Uma história da intrincada relação entre Antropologia e Teatro
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ANTROPOLOGIA, DIDÁTICA E HISTÓRIA INDÍGENA: CONFLUÊNCIAS E
CONSTRUÇÃO DE SABERES EM FAVOR DA EDUCAÇÃO
Ana Lúcia Franco1
Valdir Aragão do Nascimento2
RESUMO:
O artigo aqui apresentado discute brevemente questões relacionadas às confluências
existentes entre Antropologia, Didática e História Indígena na construção de saberes em
favor da educação. O trabalho tem como objetivo geral descobrir e analisar quais as
possibilidades de encadeamento entre antropologia, didática e história indígena na
elaboração de estratégias de ensino na Escola Estadual Maria Eliza Bocayuva Correa da
Costa, situada na cidade de Campo Grande/MS. No que diz respeito aos objetivos mais
específicos, objetivou-se: compreender como se dá o processo em que as contribuições da
antropologia podem ser – e são – acionadas para fins educacionais como método e uso
didático. Para a obtenção dos dados etnográficos e a realização de entrevista, foram
delimitadas as turmas do 7º ano A - matutino, do ensino fundamental II, com aplicação do
PCNs- na transversal diversidade cultural. O referencial teórico utilizado na composição do
trabalho é tributário da seara da antropologia: Laraia (2009); Mead (2002) e Geertz (2012),
e antropologia da educação: Nascimento (2012); Oliveira (2012); Gusmão (2009) e
Candau (2003). Os materiais e métodos aqui utilizados foram: revisão bibliográfica;
trabalho de campo baseado em observação e entrevistas, tendo como público-alvo os
professores e alunos da escola em questão. A conclusão a que se chegou é que o diálogo
interdisciplinar entre as categorias antropologia, didática e história indígena é de suma
importância no processo de ensino e aprendizado, já que promove a construção e
confluências dos saberes em sala de aula, notadamente aqueles voltados à produção de
estratégias que favoreçam a educação quanto a disseminação de conhecimentos atinentes
aos povos indígenas e seus modos de vida; à quebra de preconceitos arraigados na
mentalidade dos membros da sociedade envolvente e reproduzidos pelo senso comum; e à
construção de uma sociedade melhor, mais humana, fraterna e ciente das diferenças
socioculturais.
Palavras-chave: Antropologia, didática, história indígena.
Grupo de Trabalho 4. Educação em Direitos Humanos e Inclusão
1 Especialista em Antropologia e História dos Povos Indígenas SECADI/MEC/UFMS. Graduação em
História (UCDB). 2 Doutorando em Saúde e Desenvolvimento na Região Centro-Oeste/PPGSD/UFMS – Bolsista Capes.
Mestre em Antropologia Sociocultural/PPGAnt/UFGD. Bacharel em Ciências Sociais (Sociologia)/UFMS.
Professor/orientador do Curso de Especialização em Antropologia e História dos Povos Indígenas
SECADI/MEC/UFMS.
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1 INTRODUÇÃO
Bourdieu, Chamboredon e Passeron (2004) lecionam que no campo acadêmico,
como é largamente sabido, predominam normas e hierarquias peculiares. Dessa
constatação, o que se percebe é que nessa hierarquia das formas de saber, a que
denominamos conhecimento, alguns temas de pesquisa, ou como diriam outros, os objetos
do conhecimento, recebem certa predileção por grande parte dos pesquisadores que se
dedicam à produção de trabalhos científicos (OLIVEIRA, 2015).
Nessa predileção, muitos outros temas de igual relevo ficam à deriva no mar do
conhecimento, ou seja: não despertam as curiosas sensibilidades dos estudiosos, pelo
menos de parte considerável deles. Tal perspectiva é verificável em breve exame dos
espaços de poder/decisão e influência sociocultural que certas áreas do saber ocupam no
cenário científico, notavelmente de maneira mais abrangente –; disso decorre a
estratificação temática e o prestígio acadêmico que se estabelece em cada disciplina
(OLIVEIRA, 2015).
Ainda conforme à análise empreendida por Bourdieu e Passeron (2006, 2008), as
instituições de ensino tradicionais, as escolas, têm para alguns indivíduos a significação de
uma continuação da educação obtida no seio da família; para outros, a significação está
calcada numa espécie de quebra, de ruptura, notadamente assinalada pelo processo de
exclusão para os despossuídos de capital cultural, das diversas maneiras que este se
manifesta, incorporado, objetivado e institucionalizado, para acercar os códigos existentes
no universo escolar (OLIVEIRA, 2012).
Nessa seara desponta o tema da educação como tema ainda pouco trabalhado no
campo científico brasileiro, especificamente por parte dos antropólogos do país. Assertiva
verificada se se analisa as linhas de pesquisa dos vários programas de pós-graduação em
antropologia no Brasil (OLIVEIRA, 2012; 2015). O que é lamentável, já que as populações
indígenas ainda são vistas de maneira distorcida na educação brasileira, o que se pode
constatar na essencialização dos modos e fazeres dos povos indígenas e na negação
sistemática de identidades tão presentes nos livros didáticos produzidos no país
(GUSMÃO, 1997; GRUPIONE, 1994).
