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HISTÓRIA DAS RELIGIÕES: DELIMITAÇÃO DE CAMPO E ESCOLHAS METODOLÓGICAS * Elton Nunes Resumo O presente artigo é uma tentativa de apresentar elementos para a definição da área de História das Religiões no Brasil como uma área interdisciplinar, entre a História e as Ciências da Religião. A definição de áreas de pesquisa e estudos é o primeiro passo para o progresso da ciência. Dessa definição resultam ações metodológicas e mesmo educacionais que contribuem para que as pesquisas realizadas alcancem seus objetivos e contribuam decisivamente para o desenvolvimento da ciência. Por este motivo, são necessários e relevantes estudos que trabalhem a questão de definições teóricas e metodológicas das áreas do conhecimento para que o progresso do conhecimento tenha eficácia. História das Religiões – urgência e ambivalência Uma das áreas que necessita de definição mais acurada é a área de História das Religiões no Brasil. O estatuto científico dos estudos históricos da Religião sofre de problemas de aproximação e sua trajetória no Brasil ainda está longe das grandes discussões teóricas realizadas em outros países e continentes. Um dos problemas que se apresenta é sobre a forma de tratamento. Como tratar da dimensão histórica dentro das diversas abordagens da Religião? Dessa maneira, impõe-se a necessidade de enfrentar a questão da abordagem histórica da Religião dentro da área de História das Religiões, atualizando as discussões internacionais no Brasil. Além disso, os Programas de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais carecem dessa definição, como podemos constatar, seja pelo pequeno número de publicações nessa área, seja pela declaração de algumas instituições e teóricos sobre a indefinição do campo de Ciências Humanas e Sociais (Cf. USARSKI, 2007). A História das Religiões, cujo termo é polissêmico, quer representar o campo de estudos históricos sobre as religiões e, por outro lado, desenvolver o registro sobre o processo de historicização das religiões. O grande desafio dessa dupla tarefa para a disciplina é sua indefinição quanto ao objetivo primário da mesma (Cf. JENKIS, 2001). No Brasil, esta área se confunde com suas ciências afins. Seria esta parte do ramo da História ou seria vinculada definitivamente às Ciências Humanas e Sociais? A “Religionswissenschaft” nasceu na segunda metade do século XIX dentro do clima do historicismo alemão (PRANDI e FILORAMO, 1999. p. 61). O fato é que a constituição da História das Religiões, desde sua gênese, teve problemas de “lugar” no escopo científico das disciplinas de estudo. Ciente disso, Geertz aponta para a dificuldade a partir da própria constituição do nome da disciplina: Um barômetro para essa situação pode ser visto nos nomes escolhidos para a disciplina. É a palavra alemã “Religionswissenschaft” que está por trás da expressão britânica “Science of religion” [Ciência da Religião], ao passo que Ciência da Religião, nos Estados Unidos, é sinônimo de Sociologia da Religião. Portanto, os norte-americanos utilizam a palavra alemã “Religionswissenschaft”, que também tem sido traduzida nos Estados Unidos como “Study of Religion” [Estudo da Religião] – mas não “Religious Studies” [Estudos Religiosos], que é a abordagem mais teológica. Na Inglaterra, encontramos o termo “Comparative religion” [Religião Comparada], que se encaixa bem no pluralismo britânico, mas, nos Estados Unidos, Religião Comparada”, conforme foi praticada por Mircea Eliade, é denominada de “History of Religions” [História das Religiões], ainda que nenhum departamento nas universidades receba este nome. Na Europa, o termo “History of Religions” e termos equivalentes em francês, italiano, e nas línguas escandinavas são utilizados para o estudo mais amplo da religião, ainda que não tenha de fato integrado as ciências sociais. No Canadá, “História

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  • HISTRIA DAS RELIGIES: DELIMITAO DE CAMPO E ESCOLHAS METODOLGICAS*

    Elton Nunes

    Resumo

    O presente artigo uma tentativa de apresentar elementos para a definio da rea de Histria das Religies no Brasil como uma rea interdisciplinar, entre a Histria e as Cincias da Religio. A definio de reas de pesquisa e estudos o primeiro passo para o progresso da cincia. Dessa definio resultam aes metodolgicas e mesmo educacionais que contribuem para que as pesquisas realizadas alcancem seus objetivos e contribuam decisivamente para o desenvolvimento da cincia. Por este motivo, so necessrios e relevantes estudos que trabalhem a questo de definies tericas e metodolgicas das reas do conhecimento para que o progresso do conhecimento tenha eficcia.

