Arrumar Devagarzinho os “Trem”, Puxar Carroças, Bingar ... entrevistas com membros da...

12
1 Arrumar Devagarzinho os “Trem”, Puxar Carroças, Bingar Bicicleta, Engajar pessoas: A Difícil Arte de Criar e Gerir uma Associação de Catadores de Recicláveis Autoria: Altair Camargo Filho, Jéssica Borges de Carvalho, Maria Salete Batista Freitag RESUMO O caso aborda a criação de uma associação de catadores, objetivando fomentar discussões e reflexões sobre o seu gerenciamento e engajamento de pessoas no associativismo. Aplica-se em disciplinas como associativismo, autogestão, empreendedorismo social, comportamento organizacional, aprendizagem, liderança na autogestão e gestão ambiental. Colabora na reflexão sobre a formação gerencial de pessoas socialmente excluídas. Elaborado a partir de entrevistas com membros da associação, narra a história de catadores com dificuldades para trabalhar de forma coletiva, o que é exigido para essa organização. Aborda os problemas e as conquistas e os pontos a melhorar no percurso de sua história.

Transcript of Arrumar Devagarzinho os “Trem”, Puxar Carroças, Bingar ... entrevistas com membros da...

Page 1: Arrumar Devagarzinho os “Trem”, Puxar Carroças, Bingar ... entrevistas com membros da associação, ... principalmente, manter sua coesão, a fim de que se solidifiquem mais os

 

  1

Arrumar Devagarzinho os “Trem”, Puxar Carroças, Bingar Bicicleta, Engajar pessoas:

A Difícil Arte de Criar e Gerir uma Associação de Catadores de Recicláveis

Autoria: Altair Camargo Filho, Jéssica Borges de Carvalho, Maria Salete Batista Freitag

RESUMO O caso aborda a criação de uma associação de catadores, objetivando fomentar discussões e reflexões sobre o seu gerenciamento e engajamento de pessoas no associativismo. Aplica-se em disciplinas como associativismo, autogestão, empreendedorismo social, comportamento organizacional, aprendizagem, liderança na autogestão e gestão ambiental. Colabora na reflexão sobre a formação gerencial de pessoas socialmente excluídas. Elaborado a partir de entrevistas com membros da associação, narra a história de catadores com dificuldades para trabalhar de forma coletiva, o que é exigido para essa organização. Aborda os problemas e as conquistas e os pontos a melhorar no percurso de sua história.

Page 2: Arrumar Devagarzinho os “Trem”, Puxar Carroças, Bingar ... entrevistas com membros da associação, ... principalmente, manter sua coesão, a fim de que se solidifiquem mais os

 