Ainda que existam esforços no sentido de viabilizar estratégias de mudança desse
cenário, a situação persiste. A associação entre Antropologia, didática e história indígena
ocorre à revelia das influências e da conhecida morosidade do Estado brasileiro; mas é
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preciso que haja uma reestruturação dessa cenário, a fim de promover metodologias que
inter-relacionem de forma mais efetiva as três categorias aqui discutidas.
Nesse sentido, o texto aqui apresentado buscou abordar as relações e inter-relações
existentes entre a antropologia, a didática e a história indígena em sala de aula. Assim, a
abordagem traz à baila questões de caráter didático/metodológico, com a intenção de
apurar os caminhos percorridos nesses imbricamentos de disciplinas e os seus
desdobramentos na realidade educacional brasileira.
2 ANTROPOLOGIA, DIDÁTICA E HISTÓRIA INDÍGENA: CONFLUÊNCIAS
EM FAVOR DA EDUCAÇÃO
Ainda que não muito explorado o estudo entre a antropologia e a educação, a
importância do diálogo entre antropologia, a didática e a história indígena sinaliza para um
pensar das confluências dessas áreas na construção de saberes em sala de aula. As
construções científicas na antropologia, que atribui para si objetos empíricos, cuja o campo
de conhecimento autônomo foram as “sociedades primitivas”, e que por anos essas
sociedades exóticas foram o foco de pesquisa do momento do surgimento da antropologia,
que por sua vez, tinha como bases de seus pensamentos e métodos o conhecimento a
respeito dos estudos culturais de diferente povos. Na história das ciências humanas, a
antropologia é uma das mais recentes, inicia-se na metade do século XIX, tida como: a
ciência que estuda o homem e sua diversidade sociocultural.
Na definição primeira ou a etimologia da palavra que é de origem grega, antropos
= ser humano e logos = conhecimento. A antropologia tinha naquele momento como
finalidade dar respostas à contradição, entre a unidade genética (biológica) dos seres
humanos e a imensa diversidade (cultural) (AGUILERA URQUIZA, 2016). Com isso a
ideia de que as diversidades entre os povos vinham dos diferentes estágios evolutivos das
culturas, essa matriz teórica ficou conhecida como evolucionismo, e como principais
teóricos na Inglaterra: Spencer, E. Taylor, James Frazer, Henry Maine e nos Estados
Unidos: Henry Morgan, o pensamento desses teóricos era de que as diferenças tinham de
ser compreendidas no campo da cultura, na tentativa de superar a ideia de noção de
unidade unilateral, a partir da Europa como centro da civilização (LAPLANTINE, 2003).
Se opondo a esse pensamento, o difusionismo surge para romper com o
evolucionismo, e acreditava que as culturas tinham seus próprios processo para evoluir e
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que isso se dava através das relações de intercâmbios culturais entre povos. Mas é na
antropologia moderna, na primeira metade do século XX, que muda se a perspectiva da
antropologia e criticasse a tendência preconceituosa e etnocêntrica dos assim chamados,
antropólogos de gabinetes. Essas mudanças procuraram estabelecer o contato direto com os
grupos pesquisados no processo de desenvolvimento da pesquisa, assim, criando um
método de pesquisa por F. Boas e Malinowski, que é o trabalho de campo. Por sua vez,
pensando a antropologia na ciência não do que pesquisa, mas da forma de como se faz a
pesquisa, ou seja, sua metodologia (AGUILERA URQUIZA, 2016).
Como precursores desse novo método, com Boas e Malinowski surge a prática da
etnografia, que vira a ser as produções de trabalhos científicos que tem for finalidade
registrar, descrever e formular analise compreensivas sobre alguma sociedade ou grupo
(AGUILERA URQUIZA, 2016). Isso se dá através da observação participante, que tem o
intuito de propiciar ao pesquisador as experiências e construções do campo, no caso, para
essa pesquisa em questão, me refiro à o uso desse método etnográfico em favor da
educação, com sua aplicação em sala de aula.
Portanto, na construção de saberes em sala de aula, apresentei um breve aporte
teórico sobre a antropologia e a etnografia como método. Nesse contexto, é preciso aludir
sobre o conceito de cultura e sua importância de significados no campo da educação, pois a
escola é um local vivo em que os atores sociais, no caso, os alunos são agentes da própria
construção de saberes em sala de aula e na comunidade escolar. Para a presente pesquisa o
olhar antropológico passa pelo fato de termos que perceber as relações sociais nesse
ambiente, de forma cultural.
No livro Cultura, um conceito antropológico (LARAIA, 2009), o autor traz em seu
bojo, que os seres humanos são culturais, promovendo a conciliação do determinismo
biológico e geográfico que se limitavam sobre fatores culturais nas discussões, sendo
assim, a cultura independente de uma transmissão genética ou de um espaço físico.
Qualquer criança humana pode ser educada em “qualquer cultura, se for colocada desde o
início em situação conveniente de aprendizado” (LARAIA, 2009). Assim, os alunos podem
ser resultados do meio cultural que a educação promove em seu processo educativo e de
socialização em sala de aula e no espaço escolar.