    Histria das Religies urgncia e ambivalncia

    Uma das reas que necessita de definio mais acurada a rea de Histria das Religies no Brasil. O estatuto cientfico dos estudos histricos da Religio sofre de problemas de aproximao e sua trajetria no Brasil ainda est longe das grandes discusses tericas realizadas em outros pases e continentes. Um dos problemas que se apresenta sobre a forma de tratamento. Como tratar da dimenso histrica dentro das diversas abordagens da Religio? Dessa maneira, impe-se a necessidade de enfrentar a questo da abordagem histrica da Religio dentro da rea de Histria das Religies, atualizando as discusses internacionais no Brasil. Alm disso, os Programas de Ps-Graduao em Cincias Humanas e Sociais carecem dessa definio, como podemos constatar, seja pelo pequeno nmero de publicaes nessa rea, seja pela declarao de algumas instituies e tericos sobre a indefinio do campo de Cincias Humanas e Sociais (Cf. USARSKI, 2007).

    A Histria das Religies, cujo termo polissmico, quer representar o campo de estudos histricos sobre as religies e, por outro lado, desenvolver o registro sobre o processo de historicizao das religies. O grande desafio dessa dupla tarefa para a disciplina sua indefinio quanto ao objetivo primrio da mesma (Cf. JENKIS, 2001). No Brasil, esta rea se confunde com suas cincias afins. Seria esta parte do ramo da Histria ou seria vinculada definitivamente s Cincias Humanas e Sociais? A Religionswissenschaft nasceu na segunda metade do sculo XIX dentro do clima do historicismo alemo (PRANDI e FILORAMO, 1999. p. 61). O fato que a constituio da Histria das Religies, desde sua gnese, teve problemas de lugar no escopo cientfico das disciplinas de estudo. Ciente disso, Geertz aponta para a dificuldade a partir da prpria constituio do nome da disciplina:

    Um barmetro para essa situao pode ser visto nos nomes escolhidos para a disciplina. a palavra alem Religionswissenschaft que est por trs da expresso britnica Science of religion [Cincia da Religio], ao passo que Cincia da Religio, nos Estados Unidos, sinnimo de Sociologia da Religio. Portanto, os norte-americanos utilizam a palavra alem Religionswissenschaft, que tambm tem sido traduzida nos Estados Unidos como Study of Religion [Estudo da Religio] mas no Religious Studies [Estudos Religiosos], que a abordagem mais teolgica. Na Inglaterra, encontramos o termo Comparative religion [Religio Comparada], que se encaixa bem no pluralismo britnico, mas, nos Estados Unidos, Religio Comparada, conforme foi praticada por Mircea Eliade, denominada de History of Religions [Histria das Religies], ainda que nenhum departamento nas universidades receba este nome. Na Europa, o termo History of Religions e termos equivalentes em francs, italiano, e nas lnguas escandinavas so utilizados para o estudo mais amplo da religio, ainda que no tenha de fato integrado as cincias sociais. No Canad, Histria

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    das Religies considerado um termo muito limitado, da a preferncia por Study of Religion. Na Amrica Latina, o termo escolhido parece ser estdio de ls Religiones [Estudo das Religies] e agora estou vendo que no Brasil prefere-se Histria das Religies. J nos Pases asiticos no h preocupao com termo algum (GEERTZ, citado por GIL e SIEPIERSKI, 2003. p. 16).