  2

1 INTRODUÇÃO “Trabalhar junto não dá certo”. Era esse o discurso presente no cotidiano dos catadores da Favela Ferroviária quando algum deles sugeria a criação de uma cooperativa. Com receio de tentar algo novo, mas confiante em sua intuição de que trabalhar individualmente produziria menores resultados do que o trabalho em conjunto, Leandro buscou o apoio da incubadora social da Universidade Federal de Goiás para auxiliá-lo nas negociações e assim conseguir convencer uma quantidade mínima de colegas catadores para então formarem, no ano de 2005, a ACAC – Associação dos Catadores Augusto Comte. Na Favela Ferroviária, os catadores viviam em condições sub-humanas. Moravam em barracos feitos de papelão com piso de terra batida e a única coisa que havia para contemplarem em suas portas era um esgoto a céu aberto. Para ganharem seu sustento, trabalhavam debaixo do sol castigante ao longo de todo o dia, puxando pesados carrinhos cheios de materiais recicláveis e se machucando com cacos de vidro e seringas descartados sem a devida proteção. Mesmo depois de formada a ACAC, o poder público ainda os ignorava. Por causa disso, os integrantes uniram-se a outras associações e, juntas, não viram outra alternativa para conseguirem melhorar suas condições de vida e de trabalho senão um protesto contra os governantes, no qual tiveram parte das suas solicitações atendidas.i Transferidos pela prefeitura para um bairro recém criado, com casas de alvenaria e com um espaço próximo para ser o galpão-sede da ACAC, os associados observaram progressos em trabalhar como associação – e não individualmente – embora alguns pensassem em estabelecer novos métodos, como “ganhar por produção” ou “divisão por grupos de trabalho”, negando os princípios do associativismo. Com melhores condições de vida e o amadurecimento da associação, os catadores integrantes da ACAC conseguem o apoio não só da Incubadora da Universidade Federal de Goiás, mas também de bancos públicos, da prefeitura municipal e de algumas empresas privadas. Apesar dessa conquista, eles precisam ainda melhorar a estrutura física de suas instalações e, principalmente, manter sua coesão, a fim de que se solidifiquem mais os princípios associativistas, como trabalhar coletivamente e, dessa maneira, aperfeiçoar o funcionamento da associação na busca por seus objetivos. 2 ASSOCIAÇÃO DOS CATADORES AUGUSTO COMTE 2.1 PRIMEIROS PASSOS A Favela Ferroviária surgiu em 2003 e, logo em seu início, vários moradores, sem oportunidade de empregos formais, resolveram obter seus sustentos mediante a venda de insumos para indústrias recicladoras. O processo ocorria da seguinte forma: ao longo do dia, recolhiam todo o tipo de recicláveis pela cidade e levavam até áreas encostadas em seus barracos na favela. À noite, faziam a separação entre papelão, plástico, metal e suas variações. Quando acumulavam uma quantidade mínima, vendiam esses materiais em troca de dinheiro, que lhes servia somente para comprar a quantidade de pão e arroz exata para lhes dar energia e assim estarem dispostos para trabalhar até a próxima venda.

Page 3: Arrumar Devagarzinho os “Trem”, Puxar Carroças, Bingar ... entrevistas com membros da associação, ... principalmente, manter sua coesão, a fim de que se solidifiquem mais os

 

  3

Nesse contexto, a ACAC funcionava em um pequeno galpão improvisado, feito de metalon e ripas de madeira, na Rua Paraíso, Favela Ferroviária, região norte de Goiânia. Era o ponto de encontro de diversos catadores de materiais recicláveis, moradores daquela região. Com o passar do tempo, as relações entre os moradores foram amadurecendo. Vínculos, amizades e confiança foram criados naquele cenário de luta pela sobrevivência. A proximidade entre os trabalhadores foi se estreitando, até que em meados de 2004, Leandro, catador de materiais recicláveis e também professor da rede municipal de ensino, lançou a ideia de se unirem e montarem uma cooperativa. Ele havia se entusiasmado com esse novo modelo de negócios quando, em uma conversa informal com um amigo, soube da existência da Incubadora Social da Universidade Federal de Goiás, a qual poderia ajudar com “questões burocráticas e dar orientações sobre a gerência” da possível nova cooperativa. Onde para muitos apenas era mais um terreno cheio de lixo, para aquelas pessoas era o embrião de uma associação da qual fariam parte, veriam o desenvolvimento, envolveriam suas vidas e serviria de fonte para o sustento de várias famílias, como declara um dos catadores em um empolgado discurso: “depois que aprende a mexer com isso aqui, parece que entra no sangue”. Esse discurso reforça o interesse de Leandro no sentido de fortalecer sua argumentação quanto à criação de um trabalho em cooperação. Para tanto, procura apoio da Incubadora para ajudar na busca da aderência de outros associados. Como resultado, consegue o engajamento de seis mulheres e um homem, e então, no dia 4 de julho de 2005, foi registrada a Associação dos Catadores Augusto Comte, com o objetivo de se fortalecer e se transformar em uma cooperativa. Com seu conselho gestor formado por presidente, tesoureiro, secretário e dois fiscais, cujos mandatos duram um ano, o trabalho em conjunto da associação, sempre com orientação da Incubadora, racionalizou as tarefas dos catadores. Agora, vendiam um maior volume de materiais às indústrias recicladoras, o que lhes garantia maior poder de negociação e rentabilidade. Regras foram criadas para manter a ordem como, por exemplo, a proibição de se trabalhar após ter ingerido bebidas alcoólicas, problema rotineiro entre os catadores. Além disso, agora eram guardados 10% das receitas em um fundo de reserva, que seria utilizado para despesas diversas da Associação. A organização formal também lhes permitiu reivindicar, com voz mais forte, melhores condições de trabalho junto a órgãos públicos. 2.2 AS PRIMEIRAS CONQUISTAS No início, os catadores improvisaram um galpão em uma área da favela, feito com peças de metalon, doadas pelo Banco do Brasil, e com pedaços de telha e madeira, catados da rua durante seus trabalhos. Durante essa fase de construção, toda ajuda era bem-vinda e não se viam sem saída diante das dificuldades. Quando precisaram de cimento e ferro para melhorar o galpão, ganharam uma bicicleta, que se transformou em prêmio de um bingo feito para juntar recursos para a compra de materiais de construção. Nas palavras de uma das associadas, “com esse dinheirinho fomos arrumando devagarzinho os trem”. Como uma das primeiras conquistas, a ACAC passa a receber apoio da Incubadora Social da UFG, a qual colaborava com a introdução dos conceitos de autogestão, cooperativismo e ainda ajudava com os trâmites burocráticos. Além de, como associação e com maior volume de material, conseguiam vender por um preço maior.