Para Tylor (Apud LARAIA, 2009) em sua definição de cultura no seu amplo
sentido etnográfico: É todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis,
costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro
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de uma sociedade. Esta definição primeira por Taylor é utilizada até os dias atuais, mas a
antropologia moderna contribui para pensar em que os seres humanos partilham símbolos e
significados como membro de um sistema cultural onde estão inseridos. Ou seja, a
educação é uma forma de cultural e é no espaço do ambiente escolar que se dá o processo
das interações culturais e sociabilidade no cotidiano de diferentes sujeitos ali presentes.
Para a construção do trabalho em questão, serão utilizados os conceitos de Geertz
(2012) na pesquisa, através da observação no campo – a sala de aula. Por sua vez, também
a contribuição da antropóloga Margaret Mead (2002) para a educação, que buscou
contribuir com a ideia de educação em espaços não escolares, como os saberes culturais
esses sujeitos (atores sociais ou agentes), trazidos da construção de sua trajetória, seja ela:
familiar, escolar, religiosos e dentre outros ambientes que nos constituem como agentes
culturais.
Quanto à construção do conhecimento antropológico e educacional, Nascimento
assevera que:
[...] verifica-se que – embora pensamentos e conceitos usados na construção do
conhecimento antropológico e educacional foram construídos desde a
antiguidade – a relação mais específica entre essas áreas do conhecimento,
aconteceu na virada do século XIX para o século XX. Em um momento
posterior, na primeira metade do século XX, Franz Boas (1858-1942), um
pensador clássico da Antropologia, juntamente com suas discípulas Ruth
Benedict (18871948) e Margareth Mead (1901-1978), possibilitaram o
surgimento da reflexão a respeito da pedagogia que se aplicava na sociedade
moderna, principalmente na sociedade norte americana, estabelecendo uma forte
crítica em relação aos valores liberais econômicos impostos através da educação
[...] (NASCIMENTO, 2012, p. 56).
Ainda conforme o autor em tela, a maioria dos antropólogos discípulos de Franz
Boas, e, portanto de orientação teórica culturalista, com destaque para Mead e Benedict,
tinham inquietações teóricas no sentido de buscar compreender “[...] o que significava ser
criança e adolescente em outras realidades socioculturais, tomando – como um contraponto
– a sociedade norte-americana da época[...].” (NASCIMENTO, 2012, p. 56). Imbuídos
dessa perspectiva, procuravam definir
[...] a cultura como aquilo que é transmitido entre as gerações e aprendido pelos
membros da sociedade, esses antropólogos se viam imiscuídos com a questão de
delimitar o que é propriamente cultural e, portanto, particular, e o que é natural e,
portanto universal, no comportamento humano. Essas são as bases de um debate
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famoso, o que diferencia nature e nurture, ou o que é inato e o que é adquirido
[...] (NASCIMENTO, 2012, p. 56 grifo nosso).
Segundo Geertz (2012) os significados das ações simbólicas dos atores sociais, a
“Cultura” é percebida à luz de Weber, como uma complexa teia de significados, tecidas
pelos próprios atores sociais, aqui compreendidos como professores e alunos, dando
espaço para uma antropologia interpretativa utilizando o método etnográfico Tentarei
dialogar aqui com a importância da didática na construção de saberes em sala de aula e o
uso da etnografia (educacional) em favor da educação, elucidando alguns teóricos que se
propuseram dialogar entre as áreas, no campo.
Segundo Barbosa e Freitas (2008) na perspectiva didática, sobre seu processo
histórico na educação, o processo de ensino e aprendizagem são conjuntos em sua teoria e
práticas evidenciando a importância da didática para a construção da relação entre
professor e o aluno, assim refletindo e articulando da teoria e prática no processo das ações
do ensino e aprendizagem dentro do espaço escolar.
Sendo a pedagogia a área do conhecimento que estuda a educação, é necessário
entender que a didática está intimamente inserida na Pedagogia, mas como o estudo de
técnicas e métodos que norteiam o ensino e aprendizagem do aluno. Para Comenius, em
sua obra intitulada Didática Magna (2002), a educação era um direito, e as interpretações
sobre a didática, eram percebidas como a arte de ensinar.
Gusmão (2006), discute a necessidade e a possibilidade, bem como a utilidade para
a educação, da união entre Antropologia e educação. A autora menciona o desafio que
existe no caminho dessa efetivação. Reclama, também, da ausência da Antropologia:
Antropologia e educação parecem constituir hoje, um campo de confrontação em
que a compartimentação do saber atribui à antropologia a condição de ciência e à
educação a condição de prática. Dentro dessa divergência primordial, os
profissionais de ambos os lados se acusam e se defendem com base em pré-
noções, práticas reducionistas e muito desconhecimento. Se há muitas coisas que
nos separam – antropólogos e educadores –, há muitas que nos unem.
(GUSMÃO, 2006, p. 299).
No tocante à junção entre Antropologia e Educação, Gusmão (1997) esclarece que,
contrariando a tese defendida por alguns autores, a aproximação entre antropologia e
educação não teve sua gênese na década de 1970. A autora em questão informa que o
contato entre as disciplinas se deu entre os séculos XIX e XX. De acordo com suas
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análises, a Antropologia tem realizado um diálogo profícuo com as pesquisas que têm a
infância e a juventude como objetos de investigação, isso ocorre, segundo ela, desde o final
do século XIX.