    Ou seja, a Histria das Religies reivindicada como parte integrante de trs campos de anlise: a Histria, as Cincias Humanas e Sociais e as Cincias das Religies como sub-campo de pesquisas e produo de dados e observaes. Para Filoramo e Prandi, a Histria das Religies sofre, aps um sculo de debates, de um posicionamento epistemolgico sobre sua metodologia e seus objetivos (PRANDI e FILORAMO, 1999. p. 14). Sob o rtulo de Histria das Religies ocultam-se, segundo eles, pelo menos trs diferentes perspectivas metodolgicas: Histria, Cincias Humanas e Sociais e Cincias da Religio. Outro problema diz respeito ao objeto Religio dentro do estatuto da Histria, enquanto cincia do tempo e dos fatos histricos. Qual o lugar da Religio na Histria das Religies? Seria o estudo da religio um ato privilegiado ou secundrio? Qual o papel da religio na constituio de uma determinada linha de pesquisa nesta rea? Como abordar um campo polissmico e complexo como a religio? Alm dos problemas oriundos da prpria Histria, enquanto cincia do saber, a Religio apresenta-se como um objeto difcil na medida em que no se enquadra em definies satisfatrias e completas. O prprio termo Religio sofre controvrsias sobre sua abrangncia. Ao longo dos sculos, a palavra de origem latina: religio (PRANDI e FILORAMO, 1999. p. 253-275) foi assumindo diversas conotaes e interpretaes. A religio, enquanto objeto de estudo do historiador, est por ser definida. De sua conceituao derivar o tipo de histria, suas conseqncias e concluses, como afirma Wiebe:

    Sustenta-se bastante plausivamente que a menos que seja possvel alguma definio preliminar da religio, alguma forma de compreenso intuitiva da natureza da religio suscetvel de formulao verbal, nenhum estudo da religio pode chegar a ser iniciado. Sem tal definio de um campo de pesquisa, qualquer e todas as coisas estariam abertas investigao; e se tudo est aberto investigao, ns na verdade no temos absolutamente nenhum estudo especfico da religio. Assim, uma definio da religio necessria para destacar os fenmenos a serem investigados (WIEBE, 1998. p. 17).

    Dessa forma, a explicitao do termo ou conceito de religio assumida pelo historiador ir determinar a prpria histria sobre a religio que ser produzida. Mas, o historiador da religio tem para si outro problema de fundo epistemolgico. Poder ele escapar das contradies entre o seu objeto de estudo e a herana anti-religiosa que sua cincia compartilha? A Histria, enquanto campo de pesquisa, foi constitudo dentro dos parmetros do Iluminismo, Racionalista e anti-religioso. Essa dificuldade sempre se apresentou como desafio dos pesquisadores das reas afins. Ao longo dos sculos XIX e XX, as ditas Cincias Humanas e Sociais buscaram uma definio de Religio que produzisse uma explicitao de seu contedo. Para Max Muller (CARDOSO e VAINFAS, 1997. p. 86-88) a origem da Religio deveria ser entendida como um deslocamento semntico, uma doena de linguagem. Ao nomear as coisas (nomina) os seres primitivos criaram os deuses (numina). J Auguste Comte (CARDOSO e VAINFAS, 1997. p. 99-102) apresentou a teoria dos estgios da humanidade (Teolgico, Metafsico e Positivo) para explicar o papel da Religio. No Estgio Teolgico a imaginao desempenha papel de primeiro plano. Diante da diversidade da natureza, o homem s consegue explic-la mediante a crena na interveno de seres pessoais e sobrenaturais. Este Estgio representaria, no desenvolvimento do esprito humano, uma etapa de transio para o Estgio Metafsico. Este, inicialmente, concebe foras para explicar os diferentes grupos de fenmenos, em substituio s divindades da fase teolgica. Fala-se ento de uma fora fsica, uma fora qumica,