Page 4: Arrumar Devagarzinho os “Trem”, Puxar Carroças, Bingar ... entrevistas com membros da associação, ... principalmente, manter sua coesão, a fim de que se solidifiquem mais os

 

  4

Apesar da prosperidade no ambiente de trabalho, a realidade da moradia continuava bastante precária. A favela não oferecia as mínimas condições de habitação. O esgoto corria a céu aberto, os barracos eram feitos de papelão e madeira, a iluminação era precária e totalmente improvisada. Em 2007, no momento em que os catadores começaram a se organizar melhor com o apoio da incubadora, criando as possibilidades de trabalhar com maior volume de materiais recicláveis, a prefeitura colocou caminhões (vide anexo A) nas ruas para fazer a coleta de materiais recicláveis, deixando migalhas para serem catadas pelos associados com os carrinhos. Diante da sensação de completo abandono e, pior, da concorrência ameaçadora, os integrantes da ACAC resolveram protestar. Unidos com catadores de outras associações se organizaram e fizeram movimentos que resultaram, em julho de 2007, na Marcha dos Catadores (vide anexo B), na qual, com o lema “Catador organizado jamais será pisado”, reivindicavam moradia e apoio da prefeitura para melhores condições de trabalho. Mais uma conquista: a pressão funcionou. Em janeiro de 2008 a prefeitura, em parceria com a Gama Imóveis, transferiu os moradores da Favela Ferroviária para um bairro recém criado, Residencial Amanhecer. Lá, além de casas para todas as famílias transferidas, a prefeitura doou uma área e materiais para a construção de um galpão onde seria, agora, a sede da ACAC. Fez, também, um contrato com a associação prometendo transferir 3 mil reais por mês para gastarem com o que fosse necessário, como pagamento de contas de água e energia; transporte para reuniões com outras cooperativas; compra de máquinas e equipamentos; ou para melhorias na infraestrutura. Apesar de esse contrato não ser cumprido regularmente – “[...] a gente fica sonhando aqui. Pegar o dinheiro... A gente até escreve no caderno. A gente está esperando receber para mandar brasa aqui” –, os associados ficaram satisfeitos e motivados com toda essa conquista. Sobre o trabalho, diziam: “melhor que esse não tem, porque não tem que acordar de madrugada, pegar ônibus, pagar passagem... E, se quiser ir em casa tomar uma água, é rapidinho”. A Favela Ferroviária passaria a ser somente uma parte árdua da memória daquelas pessoas castigadas pela vida. Após a transferência para o Residencial Amanhecer, outros catadores – incluindo aqueles que falaram que “não iria funcionar” trabalhar em grupo – perceberam o progresso da associação, repensaram sobre trabalhar coletivamente e quiseram se associar. O estatuto permitia sempre o ingresso de novos membros, desde que levassem uma certidão negativa de crimes e fossem aprovados pelos demais associados após um mês de experiência, quando eram avaliadas a produtividade e a capacidade de trabalhar em conjunto. Além da mudança física, a forma de trabalho também mudou. Ao invés de carrinhos, passaram a recolher o material em um caminhão da prefeitura. Uma vez por dia, o caminhão saia com quatro homens da ACAC para catarem materiais pelas ruas de Goiânia. A quantidade era superior àquela que conseguiam juntar com os carrinhos, mas ainda pouco para a quantidade que eram capazes de separar em um dia – muitas vezes, os trabalhadores saíam a pé ou com carroças para juntar mais material. Com o amadurecimento da política de coleta seletiva na cidade, a partir de 2009, a prefeitura passou a ter seus próprios catadores em vários caminhões e aumentou ainda mais o amparo à ACAC: passou a descarregar, várias vezes ao dia, seus caminhões no galpão do Residencial Amanhecer. “Agora é só alegria, é só trabalhar muito”, relata uma das associadas, feliz por ter muito material para separar e preencher as horas de seu dia.

