pobreza ou que proponham a manutenção das

desigualdades socioeconômicas, afrontando tanto o princípio da dignidade da

pessoa humana, que confere liberdade e autonomia ao indivíduo, como o princípio

da igualdade material.

Já a garantia do núcleo essencial dos direitos fundamentais, apoiada no critério

da ponderação e no princípio da proporcionalidade, constitui um mecanismo de

realização desses direitos com vistas a impedir a arbitrariedade do legislador e a

ratificar a supremacia da norma constitucional.

No terceiro capítulo, discorre-se sobre a globalização, o neoliberalismo e os

organismos internacionais. Na complexa sociedade atual, normas são editadas e

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impostas como um mero conjunto abstrato de direitos sem a preocupação da real

efetivação do disposto. O movimento das economias que fora evidenciado pelo

impulso tecnológico e das telecomunicações ampliaram os mercados. Os Estados

precisaram se adaptar e conjugar as variáveis disponíveis na busca do

desenvolvimento econômico e social.

O Estado intervencionista passa a ser combatido. O liberalismo, com uma nova

roupagem, grassa o mundo. Globalização e neoliberalismo surgem como uma onda

irresistível. O mercado revida os ataques sofridos pela utopia social. O

neoliberalismo concede a sustentação teórica para o movimento crescente de

globalização.

Finalmente, o quarto capítulo encerra o trabalho com um estudo sobre a

efetividade dos direitos fundamentais sociais nesse mundo globalizado. Como o

comércio internacional e a busca pelo desenvolvimento influenciaram o

interrelacionamento entre os Estados.

Verifica-se, também, a crise na qual o Estado Social mergulha. Não precisou

muito tempo para se perceber que esse Estado se retraía por carência de recursos

para implantar as políticas públicas necessárias. Nesse cenário, surgem práticas

agressivas aos direitos trabalhistas como o dumping social.

O neoliberalismo pede a desregulamentação de direitos sociais, principalmente

no ramo do Direito do Trabalho, pois suas regras poderiam ser “melhor” ditadas pelo

mercado. A busca pelos mercados internacionais leva à redução dos direitos

trabalhistas historicamente instituídos.

O dumping social surge como uma forma de reduzir custos para empresas que

precisam se inserir num mercado externo globalizado, competitivo e caro. Visando

oferecer, no mercado internacional, produtos a preços mais acessíveis, utilizam-se

da força de trabalho paga com salários aviltantes, jornadas de labor intermináveis e

formas degradantes de trabalho.

Os Estados Neoliberais buscam produzir mais, lucrar mais. Na sua pressa,

esquecem de olhar o caminho que trilharam. Além de lucro, acumularam miséria e

pobreza. Faz-se necessário implementar novos instrumentos para dinamizar a

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economia e os indicadores sociais. Entre eles, encontra-se a cláusula social, que é

tida como uma medida antidumping.

Em face dessas considerações, procura-se verificar, com este estudo, o

entendimento da moderna dogmática constitucional, que premia a tutela da pessoa

humana com especial atenção. Além disso, espera-se contribuir para o bom

andamento das relações existenciais à luz dos valores da sociedade, embasada nos

princípios constantes do sistema jurídico, em especial no princípio da dignidade da

pessoa humana, que constitui o principal fundamento da República Federativa do

Brasil.

1 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

No campo dos direitos fundamentais, a delimitação terminológica e a

perspectiva na qual o tema será abordado são as primeiras questões a serem

enfrentadas. Acredita-se que a utilização indistinta de alguns termos enfraquece a

carga conceitual lentamente construída ao longo da história de lutas pelos direitos

fundamentais. É bastante comum a utilização de expressões já consagradas, tais

como direitos humanos, direitos fundamentais, direitos subjetivos públicos, sem uma

preocupação mais apurada com o aspecto conceitual.

Cabe explicitar, neste momento, a distinção conceitual entre essas expressões,

situando o ambiente de estudo do presente trabalho. Inicialmente, convém ressaltar

que o sentido atribuído às expressões está ligado ao contexto histórico da

modernidade. Esse período é representado por uma cultura individualista e

antropocêntrica que conferiu ao homem a titularidade de direitos pelo simples fato de

existir.

De suma importância, é estabelecer a distinção entre “direitos humanos” e

“direitos fundamentais”. Segundo Guerra Filho (2006, p. 26):

De um ponto de vista histórico [...] os direitos fundamentais são, originariamente, direitos humanos. Contudo, estabeleceu-se um corte epistemológico, para estudar sincronicamente os direitos fundamentais, devemos distingui-los, enquanto manifestações positivas do direito, com aptidão para a produção de efeitos no plano jurídico, do que de um modo geral é chamado de direitos humanos, enquanto pautas-ético-políticas, situados em uma dimensão suprapositiva, deonticamente diversa daquela em que se situam as normas jurídicas – especialmente as de direito interno.

Para Paulo Bonavides (2007, p. 560):

Criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana, eis aquilo que os direitos fundamentais almejam segundo Hesse, um dos clássicos do direito público alemão contemporâneo. Ao lado dessa acepção lata, que é a que nos serve de imediato no presente contexto, há outra, mais restrita, mais específica e mais normativa, a saber: direitos fundamentais são aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais.

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Conceitualmente, direitos humanos têm significação abrangente que abarca a

dignidade, a liberdade e a promoção da igualdade do homem enquanto ser humano.

Direitos fundamentais são aqueles que já estão definidos, que constam de diplomas

normativos internos, especialmente na Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988.

No âmbito do direito interno, devem-se distinguir os direitos fundamentais dos

chamados direitos de personalidade. Apesar de ambos se manifestarem em uma

dimensão privatista, os direitos fundamentais se manifestam, nesse âmbito, de

forma indireta, reflexa, como mostra a doutrina alemã da eficácia perante terceiros

(Drittwirkung).

Segundo Guerra Filho (2007), já na dimensão publicista, os direitos

fundamentais não hão de ser confundidos com direitos subjetivos públicos. Os

primeiros, aqueles gozados perante o Estado, são verdadeiros direitos subjetivos

públicos. Entretanto, não há relação biunívoca entre ambos, nem todo direito

subjetivo público possui a estatura constitucional de direito fundamental.

Além disso, os direitos fundamentais não têm apenas uma dimensão subjetiva,

mas também uma dimensão objetiva, o que permite falar-se do seu “duplo caráter”.

A dimensão objetiva é aquela em que os direitos fundamentais se mostram como

princípios conformadores do modo como o Estado que os consagra deve organizar-

se e atuar, conforme (GUERRA FILHO, 2007).

Adotar a distinção majoritariamente aceita entre direitos humanos e direitos

fundamentais, reservando a estes o conceito de direitos dos homens reconhecidos e

positivados no ordenamento jurídico de determinado Estado, não significa olvidar o

comprometimento dos direitos fundamentais com os valores da dignidade,

fraternidade, igualdade e liberdade (CANOTILHO, 1999, p. 354) como denomina tais

valores de “raízes fundamentantes dos direitos fundamentais”, não podendo ser

esquecidos.

Não é possível, ainda, desprezar a possibilidade de abertura do ordenamento

jurídico a outros direitos não positivados, denominados direitos materiais, mas não

formalmente, constitucionais. A Constituição não deve ser interpretada como um

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conceito único e sim como um bloco, configurado por pluralidade de concepções,

visando à concretização da idéia de ordem constitucional global (BRASIL, 2007).

Assim é que o Supremo Tribunal Federal (STF), para além de uma perspectiva

meramente reducionista, veio a proclamar que a Constituição da República, muito

mais do que um conjunto de normas e princípios nela formalmente positivados, há

de ser também entendida em função do próprio espírito que a anima, afastando-se,

desse modo, de uma concepção impregnada de evidente minimalismo conceitual.

É por tal motivo que os tratadistas – consoante observa JORGE XIFRA HERAS ("Curso de Derecho Constitucional", p. 43) –, em vez de formularem um conceito único de Constituição, costumam referir-se a uma pluralidade de acepções, dando ensejo à elaboração teórica do conceito de bloco de constitucionalidade, cujo significado – revestido de maior ou de menor abrangência material – projeta-se, tal seja o sentido que se lhe dê, para além da totalidade das regras constitucionais meramente escritas e dos princípios contemplados, explícita ou implicitamente, no corpo normativo da própria Constituição formal, chegando, até mesmo, a compreender normas de caráter infraconstitucional, desde que vocacionadas a desenvolver, em toda a sua plenitude, a eficácia dos postulados e dos preceitos inscritos na Lei Fundamental, viabilizando, desse modo, e em função de perspectivas conceituais mais amplas, a concretização da idéia de ordem constitucional global (BRASIL, 2007).

Emerge do conceito de bloco de constitucionalidade o conceito de ordem

constitucional global, através do qual o juízo de legitimidade constitucional dos atos

normativos deve fazer-se não apenas baseando-se em normas e princípios escritos

das leis constitucionais, mas também tendo em conta princípios não escritos

integrantes da ordem constitucional global.

O parâmetro constitucional é mais vasto do que as normas e princípios

constantes das leis constitucionais escritas, devendo alargar-se, pelo menos, aos

princípios reclamados pelo 'espírito' ou pelos 'valores' que informam a ordem

constitucional global.

Estabelecida a distinção terminológica e a apresentação de alguns conceitos

importantes, cumpre, agora, fazer uma análise dos diversos modelos de Estado e do

seu papel em relação aos direitos fundamentais. Para tanto, necessário se faz

buscar a contextualização dos direitos fundamentais nos diversos momentos

históricos.

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1.1 Estado Constitucional e Direitos Fundamentais

Qualquer que seja o conceito e a justificação do Estado, só se pode concebê-lo

como Estado Constitucional, submetido ao direito, regido por leis, sem confusão

entre os poderes, com qualidades que fazem dele um Estado Constitucional. O

constitucionalismo moderno erige como qualidade essencial a um Estado

Constitucional a de que deve ser um Estado de Direito Democrático.

O Estado constitucional é „mais‟ do que Estado de direito. O elemento democrático não foi apenas introduzido para “travar” o poder (to check the power); foi também reclamado pela necessidade de legitimação do mesmo poder (to legitimize State power). (CANOTILHO, 1999, p. 95-96).

Concluindo, Canotilho (1999) afirma que, se quisermos um Estado

Constitucional assente em fundamentos não metafísicos, devemos distinguir

claramente: a) a legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do processo de

legislação do sistema jurídico; b) da legitimidade de uma ordem de domínio e da

legitimidade do exercício do poder político.

Claro está que o Estado Constitucional, para poder ser assim qualificado, exige

a garantia dos direitos fundamentais. A realização desses direitos, por sua vez,

exige que o Estado esteja organizado na forma de Estado de Direito, sendo que o

tipo de Estado de Direito, liberal ou social, é determinado pelo alcance e significado

que a respectiva Carta Constitucional confere aos direitos fundamentais. Por fim, o

conteúdo dos direitos fundamentais é condicionado pelo tipo de Estado de Direito

que o formula.

A modernidade vê nascer o Estado de Direito, o movimento do

constitucionalismo e a proteção e positivação dos direitos fundamentais. Todos eles

são produtos do movimento liberal burguês, que surge como reação à opressão de

um regime absolutista. Essa idéia foi manifestada no conhecido art. 16 da

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, ao proclamar que o

Estado, no qual não estivessem garantidos os direitos individuais nem estivesse

prevista a separação dos poderes, não possuiria, de fato, uma Constituição. 1

1 Sobre a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão comenta Voltaire Schilling (2009, on line): “Inebriados por suas sucessivas vitórias perante o rei Luís XVI, os parlamentares franceses reunidos na Assembléia Nacional em Paris, então encarregados de redigirem uma Constituição, decidiram elaborar uma Declaração de Direitos que servisse de preâmbulo à nova Magna Carta. Somaram-se, então, à mesa da Comissão Constituinte, presidida por Mirabeau e Mounier, mais de uma vintena de

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No Estado Liberal, idealizado no Iluminismo do século XVII e XVIII, aos

cidadãos eram conferidos direitos inatos, de cunho individualista e subjetivista. A

positivação de tais direitos visava garantir uma limitação jurídica de atuação do

Estado na esfera da liberdade do indivíduo com o intuito de assegurar sua

autonomia.

O constitucionalismo do Estado Liberal refletia, na sua gênese, os ideais

iluministas do século XVII e XVIII, marcadamente influenciados pelo pensamento

contratualista de John Locke, segundo o qual os homens têm direitos inatos (vida,

liberdade e propriedade) oponíveis, sobretudo, perante o Estado, cuja origem estaria

na própria autovinculação dos homens.

Assim, sobre uma base individualista e subjetivista, os direitos fundamentais

reconhecidos nas primeiras Constituições escritas do mundo ocidental nasceram

como limitação jurídica ao poder estatal, configurando-se como direitos subjetivos

dos indivíduos. Os direitos fundamentais visavam garantir ao abrigo da intervenção

do Estado uma esfera de liberdade e de autonomia individual dos homens.

Esses direitos foram caracterizados como direitos de primeira geração, sendo

tratados como “direitos de defesa” ou “negativos” porque exigiam uma abstenção do

poder público, uma vez reconhecidos, inauguraram o constitucionalismo.2

declarações. Após um intenso trabalho de burilagem, o texto definitivo foi apresentado, em forma de 17 artigos, à Assembléia Nacional, aprovado no dia 26 de agosto de 1789. Como observou Jacques Godechot, a aparência de decálogo que a Declaração assumiu devia-se ao passado cristão dos parlamentares, que, apesar de se declararem seguidores de Voltaire, haviam quase todos, passado sua vida escolar, nos bancos dos colégios religiosos”. Tratava-se de dar ao povo francês um “catecismo cívico”, tão apregoado por Jean-Jacques Rousseau, uma espécie de secularização dos Dez Mandamentos da lei mosaica. Apesar de ter sido a Declaração de 1789 a que terminou por ficar na história como o verdadeiro decálogo da liberdade do homem moderno, é interessante registrar que ela foi uma entre tantas outras que viram à luz a partir do século XVII, fruto dos reclamos do liberalismo nascente. Os historiadores ingleses, naturalmente, apontam a Carta Magna de 1215, como a pedra filosofal inspiradora de todas as declarações que se seguiram desde então. Os franceses, por sua vez, gostam de remontar às petições feitas pelos Estados Gerais reunidos em Paris, a primeira em 1355, e a outra em 1484, ambas em nome da liberdade das gentes. Dessa forma, se fossemos buscar as raízes últimas das modernas declarações de direitos terminaríamos no Sermão da Montanha de Jesus Cristo. (SCHILING, 2009, on line). 2 Os direitos fundamentais podem ser estudados com projeções multidimensionais, sendo essa uma característica do modelo epistemológico mais adequado, segundo propõe Robert Alexy.

O referido

modelo é tridimensional, podendo ser visto como uma tentativa de conciliar três das principais correntes do pensamento jurídico, a saber, o positivismo normativista, o positivismo sociológico ou realismo, e o jusnaturalismo. Dessa forma, temos (a) “dimensão analítica”, (b) “dimensão empírica” e (c) “dimensão normativa”. A primeira dimensão em que os estudos jurídicos devem ser realizados, é a dimensão analítica, donde se tem um aperfeiçoamento conceitual a ser utilizado na investigação, num trabalho de diferenciação entre as várias figuras e institutos jurídicos localizados em nossa área de

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Os direitos de primeira geração ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. (BONAVIDES, 2007, p. 564)

A positivação dos direitos naturais, considerados inalienáveis, imprescritíveis,

invioláveis e universais, segundo a corrente jusnaturalista, gerou dois fenômenos

distintos. Se, por um lado, promove a ascensão de tais direitos ao texto

constitucional, por outro, gera a decadência desta corrente filosófica, uma vez que,

positivados, não se poderiam admitir outros direitos que não os emanados do

Estado.

No século XIX, há a sedimentação dos chamados direitos fundamentais de

primeira geração. É nele, também, que há a eclosão de movimentos sociais,

promovidos, especialmente, pelo proletariado. Surge o gérmen de uma nova

geração de direitos fundamentais.

Conforme Bonavides (2007), na virada do século XIX para o século XX, é que

nascem os direitos econômicos, sociais e culturais da segunda geração, abraçados

ao princípio da igualdade. O marco da consagração desses direitos ao lado das

liberdades individuais, da transição do Estado Liberal para o Estado Social de Direito

é a Constituição alemã de Weimar de 1919.

Os direitos de segunda geração caracterizam-se, principalmente, por impor ao

Estado o cumprimento de prestações positivas, cobrando-lhe um comportamento

ativo e não mais puramente omissivo. Não se pode olvidar, entretanto, da presença

estudo. Na segunda dimensão, denominada empírica, tomam-se como instrumento de estudo amostras palpáveis do direito, ou seja, como determinadas manifestações concretas do direito, tal como se apresentam nas leis, normas do gênero e, principalmente, na jurisprudência. Por fim, a terceira dimensão, que se denomina normativa, segundo a doutrina do eminente professor Willis Santiago Guerra Filho, é aquela „em que a teoria assume o papel prático e deontológico que lhe está reservado, no campo do direito, tornando-se o que com maior propriedade se chamaria doutrina, por ser uma manifestação de poder, apoiada em um saber, com o compromisso de complementar e ampliar, de modo compatível com suas matrizes ideológicas, a ordem jurídica estudada‟. E o mesmo professor sustenta que falar em dimensões é melhor do que gerações de direitos fundamentais, em que “não se justifica apenas pelo preciosismo de que as gerações anteriores não desaparecem com o surgimento das mais novas”. É que os direitos gestados numa geração ganham outra dimensão com o surgimento de uma geração sucessiva. Dessa forma, os direitos da geração posterior se transformam em pressupostos para a compreensão e realização dos direitos da geração anterior. Como bem exemplificado pelo luzidio professor cearense, temos que “o direito individual de propriedade, num contexto em que se reconhece a segunda dimensão dos direitos fundamentais, só pode ser exercido observando-se sua função social, e com o aparecimento da terceira dimensão, observando-se igualmente sua função ambiental”. (LOPES, 2002, on line).

20

nesta geração de direitos das “liberdades sociais”, como o direito de greve e a

liberdade de sindicalização que, a despeito do caráter defensivo, correspondem à

nova configuração do Estado social.

Importante ressaltar, ainda, que a previsão constitucional dos direitos de

segunda geração interligados com a realização da justiça social imprimiu aos direitos

fundamentais, para além da dimensão subjetiva que confere ao indivíduo posições

subjetivas imponíveis perante o Estado, uma nova dimensão denominada objetiva,

que consiste em compreendê-los como um sistema axiológico que atua como

fundamento material de todo o ordenamento jurídico.

A concepção de objetividade e de valores relativamente aos direitos fundamentais fez com que o princípio da igualdade tanto quanto o da liberdade tomasse também um sentido novo, deixando de ser mero direito individual que demanda tratamento igual e uniforme para assumir, conforme demonstra a doutrina e a jurisprudência do constitucionalismo alemão, uma dimensão objetiva de garantia contra atos de arbítrio do Estado (BONAVIDES, 2007, p. 568-569).

Nesse sentido, no avanço histórico de um modelo de Estado Liberal de Direito

para um Estado Social de Direito, há uma mudança do próprio significado dos

direitos fundamentais, que deixam de ser meros limites ao exercício do poder

político para ser também um conjunto de valores orientadores da ação positiva dos

poderes públicos, adotando uma função de antecipar o horizonte emancipatório a

alcançar.

Alterado o perfil do Estado e o conteúdo dos direitos fundamentais, a própria

Constituição sofre modificações para abarcar, ao lado das garantias de liberdade,

programas de ação dirigidos ao Estado visando ao bem-estar dos cidadãos,

positivados na forma de normas programáticas, o que rendeu a caracterização de

Constituição dirigente elaborada por Canotilho.3

Há ainda outra transformação no conteúdo dos direitos fundamentais, gerada,

principalmente, pelo precário desenvolvimento de algumas nações, pelo estado de

3 A chamada Constituição dirigente substitui as antigas constituições liberais, contendo um projeto global de transformação da sociedade. Mas a ambição normativa desmedida destes textos vai enfrentar enormes dificuldades para se impor na prática. As promessas descumpridas vão se acumular nos textos constitucionais o que frustra as expectativas e dissemina a idéia de que as constituições não são para valer. Esse conceito, cunhado por Canotilho, foi revisto parcialmente pelo autor de forma a adaptá-lo a nova realidade com o processo de globalização, a crise do Estado-Providência e a emergência do pós-modernismo jurídico. (SARMENTO, 2006, p. 24).

21

beligerância, pelo impacto tecnológico, pelas crises ambientais, entre outros fatores

que se expandem com rapidez e fluidez num mundo globalizado.

Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Tem primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. (BONAVIDES, 2007, p. 569)

Assentados sobre a fraternidade ou sobre a solidariedade, nascem os

direitos fundamentais de terceira geração, que, sofrendo alterações notadamente no

que diz respeito à sua titularidade, têm por destinatário não o indivíduo isoladamente

considerado, mas o gênero humano.4 São direitos de titularidade difusa ou coletiva e

podem ser exemplificados como o direito à paz, ao desenvolvimento, à

autodeterminação dos povos, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à

conservação do patrimônio cultural e o direito à comunicação.

A década de 1990 do século passado operou uma grande transformação.

Regras e afirmações socioeconômicas, antes reconhecidamente ideológicas,

assumem conotações de verdades científicas. Um novo determinismo social instala-

se mais preciso e assustador que os anteriores.

O motor para tudo isso é muito mais simples e, talvez por isso mesmo, muito mais penetrante que todas as idéias anteriores. Nada de conceitos esotéricos ou estripulias intelectuais. O novo conceito é a um só tempo concreto e instigador de sonhos e imaginação. Não é incomum observar empresários e até trabalhadores referirem-se a ele com reverência e temor: „nada há o que se possa fazer contra a globalização. É necessário adaptar-se‟. Talvez a criação mais genial de marketing de todos os tempos, essa palavra traveste velhas idéias com nova roupagem. Traduz filosofias ultrapassadas e dogmaticamente equivocadas, reunidas sob a alcunha de neoliberalismo. (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 15)

Segundo Bonavides (2007), trata-se da utopia do fim de século: a globalização

do neoliberalismo, extraída da globalização econômica. Essa ideologia serve aos

interesses de hegemonias supranacionais que, através da globalização política

neoliberal, silenciosamente, caminham rumo à dissolução do Estado nacional, o que

enfraquece a idéia de soberania.

4 Ao tratar dos direitos fundamentais de terceira geração Paulo Bonavides (2007) cita, inicialmente, a obra de Karel Vasak para quem esses direitos se assentam sobre a fraternidade. Em seguida cita Etiene-R. Mbaya formulador do chamado “direito ao desenvolvimento”, que utiliza para caracterizar os direitos de terceira geração a solidariedade e não a fraternidade.

22

Entretanto, segundo o mesmo autor, existe uma outra globalização política, que

está fora do alcance das idéias neoliberais, radicada nos direitos fundamentais, é a

única que verdadeiramente interessa aos povos periféricos. É essa globalização

política que diz respeito à universalização dos direitos fundamentais, que traz uma

quarta geração de direitos fundamentais, compreendida pela direito à democracia, à

informação e ao pluralismo.

Por outro lado, a assunção de políticas neoliberais pelo

Estado o debilita perante o mercado e as empresas globais. Há um deslocamento

das decisões políticas e econômicas para os atores privados. Nesse contexto,

vislumbram-se dois fenômenos:

1. O Estado perde espaço na formulação e implementação de políticas

públicas, diminuindo seu poder de garantir a eficácia dos direitos fundamentais,

especialmente os sociais;

2. O Estado deixa de ser a única ameaça visível aos direitos fundamentais,

juntam-se a ele as empresas, as associações e os próprios particulares.

No contexto da economia capitalista, o poder crescente de instâncias não–estatais como as grandes empresas e associações, tornara-se uma ameaça para os direitos do homem, que não poderia ser negligenciada, exigindo que a artilharia destes direitos se voltasse também para os atores privados. (SARMENTO, 2006, p. 25).

Nesse cenário, exige-se uma eficácia dos direitos fundamentais nas relações

privadas. Se a opressão e a injustiça não provêm apenas dos poderes públicos,

surgindo também nas relações privadas travadas no mercado, nas relações laborais,

na sociedade civil, na família e em tantos outros espaços, nada mais lógico do que

estender a estes domínios o raio de incidência dos direitos fundamentais

(SARMENTO, 2006, p. 25).

Em síntese, a análise das gerações dos direitos fundamentais em conexão

evolutiva com o modelo de Estado indica a historicidade

destes direitos e as

mutações experimentadas por eles no que concerne ao seu conteúdo, dimensões,

titularidade e eficácia.

Pode-se afirmar que os direitos fundamentais compreendem os direitos civis e

políticos, ao lado dos direitos sociais, econômicos e culturais e dos direitos

transindividuais. Caracterizam-se pela indivisibilidade e interdependência, o que

23

significa que não há justiça social sem a efetiva fruição da liberdade e vice-versa. A

implementação dos direitos fundamentais necessita, por vezes, da atuação negativa

do poder público e, por vezes, de ações positivas.

Além disso, os direitos fundamentais contemplam dimensões subjetiva e

objetiva, que fundamentam um direito subjetivo exigível perante o Estado, e

condensa os valores básicos da comunidade a servir como fim diretivo da atuação

dos poderes públicos.

Por fim, a eficácia dos direitos fundamentais dirige-se tanto aos poderes

constituídos quanto aos particulares, ainda que haja diferenças na forma e na

intensidade em que se dá esta vinculação.

1.2 A dimensão subjetiva dos direitos fundamentais

Para Sarlet (2007a), a importante formulação do direito constitucional

contemporâneo, no âmbito da dogmática dos direitos fundamentais, é a de que

esses direitos revelam dupla perspectiva: em uma, são considerados como direitos

subjetivos individuais; em outra, são tratados como elementos objetivos

fundamentais da comunidade.

[...] a dimensão subjetiva dos direitos sociais corresponderia à sua compreensão como fonte de posições subjetivas de vantagens, enquanto faculdades e poderes atribuídos a seus titulares; já a dimensão objetiva dos direitos fundamentais consistiria nos demais efeitos jurídicos resultantes do reconhecimento de tais direitos como os valores fundamentais e constitutivos da ordem jurídica, os quais devem ser perseguidos, em maior ou menor extensão por todos os atores da vida jurídica. (SARLET, 2003, p. 98).

A dimensão subjetiva dos direitos fundamentais leva a vários questionamentos,

até mesmo em relação aos possíveis significados da expressão “direito subjetivo”.

Entretanto, não será objeto deste trabalho tal controvérsia. Busca-se, aqui, o

aparente consenso na doutrina em relação ao caráter geral de um direito subjetivo,

sob o qual será abordado o tema relativo aos direitos fundamentais.

Ainda Andrade (2004), nesse âmbito, ao se tratar de um direito fundamental

como direito subjetivo, o que se deve depreender é que o titular do direito poderá

exigir judicialmente o cumprimento da obrigação objeto da norma diretamente do

seu destinatário. Trata-se de idéia comum de que a figura do direito subjetivo implica

24

um poder ou uma faculdade para a realização efetiva de interesses que são

reconhecidos por uma norma jurídica como próprios do respectivo titular.

[...] entendido como o poder de ação assento no direito objetivo, e destinado à satisfação de certo interesse. A norma jurídica de conduta caracteriza-se por sua bilateralidade, dirigindo-se a duas partes e atribuindo a uma delas a faculdade de exigir da outra, determinado comportamento. Formando-se, desse modo, um vínculo, uma relação jurídica que estabelece um elo entre dois componentes: de um lado, o direito subjetivo, a possibilidade de exigir; de outro, o dever jurídico, a obrigação de cumprir. (BARROSO, 2006, p. 99)

É válido enfatizar que a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais deve

ser buscada, como também compreendida na própria Constituição. A concepção de

que a falta de proteção legal ou a inexistência de ação própria que poderia implicar

na inexistência ou na inexigibilidade do direito subjetivo deve ser afastada. Essa

idéia, surgida como reflexo do modelo jurídico, que inspirara o Código Civil de 1916,

deve ser ultrapassada, não se adaptando ao novo constitucionalismo inaugurado em

1988.5

A interpretação dos direitos fundamentais deve assumir outra conotação. A

Constituição declara determinados direitos como fundamentais, atribuindo

obrigações ao Estado e aos particulares, tornando-os exigíveis judicialmente,

correspondendo a direitos subjetivos. Tal exigibilidade não condiciona a existência

do direito, uma vez que ele não existe por ser exigível, mas deve ser exigível por

existir.

Conforme Clève (2003), ao escrever sobre o tema, observa que a dimensão

subjetiva dos direitos fundamentais desempenha três funções: a) a de defesa do

indivíduo contra a ingerência do poder público que venha impedir a satisfação do

direito fundamental; b) a de prestação, segundo a qual o indivíduo pode demandar a

realização do objeto do direito fundamental; e c) a de não discriminação, segundo a

qual o indivíduo deve ter, ao seu dispor, sem discriminação contra as demais, os

bens e serviços necessários à satisfação de seus direitos fundamentais. Porém, é

possível a discriminação quando esta seja necessária para a concretização da

igualdade material.

5 Prescrevia o Código Civil de 1916, em seu art. 75, “A todo o direito corresponde uma ação, que o

assegura.”

25

A perspectiva subjetiva dos direitos fundamentais tem prevalecido no tocante a

entendê-los como verdadeiros direitos subjetivos. Para Sarlet (2007a), a tese de

presunção em favor da perspectiva jurídica subjetiva encontra sustentação na

finalidade característica dos direitos fundamentais, que é de proteção do indivíduo e

não da coletividade e no caráter principiológico dos direitos fundamentais, em que o

reconhecimento de um direito subjetivo significa um grau maior de realização do que

a previsão de obrigações de cunho meramente objetivo.

Argumento em favor da dimensão subjetiva é a relação existente entre os

direitos fundamentais sociais com o valor da autonomia individual, na qualidade de

expressão da dignidade da pessoa humana. Este enfoque, todavia, não exclui a

possibilidade de se atribuir a titularidade de direitos fundamentais subjetivos a certos

grupos ou entes coletivos.

A doutrina tende a reconhecer, com maior tranqüilidade, a caracterização de

um direito fundamental como direito subjetivo sempre que aquele assumir uma

feição de direito de defesa, pois que o seu titular poderá exigir do Estado que este

se abstenha de ingerir na esfera de autonomia privada resguardada pela norma.

Estudo especial, entretanto, deve ser feito quando se trata da dimensão

positiva ou prestacional dos direitos fundamentais, característica dos direitos sociais.

Nessa dimensão, torna-se necessária a realização de uma determinada prestação,

constante do conteúdo da norma, por parte do Estado e dos particulares. A

Constituição brasileira instituiu uma série de direitos fundamentais sociais.

Acredita-se que, somente se os direitos fundamentais sociais forem

observados como verdadeiros direitos subjetivos vinculantes aos poderes públicos, a

efetivação da pauta social constitucional será viável. No mesmo sentido, posiciona-

se Barroso (2004), defendendo uma teoria da efetividade constitucional pautada no

conceito de direito subjetivo.

1.3 A dimensão objetiva dos direitos fundamentais

Sarlet (2007a), em sua obra, coloca que, apesar de se encontrar na doutrina

constitucional do primeiro pós-guerra o gérmen do que hoje se considera a

dimensão objetiva dos direitos fundamentais, o grande impulso veio, quanto à

26

eficácia dos direitos fundamentais, somente com o advento da Lei Fundamental

Alemã de 1949.

Neste contexto, é descrita como marco jurisprudencial a decisão tomada pela

Corte Federal Constitucional (Bundesverfassungsgericht) da Alemanha no famoso caso

Lüth, em 1958.6 Na sentença proferida, ficou consignado que os direitos

fundamentais não se limitavam à função precípua de serem direitos subjetivos de

defesa do indivíduo, constituindo decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva

com eficácia em todo o ordenamento jurídico. Assim, esses direitos passam a

evidenciar-se, no âmbito da ordem constitucional, como um conjunto de valores

objetivos básicos dirigindo a ação positiva dos poderes públicos.

Mendes (2007) esclarece que a perspectiva objetiva não é uma contrapartida

automática da perspectiva subjetiva dos direitos fundamentais. Trata-se de uma

função autônoma das normas de direitos fundamentais, que transcendem à sua

perspectiva subjetiva, gerando efeitos para todo o ordenamento jurídico a partir do

desencadeamento de novos significados.

De acordo com Sarlet (2007a), a dimensão objetiva dos direitos fundamentais

possibilita o reconhecimento de elementos jusfundamentais, encontrando-se

relacionada à sua caracterização como institutos, não necessariamente vinculados à

noção subjetiva dos direitos dos cidadãos. Assim, pode-se dizer que toda norma que

contém um direito fundamental constitui sempre direito objetivo, independentemente

da viabilidade de uma subjetivação.

6 Uma sentença do Tribunal Constitucional Federal, que versou sobre uma colisão entre o direito

delitivo e a liberdade de opinião, passou a ser de fundamental importância para o tratamento da relação entre direitos fundamentais e o Direito Privado na Alemanha. Em 1958, o Tribunal Constitucional resolveu o caso Lüth-Urteil. No caso em exame, o presidente do Clube de Imprensa de Hamburgo, Eric Lüth exortou o público alemão a boicotar uma película do cineasta Veit Harlan, a quem acusava por seu passado nazista. Harlan dirigiu numerosas películas de propaganda nazista, entre elas a muito criticada Jus Suss, filmada em 1940, de forte conteúdo anti-semita. Demandado civilmente, Lüth foi considerado civilmente culpado pelos prejuízos e danos causados ao cineasta. Os tribunais consideraram o apelo um ato ilícito, por ofensivo aos bons costumes no sentido do estabelecido pelo § 856 do BGB [Código Civil Alemão]. Insatisfeito com o pronunciamento judicial, Lüth entra com recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde), sustentando que o direito constitucional de liberdade de expressão obrigava considerar sua atuação legítima. Através dele o Tribunal Constitucional examinou a tese de que os direitos fundamentais se exerciam não somente ante o Estado, estando presentes, também, nas relações de direito privado.Em resposta ao recurso constitucional impetrado pelo Sr. Lüth, o Tribunal Constitucional Federal cassou a sentença do tribunal civil, pois este teria, na aplicação do § 826 do BGB, violado o direito fundamental à liberdade de opinião do Sr. Lüth, assegurado pelo artigo 5

o, inciso I, da LF. (MARMELSTEIN, 2010, on line).

27

Ainda Sarlet (2007a), ao tratar da perspectiva objetiva dos direitos

fundamentais, disserta, inicialmente, sobre seu aspecto axiológico, entendendo que

os direitos fundamentais representariam a ordem de valores vigentes na sociedade.

Axiologicamente, a função objetiva dos direitos fundamentais é aquela que

decorre da idéia de que estes incorporam e expressam determinados valores

objetivos fundamentais da sociedade. Os direitos fundamentais, mesmo os clássicos

direitos de defesa, não devem ter sua eficácia valorada somente sob um aspecto

individualista, mas, como valores e fins que devem ser respeitados e concretizados

por toda a sociedade.

Essa relevância axiológica social dos direitos fundamentais revela-se

especialmente no caso dos direitos fundamentais sociais, pois auxilia na

compreensão da fundamentabilidade material destes direitos. A dignidade da pessoa

humana, princípio fundamental da Constituição brasileira, bem como o princípio do

Estado Social, que embora não positivado expressamente, decorrem do conjunto de

valores que informam a carta constitucional e embasam tal fundamentabilidade.

Além disso, a dimensão valorativa dos direitos fundamentais sociais assume

especial importância na atual doutrina do direito constitucional. Busca-se, hoje,

restabelecer a comunicação entre o direito e a ética, de modo a preencher o

conteúdo das disposições constitucionais a partir dos valores vigentes na sociedade.

Reconhecendo-se a dimensão objetiva dos direitos fundamentais sociais como

direitos relacionados aos valores difundidos em toda a comunidade, cuja realização

acaba por tocar a esfera de todos os cidadãos, há a possibilidade de deduzir-se o

fundamento de legitimidade de restrições a estes direitos na sua dimensão subjetiva

individualista.

Há casos em que a satisfação de um direito fundamental de um cidadão

poderá comprometer os direitos e bens jurídicos de toda a sociedade. Dessa forma,

o conteúdo e o alcance das normas de direitos fundamentais não poderão ser

dimensionados exclusivamente a partir da perspectiva subjetiva do titular do direito.

Deverão, sem dúvida, ser ponderados com a esfera jurídica em concreto de todos os

cidadãos.