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    uma fora vital. Procura explicar a natureza ntima das coisas, sua origem e destino ltimo, bem como a maneira pela qual so produzidas. O Estgio Positivo caracteriza-se pela subordinao observao. Cada proposio enunciada de maneira positiva deve corresponder a um fato, seja particular, seja universal. Desta forma, a Religio seria a forma primitiva dos homens explicarem os fenmenos que no compreendiam. Em A origem das espcies Charles Darwin (REALE, 1999. Vol. III. p. 371-377), estabeleceu a idia de uma continuidade entre o homem e o animal, inscrevendo todas as espcies no tempo de uma histria contingente, sem uma ordem geral e sem um progresso determinado. Desta forma, a Religio (crist) nada mais era do que uma forma evoluda de manifestao cultural. Para mile Durkheim (CARDOSO e VAINFAS, 1997. p. 103), a definio de Religio estava vinculada s representaes coletivas e era a via atravs da qual poderamos entender a forma de representao do mundo. As crenas propriamente religiosas so sempre comuns a uma coletividade determinada. O indivduo abre mo da sua prpria liberdade pessoal para aderir s prticas, ritos coletivos e solidrios cujo objetivo final receber em troca uma certa organizao da realidade da vida cotidiana. Tais crenas so admitidas, a ttulo individual, por todos os membros dessa coletividade, que se sentem ligados uns aos outros pelos laos de uma crena comum. Wilhelm Wundt (CARDOSO e VAINFAS, 1997. p. 103) concebeu a Religio como a forma do homem de relacionar-se com seus sentimentos em relao ao desconhecido. O que podemos advir que o Iluminismo, desde o incio, teve dificuldades de abordar a Religio em todos os seus amplos aspectos. Dessa forma, a prpria definio de Religio foi apresentada como estgio primitivo da humanidade, seja no aspecto organizacional, social, poltico ou mesmo emocional. Assim, concordamos com que o primeiro problema para o historiador da religio o problema epistemolgico, como nos alerta Certeau:

    A historiografia mexe constantemente com a histria que estuda e com o lugar onde se elabora. Aqui, a pesquisa daquilo que deve ter ocorrido, durante os sculos XVII e XVIII para que se produzissem os fatos constatados em fins do sculo XVIII, normalmente pede uma reflexo a respeito daquilo que deve ocorrer e mudar hoje, nos procedimentos historiogrficos, para que tais ou quais sries de elementos, que no entravam no campo dos procedimentos de anlise empregados at ento, apaream (CERTEAU, 2002. p. 124).

    Assim, podemos advir que ao historiador da religio cabe um duplo papel de explicitao de definio e de mtodos, mas tambm de limites de sua prpria rea de pesquisa. Outro problema de aproximao para um fazer histrico em Histria das Religies (doravante se referido pela sigla HR) a questo do mtodo. O mtodo cientfico, em qualquer cincia, a organizao pela busca da verdade. Seus protocolos formais, suas formas de conduo, seu regime de organizao, se funda na referida pretenso de conhecer a realidade para alm das aparncias, de modo a controlar o conhecimento. Porm, a HR no produziu mtodos de abordagem prprios, mas, ao longo do sculo XX, seguiu mtodos de abordagem das outras Cincias Humanas e Sociais (Cf. BURITY, 2000). Este emprstimo metodolgico causou uma srie de dificuldades desde o incio, como bem atesta Geertz:

    Durante o primeiro sculo de sua histria, os estudiosos acadmicos da religio perceberam a si mesmos como historiadores e lingistas engajados em estudos dos textos cannicos sagrados das religies mais importantes. Assim, tais estudos fundamentavam-se em mtodos e abordagens histricos e arqueolgicos, filolgicos e etnogrficos. Aps o apogeu do evolucionismo do sculo XIX e das grandiosas teorias psicolgicas e sociais das primeiras dcadas do sculo XX, em todas as cincias ocorreu um profundo ceticismo para com as teorias abstratas e normativas (GEERTZ, 2003. p. 20).