Page 5: Arrumar Devagarzinho os “Trem”, Puxar Carroças, Bingar ... entrevistas com membros da associação, ... principalmente, manter sua coesão, a fim de que se solidifiquem mais os

 

  5

3 APRENDIZAGEM “BALDE BACIA” E APRENDIZAGEM PELA CESTA BÁSICA A ACAC teve um momento de perda que motivou a busca dos outros catadores pela aprendizagem de competências para gerir a associação. Leandro, tendo a oportunidade de voltar a sua atividade como professor em tempo integral, se afasta da associação. De início, os associados sentiram a saída e ficaram um tanto perdidos – ele era um pessoa que tinha um pouco mais de estudo que os demais catadores e também os ajudava a trabalhar melhor em grupo. Os associados restantes, semi-analfabetos, tiveram de absorver as competências de Leandro, assumindo as responsabilidades gerenciais: procurar compradores; negociar preços; ler e analisar contratos; contatar outras cooperativas e órgãos públicos; além de manter a coesão da associação. Essas pessoas passaram a observar melhor o ambiente em busca de oportunidades quando iam às indústrias compradoras. Por exemplo, reparavam como a má separação de materiais reduzia o preço da venda. Determinadas embalagens, vendidas unitariamente, poderiam custar dez vezes mais do que se vendidas por quilo, misturadas com outros materiais. Passaram então a observar detalhadamente a melhor maneira de separar e vender os materiais, a fim de não desvalorizar o produto. Como afirma uma das associadas, se referindo a um dos contatos com a empresa compradora:

[...] Quando eu ia vender o material, tinha aquele tempo de a gente ficar aguardando. Vai e pesa, volta. Vai e pesa, volta. Aí, eu ia lá pra dentro e ficava observando. Mas ninguém nunca aprende tudo. Para você ter uma ideia, o plástico branco tem não sei quantos tipos de separação e pra nós aqui só tem um. [...] Eu aprendi pelo menos a separar os baldes bacia. É porque isso é mais difícil pra eles que não sabem. É balde, bacia, capa de tanquinho, essas peças de geladeira, aqueles negocinhos de Toddy. Aquilo ali a gente pensa que é garrafinha, mas é balde bacia”.