28

Para Sarlet (2007a), é necessário dizer que, ao se falar de ponderação, está-

se indicando que não deve ser perdido de vista o núcleo essencial de cada direito

fundamental. Não há como sustentar a funcionalidade da dimensão subjetiva em

prol da dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Não se pode, por exemplo,

aprioristicamente, sem a análise do caso concreto, defender uma supremacia do

interesse público sobre o particular, afastando-se a proteção ao interesse individual.

Observa, ainda, Sarlet (2007a), outro desdobramento da perspectiva objetiva

axiológica dos direitos fundamentais de profunda relevância: a eficácia dirigente

destes direitos em relação aos poderes públicos, no sentido de lhes ordenar a

obrigação permanente de concretização e realização dos direitos fundamentais.

Os direitos fundamentais vinculam os órgãos estatais com um todo. O Poder

Executivo haverá de respeitar os direitos de defesa, além de propor e realizar as

políticas públicas necessárias à satisfação dos direitos prestacionais. O Legislativo,

em sua atuação, deverá legislar para, em preservando esses valores e buscando

referidos objetivos, proteger os direitos fundamentais, de modo normativo, assim

como, numa eventualidade, fiscalizar a atuação dos demais poderes.

Vincula-se, também, o Poder Judiciário que, ao julgar, há de levar em conta os

princípios, os objetivos e os direitos fundamentais. Os agentes públicos brasileiros

estão comprometidos, estão absolutamente vinculados a esses parâmetros

constitucionais. A Constituição desde logo retirou do mundo político, da esfera da

disputa política, o que é nuclear, fundamental para os cidadãos brasileiros.

Entretanto, a multiplicidade de significados inerentes aos direitos fundamentais

na condição de elementos da ordem objetiva corre o risco de ser subestimada caso

seja reduzida a dimensão meramente valorativa. Para além da dimensão axiológica

da perspectiva objetiva, Sarlet (2007a, p. 173) ressalta a possibilidade de as normas

de direitos fundamentais determinarem efeitos autônomos:

Como primeiro desdobramento de uma força jurídica objetiva autônoma dos direitos fundamentais, costuma apontar-se para o que a doutrina alemã denominou de uma eficácia irradiante (Austranhlungswirking) dos direitos fundamentais, no sentido de que estes, na sua condição de direito objetivo, fornecem impulsos e diretrizes para a aplicação e interpretação do direito infraconstitutucional, o que, além disso, apontaria para a necessidade de uma interpretação conforme aos direitos fundamentais, que ademais, pode

29

ser considerada – ainda que com restrições – como modalidade semelhante à difundida técnica hermenêutica da interpretação conforme à Constituição.

A doutrina alemã, ao tratar da força jurídica objetiva autônoma dos direitos

fundamentais, aponta para a consagrada “eficácia irradiante” dos direitos

fundamentais. Segundo Sarlet (2007a), a aplicação e a interpretação dos textos

normativos devem buscar a melhor compatibilidade com os direitos fundamentais.

Assim é que os direitos fundamentais servem como norte para a interpretação e

aplicação do sistema jurídico. Por vezes, tornam-se verdadeiros parâmetros para o

controle de constitucionalidade dos atos normativos editados pelo Estado.

Entretanto, não é apenas esse o efeito da eficácia irradiante dos direitos

fundamentais. Associado ao mencionado efeito encontra-se, ainda, o

questionamento acerca da sua eficácia na esfera privada. Trata-se da “eficácia

horizontal” (Drittwirkung) dos direitos fundamentais. Segundo ela, os direitos

fundamentais irradiam efeitos, também, nas relações privadas, não constituindo

apenas direitos com eficácia vertical, oponíveis aos poderes públicos.

Outro aspecto relevante para o presente estudo, relacionado à perspectiva

objetiva dos direitos fundamentais, é a função de proteção por eles determinada.

Nesse sentido, cabe ao Estado o dever de proteger o seu exercício, não somente

em relação às ingerências dos poderes públicos, mas também em relação às

ingerências dos próprios particulares.

A dimensão protetora revela o caráter positivo que os direitos constitucionais

podem assumir, inclusive, os clássicos direitos de defesa. Nesse caso, estes exigem

como função autônoma, independente de sua subjetividade, a proteção do Estado.

Trata-se de um dever do Estado de agir e não somente de se abster.7 A partir desta

perspectiva, torna-se evidente a conclusão a que chegaram BIGOLIN (2007) os

direitos fundamentais podem estar sempre associados a um custo, a uma prestação.

Importa salientar outra função de extrema relevância assumida objetivamente pelos

7 Exemplos seriam o Consumer Product Safety Commission que gastou, em 1996, 41 milhões de

dólares analisando e identificando produtos potencialmente danosos e fiscalizando o cumprimento dos padrões de segurança. Já o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, no mesmo ano, gastou US$ 64 milhões em “questões de direitos civis”. A Occupational Safety and Health Administration (OSHA) consumiu US$ 306 milhões no mesmo ano obrigando os empregadores a prover locais de trabalho mais seguros e saudáveis enquanto que a Equal Employment Opportunity Comission (EEOC) despendeu US$ 233 milhões para cuidar que os empregadores não discriminem na contratação, demissão, promoção e transferências. (BIGOLIN, 2007, on line).

30

direitos fundamentais: a de determinar a criação de estruturas institucionais bem

como de procedimentos necessários à sua efetivação.

Neste sentido, com base no conteúdo das normas de direitos fundamentais, é

possível extraírem-se conseqüências para a aplicação e interpretação das normas

procedimentais. Além disso, torna-se necessária a formatação de um direito

organizacional e procedimental que auxilie na efetivação da proteção aos direitos

fundamentais, evitando-se possíveis riscos de redução do seu conteúdo material. É

preciso ressaltar, entretanto, que esta força normativa que decorre da perspectiva

objetiva dos direitos fundamentais não é absoluta, devendo ser ponderada com

todos os valores ou princípios em sentido divergente.

Por fim, para Barroso (2004) afirma que é importante ressaltar que tanto as

normas de direitos fundamentais que consagram direitos subjetivos individuais,

quanto as que impõem apenas obrigações de cunho objetivo aos poderes públicos

podem ter a natureza de princípios ou de regras.8 Não existindo um paralelismo

necessário entre as regras e a perspectiva subjetiva nem entre os princípios e a

perspectiva objetiva. Assim, pode-se falar em regras e princípios consagradores de

direitos subjetivos e objetivos fundamentais.

A titularidade dos cidadãos de direitos sociais fundamentais, frente a um

Estado Democrático de Direito, proporciona, para o Estado, deveres prestacionais,

devendo-se garantir aos particulares a participação nas correspondentes prestações

e instituições estatais. Além disso, torna-se obrigado a criar os pressupostos

8 Segundo Luis Roberto Barroso (2004), deve-se a sistematização formulada por Ronald Dworkin, em

seu Taking rights seriously (1977), um especial tributo para a distinção qualitativa entre regra e princípios, um dos pilares da moderna dogmática constitucional, indispensável para a superação do positivismo legalista, em que as normas se cingiam a regras jurídicas. A Constituição passa a ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores jurídicos suprapositivos, no qual as idéias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel central. Regras são proposições normativas aplicáveis sob a forma de tudo ou nada (all or nothing). Se os fatos nela previstos ocorrerem, a regra deve incidir de modo direito e automático, produzindo seus efeitos. Princípios contêm, normalmente, uma maior carga valorativa, um fundamento ético, uma decisão política relevante, e indicam determinada direção a seguir. Ocorre que, em ordem pluralista, existem outros princípios que abrigam decisões, valores ou fundamentos diversos, por vezes contrapostos. A colisão de princípios, portanto, não só é possível como faz parte da lógica do sistema, que é dialético. Por isso a sua incidência não pode ser posta em termos de tudo ou nada, de validade ou invalidade. Deve-se reconhecer aos princípios uma dimensão de peso ou importância. À vista dos elementos do caso concreto, o intérprete deverá fazer escolhas fundamentadas quando se defronte com antagonismos inevitáveis, como os que existem entre a liberdade de expressão e o direito de privacidade, a livre iniciativa e a intervenção estatal, o direito de propriedade e a sua função social. A aplicação dos princípios se dá, predominantemente, mediante ponderação.

31

materiais de um exercício efetivo de liberdade. O reflexo desses aspectos leva à

progressiva consagração constitucional dos chamados direitos sociais e à

reinterpretação social dos tradicionais direitos de liberdade.

Conforme Andrade (2007), os direitos fundamentais sociais agem como

imposições legiferantes, determinando ao legislador a criação de instituições e leis

que lhes tornem efetivos, além de imporem a realização de políticas públicas dirigidas

aos seus objetivos, gerando o fornecimento de prestações aos cidadãos. O efeito

colateral do incremento da dimensão objetiva é o conseqüente fortalecimento da

dimensão subjetiva essencial a esses direitos.

Nos termos de Sarlet (2007a) há que se levar em conta, ainda, que o

predomínio da perspectiva subjetiva encontra sua justificativa no valor outorgado à

autonomia individual, na qualidade de expressão da dignidade da pessoa humana.

Entretanto, essa presunção em favor da perspectiva subjetiva individual não exclui a

titularidade de direitos fundamentais subjetivos a certos grupos ou entes coletivos.

Mesmo nesses casos, essa proteção gravita em torno da proteção do ser humano

em sua individualidade.

1.4 Normas programáticas

Silva (2003) foi um dos primeiros doutrinadores brasileiros a defender a tese de

que todas as normas constitucionais são providas de eficácia. Partindo dessa idéia,

no seu estudo da eficácia das normas constitucionais, este autor elaborou uma

classificação, muito aceita pelos demais autores. Assim, pela sua capacidade de

produzirem efeitos no mundo real, classificou-as em:

(a) normas constitucionais de eficácia plena, capazes de surtir todos os seus

efeitos no mundo jurídico, incidindo diretamente na matéria que constitui o seu

objeto;

(b) normas constitucionais de eficácia contida, as quais correspondem a

normas também capazes de produzir seus efeitos, mas previdentes de determinados

meios ou conceitos que podem limitar esta eficácia em dadas circunstâncias; e

32

(c) normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida, as quais não

produzem todos os efeitos jurídicos a partir de sua entrada em vigor, na medida em

que sua normatividade precisa ser determinada pelo legislador ordinário.

As normas programáticas pertencem ao grupo de normas constitucionais de

eficácia limitada, são normas constitucionais declaratórias de princípio programático.

Buscando explicar o surgimento das normas constitucionais programáticas,

assevera:

Esse embate entre o liberalismo, com seu conceito de democracia política, e o intervencionismo ou o socialismo repercute nos textos das constituições contemporâneas, com seus princípios de direitos econômicos e sociais, comportando um conjunto de disposições concernentes tanto aos direitos dos trabalhadores como à estrutura da economia e ao estatuto dos cidadãos. O conjunto desses princípios forma o chamado conteúdo social das constituições. Vem daí o conceito de constituição dirigente, de que a Constituição de 1988 é exemplo destacado, enquanto define fins e programas de ação futura no sentido de uma orientação social democrática. Por isso, ela, não raro, foi minuciosa e, no seu compromisso com as conquistas liberais e com um plano de evolução política de conteúdo social, o enunciado de suas normas assumiu, muitas vezes, grande imprecisão, comprometendo sua eficácia e aplicabilidade imediata, por requerer providências ulteriores para incidir concretamente. Muitas normas são traduzidas no texto supremo apenas em princípio, como esquemas genéricos, simples programas a serem desenvolvidos ulteriormente pela atividade dos legisladores ordinários. São estas que constituem as normas constitucionais de princípio programático. (SILVA, 2003, p. 136-137).

Silva (2003) conceitua normas programáticas como aquelas normas

constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e

imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar os princípios a serem

cumpridos pelos seus órgãos, como programas das respectivas atividades, visando

à realização dos fins sociais do Estado.

Normas programáticas são aquelas em que o constituinte, ao invés de regular

imediatamente um certo objeto, preestabelece ao legislador infraconstitucional um

programa de ação. Define um caminho, um programa de ação para o Estado, que se

vê obrigado não se afastar dele sem um justo motivo. (BONAVIDES, 2007).

As normas programáticas não conferem direito subjetivo aos cidadãos para que

exijam judicialmente a realização do programa nelas definido. Elas tão somente

estipulam fins genéricos a serem observados pelo Estado, sem vinculá-los concreta

e especificamente à adoção de condutas determinadas. Apresentam caminhos a

serem seguidos pelos poderes públicos, sem fixar condutas específicas que seriam

33

adotadas, não sendo possível responsabilizar os entes estatais em caso de

omissão.

Em verdade, as normas programáticas não se confundem, por sua estrutura e projeção no ordenamento, com as normas definidoras de direitos. Elas não prescrevem, detalhadamente uma conduta exigível, vale dizer: não existe tecnicamente, um dever jurídico que corresponda a um direito subjetivo. Mas, indiretamente, como efeito, por assim dizer, atípico, elas invalidam determinados comportamentos que lhe sejam antagônicos. Nesse sentido, é possível dizer-se que existe um dever de abstenção, ao qual corresponde um direito subjetivo de exigi-la. (BARROSO, 2006, p. 177)

Na análise da classificação das normas constitucionais elaboradas por Silva

(2002), Grau (1985), ela se posiciona de maneira bem interessante. Para ele,

defender que determinadas normas constitucionais têm sua eficácia dependente da

edição de normas pelo legislador ordinário equivaleria a uma “revogação de fato”

destas, sempre que o legislador se omitisse do seu dever de concretização da

norma constitucional.

Através desse raciocínio, inverter-se-ia a hierarquia das normas jurídicas. A

omissão do legislador infraconstitucional sobrepõe-se a uma norma constitucional.

Grau (1985) defende que as normas de direitos sociais, ainda que prevejam a

possibilidade de integração do seu conteúdo por legislação ordinária, não dependem

desta para sua interpretação e aplicação, gerando verdadeiros direitos subjetivos

aos seus titulares.

Atribui às normas programáticas uma maior densidade normativa, que

corresponde a diretrizes materiais constitucionais, assumindo três funções distintas.

Nesse sentido, Canotilho (1999, p. 1102-1103) pondera que essas normas: a)

impõem ao legislador a edição de normas que definam seu conteúdo normativo

possibilitando sua realização; b) vinculam os poderes públicos à concretização de

seus programas abstratamente definidos; e c) atuam como limites negativos à

atuação do Estado, para servir de parâmetro de inconstitucionalidade para atos

administrativos ou normativos que não estejam em conformidade com o seu

conteúdo.

A partir destas características, o autor procura distinguir normas programáticas

daquelas de direitos fundamentais sociais. Para ele, ainda que as primeiras tenham

34

relevante função no sistema constitucional, elas não são capazes de outorgar

verdadeiros direitos aos cidadãos e esgotam seus efeitos em uma direção fornecida

ao Estado, o que não autorizaria a exigibilidade de determinadas condutas perante

os órgãos judiciários.

Ao contrário do que geralmente se afirma, um direito econômico, social e cultural não se dissolve numa mera norma programática ou numa imposição constitucional. Exemplifique-se: o direito a saúde é um direito social, independentemente das imposições constitucionais destinadas a assegurar a eficácia e das prestações fornecidas pelo Estado para assegurar o mesmo direito. (CANOTILHO, 1999, p. 447).

Segundo Canotilho (1999), a prerrogativa de exigir o cumprimento de uma

obrigação prevista na norma se verifica, exclusivamente, no caso das normas de

direitos fundamentais sociais. Assim, diferenciar normas programáticas daquelas de

direitos fundamentais sociais é questão que merece redobrada atenção.

Conceber normas de direitos fundamentais sociais como normas

programáticas, incapazes de outorgar aos seus titulares o direito de exigir

prestações estatais, é retirar a força normativa da Constituição. Em virtude da sua

fundamentabilidade, tanto formal como material, as normas de direitos fundamentais

sociais possuem especial relevância no sistema jurídico.

Não é possível negar esta fundamentabilidade, afirmando que tais direitos

correspondem a um mero programa com o qual se comprometeu o constituinte para

o futuro, quando houver oportunidade e interesse do legislador. Como já afirmado

por Eros Roberto Grau (1985), tal raciocínio coloca a efetividade de direitos

fundamentais sociais nas mãos do legislador ordinário, invertendo a hierarquia da

Constituição.

A partir da classificação de Robert Alexy (2002) das normas constitucionais em

regras e princípios, pode-se abordar o assunto por outra perspectiva. Algumas

normas de direitos fundamentais sociais se portam como regras, prevendo condutas

determinadas a serem executadas pelos poderes públicos e particulares. Enquanto

outras possuem manifesto caráter de princípio, necessitando passar por um

processo de ponderação, para que seja densificado o seu conteúdo normativo,

tornando-a aplicável.

35

Para Sarlet (2007a), as normas de direitos fundamentais conferem verdadeiros

direitos aos seus titulares. Em alguns casos, estes direitos serão abstratos,

dependendo da atuação do intérprete, que, mediante ponderação, poderá identificar,

no caso concreto, os direitos definitivos. Em outros, serão definitivos prima facie,

seja porque suas normas correspondem a verdadeiras regras, seja porque os

princípios que as veiculam têm maior peso no caso concreto, como aqueles que

veiculam direitos ligados ao mínimo existencial.

1.5 Dignidade da Pessoa Humana

A concepção do pensamento ocidental sobre a dignidade da pessoa humana

tem seu gérmen nos primórdios da filosofia grega. Os gregos acreditavam que os

homens se distinguiam dos demais animais pelo uso da razão, pela capacidade de

compreender o mundo e de utilizar a lógica.

Como explica Sarlet (2007b), entretanto, para os gregos, a dignidade não se

manifestava da mesma maneira em todos os indivíduos. Mulheres, escravos e

estrangeiros eram considerados seres inferiores e não participavam da vida pública.

A dignidade (dignitas) tinha relação com a posição social ocupada pelo indivíduo,

sendo possível sua quantificação, alguns homens eram mais dignos do que outros.

Para Pontes (2007), o pensamento estóico surge no período da subjugação

dos gregos pelos romanos. Defende que todos os homens são livres e iguais, em

todos se manifestando uma idêntica capacidade de pensar (logikós). Partindo dessa

premissa, concluem aqueles que todos os homens são membros de uma mesma

comunidade (oikeiôsis) fraternal. Os estóicos repudiavam veementemente a

escravidão. Para eles, a única forma legítima de desigualdade entre os homens

seria de natureza moral, havendo homens mais sábios ou virtuosos (sophoi) que

outros, insensatos e escravos das paixões (phauloi).

Assim, na Antiguidade, encontram-se duas noções de dignidade, ambas

marcadas pela quantificação: a dignidade moral na acepção estóica e a dignidade

sociopolítica na acepção de posição social e política ocupada pelo indivíduo.

A doutrina cristã representa um importante marco no conceito de dignidade, ao

difundir a idéia de que o homem foi concebido à imagem e semelhança de Deus.

36

Neste aspecto, todos os homens são iguais, portadores de um valor próprio que lhes

é intrínseco. O cristianismo apresenta, ainda, a idéia de uma salvação pessoal

baseada na liberdade e no livre-arbítrio.

Segundo Rabenhorst (2001), a visão da dignidade perde a dimensão

quantitativa que possuía no mundo antigo, deixando de ser uma honraria ou

distinção decorrente da situação social do indivíduo, para adquirir uma dimensão

qualitativa. Nenhum indivíduo possuiria maior ou menor dignidade, mas todos

manifestariam uma idêntica estrutura espiritual. Neste sentido, cada homem, não

importando sua origem ou condição social, seria intrinsecamente valioso e

indistintamente digno de respeito.

Historicamente, a dignidade da pessoa humana encontra-se ligada ao cristianismo. Sua fundamentação está amparada no fato de que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. O Cristianismo antigo adotou a idéia de liberdade do ser humano como apanágio da sua condição racional e em virtude de ser dotado de livre arbítrio, mesmo que não chegassem a ser reconhecidos na Antiguidade os direitos fundamentais tal como se incorporaram aos textos legislativos atualmente. (SILVA NETO, 2001, p. 21).

Conforme Sarlet (2007b), no âmbito do pensamento jusnaturalista dos séculos

XVII e XVIII, a concepção da dignidade da pessoa humana passou por um processo

de racionalização e laicização, mantendo-se, todavia, a noção de que todos os

homens são iguais em dignidade e liberdade.

Para Kant (1986, p.77), no reino das finalidades humanas, tudo, ou tem preço,

ou dignidade. No primeiro caso, o que tem preço pode ser comparado ou trocado.

Entretanto, ao se tratar de dignidade, não se pode fazer o mesmo, pois o que tem

dignidade não é passível de substituição ou comparação.

Já para Brito Filho (2004) o homem como um ser racional, dotado de

autonomia, é o único capaz de fazer suas escolhas. Ele é considerado, também,

como o único a ser portador de dignidade. Não pode o homem, então, em nenhuma

circunstância, ser considerado como outra coisa que não um fim em si mesmo.

Sarlet (2007b) ainda diz que a visão cristã e a concepção kantiana da

dignidade humana atribuem uma dignidade intrínseca ao homem, entretanto, para a

perspectiva cristã, a dignidade se justifica pela representação divina do homem,

enquanto, para Kant, a dignidade se alicerça na própria autonomia do sujeito, na

37

capacidade humana de se submeter às leis oriundas de sua potência legisladora e

de formular um projeto de vida de forma consciente e deliberada.

Para Arendt (2001), a dignidade da pessoa humana representa um conjunto

de direitos inerentes ao homem que devem ser reconhecidos e respeitados por seus

semelhantes e pelo Estado. A autora, ao analisar o fenômeno totalitário, percebeu

que, neste tipo de Estado, criam-se as condições para que se considerem os

homens supérfluos, subtraindo sua condição humana.

Ainda segundo Arendt (2001), governos totalitários tornam os homens mortos-

vivos. Nesse horizonte, ganha importância a vinculação entre juízo e dignidade

humana. Para a autora, o humanismo abstrato leva à piedade, e não ao respeito, a

categoria correta para se pensar em solidariedade. A partir da idéia de juízo político

como esfera de legitimidade, ganha sentido a sua proposta de que os direitos

humanos sejam tomados como direitos públicos baseados na idéia de “direitos a ter

direitos”. Os homens devem ser respeitados não apenas como seres biológicos, mas

como cidadãos, seres livres, capazes de agir e julgar.

Arendt (2001) expõe que os direitos humanos não precisam de uma justificação

abstrata, pois nela os homens são concebidos como mudos, incapazes de escolher

e agir. É a capacidade de julgar, por si mesmo, que dá aos homens um teor de

dignidade imanente que não se verifica em nenhum outro ser e dispensa o

atrelamento a qualquer outra dimensão ou critério para justificar a dignidade

humana. Atrelados à concepção de juízo político, os direitos humanos passam a ser

de homens-cidadãos, seres dotados de autonomia, e não de animais humanos,

meros seres de necessidade.

Com efeito, percebido o caráter constitutivo da vontade para a condição de pessoa ou ser humano, o exercício autônomo dessa vontade é aspecto fundamental da dignidade da pessoa humana, qualquer que seja o modelo que se adote para compreender esta noção extremamente vaga. Nesse sentido, a proteção à autonomia da vontade, ou, mais simplesmente, a autonomia da vontade, é um dos aspectos fundamentais da própria proteção à dignidade da pessoa humana, valor que é, como se sabe, a matriz de todos os direitos fundamentais reconhecidos na Constituição. (GUERRA, 2008, p. 55).

Após percorrer esse breve caminho através da história, é fácil ver a dificuldade

em se conceituar, de maneira categórica, o Princípio da Dignidade da Pessoa

38

Humana. Entretanto, acredita-se que se pode utilizar, com relativa segurança, a

formulação de Sarlet (2007b, p. 62), para quem a dignidade humana é:

[...] a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Nessa esteira, o que se percebe, é que, onde não há respeito pela vida, pela

integridade física e moral do ser humano, quando não existe limitação do poder

estatal, liberdade, autonomia, igualdade e os direitos fundamentais não são

reconhecidos e minimamente assegurados, não se tem espaço para a dignidade da

pessoa humana.

Apesar das mais distantes considerações, no tocante ao conceito da dignidade

da pessoa humana, verifica-se que sua positivação é algo relativamente recente. Foi

somente, após a Segunda Guerra Mundial, que a concepção da dignidade tomou

maior relevo, tendo sido consagrada tanto no plano internacional através de

organismos internacionais, como no plano interno de cada Estado, através de suas

Constituições.

Levadas em conta as considerações anteriormente especificadas, poder-se-ia

ter uma luz acerca do significado e conteúdo do princípio da dignidade da pessoa

humana. Um primeiro ponto a se revelar neste ínterim é que o conteúdo da

dignidade está intimamente ligado aos denominados direitos fundamentais. Uma vez

garantidos e respeitados os direitos fundamentais de um cidadão, estará sendo

respeitada a sua dignidade.

Realmente, o princípio da dignidade da pessoa humana (individual) está na base de todos os direitos constitucionalmente consagrados, quer dos direitos e liberdades tradicionais, quer dos direitos de participação política, quer dos direitos dos trabalhadores e dos direitos a prestações sociais. É dizer que a dignidade humana se projeta no indivíduo enquanto ser autônomo, em si e como membro da comunidade – são direitos da pessoa, do cidadão, do trabalho e do administrado. (ANDRADE, 2006, p. 102)

39

Os direitos fundamentais nada mais são do que concretizações do princípio da

dignidade da pessoa humana, podendo ser este considerado um superprincípio

constitucional que ilumina todos os demais princípios (PIOVESAN, 2006).

Segundo Andrade (2006), é o princípio da dignidade da pessoa humana que

está, nos tempos atuais, na raiz da previsão constitucional e consideração como

direitos fundamentais de todos os direitos. Observa, ainda, que o princípio da

dignidade da pessoa humana constitui um princípio de valor que se encontra na

base do estatuto jurídico dos indivíduos e que, para tanto, confere uma unidade de

sentido ao feixe dos preceitos concernentes aos direitos fundamentais.

A Constituição confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais. E ela repousa na dignidade da pessoa humana, ou seja, na concepção que faz a pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado. (MIRANDA, 1998, p. 166)

Neste sentido, o valor da dignidade da pessoa humana impõe-se como núcleo

básico e informador de todo o ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de

valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional.

Além disso, considerando que todo ordenamento jurídico deve ser

compreendido como unidade, como um sistema que privilegia determinados valores,

pode-se afirmar que a Carta de 1988 elege o valor da dignidade humana como um

valor essencial que lhe dá unidade de sentido. O valor da dignidade humana informa

a ordem constitucional de 1988, imprimindo-lhe uma feição particular.

Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais. Concebida como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir “teoria do núcleo da personalidade” individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana. (SILVA, 2002, p. 105)

Segundo Piovesan (2006), nossa Carta Constitucional de 1988 redimensiona a

proteção concedida à dignidade da pessoa humana, enfaticamente privilegiando a

40

temática dos direitos fundamentais. Verifica-se uma nova topologia constitucional,

apresentando-se, em seus primeiros capítulos, um avançado conjunto de direitos e

garantias elevados, inclusive, a cláusulas pétreas. Revela-se, claramente, a vontade

constitucional de priorizar os direitos e as garantias fundamentais.

Além disso, no intuito de reforçar a imperatividade das normas que traduzem

direitos e garantias fundamentais, a Constituição brasileira de 1988 instituiu o

princípio da aplicabilidade imediata dessas normas, nos termos do art. 5º, parágrafo

1º. Esse princípio realça a força normativa de todos os preceitos referentes a

direitos, liberdades e garantias fundamentais, prevendo um regime jurídico

específico. Em análise a dispositivo similar da Constituição Portuguesa, Miranda

(1998, p. 276) afirma:

O sentido essencial da norma não pode, pois, deixar de ser este: a) salientar o carácter preceptivo, e não programático, das normas sobre direitos, liberdades e garantias; b) afirmar que estes direitos se fundam na Constituição, e não na lei; c) sublinhar (na expressão bem conhecida da doutrina alemã) que não são os direitos fundamentais que se movem no âmbito da lei, mas a lei que deve mover-se no âmbito dos direitos fundamentais.

Outra característica do texto constitucional é o alargamento da dimensão dos

direitos e garantias, incluindo no catálogo de direitos fundamentais não apenas os

direitos civis e políticos como também os direitos sociais. Trata-se da primeira

Constituição brasileira a integrar, na declaração de direitos, os direitos sociais. Nos

textos constitucionais anteriores, as normas relativas a estes direitos se

encontravam dispersas no âmbito da ordem econômica e social, não constando do

título dedicado aos direitos e garantias.

Conforme Piovesan (2006), além disso, a Carta de 1988 é a primeira

Constituição brasileira a estabelecer como princípio fundamental a reger o Estado

nas relações internacionais a prevalência dos direitos humanos (art 4o, inciso II). Foi

exatamente esse princípio que contribuiu de modo substantivo para o sucesso da

ratificação, pelo Estado Brasileiro, de instrumentos internacionais de proteção dos

direitos humanos, como a Convenção Americana dos Direitos Humanos - Pacto de

San José.

Por fim, Piovesan (2006) compreende que a Carta de 1988 consagra de forma

inédita, ao fim da extensa declaração de direitos por ela prevista, que os direitos e

41

garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e

princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República

Federativa do Brasil seja parte (art. 5o, § 2o). Assim, os direitos internacionais

integrariam o chamado “bloco de constitucionalidade”, densificando a regra

constitucional, caracterizada como cláusula constitucional aberta.

No caso dos tratados internacionais de direitos humanos, criou-se uma

polêmica doutrinária em relação a sua hierarquia dentro do ordenamento brasileiro.

No sentindo de pôr fim a essa polêmica, a Emenda Constitucional n. 45, de 08 de

dezembro de 2004, introduziu o parágrafo 3o, no art. 5o, dispondo que, no caso

desses tratados, quando aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois

turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, seriam equivalentes às

emendas constitucionais. (Piovesan, 2006, p.71)

É importante ressaltar que, em que pese ser a dignidade da pessoa humana

um princípio prevalente no momento de sua concretização normativa, como os

demais princípios constitucionais, ele é passível de ponderação. Desse modo, o

princípio da dignidade humana não possui superioridade hierárquica em relação aos

demais princípios elencados no artigo 1º da Constituição de 1988. Na verdade, a

dignidade humana é concebida na Constituição Federal como norma unificadora de

todos os direitos fundamentais.

Ao sustentar a ponderação dos princípios constitucionais, defende que o

princípio da dignidade da pessoa humana sujeita-se a uma possível relativização

quando contraposto aos outros direitos fundamentais. Como analisa Alexy (2002, p.

108-109):

El principio de la dignidade de la persona puede ser realizado em diferentes grados. El que bajo determinadas condiciones, con un alto grado de certeza, preceda a todos los otros principios no fundamenta ninguna absolutidad del principio sino que simplemente significa que casi no existen razones jurídico-constitucionales inconmovibles para una relación de preferencia en favor de la dignidad de la persona bajo determinadas condiciones. Pero, una tesis tal de posición central vale también para otras normas de derecho fundamental. Ella no afecta el caráter de principio. Por eso, puede decirse que la norma de la dignidad de la persona no es un principio absoluto.

9

9 O princípio da dignidade da pessoa pode ser realizado em diferentes graus. Afirmar que este

princípio sob determinadas condições, com um alto grau de certeza, precede a todos os outros não serve de fundamento para que seja considerado um princípio absoluto, mas simplesmente significa

42

A tese apresentada não indica a idéia de que o princípio da dignidade da

pessoa humana não possui destaque na ordem constitucional vigente. A vantagem

dessa construção é a de que não é necessário que se introduza qualquer cláusula

restritiva para levar a cabo uma ponderação entre o princípio da dignidade da

pessoa humana e os demais princípios constitucionais.

De acordo com Sarlet (2007b), a eventual relativização da dignidade na sua

condição de princípio não leva a crer que se esteja a transigir com o caráter

inviolável da dignidade considerada como qualidade inerente a todas as pessoas,

que as torna sujeitos de direitos, e merecedoras de igual respeito e consideração no

que diz com sua condição humana.

Ainda que se possa reconhecer a possibilidade de relativização da dignidade

da pessoa humana, não se pode nem se deve transigir quanto à preservação de um

elemento nuclear intangível da dignidade. Há necessidade de se averiguar sempre

no caso concreto a existência de ofensa à dignidade. Aqui, adota-se a fórmula

kantiana, que consiste na vedação a qualquer conduta que importe em coisificação e

instrumentalização do ser humano, visto como fim e não meio.

A garantia de determinados conteúdos da Constituição por meio da previsão das assim denominadas „cláusulas pétreas‟ assume, desde logo, uma dúplice função, já que protege os conteúdos que compõem a identidade e estrutura essenciais da Constituição, proteção esta que, todavia, assegura estes conteúdos apenas na sua essência, não se opondo a desenvolvimentos ou modificações que preservem os princípios naqueles contidos. (SARLET, 2007b, p. 141)

Em um segundo plano, afirmar que determinada norma é de direito

fundamental equivale a dizer que, de acordo com o art. 5o, § 1o, da Constituição

Brasileira, tem aplicação imediata.

que quase não há razões legais e constitucionais irresistíveis para afastar a relação de preferência em favor da dignidade da pessoa sob determinadas condições. Mas tal posição tese central também se aplica a outras normas jurídicas fundamentais. Ela não afeta o caráter de princípio. Portanto, pode-se dizer que a regra da dignidade da pessoa não é um princípio absoluto. (Tradução livre).

2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

O advento do Estado Social proporcionou uma profunda transformação no

campo dos direitos fundamentais. O Estado Liberal, seu antecessor, promessa

acalentada de liberdade para o cidadão, terminou por ser caracterizado como um

adversário dos direitos humanos. Caía por terra o ideário burguês que defendia a

premissa de que, se cada indivíduo fosse livre para seguir egoisticamente os seus

interesses privados, o bem comum seria atingido.

Os direitos fundamentais, que, no Estado Liberal, tinham como principal, senão

única, tarefa proteger o homem do Estado, tiveram com o Estado Social suas

preocupações alargadas. Deixar o homem tendo como suporte para as suas

necessidades apenas a “mão invisível do mercado” proporcionou, na prática, o

contexto ideal para uma espécie de darwinismo social.

Sob o manto da liberdade, tão difundida pelo Estado Liberal, escondeu-se a

crescente miséria, a exclusão social e a opressão dos mais fracos pelos mais fortes.

Foi somente com a participação política das camadas menos favorecidas e com as

pressões exercidas pelos movimentos das classes operárias que se sentiu a

necessidade de uma revisão, de um redimensionamento, das funções e encargos do

Estado.

Deveras, os direitos fundamentais no Constitucionalismo liberal eram visualizados exclusivamente a partir de uma perspectiva subjetiva, pois cuidava-se apenas de identificar quais as pretensões que o indivíduo poderia exigir do Estado em razão de um direito positivado na sua ordem jurídica. Sem desprezar este papel dos direitos fundamentais, que não perdeu a sua essencialidade na teoria contemporânea, a doutrina vai agora desvelar uma outra faceta de tais direitos, que virá para agregar-lhes novos efeitos e virtualidades: trata-se da chamada dimensão objetiva dos direitos fundamentais. (SARMENTO, 2003, p. 253)

O Estado, que, antes, poderia limitar sua atividade a um dever geral de

abstenção, passa a ter diversos novos encargos. A nova forma de Estado deveria

cuidar da saúde, da educação, da população carente, disciplinar o mercado,

44

proteger os trabalhadores dos seus patrões, além de proporcionar a devida

assistência aos idosos e desamparados.

Novos direitos fundamentais, agora de caráter prestacional, são positivados.

Há a preocupação em se garantirem condições materiais básicas para a população,

promovendo-se a igualdade material. Os direitos fundamentais, que, no

constitucionalismo liberal, eram interpretados como direitos individuais, passam a ter

uma destacada face social.

2.1 Fundamentabilidade dos Direitos Sociais

Para Canotilho (1999), a categoria de fundamentabilidade de um direito se

relaciona com sua especial dignidade no ordenamento jurídico num sentido formal e

material. Segundo o citado autor, a fundamentabilidade formal se encontra,

geralmente, associada à constitucionalização, assinalando quatro dimensões

relevantes: a) as normas consagradoras de direito fundamental têm superior

hierarquia em relação às demais normas do ordenamento jurídico; b) estão

submetidas aos limites formais e materiais de revisão; c) como normas

incorporadoras de direitos fundamentais passam, muitas vezes, a consistir limites

materiais para a própria revisão; d) como normas dotadas de vinculatividade

imediata dos poderes públicos constituem parâmetros materiais de escolhas,

decisões, ações e controle, dos órgãos legislativos, administrativos e judiciais.