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    Porm, a disciplina, ao longo do tempo, trabalhou entre dois mtodos. O mtodo histrico-filolgico que, no dizer de Prandi e Filoramo (FILORAMO e PRANDI, 1999. p. 61), consiste de: uma coleta de documentos, seu exame a partir de um slido background lingstico, sua colocao nos respectivos contextos histricos, a pesquisa das leis de desenvolvimento dos sistemas religiosos, dos mais simples aos mais complexos. A HR se desenvolveu aproveitando este mtodo para uma depurao do mtodo comparativo (Cf. VELASCO, 2000. p. 30). Por dois sculos este mtodo foi utilizado em larga escala por pesquisadores como Max Muller (Cf. MLLER, 1859 ; 1873). Outro mtodo que ocupou por muito tempo a Histria das Religies foi o mtodo denominado difusionista. Segundo James Blaut (Cf. BLAUT, 1994. p.173-190), a abordagem difusionista se consolida ao longo do sculo XIX, sobretudo entre etngrafos e, mais tarde, na Antropologia Cultural. Este mtodo tem relao com a expanso colonial europia em direo frica e sia. A partir do olhar eurocntrico do colonizador, estabelece-se uma concepo de mundo na qual existiriam de um lado regies e/ou povos biologicamente superiores e permanentemente inovadores e, de outro, os incapazes de inovar. Aos ltimos, para promover a necessria civilizao redentora do atraso, caberia imitar as tcnicas e valores das regies mais desenvolvidas. E estas teriam a misso de difundir seus conhecimentos e hbitos superiores pelo mundo. O mito difusionista de que regies de culturas supostamente inferiores so espaos vazios a serem preenchidos inexoravelmente pelas tcnicas civilizatrias, a uniformizar o mundo, impulsionou os primeiros gegrafos culturais tarefa de inventariar paisagens, tcnicas e costumes em vias de desaparecimento. As produes oriundas desse mtodo apresentaram uma Histria das Religies que se destacavam como primitivas ou mais antigas no sentido evolucionista e teve influncias em uma leitura evolucionista do monotesmo cristo para o politesmo (Cf. FILORAMO e PRANDI, 1999. p. 62-65). Outro mtodo que se adotou ao longo do tempo foi o historicismo. O termo historicismo apareceu em 1881 na obra de Karl Werner-Giambattista Vico como filsofo e pesquisador erudito, com o significado de estrutura histrica da realidade humana. Como mtodo, o historicismo define o pensamento como resultado cultural do processo histrico e reduz a realidade e sua concepo histria. A historicidade ou a insero cronolgica, causal, condicionante e concomitante de eventos na histria constitui posio assumida a priori, isto , ela prvia e determina a insero dos fatos na histria. A razo substitui a providncia divina na viso historicista, caracterizada pela conscincia histrica, pela historicidade do real. A humanidade compreendida por sua histria e a essncia do homem no a espcie biolgica, mas sua histria, movida pela razo. Essa retrospectiva do tratamento da Religio como objeto de anlise remete-nos, finalmente, s pesquisas e trabalhos da Escola Italiana de Histria das Religies (Cf. FILORAMO e PRANDI, 1999. p. 59-90), mas precisamente nas tentativas de Vittorio Lanternari, Raffaele Pettazzoni e ngelo Brelich. Para este ltimo (Cf. BRELICH, 1977. p. 30-97), os fenmenos religiosos necessitam ser ancorados em uma base terica e definidos a partir de dado momento histrico-cultural. Para Brelich, as crenas religiosas so entendidas a partir de seus universos histricos, culturais e mentais especficos. Este arcabouo terico aproxima a Escola Italiana de Histria das Religies da chamada Nova Histria, precisamente de autores como Alphonse Dupront que coloca o fenmeno religioso na categoria do temporal (Cf. DUPRONT, 1978. p. 83-105.): atravs da experincia religiosa, o homem vive num ritmo lento, o qual oferece quando apreendido em seu prprio movimento, uma extraordinria e talvez nica possibilidade de decifrar confisses e testemunhos, e o duplo sentido do combate de existir e da interpretao que o prprio homem d a si mesmo de tal combate. Na mesma linha, podemos elencar as opinies de Dominique Julia (Cf. JULIA, 1978. p. 106-131), que interpreta os fenmenos religiosos do ponto de vista de uma Histria Social. Para este estudioso existe a necessidade de estudo da Religio em uma perspectiva histrica interdisciplinar com as demais Cincias Humanas e Sociais. J para Mircea Eliade (Cf. FILORAMO e PRANDI, 1999. p. 55-57), a Histria o caminho para se alcanar uma definio satisfatria do fenmeno da Religio sem a necessidade de uma discusso os fundamentos ou mesmo a essncia da Religio. Seu pensamento foi parcialmente influenciado por eruditos como Rudolf Otto e Gerardus van der Leeuw. Para ele, atravs dos estudos sobre a hierofania, ou das hierofanias, possvel refletir sobre a morfologia do sagrado. Cada tipo de hierofania entendida