Esse processo de aprendizagem “balde bacia”, que ajuda na valorização da venda dos produtos, ocorre por meio da observação. Para facilitar esse aprendizado, os demais associados também são deslocados para a empresa compradora com o objetivo de observar como acontece a separação de “balde bacia”. A Incubadora da UFG em parceria com a Caixa Econômica Federal e ONGs ministram reuniões e cursos rotineiramente para que eles se aperfeiçoem como associados. Esse desenvolvimento vai, aos poucos, surtindo efeito. Os associados relatam que voltam desses encontros mais dispostos a trabalhar em grupo e cooperar com os demais, mas também confessam que “ficar sentado 4 horas em um sábado” é extremamente penoso, e que alguns só o fazem pela certeza de ganhar uma cesta básica ao término do curso. 4 O SUSTENTO DOS CATADORES Além de receberem os materiais recicláveis da prefeitura, os associados também contam com a doação de restos de embalagens da Grande Granja, indústria localizada próxima à ACAC. Era uma boa parceria para ambos: a Associação recebia mais materiais e a empresa tinha um destino para seu “lixo”, sem correr o risco de multa por não dar destinação adequada a ele. Quando perguntados se têm medo de que acabem os materiais recicláveis com a criação de outras associações ou cooperativas ou se essa concorrência os ameaça, os associados argumentam que há muito material a se aproveitar ainda, que esse tipo de receio não existe. “Isso não acaba não, você já percebeu o tanto de material que não é aproveitado? Se não fosse

Page 6: Arrumar Devagarzinho os “Trem”, Puxar Carroças, Bingar ... entrevistas com membros da associação, ... principalmente, manter sua coesão, a fim de que se solidifiquem mais os

 

  6

as cooperativas ia mais ainda. Você já olhou a altura daquele aterro sanitário ali?”, relata umas das associadas. De fato, em Goiânia, 75% do material que poderia ser reciclado vai para o aterro sanitário. Isto demonstra como existe espaço para ampliação das cooperativas. 5 A LUTA CONTINUA... HÁ UM CADERNO EM QUE OS SONHOS SÃO ESCRITOS Apesar de a Associação estar solidificada, das conquistas dos moradores e dos apoios, tanto formais (prefeitura, UFG, Caixa Econômica Federal) quanto informais (empresas privadas), há ainda muito a ser feito. A ACAC precisa suportar pressões que surgem de vários lados. Algumas legais, como a exigência da Agência Municipal do Meio Ambiente, para que seja feito um piso de concreto no galpão, e a solicitação do Corpo de Bombeiros, a respeito da colocação de extintores de incêndio; além disso, há pressões de relacionamentos. Por exemplo, os vizinhos reclamavam que, devido ao galpão não ser cercado, dejetos voavam e sujavam os arredores –“às vezes os vizinhos denunciam nós”, relata um dos associados. Também, devido à falta de muros, a Associação frequentemente sofria furtos de materiais mais valiosos, como metais: “depois que tiver cercado aqui eu acho que a gente vai ter sossego pelo menos mais um pouco”. Há um caderno em que os sonhos são escritos. Perguntados sobre quais são, os associados exprimem seus desejos de longo prazo “a gente tem vontade de ter uma esteira, cozinha, escritório, sala de reuniões, um caminhãozinho, banheiro. Muita coisa... É difícil... Só sonhando”. Para, em seguida, confessar o mais urgente: “só em ver isso aqui tudo cercado sem perturbação já é um grande sonho”. Os problemas interpessoais envolvem a dificuldade de se trabalhar como associados. Apesar de seguirem muitos princípios cooperativistas, como gestão democrática, adesão voluntária e livre, autonomia e independência, educação e informação, os associados têm dificuldades em entender a questão financeira. Quando questionados sobre o que poderia ser diferente, eles se apresentam confusos, relatando que poderia ser melhor haver uma separação de grupo, entre os mais lentos e os mais rápidos ou de receberem por produção. Além disso, o problema com alcoolismo é sempre presente, forçando-os a criarem regras como a possibilidade de suspensão e perda do dia de trabalho daqueles que forem trabalhar após terem ingerido álcool. Agora, prestes a completar 6 anos de sua criação, a ACAC precisa continuar em desenvolvimento para garantir o sustento das famílias de todos os seus associados. Como fazer para não depender somente da verba doada pela prefeitura para viabilizar obras estruturais? Que melhorias gerenciais devem implementar para melhorar os resultados? Quais esforços os associados devem despender para buscar autonomia? A destinação primária desse dinheiro deve ser na realização de sonhos ou no atendimento de exigências legais? O que os associados devem fazer para manter sua coesão, mantendo os princípios associativistas?