A fundamentabilidade material está relacionada à correspondência havida entre

valores albergados na Constituição e os direitos fundamentais. A

fundamentabilidade material insinua que o conteúdo dos direitos fundamentais é

decisivamente constitutivo das estruturas básicas do Estado e da sociedade,

representando sob o aspecto material as decisões axiológicas fundamentais

adotadas.

Em relação ao ordenamento brasileiro, passados vários anos desde a

promulgação da Constituição de 1988, doutrina e jurisprudência ainda discutem se

os direitos sociais previstos em seu texto são verdadeiros direitos fundamentais.

Entretanto, no jogo de forças, a vertente que defende a fundamentabilidade de tais

direitos prevalece.

45

A Constituição de 1988 – e isto pode ser tido como mais um de seus méritos – acolheu os direitos fundamentais sociais expressamente no título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), concedendo-lhes capítulo próprio e reconhecendo de forma inequívoca o seu „status‟ de autênticos direitos fundamentais, afastando-se, portanto, da tradição anterior do nosso constitucionalismo, que, desde a Constituição de 1934, costumava abrigar estes direitos (ao menos parte dos mesmos), no título da ordem econômica e social, imprimindo-lhes reduzida eficácia e efetividade, ainda mais porquanto eminentemente consagrados sob a forma de normas de cunho programático. (SARLET, 2007b, p. 52)

Almeida (2007) fortalece essa vertente de pensamento alegando que a

fundamentabilidade desses direitos reside em sua ligação aos direitos humanos e à

dignidade da pessoa humana, valores albergados na principiologia constitucional,

consagrados doutrinária e jurisprudencialmente.

Para Canotilho (1999), ao demarcar o ser humano como fundamento da

República e limite maior ao exercício dos poderes políticos inerentes à

representação política, ressalta a importância da dignidade da pessoa humana

albergada no ordenamento:

Perante as experiências históricas de aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República.

Ao que parece, parte da controvérsia em relação à definição da

fundamentabilidade dos direitos sociais ocorre em virtude das conseqüências

jurídicas que advêm deste reconhecimento pelo Estado.

Em um primeiro plano, reconhecer a fundamentabilidade é conferir a esses

direitos a garantia de intangibilidade característica das cláusulas pétreas. Dizer que

uma norma é de direito fundamental implica no dever de protegê-la dos casuísmos

da política e do absolutismo das maiorias parlamentares. É importante esclarecer,

no entanto, que, de acordo com a lição da doutrina majoritária, a proteção imprimida

pelas “cláusulas pétreas” não implica na absoluta intangibilidade do bem

constitucional protegido.

46

2.2 Direitos Fundamentais Sociais como Direitos Subjetivos

Atualmente, boa parte dos doutrinadores concebe os direitos fundamentais

sociais como verdadeiros direitos subjetivos. Neste sentido, Canotilho (1999)

defende que “os direitos sociais são compreendidos como autênticos direitos

subjectivos inerentes ao espaço existencial do cidadão, independentemente da sua

justiciabilidade e exeqüibilidade imediatas”.

Vale ressaltar que, ainda que o autor os coloque sob a reserva do possível, não

deixa de reconhecer a existência de uma imposição constitucional a eles vinculada,

que legitima transformações econômicas e sociais direcionadas ao atendimento

efetivação desses direitos.

O mesmo autor entende que o poder público tem um indeclinável poder de

discricionariedade na forma de concretização dos direitos fundamentais sociais, de

modo que, mesmo a Constituição reconhecendo determinados direitos a prestações,

não significaria, de plano, que seu titular pudesse impor ao Estado o dever de agir, a

fim de concretizar a prestação normativamente prevista.

O Estado, os poderes públicos, o legislador, estão vinculados a proteger o direito à vida, no domínio das prestações existenciais mínimas, escolhendo um meio (ou diversos meios) que tornem efectivo este direito, e, no caso de só existir um meio de dar efectividade prática, devem escolher precisamente esse meio. (CANOTILHO, 1999, p. 353).

Andrade (2004) também defende que os direitos fundamentais sociais seriam

autênticos direitos subjetivos, ao menos a prestações normativas, no sentido de

determinar a edição das normas necessárias à concretização destes direitos:

“constituem normas jurídico-positivas subjectivas ou estabelecem garantias

institucionais, impondo ao legislador a obrigação de agir para lhes dar cumprimento

(imposições legiferantes)”.

O autor permite entender que, em virtude de as normas que prescrevem

direitos fundamentais sociais, na sua maioria, dependerem da atuação do legislador,

elas não outorgariam direitos subjetivos a prestações aos seus titulares, já que estas

prestações seriam carentes de densidade normativa. Neste contexto, os direitos

fundamentais seriam “imposições legiferantes”, e, nesta hipótese, não se distanciam

muito da concepção de normas programáticas observada anteriormente.

47

Dessa forma, concebe-se os direitos fundamentais sociais como direitos

subjetivos, o que significa reconhecer a possibilidade do titular do direito exigir

diretamente do Estado a adoção de determinada conduta, a realização de certa

prestação material que satisfaça seu direito fundamental.

Sarlet (2007a) defende a existência de direitos sociais prestacionais subjetivos,

ainda que esta conclusão não possa assumir uma dimensão radical de tudo ou

nada. Existem elementos que podem mitigar a exigibilidade de direitos sociais em

determinadas circunstâncias, de modo que o reconhecimento de direitos subjetivos

não seria absoluto, mas sim dependente da ponderação entre a norma de direito

fundamental social e outros bens jurídicos, outros direitos, e mesmo reservas

econômicas do Estado.

Os direitos sociais, ao se relacionarem ao direito à vida e à dignidade da

pessoa humana, têm uma presunção de efetividade e uma carga subjetiva que deve

ser dirigida a atingir tal dignidade.

Além disso, é preciso ressaltar que ao Estado não apenas é vedada a possibilidade de tirar a vida (daí, por exemplo, a proibição da pena de morte), mas também que a ele se impõe o dever de proteger ativamente a vida humana, já que esta constitui a própria razão de ser do Estado, além de pressuposto para o exercício de qualquer direito (fundamental ou não). Não nos parece absurda a observação de que negar ao indivíduo os recursos materiais mínimos para manutenção de sua existência (negando-lhe, por exemplo, uma pensão adequada na velhice, quando já não possui condições de prover seu sustento) pode significar, em última análise, condená-lo à morte por inanição, por falta de atendimento médico etc. Assim, há como sustentar – na esteira da doutrina dominante – que ao menos na esfera das condições existenciais mínimas encontramos um claro limite à liberdade de conformação do legislador. (SARLET, 2007b, p. 373).

Ainda com fundamento na dignidade da pessoa humana, o autor ressalta o fato

de que não somente quando a vida humana estiver em risco é que se torna possível

reconhecer direitos fundamentais subjetivos a prestações por parte do Estado, mas

há que se identificar um parâmetro de reconhecimento mínimo em direitos sociais.

No estudo da importância da qualificação dos direitos fundamentais sociais

como direitos subjetivos se preocupa com a dimensão existencial do indivíduo, o que

o leva a negar a própria jusfundamentabilidade dos direitos a prestações sociais

quando desvinculados da noção de mínimo existencial.

A jusfundamentalidade dos direitos sociais se reduz ao mínimo existencial, em seu duplo aspecto de proteção negativa contra a incidência de tributos

48

sobre os direitos sociais mínimos de todas as pessoas e de proteção positiva consubstanciada na entrega de prestações estatais materiais em favor dos pobres. Os direitos sociais máximos devem ser obtidos na via do exercício da cidadania reivindicatória e da prática orçamentária, a partir do processo democrático. [...] Os direitos sociais se transformam em mínimo existencial quando são tocados pelos interesses fundamentais ou pela jusfundamentalidade. A idéia de mínimo existencial, por conseguinte, se confunde com a de direitos fundamentais sociais stricto sensu. (TORRES, 2003, p. 1-2).

Barcellos (2002) coloca a questão no sentido de que a noção de mínimo

existencial corresponde a um critério de precisão e exigibilidade dos direitos

fundamentais sociais que gerariam uma obrigação estatal passível de ser exigida

perante o Judiciário. Para a autora, o enfoque a ser dado é principiológico e deve ser

visado pelos poderes públicos e pela sociedade, sem redução ou restrição da

fundamentabilidade destes direitos à noção de mínimo existencial.

Assim, um direito subjetivo exigível do Estado não se verifica só na hipótese de

relacionamento direto das normas de direitos fundamentais prestacionais ao mínimo

existencial. O modelo de ponderação de Robert Alexy (2002) é o que fornece o

melhor instrumental para a aplicação das normas jusfundamentais prestacionais,

possibilitando o reconhecimento de direitos subjetivos prima facie, potencialmente

restringíveis. O que significa dizer que a não realização dos direitos fundamentais

sociais prestacionais que correspondem a direitos subjetivos prima facie se torna

possível a partir de um processo de ponderação devidamente argumentado.

Autores como Barroso (2006) colocam que o não reconhecimento dos direitos

sociais como verdadeiros direitos subjetivos é mais uma questão político-ideológica

que jurídica. Apresenta três argumentos políticos que apontam para uma

inefetividade dos direitos fundamentais sociais, o que reflete a dificuldade de

concebê-los como autênticos direitos subjetivos.

Na visão de Barreto (2002, p. 115-122), são direitos de segunda ordem, pois

não participaram da fundação do Estado de Direito; dependem de uma economia

forte, aquecida; e o custo dos direitos sociais supera os recursos orçamentários que

este Estado tem a disposição para garantir tais direitos.

O que se deve observar é que os direitos sociais deixaram sua função

secundária de garantir a liberdade fática, assumindo a posição de núcleos

integradores e legitimadores do bem comum. A dificuldade em se caracterizar os

49

direitos fundamentais sociais como autênticos direitos subjetivos está na concepção

da reserva do possível. Os direitos fundamentais sociais de cunho prestacional

somente podem ser exigidos do Estado se presentes as condições financeiras.

2.3 Garantia do núcleo essencial

A idéia da existência de um núcleo essencial dos direitos fundamentais mostra-

se um importante expediente para evitar que tais direitos fiquem a mercê da vontade

do legislador ordinário. Entretanto, mesmo útil, a doutrina demonstra uma grande

dificuldade na construção de um conceito ou mesmo na tarefa de definir o seu

conteúdo. Assim, segundo Lopes (2007, p. 9):

A natureza principiológica dos direitos fundamentais, que os caracteriza como semântica e estruturalmente abertos, exige, na maioria das vezes, sua concretização via normas infraconstitucionais. Nesse sentido, a garantia do conteúdo essencial foi criada para controlar a atividade do Poder Legislativo, visando evitar os possíveis excessos que possam ser cometidos no momento de regular os direitos fundamentais.

No direito comparado, encontra-se o núcleo essencial dos direitos

fundamentais como um conteúdo mínimo irredutível, impassível de restrição na Lei

Fundamental Alemã (art. 19, § 2º). Na Constituição Portuguesa (art. 18, III), surge

como um limite à restrição, os direitos fundamentais podem ser restringidos desde

que não seja afetado o seu conteúdo essencial.

A Constituição Federal não prevê expressamente a proteção ao núcleo

essencial dos direitos fundamentais. Entretanto, para Mendes (1999), trata-se de

uma garantia evidente. Para ele, “é fácil ver que a proteção do núcleo essencial dos

direitos fundamentais deriva da supremacia da Constituição e do significado dos

direitos fundamentais na estrutura constitucional dos países dotados de

Constituições rígidas”. Assim, como Mendes (2007), a doutrina brasileira tem

adotado as teorizações da doutrina alemã a fim de discutir a garantia de um núcleo

essencial dos direitos fundamentais.

Importante questão doutrinária encontrada, em relação ao núcleo essencial, diz

respeito a qual seria o verdadeiro objeto do núcleo essencial. Seria ele um direito

individual ou uma garantia coletiva? Para responder a essa questão, Alexy (2002)

apresenta as teorias objetiva e subjetiva.

50

Segundo Alexy (2002), a teoria objetiva defende que o objeto do núcleo

essencial de um direito fundamental se refere à proteção geral e abstrata prevista na

norma. Logo, o que se pretende através da idéia de um núcleo essencial é evitar

que a vigência de uma disposição jusfundamental seja sacrificada de tal forma que

se perca toda a importância para todos os indivíduos ou para a maior parte deles ou,

em geral, para a vida social.

O conteúdo essencial é aferido a partir da referência no ordenamento jurídico

como um todo, na sociedade em si, é por esta particularidade que ele não poderia

ser atingido. O conteúdo essencial é definido como norma objetiva, de modo que

sempre que permanecer válido para os demais indivíduos, poderá ser totalmente

restringido num dado caso concreto.

Analisado sob o prisma da teoria subjetiva, o objeto do núcleo essencial se

refere à proteção do direito fundamental do particular. Os direitos fundamentais são

vistos, primariamente, como posições dos indivíduos. Ao se estabelecer uma

proibição a qualquer pretensão que leve ao sacrifício do conteúdo essencial de um

direito fundamental, protege-se o direito do indivíduo. Assim, tal teoria se materializa

na máxima de que em caso algum pode ser sacrificado o direito subjetivo de um

homem, a ponto de, para ele, esse direito deixar de ter qualquer significado

(CANOTILHO, 1999).

Segundo Lopes (2007), o direito fundamental é compreendido em relação ao

seu titular. Ele é a baliza, a referência para aferição da gravidade da restrição, bem

como para a definição do conteúdo essencial do direito fundamental. A teoria

subjetiva é a mais adotada na doutrina.

Conclui Alexy (2002) afirmando que o fato dos problemas da garantia do

conteúdo essencial ter mais fácil entendimento dentro do marco de uma teoria

objetiva não se constitui em uma razão suficiente para afastar, totalmente, a teoria

subjetiva. Para ele, o caráter dos direitos fundamentais como direitos individuais fala

em favor da manutenção da teoria subjetiva, ao menos, ao lado da teoria objetiva.

No mesmo sentido, Canotilho (1999) defende que a escolha entre uma das

teorias não pode levar a posições radicais já que a comunidade é confrontada

diariamente com a necessidade de limitar os direitos fundamentais, sendo irrealista

51

uma teoria subjetiva desconhecedora disso. Além disso, a garantia do núcleo

essencial, por sua vez, não pode descurar da dimensão subjetiva dos direitos

fundamentais, devendo evitar restrições que eliminem totalmente um direito

subjetivo fundamental.

Para Alexy (2002), tomando como pressuposto a teoria subjetiva, a doutrina se

divide em outras duas correntes. Trata-se da questão relativa à força da garantia

concedida ao núcleo essencial de um direito fundamental. Nesse sentido, a proteção

ao núcleo essencial ocorreria de forma absoluta ou de forma relativa?

As teorias relativas [...] reconduzem o conteúdo essencial aos princípios da exigibilidade e da proporcionalidade: a restrição só seria legítima quando (se) fosse exigida para realização de bens jurídicos que devessem ser considerados (no caso) como mais valiosos e – acrescenta-se – só na medida em que essa exigência se imponha ao direito fundamental. (ANDRADE, 2006, p. 304).

Segundo Alexy (2002), a teoria relativa, o conteúdo essencial de um direito

fundamental surge como o resultado de uma ponderação. As restrições que

respondem ao princípio da proporcionalidade não podem lesionar o conteúdo de um

direito fundamental. Assim, deve ser compreendido como proibição do excesso, na

hipótese dos direitos fundamentais de defesa, e proibição da proteção insuficiente,

no caso dos direitos fundamentais a prestações.

A importância do núcleo essencial do direito fundamental é justificada pela

necessidade de ponderação entre os princípios jusfundamentais em conflito. Em um

caso concreto, o núcleo essencial pode estar totalmente protegido, em outros, pode

sofrer tal mitigação em virtude do peso daquele princípio em conflito, que

praticamente nada reste do direito fundamental restringido.

Não é sem motivos que a doutrina nacional vê com reservas a possibilidade de

ponderar um direito fundamental para além do limite do núcleo essencial. Todavia,

parece correto afirmar que autores como Mendes (1998, p. 39.) admitem a

ponderação, inclusive, deste núcleo essencial. Para ele, trata-se de uma proteção do

direito fundamental frente a restrições desproporcionais. Em sentido contrário, pode-

se compreender que sempre que a restrição for cabível, em medida adequada e

proporcional, o núcleo essencial pode ser atingido.

52

De ressaltar, porém, que, enquanto princípio expressamente consagrado na Constituição ou enquanto postulado constitucional imanente, o princípio da proteção do núcleo essencial (Wesensgehaltsgarantie) destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental mediante estabelecimento de restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais.

Observa Melo (2003) que existem determinados casos em que um direito

fundamental pode ceder integralmente em prol de outro. Exemplo é o direito de

greve que, em certas circunstâncias, pode ser inviabilizado no caso concreto em

virtude da força dos princípios contrapostos.

No caso do direito de greve, o núcleo essencial foi definido pelo próprio

legislador, a partir de uma margem de liberdade para ponderar os interesses em

abstrato, concedida pela Constituição Federal. Assim é que o art. 9, § 1o estabelece

que “a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o

atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.”

Nesse caso, o legislador conta apenas com uma certa liberdade para

ponderação, além disso, é preciso evitar o engessamento do núcleo essencial a

partir da legislação infraconstitucional. Essa atitude parece não atender às

necessidades de abertura das normas de direito fundamental. Neste caso, a

ponderação foi feita pelo legislador, mas também pode haver situações em que é o

julgador quem pondera interesses em conflito na solução de um caso concreto.

É possível concluir que a teoria relativa identifica o núcleo essencial dos

direitos fundamentais sempre como fruto da técnica de ponderação. Assim, seus

efeitos podem ser mais ou menos fortes, dependendo do caso concreto e do peso

dos princípios, bens jurídicos ou valores em conflito.

A teoria relativa não está isenta de críticas, uma delas é a de que só é possível

reconhecer a existência do núcleo de um direito fundamental, em tempos de crise,

aplicando-se a ponderação e a proporcionalidade. Essa crítica parece não afetar a

construção teórica como um todo, na medida em que a teoria relativa admite a

existência de um núcleo essencial a ser definido, todavia, defende-o como uma

categoria fluida e maleável, passível de ser determinada não em abstrato, mas tão

somente no caso concreto.

53

Outra crítica possível é aquela que afirma que a teoria relativa não fornece

nenhum parâmetro substancial para a proteção do direito fundamental, mas tão

somente de caráter processual argumentativo. A intervenção estatal é analisada

somente na medida em que afeta o direito fundamental, sendo que a gravidade

desta intervenção dependerá dos argumentos que se possa apresentar para

justificá-la.

Trata-se da mesma crítica apresentada em face do modelo normativo de

princípios e da técnica da ponderação, sendo possível respondê-la nos mesmos

temos. Afinal, somente através de um caráter aberto de análise, é possível respeitar

a evolução dos conceitos trazidos nas normas de direitos fundamentais. É

precisamente o caráter argumentativo a pedra de toque do método, garantindo-se a

sua racionalidade e a possibilidade de seu controle.

A teoria absoluta defende a existência de um núcleo intangível do direito

fundamental, que não pode, em hipótese alguma, ser atingido, ainda que pelo

preceito da proporcionalidade.

Para as teorias absolutas, o „conteúdo essencial‟ consistiria num núcleo fundamental, determinável em abstracto, próprio de cada direito e que seria, por isso, intocável. Referer-se-ia a um espaço de maior intensidade valorativa (o „coração do direito‟) que não poderia ser afectado, sob pena de o direito deixar realmente de existir. (ALEXY, 2002, p. 287).

Para Andrade (2006), o limite absoluto é a dignidade da pessoa, do homem

concreto como ser livre. A dignidade do homem livre constitui a base dos direitos

fundamentais, sendo o princípio da unidade material. Assim, se a existência de

outros princípios e valores justifica que os direitos possam ser restringidos, a idéia

do homem como ser digno e livre tem de ser vista como um limite absoluto a esse

poder de restrição.

Faz-se necessário esclarecer que a caracterização de um núcleo essencial

absoluto dos direitos fundamentais é inerente aos direitos de defesa. Em relação

aos direitos fundamentais sociais prestacionais, o mesmo autor esclarece que o

conteúdo de tais direitos depende substancialmente de opções políticas do

legislador. Tendo por base a Constituição Portuguesa, ele defende que estes direitos

não se encontram definitivamente determinados pelo texto constitucional,

dependendo de concretização legislativa.

54

O legislador, através da norma infraconstitucional, define o núcleo essencial

desses direitos com ampla autonomia. O autor só admite a existência de

determinação constitucional dos direitos fundamentais sociais quando relacionada

ao mínimo necessário à sobrevivência de cada ser humano.

Acredita-se que essa pode não ser a melhor forma de enfoque no caso

brasileiro. A Constituição Brasileira elenca alguns direitos, como o direito à

educação, que se encontram suficientemente definidos para determinar a produção

de seus efeitos, bem como para a apuração de seu núcleo essencial. Além disso,

em respeito ao princípio da supremacia da Constituição, mostra-se equivocado

permitir que o legislador infraconstitucional venha definir em abstrato o conteúdo

mínimo de um direito fundamental social.

Apresenta Lopes (2007, p. 14) relevante crítica à teoria absoluta do conteúdo

essencial em relação à fragilidade com a qual ela trata o direito fundamental como

um todo. Segundo ela, somente o núcleo essencial, arbitrariamente definido, merece

ser considerado intangível, tudo que não fizer parte deste núcleo estará sujeito à

atividade restritiva dos poderes constituídos, sem que para tanto estes necessitem

fornecer argumentos de justificação racional.

[...] a teoria absoluta, o conteúdo essencial é um núcleo duro, absolutamente resistente à ação limitadora do legislador, ainda precisando-se proteger outro direito ou bem constitucional. A proteção unicamente do núcleo implica que a parte periférica estaria totalmente desprotegida, com o que, ainda que indiretamente, o direito poderia ser lesionado sem a “necessidade” de ter sido diretamente afetado o seu núcleo.

Acredita-se que a teoria relativa demonstra uma melhor adequação ao sistema

de regras e princípios para a análise dos direitos fundamentais sociais na

Constituição Brasileira. Através dela, é possível se identificar um núcleo de maior

significação no direito fundamental, exigindo-se uma carga de argumentação

racional convincente, sempre que fosse necessário justificar sua mitigação em

virtude do peso de outros princípios, bens jurídicos ou valores em conflito.

A teoria relativa permite um conceito maleável de núcleo essencial, que melhor

se compatibiliza com a necessidade de adequação das normas constitucionais à

evolução histórica e social. Sendo que, apesar desta flexibilidade, não se deixa o

direito fundamental desprotegido, pois os critérios da proporcionalidade deverão

55

sempre ser satisfeitos quando o Estado pretende restringir o âmbito normativo de

um direito fundamental.

Como já afirmado por Lopes (2007), a garantia do núcleo essencial surge na

Alemanha, como uma forma de proteção dos direitos fundamentais em face da

atividade restritiva dos legisladores. Não existindo, àquela época, a previsão

constitucional de controle de constitucionalidade destas leis. Não é esta a situação

atual dos direitos fundamentais no Brasil, uma vez que o constituinte previu

expressamente meios de controle da constitucionalidade (art. 102, I, „a‟, 103), bem

como alçou os direitos fundamentais a cláusulas pétreas, intangíveis, até mesmo,

pelo poder de reforma da Constituição (art. 60, § 4º, IV).

Do ponto de vista jurídico, o principal traço distintivo da Constituição é a sua supremacia, sua posição hierárquica superior à das demais normas do sistema. As leis, atos normativos e atos jurídicos em geral não poderão existir validamente se incompatíveis com alguma norma constitucional. A Constituição regula tanto o modo de produção das demais normas jurídicas como também delimita o conteúdo que possam ter. (BARROSO, 2004, p. 370).

Assim, não se pode olvidar um dos princípios informadores da interpretação

das normas constitucionais, o princípio da supremacia da Constituição, segundo o

qual, pela sua força, nenhum ato jurídico, nenhuma manifestação de vontade pode

subsistir validamente se for incompatível com a Lei Fundamental.

Sendo assim, é possível afirmar que as normas de direitos fundamentais

gozam de uma presunção de intangibilidade. Assim, a intervenção legítima do

Estado só pode insurgir se imbuída de grave justificação, apresentada sob a forma

de argumentação racional. Torna-se necessário que se demonstre através da

necessária ponderação, o maior peso no caso concreto, de outros princípios em

conflito, bem como a proporcionalidade da restrição.

De qualquer forma, a proteção do conteúdo essencial dos direitos

fundamentais, especialmente no caso dos direitos fundamentais sociais, em que

muitas de suas normas apresentam uma carência de determinação, revela-se de

grande atualidade. Ela permite a necessária relativização dos direitos fundamentais,

a fim de resguardar a harmonia do sistema constitucional como um todo, permitindo

a proteção dos interesses dos titulares destes direitos no caso concreto. Como

observa Lopes (2007, p. 14):

56

A doutrina e a jurisprudência têm predominantemente aceito a relativização, só que não sob o ponto de vista negativo, mas, justamente, como a afirmação da historicidade e da exigência da constante atualização de um direito. Nesse sentido, a garantia do conteúdo essencial não apenas aceita a possibilidade de limitação, mas também a regulação de um direito fundamental, com a finalidade de permitir que possa ser efetivamente exercido, mas sempre que não seja desnaturalizado. Essa garantia, junto com os princípios da ponderação e da proporcionalidade, constitui um mecanismo indispensável na realização dos direitos fundamentais, os quais não são direitos absolutos, mas também não são, nem muito menos, instrumentos da arbitrariedade do legislador.

Os direitos fundamentais sociais a prestações, geralmente, exigem a atividade

do legislador. Assim, a garantia do núcleo essencial fornece um parâmetro a mais de

controle da constitucionalidade. Exigindo-se dos intérpretes das normas

jusfundamentais uma carga de argumentação supletiva sempre que sua intervenção

buscar, de alguma forma, atingir o conteúdo mais essencial previsto na norma, que

justifica sua existência no ordenamento jurídico.

2.4 Mínimo existencial

Especialmente após a II Guerra Mundial, a noção de mínimo existencial foi

muito difundida na Alemanha. Como observa Krell (2002), praticamente todos os

autores alemães concordam que o Estado Social deve garantir aos cidadãos sua

existência física com dignidade, um “mínimo social”, extraído do princípio da

dignidade humana e do direito à vida e à integridade física. A partir daí, a

jurisprudência alemã passa a defender a existência da garantia a um “mínimo vital”.

Na doutrina brasileira, Barcellos (2002) relaciona sua noção de mínimo vital a

um núcleo irredutível do princípio da dignidade humana, o qual abarcaria um mínimo

relacionado aos direitos individuais de liberdade, bem como a outros elementos de

ordem prestacional: a educação fundamental, a saúde básica, a assistência aos

desamparados e o acesso ao judiciário.

Como parâmetro para uma correta construção do conteúdo do mínimo

existencial, escolhe, além do direito à vida, o princípio da dignidade da pessoa

humana. Para Sarlet (2007b, p. 329-366):

Neste contexto, cumpre registrar que o reconhecimento de direitos subjetivos a prestações não se deverá restringir às hipóteses nas quais a própria vida humana estiver correndo o risco de ser sacrificada, inobstante seja este o exemplo mais pungente a ser referido. O princípio da dignidade da pessoa humana assume, no que diz com este aspecto, importante função demarcatória, podendo servir de parâmetro para avaliar qual o

57

padrão mínimo em direitos sociais (mesmo como direitos subjetivos individuais) a ser reconhecido. Negar-se o acesso ao ensino fundamental obrigatório e gratuito (ainda mais em face da norma contida no art. 208, § 1º, da CF, de acordo com a qual se cuida de direito público subjetivo) importa igualmente em grave violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que este implica para a pessoa humana a capacidade de compreensão do mundo e a liberdade (real) de autodeterminar-se e formatar a existência, o que certamente não será possível em se mantendo a pessoa sob o véu da ignorância.

Aponta Sarlet (2007a) para a necessidade de reconhecimento de certos

direitos subjetivos a prestações ligados aos recursos materiais mínimos para a

existência de qualquer indivíduo. A existência digna, segundo ele, estaria

intimamente ligada à prestação de recursos materiais essenciais, devendo ser

analisada a problemática do salário mínimo, da assistência social, do direito à

previdência social, do direito à saúde, à moradia e à educação.

Para Sarlet (2007a), existe uma clara vinculação dos direitos fundamentais

sociais com um conjunto de condições materiais mínimas que propiciam uma vida

com dignidade. Se essa vinculação parece evidente, é igualmente evidente, o fato

de que há uma série de aspectos controversos envolvendo a matéria.

Parece difícil falar em vida digna se o indivíduo não tem à sua disposição as

condições mínimas de sustento físico e participação na vida social e política. Aflora,

assim, a percepção de que a garantia dessas condições mínimas independe de uma

expressa previsão constitucional para poder ser reconhecida, já que decorrente da

proteção da vida e da dignidade da pessoa humana.

Torres (2007, p. 69) também se manifesta sobre o assunto, afirmando que o

mínimo existencial corresponde a um direito constitucional prontamente exigível.

O mínimo existencial não tem conteúdo específico. Abrange qualquer direito, ainda que originariamente não-fundamental (direito à saúde, à alimentação etc.), considerado em sua dimensão essencial e inalienável. [...] Sem o mínimo necessário a existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecerem as condições iniciais da liberdade. A dignidade humana e as condições materiais da existência não podem retroceder aquém de um mínimo, do qual nem os prisioneiros os doentes mentais e os indigentes podem ser privados.

Fácil ver que se encontram na doutrina diversas definições para mínimo

existencial. Acredita-se que esta variação decorre precisamente da concepção que

cada autor possui do que venha a corresponder às necessidades indisponíveis de

cada ser humano.

58

Entretanto, ainda que a definição de um mínimo existencial possa variar, há

que se entender que determinadas prestações materiais são consideradas

essenciais para a manutenção da vida humana com dignidade. Assim, estando a

vida humana em risco, poderá o intérprete declarar a presença do mínimo

existencial.

Ainda Sarlet (2006) observa que uma importante análise deve ser feita em

relação ao mínimo existencial: a de se verificar que esse mínimo seja, também,

suficiente para garantir as condições materiais mínimas para o exercício da

liberdade efetiva e não meramente formal, estando, portanto, embasado diretamente

no princípio da liberdade e da autonomia. Nesse sentido, é essencial buscar a

igualdade substantiva, o desenvolvimento de condições dignas de vida, bem como,

sua progressiva e almejada melhoria.

Deve existir, sempre, o cuidado para que a referência a um mínimo existencial

não se revele redutora do alcance dos direitos sociais, através de um parâmetro que

ronda o limiar da pobreza e corrobora para manutenção das desigualdades

socioeconômicas, ferindo tanto o princípio da dignidade da pessoa humana como o

princípio da igualdade em sentido substancial.

2.5 A exigibilidade dos direitos sociais

A noção de mínimo existencial tem vinculação com a nova teoria do direito

constitucional, que apresenta um enfoque voltado para a “pessoa humana exigente

de bem-estar físico, moral e psíquico” (CLÈVE, 2003).

Nestes termos, os direitos fundamentais sociais garantidos na Constituição

Federal de 1988 estão diretamente relacionados com a realização do ser humano. É

através deles que são incorporados, na esfera jurídica subjetiva, direitos

correspondentes às necessidades básicas de todo homem e os direitos relacionados

à sua dignidade social, que, em maior ou menor grau, encontram-se relacionados à

dignidade da pessoa humana, conferindo-lhe uma materialidade concreta e

específica.

É exatamente a relação existente entre os direitos fundamentais sociais e a

dignidade da pessoa humana que confere fundamentabilidade material a estes

59

direitos. Segundo Alexy (1999), um interesse ou uma carência é fundamental

quando sua violação ou não satisfação significa a morte, grave sofrimento ou

quando toca no núcleo essencial da autonomia. Daqui são compreendidos não só os

direitos de defesa liberais clássicos, mas, também, direitos sociais que visam

assegurar um mínimo existencial.

Quanto aos direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988, não há

porque se negar sua fundamentabilidade quando não estão diretamente ligados à

noção de mínimo existencial, pois que ela é decorrente do próprio texto

constitucional. No tocante a fundamentabilidade material, esta decorre do conjunto

de princípios e valores que informam a Constituição.

Assim, o mínimo existencial não pode ser tratado como um parâmetro de

fundamentabilidade dos direitos sociais. Sua importância reside na argumentação

que se pode acrescer ao discurso de efetividade dos direitos fundamentais sociais,

especialmente quando esta é confrontada pela reserva do possível. Na doutrina

pátria, o mínimo existencial tem sido freqüentemente referido como o “núcleo

essencial” dos direitos fundamentais sociais, reforçando a idéia de exigibilidade das

prestações materiais perante o Judiciário.

Assim, o núcleo essencial de uma norma jusfundamental surge como uma

categoria desenvolvida com a finalidade de proteger o conteúdo dos direitos

fundamentais frente a qualquer restrição. Entretanto, é preciso ressaltar que nem

sempre um direito fundamental social terá como núcleo um conteúdo equivalente ao

mínimo existencial.

No caso do direito à saúde, por exemplo, a correspondência entre o núcleo

essencial e o mínimo existencial parece clara. Entretanto, o mesmo não ocorre se

for tomado como parâmetro o direito fundamental à participação nos lucros do

empregador. Assim, pode-se concluir que o núcleo essencial dos direitos

fundamentais e o mínimo existencial são categorias distintas, que podem ter

características e aplicação semelhantes.

O núcleo essencial corresponde à porção característica do direito depois de

ponderados os princípios, interesses e bens jurídicos em conflito, a partir do

princípio da proporcionalidade. Este núcleo pode ser identificado através de uma

60

extensa carga argumentativa, que obriga o intérprete e o legislador a apresentar

racionalmente a identificação de um núcleo intangível do direito fundamental social

para determinado caso concreto.

Nestas condições, é possível apresentar o mínimo existencial como uma

porção essencial do direito fundamental social. Aqueles que adotam a teoria

absoluta do núcleo essencial o apresentam como mínimo absoluto e intangível em

quaisquer hipóteses. Aqueles que adotam a teoria relativa defendem-no como

essencial e intocável para determinado caso concreto, em virtude da aplicação da

técnica de ponderação e do postulado da proporcionalidade.

Observa Barcellos (2002) verdadeira identidade entre núcleo essencial e

mínimo existencial. Segundo ela, o mínimo existencial corresponde a um

“subconjunto dentro dos direitos sociais, econômicos e culturais menor –

minimizando o problema dos custos – e mais preciso – procurando superar a

imprecisão dos princípios. E, mais importante, que seja efetivamente exigível do

Estado”.

No mesmo sentido, Canotilho (1999) reconhece um mínimo a ser garantido a

todo cidadão com base nas normas de direitos fundamentais sociais, ou seja, um

“núcleo básico dos direitos sociais”, sem o qual ao ser humano não é garantida sua

subsistência, não tem condição de fruir qualquer direito. Esta noção nuclear dos

direitos fundamentais sociais também é defendida por Sarlet (2007b, p. 13):

Com base no exposto, verifica-se que o problema apenas poderá ser equacionado à luz das circunstâncias do caso concreto e do direito fundamental específico em pauta, sendo indispensável a ponderação dos bens e valores em conflito. Assim, em todas as situações em que o argumento da reserva de competência do legislador (assim como a separação de poderes e as demais objeções habituais aos direitos sociais a prestações como direitos subjetivos) implicar grave agressão (ou mesmo o sacrifício) do valor maior da vida e da dignidade da pessoa humana, ou nas hipóteses em que, da análise dos bens constitucionais colidentes, resultar a prevalência do direito social prestacional, poder-se-á sustentar, na esteira de Alexy e de Gomes Canotilho, que, na esfera de um padrão mínimo existencial, haverá como reconhecer um direito subjetivo definitivo a prestações, admitindo-se, onde tal mínimo for ultrapassado, tão-somente um direito subjetivo “prima facie”, já que – nesta seara – não há como resolver a problemática em termos de uma lógica do tudo ou nada. Esta solução impõe-se até mesmo em homenagem à natureza eminentemente principiológica da norma contida no art. 5º, § 1º, da CF, e das próprias normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais.

61

A partir desse entendimento, é possível verificar que o núcleo essencial do

direito fundamental social, quando relacionado ao mínimo existencial, acaba por

gerar uma carga especial de subjetividade, a partir da norma constitucional, sem

qualquer necessidade de intervenção do legislador.