No entanto, um grupo considerável de pesquisadores que têm nos estudos da
infância e juventude sua seara de trabalho assevera que tal situação só começou a se
verificar em meados da década de 1970, especificamente no que tange à produção de
conhecimento científico acerca das categorias mencionadas. Segundo essa corrente de
pensamento, a partir da década de 1980 é que começou a se intensificar esse interesse, isso
por conta do processo de redemocratização do país (MARTINS, 2005).
O processo de redemocratização no Brasil é composto – entre muitos outros fatores
- pela aprovação da Constituição Federal e no que concerne à educação pela
implementação da Lei de Diretrizes e Bases em 1996, seguida pela implementação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais em 1997. Essas novas Leis reconhecem o Brasil como
um Estado pluriétnico e voltam à sua atenção para algumas especificidades culturais
inclusive no âmbito educacional (DOURADO, 2007). Além das alterações legais o País
estava diante de uma conjuntura marcada pela reivindicação de direitos e pela
intensificação da diversidade aliada ao crescimento populacional urbano como coloca
(LOPES, 2009).
A antropologia vem no sentido de contribuir com seu conhecimento sobre a
diversidade cultural, étnica, de gênero, o princípio da alteridade, etc. problematizando com
o aluno as diferentes formas de organização social e familiar, religião, valores, a fim de
reconstruir histórias que ficaram ausentes das salas de aula. Portanto, o que se espera como
resultado da visão antropológica da história é redefinir os métodos de ensino.
Quando se alude à temática da diversidade, inúmeros outros subtemas vêm à baila;
mas aqui desenvolvo a argumentação centrada na diversidade étnica relacionada aos povos
indígenas no Brasil, especificamente no estado do Mato Grosso do Sul. Desse modo, a
preocupação é tentar encadear as contribuições dos saberes da antropologia e da didática
no sentido de traçar os melhores caminhos metodológicos para a questão da educação. A
preocupação está em analisar o lugar do índio na história educacional e de oferecer aos
professores um aparato teórico ultrapassando as informações coloniais que relega o
indígena à história eurocêntrica.
Sobre essas contribuições Dauster (2003, p. 23) afirma que o professor teria muito a
lucrar com a abordagem antropológica “[...] olhando seu aluno com outras lentes, ou seja,
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analisando a heterogeneidade e a diversidade sociocultural e abandonando uma postura
etnocêntrica que faz do ‘diferente’ um inferior e da diferença uma ‘privação cultural [...]”.
A relação entre as áreas de conhecimento da Antropologia e Educação ainda é
pouco explorada pelo âmbito acadêmico brasileiro, apesar de o diálogo entre a
antropologia e a educação remeter-se a uma antiga e muito importante questão a respeito
do homem e seu processo de aprendizagem. No Brasil, foi a partir da década de 80 do
século XX, fato já observado acima, que se começou a pensar que entre a Antropologia e a
Educação poderia ser construído um importante diálogo científico e cultural (VALENTE,
2003).
Diante desse cenário, a partir das questões aqui colocadas pelos autores estudados,
nos servimos das indicações de Gusmão (2009) no sentido de construir uma agenda para as
ações da antropologia e da educação nos anos vindouros. Em que pese os oito anos
passados desde a elaboração da proposta original da autora, as questões ainda são atuais:
– fazer reflexões sistemáticas sobre experiências concretas, a partir do diálogo e
vivências compartilhadas; – pensar as políticas públicas que se voltam para uma
educação diferenciada, destinada a segmentos populacionais tradicionalmente
estudados pela antropologia, como por exemplo indígenas e negros; – estudar a
escola como espaço de convívio e de confronto interétnico e campo de
sociabilidade e alteridade, bem como o ambiente social e político em que ela se
insere; – considerar a diversidade de situações e de concepções divergentes
quanto ao que deva ser a escola e o papel que deve representar; – pensar a
educação em contextos interculturais, que tenham a diversidade como valor e,
ainda, que considere o processo intrínseco da experiência social e da vida
cotidiana;– explicitar uma noção de educação ampla, em que a vivência histórica
de relações sociais múltiplas e a reflexão do outro sobre o mundo e sobre si
mesmo ocupem um lugar especial; – encontrar caminhos para uma educação
capaz de despertar e desenvolver a sensibilidade para a diversidade sociocultural
e para a alteridade; – estabelecer relações teóricas e metodológicas possíveis
entre antropologia e educação (GUSMÃO, 2009, p. 43).
Juntar Antropologia e Educação – numa dialogia que resulte em uma possibilidade
de encontros e esforços em um objetivo comum – constitui tarefa realmente hercúlea,
dadas às especificidades das disciplinas em questão e as tensões entre o singular e o
universal; tensões que, para Dauster (2000), permeiam, ou deveriam permear, as
inquietações e os horizontes que norteiam o trabalho dos antropólogos e também dos
educadores.