Page 7: Arrumar Devagarzinho os “Trem”, Puxar Carroças, Bingar ... entrevistas com membros da associação, ... principalmente, manter sua coesão, a fim de que se solidifiquem mais os

 

  7

ANEXOS Anexo A: Caminhões da coleta seletiva da Prefeitura de Goiânia

Fonte: Prefeitura de Goiânia, [2007].

Anexo B: Marcha dos catadores

Fonte: CMI, 2007.

Page 8: Arrumar Devagarzinho os “Trem”, Puxar Carroças, Bingar ... entrevistas com membros da associação, ... principalmente, manter sua coesão, a fim de que se solidifiquem mais os

 

  8

NOTAS DE ENSINO Objetivos de Aprendizagem O caso pode ser usado em disciplinas que abordem associativismo, autogestão, empreendedorismo social, comportamento organizacional, aprendizagem, liderança na autogestão e gestão ambiental. Tem como objetivo desenvolver nos participantes reflexões sobre:

• Trabalho em grupo; • Aprendizagem em grupo; • Motivação pessoal; • Princípios associativistas; • Autogestão; • Empreendedorismo social; • Economia solidária; • Conscientização ambiental.

Fonte de Dados Entrevista realizada na própria cooperativa (parte integrante do projeto Empreendedorismo Social em desenvolvimento na Universidade Federal de Goiás) e reportagens de jornais relativas à Marcha dos Catadores e à transferência dos catadores para suas novas moradias, em Goiânia-GO. A narrativa contém elementos de ficção, porém sem grande relevância. Os nomes da associação e dos atores do caso também foram alterados. Alternativas para a análise do caso O professor poderá pedir aos alunos para lerem o caso com uma semana de antecedência a fim de discutirem sobre o assunto. No dia do encontro, deverá organizar os alunos em grupos para falarem sobre questões problemáticas do caso, e maneiras de possíveis soluções. . Pode-se, assim, abrir um debate entre os alunos, esperando-se que eles criem ideias sobre como manter a coesão e o engajamento dos associados; formulem planos de ação para melhorar a estrutura da associação; e desenvolvam formas para não dependerem tanto do financiamento da prefeitura para sua sobrevivência. Questões para análise e discussão

• O que se pode fazer para intensificar o trabalho grupal daqueles associados? • Como ocorreu a aprendizagem grupal daquelas pessoas? • Como motivar os associados a fim de fomentar um maior engajamento deles com a

associação? • O que fazer para solidificar os princípios associativistas? • Como resolver os problemas estruturais da associação? Qual o primeiro passo a ser

dado? • Como evitar que a proximidade trabalho-casa prejudique a profissionalização do

trabalho dos associados? • Quais estratégias os associados devem adotar para conseguir mais apoio das

instituições públicas? • Como despertar o interesse dos associados para a autogestão?

Page 9: Arrumar Devagarzinho os “Trem”, Puxar Carroças, Bingar ... entrevistas com membros da associação, ... principalmente, manter sua coesão, a fim de que se solidifiquem mais os

 

  9

• Como o conhecimento sobre o empreendedorismo social pode colaborar na ampliação das competências dos associados?