Aspecto determinante do que será ou não exigível terá como parâmetro

definitivo a realidade, o caso concreto. O mínimo existencial não pode ser definido

abstratamente, sob pena de se comprometer a racionalidade jurídica. Somente

através da argumentação racional, vinculada às informações fornecidas por dados

da realidade, é possível realizar a justiça. É importante reafirmar que o mínimo

existencial não serve de parâmetro jurídico para definir a exigibilidade de um direito

fundamental social. A partir da teoria dos princípios, todo direito fundamental social é

exigível prima facie.

Entretanto, alguns autores vêem no mínimo existencial uma condição de

exigibilidade dos direitos fundamentais sociais diretamente a partir das normas

constitucionais, ou seja, sem a necessidade da intervenção conformadora do

legislador. É o que se depreende da posição manifestada por Andrade (1998, p.

308):

No caso de não haver legislação sobre a matéria ou na parte em que esta se revelar insuficiente para permitir o cumprimento das normas constitucionais, estas não poderão ser actualizadas e aplicadas pelo juiz ou pela Administração. É aqui indispensável o juízo autônomo do legislador e ele não pode ser substituído por outra entidade. Só em casos excepcionais e mais uma vez com referência ao conteúdo mínimo dos preceitos poderia eventualmente pensar-se em retirar directamente da Constituição um direito determinado: julgamos que isso só seria admissível em situações de necessidade ou injustiça extremas, de tal modo que, a verificarem-se, permitissem configurar este recurso como uma „válvula de segurança‟ da ordem jurídico-constitucional.

Não se pode deixar de notar a preocupação dos doutrinadores com a eficácia

das normas de direitos fundamentais sociais. O mínimo existencial serve assim

como um limite mínimo, uma garantia mínima, equivalendo a um mínimo de

dignidade que deve ser reconhecido a todo ser humano. Os poderes públicos

estariam obrigados a realizar seu conteúdo através de prestações materiais. 10

10

Nesse sentido, argumenta Emerson Garcia (2009) que “Não se sustenta que todo e qualquer direito previsto na Constituição possa resultar na coerção estatal para o seu fornecimento, isto porque os recursos estatais são reconhecidamente limitados, enquanto as necessidades são indiscutivelmente

62

Todavia, ainda que a noção de mínimo existencial seja de grande valia como

argumento na ponderação de princípios que levará à aplicação da norma

constitucional de direito fundamental social, há que se tomar um certo cuidado com

a noção reducionista.

2.6 O mínimo existencial frente à reserva do possível

Como já apontado anteriormente, a teoria dos direitos fundamentais sempre

direciona para duas vertentes. Em uma, os direitos fundamentais são encarados

como direitos em que se exige uma mera abstenção por parte do Estado. Em outra,

encarados como direitos que exigem prestações do Estado. Se da vertente

garantística do mínimo existencial não restam muitos questionamentos, não se pode

falar o mesmo do seu aspecto prestacional.

Para Emerique (2007), as formulações em torno do mínimo existencial

expressam que este apresenta uma vertente garantidora e uma vertente

prestacional. A feição garantística busca impedir agressão do direito, isto é, requer

cedência de outros direitos ou de deveres perante a garantia de meios que

satisfaçam as mínimas condições de vivência digna da pessoa ou da sua família.

Neste aspecto, o mínimo existencial vincula o Estado e o particular. A feição

prestacional tem caráter de direito social, exigível frente ao Estado.

Encontra-se dificuldade, até mesmo, em determinar quais são as prestações

que conformam o seu núcleo. Vencida essa etapa, surge a dificuldade em se definir,

em relação a cada direito em particular, qual a extensão da obrigação do Estado e

dos entes privados em prover ou satisfazer a necessidade ou interesse social ou

econômico tutelados pelo direito.

Enfim, a questão do mínimo existencial suscita na doutrina inúmeras

controvérsias. Conceituar, identificar as prestações indispensáveis para a

amplas. Tal teoria, aliás, já se mostrou inexeqüível em relação aos dogmas do Estado de Bem Estar Social (Welfare State), que teve grande expansão a partir da Segunda Guerra Mundial. Fosse de outro modo, bastaria transpor a legislação de um país dotado de elevados índices de desenvolvimento humano para outros nos quais esse fator não apresentasse a mesma desenvoltura para que, tal qual um passe de mágica, todos os problemas sociais do mundo contemporâneo fossem resolvidos. Essa tese, infelizmente, destoa de um padrão de razoabilidade, motivo pelo qual seu prestígio está em franco declínio. Como contraponto, tem-se o mínimo existencial, que, face o seu conteúdo mínimo, apresenta níveis aceitáveis de exeqüibilidade, atende à razão e satisfaz à dignidade da pessoa humana.”

63

manutenção de uma vida digna, definir a função do Estado e dos entes privados na

promoção e proteção do mínimo existencial são apenas exemplos dessa

controvérsia.

Parece já existir o consenso na idéia de que os direitos sociais de cunho

prestacional exigem obrigações genéricas. Uma delas, a de adotar medidas que se

não são capazes de conceder imediata e plena efetividade aos direitos sociais,

possa atingi-la de maneira progressiva.

O fato de o Estado dever garantir os níveis essenciais de satisfação dos

direitos prestacionais é ponto de partida para a plena efetividade dos direitos. O

cumprimento desta obrigação, entretanto, fica sujeito aos recursos disponíveis,

devendo-se tomar medidas até o máximo possível dos recursos de que se

disponham, e demonstrar todo o esforço realizado para garantir a prioridade na

satisfação desses direitos quando da alocação dos recursos.

A noção de progressividade demanda o reconhecimento de que a satisfação

plena dos direitos prestacionais supõe uma gradualidade e um progresso nas

melhorias de condições de gozo e exercício dos direitos sociais. Dado que o Estado

se obriga a melhorar a situação destes direitos, também assume, simultaneamente,

a proibição de reduzir os níveis de proteção dos direitos vigentes ou de extinguir os

já existentes.

Caso o Estado não tenha a possibilidade de assegurar ou progredir em direção

ao atendimento aos direitos sociais, tem como encargo justificar por que não

avançou na consecução desses direitos. Cabe, ainda, ao Estado, supervisionar o

grau de efetividade dos direitos prestacionais e formular um plano de ação ou uma

estratégia para avançar no grau de realização desses direitos.

Observa-se que a determinação do caráter prestacional do mínimo existencial

exige o respeito de determinadas obrigações da parte do Estado, e os argumentos

tradicionais de escassez de recursos e imprecisão normativa não podem ser

utilizados de forma absoluta para justificar a ineficácia do direito referido e a adoção

das medidas necessárias para dar-lhe efetividade.

64

Segundo Barcellos (2002), os direitos fundamentais sociais decorrem da busca

do atendimento das necessidades que correspondem aos imperativos da dignidade

humana. Entretanto, a doutrina interna e a externa esbarram no problema da

subjetividade do estabelecimento do padrão de referência ideal para consecução de

condições mínimas indispensáveis para a manutenção digna da vida. É esse padrão

de referência ideal que corresponde ao mínimo existencial, devendo ser satisfeito

independentemente de provisão.

Verifica-se que a positivação dos direitos sociais não se mostrou suficiente

para garantir sua exigibilidade. Mesmo entre os doutrinadores, existem aqueles que

negam a possibilidade de exigir, diretamente, em juízo, a realização do objeto

constitucionalmente previsto nestas normas jusfundamentais. Alega-se que essa

impossibilidade resulta do seu caráter aberto, carente de concretização. Pode-se,

ainda, alegar que estes direitos dependeriam de provisão econômica, e, portanto,

não poderiam ser realizados sem a necessária intermediação do legislador,

democraticamente eleito. Assim, o Judiciário não poderia determinar seu

cumprimento exclusivamente com fulcro nas normas constitucionais.

A proposta de um mínimo existencial tem como objetivo central evitar a total

ineficácia jurídica de vários dispositivos sobre direitos sociais que buscam garantir a

dignidade da pessoa humana. Entretanto, não se deve confundir a materialidade do

princípio da dignidade da pessoa humana com um mero direito de subsistência.

Apesar da vasta extensão dos direitos sociais gerarem problemas relacionados à

amplitude de sua eficácia e comprometer a credibilidade da construção do Estado

Democrático de Direito, não se justifica partir para versões minimalistas,

abandonando uma visão mais ampla.

Defende-se que as restrições aos direitos fundamentais se justificam apenas

quando não violam o núcleo essencial de um determinado direito. A ponderação de

interesses não pode ser utilizada para colocar o Estado em condições de eximir-se

de atender às demandas sociais e fomentar ainda mais a desigualdade social. Os

valores da ordem econômica não surgem como valores absolutos que sobressaem

frente à efetivação dos direitos sociais, cujo propósito consiste na concretização dos

princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.

65

Assim, é preciso ter cautela para não cair no extremo de pensar que o Estado

pode tudo. Não se deve, ainda, admitir que o Estado se encontre livre de suas

obrigações, sempre que alegar estar em meio a crises econômicas. Deste modo, a

questão da eficácia dos direitos sociais, condicionada ao atendimento do princípio

da reserva do possível, não deve ser tomada de forma absoluta. O princípio da

reserva do possível precisa ser conjugado com a idéia de otimização dos recursos

mediante o emprego do máximo possível para promover a eficácia dos direitos

sociais.

O Poder Judiciário cada vez mais se vê frente à necessidade de decidir sobre

questões envolvendo os direitos sociais. Assim, mesmo existindo as limitações em

torno da cláusula da reserva do possível, existe a necessidade de preservação, em

favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade de um núcleo essencial.

Em resumo, é preciso uma ação e padrão de atuação dos poderes estatais na

realização dos direitos sociais com o intuito de assegurar o mínimo existencial. Evita-

se, com isso, a falta de vontade política, e que medidas e decisões parciais sejam

adotadas, produzindo categorias variadas de oferecimento de prestações de

conteúdo universal.

A efetividade dos direitos fundamentais sociais foi ainda mais comprometida a

partir da aplicação da reserva do possível, que, enquanto condição de realidade a

impor a observância da disponibilidade de recursos pelo julgador, acabou por ser

ideologicamente comprometida, a ponto de legitimar a negligência dos poderes

públicos para com a destinação dos recursos econômicos.

A noção de escassez de recursos tem sido apresentada como um dogma

insuperável, de modo que a questão referente à disponibilidade, muitas vezes, não é

apreciada em sua concepção original: aquilo que, razoavelmente, se pode exigir do

Estado para a satisfação do direito.

2.7 A ponderação entre reserva do possível e o mínimo existencial

Os direitos fundamentais sociais estão sujeitos às regras de ponderação frente

ao princípio da reserva do possível. Assim, pode-se dizer que a norma de direito

66

fundamental social pode ter como limite a suficiência disponível para a prestação

material demandada, visando-se garantir a realização mínima pretendida.

O mínimo existencial, porção nuclear do direito fundamental necessária à

sobrevivência com dignidade de seu titular, deve ser identificado em cada caso

concreto. No que diz respeito ao direito fundamental à saúde, por exemplo, há que

se observar se uma atuação restrita dos poderes públicos não afastaria a

possibilidade de reabilitação do enfermo, através de uma falsa argumentação de

escassez de recursos.

Para Garcia (2009), o Estado deve ser impedido de adotar qualquer medida de

ordem legislativa ou material, comissiva ou omissiva, que frustre a concreção do

mínimo existencial. Deve ser impedida qualquer ação concreta ou omissão

deliberada que dificulte a sua garantia. A observância de um mínimo existencial,

assim, independe de qualquer medida de intervenção legislativa, derivando

diretamente da própria Constituição.

A concepção do mínimo existencial representa uma vantagem para a proteção

dos direitos fundamentais. Entretanto, pode gerar alguma insegurança jurídica e

arbitrariedade na medida em que seu conteúdo material dificilmente pode ser aferido

de forma totalmente abstrata. O que deve ser observado é a possibilidade de

conceber um mínimo existencial irredutível, relacionado com as necessidades de

sobrevivência humana. Além destas, devem ser contempladas a carga histórica e

cultural de cada sociedade.

Assim, o conteúdo do mínimo existencial deve ser formado de um núcleo

homogêneo, com tendência à universalidade, no que toca à existência humana e

uma porção heterogênea aberta às características particulares de cada sociedade.

Esse núcleo seria bem definido com as necessidades vitais de sobrevivência e uma

porção, de difícil definição, envolvendo a forma como estas necessidades vitais

deveriam ser atendidas e as necessidades culturais indispensáveis.

O que se verifica, nos casos envolvendo direitos fundamentais sociais, é que a

reserva do possível enquanto uma condição de realidade acaba por se apresentar

sempre que se demanda do Estado uma prestação material. A questão principal é

que sempre que a sobrevivência digna do titular do direito estiver em risco,

67

extremamente grave deverá ser a justificativa para que não exista a efetiva garantia.

Os bens jurídicos resguardados em contrário a este direito deverão ser tão

defensáveis que se possa compreender a legitimidade da restrição.

Assim, em relação ao mínimo existencial, não se vislumbra a possibilidade de

uma escassez artificial de recursos ser alegada em contraposição às prestações

materiais necessárias à sobrevivência com dignidade.

É evidente que a efetivação dos direitos sociais só ocorrerá à luz das coordenadas sociais e econômicas do espaço-tempo. Mas a reserva do possível não pode, num país como o nosso, especialmente em relação ao mínimo existencial, ser compreendida como uma cláusula obstaculizadora, mas, antes, como uma cláusula que imponha cuidado, prudência e responsabilidade no campo da atividade judicial. (CLÈVE, 2003, p. 28)

Alexy (2002) salienta que, quando estão em jogo direitos sociais mínimos,

relacionados ao mínimo existencial, a alegação da prevalência de outros bens

jurídicos, como a segurança orçamentária, não pode ser acatada. Defende que a

realização do mínimo existencial não teria o condão de afetar de forma substancial

os direitos individuais, princípios ou bens jurídicos em conflito.

Ainda Alexy (2002) não descarta a necessidade de muitos recursos financeiros

para efetivar os direitos fundamentais sociais mínimos. Entretanto, segundo ele,

essa realidade não nos permite inferir na inexistência de tais direitos. Os direitos

conferidos podem ter mais peso que as razões de política orçamentária. Nesse

sentido, aponta uma decisão do Tribunal Constitucional Federal Alemão que,

visando eliminar uma desigualdade de tratamento entre aqueles que recebiam

prestações da assistência social, ocasionou conseqüências orçamentárias.

Seguindo o mesmo raciocínio, trata dos tempos de crise, onde o grau do

exercício dos direitos fundamentais sociais tende a aumentar. Nesses momentos, o

que se pode distribuir tende a ser mais escasso, exigindo-se uma flexibilidade no

atendimento dos direitos fundamentais sociais. Uma crise financeira pode conduzir a

uma crise constitucional.

Sin embargo, cabe señalar aqui que no todo lo que existe como derecho sociais está exigido por derechos sociales jusfundametales mínimos; segundo, las ponderaciones necesarias de acurerdo com el modelo proposto, pueden, bajo circunstancias diferentes, conducir a diferentes derechos definitivos y, tercero, justamente em tiempos de crisis, parece

68

indispensable uma protección jusfundamental de las posiciones sociales, por más mínima que ella sea. (ALEXY, 2002, p. 496).

11

Buscando criar mecanismos de salvaguarda das prestações materiais

destinadas à proteção da dignidade humana opta por uma concepção rígida de

mínimo existencial, para além do qual não poderia avançar o intérprete, nem sequer

através do mecanismo da ponderação.

[...] uma fração do princípio da dignidade da pessoa humana, seu conteúdo mais essencial, está contida naquela esfera do consenso mínimo assegurada pela Constituição e transformada em matéria jurídica. É precisamente aqui que reside a eficácia jurídica positiva ou simétrica e o caráter de regra do princípio constitucional. Ou seja: a não realização dos efeitos compreendidos nesse mínimo constitui uma violação ao princípio constitucional, no tradicional esquema do „tudo ou nada‟, podendo-se exigir judicialmente a prestação equivalente. Não é possível ponderar um princípio, especialmente o da dignidade da pessoa humana, de forma irrestrita, ao ponto de não sobrar coisa alguma que lhe confira substância; também a ponderação tem limites. (BARCELLOS, 2002, p. 252-253).

Imagem capaz de ilustrar o que se afirma é a de dois círculos concêntricos. O

círculo interior assegura o mínimo de dignidade. Trata-se da decisão fundamental do

poder constituinte originário que qualquer maioria terá de respeitar e que representa

afinal o efeito concreto mínimo pretendido pela norma. Entre o círculo interno e o

externo existe o espaço de deliberação política, destinado às maiorias. É esse

espaço o responsável para além do mínimo existencial, desenvolver a concepção de

dignidade prevalente em cada momento histórico.

Nesse sentido, o mínimo existencial assume o caráter de uma autêntica regra

jurídica, não sujeita à ponderação. Sempre que a atuação restritiva dos poderes

públicos ameaçar este mínimo, não se abrirá oportunidade para a ponderação entre

princípios contrários. Nesses casos, haverá a violação de uma regra, implicando que

toda restrição evidenciar-se-á como ilegítima e inconstitucional.

O ponto de partida de todos os direitos deve ser o princípio da dignidade da

pessoa humana. A meta central do Estado é a promoção do bem-estar do homem,

assegurando as condições de sua dignidade, que inclui, além da proteção dos

direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Apurando-se os

11

Sem embargo, cabe assinalar aqui que nem tudo que existe como direito social é exigido como direitos sociais jusfundamentais mínimos; segundo, as ponderações necessárias de acordo com o modelo proposto, podem, de acordo com circunstâncias diferentes, conduzir a diferentes direitos definitivos e, terceiro, justamente em tempos de crises, parece indispensável uma proteção jusfundamental das posições sociais, por mais mínima que ela seja. (Tradução livre).

69

elementos fundamentais dessa dignidade, representados pelo mínimo existencial,

está se estabelecendo os alvos prioritários dos gastos públicos. Somente após

atingi-los, é que se poderá discutir, relativamente, aos recursos remanescentes, em

que outros projetos poderá se investir.

Garcia (2009) defende que a reserva do possível somente poderia prevalecer

em relação aos direitos fundamentais sociais, quando em jogo o mínimo existencial,

se restasse demonstrada total impossibilidade fática de realização da prestação

material. Entretanto, em se tratando de reserva jurídica, ou relacionada à alocação

de recursos, o autor se posicionou pela impossibilidade de mitigação do direito

fundamental em questão. Nesses casos, deve o Poder Judiciário determinar a

realização dos gastos, garantindo a eficácia dos direitos sociais mínimos.

Tratando-se de impossibilidade jurídica, o que decorreria não da ausência de receita, mas da ausência de previsão orçamentária para a realização da despesa, deverá prevalecer o entendimento que prestigie a observância do mínimo existencial. Restando incontroverso o descompasso entre a lei orçamentária e os valores que integram a dignidade da pessoa humana, entendemos deva esta prevalecer, com o conseqüente afastamento do princípio da legalidade da despesa pública. Não fosse assim, seria tarefa assaz difícil compelir o Poder Público a observar os mais comezinhos direitos assegurados na Constituição da República e na legislação infraconstitucional, o que terminaria por tornar legítimo aquilo que, na essência, não o é. Não é demais lembrar que, ao consagrar direitos, o texto constitucional implicitamente impôs o dever de que sejam alocados recursos necessários à sua efetivação. [...] Como desdobramento do que vem de ser dito, poderá o Poder Judiciário, a partir de critérios de razoabilidade e com a realização de uma ponderação responsável dos interesses envolvidos, determinar a realização dos gastos na forma preconizada, ainda que ausente a previsão orçamentária específica. Caberá ao Poder Executivo, nos limites de sua discrição política, o contingenciamento ou o remanejamento de verbas visando a tornar efetivos os direitos que ainda não o são. (GARCIA, 2009, on line).

Os limites orçamentários perante a garantia de um mínimo existencial não

parecem muito relevantes em países como a Alemanha. Observa-se que essa

concepção não pode ser transportada para a realidade brasileira sem problemas. A

população em carência das necessidades mínimas de sobrevivência da Alemanha é

muito distante dos contingentes abaixo da linha da miséria, no Brasil. O atendimento

de suas necessidades, por certo, implica diferentes reflexos no orçamento brasileiro,

se tomada, como ponto de referência, a capacidade orçamentária de alocação de

recursos na Alemanha. Entretanto, é precisamente em virtude desta flagrante

debilidade na satisfação dos direitos sociais que o tema merece especial atenção

dos poderes públicos.

70

Assim, parece necessário que, ao se posicionar sobre o tema, vise-se uma

postura consciente. Pensar, atualmente, na garantia de eficácia de todos os direitos

sociais não passa de mera utopia. A triste realidade mostra, a cada dia, os graves,

por vezes aparentemente instransponíveis, limites que devem ser enfrentados.

Porém, não se pode colaborar com uma nítida tendência no sentido de negar-se

determinantemente aos direitos sociais sua eficácia e efetividade.

[...] cremos ser possível afirmar que os direitos fundamentais – de modo particular os sociais – não constituem mero capricho, privilégio ou liberalidade, engendrados que foram (no caso dos direitos sociais a prestações) no contexto de um constitucionalismo dirigente „fracassado e superado‟, mas sim premente necessidade, já que a sua desconsideração e ausência de implementação fere de morte os mais elementares valores da vida e da dignidade da pessoa humana, em todas as suas manifestações, além de conduzir [...] a uma lamentável, mas cada vez menos contornável e controlável transformação de muitos Estados Democráticos de Direito em verdadeiros „estados neocoloniais‟. (SARLET, 2007a, p. 386).

Pode-se afirmar que se é utópica a visão daqueles que clamam por uma

eficácia imediata de todos os direitos sociais, é ideológica a postura dos que tentam

desqualificar os direitos sociais como direitos fundamentais, outorgando às

dificuldades efetivamente existentes o cunho de barreiras intransponíveis. É preciso

encontrar um meio termo.

É possível acreditar que existam aqueles que afirmem que negar, em face de

argumentos como o da ausência de recursos, o acesso ao ensino fundamental não

compromete a existência do indivíduo. Entretanto, essa afirmação fere o princípio da

dignidade humana, que, indubitavelmente, pressupõe um certo grau de autonomia

do indivíduo, no sentido de ser capaz de conduzir a sua própria existência.

Ainda Sarlet (2007b) nesse sentido, não restam dúvidas de que manter o

indivíduo sob o véu da ignorância absoluta significa tolher a sua própria capacidade

de compreensão do mundo, sua liberdade de autodeterminação, sua autonomia. O

princípio da dignidade da pessoa humana pode vir a assumir, portanto, importante

função demarcatória, estabelecendo a fronteira para o que se convenciona

denominar de padrão mínimo na esfera dos direitos sociais.

Assim, verifica-se que, para Ingo Wolfgang Sarlet (2007b), não é só o mínimo

existencial entendido como mínimo de sobrevivência, que faz pesar a balança da

ponderação em prol da realização dos direitos fundamentais sociais, em detrimento

71

da reserva do possível. O princípio da dignidade da pessoa humana surge como

importante argumento de ponderação.

Apresentados estes argumentos, é possível conceber o mínimo existencial

como um instrumento jurídico de importante valor quando se trata de refrear a

reserva do possível enquanto restrição aos direitos fundamentais sociais. Entretanto,

não parece que seja adequado considerá-lo como único fator determinante da

exigibilidade dos direitos fundamentais sociais. A proteção dos direitos sociais não

pode estar limitada a uma mera proteção à existência. É preciso que se garanta a

existência digna, sob pena de comprometimento de todo o sistema constitucional e

da legitimidade do Estado Democrático de Direito.

2.8 O reducionismo dos direitos fundamentais sociais

O ordenamento brasileiro reconhece a fundamentabilidade dos direitos

fundamentais sociais em seu aspecto formal e material. Em qualquer dessas

dimensões, há o extravasamento do conteúdo desses direitos em relação ao mínimo

existencial.

Nestas condições, como bem observou Clève (2003), os direitos sociais não

têm a finalidade de dar ao brasileiro, apenas, o mínimo. Ao contrário, eles reclamam

um horizonte eficacial progressivamente mais vasto, dependente apenas do

comprometimento da sociedade e do governo e da riqueza produzida pelo País. A

Constituição aponta, portanto, para a idéia de máximo possível.

Assim, todos os direitos fundamentais sociais prestacionais podem assumir o

caráter de direitos subjetivos, de modo que sua não realização somente se viabiliza

a partir de um processo de ponderação orientado pela argumentação jusracional.

Entretanto, parece válido conceder um peso especial às normas de direitos

fundamentais sociais, pois buscam garantir as prestações minimamente necessárias

à sobrevivência digna de cada cidadão.

Reduzir as normas de direitos fundamentais sociais à concepção de mínimo

existencial é equivocado, a exigibilidade deve ser verificada caso a caso, sempre

que ponderados os princípios e bens jurídicos em conflito. Essa redução levaria a

aplicar uma penalidade extraordinária àquele objeto que não se enquadre na

72

moldura de mínimo existencial. Ele seria considerado inexigível a partir de uma

relação direta com a norma constitucional, ficando sujeito às regras discricionárias

das políticas públicas e da vontade do legislador.

3 ORGANISMOS INTERNACIONAIS

Na sua concepção greco-romana, o Direito identificava-se com a lei. Era o

poder escrito a conduzir a vida dos homens desde a Antiguidade clássica, da qual se

conhece o brocardo jurídico “ubi societas ibi jus”, que significa “onde está a

sociedade está o direito”, premiando a sua função social.

3.1 A complexidade social

Na complexa sociedade atual, o ser humano é visto muito mais como um ser

que produz do que pela sua qualidade de pessoa. Nesse contexto, normas são

editadas e impostas como um mero conjunto abstrato de direitos subjetivos, que

nem sempre serão, faticamente, concretizados.

À conquista e evolução dos direitos individuais segue-se o desenvolvimento

dos direitos sociais. Estes sim, uma expressão real do querer social legitimamente

representado. No começo do século XX, o caráter social do direito se manifestara

nas ações políticas concretas dos governantes, uma vez que surge o Estado

Providência. O Executivo prepondera sobre os demais poderes.

De todos os fatos da Era da Catástrofe, os sobreviventes do século XIX ficaram talvez mais chocados como colapso dos valores e instituições da civilização liberal cujo progresso seu século tivera como certo, pelo menos nas partes „avançadas‟ e „em avanço‟ do mundo. Esses valores eram a desconfiança da ditadura e do governo absoluto; o compromisso com um governo constitucional com ou sob governos e assembléias representativas livremente eleitos que garantissem o domínio da lei; e um conjunto aceito de direitos e liberdades dos cidadãos, incluindo a liberdade de expressão, publicação e reunião. O Estado e a sociedade deviam ser informados pelos valores da razão, do debate público, da educação, da ciência e da capacidade de melhoria (embora não necessariamente de perfeição) da condição humana. Esses valores, parecia claro, tinham feito progresso durante todo o século, e estavam destinados a avançar ainda mais. (HOBSBAWM, 2002, p. 113-114).

Foi um século marcado por grandes mudanças e pela implantação da

sociedade de massas. Muito do que no século anterior não fora sequer imaginado,

no século XX, com sua complexidade e contradição, tornou-se possível e factível.

74

Houve uma extraordinária ampliação científica e técnica, mas não houve uma

regulação coordenada da sociedade.

Com o desenvolvimento das economias globalmente evidenciado, acelerado

pelo impulso tecnológico e das telecomunicações, que encurtaram distâncias,

ampliaram mercados, influenciaram costumes, e diminuíram a importância das

fronteiras nacionais, o Estado se enfraquece e vai perdendo o domínio das variáveis

que conduzem a economia interna. Porém, os efeitos desse momento econômico

não se manifestam somente na seara econômica, conforme esclarece o autor Mauro

de Azevedo Menezes:

Embora se origine nas relações econômicas, a globalização não restringe os seus efeitos à esfera econômica. Repercute intensamente nos domínios social, cultural e político. De fato, a generalização das forças produtivas e das relações capitalistas assume o comando dos desenvolvimentos da realidade social [..]. E o mundo do direito não fica isento dessa influência. Muito a contrário, os dramas sociais causados pelo trauma econômico da globalização afetam os marcos normativos, desafiando paradigmas de implementação da justiça, e lançando a perspectiva de afirmação progressiva dos direitos fundamentais numa séria crise. (MENEZES, 2003, p.222).

Neste contexto, o Estado perde a capacidade de formular e implementar

políticas públicas, de regular e fiscalizar seu mercado interno e de garantir a eficácia

dos direitos fundamentais sociais. Nessa redução de sua atividade, intensiona que a

iniciativa privada volte a atuar nas questões econômicas e sociais.

Surgem, então, as idéias neoliberais, que são fomentadas pela comunidade

financeira internacional sob a alegação de saldar os déficits públicos gerados pelo

Estado Social, principalmente nos países emergentes. A influência do neoliberalismo

e a sua repercussão social se espalham pelo mundo. Os seus reflexos precisam ser

entendidos para que a economia caminhe em direção a um ponto de equilíbrio.

3.2 O Neoliberalismo e sua influência econômica e jurídica

A crise do Estado Social aliada à emergente globalização criaram um ambiente

propício ao ressurgimento dos valores e ideais liberais, mesmo que discretamente

renovados. O Neoliberalismo, como matriz ideológica da globalização, trouxe como

propostas essenciais, numa cartilha ideológica, programas de ajustes e estabilização

da economia, tutelados por agentes financeiros internacionais, como o Fundo

Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.

75

Para países como o Brasil, que se submeteram a esse programa, as propostas

incluíam: privatização de empresas estatais, queda de barreiras alfandegárias, livre

circulação de bens e serviços, facilitação à circulação de capital financeiro, a

intensificação da produtividade e da lucratividade e a desregulamentação de direitos

sociais e trabalhistas.

O Neoliberalismo, nessas bases, fortalece uma globalização imposta, aquela

que vem com intuito de privilegiar a propriedade privada e as grandes corporações

desenvolvidas por processos tecnológicos crescentes que atingem o mercado de

trabalho e a produção de bens e serviços.

Nesse cenário, o capitalismo exige um afastamento do Estado no tocante ao

intervencionismo social, mas o quer atuando no campo econômico sempre que a

sua intervenção assegurar os interesses financeiros e as exigências internacionais.

O ente estatal não desaparece, mas altera seu papel e até se fortalece na

intervenção econômica, em detrimento do atendimento das necessidades sociais e

individuais da sua população.

No campo jurídico, as idéias neoliberais caminham no sentido de retirar a

efetividade do direito. A regulamentação jurídica passa a ser considerada um

embaraço ao desenvolvimento do mercado e um mecanismo que atrasa o

crescimento da livre iniciativa. António José Avelãs Nunes (2003, p. 84) assim se

manifesta:

Algumas circunstâncias e problemas que vêm marcando os tempos recentes ajudam a compreender que a aplicação cega da lógica do mercado e da livre empresa, tão cara ao neoliberalismo, longe de conduzir ao pretenso governo democrático da economia, pode conduzir ao confisco do próprio direito à vida.

A insubordinação preconizada aos ideais do Estado Social e a negativação das

normas repercutem diretamente nas relações de trabalho. Os neoliberais pedem a

desregulamentação do Direito do Trabalho, no intuito de que as suas regras

passassem a ser ditadas pelo mercado.

Instrumentos, como o contrato de trabalho livre, que deve desagregar

mecanismos de proteção e limitação do poder patronal, são sugeridos efusivamente

numa clara agressão aos princípios essenciais do Direito do Trabalho. Na busca da

76

eficiência e da qualidade total, chocam-se direitos dos empregadores com o dos

empregados e, em nome da manutenção das empresas, tentam-se mecanismos de

minimização dos direitos historicamente instituídos em prol dos trabalhadores.

Nessa situação paradoxal, as políticas neoliberais continuam querendo

produzir mais e lucrar mais, e o desemprego assola as camadas mais

desqualificadas. A pobreza e a miséria aumentam as desigualdades sociais.

A „industrialização endividada‟ da periferia, a „modernização negativa‟ – que só fez destruir as estruturas tradicionais, sem oferecer, em troca, para a maioria da população, qualquer perspectiva mínima de vida humanamente digna (nem mesmo aquela de consumidor) –, apresenta-se para dois terços da humanidade como uma longa e tortuosa travessia, sem luz ao final do túnel. Some-se a tudo isso a recente política neoliberal de abertura de mercados, motivada pela acirrada concorrência entre firmas multinacionais, e que tem, ultimamente, constituído-se em motivo de contestação por parte de grupos nacionalistas e de setores populares, que se vêem ameaçados em seus empregos e/ou ofícios tradicionais. Tais conflitos explodem em todos os quadrantes do globo, do México ao Oriente Médio, do Brasil à Índia.(MELLO, 2001, p. 263).

O processo neoliberal que se expande pelo mundo tem como efeito a

ampliação do número de excluídos do sistema. O mercado não demonstra ser útil

para resolver esse problema, pois sua missão não é de fazer justiça social, mas de

impulsionar a economia na produção de lucros. Tem como meta apresentar

resultados para atrair cada vez mais investidores. O caminho percorrido para atingir

esse objetivo nem sempre se mostra ideal.

Mais recentemente, o Papa João Paulo II considerou o neoliberalismo como um „sistema que faz referência a uma concepção economicista do homem, considera os lucros e a leis do mercado como parâmetros absolutos em detrimento da dignidade e do respeito às pessoas‟ e o denunciou como „lesivo à dignidade humana‟, por gerar „um modelo de sociedade na qual os poderosos predominam, deixando de lado e até mesmo eliminando os mais fracos.‟ (SÜSSEKIND, 2000, p. 311).

Portanto, a política neoliberal, que restringe o papel do Estado na distribuição

de riquezas e regulamentação da economia, além de não fortalecer o Estado de

Direito, cria dificuldades para que a normatização seja um válido e eficiente

instrumento de organização da sociedade.

No tocante à esfera jurídica das relações de trabalho, há uma nítida

substituição dos princípios jurídicos por princípios econômicos. Sob argumentos de

que o Direito do Trabalho não se coaduna com essa nova realidade econômica,

prejudica-se um processo de construção e normatização de anos dos direitos

77

fundamentais sociais, que não encontram subsídios para se impor diante dos

poderes desafiados.

3.3 A globalização neoliberal e o esvaziamento do papel do Estado

A globalização neoliberal, notadamente, influenciou a produção das normas

jurídicas e até mesmo a configuração dos Estados Nacionais. Estados esses que,

boa parte do século XX, eram tidos como um aparato protetor das economias

nacionais frente às forças externas. Tal proteção acontecia através da manutenção

dos níveis de emprego e de bem-estar social. Na nova configuração, esses Estados

passam a se adaptar às exigências da economia mundial.

Nesse aspecto, observa-se o esvaziamento do papel do Estado com o

enfraquecimento de sua capacidade para regular o trabalho. O movimento que se

segue é o surgimento das idéias de flexibilização dos direitos trabalhistas e a

volatilidade do capital, que busca trabalhadores menos onerosos e novas formas de

contrato de trabalho como o trabalho terceirizado e o informatizado.

A classe empresária, por sua vez, tem que competir em condições que exigem

mão-de-obra barata e flexibilização de horários. A sociedade comercial mundial

promove um forte incremento na concorrência.

Atualmente a ordem econômica capitalista é um imenso cosmos em que o indivíduo já nasce dentro e que para ele, ao menos enquanto indivíduo, se dá como um fato, uma crosta que ele não pode alterar e dentro da qual tem que viver. Esse cosmos impõe ao individuo, preso nas redes do mercado, as normas de ação econômica. O fabricante que insistir em transgredir essas normas é indefectivelmente eliminado, do mesmo modo que o operário que a elas não possa ou não queira se adaptar é posto no olho da rua como desempregado. (WEBER, 2004, p. 48).

Conquistas trabalhistas históricas sucumbem diante da escassez de oferta de

postos de trabalho num quadro crescente de desemprego capaz de provocar o

desespero e a adesão a qualquer oportunidade de trabalho, a qualquer preço e sob

quaisquer condições.

A prática do dumping social, que faz com que os salários e demais custos de

produção baixem para que o produto seja competitivo no mercado internacional,

representa uma prática prejudicial e condenável. Além de propiciar o

78

desenvolvimento desleal do comércio, agride a dignidade da pessoa humana ao

submeter os trabalhadores a condições de trabalho degradantes.