No que diz respeito à realidade sociocultural do universo escolar no Brasil,
notadamente no que tange à diversidade cultural e aos inúmeros desdobramentos que essa
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categoria encerra, discutir-se-á nesse subcapítulo questões específicas relacionadas ao
contexto escolar, bem como as práticas educativas sensíveis a essas questões,
especificamente a questão atinente à diversidade cultural e ao currículo.
Em uma pesquisa recentemente realizada, vários pesquisadores se debruçaram
sobre o tema da realidade multicultural, em que se levou a Tod@s mostraram-se
associad@s ao que se pode chamar de multiculturalismo crítico (STOER; CORTESÃO,
1999), em que está fortemente presente uma perspectiva emancipatória que envolve, para
além do reconhecimento da diversidade e das diferenças culturais, a análise e o desafio das
relações de poder sempre implicadas em situações em que culturas extremamente
diferentes coexistem no mesmo espaço (MOREIRA; CANDAU, 2003; GARCIA
CANCLINE, 1999).
Essa postura, calcada na esperança de dias melhores no cenário educativo
brasileiro, traz no seu bojo a necessidade de uma forma de educação docente – voltada para
tod@s – de uma ação docente que realmente seja orientada para a multiculturalidade. Em
outras palavras: uma ação que tenha por objetivo o enfrentamento dos desafios provocados
pela diversidade cultural na sociedade e nas salas de aulas (MOREIRA; CANDAU, 2003).
Mas essa postura requer ainda uma superação do “daltonismo cultural” comumente
tão em voga nas escolas, responsável, como acreditam Moreira e Candau (2003) “pela
desconsideração do “arco-íris de culturas” com que se precisa trabalhar. Requer uma
perspectiva que valorize e leve em conta a riqueza decorrente da existência de diferentes
culturas no espaço escolar.” Mas. Não é somente a superação desse daltonismo social que
resolveria o problema; mas também “estratégias pedagógicas que permitam lidar com essa
heterogeneidade. Destacamos algumas, sem esgotá-las, complementando-as com pontos de
vista e sugestões que se encontram na literatura especializada sobre multiculturalismo.”
(MOREIRA; CANDAU, 2003).
3. CONFLUÊNCIAS E CONSTRUÇÃO DE SABERES EM SALA DE AULA NA
E.E. MARIA ELIZA BOCAYUVA CORREA DA COSTA- CAMPO GRANDE /MS
A Escola Estadual Maria Eliza Bocayuva Correa da Costa está localizada à Rua
Cyro Araujo Franca, 500, Vila Margarida, Campo Grande Mato Grosso do Sul. De acordo
com dados coletados junto ao IBGE, Censo de 2016, a escola teve matriculados no Ensino
Fundamental I: 184 alunos; Ensino Fundamental II: 285; e no Ensino Médio: 471.
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As influências e múltiplas inter-relações entre a Antropologia, a Didática e a
História Indígena na sala de aula, especificamente na escola em análise, são percebidas na
realização das aulas de história, em que o professor relaciona textos da área de
antropologia com contribuições da área de história indígena.
Não temos material preparado só para as aulas de história indígena, então a gente
utiliza o livro didático e outras ferramentas. Às vezes pinço da internet trabalhos
do Mestrado e Doutorado da UCDB para poder subsidiar as aulas. Mas isso leva
tempo. A preparação da aula é cansativa e nem sempre surte o efeito desejado.
Faço o que posso [Professor/Entrevistado 1].
Essa dificuldade é sentida por professores de outras escolas que também necessitam
elaborar material didático no seu cotidiano. A solução adotada é uma espécie de
bricolagem, em que os professores se desdobram na dupla tarefe de entender os conteúdos
que leem, colhidos de dissertações, teses e artigos, e tentam adequar as informações à
realidade dos alunos com os quais trabalham. “Não é uma tarefa fácil, sabe? As
informações trazidas pela antropologia e pela história indígena vão de encontro a todo o
universo cultural no qual os alunos estão inseridos”, afirma outro professor.
A dificuldade de preparar a aula com esses temas é terrível. Às vezes, nem a
gente consegue aceitar muito facilmente o conteúdo. Dia desses li um livro de
antropologia, acho que era sobre os índios paraguaios3. Rapaz, lá eles matavam
os pais porque eles ficavam velhos e não podiam acompanhar o grupo. Caí na
besteira de levantar o tema da diversidade cultural por esse viés. Os alunos
ficaram chocados e não conseguiram assimilar. Mas o erro foi meu. Agora eu
uso textos que tenham a ver com o cotidiano cultural da nossa própria sociedade
[Professor/Entrevistado 2].
A difícil aceitação de outras realidades socioculturais por parte desses alunos é um
exercício diário. No começo existe sim um estranhamento, certa repulsa; mas faz parte da
mentalidade etnocêntrica com todos somos formados nas escolas. Mas com o tempo, esses
pré-conceitos vão sendo superados e os alunos começam a perceber que existem outras
maneiras de organização sociocultural; e que a nossa sociedade é uma possibilidade dentre
tantas outras.
A respeito das ferramentas utilizadas na composição das aulas, quando inquiridos
sobre os livros didáticos, alguns responderam que eram insuficientes, dado não
reproduzirem a realidade dos alunos daquela escola em particular.