Possíveis alternativas e soluções para as questões do caso Para não dependerem somente da verba doada pela prefeitura, a ACAC pode criar autonomia, ampliando as fontes de fornecedores de materiais recicláveis, fazendo convênio com condomínios, hotéis, indústrias, escolas, repartições públicas, bancos, supermercados ou empresas de construção civil. Com maior volume de material para venda, poderiam conseguir melhores preços para seus produtos. Para melhorar o desempenho gerencial, é importante que os membros da associação intensifiquem seus contatos com a Incubadora Social e outras instituições, no sentido de desenvolver competências empreendedoras, de liderança e de autogestão. Diante da situação dilemática: destinar os recursos para cumprir obrigações legais/burocráticas (fazer o piso de concreto) ou investir nos sonhos (fazer o muro ao redor do galpão), um dos caminhos sugeridos é a decisão apoiada em ferramentas como ponderação de critérios, árvore de decisão ou matriz de prioridades. Uma alternativa para manter a coesão seria promover eventos que possibilitem a troca de conhecimento e de experiências entre os associados. Fazer oficinas que incentivem a indicação de ideias que possam melhorar o clima organizacional e favoreça a cooperação espontânea entre eles. Material de apoio à discussão Características Associativistas Segundo o SEBRAE (2012), as associações visam superar dificuldades e criar benefícios aos associados. Têm como objetivo promoção e defesa dos interesses das pessoas que as constitui. Seus princípios doutrinários se baseiam na autogestão. A quantidade mínima para sua formação é de duas pessoas e a lei que as rege é a Constituição Federal (Art. 5º) e Código Civil. Os princípios associativistas são: adesão voluntária e livre; gestão democrática pelos sócios; participação econômica dos sócios; autonomia e independência; educação, formação e informação; interação; e interesse pela comunidade (SEBRAE 2012). Andion (2005) afirma que houve uma expansão acelerada do movimento associativo a partir da década de 1980. Nesse sentido, o aprofundamento das ações desses grupos e os papéis que representam na sociedade contemporânea faz surgir a necessidade de refletir suas formas de ação coletiva e sua gestão.

Page 10: Arrumar Devagarzinho os “Trem”, Puxar Carroças, Bingar ... entrevistas com membros da associação, ... principalmente, manter sua coesão, a fim de que se solidifiquem mais os

 

  10

Empreendedorismo Social Segundo Afonso e Vanzin (2007), o empreendedorismo social age na criatividade comunitária, adotando para si a tarefa de solucionar problemas em busca de melhoria para sua comunidade. Como atribuições ao empreendedor social, Teixeira (2010 et al.) destaca o desejo em ajudar as pessoas, causando sensação de coletividade e inclusão social, pondo em prática ações que promovam melhoria e bem estar social. O autor ainda afirma que “muitos são os problemas no cotidiano dos empreendimentos sociais, tais como: carência de capital de giro, acesso ao crédito, tecnologia, problemas decorrentes das barreiras legais, carência de apoio, conflito, entre outros” (TEIXEIRA et al., 2010, p. 50). O empreendedor social, portanto, busca esforços para melhoria da vida da comunidade e soluções para seus problemas. Um dos desafios desse empreendedor, como afirma Oliveira (2004, p. 17), é a criação de capital social, e “[...] fazer com que as pessoas, principalmente as excluídas e marginalizadas tenham uma postura de cidadãs e não de vítimas [...]”. Ainda segundo mesmo autor, dentre as possibilidades estão a geração de bons resultados sociais, a criação de capital social, a motivação de pessoas no engajamento cívico, o resgate da autoestima e visão de futuro. Autogestão “A autogestão pode ser considerada uma das principais características dos empreendimentos solidários” (BARRETO; PAULA, 2009, p. 2010). Pois esse modelo de gestão envolve especificidades como gestão coletiva, socialização da propriedade, tornando assim necessário desempenhar ações de interesse ao bem comum. Segundo Castanheira e Pereira (2008 p. 5-6),

[...] as especifidades teóricas entre economia solidária e autogestão são interdependentes e, muitas vezes comuns. Tais especificidades dizem respeito: à igualdade de direitos e de condições materiais, tendo como condição a coletivização dos meios de produção; à democracia deliberativa, não se manifestando a hierarquia no processo decisório; à condição de sujeito dos indivíduos que participam da ação, pois se considera que são portadores da consciência crítica nos processos sociais, produtivos e econômicos; ao nível pleno de participação, sem a divisão do trabalho entre concepção e execução, manifestando-se apenas a coordenação do processo de trabalho como forma cooperativa de organização; aos vínculos sociais baseados na confiança e na solidariedade.