Os salários e os chamados encargos sociais constituem componentes dos preços dos produtos e, sendo eles mais baixos nos países em desenvolvimento do que nos países desenvolvidos, colocam os primeiros em vantagem sobre os últimos. A prática do dumping social representa, portanto, forma de concorrência desleal, além de redundar freqüentemente em violação dos direitos fundamentais dos trabalhadores. (ROMITA, 2005, p. 204).

O texto da Constituição Federal de 1988 acena com grandes conquistas para a

classe trabalhadora. Porém, tais conquistas não se sustentam quando contrapostas

à realidade fática que configura o abuso do poder econômico.

Torna-se inócuo acreditar que o Estado, sob o argumento da efetividade dos

direitos fundamentais sociais, conseguisse impositivamente reverter às forças do

mercado. No âmbito do Direito do Trabalho, os dogmas do sistema econômico

capitalista premiam a liberdade de contratar e o direito à propriedade. Já a força de

trabalho, até por ser abundante, torna-se barata e manipulável.

A crença de que as normas emanadas do ente estatal pudessem se impor

frente a uma realidade econômica de crise de valores e de busca da ampliação de

mercados se mostra ingênua. A economia e suas regras reagem a uma intervenção

sistêmica, intentada pelas normas estatais do Direito do trabalho.

La colisión entre derechos fundamentales sociales y derechos de libertad se vuelve especialmente clara en el derecho al trabajo. En um sistema de economia de mercado, el Estado puede disponer solo limitadamente del objeto de este derecho. Si quisiera satisfacer el derecho de todo desempleado a un puesto de trabajo, tendría o bien que dar ocupación a todo desempleado dentro del marco de la administración pública existente o limitar y hasta eliminar la disponibilidad de los puestos de trabajo por parte de la economia privada. (ALEXY, 2002, p. 492).

12

Apesar dos benefícios experimentados pela globalização no tocante a queda

das fronteiras geográficas, ideológicas e, principalmente, do conhecimento, não se

pode olvidar de seus aspectos nefastos. Talvez, um dos principais aspectos seja

12

A colisão entre direitos fundamentais sociais e direitos de liberdade se mostra especialmente clara no direito ao trabalho. Em um sistema de economia de mercado, o Estado pode dispor só limitadamente em relação ao objeto deste direito. Se quiser satisfazer o direito de todo desempregado a um posto de trabalho, teria que dar ocupação a todo desempregado na administração pública ou limitar e até eliminar a disponibilidade dos postos de trabalho por parte da economia privada. (Tradução livre).

79

justamente a desregulamentação intentada no ramo do Direito do Trabalho, pois que

seus preceitos, em regra, foram construídos sempre sob luta e conquistas históricas.

Assim, o Estado perde o seu poder regulador frente à onda neoliberalista da

economia, frente aos revigorados preceitos estimuladores da concorrência

internacional e frente ao desprezo aos valores morais e sociais que deveriam nortear

o desenvolvimento concatenado das economias ao redor do mundo. Impera sobre

as leis sociais as ambiciosas leis do mercado.

3.4 Reflexos do Neoliberalismo e da Globalização no Direito do Trabalho

O reflexo do movimento da economia internacional sobre as forças nacionais

promoveu a adoção de medidas como o dumping social por parte das empresas. Tal

medida é característica da concorrência imperfeita que ocorre pela competitividade

de produtos num universo globalizado. O dumping social exige a reformulação dos

preços internos e leva à redução de salários e custos trabalhistas, uma vez que o

Estado não consegue aliviar a carga tributária e tarifária de forma eficaz e

necessária.

O abalo provocado pela globalização econômica na estrutura de proteção social alterou sensivelmente o perfil dos empregos, levando, dentre outros efeitos, às seguintes mudanças, enumeradas por José Eduardo Faria: a) emergência de novas profissões e especializações; b) mobilidade do trabalho e flexibilização de sua estrutura ocupacional entre setores, regiões e empresas, provocando o declínio dos salários reais; c) ampliação dos níveis de concentração de renda; d) acentuação do fosso entre os ganhos das várias categorias de trabalhadores; e) aumento do desemprego dos trabalhadores menos qualificados; f) esvaziamento da proteção jurídica contra o uso indiscriminado de horas extras, contra a modulação da jornada de trabalho e contra a dispensa imotivada; e g) redução dos benefícios de seguridade social, prestados pelo Estado e pelas empresas. Essas circunstâncias abriram caminho, segundo o autor, para a deslegalização das normas protetoras dos trabalhadores. (MENEZES, 2003, p. 244).

O determinismo econômico afasta o Direito, entendendo que este em nada

pode influenciar a dinâmica social, devendo, apenas, a ela, adaptar-se. Inicia-se a

busca da flexibilização das normas do direito trabalhista, não obstante sua carga

histórica e de representação da luta da classe laboral. Ao mesmo tempo, busca-se a

miniaturização do Estado, que visa transferir à iniciativa privada funções tipicamente

estatais.

A concepção autônoma de livre mercado, a volta do individualismo e a idéia de

que o Estado Social não passa de uma ideologia tiveram repercussão direta nas

80

relações de trabalho. Nesse contexto, o desemprego e o subemprego proliferaram e,

mesmo que não seja essa a significação real, o salário mínimo é taxado como um

dos responsáveis pelo “custo social”, manifestamente observado nos gastos com a

Previdência Social.

A preocupação de reduzir os custos da produção e dos serviços, não apenas pela utilização de nova tecnologia, mas também com a redução das despesas com pessoal, gerou alarmante desemprego, redução dos salários reais, maior exploração do trabalho infantil e supressão de programas empresariais de prevenção dos infortúnios do trabalho. Na América Latina os salários industriais de 1995 eram 5% menores que os de 1980 e em 13 países o salário mínimo se tornou inferior ao de 1980. Por sua vez, 84 de cada 100 empregos criados entre 1990 e 1995 ficaram na informalidade. Em setembro de 1998 a OIT divulgou que 150 milhões de trabalhadores de todos os continentes estavam sem emprego e 750 milhões subempregados, totalizando 30% da população economicamente ativa mundial. (SUSSEKIND, 2000, 301-302).

Numa manifestação dos efeitos desses aspectos globais, também o movimento

sindical se abala. Arion Sayão Romita (2005, p. 202) assim se posiciona sobre o

assunto: “Os efeitos da globalização da economia irradiam-se também sobre o

movimento sindical, restringindo e reduzindo o poder que o sindicalismo combativo

tradicionalmente exercia no mundo das relações de trabalho”.

Os sindicatos sofrem os impactos das oscilações do mercado de trabalho e se

vêem compelidos a ter que buscar alternativas para a manutenção de taxas mínimas

de emprego e de condições dignas de trabalho. Pensa-se, inclusive, na reforma

sindical. O mesmo autor discorre, ainda, sobre o assunto:

O desemprego estrutural surpreendeu os sindicatos de trabalhadores, em toda parte. Eles não estavam preparados para enfrentar o desafio. Aparelhados para a defesa e promoção dos interesses dos trabalhadores ocupados no mercado formal, entendiam ser sua missão a reivindicação de maiores salários e melhores condições de trabalho. Timidamente, diante da ameaça representada pelo desemprego, assumem posição defensiva, tentando exercer controle sobre a produção e pleiteando a preservação dos empregos dos ameaçados de dispensa pelo retreinamento profissional. Os novos tempos solapam o poder negocial dos sindicatos (bargaining power), que simultaneamente vêem decrescer assustadoramente o número de filiados. (ROMITA, 2005, p. 202).

Do mesmo modo que os sindicatos ainda tentavam defender e preservar ao

trabalhador o direito à liberdade do exercício da profissão, o capital, aliado às forças

do mercado, pretende garantir à empresa a liberdade do exercício da atividade

econômica. Ainda, o mesmo autor afirma que: “A globalização da economia, que

81

inova a divisão internacional do trabalho, afeta o próprio modo capitalista de

produção e os métodos de organização do trabalho” (ROMITA, 2005, p. 200).

Nesse embate, a força do capital passou a mitigar a força laborativa e as

normas advindas de programas internacionais tomam força na conjuntura interna

sob o pretexto de que, sem a existência das empresas, o trabalho também não

existe.

Salve-se, pois, o mercado, fonte pura e única da liberdade econômica e da liberdade política, e acabe-se com os sindicatos, com a contratação colectiva, com as políticas de redistribuição do rendimento e com as políticas de redistribuição do rendimento e com as políticas do pleno emprego, com legislação do salário mínimo, com os subsídios de desemprego, com as garantias da segurança social, com a legislação reguladora dos despedimentos e com todas as „imperfeições‟ e „impurezas‟ que perturbam o bom funcionamento de uma sociedade que se ficciona ser composta por homens livres e iguais. E acabe-se também, é claro, com tudo o que esteja a serviço destas conquistas das sociedades humanas, e domestiquem-se os professores. (NUNES, 2003, p. 53.).

A defesa do mercado, como uma instituição capaz de se auto-regular e

influenciar os caminhos seguidos pela sociedade, não pode ser de tal forma

imperativa que se permita o esvaziamento do papel do Estado. Não se vislumbra

tamanha autonomia das forças que movimentam a economia, pois que, geralmente,

os aspectos ligados ao desenvolvimento social não fazem parte da pauta da

iniciativa privada, mas do papel do Estado.

Observa-se o favorecimento do capital em detrimento dos direitos instituídos

aos trabalhadores como argumento para a manutenção da produtividade e da maior

competitividade dos produtos numa economia globalizada e neoliberal. Economia

esta que prima pela liberdade e pela concorrência.

A relação entre a globalização neoliberal e o Direito é uma das questões mais importantes da contemporaneidade. Existe uma relação entre neoliberalismo e privação de direitos que para o contexto histórico se faz necessária. Faz parte, pois, da lógica interna do neoliberalismo restringir direitos. O neoliberalismo não pode se manter e se desenvolver em cenário no qual esteja aberta a instancia da aquisição de direitos, o exercício da cidadania e a busca da ampliação de direitos. O neoliberalismo vai propagar que o aumento de direitos tem uma dimensão antieconômica. Que se o trabalhador incorpora alguns direitos, torna-se pesado, caro para a empresa, o que vai dificultar o poder de competição da empresa no mercado. Ora, como a competição é o valor maior, o que se deve fazer a bem do modelo é tornar a empresa cada vez mais enxuta. Daí que jargões vêm sendo empregados, ao longo dos últimos tempos, para eufemismar a retirada de direitos de servidores e trabalhadores, como, por exemplo, o

82

„enxugamento da máquina‟, „cotar gorduras‟, dentre outras. (FURTADO, 2004, p. 272).

Para justificar tal movimento, implantam-se o medo, a ansiedade, a apreensão

com o desconhecido. E o Direito do Trabalho é levado a uma indeterminação,

deixando de ser um instrumento de consolidação da proteção aos hipossuficientes

para tornar-se instrumento de adaptação das normas trabalhistas às conveniências

do capital competitivo.

Assim, os efeitos da globalização, da mundialização do capital e do

neoliberalismo em relação ao Direito do Trabalho e do papel do Estado na condução

da economia são sentidos com muito mais intensidade nos seus aspectos negativos.

Não se observam movimentos para a construção de uma sociedade justa e solidária,

mas de uma sociedade competitiva, que viu ampliar substancialmente o número de

excluídos do sistema.

[...] E, diante dos profetas do fim da sociedade do trabalho, as estatísticas oficiais revelam que, ao lado do desemprego industrial em massa, cresce o número de subempregados, de trabalhadores precarizados (pela „flexibilização‟), de biscateiros, de trabalhadores diretos sem vínculos trabalhistas, da utilização da mão-de-obra infantil, numa nova e global onda de lumpemproletarização. (MELLO, 2001, p. 263).

O Direito do Trabalho nasceu da necessidade social de se buscar um

mecanismo que servisse para intermediar os conflitos entre o capital e o trabalho,

assegurando ao trabalhador – em regra, a parte mais vulnerável da relação de

emprego - uma proteção capaz de equilibrar a sujeição ao poder total de submissão

e domínio do dono do capital.

Ao Estado exigiu-se a disponibilização e o desenvolvimento dos direitos

fundamentais, mas, para tal, faz-se necessário o dispêndio de recursos públicos. A

atividade econômica bem desenvolvida promove o aquecimento da economia, que

gera como conseqüência um aumento na arrecadação. O ente estatal figura como

responsável por fazer retornar esses valores para a sociedade em forma de serviços

coletivos disponibilizados, sejam eles geradores de novas riquezas ou serviços

direcionados a uma melhoria da condição social do beneficiado e, nesse ponto, pode

fazer uso de normas jurídicas.

Em Marraqueche, no mês de abril de 1994, nas negociações que deram vida à

Organização Mundial do Comércio (OMC), as partes contratantes do General

83

Agreement on Tariffs and Trade (GATT) firmaram, segundo Silvia Sanna, no

“Preâmbulo do Acordo Constitutivo da Organização, o próprio empenho em

promover objetivos como a melhoria dos níveis de vida, a garantia do pleno emprego

e o aumento dos rendimentos reais e da demanda efetiva”. (DAL RI JR.; OLIVEIRA,

2005, p. 430).

Portanto, a todo o momento, o Estado é chamado a contribuir, através das

normas do Direito do Trabalho, para a manutenção do indivíduo no exercício efetivo

de uma atividade laboral. A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos13,

no seu art. 23, n.1, tratou de elencar o direito ao trabalho a toda pessoa, bem como

de “condições justas e favoráveis de trabalho”. A efetivação desse dispositivo se faz

possível mediante um esforço conjunto dos atores responsáveis por implementar as

condições necessárias para tal, como o Estado e a iniciativa privada.

A globalização e o neoliberalismo objetivaram o livre funcionamento do

mercado de trabalho. O neoliberalismo, em especial, intentou a atenuação de

princípios relativos à proteção laboral deixando a cargo da dinâmica do mercado

regular as relações trabalhistas. O que se observa, porém, é que o mercado não

consegue ser sensível a todas as variáveis envolvidas, que não se resumem às

questões puramente econômicas, nem às puramente sociais.

3.5 Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT)

Apesar de existirem alguns conflitos espalhados pelo Mundo, podem-se

caracterizar as relações internacionais contemporâneas pela superioridade da paz

sobre a guerra e uma supremacia da economia sobre a política. Apesar disso, não

se pode deixar de perceber que se não há guerras declaradas, existe uma luta,

mesmo que silenciosa, por mercados.

Após a segunda Guerra Mundial, quando se proibiu o uso da força, os Estados

vêm competindo, usando armas econômicas e comerciais para realizarem os seus

13

“Artigo XXIII. 1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.” (ONU, 2010, on line).

84

objetivos políticos internacionais, tais como a superioridade econômica e o bem

social econômico. Existe, hoje, uma grande interdependência econômica entre os

Estados. (JO, 2000, p. 438).

Até o século XIX, o sistema do comércio exterior funcionava com base nas

legislações nacionais de cada Estado. O funcionamento desse comércio dependia,

basicamente, da cooperação dos principais países poderosos. Esse sistema liberal

entrou em colapso durante as duas guerras mundiais.

A filosofia básica do sistema é a da teoria da vantagem comparativa, desenvolvida por David Ricardo e John Stuart Mill, através da aplicação da teoria de Adam Smith às transações internacionais. Ou seja, a ordem internacional econômica idealizada pelo sistema Bretton-Woods está baseada na crença de que a liberalização do comércio internacional e a divisão internacional do trabalho criam benefícios a todos os países participantes. Conseqüentemente, como meio de aplicação dessa teoria, o sistema Bretton-Woods visou à liberalização do acesso ao mercado, a redução de barreiras ao comércio exterior e a liberalização da transação monetária. (JO, 2000, p. 440)

Após a Segunda Guerra, países como os EUA e o Reino Unido desenharam

uma ordem internacional econômica baseada no sistema internacional de livre

comércio. O sistema, que funciona até hoje, foi baseado no acordo multilateral

estabelecido na Conferência Bretton-Woods, de julho de 1944. Uma vez

celebrado, entrou em vigor em dezembro de 1945, resultando na criação do

Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Internacional para Reconstrução e

Desenvolvimento (BIRD), e, posteriormente, na criação do Acordo Geral de Tarifas e

Comércio (em inglês: General Agreement on Tariffs and Trade, GATT). (JO, 2000,

p.440).

Nesse contexto, concordava-se que a idéia básica da economia internacional

seria a estabilidade das moedas e a liberação do comércio internacional. Ao mesmo

tempo, concluiu-se que, para atingir esses objetivos, seria insuficiente a existência

dos órgãos financeiros e monetários (FMI e BIRD). Via-se a necessidade de criação

de algum sistema na área do comércio internacional.

Assim, após a Conferência de Bretton-Woods e a criação da Organização das

Nações Unidas (ONU), elaborou-se a carta para a Organização Internacional de

Comércio (Em inglês: International Trade Organization - ITO), que complementa a

85

matéria relativa ao comércio de mercadorias, finalmente adotada na Conferência de

Havana, em 1948.

A Carta de Havana, adotada em 1948, foi muito ambiciosa, contendo não

somente a política de comércio exterior, mas também a política econômica em geral.

Ela estipulou vários princípios sobre tarifas, restrições ao comércio, subsídios,

liberalização do comércio internacional e sobre a constituição da Organização

Internacional do Comércio (OIC). Entretanto, a idéia de comércio internacional livre

não refletiu a realidade dos Estados, sendo que somente dois deles ratificaram a

Carta. (JO, 2000, p. 443).

Em abril de 1947, vinte e três Estados começaram uma negociação multilateral

para a redução de tarifas. Como resultado, o GATT foi adotado em outubro, como

parte da Carta de Havana, e, para complementar o período transitório até a entrada

em vigor da Carta, acabou por substituí-la.

The Havana conference began on 21 November 1947, less than a month after GATT was signed. The International Trade Organization Charter (ITO) was finally agreed in Havana in March 1948, but ratification in some national legislatures proved impossible. The most serious opposition was in the US Congress, even though the US government had been one of the driving forces. In 1950, the United States government announced that it would not seek Congressional ratification of the Havana Charter, and the ITO was effectively dead. So, the GATT became the only multilateral instrument governing international trade from 1948 until the WTO was established in 1995.

14 (OMC, wto, 2010, on line).

Desde 1947, o GATT sofreu sete rodadas de negociações multilateriais para

discutir a redução e abolição das barreiras tarifárias e não tarifárias. O GATT foi

baseado nos princípios do multilateralismo, comércio livre e comércio leal. (JO,

2000, p. 444).

O multilateralismo refere-se à participação de todos os Estados no processo da

formação da ordem internacional de comércio, na sua negociação e aplicação. A

base deste multilateralismo é o princípio da nação mais favorecida, quando os

14

A conferência de Havana começou em 21 de novembro de 1947, menos de um mês após a assinatura do GATT. A Carta da Organização Internacional do Comércio (Em inglês: International Trade Organization - ITO) foi finalmente aprovado em Havana em março de 1948, mas a ratificação em alguns parlamentos nacionais mostrou-se impossível. A mais grave oposição ocorreu no Congresso Americano, embora o governo dos Estados Unidos tenha sido uma das forças motrizes. Em 1950, o governo dos Estados Unidos anunciou que não iria obter a ratificação do Congresso da Carta de Havana, e a ITO foi efetivamente esquecida. Assim, o GATT tornou-se o único instrumento multilateral que regeu o comércio internacional a partir de 1948 até a criação da OMC em 1995. (Tradução livre).

86

privilégios e imunidades concedidos a um país deverão ser repassados aos demais.

O art. I do GATT estabelece:

[...] cualquier ventaja, favor, privilegio o inmunidad concedido por una parte contratante a un producto originario de otro país o destinado a él, será concedido inmediata e incondicionalmente a todo producto similar originario de los territorios de todas las demás partes contratantes o a ellos destinado. (OMC, wto, 2010, on line).

15

O comércio livre implica a aplicação da teoria da economia de mercado no

comércio internacional. Assim, os Estados abrem seus mercados internos e

extinguem as medidas de restrições ao comércio, sendo que a tarifa se torna a única

medida legitimada para o controle do comércio internacional. O protecionismo

contraria esse princípio de liberalismo do comércio.

Por fim, o princípio do comércio leal é aquele que garante as oportunidades de

concorrência no limite aceito pelas normas internacionais de comércio. Portanto, se

as práticas dos setores público e privado não são consideradas legais, usam-se de

medidas anti-dumping e compensatórias, bem como o mecanismo de solução de

disputas sob o sistema do GATT, conforme o seu art. VI:

Las partes contratantes reconocen que el dumping, que permite la introducción de los productos de un país en el mercado de otro país a un precio inferior a su valor normal, es condenable cuando causa o amenaza causar un daño importante a una rama de producción existente de una parte contratante o si retrasa de manera importante la creación de una rama de producción nacional. (OMC, wto, 2010, on line)

16

Na prática, a idéia do GATT causou vários problemas durante a sua vigência.

Segundo Heen Moon Jo (2000, p. 443), o problema fundamental foi a falta de uma

organização internacional controladora do GATT, já que não havia mecanismo de

estabelecimento e execução das políticas. Uma vez que não havia um centro

administrativo, os Estados criaram uma série de medidas excepcionais, e por vezes,

contrário ao mesmo. O próprio sistema de resolução de conflitos foi bastante

questionado.

15

Qualquer vantagem, favor, privilégio ou imunidade concedido por uma parte contratante a um produto originário de outro país ou destinado a ele, será concedido imediata e incondicionalmente a todo produto similar originário dos territórios das demais partes contratantes.ou a elas destinados. (Tradução livre). 16

As partes contratantes reconhecem que o dumping, que permite a introdução dos produtos de um país no mercado de outro pais a um preço inferior a seu valor normal é condenável quando causa ou ameaça causar um dano importante a um setor de produção existente de uma parte contratante ou se retarda de maneira relevante a criação de um setor de produção nacional. (Tradução livre).

87

3.6 Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)

O Bretton-Woods foi complementado pela Organização para Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE) (Em inglês: Organization for Economic Co-

operation and Development, OECD), que compreende, agora, trinta e um (31)

Estados industrializados, que, juntos, representam larga parcela do comércio

internacional. Essa organização tem por principal função a coordenação das

políticas econômica e monetária dos países-membros, que têm como princípios

basilares a democracia representativa e a economia de livre mercado. (JO, 2000, p.

441).

A precursora da OCDE foi a Organização Européia de Cooperação Econômica

(OECE), criada em 1947, com a finalidade de administrar a ajuda americana e

canadense sob o Plano Marshall para a reconstrução da Europa, após a Segunda

Guerra Mundial. Sua sede foi estabelecida no Château de La Muette em Paris em

1949, sendo sucedida pela OCDE em 1961.

A OCDE tem como missão ajudar os seus países membros a alcançar um

crescimento econômico e de empregos sustentável e elevar o padrão de vida,

mantendo a estabilidade financeira. Com o objetivo de melhor contribuir para o

desenvolvimento da economia mundial, a OCDE vem progressivamente ampliando o

número de seus membros.

Em maio de 2007, os países da OCDE convidaram Chile, Estônia, Israel,

Rússia e Eslovênia para abrirem debates sobre a adesão à organização. Além disso,

ofereceram a possibilidade de maior engajamento ao Brasil, à China, Índia,

Indonésia e África do Sul. Ressalte-se que o envolvimento reforçado, concedido ao

Brasil, é distinto da adesão à OCDE, trata-se de convite que resguarda em si a

potencialidade de, no futuro, levar a uma adesão. A aprovação dos chamados

"roteiros" marcou o início das negociações de adesão com o Chile, Estônia, Israel,

Rússia e Eslovênia.17 O Chile tornou-se membro da Organização em 07 de Maio de

2010. Em 10 de maio do mesmo ano, a OCDE convidou Estônia, Eslovênia e Israel.

17

Os dados relativos a história e funcionamento estão disponível no sítio da Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD). (OECD, 2010, on line).

88

A OCDE, devido ao seu peso na economia mundial, tornou-se, em termos

práticos, um órgão de planejamento internacional e de coordenação das posições

desses países. Os temas discutidos e coordenados na OCDE, em geral, são

discutidos, posteriormente, nas negociações multilaterais, como a Organização

Mundial do Comércio (OMC).

3.7 Organização Mundial do Comércio (OMC)

A Organização Mundial do Comércio (OMC) foi criada, em janeiro de 1995,

como resultado das negociações da Rodada Uruguai (1986-1993) do GATT

(General Agreement on Tariffs and Trade). A OMC baseia-se em princípios de

comércio internacional desenvolvidos ao longo dos anos e consolidados em acordos

comerciais estabelecidos em oito rodadas de negociações multilaterais no âmbito do

GATT.

Ressalte-se que o GATT teve sua origem no período subseqüente a

Conferência de Bretton Woods em 1948, fazendo parte do projeto de liberalização

econômica do comércio internacional. Tratava-se de um acordo entre partes

contratantes (Estados). A OMC é uma organização que tem personalidade jurídica e

é constituída por membros. A estrutura legal da OMC engloba as regras

estabelecidas pelo GATT, as modificações efetuadas ao longo dos anos e os

resultados das negociações passadas de liberalização do comércio. (OMC, wto,

2010, on line).

Os objetivos primordiais declarados pela OMC são a elevação dos níveis de

vida, o pleno emprego, a expansão da produção e do comércio de bens e serviços, a

proteção do meio ambiente, o uso ótimo dos recursos naturais em níveis

sustentáveis e a necessidade de realizar esforços positivos para assegurar uma

participação mais efetiva dos países em desenvolvimento no comércio internacional.

Entre suas atribuições, encontra-se a de administrar a implantação e operação

de acordos comerciais multilaterais, que moldam o novo sistema de comércio

internacional. Além disso, deve servir de foro para as negociações multilaterais e

administrar todo um sistema de regras e procedimentos relativos à solução de

controvérsias.

89

É, também, atribuição da OMC, administrar o mecanismo de Revisão de

Políticas Comerciais (Trade Policy Review Mechanism), que, através de revisões

periódicas das políticas de comércio exterior dos membros, busca dar transparência

ao sistema multilateral de comércio.

O objetivo definido para a OMC é garantir o cumprimento das normas que

regulam o comércio internacional. Para tanto, procura assegurar que as referidas

normas sejam estáveis, transparentes e eqüitativas. Os países em desenvolvimento

são, em geral, críticos quanto à equanimidade das normas e sua implementação,

embora admitam que a estabilidade e previsibilidade oferecida pela OMC

constituem, até certo ponto, garantia contra decisões unilaterais que lhes seriam

ainda mais adversas.

3.8 Sistema de Solução de Controvérsias da OMC

O Sistema de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio

(OMC) foi criado pelos países membros durante a Rodada Uruguai. É usualmente

referido como uma contribuição única para a estabilidade da economia global.18

No âmbito do GATT, quando havia uma controvérsia, era necessário um

acordo entre as partes. Caso esse acordo não fosse possível, instaurava-se um

painel, que elaborava um relatório a ser aprovado pelas partes que constituíam o

GATT. Todos deveriam concordar. Como a parte perdedora não aceitava a decisão

tomada, o relatório nunca adquiria efetividade, impedindo que as normas

estabelecidas pelo GATT fossem aplicadas.

A vedação à possibilidade de bloqueio do relatório do painel ocorreu com a

inserção da regra do consenso negativo, ou seja, um relatório só poderá ser

rejeitado se houver consenso quanto à rejeição.

18

O Brasil iniciou a sua participação no sistema de solução de controvérsias na OMC em 1995, na posição de reclamante juntamente com a Venezuela contra os EUA no sentido que estes estariam infringindo o artigo I e III do GATT e o artigo II do TBT - Agreement on Technical Barriers to Trade. Atualmente o Brasil já participou de 25 casos como reclamante, 14 como reclamado e ainda 57 como terceira parte, tal como demonstrado pela tabela. As sucessivas vitórias do Brasil em face aos países desenvolvidos, principalmente contra EUA e Comunidades Européias foram-lhe garantindo cada vez mas credibilidade e conferindo um peso cada vez maior às suas opiniões. Os casos mais importantes são o caso do Brasil vs. Canadá (Embraer) ,o Brasil vs.EUA (Algodão), e o Brasil vs. UE (Açúcar) sendo que este último é o que obriga o final dos subsídios agrícolas, configurando como a mais importante vitória dos países em vias de desenvolvimento sobre os países desenvolvidos. Abaixo, tabela resumo com os casos onde o Brasil participou, seu tema e ainda o estado do julgamento pela OMC. (WTO, 2010, on line).

90

El procedimiento de solución de diferencias es la piedra angular del sistema multilateral de comercio y una contribución excepcional de la OMC a la estabilidad de la economía mundial. Sin un medio de solución de diferencias el sistema basado en normas sería menos eficaz, puesto que no podrían hacerse cumplir las normas. El procedimiento de la OMC hace hincapié en el imperio de la ley y da mayor seguridad y previsibilidad al sistema de comercio. Se basa en normas claramente definidas y se establecen plazos para ultimar el procedimiento. Las primeras resoluciones las adopta un grupo especial y las respalda (o rechaza) la totalidad de los Miembros de la OMC. Es posible apelar basándose en cuestiones de derecho.

19 (OMC, wto,

2010, on line).

O Entendimento sobre Solução de Controvérsias - ESC (Em inglês: Dispute

Settlement Understanding - DSU), constante do Anexo 2 do Tratado de Marrakesh,

introduziu um modelo mais claro e organizado de solução de controvérsias que o

procedimento adotado pelo antigo GATT. O objetivo central do sistema de solução

de controvérsias da OMC é o de prover segurança e previsibilidade ao sistema

multilateral de comércio. A eficácia do mecanismo previsto no ESC se baseia em

três características: abrangência, automaticidade e exequibilidade.

Abrangência: todos os acordos da OMC estão cobertos pelo mecanismo.

Automaticidade: deriva da regra do consenso negativo, válida para diversos

procedimentos (como o estabelecimento dos Painéis, as decisões dos Órgãos de

Apelação etc.) e garante que o mecanismo somente pode ser interrompido por

acordo mútuo das partes em litígio.

Exeqüibilidade: uma adaptação do termo em inglês enforcement, e que

significa dizer que, verificando-se o descumprimento de decisão do Órgão de

Solução de Controvérsias, embasada em relatório do Painel ou do Corpo de

Apelação, o membro demandante poderá solicitar autorização para retaliar.

As controvérsias surgem quando um país adota uma medida de política

comercial ou faz algo que um ou mais membros da OMC considerem que viole os

acordos da própria organização. Somente estão aptos a participar do sistema de

19

O procedimento de solução de controvérsias é a pedra angular do sistema multilateral do comércio e uma contribuição excepcional da OMC para a estabilidade da economia mundial. Sem um meio de solução de controvérsias o sistema baseado em normas seria menos eficaz, posto que não poderiam fazer-se cumprir-se as normas. O procedimento da OMC firma-se no império da lei e da maior segurança e previsibilidade do sistema de comércio. Baseia-se em normas claramente definidas e são estabelecidos prazos para finalizar o procedimento. As primeiras resoluções são adotadas por um grupo especial, que são respaldadas (ou afastadas) pela a totalidade dos Membros da OMC. É possível apelar baseando-se em questões de direito. (Tradução livre).

91

disputas os países membros da OMC, seja como parte, seja como terceiro

interessado.

Assim, não é possível a participação de agentes não-governamentais nas

disputas. O sistema adotado pelo ESC não visa estimular a litigiosidade, as soluções

mutuamente consentidas pelas partes são preferíveis, desde que não contrariem

nenhum acordo firmado entre os membros da OMC.

Nesse sentido, existem outras formas de solução de controvérsias que não

necessitem de recursos para o Painel e para o Corpo de Apelação. São os bons

serviços (Em inglês: good offices, Art. 5º, ESC), a conciliação e a mediação, que

podem ser requeridas a qualquer tempo do processo por alguma parte. O ESC

também prevê a possibilidade de arbitragem como forma alternativa de solução de

controvérsias (Art 5º, ESC).

A operação de solução de controvérsias da OMC é complexa e envolve as

partes, os terceiros (art. 10, ESC), o Painel do Órgão de Solução de Controvérsias

(Em inglês: Dispute Settlement Body), o Corpo de Apelação (Em inglês: Appellate

Body) e o Secretariado da OMC, além de especialistas independentes.

O Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) deriva diretamente do Conselho

Geral, sendo composto por todos os representantes da OMC. É o órgão responsável

por todo o processo de solução de controvérsia, é ele que detém a autoridade para

estabelecer Painéis, adotar relatórios do Painel e do Corpo de Apelação e autorizar

a suspensão de obrigações de acordos já celebrados.

A regra geral para a tomada de decisão é por consenso. Quando o Órgão de

Solução de Controvérsias estabelece Painéis, aprova relatórios de algum Painel ou

Corpo de Apelação, ou autoriza retaliações, estas decisões só deixam de prevalecer

nos casos em que exista um consenso negativo sobre ela. Isso significa que se um

membro deseja bloquear alguma decisão deste órgão deverá persuadir todos os

outros membros da OMC, incluindo a parte adversária e vitoriosa do caso.

O procedimento de solução de controvérsias na OMC é basicamente dividido

em quatro fases: consultas, painéis, apelação e implementação. A consulta é a

primeira medida que a parte demandante deverá tomar para a solução de uma

92

controvérsia no âmbito da OMC. É imprescindível comunicar a outra parte sobre a

possibilidade de uma disputa. Nesta fase, há uma discussão restrita, caso não

cheguem a um acordo, é possível à parte demandante pleitear o estabelecimento de

um Painel ao Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) (Em inglês: Dispute

Settlement Body - DSB) para solucionar a controvérsia.

O Painel funciona de forma semelhante a um tribunal. A parte demandante

caso deseje estabelecer um Painel deve o requerer por escrito. Apenas o consenso

de todos os membros do OSC pode impedir o estabelecimento do Painel. É

normalmente composto por três, excepcionalmente por cinco, especialistas

selecionados para o caso. Não existe um painel permanente na OMC. Em cada caso

as partes devem indicar, de comum acordo, com base em nomes sugeridos pelo

Secretariado, os seus componentes. (Art. 6º, ESC).

As deliberações do Painel são confidenciais (Art. 14, ESC). Uma vez

estabelecido o Painel, ele tem, após definida sua composição, o prazo de seis

meses para apresentar o relatório final. Incialmente, ele deve se reunir com as

partes para fixar os prazos que serão adotados. Antes do relatório final, deve ser

entregue às partes um relatório preliminar, depois da apreciação do requerimento do

painel e de sua contestação. Este relatório só se transforma em relatório final após

ser revisto pelo Painel, traduzido para os três idiomas oficiais da OMC e adotado

pelo Órgão de Solução de Controvérsias – OSC, quando, finalmente, o público tem

acesso ao seu teor.

O corpo de apelação deve ser estabelecido pelo Órgão de Solução de

Controvérsias (OSC), e tem a função de ouvir apelações das decisões dos painéis

(Art. 17, ESC). Este corpo é composto por sete membros, dos quais três são

escolhidos para analisar o caso individual. A escolha dos membros é feita em um

sistema de rotação estabelecido nos procedimentos do corpo de apelação. Os

membros do Corpo de Apelação são indicados pelo OSC (DSB) e têm um mandato

de quatro anos, sendo possível cada membro ser renomeado apenas uma vez.

O órgão de apelação não é disponível para terceiros interessados, somente

aqueles envolvidos na disputa podem apelar sobre a decisão do painel. Aqueles

terceiros que tenham notificado o OSC do seu substancial interesse podem enviar

93

submissões por escrito, podendo adquirir o direito de serem ouvidas pelo Corpo de

Apelação.

Em geral, o processo de apelação não deve levar mais de 60 dias da data em

que é feita a notificação pela parte apelante ao Corpo de Apelação. Caso o Corpo

veja que não será possível a tomada de decisão nesse prazo, este deve enviar ao

OSC seus motivos, por escrito, pelo atraso e o tempo estimado que seja necessário.

Em caso nenhum o Corpo pode levar mais de 90 dias.

A apelação deve sempre ser restrita a questões de direito trazida pelo painel

em seus documentos e de suas possíveis interpretações desenvolvidas, sendo

sempre providenciado ao Corpo de Apelação todo o suporte administrativo e legal

que for requerido .

A decisão do Corpo de Apelação deve ser aceita pelo OSC e

incondicionalmente pelas partes da disputa, a não ser que o OSC decida por

consenso em não aceitar a decisão proferida pelo Corpo, em um prazo de 30 dias, a

partir da data de circulação entre as partes da decisão proferida.

Após a decisão, aquele país que realizou a conduta incorreta deve

imediatamente modificá-la e, caso continue a quebrar o acordo, deve oferecer uma

compensação ou sofrer uma penalidade. Mesmo depois de terminado o caso, existe

algo mais a ser feito além das sanções comerciais impostas. A prioridade nesse

estágio é a modificação na conduta daquele que perdeu a disputa, para que este se

adeqúe às regras e recomendações do órgão.