3 O trabalho ao qual se refere o professor entrevistado é o livro de Pierre Clastres Crônica dos Índios
Guayaki: o que sabem os Aché, caçadores nômades do Paraguai. Rio de Janeiro: Ed. 34.
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Os livros didáticos, eu já percebi, têm vários problemas. Eles costumam
essencializar a história indígena e todos os indígenas, consequentemente. È tudo
igual, quer dizer, eles aparecem nos livros como se fossem todos da mesma
etnia. Nçao há preocupação com a contextualização, com as diferenças culturais
de cada povo. A gente tem de fazer malabarismo pra poder usar sem confundir a
cabeça dos alunos [Professor/Entrevistado 4]
O problema se localiza entre os materiais aos quais os docentes se debruçam para
planejar suas aulas. A grande disparidade entre os textos antropológicos, teses,
dissertações, artigos, e os conteúdos vinculados nos livros didáticos. Assim, o professor
tem de ter certa sensibilidade para poder lidar com as informações, e cuidado redobrado ao
preparar suas aulas, evitando reproduzir pré-conceitos, preconceitos e ideias etnocêntricas.
Aqui entram as contribuições da didática, não no sentido de uma fábrica de teorias
úteis; mas na ênfase de seu o papel social como área do conhecimento que fundamenta a
ação docente. A didática não é aqui compreendida como um mero conjunto de técnicas, e
sim um campo do saber em que a possibilidade da mediação entre a teoria educacional e a
prática em sala de aula é uma preocupação constante. Alguns docentes admitiram certa
dificuldade na compreensão de textos antropológicos, preferindo por isso trabalhar com
textos da área de história para montar seus planos de trabalho.
O problema em trabalhar com dados etnológicos não está nos dados em si, mas na
forma com que são encarados pelos docentes. Mas isso não é uma deficiência na formação
do professor, tem a ver mais com o universo científico no qual ele foi formado. Se sua
formação é na área de história, fica mais difícil assimilar os textos na hora da preparação
das aulas. Não se quer aqui atribuir hierarquia entre as disciplinas, ou ainda querer afirmar
a supremacia de uma em relação à outra. Mas sim que são campos de saber com diferenças
epistemológicas e abordagens metodológicas, o que naturalmente causa certa dificuldade,
no início, na apreensão conceitual de ambos os campos de conhecimento. É nesse espaço
que a didática tem muito a contribuir, na medida em que constrói elementos que facultam
os entendimentos dos campos da educação, da antropologia e da história indígena em sala
de aula.
A antropologia tem muito a contribuir com a educação. Mas para tanto é necessário
afinar os instrumentos teórico-metodológicos que possibilitem a interação entre as duas
áreas; ações que já vêm sendo desenvolvidas nas universidades do país – haja vista o
interesse de vários pesquisadores com o tema da transversalidade e seus possíveis
desdobramentos.
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Para o desenvolvimento de um exercício etnográfico num viés educacional, tal para
as construções de saberes no espaço escolar/sala de aula e suas confluências com a
antropologia para a desconstrução e construção da história indígena, aqui apresentada a
partir da proposta do PCNs, na transversal diversidade cultural. A análise dos dados e sua
construção se deu pelo o uso teórico-metodológico para uma etnografia a favor da
educação, a antropologia interpretativa proposta por Geertz (2012), na perspectiva de uma
“descrição densa”4, que seria parte integrante do objeto antropológico colocado por ele em
seu conceito de cultura.
A descrição densa defendida e apresentada por ele está embasada em três
características que se fundamentam em uma: ser interpretativa. Assim, a descrição densa
serve para “traçar curva do discurso social: fixá-lo numa forma inspecionável.” (GEERTZ,
2012, p. 13). Sendo assim, seriam as interpretações peculiares do fluxo do discurso social
para salvar o que foi dito em registros pesquisáveis, com a finalidade que não se extinga. O
antropólogo, diante deste discurso, anota e regista algo que não deixa de existir após ter
acontecido se tornando assim um relato na pesquisa de campo. Em resumo: a descrição
etnográfica é formada pela interpretação do discurso e o registro deste relato.
A Escola Estadual Maria Eliza Bocayuva Corrêa da Costa, na cidade de Campo
Grande-MS, apresentou para os professores um projeto “Feira do Conhecimento”, no 2º
semestre do ano de 2016, neste, desenvolver com toda a comunidade escolar, o Ensino
Fundamental e Ensino Médio do período matutino, os Temas Transversais: Ética; Saúde;
Meio Ambiente; Orientação Sexual e Pluralidade Cultural, proposta no PCNs. A turma
escolhida para o desenvolvimento da proposta em questão foi o 7º ano A, do Ensino
Fundamental II, no período matutino, nas aulas de história.
Nesse momento trago a narração da proposta levantada pela escola e em seguida a
experiência vivenciada por mim e com os alunos no desenvolvimento do projeto. Fotos e
diálogos fazem parte da construção dos saberes em sala de aula. Os recursos para a
apresentação do trabalho foi direcionado pela coordenação pedagógica, para que houvesse
a utilização de recursos midiáticos na construção de um curta metragem/vídeo produzidos
pelos alunos, mesmo assim, os alunos fizeram uma exposição.