Lima (2008) afirma que a discussão da autogestão não é apenas de direcionamento político, mas de elementos para sua viabilização e a existência ou não de projetos de transformação social. Sendo assim esse modelo de gestão, utilizada como proposta de autonomia para trabalhadores, gestão coletiva, socialização de propriedade e gestão atualmente vem sendo instrumento para autocontrole e responsabilização do colaborador (LIMA 2010).

Page 11: Arrumar Devagarzinho os “Trem”, Puxar Carroças, Bingar ... entrevistas com membros da associação, ... principalmente, manter sua coesão, a fim de que se solidifiquem mais os

 

  11

Referências utilizadas e recomendadas AFONSO, C.; VANZIN, T. Empreendedorismo Social Como Criatividade Comunitária. Negócios e Tecnologia da Informação. v. 2, p.1-10, 2007. ANDION, C. A Gestão no Campo da Economia Solidária: Particularidades e Desafios. Administração Contemporânea. v. 9, n. 1, p. 79-10, Jan./Mar. 2005. ANTONELLO, C. S. O processo de aprendizagem entre níveis individual, grupal e organizacional: desenvolvimento de competências. Metodista – Organizações em Contexto. Ano 3, n. 5, junho 2007. BARRETO, R. O.; PAULA, A. P. P. Os dilemas da economia solidária: um estudo acerca da dificuldade de inserção dos indivíduos na lógica cooperativista. CADERNOS EBAPE. BR, v. 7, n. 2, artigo 2, Rio de Janeiro, jun. 2009. CENTRO DE MÍDIA INDEPENDENTE BRASIL (CMI). Goiânia, 2007. Disponível em: <http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2007/07/387540.shtml>. Acesso em: 20 abr. 2012. CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E AGRONOMIA DE GOIÁS. Prêmio Crea Goiás de Meio Ambiente 2008. Goiânia, 2009 p. 17-19. Disponível em: <http://www.crea-go.org.br/site/10premio/arquivos/compendios/2008.pdf página 42>. Acesso em: 20 abr. 2012. MAZZEI, B. B.; CRUBELLATE, J. M. Autogestão em Empreendimentos Econômicos Solidários: Um Estudo Comparativo de Casos em Cooperativas de Reciclagem de Lixo de Maringá - PR. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 31., 2007, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2007. CD-ROM. OLIVEIRA, E. M. Empreendedorismo Social no Brasil: atual configuração, perspectivas e desafios – notas introdutórias*. FAE, Curitiba, v. 7, n. 2, p. 9-18, jul./dez. 2004. PREFEITURA DE GOIÂNIA. Programa Goiânia Coleta Seletiva. [2007]. Disponível em: <http://www.goiania.go.gov.br/shtml/coletaseletiva/principal.shtml>. Acesso em: 20 abr. 2012. REVISTA DO SISTEMA FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE GOIÁS, Goiás, 2008 p. 42. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/41184939/goiasind-marco08>. Acesso em: 20 abr. 2012. SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS (SEBRAE). Disponível em: <http://www.sebraemg.com.br/culturadacooperacao/associacoes/04.htm>. Acesso em: 25 abr. 2012. TEIXEIRA, R. M. et al. Empreendedorismo Social e Economia Solidária: o caso da Cooperativa de Agentes Autônomos de Reciclagem de Aracaju. Pensamento Contemporâneo em Administração, n. 9, p. 44-58, 2010.

Page 12: Arrumar Devagarzinho os “Trem”, Puxar Carroças, Bingar ... entrevistas com membros da associação, ... principalmente, manter sua coesão, a fim de que se solidifiquem mais os

 

  12

                                                                                                                                                                             i No caso da ACAC,  foram obtidos a área para a construção de um galpão, 30 casas em frente  a  esse  terreno  e  acesso  ao  uso  de  dois  caminhões  de  coleta  de  materiais recicláveis.