O OSC afirma que tal ato é essencial para garantir a efetiva resolução da

disputa e o benefício de todos. No caso do país, que é alvo das reclamações,

perder, ele deve seguir as recomendações do painel e do corpo de apelação. Para

isso, ele deve demonstrar suas intenções para o OSC em 30 dias da data da adoção

dos relatórios.

Se a obediência das determinações se provar impraticável, será concedido um

"tempo razoável" para tal e, caso isso falhe, o país perdedor deverá entrar em

negociação com o vencedor para a determinação conjunta de uma forma de

compensação. Se após 20 dias nenhuma medida satisfatória for tomada, o vencedor

94

pode pedir ao OSC pela permissão para impor sanções comerciais contra a outra

parte. O OSC é obrigado a responder a tal pedido em 30 dias após a expiração do

período de "tempo razoável" concedido, a não ser que haja um consenso contra tal

ato.

Em princípio, as sanções devem ser impostas ao mesmo setor da disputa, mas

caso isso não seja prático ou eficiente, as sanções podem ser impostas em setores

diferentes do mesmo acordo. Caso isso também não seja prático e as circunstâncias

sejam sérias o suficiente, as ações podem ser tomadas sobre um acordo diferente.

O objetivo do OSC é minimizar as chances das ações serem tomadas sobre setores

que não sejam relacionados com a disputa e, ao mesmo tempo, permitir que a ação

seja realmente efetiva.

3.9 Organização Internacional do Trabalho

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada pelo Tratado de Paz

de 1919, também denominado (Tratado de Versailles), como parte da Sociedade

das Nações (art. 6º), da qual recebia a receita destinada ao custeio das atividades

empreendidas. Nessa época, o seu regime jurídico era impreciso. Assim, instituída

após a Primeira Guerra Mundial, tem como escopo promover padrões internacionais

de condições de trabalho e justiça social.

Com a aprovação da Carta das Nações Unidas (São Francisco – 1945), da

qual resultou a criação da ONU e a revisão da Constituição da OIT (Montreal-1946),

ficou definitivamente afirmada a personalidade jurídica própria da OIT, como

personalidade jurídica de direito público internacional. (SÜSSEKIND, 2000, p. 119-

120).

Na verdade, instituída como uma associação de Estados, à qual aderiram os

novos Estados-membros, a OIT acarreta certas restrições e obrigações à atividade

estatal no campo de sua competência. Mas a responsabilidade dos Estados-

membros não implica negação ao princípio de soberania, que é fundamental ao

Direito Internacional Público, porquanto essas restrições e obrigações são,

estritamente, as advindas explicitamente da Constituição, à qual aderem, voluntária

e soberanamente, os Estados-membros, ao pedirem sua admissão na Organização,

com a aprovação e ratificação do seu estatuto básico. (SÜSSEKIND, 2000, p. 121)

95

A OIT é pessoa jurídica independente, correspondendo a uma associação de

Estados de caráter federativo. Possui uma composição tripartida, o que impede sua

inclusão em qualquer categoria jurídica conhecida antes de sua criação. Entretanto,

não se pode considerar a OIT como um ente superestatal, suas disposições

constitucionais respeitam a soberania dos Estados e a competência das autoridades

legislativas nacionais.

Os Estados possuem a faculdade de ratificar as convenções adotadas pela

Conferência e de transformar em lei as disposições contidas em recomendações. Os

governos estão obrigados a encaminhar as convenções e recomendações no prazo

fixado à autoridade competente nacional. Entretanto, trata-se de obrigação de

natureza formal, por isto que não importa na responsabilidade de incorporar as

correspondentes normas ao direito interno. Essa obrigação, bem como a de prestar

informações e a de submeter-se ao controle relativo à aplicação dos diplomas

ratificados, resulta, expressamente, do ato voluntário e soberano de ingressar na

OIT. (SÜSSEKIND, 2000, p. 122).

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é composta por governos,

representantes dos trabalhadores e representantes dos empregadores dos Estados

membros. Destina-se à perseguição da justiça social através da sucessiva melhoria

das condições de trabalho. Sua função é tanto normativa quanto de colaboração

técnica.

A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, reunida em

Filadélfia em sua vigésima sexta sessão, em 10 de maio de 1994, adotou como

objetivos da Organização Internacional do Trabalho e como princípios que devem

inspirar a política dos seus Membros:

- o trabalho não é uma mercadoria;

- a liberdade de expressão e de associação é essencial para o progresso constante de todos;

- a pobreza, onde quer que exista, constitui um perigo para a prosperidade de todos;

- a luta contra a necessidade deve prosseguir incessantemente dentro de cada nação, e mediante um esforço internacional, contínuo e articulado, no qual os representes dos trabalhadores e dos empregadores colaborem em pé de igualdade com os representantes dos governos, participando de

96

discussões livres, e de decisões de caráter democrático, a fim de promover o bem-estar comum. (OIT, oitbrasil, 2010, on line).

A Organização Internacional do Trabalho representa o fim de uma época onde

o direito internacional, salvo raras exceções, estava restrito a regular as relações

entre Estados. A partir dela, o Direito Internacional alarga o seu escopo de atuação.

Não se visa, apenas, garantir arranjos e concessões internacionais. O campo de

atuação do Direito Internacional transcende os interesses exclusivos dos Estados

contratantes.

As obrigações internacionais oriundas da Organização Internacional do

Trabalho visam proteger os direitos do ser humano e não as prerrogativas dos

Estados. Estes institutos rompem com o conceito tradicional que concebia o Direito

Internacional apenas como a lei da comunidade internacional dos Estados e que

sustentavam ser o Estado o único sujeito de Direito Internacional.

Além disso, rompe-se com o conceito de soberania nacional absoluta, na

medida em que admitem intervenções no plano nacional em prol dos direitos

humanos. Aos poucos, emerge a idéia de que o indivíduo é não apenas objeto, mas

também sujeito de direito internacional. A partir desta perspectiva, começa a se

consolidar a capacidade internacional dos indivíduos. (CEREIJIDO, 2010, on line).

A Organização Internacional do Trabalho, no preâmbulo de sua Constituição,

considera que a paz, para ser universal e duradoura, deve assentar sobre a justiça

social. Não há dúvida que justiça social e a paz estão intimamente ligadas ao fim

das situações, onde indivíduos passem miséria e privações. É fato que o

descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia universais.

Assim, já em seu preâmbulo, estabelece o foco de suas preocupações, as

condições do trabalho, especialmente: à regulamentação das horas de trabalho, à

fixação de uma duração máxima do dia e da semana de trabalho, ao recrutamento

da mão-de-obra, à luta contra o desemprego, à garantia de um salário que assegure

condições de existência convenientes, à proteção dos trabalhadores contra as

moléstias graves ou profissionais e os acidentes do trabalho, à proteção das

crianças, dos adolescentes e das mulheres, às pensões de velhice e de invalidez, à

defesa dos interesses dos trabalhadores empregados no estrangeiro, à afirmação do

princípio "para igual trabalho, mesmo salário", à afirmação do princípio de liberdade

97

sindical, à organização do ensino profissional e técnico, e a outras medidas

análogas.

O art. 2º da Constituição da OIT estabelece como seus órgãos permanentes: a)

uma Conferência geral constituída pelos Representantes dos Estados-Membros; b)

um Conselho de Administração; c) uma Repartição Internacional do Trabalho sob a

direção de um Conselho de Administração.

A Conferência é a assembléia geral de todos os Estados-membros da OIT.

Como órgão supremo da Organização, traça as diretrizes gerais da política social a

ser observada; elabora, por meio de convenções e recomendações, a

regulamentação internacional do trabalho e das questões que lhe são conexas;

adota resoluções sobre problemas que concernem, direta ou indiretamente, às suas

finalidades e competência; decide os pedidos de admissão na entidade, oriundos de

países que não pertencem à ONU; aprova o orçamento da organização; resolve as

questões atinentes à inobservância das normas constitucionais e das convenções

ratificadas, por parte dos Estados-membros etc. A atividade normativa se

instrumentaliza em convenções e recomendações, cuja aprovação exige dois terços

de votos dos delegados presentes (art.19, § 2º, da Const.). Já as resoluções são

aprovadas por maioria simples, desde que o total de votos não seja inferior à metade

do número de delegados presentes à respectiva reunião. (art. 17, § 3º, Const.).

A Conferência Geral é constituída pelos representantes dos Estados Membros.

É composta pelas delegações, que incluem quatro representantes de cada Estado

Membro. Dois delegados governamentais designados pelos respectivos governos,

um pelos empregadores e um pelos trabalhadores, todos com direito a voto

individual. Cada um dos quatro delegados pode ser acompanhado por consultores

técnicos, em número máximo de dois por matéria discutida na ordem do dia pela

sessão, sem direito a voto. Quando a Conferência trata de questões referentes às

mulheres, pelo menos um dos consultores técnicos deve ser do sexo feminino. (Art.

3º).

O Conselho de Administração (CA) é o órgão executivo colegiado, de

composição tripartite, que administra, em nível superior, a OIT. Compete-lhe adotar

98

decisões sobre a política da Organização. O seu funcionamento está previsto no

artigo 7º da Constituição da OIT.

Possui 56 integrantes, sendo 28 representantes governamentais, 14 de

empregados e 14 de empregadores, reunindo-se três vezes por ano, em Genebra.

Dos vinte e oito representantes dos Governos, dez serão nomeados pelos Estados-

Membros de maior importância industrial, e dezoito serão nomeados pelos Estados-

Membros designados para esse fim pelos delegados governamentais da

Conferência, excluídos os delegados dos dez Membros acima mencionados. Os

demais são eleitos pela Conferência para mandatos de três anos.

A Repartição Internacional do Trabalho (RIT) a qual é uma espécie de

Secretaria técnico-administrativa, com seu funcionamento previsto nos artigos 8º e

11º da Constituição da OIT, e um Diretor Geral indicado pelo Conselho de

Administração.

São considerados Estados Membros da entidade todos os Estados que já

pertenciam à Organização a 1º de novembro de 1945, qualquer Estado Membro das

Nações Unidas, que comunique ao Diretor Geral da RIT a aceitação formal das

obrigações que emanam da Constituição e qualquer Estado que, embora não

pertencente à ONU, comunique ao Diretor Geral da RIT sua formal aceitação das

obrigações resultantes da Constituição e tenha sua admissão aprovada por dois

terços dos delegados presentes à Conferência e, bem assim, dois terços dos votos

dos respectivos delegados governamentais.

3.10 Ação Normativa da OIT: Convenções e Recomendações

Compete à Conferência Internacional do Trabalho, como assembléia geral da

OIT, elaborar e aprovar as normas que constituem a regulamentação internacional

do trabalho, da seguridade social e das questões que lhes são conexas, com a

finalidade de fomentar a universalização da justiça social. Essa atividade normativa,

que se instrumentaliza por meio de convenções e recomendações, é a principal

razão de ser da Organização.

As convenções, uma vez ratificadas, constituem fontes formais de direito,

gerando direitos subjetivos individuais nos países onde vigoram o monismo jurídico,

99

desde que não se trate de diploma meramente promocional ou norma que necessita

de leis nacionais ou outras medidas para que se tornem aplicáveis.

Já as recomendações e convenções não ratificadas constituem fontes

materiais de direito, servindo de inspiração e modelo para a atividade legislativa

nacional, os atos administrativos de natureza regulamentar, os instrumentos da

negociação coletiva e os laudos da arbitragem voluntária ou compulsória dos

conflitos coletivos de interesses. As recomendações se destinam a sugerir normas

que podem ser adotadas por qualquer das fontes diretas ou autônomas do Direito do

Trabalho, embora visem basicamente ao legislador de cada um dos países

vinculados a OIT. (SÜSSEKIND, 2000, p. 181-182).

Preceitua a Constituição da OIT que a Conferência deve adotar a

recomendação quando o tema, ou um dos seus aspectos, não seja considerado

conveniente ou apropriado para ser, no momento, objeto de uma convenção. (art.

19, §1º).

As convenções da OIT são tratados multilaterais abertos, de caráter normativo.

São multilaterais, por ter um número irrestrito de partes, abertos, porque podem ser

ratificados sem limitação de prazo, por qualquer dos Estados-membros da OIT,

ainda que este Estado não integrasse a Organização quando da provação do

tratado. O caráter normativo advém do seu destino que é a incorporação ao direito

interno dos países que manifestaram sua adesão ao respectivo tratado.

As expressões convenção e tratado são sinônimas, mas a tendência do direito

moderno é reservar a primeira para os tratados multilaterais abertos adotados em

conferências realizadas no âmbito de organismo internacionais ou regionais de

direito público. Tendo em vista a natureza de suas normas, as convenções podem

ser classificadas, segundo Arnaldo Süssekind (2000, p. 184) em:

auto-aplicáveis: quando suas disposições não requerem regulamentação

complementar para serem aplicadas pelos Estados que a ratificam;

de princípios: dependem para sua aplicação de adoção de lei ou outros atos

regulamentares pelos países que as ratificaram, ressalvada à hipótese de

preexistência de normas internas compatíveis;

100

promocionais: fixam determinados objetivos e estabelecem programas para a

sua consecução, os quais devem ser atendidos pelos Estados que as ratificam

mediante providências sucessivas, a médio e longo prazo.

A vigência nacional ou subjetiva pressupõe que a convenção esteja em vigor

no âmbito internacional. Em regra, as convenções da OIT estabelecem que a sua

vigência se inicie doze meses após o registro de suas ratificações, com duração

indeterminada. Em alguns casos, como ocorre com as convenções marítimas, a

vigência fica subordinada a condições especiais. Contudo, as condições adjetivas,

inclusive as que tratam da vigência do texto, vigoram imediatamente.

A eficácia interna de uma convenção ratificada decorre de ato governamental

que anuncia oficialmente a ratificação da convenção e divulga o seu texto no idioma

do respectivo país. Esse procedimento deve verificar-se no curso de um prazo de

doze meses, que medeia entre a ratificação e aquela vigência. No Brasil, é praticado

mediante decreto do presidente da república. A eficácia jurídica da convenção no

território brasileiro depende da promulgação do seu texto em português no Diário

Oficial da União.

Ao ingressar na OIT e aderir à sua Constituição, o Estado contrai a obrigação

formal de submeter toda convenção, no prazo de doze meses de sua adoção,

prorrogável por mais seis, à autoridade nacional competente. (art. 19, §5º, a da

Constituição da OIT). Também as recomendações devem ser submetidas em igual

prazo à autoridade nacional competente.

A submissão não se confunde com a ratificação. O Estado é soberano para

aderir à convenção da OIT, ratificando-a, no entanto, está obrigado a cumprir a

formalidade de submetê-la ao órgão nacional competente a fim de que este decida

soberanamente sobre sua aprovação.

No Brasil, por força do art. 49, inciso I, da CF, a autoridade competente a que

se refere à constituição da OIT é o Congresso Nacional. A este órgão compete

resolver definitivamente sobre a aprovação ou não das convenções em caráter

definitivo. A Constituição Brasileira de 1988 adotou a teoria monista em virtude da

qual o tratado ratificado complementa, altera ou revoga o direito interno.

101

Importante ressaltar que a ratificação de uma convenção da OIT não importa

na revogação ou alteração de “qualquer lei ou sentença, costume ou acordo que

garanta aos trabalhadores condições mais favoráveis”. Prevalece desta forma, no

Direito do Trabalho, o princípio da condição mais benéfica em favor do trabalhador.

A Declaração dos Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho é uma

declaração de princípios e de direito de defesa para a proteção dos direitos

humanos fundamentais do cidadão trabalhador, em uma concepção de direitos

socais. Por esta razão, é composta apenas por concepções principiológicas, sem ter

um caráter programático, na medida em que se exige a imediata observância do

conteúdo de suas normas.

Já no artigo 1º, a Declaração ressalta a todos os Estados que a sua

incorporação livre à OIT traz em seu bojo a aceitação dos princípios e direitos

enunciados em sua Constituição e na Declaração de Filadélfia, com o

comprometimento de “esforçar-se por alcançar os objetivos gerais da Organização

na medida de suas possibilidades e atendendo a condições específicas” (artigo 1º,

a) Há uma internacionalização dos direitos humanos fundamentais que vem

expressa no artigo 2º da Declaração, quando se diz expressamente:

“Declara que todos os membros, ainda que não tenham ratificado as convenções aludidas, têm um compromisso derivado do fato de pertencer à Organização de respeitar, promover e tornar realidade, de boa-fé e de conformidade com a Constituição, os princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto destas convenções, isto é:

- liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação;

- eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório;

-a abolição efetiva do trabalho infantil; e

- a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.”

O teor do artigo 2º demonstra, claramente, a intenção de proteger os direitos

humanos fundamentais dos trabalhadores de forma imediata quando divide em

quatro blocos de princípios fundamentais, com duas convenções cada uma, isto é,

com direitos expressos em convenções, quais sejam: a) liberdade sindical e o

reconhecimento efetivo do direito de negociação (convenções 87 e 98); b)

eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório (convenções 29 e

105; c) a abolição efetiva do trabalho infantil (convenções 138 e 182); e d)

102

eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação (convenções 100 e

111). Os artigos 3º, 4º e 5º da Declaração contêm a concepção do estado de

solidariedade.

Estes princípios foram alçados ao status de patrimônio da humanidade. O

conteúdo das convenções internacionais relativas aos temas da Declaração dos

Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho não é sequer passível de revisão,

enquanto existir a Organização Internacional do Trabalho. A OIT criou um sistema

interno de controle de aplicação de suas normas pelos Estados-membros. Esse

sistema está previsto na Constituição da OIT, nos artigos 22 a 25, que são,

respectivamente, as memórias, reclamação e queixa.

Os Estados-Membros comprometem-se a apresentar à Repartição

Internacional do Trabalho um relatório anual sobre as medidas por eles tomadas

para execução das convenções a que aderiram. Esses relatórios serão redigidos na

forma indicada pelo Conselho de Administração e deverão conter as informações

pedidas por este Conselho. (art. 22)

As reclamações podem ser dirigidas à Repartição Internacional do Trabalho,

por uma organização profissional de empregados ou de empregadores. É prevista

nos casos onde um dos Estados-Membros não tenha assegurado satisfatoriamente

a execução de uma convenção, a que tenha aderido. O Conselho de Administração

transmitirá a reclamação ao Governo em questão e este poderá ser convidado a

fazer, sobre a matéria, a declaração que julgar conveniente. (art. 24)

Caso nenhuma declaração seja enviada pelo Governo em questão, num prazo

razoável, ou se a declaração recebida não parecer satisfatória ao Conselho de

Administração, este último terá o direito de tornar pública a referida reclamação e,

segundo o caso, a resposta dada. (art. 25)

Além da reclamação, cada Estado-Membro poderá enviar uma queixa à

Repartição Internacional do Trabalho contra outro Estado-Membro que, em sua

opinião, não houver assegurado satisfatoriamente a execução de uma convenção

que um e outro tiverem ratificado. (art. 26)

4 A EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAS NUM MUNDO GLOBALIZADO

Muitas são as variáveis que se há de verificar na busca da efetividade das

normas de direitos fundamentais sociais na esfera de relações multilaterais que

envolvem os Estados. Não só a economia ou a dinâmica dos mercados, mas,

também, fatores internos e específicos influenciam tal busca.

Temas envolvendo Direito e economia se mesclam. A capacidade do capital de

alterar o funcionamento dos mercados esparge conseqüências sobre a esfera

jurídica e impõe instrumentos que podem contribuir decisivamente para a efetividade

dos direitos fundamentais do trabalho elencados na Constituição da República

Federativa do Brasil.

4.1 Comércio Internacional

As relações de comércio internacional, ao longo dos anos, vêm se

desenvolvendo com muita intensidade. Com suas raízes históricas em tempos

remotos, as relações entre os considerados Estados e as cidades-Estados estavam

representadas por meio de intervenções normativas que impunham a cobrança de

taxas, em postos fronteiriços, sobre bens, mercadorias e serviços. Assim, as

cidades-Estados gregas começaram a estabelecer diferenciações ao firmar acordos

com mercadores estrangeiros no intuito de expandir suas relações comerciais para

além de suas fronteiras internas.

O Estado Romano, neste aspecto, torna sua atividade econômica muito mais

intensa. Utilizando-se do desenvolvimento marítimo e de sua regulação interna

sobre a vida econômica do Império, busca um refinamento dos instrumentos que

baseiam suas relações de comércio internacional, o que viria a propiciar a conhecida

expansão do comércio romano, também chamada de “globalização romana” (GAVA,

2008, p. 40).

104

Com tal organização econômica, o estabelecimento da “Pax Romana” favorece

a expansão das trocas, e a navegação pelo Mediterrâneo se mostra segura e

próspera. Roma desponta como o mercado receptor de produtos e mercadorias de

todas as demais províncias, o que intensifica as transações comerciais e favorece “a

criação de poderosas companhias mercantis e sociedades por ações”. (HUGON,

1995, p. 41).

Após a queda de Roma, no período da Alta Idade Média, surge a necessidade

de reorganização social. O sistema de comércio internacional sofre um refreamento,

e só volta a animar-se com o movimento das Cruzadas, nos séculos XI e XII. Com o

refortalecimento das cidades e de uma vida econômica de trocas, ambos motivados

por um esforço conjunto da Igreja e da Realeza em prol da ordem social e da

organização política.

A Idade Média torna-se um importante momento em que se reconhece a plena

dignidade do trabalho humano, seja ele manual ou intelectual. Tal reconhecimento

acontece após um período de descrédito durante a Antiguidade e permite o

desenvolvimento de uma noção do que seria um justo preço ao salário. Paul Hugon

(1995, p. 52), assim leciona em sua obra:

A fixação dos salários fazia-se, nessa época, no quadro das corporações. Na maioria das vezes era retribuição máxima que constituía objeto das regulamentações oficiais e não a fixação de um mínimo, conforme se dá atualmente. Parece, entretanto, que, sobretudo no século XIII, a taxa dos salários era satisfatória.

A Igreja, com sua doutrina eclesial econômica, manifesta o que entende por

justo salário como o montante capaz de permitir ao trabalhador viver com sua família

de acordo com o padrão tradicional ao qual está acostumado e de acordo com os

costumes locais a que adere.

Posteriormente, no período compreendido entre 1450 a 1750, a Europa vive o

movimento chamado “Mercantilismo”, no qual, as idéias e práticas econômicas

florescem sob uma transformação das ordens intelectual, política e geográfica, que

dá início aos tempos modernos. (HUGON, 1995, p. 59).

Mais tarde, em um panorama tingido pelas transformações intelectuais (advindas dos espíritos renascentistas e reformador, com o pensamento a laicizar-se e o sistema a capitalizar-se), geográficas (resultantes das grandes descobertas marítimas) e políticas (surgidas com o Estado

105

moderno, assinalado pela centralização monárquica no lugar dos pequenos núcleos feudais), geraram-se os pressupostos para a formação do sistema econômico vindouro – o „mercantilismo‟ – e das suas bases jurídicas, a findar como o modelo medieval de conceber as relações econômicas entre os Estados e permitindo a expansão e transição do mercado de regional para nacional. (GAVA, 2008, p. 42).

Com o Mercantilismo, o comércio internacional ganha alguma ênfase, mas não

consegue se imiscuir das primeiras contestações e do apontamento de suas

incongruências. Idéias, como a liberalização do comércio, começam a ser ventiladas

sob a justificativa de que há de haver um necessário equilíbrio entre os mercados e

o poder dos soberanos, com vistas à paz entre as nações.

Esta capacidade de corrosão do poder absoluto do soberano através do comércio internacional vem diretamente explanada na obra do Barão de Montesquieu. Com os seus escritos, o filósofo e nobre francês ofereceu uma significativa contribuição para a consolidação do Ésprit du Commerce como regulador social. Segundo o autor, tal ésprit era um dos poucos elementos aptos a corrigir e a moderar os instintos do ser humano. Na obra L´´Esprit dês Lois, em particular, o filósofo francês demonstrou legitimar a expansão do mercado como instituição política, considerando-o elemento propício a limitar o poder absoluto do soberano. Neste sentido, deve ser salientado, porém, que mesmo sendo um grande incentivador do comércio, Montesquieu tinha já constatado que a ambição dos homens poderia levar a abusos. (DAL RI, 2005, p. 79).

Esboçando uma reação ao mercantilismo, que havia supervalorizado o papel

do metal como o capital propulsor da economia, Adam Smith traz a reflexão acerca

de como esse capital vai atuar na divisão do trabalho. Segundo esse autor:

Assim como a acumulação prévia de capital é necessária para se efetuar esse grande aprimoramento de forças produtivas do trabalho, da mesma forma ela conduz naturalmente a esse aprimoramento. A pessoa que emprega seu capital para manter mão-de-obra necessariamente deseja empregá-lo de maneira a produzir a maior quantidade de trabalho possível. Por isso, ela procura distribuir o trabalho entre seus operários da melhor forma possível, e procura fornecer-lhes as melhores máquinas que ela mesma puder inventar ou comprar. Normalmente, suas habilidades e capacidades, sob esses dois aspectos, são proporcionais à quantidade de seu capital, ou seja, ao número de pessoas que tiver condições de empregar. Por conseguinte, a quantidade de atividades não somente aumenta em cada país na medida em que aumenta o capital que lhe dá emprego, mas também, em conseqüência desse aumento, a mesma quantidade de atividade produz uma quantidade muito maior de trabalho. (SMITH, 1996, p. 286).

Com Adam Smith, a doutrina liberal é exposta de forma prudente e moderada,

e sua concepção vem a influenciar o período que se segue. Sob o entendimento de

que a intervenção estatal não estimula o progresso econômico, pois impede que os

106

particulares atuem livremente na economia de mercado, ela seria condenável frente

à estimulação da livre concorrência econômica.

Porém, a liberdade que deveria reger a economia não poderia ser absoluta e

ilimitada, uma vez que ao Estado compete proteger o bem comum da sociedade.

Essa sua função se manifestaria tanto através de políticas públicas

desenvolvimentistas, quanto através de normas de restrição de atividades e, por

isso, intervencionista.

A doutrina de Adam Smith institucionaliza o liberalismo europeu. A pertinência

teórico-prática de sua doutrina influenciou a abolição das barreiras comerciais que

estavam restringindo a competição e que se mostravam responsáveis pelo

deslocamento da produção para áreas em que as condições naturais não se

mostravam tão satisfatórias, prejudicando, dessa forma, o desenvolvimento do bem-

estar geral. (GAVA, 2008, p. 47).

Adam Smith (1996) entendia que a busca do bem-estar seria mais facilmente

atingida através do estímulo ao interesse individual e à concorrência, pois os

indivíduos devem ser livres. O Estado não precisaria atuar, uma vez que a “mão

invisível” orientaria o caminho a ser seguido pela economia. A livre concorrência

seria a responsável por regular, harmonicamente, o bem-estar geral.

O mercado seria o regulador das ações econômicas, trazendo benefícios para a coletividade. Adam Smith postulava que os governos são ineficazes e têm a tendência de favorecer alguns em detrimento da maioria da sociedade. A interferência do Estado no mercado provoca distorções e amplia desigualdades. Sem sua interferência nos assuntos econômicos, a ordem natural pode ser alcançada através do uso da razão. Seus argumentos baseavam-se na livre iniciativa e no laissez-faire. (SILVA; CARVALHO, 2007, p.12).

Segundo o citado autor, nas questões relativas ao trabalho e aos salários, as

condições de patrões e empregados eram totalmente adversas. Enquanto os

primeiros podiam se associar livremente e se manterem protegidos pela legislação

da época, aos segundos, tal associação era proibida. Também quanto às condições

econômicas de um e de outro grupo, as diferenças sempre se mostram gritantes.

Os empregadores, em regra, por disponibilizarem do fator capital com maior

abundância, conseguiriam sobreviver por mais tempo sem a força de trabalho do

empregado. Agora, o inverso, não se apresenta na mesma proporção. Os

107

empregados, por disponibilizarem apenas do que o salário pode lhes ofertar, não

teriam uma subsistência tão prolongada.

Assim, aponta-se para as vantagens dos detentores do capital. E, pela visão de

Adam Smith (1996), o salário deve flutuar, ao nível de mercado, no montante

suficiente para que o empregado consiga subsistir. Os ajustes, que se mostram

normais nesse nível de análise, serão ditados pelo mercado, pelo compasso

automático entre a oferta e a demanda.

O mercado, atuando livremente, dever ir ao encontro do equilíbrio entre a oferta

e a demanda, ajustando os salários. Ao Estado, não caberia intervir. Analisando a

doutrina de David Ricardo20, a mão-de-obra é tida como um artigo de comércio, que

tanto pode ser comprada e vendida como pode possuir um preço de mercado e um

preço natural.

O operário fica de certo modo comprimido entre a alta de preços decorrentes da necessidade de explorar terras cada vez menos férteis, de um lado, e, de outro, a baixa dos salários, em conseqüência de o aumento do número de trabalhadores ser mais rápido do que a procura de mão-de-obra. “No desenvolvimento natural das sociedades – escreve Ricardo – os salários, enquanto forem regulados pela lei da oferta e da procura, tendem a baixar, pois o número dos trabalhadores continuará a crescer um pouco mais rapidamente do que a procura da mão-de-obra.” (HUGON, 1995, p. 125).

Foi com David Ricardo (HUGON, 1995) que o modelo liberal de comércio,

assente nas idéias de consolidação da teoria do valor smithiana, se desenvolveu.

Tal teoria é regida pelo princípio de que o valor de troca dos bens depende de

quantidade relativa de trabalho, necessária para sua produção. Assim, entre o final

do século XIX e os primeiros vinte anos do século XX, observou-se um período com

forte liberalização no mercado internacional.

20

O total da venda dos produtos agrícolas se divide em três partes. Uma é destinada aos proprietários territoriais: é a renda. A outra remunera o trabalho: é o salário. A terceira para os capitalistas: é o juro, a que Ricardo chama de lucro (confundindo, assim, o juro, remuneração do capitalista, com o lucro propriamente dito, ou seja, a remuneração do empreendedor). [...] Ricardo conclui, pois, afirmando apresentar o lucro uma tendência para a baixa. Reduzindo-se o lucro do capital, a poupança, descoroçoada pela diminuição da taxa de juros, decresce. E, como a poupança atua no sentido de concorrer para a expansão da indústria, esta sofrerá as conseqüências desastrosas da redução dos lucros e, portanto, da elevação da renda. Eis o essencial de Ricardo. Vê-se que sua teoria – em face do problema do antagonismo existente entre a agricultura e a indústria, com o qual se defronta a opinião pública de seu tempo – ia em auxílio da tese industrialista, com prejuízo daquela defendida pelos proprietários territoriais. E, com base nessa teoria, propugna Ricardo a adoção de uma política econômica tendente, nesse campo, à supressão das taxas sobre a importação de cereais. (HUGON, 1995, p. 125).

108

John Stuart Mill (HUGON, 1995, p. 139) teve um destacado papel na história

das doutrinas econômicas, pois, além de se basear nas doutrinas clássicas,

introduziu a reflexão acerca da justiça social, promovendo uma transição da escola

liberal clássica ao socialismo.

Enquanto construíram, os clássicos ingleses, uma ciência econômica sem levar em conta o problema social e suas conseqüências, Stuart Mill deixa-se dominar por essa preocupação. Incorpora à Economia Política clássica o interesse pela “justiça social”; revolta-se ante as conseqüências a que fatalmente conduzem as leis dos economistas ingleses ao serem transportados do plano teórico, sereno e indiferente, onde se entricheiraram os seus antecessores, para o campo social, humano e apaixonado, onde não quiseram tomar conhecimento da sua existência. (HUGON, 1995, p. 139).

Um aumento na produção, no volume de comércio internacional e o

crescimento da acumulação de capital haviam sido gerados pelo desenvolvimento

industrial. Era evidente que a economia capitalista, ora em expansão, não se

preocupava com a distribuição da renda. Para John Stuart Mill (HUGON, 1995, p.

139), pensando na justiça social, fazia-se necessário implantar políticas públicas que

promovessem o bem-estar geral dos trabalhadores.

Sob esse viés, John Stuart Mill destaca o fato de que a demanda de mão-de-

obra e o nível de salários serão influenciados pelo desempenho econômico. Se um

produto for de intensiva demanda em determinada mão-de-obra, esta irá elevar a

sua remuneração pelo trabalho despendido. Essa dinâmica é a responsável por

ajustar as forças do mercado capitalista. (SILVA; CARVALHO, 2007, p.16).

John Stuart Mill acaba por afastar-se do liberalismo econômico por acreditar

que determinadas leis naturais, que regem a produção, são inalteráveis, mas que o

mesmo não acontece com a repartição das riquezas. Esta pode ser regida por leis

elaboradas por membros do parlamento, ou seja, são digressões da vontade

humana tida como boas para o bem-estar geral. (SILVA; CARVALHO, 2007).

Stuart Mill foi, todavia, mais que um continuador da tradição clássica liberal. Em dado momento dela se afasta energeticamente, aproximando-se de modo muito nítido das correntes de pensamento socialista e intervencionista. (HUGON, 1995, p. 139).

Assim, sua doutrina econômica busca reflexões acerca dos baixos salários e os

motivos pelo qual eles acontecem. Esses motivos não estão determinados apenas

pela oferta e procura, mas por uma série de fatores que influenciam a economia.

109

John Stuart Mill foi um dos economistas que se posicionou de forma contrária à

fixação de um salário mínimo por via legal. Entendia que tal prática não teria o

condão de atacar o problema dos baixos salários. Poderia, a contrário senso, inibir o

desenvolvimento econômico e a acumulação de capital, fatores estes que poderiam

provocar uma pressão ainda maior sobre os salários. (SILVA; CARVALHO, 2007, p.

16).

Tal como John Stuart Mill, Karl Marx debruça-se sobre as conseqüências

sociais do desenvolvimento capitalista e da industrialização. Esse pensamento

socialista é vigorado em meio à Revolução Industrial, período no qual os salários e

as condições de vida estavam precarizados. Nesse contexto histórico, a sociedade

desperta, e começam a aparecer com mais clareza os abismos que separam as

classes sociais. (SIILVA; CARVALHO, 2007, p. 17).

Os socialistas se insurgem contra a liberalização dos mercados e apontam a

desarmonia social que o individualismo liberal apregoa. Karl Marx (1996, p. 16)

acredita no trabalho humano produtivo como origem da riqueza da sociedade. Por

isso, debruça-se sobre a estrutura e funcionamento da economia capitalista e suas

leis de movimento. Entendeu que o capitalismo explorava a classe trabalhadora e

que, por esse motivo, se autodestruiria.

Segundo Paul Hugon (1995, p. 216), para Karl Marx, o excedente econômico,

chamado por ele de “mais-valia”, surge do fato do trabalhador receber o equivalente

a apenas uma parte da riqueza que gerou ao capitalista. Essa disparidade seria a

origem dos lucros, dos juros e dos aluguéis nesse sistema.

De qualquer modo, o que era uma „economia de livre mercado‟ em uma época em que a economia era cada vez mais dominada por imensas corporações que tornavam balela o termo „perfeita competição‟, e economistas críticos de Karl Marx podiam observar como ele se mostrara correto, especialmente em sua previsão da crescente concentração de capital? Não era preciso ser marxista, nem mostrar interesse por Marx, para ver como era diferente da economia de livre competição do século XIX o capitalismo entre guerras. (HOBSBAWM, 2002, p. 107).

Assim, refuta-se a tese de que o nível salarial não deve ser determinado pela

oferta e procura, mas sim pelo padrão de vida tradicional. Esse padrão varia de país

para país e, até mesmo, dentro do próprio país, o que determina as diferenças

salariais e motiva a relevância das condições sociais para definição desses salários.

110

Porém, os trabalhadores só possuem força de trabalho e encontram-se

obrigados a aceitar as condições determinadas pelos donos do capital, que detêm

os meios de produção. A propriedade privada dos meios de produção seria a

dinamizadora do sistema de exploração de uma classe sobre a outra.

Em 1891, o movimento católico social, através das suas encíclicas, lança a

“Rerum Novarum”21 no momento em que os problemas sociais e econômicos são

motivados por abusos provocados pelo sistema econômico liberal. Tal sistema

premia os interesses individuais e visa ao lucro.