4 A descrição densa aqui realizada é posta em aspas para deixar claro o caráter de referência. Isto é, não
houve no sentido estrito do termo a construção de uma descrição densa, dado o tempo e o propósito desse
trabalho.
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A temática escolhida para essa turma foi proposta na planilha apresentada pela
coordenação pedagógica da escola, o Tema 4. Pluralidade Cultural, referida no PCNs:
Para viver democraticamente em uma sociedade plural é preciso respeitar os
diferentes grupos e culturas que a constituem. A sociedade brasileira é formada
não só por diferentes etnias, como por imigrantes de diferentes países. Além
disso, as migrações colocam em contato grupos diferenciados. Sabe-se que as
regiões brasileiras têm características culturais bastante diversas e a convivência
entre grupos diferenciados nos planos social e cultural muitas vezes é marcada
pelo preconceito e pela discriminação. O grande desafio da escola é investir na
superação da discriminação e dar a conhecer a riqueza representada pela
diversidade etno-cultural que compõe o patrimônio sociocultural brasileiro,
valorizando a trajetória particular dos grupos que compõem a sociedade. Nesse
sentido, a escola deve ser local de diálogo, de aprender a conviver, vivenciando a
própria cultura e respeitando as diferentes formas de expressão cultural (PCN,
1995, p.).
A experiência narrada aqui, foram as construções e diálogos nas aulas de história,
com os alunos do 7º ano A, que delimitaram trabalhar com a temática indígena, e dentre as
etnias do estado do Mato Grosso do Sul, foi escolhido pela turma a etnia Terena, sobre sua
culinária, e que esta, seria apresentado através de um vídeo: TV Terena, com apresentação
do tema e entrevista com indígenas. A escolha dos alunos se deu por terem uma colega
Terena em sala de aula. O que é interessante num espaço plural como a sala de aula, para
debater discriminação e conhecer riquezas étnico-racial dessa sociedade tão plural,
sobretudo, no ambiente escolar.
Delimitei que toda semana, nosso calendário do projeto seria uma aula de
história direcionada para o desenvolvimento do projeto: “TV Terena” cuja reportagem era
sobre a cultura e culinária terena. Após escolha de tema, foi criado um roteiro sequencial
das aulas e as pesquisas para a elaboração do produto. Inicialmente dividimos a sala em
grupos: roteiro, pesquisa, edição, foto, entrevistas, câmera, compras e comidas, produção e
produção de slides do processo. Na sequência as aulas aconteciam com os grupos reunidos
para a produção e criação da TV Terena, nome escolhido para apresentarem a entrevista
sobre o povo Terena e a sua culinária.
A arte foi pensada em conjunto e como não tinha como montar um cenário da
maneira como os alunos queriam, dei a ideia de utilizarmos o espaço da sala de aula
mesmo, onde o grupo de produção se prontificou em elaborar. Para o grupo de produção a
ideia foi se adequar aos imprevistos do processo: “Professora, o grupo decidiu utilizar o
quadro e escrever nele TV Terena, porque era para ter feito a arte no Power Point, e
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esqueceram de trazer no pen drive, para projetar. Vai ser a mão mesmo o desenho, vamos
montar a mesa e a fazer a gravação” (Grupo de produção, 7º A).
A fachada do programa aconteceu nos imprevistos de ocorrem quando se trabalha
em grupo. Mesmo assim, os alunos que se responsabilizaram por fazer a produção,
montaram o cenário para que ocorresse os testes de gravação. O grupo de pesquisa foi a
primeira etapa do processo, pois, os mesmos fizeram a pesquisa sobre o povo Terena; sua
culinária e apresentaram o texto para a sala de aula, assim, passando no quadro para
registro sobre a temática e do conteúdo como construção dos conhecimentos da história do
povo terena. Foram duas aulas direcionadas para a pesquisa.
Como sabemos a pesquisa é essencial para a construção do conhecimento. O
material trazido pelo grupo de pesquisa foi muito relevante quanto às características da
pesquisa em confluência com os saberes da aluna indígena Terena sobre a trajetória do seu
povo. Os diálogos para o conhecer sobre povo Terena e a questão indígena, principalmente
no estado do MS, levam as desconstruções do senso comum arraigado nas curiosidades dos
alunos e que muitas vezes o livro didático não atende.
Quando perguntados se do aprendizado da cultura do povo Terena e o que mudou
nos conhecimentos sobre os povos indígenas? Obtive o seguinte relato:
Interessante como é o jeito de viver de outras culturas, né! Como eles
vivem em nosso meio e que isso me faz pensar que não somos todos
iguais, todos tempos culturas, qualidades e defeitos diferentes. É muito
legal conhecer a cultura do outro e achei legal a mãe da colega nos ajudar
nisso, estar disponível para a pesquisa. (G.M., 12 ano, aluno do 7º A).