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    como a irupo do sagrado, permite uma dada e diferente aproximao desse mesmo sagrado. A hierofania seria, assim, uma experincia histrica em que um epifenmeno se apresenta a um indivduo e constitui nele uma experincia fundante ou transformadora, ou mesmo mantenedora de uma forma de religio. Essa seria a primeira tarefa do estudioso da religio, a busca da identificao em cada fenmeno religioso daquilo que ele tem de fundamental e essencial, a sua estrutura. A segunda tarefa seria a investigao na histria da criao, da modificao, ou da extino de um determinado smbolo, mito, religio ou idia religiosa. Dessa forma, o estudioso das religies alcana a possibilidade da construo de quadros referenciais sobre a religio. Ainda podemos destacar os estudos da Escola dos Annales e seus desdobramentos na Nova Histria e Histria Cultural que tem muito a contribuir para uma definio terico-metodolgica para os estudos brasileiros de Histria das Religies (Cf. ALBUQUERQUE, 2007). J os estudos brasileiros esto vinculados s instituies de ensino com os Programas de Ps-Graduao e instituies como a Associao Brasileira de Histria das Religies (ABHR), assim como diversos grupos de pesquisa sobre o tema. Esta produo, porm, restrita nos mbitos regionais e institucionais, ainda no definiu linhas e correntes especificamente brasileiras e capazes de influenciar os estudos internacionais (SIERPIERSKI e GIL, 2003. p. 67-89). ntido ainda o fato da dificuldade de classificao dos estudos histricos sobre Religio no Brasil com bem observa Pompa (Cf. POMPA, 1998. p. 01): Ao longo da histria dos estudos, os movimentos religiosos receberam numerosas designaes: movimentos nativistas, revivalistas, messinicos, quiliasticos, milenaristas, revolucionrios ou reformistas, profticos, sincrticos, deprivation cults, cultos de crise, podendo se ampliar ainda mais esta listagem.

    Consideraes Finais

    Cada uma das frmulas elencadas revela-se inadequada para definir a realidade complexa e dinmica dos movimentos histricos, pois destaca apenas uma, ou algumas, das suas componentes: a social, a psicolgica, a religiosa, a sincrtica, etc. Esta dificuldade se desdobra na medida em que o campo da Histria, a partir de seus Programas de Ps-Graduao, no possuem disciplinas ou grupos de pesquisas que contemplem a rea de Histria das Religies entre suas prioridades. Em um levantamento preliminar, constatamos que, dos vinte Programas de Ps-Graduao (doutorado) em Histria credenciados pela CAPES no Pas, apenas dois possuem linhas de pesquisa e disciplinas ligadas Histria das Religies (Cf. http://www.capes.gov.br/avaliacao/recomendados.html. acesso em 06/04/2007). Porm, o nmero de estudos de pesquisas e teses na rea de Histria das Religies considervel. Cabem, portanto, estudos que venham a contribuir para a definio do estatuto cientfico sobre a HR, seu objeto de estudo e pesquisa, sua abrangncia, seus mtodos e sua proposta de formao no Brasil.

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