No final do século XIX a participação da Igreja Católica na solução do problema social tomou sentido mais direto com a Encíclica „Rerum Novarum‟, de 15 de maio de 1891, da autoria do Papa Leão XIII, que se refere ao trabalho, „que deve ser considerado, na teoria e na prática, não mercadoria, mas um modo de expressão direta da pessoa humana. para a grande maioria dos homens, o trabalho é a única fonte dos meios de subsistência. Por isso, a sua remuneração não pode deixar-se à mercê do jogo automático das leis do mercado; pelo contrário, deve ser estabelecida segundo as normas da justiça e da equidade, que, me caso contrário, ficariam profundamente lesadas, ainda mesmo que o contato de trabalho fosse livremente ajustado por ambas as partes‟. (SÜSSEKIND; et al, 1999, p. 98).

A Igreja marca, assim, a sua posição doutrinária de cunho socialista

posteriormente a Karl Marx. Essa posição é marcada pelo discurso que privilegia a

justiça e pela crítica ao liberalismo no campo social. Porém, essa crítica da Igreja se

dirige, também, ao socialismo, no tocante ao estímulo deste à luta de classes e no

intuito de proteger certas instituições como a propriedade privada, sempre com a

justificativa de premiar a dignidade do homem.

Um sentimento de união fraterna deveria ser estimulado pela sociedade com o

retorno nas crenças religiosas e um afastamento da luta de classes. A oposição

católica ao socialismo se caracteriza pela manutenção da propriedade privada sob a

acusação de que o socialismo quer promover a igualdade nas privações e na

miséria.

21

Essa preocupação de justiça, aliada à de fraternidade e de paz social, leva a Igreja a criticar também o socialismo, quer por sua oposição a certas instituições intimamente ligadas à iniciativa e à dignidade do homem – tal como a da propriedade privada – quer por sua posição favorável à luta de classes. Nesse sentido, é exato considerar a Encíclica “Rerum Novarum” como a resposta cristã ao Manifesto Comunista e a “O Capital”. A Encíclica “Rerum Novarum”, de Leão XIII, contém, com suas críticas, o essencial das preocupações e diretrizes da Igreja para uma melhor organização e uma nova reconstrução econômica-social. (HUGON, 1995, p. 291).

111

A intervenção do Estado é estimulada para conter a liberdade excessiva

concedida naturalmente, desde que esta ponha em risco a justiça social. Para a

Igreja, o Estado representa a providência dos trabalhadores e deve zelar para que o

trabalhador receba um justo salário, que estaria representado pelo valor suficiente

para lhe garantir, bem como a sua família, uma subsistência digna.

Através dessa Encíclica, Leão XIII22 fundamenta, moralmente, a intervenção

estatal nas relações de trabalho e reforça a idéia de que o problema social não seria

resolvido pela concepção individualista liberal. Em 1º de maio de 1991, o então Papa

João Paulo II divulga a Encíclica “Centesimus Annus” em comemoração ao

centenário da “Rerum Novarum”.

Na crise do marxismo – afirma o novo documento papal – „ressurgem as formas espontâneas da consciência operária que exprimem um pedido de justiça e o reconhecimento da dignidade do trabalho, segundo a Doutrina da Igreja‟. Mas, ao referir os acontecimentos da Europa do Leste, lembra o Santo Padre que não foi apenas o regime comunista que fracassou, pois caíram „progressivamente, na década de 80, certos regimes ditatoriais e opressivos em alguns países da América Latina e também da África e da Ásia. Como assinalou D. Eugênio Salles, a ineficiência do sistema econômico e a violação dos direitos humanos à propriedade e à liberdade provocaram o desmoronamento desses regimes‟. („O Globo‟ de 11.5.91). (SÜSSEKIND; et al, 1999, p. 106).

No final do século XIX, o cenário econômico se mostra com uma intensa

concentração de capitais, de renda e de êxodo rural. A concorrência mostra-se

atenuada e a atividade econômica menos competitiva. Aparecem os movimentos

operários e os sindicatos como reação à exploração capitalista. O Estado intervém

significativamente na economia, movido pela crise econômica após a queda da

bolsa de valores de 1929.

22

Leão XIII, (Gioacchino Pecci,) nasceu em Carpineto, em Itália, a 2 de Março de 1810 e faleceu a 20 de Julho de 1903 tendo sido Papa de 20 de Fevereiro de 1878 até à data da sua morte, em 1903. Em 1832 obteve o doutoramento em teologia, após o qual pediu e obteve a admissão na Academia dos Nobres Eclesiásticos e iniciou os estudos de direito civil e canônico na Universidade de "Sapienza". Foi ordenado sacerdote a 31 de Dezembro de 1837. Em 20 de Fevereiro de 1878 foi eleito para sucessor do Papa Pio IX.É freqüente falar-se do Papa Leão XIII pelas suas doutrinas sociais e econômicas, nas quais ele argumentava sobre as falhas do capitalismo e do comunismo. Ficou famoso como o "papa das encíclicas sociais" sendo especialmente conhecida a encíclica Rerum Novarum, de 15 de Maio de 1891, sobre os direitos e deveres do capital e do trabalho, em que introduziu a idéia da subsidiariedade no pensamento social católico. Esta encíclica marcou o início da sistematização do pensamento social católico, chamado vulgarmente de Doutrina social da Igreja Católica e foi um contributo para o despertar de uma esquerda católica que se revia no movimento do socialismo cristão. Este documento influenciou fortemente a criação do Corporativismo e da Democracia cristã. (GUARDA, 2010, on line).

112

Os neoclássicos elaboram princípios doutrinários fundamentais da Ciência

Econômica, mas continuam afirmando a crença na auto-regulação do mercado, que

buscaria o equilíbrio diante da atuação das próprias forças internas. Intervir nesta

auto-regulação importaria em custos estatais e não necessariamente atingiria o

bem-estar geral.

Os pensadores desta escola propugnam idéias em reação aos movimentos

socialistas. Desloca-se a análise econômica que passa a determinar a alocação de

recursos escassos entre usos alternativos no intuito de buscar a maximização da

satisfação dos consumidores e dos produtores que impulsionará a economia.

(SILVA; CARVALHO, 2007, p. 19).

Assim, como maneira de serem aperfeiçoadas as lacunas deixadas pelos clássicos, exsurge a teoria neoclássica do comércio internacional, cujo principal modelo remete aos economistas ELI HECKSCHER e BERTIL OHLIN – „Teoria Heckscher-Ohlin‟ (TH-O) – e no qual se demonstra que as vantagens comparativas são influenciadas pela interação entre os recursos da nação (a abundância relativa dos fatores de produção) e a tecnologia de produção (a intensidade no uso de diferentes fatores na produção de diferentes bens), a afirmar que todos os fatores de produção podem ter efeito na diferença de custos entre os países, e não apenas o fator trabalho como admitido pelos clássicos. (GAVA, 2008, p. 55).

A causa do comércio internacional estaria ligada ao fato de que cada país

especializar-se-ia na fabricação de um produto para o qual deslocaria seu fator de

produção abundante. Esse aspecto estimularia a livre circulação de produtos e de

fatores de produção, estimulando a livre concorrência. Assim, no mercado global,

ocorreria, naturalmente, a uniformização da renda obtida com o aquecimento do

comércio internacional.

A citada teoria, mesmo com o arcabouço de contribuições prestadas ao

desenvolvimento do comércio internacional, não se mostrou aplicável em seu estado

puro ao cenário prático, apresentado mundialmente.

Assim, com alguns complementos (e contrapontos) à TH-O23

, desponta uma renovada teoria do comércio internacional, cuja figura de proa é PAUL KRUGMAN, e que vem explicar os novos fenômenos característicos do comércio internacional, especialmente relacionados (i) com o fato desse desenvolver-se com maior intensidade entre as nações mais desenvolvidas cujas dotações fatoriais têm poucas diferenças („rendimentos de escalas crescentes‟), ao contrário da essencialidade de diferentes características entre as nações admitida pela TH-O, e (ii) com o dinâmico e significativo avanço do comércio internacional intra-setorial („diferenciação de produtos‟),

23

“Teoria Heckscher-Ohlin”.

113

cuja existência era incompatível com a visão anterior da especialização internacional. (GAVA, 2008, p. 57).

A análise dessas teorias evidencia falhas e distorções, mas é inconteste

afirmar que o comércio internacional e a liberalização da economia são caminhos

viáveis e capazes de aumentar o desenvolvimento econômico geral, principalmente

nos países em desenvolvimento. Porém, esses fatores isolados não têm força para

propiciar o bem-estar geral nas nações.

[...]. À medida que o progresso econômico rápido das economias do Leste e Sudeste Asiático vai sendo mais plenamente analisado, torna-se cada vez mais claro que não foi apenas a abertura das economias – e seu maior apoio no comércio interno e internacional – que levou à rápida transição econômica nessas economias. Os alicerces foram assentados também por mudanças sociais positivas, como reformas agrárias, difusão da educação e alfabetização e melhores serviços de saúde. O que estamos verificando aqui não é tanto as conseqüências sociais de reformas econômicas, mas as conseqüências econômicas de reformas sociais. A economia de mercado floresce sobre os alicerces desse desenvolvimento social. Como a Índia vem percebendo recentemente, a ausência de desenvolvimento social pode impor graves limitações ao alcance do desenvolvimento econômico. (SEN, 2009, p. 295).

Interpretando-se as afirmações de Amartya Sen, pode-se inferir que a

economia gira sobre aspectos dinâmicos, interdependentes, mas que os fatores

sociais têm muita influência no atingimento do desenvolvimento econômico

sustentável. O comércio e a economia internacionais, tecnicamente analisados, não

têm a força de fomentar o bem-estar humano.

4.2 A busca pelo desenvolvimento

O desenvolvimento de uma nação pode ser medido diretamente pelo seu

aspecto econômico. Porém, sabe-se que as transformações sociais, políticas e

culturais, o progresso com a melhoria das condições de vida e o crescimento

econômico formam um arcabouço a influenciar o desenvolvimento de uma nação.

Algumas mudanças na concepção dos aspectos que influenciariam o

desenvolvimento foram apresentadas. Para Joseph Schumpeter,

Entenderemos por „desenvolvimento‟, portanto apenas as mudanças da vida econômica que não lhe forem impostas de fora, mas que surjam de dentro, por sua própria iniciativa. Se concluir que não há tais mudanças emergindo na própria esfera econômica, e que o fenômeno que chamamos de desenvolvimento econômico é na prática baseado no fato de que os dados mudam e que a economia se adapta continuamente a eles, então diríamos que não há nenhum desenvolvimento econômico. Pretenderíamos com isso dizer que o desenvolvimento econômico não é um fenômeno a ser explicado economicamente, mas que a economia, em si mesma sem

114

desenvolvimento, é arrastada pelas mudanças do mundo à sua volta, e que as causas e portanto a explicação do desenvolvimento devem ser procuradas fora do grupo de fatos que são descritos pela teoria econômica. (SCHUMPETER, 1988, p. 47).

Amartya Sen apresenta, na sua obra, uma proposta de “desenvolvimento como

liberdade”, na qual os investimentos devem ser intensos nas bases sociais para que

ocorra uma democracia econômica que possibilite a verdadeira liberdade do cidadão

e o seu desenvolvimento enquanto ser humano.

Os fins e os meios do desenvolvimento requerem análise e exame minuciosos para uma compreensão mais plena do processo de desenvolvimento; é, sem dúvida, inadequado adotar como nosso objetivo básico apenas a maximização da renda ou da riqueza, que é, como observou Aristóteles, „meramente útil e em proveito de alguma outra coisa‟.Pela mesma razão, o crescimento econômico não pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo. O desenvolvimento tem de estar relacionado, sobretudo, com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos. Expandir as liberdades que temos razão para valorizar não só torna nossa vida mais rica e mais desimpedida, mas também permite que sejamos seres sociais mais completos, pondo em prática nossas volições, interagindo com o mundo em que vivemos e influenciando esse mundo. (SEN, 2009, p. 28-29).

Diversas nuances são apresentadas nas teorias modernas em relação ao

desenvolvimento. Certo anotar que a cada país compete adaptar sua estrutura na

busca desse desenvolvimento, pois variados são os aspectos tecnológicos, de

distribuição de bens e serviços, de rendimentos, de prestação de serviço público

implementados internamente.

Essa diversidade é apenas um dos fatores responsáveis pelas

incompatibilidades entre países economicamente ricos e os países em

desenvolvimento. Mesmo que outros fatores influenciem, sabe-se, hoje, que a

globalização veio a agravar essa distância entre eles, seja pelos desafios, seja pelas

oportunidades.

O ambiente e os preceitos globalizantes no mercado de trabalho e de produção

global promovem uma relação entre comércio internacional e padrões sócio-laborais

que, resumidamente, giram sob dois aspectos: um econômico e outro ético.

O econômico, firmado sobre as idéias de concorrência desleal e de dumping

social. A concorrência, que, constantemente, influencia a economia, e que jamais

deixou de ser uma preocupação constante das nações. O dumping social que deve

115

ser combatido, pois que possui um viés de exploração da mão-de-obra do

trabalhador.

[...] na atualidade o mecanismo das cláusulas sociais reveste-se de maiores contestações por consistir em uma tentativa de ser implementada no plano multilateral e com o recurso de sanções econômico-comerciais com meios coercitivos de serem alcançados os pré-determinados “padrões”, a opor, mais uma vez, Primeiro e Terceiro Mundos: do Primeiro, reverberam os brados de dumping social, responsável pelo desemprego e pelo desmoronamento dos padrões sócio-laborais internacionais e, por isso, clamante de cláusulas sociais uniformizadoras e penalizadoras; do Terceiro, ecoa a idéia da configuração de um direito ao desenvolvimento (e a inauguração do caminho ao desenvolvimento lato sensu) a nascer do crescimento econômico assente nas vantagens concorrenciais nacionais – o baixo custo do trabalho, fruto da mão-de-obra abundante como fator de produção e da sua baixa produtividade, a resultar em salários relativamente mais baixos, aos quais, são integrados custos sociais também menores, advindos de um sistema sócio-laboral mais débil como conseqüência do (sub)nível de desenvolvimento nacional [...] – ricos e pobres, desenvolvidos e subdesenvolvidos, todos a sustentar argumentos altruístas com doses de protecionismo ou argumentos comerciais com doses de barbárie. (GAVA, 2008, p. 34-35).

O aspecto ético vem no sentido de se atingir a plena justiça social através de

um rol de direitos fundamentais do trabalho, através da iniciativa de descoisificar o

trabalho humano, de atingir um padrão de trabalho decente.

Diante disso, e de modo a consolidar ainda mais a sua posição de guardiã dos direitos dos trabalhadores, a OIT adotou a „Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho‟ (1998) – maiormente representada pela eleição de oito „convenções fundamentais‟, que conjugam quatro regras elementares (a eliminação da discriminação no trabalho, a abolição do trabalho forçado, a limitação do trabalho infantil e a plenitude dos direitos sindicais) –, a qual marcou uma nova etapa institucional na promoção e respeito pelas normas internacionais trabalhistas fundamentais. (GAVA, 2008, p. 36).

No ano de 1947, em Havana, houve a “Conferência das Nações Unidas sobre

Comércio e Emprego”. Por ocasião desse encontro, objetivava-se a elaboração de

uma carta constitutiva, a chamada “Carta de Havana”, que pretendia firmar questões

internacionais que estabelecessem um justo padrão de condições de emprego e de

trabalho. (GAVA, 2008, p. 36).

A Carta de Havana, porém, nunca entrara em vigor, principalmente pela não

ratificação por parte dos Estados Unidos que alegaram incompatibilidade com suas

normas de política interna. Em virtude do seu fracasso como instrumento de acordo

internacional, surge o GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), em 1948,

como um sistema de comércio multilateral.

116

Com a implementação do GATT, percebe-se uma tentativa de estabelecer uma

aproximação nas formas extremadas de Estados que, por ora mostrava-se Liberal e

em outros momentos estava Intervencionista. Nesse cenário, surge a necessidade

de promoção da liberalização do comércio, o que envolveria a vontade dos Estados

no sentido de eliminar entraves e barreiras e a busca do aumento da eficiência.

Visando a plena liberalização do comércio, o GATT institui a “cláusula da nação

mais favorecida”, também conhecida como “regra da não-discriminação entre as

nações”. Essa cláusula impendeu expectativas positivas na comunidade

internacional, que passou a ver o GATT como um sistema capaz de promover o

comércio internacional.

Com o tempo, porém, esses positivos prognósticos foram sendo desfeitos sob

uma onda de protecionismo nos acordos multilaterais. Evidenciou-se a ausência de

coerência entre os instrumentos jurídicos elaborados no GATT, bem como a erosão

das regras comerciais multilaterais e a falta de regulamentação em importantes

domínios do comércio internacional.

A Rodada do Uruguai (Uruguay Round) foi um marco na institucionalização das

relações multilaterais de comércio, uma vez que promoveu o Acordo responsável

por gerar a Organização Mundial do Comércio (OMC). Nesta, as normas do GATT

são admitidas e complementadas culminando com a criação do Órgão de Solução

de Controvérsias e do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS).

Assim como a extensão do documento sugere, os resultados finais da Rodada Uruguai não são fáceis de resumir. Os resultados mais importantes, entretanto, podem ser reunidos em dois grupos: liberalização comercial e reformas administrativas. (KRUGMAN; OBSTFELD, 2001, p. 246).

Assim, sob esse movimento de liberalização do comércio internacional,

buscou-se uma consolidação do direito econômico internacional.

Concomitantemente, os governos tiveram que fazer alguns ajustes administrativos

internos e passaram a vigiar com mais cuidado suas normas de política comercial

internacional no intuito de colaborar com um corte de tarifas que deveria ocorrer ao

redor do mundo.

O conceito de desenvolvimento vai atingindo, ao longo do tempo, uma idéia

mais ampla, a de “desenvolvimento sustentável”, que englobaria os aspectos social,

117

humano e econômico. Assim sendo, os Estados deveriam conjugar esforços, no

sentido de elevar seus indicadores de desenvolvimento humano e social, no intuito

de reduzir a exclusão social.

Uma das mais complexas questões com as quais terá de se defrontar um modelo alternativo de caráter neodesenvolvimentista, nacional e social, é a modificação do perverso perfil social do Brasil. Estimativas mais recentes elevaram para cerca de 80 milhões, dentre os 170 milhões de habitantes, o número de brasileiros inseridos na área de grande pobreza e da miséria. Resolver esse problema é o maior desafio com que se depara o Brasil. Sem resolvê-lo, ademais dos inaceitáveis aspectos éticos da questão, o país não poderá situar-se, estavelmente, num patamar de satisfatório desenvolvimento. (JAGUARIBE, 2008, p. 516).

Faz-se imprescindível a conjunção de esforços dirigidos no sentido de se

atingir um patamar de desenvolvimento sustentável. Esses esforços devem ser

impendidos pelas nações, pelos governos, pelas instituições, pelas organizações

civis e pelas empresas transnacionais como resultado do sentido de fraternidade

entre os povos.

A partir da década de 1960, fala-se sobre o direito ao desenvolvimento. Tal

direito passou a ser elencado no rol que expressa a terceira geração dos direitos

humanos fundamentais e pressupõe o dever de colaboração de todos os Estados e

do indivíduo como particular, mas numa dimensão coletiva. (CANOTILHO, 1999, p.

362).

O direito ao desenvolvimento aparece numa dupla perspectiva: tanto um direito

do Estado, como um direito do indivíduo. Inegável se mostra o seu caráter de um

fenômeno mundializado, global, a que todas as nações se submetem por

interdependência umas das outras, mas que todas almejam alcançar.

4.3 A crise do Estado Social

Durante a idade média houve uma verdadeira fragmentação do poder político.

A partir do século XV, é iniciada uma crescente centralização deste poder em torno

da figura de um monarca. Tal centralização resultaria no absolutismo, amplamente

justificado a partir da vontade divina ou da idéia de um contrato social. O Estado

absolutista, na prática, confunde-se com a figura do monarca, não representando,

nesse contexto, grave abuso a célebre frase de Luiz XIV, “L´État c´est moi” (o

Estado sou eu). Dessa forma, não há como se falar em regime democrático.

118

Com o absolutismo, o indivíduo comum sente a necessidade de ser protegido

do despotismo estatal. A Revolução Francesa, de uma só vez, afasta os privilégios

desfrutados pela nobreza e pelo clero e consagra a idéia de igualdade formal,

liberdade individual e propriedade privada. Abre-se um novo caminho para a

democracia clássica.

Interessante notar que a consagração da igualdade formal, a garantia da liberdade individual e do direito de propriedade, ao lado da contenção do poder estatal, eram medidas vitais para coroar a ascensão da burguesia ao Olimpo social, em substituição à nobreza. Estas medidas criavam o arcabouço institucional indispensável para o florescimento do regime capitalista, pois asseguravam a segurança e a previsibilidade tão indispensáveis para as relações econômicas. (SARMENTO, 2006. p. 11).

O nascente Liberalismo mostra-se falho ao confiar cegamente nas forças do

mercado como único regulador da atividade econômica. O Estado ausenta-se da

esfera econômica, que segue o seu curso segundo os preceitos ditados pelo

mercado. Limitava-se, assim, ao Estado o modesto papel de protetor da segurança

interna e externa e da propriedade privada dos seus cidadãos. Tudo o mais caberia

à sociedade civil, que reagiria às forças que moviam o mercado.

Por sua vez, a Revolução Industrial, mais do que a experimentada na França, manifestou sem sofismas o verdadeiro desequilíbrio econômico entre o capital e o trabalho. O mal social trazido pelo „vírus‟ do liberalismo foi a indigna exploração humana em decorrência das humilhantes condições de vida impostas aos trabalhadores. (PONTE NETO, 1998, p. 17-18).

A defesa indiscriminada da propriedade privada sem considerar a situação dos

que nada possuíam originou graves e destacadas dissidências. Verificou-se, no

século XIX, o surgimento de diversos ideais políticos, na Europa. Floresciam por

todos os continentes, com diferentes nuances, novas ideologias, como o nazismo, o

fascismo, o comunismo e o socialismo. Em resposta à insuficiência do Liberalismo,

como verdadeira válvula de escape, surge após a Segunda Guerra Mundial, o

Estado do Bem-Estar-Social (Welfare State).

[..] sob a influência das idéias marxistas, eclode a Revolução Russa em 1917, e, cerca de 40 anos depois, um terço da humanidade estava vivendo em regime diretamente derivados do modelo soviético, de apropriação coletiva dos meios de produção. O medo de que processos revolucionários semelhantes pudessem acontecer nos países do capitalismo evoluído, certamente diminuiu as resistências na transição do Estado Liberal para o Welfare State. (SARMENTO, 2006. p. 17).

Assim é que, na virada para o século XX, são consagrados uma nova

constelação de direitos, que demandam uma série de prestações estatais

119

destinadas à garantia de condições mínimas de vida para a população. O Poder

Público, antes caracterizado por seu absenteísmo na esfera econômica, agora se vê

responsável para garantir uma série de direitos, necessitando ser um importante

protagonista na esfera econômica.

Nesse contexto, há uma crescente intervenção do Estado em prol das partes

mais fracas das relações sociais. O Direito do Trabalho desmembra-se do Direito

Civil e funda-se com premissas inteiramente diversas objetivando proteger o lado

hipossuficiente na relação de forças entre capital e trabalho. A idéia utópica de

igualdade, baseada em postulados meramente legais, é afastada pela busca da

igualdade material. O Estado Liberal transforma-se em Estado Social, preocupando-

se, então, não somente com a liberdade, mas com o bem-estar do seu cidadão.

Esse Estado social, ao contrário daquele, tem um teor menor de neutralidade diante da chamada luta de classes ou do confronto do capital com o trabalho, porquanto, em verdade, se apresenta muito mais ativo e participante, muito mais enérgico e inclinado à tutela e proteção dos trabalhadores do que dos senhores e donos do poder econômico. Bem-compreendido e bem-executado, tanto favorece estes quanto aqueles, e se olharmos a uma distância maior pelo prisma do tempo e das conseqüências históricas, lograremos talvez a conclusão de que seu proveito superior é ainda em reforço do capital, à medida que tolhe a depressão, previne a catástrofe e extingue a crise, cortando-lhes os efeitos mais ruinosos depois que rebentam. (BONAVIDES, 2007, p. 360).

Em sua vertente democrática, o Estado Social apresenta-se como uma

composição e conciliação entre as liberdades individuais e políticas e os direitos

sociais. Assim, durante boa parte do século XX, mesmo recebendo veementes

críticas de liberais ortodoxos e marxistas, o Estado Social assumiu, com relativo

sucesso, essa nobre tarefa conciliatória de interesses.

Entretanto, não demorou muito para que o Estado Social sofresse com a sua

carência de recursos para implantar as políticas públicas necessárias. Direitos

prestacionais como, à saúde, à vida e à educação carecem de recursos públicos

para a sua oferta. Diante disso, afirma-se que os direitos sociais estão sujeitos às

possibilidades estatais, existem limites fáticos para a sua garantia.

Parece ser insuficiente que o texto constitucional comprometa-se

utopicamente, pois a realidade fática se mostra distoante. O Estado Social entra em

crise. Faz-se necessária a participação do particular para garantir os novos direitos

que se fundamentam na dignidade da pessoa humana.

120

4.4 O dumping social

Em tempos de um mundo globalizado, a falta de garantia dos direitos sociais

provoca a exclusão das classes menos favorecidas. Se o Estado não se mostra

capaz de efetivar os direitos sociais, algo deve ser feito. Se as regras do mercado

são as mais eficazes, parece ser uma boa solução, numa economia mundializada,

que o mercado, através da sua dinâmica, provoque uma melhor acomodação dos

fatores e valores envolvidos na sua estrutura.

Os debates públicos travados, intensamente, durante os anos 90, sobre dumping social e conseqüente necessidade da adoção de uma cláusula social nos contratos comerciais internacionais, refletem esta realidade. A este propósito, Amaral Júnior apontou, com precisão, que o vínculo entre direitos humanos e comércio internacional residiria numa ligação cada vez mais perceptível entre vantagens competitivas em matéria comercial e a discrepância dos padrões trabalhistas entre os países competidores. (CRIVELLLI, 2010, p. 198).

Num sistema de liberdade de iniciativa, de estímulo ao livre desenvolvimento

da atividade econômica e de franca concorrência, o Estado autolimita-se cedendo

espaço para que a iniciativa privada se movimente segundo suas vontades e

necessidades. Sem uma preocupação prévia dos resultados advindos desse

processo, algumas empresas podem considerar que a prática do dumping seja

lucrativa, como, por exemplo, num ramo em que a empresa seja monopolista.

Nos mercados de concorrência imperfeita, as firmas cobram às vezes um preço por um bem quando o mesmo é exportado e um preço diferente pelo mesmo bem quando ele é vendido domesticamente. Em geral, a prática de cobrar preços diferentes de clientes diferentes é denominada discriminação de preços. A forma mais comum de discriminação de preços no comércio internacional é o dumping, uma prática de formação de preços na qual a firma cobra pelos bens exportados um preço menor do que cobra pelos mesmos bens vendidos domesticamente. O dumping é um tema controverso na política comercial, sendo apontado como uma prática „desonesta‟ e estando sujeito a regras e penalidades especiais. (KRUGMAN; OBSTFELD, 2001, p. 148).

O dumping, classicamente conhecido como uma prática desleal de

concorrência via manipulação de preços, foi motivado principalmente pelo interesse

do monopolista em maximizar o lucro utilizando-se dos mercados interno e de

exportação e também pela tentativa de monopolização do próprio mercado. A

doutrina conceitua o dumping conforme seus fundamentos, que podem ser de ordem

econômica, jurídica e política. (GAVA, 2008, p. 121).

121

No campo econômico, os argumentos justificadores do dumping baseiam-se

numa necessária proteção da indústria interna, que sofre com as conseqüências de

uma economia de mercado cada vez mais competitiva, desenvolvida e dinâmica. Há

casos em que se mostra inegável o prejuízo causado por esta prática comercial, o

que pode ensejar uma „ação antidumping‟.

Na esfera jurídica, houve uma normatização sobre o tema disposta no Artigo VI

do GATT, que condena o dumping pelo aspecto do dano que este pode causar, mas

não o proíbe. Assim, o aspecto a ser observado para busca de medidas antidumping

seria a nocividade das práticas desse tipo de comércio.

Outrossim, a OMC ressalva que a mera exportação de produtos a mais baixos que aqueles praticados no mercado interno do país exportador não justifica a aplicação de direitos antidumping; para isso, é imprescindível a prova do prejuízo ou de uma ameaça de prejuízo para autorizar a aplicação desses direitos, além da comprovação do nexo causal entre o alegado dumping e o prejuízo, pois será a constatação do dano que irá determinar todo o processo que decidirá sobre a aplicação ou não de um direito antidumping. (GAVA, 2008, p. 127).

Politicamente, as práticas de dumping são avaliadas sobre o prisma da

proteção de mercados. Nesse ponto, algumas variáveis são de importância para a

configuração ou não de dumping como o fato de possuir vantagens comparativas

sobre a mão-de-obra, sobre a matéria-prima, sobre a inovação tecnológica ou sobre

o parque industrial.

Tais aspectos enfatizam particularidades nacionais. Portanto, as variáveis que

compõem a configuração do dumping dependem, de certo modo, do nível de

desenvolvimento verificado internamente. As empresas para se mostrarem

competitivas no mercado internacional passam a buscar, intensivamente, a redução

de custos.

No tocante a esses fatores, as vantagens comparativas englobam uma redução

no custo da mão-de-obra e nos padrões sócio-laborais, pois que o mercado se

apresenta intensivo na oferta de candidatos a um posto de trabalho. Com o objetivo

de manter-se competitivo, no mercado internacional, empresas nacionais,

principalmente em países em desenvolvimento, são acusadas de dumping social.

A questão do dumping social divide países desenvolvidos e os países em vias de desenvolvimento. Os primeiros defendem a inclusão da chamada cláusulas sociais no sistema multilateral de comércio enquanto outros a ela

122

se opõem. A razão do dissenso é de fácil apreensão: o dumping social atribui vantagem comparativa e relativa aos países em desenvolvimento sobre os países desenvolvidos no campo das trocas internacionais, já que nos primeiros o custo da produção é inferior aos observados nos outros. Os salários e os chamados encargos sociais constituem componentes dos preços dos produtos e, sendo eles mais baixos nos países em desenvolvimento do que nos países desenvolvidos, colocam os primeiros em vantagem sobre os últimos. A prática do dumping social representa, portanto, forma de concorrência desleal, além de redundar freqüentemente em violação dos direitos fundamentais dos trabalhadores. (ROMITA, 2005, p. 204-205)

Porém, a utilização da mão-de-obra está condicionada por vários fatores que

espelham as vicissitudes de cada país. O progresso econômico, o desenvolvimento

social, o aprimoramento da sua legislação são aspectos que se constroem ao longo

do tempo, como resultado de uma série de fatores internos e externos.

A caracterização do dumping social, segundo entendimento dominante e a

nível interno, tem sido expressa em algumas decisões judiciais. As reincidentes e

inescusáveis agressões aos direitos trabalhistas é que têm sido objeto dessas

decisões. Na verificação dessas agressões e na presença da caracterização de um

dano à sociedade, há a constatação de ato ilícito e, por isso, sancionável. Conforme

decisão prolatada na 2ª Vara do Trabalho de Goiânia relativa ao pedido de vínculo

jurídico entre o autor e uma Cooperativa de prestação de serviços multidisciplinares

do Estado de Goiás, ressalta o juiz Ranúlio Mendes Moreira que:

Diante do exposto e da contumácia das rés em desprezar os Direitos Humanos, Trabalhistas e Comerciais de livre concorrência, outro caminho não cabe a não ser condená-las pelo dano social que infligiram à comunidade, forte nos artigos 1º, III e IV e 170, da CF/88, 421, § 1º e 1.228, § 1º do Código Civil e dos artigos 8º e 9ºda CLT, o que faço de ofício. O valor da indenização a título de responsabilidade social – dumping social - será fixado tendo em vista os seguintes parâmetros já adotados pela doutrina e jurisprudência pátrias: extensão do dano; culpa do agente; potencial econômico do ofensor; observação do caráter pedagógico da sanção (punição com intuito de evitar-se a reincidência na prática lesiva e surgimento de novos casos, para que ocorra a adequação do ofensor ao comportamento estabelecido no ordenamento jurídico pátrio); uso da eqüidade; indenização com o objetivo de servir de compensação ao dano social causado, levando-se em consideração o caso em tela e a gravidade do dano e a repercussão pessoal e social (grifo nosso). - RT-01035-2005-002-18-00-3 – 2ª. Vara do Trabalho. (GOIÂNIA, 2010, on line).

Visando oferecer no mercado internacional produtos com preço competitivo,

empresas buscam reduzir seus custos de qualquer forma. O fato não se resume

apenas ao aspecto da concorrência desleal, na qual os efeitos são refletidos

diretamente nas relações da empresa. Nas infrações à ordem econômica, os efeitos

123

repercutem socialmente, seja através das alterações do mercado e da sua

complexidade, seja na situação dos empregados e, assim, de toda coletividade.

No mesmo sentido da decisão acima, a juíza substituta, também da 2ª Vara do

Trabalho de Goiânia, condenou uma empresa de prestação de serviços em telefonia

por dumping social, fundamentando sua decisão em dano moral coletivo, uma vez

que ocorre uma afronta ao Estado Social. Veja-se o dispositivo da decisão:

A negociação coletiva, por ACTs, como está evidenciado, serviu e ainda serve para que a venda do bem que negociou com a empresa VIVO S/A, ou seja, a comercialização de trabalho humano, seja efetivado com valores inferiores aos que se aplicam normalmente no mercado. Com o mesmo objetivo, por certo, é a constante infração a outras normas legais, como exigência de trabalho extraordinário sem remuneração; não concessão de intervalo mínimo de 01 hora para a jornada superior a seis horas, dentre outras que foram julgadas nesta sentença. Essa prática tem sido considerada como dumping social, o que não poderá ser chancelado pelo Poder Judiciário. Verificada tal prática, é necessário sua inibição, o que ora se faz com aplicação de penalidade à reclamada, por dano social, a ser revertida ao FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, em valor arbitrado de R$50.000,00. - RT-00304.2009.002.18.00-8 – (GOIÂNIA, 2010, on line).

No final de 2007, ocorreu a 1ª Jornada de Direito Material e Processual na

Justiça do Trabalho, ocasião em que foram elaborados os Enunciados do encontro e

o tema do dumping social foi contemplado no item 4. Observa-se, portanto, a

importância que o tema tem recebido no âmbito da jurisprudência interna da Justiça

do Trabalho. A seguir, transcreve-se tal item.

4. „DUMPING SOCIAL‟. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido „dumping social‟, motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, „d‟, e 832, § 1º, da CLT. (ANAMATRA, 2010, on line).

A condenação por dumping social não está expressamente prevista na

legislação trabalhista brasileira, mas é recomendada pela Associação Nacional dos

Magistrados da Justiça do Trabalho, desde 2007, ano em que foram lançados os

Enunciados relativos à 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do

Trabalho. Trata-se de uma prática prejudicial e condenável, pois além de propiciar o

124

desenvolvimento desleal do comércio, agride a dignidade da pessoa humana,

submetendo os trabalhadores a condições de trabalho degradantes afrontando os

preceitos do Estado Social.

Nesse contexto, o desemprego e o subemprego proliferam. Segundo Arnaldo

Süssekind (2000, p. 301-302), a preocupação de reduzir os custos da produção e

dos serviços, não apenas pela utilização de nova tecnologia, mas também com a

redução das despesas com pessoal, gerou alarmante desemprego, redução dos

salários reais, maior exploração do trabalho infantil e supressão de programas

empresariais de prevenção dos infortúnios do trabalho.

O descumprimento da legislação trabalhista, avaliado num espectro maior,

representa um descomprometimento histórico com toda a sociedade, pois que os

direitos trabalhistas são emanados da filosofia humanista que fundamenta o Direito.

O juiz titular da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí, em São Paulo, Dr. Jorge Luiz Souto

Maior, em artigo disposto no site da Anamatra, assim se posiciona sobre o tema:

Já passou há muito o tempo do Judiciário trabalhista tomar pulso da situação e reverter este quadro que não tem similar no mundo. Antes, ainda que indevidamente, alheio a uma análise jurídica mais profunda, até se poderia dizer que a culpa não era dos juízes, mas diante de uma legislação frágil, que não fornecia instrumentos para correção da realidade. Hoje, no entanto, essa alegação alienada não se justifica sob nenhum aspecto. O próprio Código Civil, com respaldo constitucional, apresenta-se como instrumento de uma necessária atitude contrária aos atos que negligenciam, deliberadamente, o direito social e, portanto, aplicando-se normas e preceitos extraídos da teoria geral do direito, sequer a atuação dos juízes neste sentido poderá ser reprimida retoricamente com o argumento de que se trata da aplicação de um direito retrógrado originário da „mente fascista de Vargas‟. (SOUTO MAIOR, 2010, on line).

Constata-se, nessas decisões arroladas, bem como no posicionamento acima,

indícios da ocorrência do dumping social praticado pelas empresas brasileiras.

Portanto, não há como negar que na economia doméstica interna essas práticas são

adotadas no intuito de preparar a empresa para a concorrência internacional.

Pelo visto, as empresas nacionais que se submetessem a uma investigação

internacional poderiam ter problemas com a OMC, uma vez que já, internamente,

algumas delas sofreram condenações relativas prática de dumping social. A Vale do

Rio Doce, no ano de 2009, período no qual registrou um lucro significativo,

manifestou uma reivindicação favorável à flexibilização das normas trabalhistas sob

a justificativa da crise econômica que estava se anunciando pelo mundo.

125

Eis que, subitamente, em muito menos tempo do que se esperava, constata-se no Brasil, ao contrário do que se tem verificado nos países que sofreram os efeitos das guerras mundiais, que a razão preconizada no artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, não está sendo utilizada. A partir da declaração do presidente da Vale do Rio Doce, que reivindicou, em dezembro último, sem qualquer fundamento preciso, uma flexibilização das leis trabalhistas do país, como forma de combater os efeitos da crise financeira, deflagrou-se um movimento, claramente organizado, sem apego a reais situações de crise, no qual várias grandes empresas começaram a anunciar dispensas coletivas de trabalhadores, para fins de criar um clima de pânico e, em seguida, pressionar sindicatos a cederem quanto à diminuição de direitos trabalhistas, visando alcançar a eternamente pretendida redução de custo do trabalho, e buscar junto ao governo a concessão de benefícios fiscais. Esta é uma postura totalmente injustificada que, ademais, gera uma corrida insana e sem rumo em diversos outros segmentos produtivos. Mesmo sem sentir efeito algum da crise, em razão do clima criado passa-se a vivenciá-la e a retrair atividades. (SOUTO MAIOR, Conjur, on line, 2009)

No corrente ano, a mesma empresa, Vale do Rio Doce, depois de registrar um

lucro expressivo, foi condenada a pagar R$100 (cem) milhões por arbitramento de

dano moral coletivo e mais R$200 (duzentos) milhões ao Fundo de Amparo ao

Trabalhador (FAT) pela prática do dumping social. A primeira página e a parte

conclusiva (págs. 195 a 198) da referida sentença seguem anexadas ao presente

estudo. Na parte dispositiva, a sentença traz o seguinte:

[...] 8) CONDENAR A VALE S. A. EM INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO, DO VALOR DE R$100 MILHÕES, REVERSÍVEL À PRÓPRIA COMUNIDADE LESADA, EM TODOS OS MUNICÍPIOS DA PROVÍNCIA MINERAL DE CARAJÁS, POR VIA DE PROJETOS DERIVADOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS, DE DEFESA E PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DO TRABALHADOR; 9) CONDENAR A VALE S. A. EM INDENIZAÇÃO POR DUMPING SOCIAL, NO VALOR DE R$200 MILHÕES,REVERSÍVEL AO FAT – FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR (LEI Nº7.998/90); [...]. (PARAUAPEBAS-PA, 1ª VT, 2010, on line).

Salienta-se que o referido processo foi impetrado pelo Ministério Público do

Trabalho do Pará e deveu-se às atividades da empresa na província da mineração

de Carajás. A empresa Vale do Rio Doce poderá recorrer da decisão. Observa-se

que a decisão mencionou a Lei 8.884/94, que prevê infrações à ordem econômica

(dumping) e o enunciado nº. 4 da Anamatra, de 2007, que trata especificamente do

dumping social. Porém não restou expressa na sentença a comprovação do efetivo

prejuízo a algum concorrente específico. O juiz prolator da sentença menciona os

prejuízos por “dano a outros empregadores, ao mercado de trabalho, assim

considerado como bem público e meio vinculador da dinâmica econômica que

126

proporciona o sustento e o progresso sociais. Tais empregadores se quer podem ser

identificados.” (PARAUAPEBAS-PA, 1ª VT, 2010, on line).

A noção de dumping social não se coaduna com o movimento internacional do

“comércio justo” (“fair trade”). No mercado internacional a prática do dumping social

sempre fora, e continua sendo combatida e há o entendimento de que existe uma

obrigação ética e moral que não permite que produtos produzidos com condições

desumanas de trabalho sejam livremente comercializados.

No contexto apresentado, conquistas trabalhistas históricas sucumbem diante

da escassez de oferta de postos de trabalho. Há um quadro crescente de

desemprego, capaz de provocar o desespero e a adesão a qualquer oportunidade

de trabalho, a qualquer preço e sob quaisquer condições. O mercado se aproveita

dessas condições e mergulha intensamente na livre concorrência, que, nem sempre,

se mostra leal.

Portanto, os efeitos da globalização, da mundialização do capital e do

neoliberalismo em relação ao Direito do Trabalho, devem ser interpretados com a

devida atenção. O papel do Estado na condução e gerenciamento da economia,

também impõe seus reflexos. Não se observam movimentos para a construção de

uma sociedade justa e solidária, mas de uma sociedade competitiva, que viu ampliar

substancialmente o número de excluídos do sistema numa crescente proliferação de

práticas como o dumping social.

4.5 O Direito e o comércio internacional

O movimento de internacionalização das relações econômicas provocou um

reestudo dos institutos que protegem os trabalhadores. Como se pode verificar, os

mecanismos utilizados, até então, mostram-se frágeis, insuficientes, para contrapor

às investidas de um comércio internacional sem fronteiras e sem bandeiras.

Numa dinâmica de relações econômicas globalizadas, os Estados perderam a

capacidade de dirigirem, unilateralmente, os rumos de sua economia. No mundo

globalizado agem, concorrentemente, diversos outros atores detentores de um poder

que ignoram as fronteiras e comandam as atividades econômicas mundiais. A

127

soberania estatal se encontra obrigada a, por vezes, subordinar-se a um poder

paralelo, que acaba por fragilizar suas prerrogativas.

Mesmo como o desenvolvimento das técnicas de comércio internacional e com a necessidade de sua regulamentação, existia uma quase total insensibilidade por parte dos juristas a respeito de uma possível análise da conexão entre a dimensão econômica da sociedade internacional e os institutos do direito internacional. O positivismo jurídico que vigorava nos principais centros de produção de saber mantinha uma postura de negação da influência de fenômenos econômicos e sociais na vida do direito, impondo uma marcha insensível, por exemplo, às devastações provocadas pelo liberalismo. Do alto da sua tribuna, a cultura jurídica internacional do fim do século XIX e do início do século XX teimava em não „sujar as mãos‟, excluindo qualquer tipo de possibilidade de análise do direito internacional à luz de fenômenos econômicos internacionais. (DAL RI JR., 2005, p. 103).

Segundo Érika Maeoka (2009, on-line), em razão da expansão mundial das

relações comerciais, gradativamente, as fronteiras entre os Estados desaparecem,

perdendo-se a soberania para legislar sobre questões econômicas. As normas

internacionais em matéria de direito econômico passaram a ser determinadas e

administradas por organismos internacionais, sendo discutidas em foros globais.

Opera-se um sistema verticalizado, no qual as economias preponderantes

comandam as regras do jogo conforme suas prioridades, não poucas vezes

afrontando os direitos dos trabalhadores.

Fácil ver que a proteção concedida apenas pelo ente estatal sucumbe diante

dessa nova realidade. Para que se tenha êxito nas mudanças do atual cenário, em

que as forças econômicas ultrapassam as fronteiras nacionais, exige-se o

alargamento da cooperação internacional.

Contrariamente ao que afirma o ultraliberalismo, há fortes razões para supor que pelo menos uma determinada classe de problemas – aqueles relativos a políticas de redistribuição - necessita da intervenção do Estado, tanto hoje, como no passado. Na situação atual, isso parece requerer a ajuda de conjuntos de regras internacionais, na medida em que o Estado-nação não pode mais, por si só, produzir e impor suas regras. Assim, os processos de mercado, livres do controle estatal, tendem a fazer com que a soberania dos estados constitucionais, e até sua legitimidade democrática, degenerem, paulatinamente, em farsa. (MÜLLER, 2009, on-line).

O Estado-nação não pode mais, por si só, produzir e impor suas regras, pois os

processos de mercado, livres do controle estatal, tendem a fazer com que a

soberania dos estados constitucionais, e até sua legitimidade democrática,

degenerem, paulatinamente. A idéia de Estado-nação perde a sua base, apesar de

ainda se falar de “povo” ou “nação”, o fato é que a sociedade individualisticamente

128

diferenciada está em vias de tornar-se uma única sociedade mundial. (MÜLLER,

2009, on-line).

As dissonâncias entre a imposição do capital transnacional e as conquistas

históricas representadas pela proteção nacional dos trabalhadores expõe as

mazelas do sistema. Desse modo, ressalta-se que a desestruturação do Estado-

nação sinaliza que o ente Estatal, por si só, não tem completa autonomia para

proteger a classe trabalhadora do movimento de forças hegemônicas transnacionais.

Encontra-se superada a fase em que as negociações sobre política comercial se concentravam, exclusivamente, no impacto que o comércio exercia no interior das fronteiras nacionais, o que colocava no centro do debate a questão das barreiras alfandegárias e não-alfandegárias. Os problemas comerciais mais relevantes requerem agora a capacidade de lidar com a profunda e complexa integração entre as múltiplas políticas governamentais. Esse fato realça a estreita conexão entre mecanismos de tutela dos direitos humanos, regimes trabalhistas e políticas comerciais. (AMARAL JÚNIOR, 1999, p. 132-134).

Visando atrair o volúvel capital estrangeiro, alguns países optam por reduzir os

direitos sociais garantidos aos seus trabalhadores, em uma visível prática

antidemocrática. Esse movimento do capital não representa um avanço, pois há

sempre a possibilidade da fuga desses investimentos, levando ao desaparecimento

de diversos postos de trabalho, criados artificialmente a custa dos direitos dos

trabalhadores.

Os Estados não têm o livre poder de onerar o capital que sai de um país,

deixando um rastro, atrás de si, de milhares de desempregados. O capital, como

fator de produção, está sempre livre para negociar a estruturação de mercados de

trabalho propícios à exploração. As regras de proteção, democraticamente

estabelecidas pelos Estados nacionais, mostram-se incapazes de assegurar os

direitos trabalhistas nessa nova realidade.

Como se viu na análise dos fatores que levaram à crise, os Estados-nação, que, ao fim e ao cabo, devem ser os executores das normas internacionais do trabalho, se vêem, no presente processo de globalização, com sua autonomia política e jurídica reduzida, ao mesmo tempo que parte dos fatos sociais, objeto da ação regulatória destas normas internacionais, se desterritorializou, tornando as possibilidades de eficácia da ação normativa dos Estados-nação ainda mais tíbias para fazer frente à nova realidade econômica. (CRIVELLI, 2010, p. 201).

A efetivação dos direitos trabalhistas e as políticas de desenvolvimento nos

limites nacionais também passaram a sofrer forte influência da economia

129

globalizada. Os Estados, por si só, já não conseguem cumprir as suas políticas

públicas a contento, encontrando-se condicionados ao funcionamento da ordem

econômica mundial.

O reflexo das disparidades de regimes trabalhistas no comércio internacional passou a merecer atenção em virtude do entrelaçamento dos mercados facilitado pelo fenômeno da globalização econômica, pelas altas taxas de desemprego no mundo desenvolvido e pelo desconforto moral provocado pela obtenção de vantagens comparativas graças a condições de trabalho indignas e até mesmo degradantes. (AMARAL JÚNIOR, 1999, p. 132-134).

Os mais relevantes problemas comerciais necessitam da capacidade para

ponderar satisfatoriamente os interesses das mais diversas políticas

governamentais. Não se pode olvidar da grande conexão existente entre a proteção

dos direitos humanos e o funcionamento da economia mundial. A busca pela

competitividade no comércio internacional provocou, ao longo das últimas décadas,

uma verdadeira desestruturação dos direitos trabalhistas.

Tendo em vista contrapor os efeitos provocados pela concorrência no mercado

internacional, que solapa a justiça interna de proteção do trabalhador, tornou-se

necessária a busca por novos instrumentos. A complexidade dos diversos fatores

envolvidos na esfera do comércio mundial impossibilita o sucesso de uma correção

das distorções sociais por um único Estado. A exclusão social é uma realidade que

atinge a todos.

A atividade comercial ultrapassou, como nunca, as fronteiras estatais. A

resolução dos problemas advindos dessa realidade deve seguir o mesmo caminho,

quebrar fronteiras. Assim é que o Direito Internacional do Trabalho além de ter sua

antiga função de proteger o indivíduo em face das regras internas, deve proteger o

trabalhador da crescente relativização da soberania estatal, provocada pelo

predomínio dos interesses econômicos internacionais em relação aos interesses

internos democraticamente definidos de cada país. Passa-se, em seguida, a verificar

os instrumentos de alcance internacional que permitam tratar a questão sob a

perspectiva de um problema global.

4.6 Cláusula social

Visando proteger alguns direitos sociais dos trabalhadores passaram a ser

inseridas nos acordos comerciais as denominadas “cláusulas sociais”, também

130

conhecidas como normas sociais. Esse tipo de norma, além de promover uma

padronização mínima dos direitos assegurados aos trabalhadores, por vezes

estabelece prêmios ou penalidades segundo o comportamento do país signatário em

relação aos seus trabalhadores e foram criadas para combater a prática do dumping

social.

Como foi visto, a prática do dumping social tem por objetivo retirar do mercado

outros concorrentes, chamando atenção do consumidor através de um preço

notoriamente mais baixo, desleal. A medida antidumping social serve como uma

salvaguarda contra esse tipo de situação. Em termos de antidumping social, o

argumento da cláusula social surgiu com maior força a partir da Rodada Uruguai

(1986-1993).

No século XVIII, um dos ministros da Rainha Anne, da Inglaterra, levou à Sua Majestade o argumento que o Estado deveria criar barreiras a produtos produzidos na Índia. Ele questionava como os produtos ingleses poderiam competir com mercadorias indianas, de preço notoriamente inferior, se o trabalhador inglês recebia um salário 10 vezes maior que o profissional indiano, que além da baixa remuneração tinha carga horária mais extensa. Isso deixava elevado o preço do produto britânico e o tornava nada competitivo no mercado nacional. A barreira sugerida pelo ministro inglês tornou-se uma manifestação pioneira de medida antidumping no mundo, uma das primeiras decisões de restrição ao dumping, estratégia de mercado que consiste em oferecer um produto de exportação com valor inferior ao praticado no mercado de determinado país. (ANCHISES, 2009, on line).

Na conclusão da Rodada do Uruguai (“Uruguay Round”), a OMC firmou alguns

acordos que acabaram por expressar o “princípio da globalidade das negociações”.

Tais acordos previam, conforme Arno Dal Ri Júnior (2005, p. 140-141): “a) a redução

dos obstáculos técnicos ao comércio, b) a aplicação de medidas sanitárias e

fitosanitárias, c) a determinação do valor da mercadoria nas aduanas, d) as

inspeções antes da expedição, e) a concessão de licenças de importação, f) as

medidas de salvaguarda, g) ao Antidumping”.

As cláusulas sociais são medidas antidumping social destinadas a proteger os

direitos trabalhistas. São expedientes utilizados em negociações comerciais

internacionais quem têm como objetivo vetar a compra de produtos produzidos por

países que não garantem tais direitos. A própria OMC sentiu necessidade de rever

seus posicionamentos sobre o comércio internacional no sentido de elaborar uma

política que atendesse às necessidades dos países em desenvolvimento, mas que

131

também, coibisse os excessos por estes praticados. Assim, fomentou a inclusão das

cláusulas sociais nos contratos de comércio internacional.

A hipótese de inserção de uma cláusula social nos acordos comerciais multilaterais adotados no quadro da OMC é objeto de grande debate entre os Estados-membros. Durante o Uruguay Round, o ciclo de negociações levou os Estados Unidos, apoiados pela França e pela Comissão Européia, a solicitarem à Organização, em diversas ocasiões, a discussão da questão social. Mas, a falta de apoio por parte dos Estados economicamente mais desenvolvidos e a oposição dos países em desenvolvimento impediram a criação de um consenso a respeito desse assunto. (SANNA, 2005, p. 428-429).

Assim, considera-se que as cláusulas sociais atuam em duas vertentes. A

primeira, de maneira negativa, prevê a aplicação de sanções punitivas ao país que

não exige dos empregadores que seus trabalhadores laborem em condições dignas,

bem como, a utilização da cláusula social como instrumento de protecionismo de

mercados por parte dos países desenvolvidos. A segunda, de cunho positivo, premia

aqueles países que cumprem as determinações das cláusulas sociais, colocando-os

em posição favorável no comércio internacional por cumprirem normas de proteção

aos seus trabalhadores e por evitarem que, na cadeia produtiva, formas degradantes

de trabalho sejam utilizadas.

Atualmente, a China é um dos países que mais teve seus produtos vetados em

negociações comerciais, devido às cláusulas sociais. Alguns países alegam que os

empresários chineses não respeitavam os direitos trabalhistas, e que o país se

servia de mão-de-obra carcerária para fabricar produtos.

Dados da OMC mostram que, no período entre 1987 e 2000, foram iniciadas 357 medidas antidumping contra a China, 75% provenientes de seis países: Estados Unidos, México, Argentina, Austrália, Índia e União Européia. O número supera amplamente o segundo colocado, os Estados Unidos, que no mesmo período passou por 260 investigações. O uso dessas medidas contra a China exerce uma pressão tão grande sob a sua economia que o assunto foi condição essencial na assinatura do protocolo de admissão do país na OMC, em novembro de 2001. (ANCHISES, 2009, on line).

Países que exploram seus trabalhadores tendem a produzir com valores mais

baixos, o que incomoda o mercado internacional. Ao que parece, foi exatamente por

isso, que os países desenvolvidos passaram a utilizar o argumento da necessidade

da inserção, nos contratos comerciais, de cláusulas que exigem o respeito a padrões

trabalhistas mínimos. Tal exigência se justifica na tentativa de impedir que

132

vantagens econômicas sejam obtidas através da superexploração da mão-de-obra e

desrespeito a direitos sociais mínimos.

A estratégia seria um estímulo para a melhoria das condições de trabalho,

diminuindo a exploração dos trabalhadores. Entretanto, embora pareça justificável a

causa, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico avaliou

como improcedente o uso desse tipo de cláusula.24

Embora pareça nobre a causa, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico avaliou como improcedente o uso desse tipo de cláusula. O órgão baseia-se no fato de não haver evidências de que países com baixos índices de cumprimento dos direitos trabalhistas tenham melhores patamares de exportação global do que aqueles que respeitam o trabalhador. Também leva em conta a não comprovação de que a liberação comercial sempre é acompanhada de violações ao direito de livre associação. Pelo contrário, a Organização diz que existe uma associação positiva entre bem sucedidas reformas comerciais e melhorias nos padrões trabalhistas fundamentais. Além disso, o respeito ou não a esses padrões não tem sido fator importante na decisão de onde instalar empresas multinacionais. (ANCHISES, 2009, on line).

No Brasil, por parte do governo, não há a adoção do expediente das cláusulas

sociais nas negociações internacionais. Houve apenas um acompanhamento das

discussões sobre o tema, ocorridas na Conferência Mundial da OMC, em Cingapura,

em dezembro de 1996.25 Na oportunidade, o então ministro das Relações Exteriores,

Luiz Felipe Lampreia, afirmou que o uso das cláusulas sociais como instrumento de

24 Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é uma organização internacional e intergovernamental que agrupa os países mais industrializados da economia do mercado. Tem sua sede em Paris, França. Na OCDE, os representantes dos países membros se reúnem para trocar informações e definir políticas com o objetivo de maximizar o crescimento econômico e o desenvolvimento dos países membros. (CGU, 2009, on line). 25

Em 2008, o Escritório no Brasil da OIT noticiou que o BNDES passou a inserir as cláusulas sociais nos seus contratos de financiamento com o objetivo de combater o trabalho infantil, o trabalho escravo e a discriminação de gênero e de raça. „A iniciativa coloca o BNDES em uma posição de destaque no que se refere às questões de responsabilidade social e trabalho decente dentro do mercado financeiro. As cláusulas serão consideradas nas condições prévias para a obtenção de crédito ou capital e também durante a execução do contrato. Ficará estabelecido, por exemplo, que haverá rompimento do contrato caso sejam comprovadas situações de trabalho escravo, infantil ou discriminação. A OIT acredita que as instituições financeiras podem ser um veículo muito eficaz para promover o trabalho decente, justamente porque seus contratos financeiros e clientela abrangem uma série de setores sociais e produtivos da sociedade. Quando os mercados financeiros investem com responsabilidade social, a gama de oportunidades que as empresas têm para crescer, obter mais investimentos e aumentar sua produtividade de maneira sustentável - sem trabalho infantil, escravo e discriminação -, e assim, contribuir para a criação de novos empregos decentes, é automaticamente ampliada. Com suas novas cláusulas sociais, o BNDES acaba de dar uma contribuição importante para que suas cadeias financeiras, e em efeito dominó, todas as empresas interligadas a ela, avancem no sentido do cumprimento efetivo dos direitos e princípios fundamentais do trabalho substanciados em convenções da OIT ratificadas pelo Brasil, assim como da legislação nacional, criando assim, um ambiente propício ao crescimento econômico seguro, atrativo, sustentável e mais inclusivo‟. (OIT, 2009, on line).

133

garantir que direitos trabalhistas fossem respeitados, não seria uma prática adotada

e estimulada pelo Estado brasileiro, uma vez que essa prática poderia estimular que

medidas protecionistas e unilaterais fossem utilizadas.

Na prática, invocar padrões trabalhistas para regular o comércio internacional poderia abrir o caminho para um sem-número de medidas e práticas de caráter nitidamente protecionista -- inclusive unilaterais (..). O social se transformaria em justificativa para a proteção abusiva de setores que se sintam prejudicados pela concorrência de produtos oriundos de outros países. Os padrões trabalhistas serviriam não ao propósito de promover melhorias nas práticas dos países afetados, mas simplesmente para disfarçar novas medidas de protecionismo, novos gestos de satisfação aos trabalhadores que enfrentam o fantasma do desemprego estrutural. (LAMPREIA, 2009, on line).

Segundo o citado autor, o social poderia se transformar em justificativa para

proteção abusiva de setores que se sentem prejudicados pela concorrência de

produtos de outros países. Os efeitos punitivos dessas medidas poderiam afetar

áreas em que não se verificam baixos padrões trabalhistas, mas sobre áreas que

competem com vantagens no mercado internacional. Empresas e trabalhadores de

setores competitivos poderiam ter que pagar por problemas de outros setores ou

regiões específicas.

Luiz Felipe Lampreia (2009, on-line) defende que esses problemas deveriam

ser corrigidos e enfrentados com os instrumentos apropriados, como as convenções

da OIT, a legislação interna, a aplicação da justiça, as reformas sociais e

econômicas. Constituindo-se um erro de graves conseqüências comerciais,

econômicas e, sobretudo, sociais, achar que “nossa lição de casa em matéria social

pode ser substituída pela cláusula social”.

Na Conferência Mundial de Cingapura, foi definido que o foro de discussão dos

padrões trabalhistas nas questões comerciais caberia à Organização Internacional

do Trabalho (OIT). Sendo da competência exclusiva da Organização Internacional

do Trabalho regular, fiscalizar e monitorar o cumprimento dos padrões trabalhistas.

Essa posição foi ratificada, cinco anos depois, em outra Conferência Ministerial da

OMC. Entretanto, tal discussão está longe de ser considerada irrelevante.

Enquanto a discussão da legitimidade da cláusula social continua, o Brasil busca enquadrar-se nas decisões internacionais de valorização do trabalhador. Em 1998, o Governo brasileiro ratificou sete das oito convenções fundamentais dos direitos trabalhistas, com exceção daquela que trata da liberdade sindical devido a uma incompatibilidade com a Constituição Federal. Além disso, o Brasil se comprometeu no mesmo ano,

134

na Conferência Internacional do Trabalho, a cumprir os termos da Declaração sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, prevenindo seus trabalhadores e o mercado nacional dos efeitos de cláusulas sociais contra o País e participando das discussões sobre o tema na OIT. (ANCHISES, 2009, on line).

Nos últimos anos, observa-se que as iniciativas, no âmbito social, têm

contribuído para formar a “imagem” da empresa no mercado. Os consumidores, que

acabavam por fidelizarem-se a uma marca ou produto, precisavam ser

“conquistados”. Assim, mudanças significativas e rápidas foram implementadas, para

conquistar e manter fiéis seus consumidores.

A sociedade e os consumidores da atualidade preferem adquirir produtos que

participaram de uma cadeia produtiva na qual a “responsabilidade social” do

produtor restou comprovada. Esse aspecto se tornou tão relevante que passou a

fazer parte da pauta de estratégias de mercado e do marketing das empresas. Olga

Colpo, sócia de uma grande empresa de consultoria e auditoria, a

PricewaterhouseCoopers, afirma que: “Contribuir para um mundo melhor aumenta o

valor da empresa”. (OGAWA, 2010, on line).

Na cadeia produtiva dos carros, havia um potencial perigo para as montadoras. Há chapas de aço produzidas a partir do carvão vegetal, extraído em Mato Grosso do Sul. Em muitas carvoarias, o trabalho infantil era um problema endêmico. As montadoras mandaram verificar se havia crianças na sua cadeia produtiva. Não havia. Mas isso não era o bastante. Foi criada uma espécie de pacto. „Hoje, qualquer contrato de fornecimento será cancelado se uma das empresas da cadeia produtiva utilizar mão-de-obra infantil‟, afirma Miguel Jorge, vice-presidente de assuntos corporativos da Volks. Sim, é uma questão social. Mas também de imagem, de dinheiro. „É evidente que haveria pressão dos acionistas da Alemanha se o nome da Volkswagen fosse envolvido numa questão dessas‟, afirma Miguel. (OGAWA, 2010, on line).

No Brasil, não só a Wolkswagen, mas as demais montadoras também

passaram a inserir nos seus contratos comerciais cláusulas sociais que impedissem

a utilização do trabalho infantil em qualquer etapa da cadeia produtiva dos seus

fornecedores. Tais cláusulas passaram a ser expressas após reiteradas denúncias

de que os fornecedores de carvão vegetal para as montadoras se utilizavam desse

tipo de trabalho e até de trabalho escravo.

A Fundação Abrinq, também a nível interno, é outra entidade que nasceu

com o programa “Empresa Amiga da Criança”, através do qual intenta combater a

135

utilização da mão-de-obra infantil. É uma instituição sem fins lucrativos que, através

de selos apostos aos produtos, comprova a certificação de que a empresa combate

a exploração da mão-de-obra infantil. (FUNDABRINQ, 2010, on line).

Acredita-se que o alargamento da discussão possa trazer bons frutos.

Empresas transnacionais estabelecidas em território brasileiro têm recorrido ao

expediente das cláusulas sociais em seus contratos no intuito de coibir a utilização

de trabalho infantil e trabalho escravo na cadeia produtiva. Essa iniciativa tem o

apoio da sociedade em geral.

O argumento de que cabe somente ao governo cuidar do desenvolvimento

social não se sustenta mais numa economia dinâmica e mundializada. Assim como

a inclusão das cláusulas sociais, dos selos sociais ou e qualquer outro instrumento

que importe em tentativa de proteção das conquistas sociais alcançadas serão

sempre esperados pela sociedade.

O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social surgiu com a missão

de ajudar as empresas a gerir os negócios de forma socialmente responsável,

tornando-as parceiras na construção de uma sociedade sustentável e justa. Aponta,

em seus relatórios, que as enormes carências e desigualdades existentes no país e

a deficiência de atendimento do Estado nas demandas sociais confere maior

relevância à responsabilidade social das empresas. (ETHOS, 2010, on line).

Responsabilidade social empresarial é a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais que impulsionem o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais. (ETHOS, 2010, on line).

O conceito de Responsabilidade Social, que nem sempre segue a própria via

das leis do mercado, vai ao encontro da ética. Através da implementação deste

conceito, alia-se o crescimento econômico ao desenvolvimento social de uma

empresa e de seus empregados. Uma postura ética impõe que as empresas

contribuam com outro tipo de desenvolvimento, de caráter inclusivo, que não tenham

como métricas, somente os indicadores econômicos, mas principalmente, os

indicadores sociais.

136

A empresa socialmente responsável não se limita a seguir as normas

trabalhistas internas e aquelas veiculadas pela Organização Internacional do

Trabalho. Ela investe no desenvolvimento pessoal e profissional de seus

trabalhadores, através do incremento das condições de trabalho e no estreitamento

de suas relações internas. Afasta-se, assim, das condições mínimas gerais,

veiculadas por essas normas, projetando-se para a realização do trabalhador como

indivíduo social. Neste prisma, fomenta-se a cultura local, a ética e a cidadania das

minorias e instituições que representam seus interesses.

CONCLUSÃO

A realização dos direitos fundamentais sociais, sejam aqueles previstos no

catálogo dos artigos 6° e 7°, sejam os dispersos no texto constitucional, inicia-se

pela conscientização acerca de sua fundamentabilidade formal e material, a qual

vincula a todos. Tais direitos constituem normas de observância obrigatória no

ordenamento jurídico, cujo conteúdo expressa valores diretamente relacionados com

a dignidade da pessoa humana.

A aplicação dessas normas aos casos concretos verifica-se com maior

efetividade se enquadrada numa concepção aberta de regras e princípios. Assim,

pode uma norma jusfundamental configurar um princípio, gerando um direito

subjetivo ou determinando a mediação legislativa estatal, que disciplinará a forma do

cumprimento da obrigação. Nos dois casos, havendo a devida ponderação dos

princípios ou direitos contrapostos.

Ao entender que todos os direitos fundamentais sociais prestacionais

correspondem a direitos subjetivos prima facie, sua não-realização somente se torna

possível a partir de um critério de ponderação. A dificuldade aparente em

caracterizar os direitos fundamentais sociais como autênticos direitos subjetivos, por

isso lhes negando efetividade, é reforçada pela concepção da “reserva do possível”,

uma vez que só poderiam ser exigidos do Estado, se presentes as condições

financeiras ideais e específicas.

É importante lembrar que o núcleo essencial das normas de direitos

fundamentais sociais constitui uma garantia conferida ao destinatário da norma, pois

se trata de núcleo intangível, de conteúdo essencial, que justifica sua existência no

ordenamento jurídico. Assim também se dá com a garantia do mínimo existencial,

pois que se torna difícil falar em vida digna se o indivíduo ou trabalhador não tem a

sua disposição as condições mínimas de sustento físico e participação na vida social

e política. O que não se pode aceitar é que a referência a um mínimo existencial se

revele redutora do alcance dos direitos sociais, principalmente os trabalhistas.

138

O direito constitucional contemporâneo trouxe importante avanço na

dogmática dos direitos fundamentais sociais ao definir uma dupla perspectiva na

qual estes se manifestam. A primeira seria em âmbito subjetivo individual; a

segunda, como elemento objetivo, reforçando a juridicidade da norma que terá

efeitos na comunidade.

Nessa perspectiva, esses direitos, constitucionalmente assegurados,

determinam a axiologia que dirigirá a ação positiva dos poderes constituídos e dos

particulares. Para a adequada solução dos problemas advindos da globalização

neoliberal, faz-se necessária uma reestruturação política, social e econômica, pois a

redução de vantagens democraticamente conquistadas, principalmente, das

trabalhistas, não pode ser considerada um mecanismo capaz de aumentar índices

econômicos.

A liberdade que se quer regendo a economia e a vida social não pode ser

absoluta e ilimitada, pois ao Estado compete proteger e estimular o bem comum e a

vida digna do cidadão. O desenvolvimento sustentável não prescindi do

desenvolvimento social, mas também não acontece sem o desenvolvimento

econômico.

A cada país compete adaptar variados aspectos específicos na busca do seu

próprio desenvolvimento. A globalização, porém, fez com que organismos

internacionais como a OIT, a OMC e a OCDE tivessem que se manifestar sobre

questões delicadas como o protecionismo de mercado e o dumping social, pois as

economias se interrelacionam. O princípio do comércio leal surge para garantir

oportunidades de concorrência no limite aceito por normas internacionais de

comércio.

A OMC tem como objetivo elevar os níveis de vida, atingir o pleno emprego,

expandir a produção e o comércio, proteger o meio ambiente, assegurar uma maior

participação dos países em desenvolvimento no comércio internacional. Além disso,

serve como foro para dirimir possíveis controvérsias do sistema de comércio

internacional.

Temas como o dumping social e as cláusulas sociais trazem à tona grandes

divergências, tanto de ordem doutrinária como de ordem organizacional, institucional

139

e democrática. Tais divergências se devem ao fato de ainda não existir um consenso

sobre esse instituto, principalmente porque envolve dois fatores de maior

importância para o crescimento de um país, que são os fatores econômicos e os

fatores de produção, neste caso, a força de trabalho.

Existem vários tipos de dumping. No âmbito do direito laboral, o dumping social

merece maior atenção pelo fato de provocar diretamente a violação dos direitos

fundamentais dos trabalhadores, os quais são garantidos internacionalmente por

países democráticos. É através dessa prática que vem sendo desrespeitadas as

condições mínimas de trabalho para fomentar a concorrência no mercado externo

com preços significativamente reduzidos.

Os países desenvolvidos estão cada vez mais empenhados no sentido de que

seja efetivada a adoção de normas supranacionais que impeçam essas práticas. Já

os países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, temem a adoção de normas

universalizadas em razão das gritantes diferenças existentes no mercado

globalizado. Entretanto, mesmo esses, defendem a existência de padrões mínimos a

serem instituídos por organizações de âmbito mundial e seguidos

internacionalmente por economias democraticamente organizadas.

Os países em desenvolvimento acreditam que os países desenvolvidos se

utilizariam de forma indiscriminada de medidas antidumping para proporcionar a

proteção exagerada de seu mercado interno. A carência de recursos para implantar

políticas públicas e para implementar normas que já constam de suas legislações

internas também são fatores que afugentam os investimentos internacionais nos

países em desenvolvimento fragilizando sua força econômica.

Os Estados, por mais bem intencionados que sejam, mostram-se impotentes

frente à enorme tarefa que devem desempenhar para garantir as condições sociais

dignas para a sua população. O mercado, efetivamente, nunca demonstrou ter

preocupação com a promoção dos direitos sociais. Entretanto, a luta pelo mercado

alinhou interesses, aparentemente, díspares.

Os países desenvolvidos, pela dificuldade em concorrer com os países que não

garantem os direitos sociais, passaram a defender a inclusão de cláusulas sociais

nos contratos de comércio internacional. Assim, a luta pelo desenvolvimento

140

ganhou, mesmo que temporariamente e de pouca confiabilidade, novos aliados. Os

Estados necessitam da força do mercado, agora, utilizado como instrumento para

garantir o respeito às normas sociais através das cláusulas sociais.

Não se quer, assim, esvaziar o papel do Estado de proteger e fomentar o

desenvolvimento social, pois que essa função já é intrínseca a sua própria criação.

O que se quer é buscar aliados a ele. O Judiciário Trabalhista vem se posicionando

no sentido de coibir a prática do dumping social. As empresas vem se organizando

na busca de instrumentos capazes de fomentar a sua responsabilidade social e isso

já em resposta a uma vontade da sociedade e dos seus consumidores.

As cláusulas sociais não devem ser instrumentos impostos nas negociações.

Devem ser fruto das intenções naturais dos envolvidos. Também não devem servir

de instrumentos protecionistas subterfugiados da intenção social. Devem acontecer,

e assim se espera que seja, como uma verdadeira vontade imbuída de buscar a

diminuição das desigualdades que apartam e aumentar a inclusão social.

O panorama atual evidencia que há dificuldades de efetivação dos direitos

fundamentais sociais atreladas especialmente à alegação de escassez de recursos.

Existem meios, contudo, de contorná-las, de forma racional, comprometida, de um

lado, com a materialidade da Constituição, e, de outro, com a realidade fática. A

positivação dos direitos fundamentais sociais deve ser entendida como autêntica

forma de promoção do princípio da dignidade da pessoa humana, que constitui o

principal fundamento da República Federativa do Brasil e que vincula o mercado e

os atores privados para atuarem juntamente com o Estado na sua efetivação.

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