O relato é do aluno que faz parte do grupo de edição do projeto. Sua resposta me
leva a refletir que ainda existe um grande trabalho de estudos teórico-metodológicos pela
frente para desconstruir e desmistificar sobre a questão indígena. Ao mesmo tempo
fomenta e abre caminhos quando ele percebe que existem cosmologias diferentes, na sua
maneira de entender, reconhecer e expressar sobre diferentes culturas, e que isso é
vivenciado e percebido no ambiente escolar/ sala de aula. Haja vista que os discursos são
recheados de significados, tanto na descrição densa, para a antropologia e no exercício de
uma etnografia, são as diferentes maneiras de interpretação desses significados dos atores
sociais (quem fala) (GEERTZ, 2012), que nos mostram as maneiras subjetivas de
intepretação de cada aluno na construção dos saberes.
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Após o embasamento teórico dos alunos com o conteúdo do tema abordado, com
material da pesquisa, o grupo de roteiro fez a produção do roteiro para a gravação do
programa TV Terena. Duas aulas foram direcionadas para elaboração do roteiro, discussão
e correção do mesmo. Para as próximas duas aulas o grupo da entrevista elaborou as
perguntas para a correção das mesmas, para que fossem feita a entrevista com a mãe da
aluna indígena D.C.S, a senhora S.S., sobre a culinária e outras curiosidades. A entrevista
foi feita pelas alunas G.G.F. e D.C.S., através de uma gravação com a câmera do celular
direcionando pergunta e gravando as respostas.
O grupo de compras e comida ficou responsável pela pesquisa e levantar os
ingredientes para que fossemos comprar das indígenas Terena, num local próximo a escola.
A sala levantou o valor de o valor de R$ 30,00 reais, para comprar os alimentos para a
amostra no dia da culminância. As compras foram feitas no contra turno com o grupo
responsável, acompanhados pela professora. Sobre a experiência dos alunos na saída a
campo depois de toda a pesquisa construída, e vivenciarem um contato para além dos
muros da escola. Sobre o contato com indígenas da etnia Terena, a aluna relata:
“Foi muito importante pra mim conhecer de perto, a professora nos levou
onde os indígenas estavam vendendo milho, feijão, maxixe, pimenta,
várias coisas. Lá mesmo com vergonha a professora pediu para se
apresentar que estávamos fazendo um trabalho sobre a culinária Terena e
por isso fomos comprar os produtos. Foi muito bom para meu
aprendizado!” (M.R.C., 12 anos, aluna do 7ºA)
O campo reporta as experiências e construções da observação direta, para melhor
compreender a vida social e cultural do povo Terena. O contato com sujeito de estudo, faz
toda a diferença para compreendermos o outro, assim como: pensar, agir, sentir, interpretar
e explicar a realidade em que vivem.
Os grupos de foto e produção de slides foram fazendo registros do processo e
montando slides para apresentar o andamento do projeto para a coordenação e sala de aula,
porém esses slides não foram concluídos para apresentação do mesmo. No andamento do
processo da construção dos slides e, que já havia sido apresentado para a professora na sala
de aula, o mesmo fora perdido por um membro do grupo e não conseguiram fazer outro a
tempo.
Na sequência, como a finalização de todo o processo para a execução do programa,
no contra turno do período de aula, o grupo de produção, câmera, edição e roteiro se
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reuniram para a produção e gravação do vídeo TV Terena, na escola. Foi montado o
cenário pelos alunos da produção, o grupo de câmera para a gravação do programa, o
grupo de roteiro como apoio e texto. Após várias tentativas, gravado o programa, o grupo
de edição levou para editarem em casa e trouxeram pronto para o dia da culminância na
escola.
A turma do 7ºano A, apresentou o programa para a comunidade escolar, foi
montada uma barraca expondo os alimentos comprados pelos alunos, comida típicas da
culinária Terena feita pelos pais dos alunos e por eles mesmos, cartazes com fotos, placas
com o nome do alimento e a receita. Os alunos apresentavam a culinária contando da
experiência vivenciada por eles da compra dos produtos. Alguns artesanatos da etnia foram
expostas junto a comida como decoração, não foi aprofundado estudo sobre o tema
artesanato Terena. As apresentações dos vídeos foram apresentados por toda a comunidade
de escolar envolvida do período matutino, ensino fundamental II e ensino médio e para
toda a escola. Cada sala apresentava o vídeo relatando como foi o andamento do trabalho
que seria apresentado por sua turma e como foi o aprendizado.
Segue a apresentação representada por um aluno da turma:
Bom dia! Bom, nosso trabalho foi sobre diversidade cultural e
escolhemos o tema: Culinária Terena. O vídeo que vamos apresentar e
um programa chamado TV Terena, nele fazemos uma entrevista com a
mãe da nossa colega de sala que é indígena Terena e que a mãe dela nos
ajudou no trabalho. O programa entrevista a senhora S.S., sobre sua
cultura e especificamente a culinária. Espero que goste e obrigada! (Y.S.,
13 anos, aluna do 7º A).
A fala da aluna na apresentação para a comunidade escolar, mostra a importância
de provocar e promover o estudo das transversais, pois tiveram trabalhos de outras
temáticas excelente na feira. O estudo da história indígena com os alunos do 7ª ano A, foi
um caminho de muito estudo e dedicação de ambas as partes, e também de muitas dúvidas,
tanto dos alunos quanto do professor, pois o campo de estudo das áreas escolhidas não
estão acessíveis no material didático e nem pedagógico, portanto, as buscam eram através
de material particular, elaborado e pesquisado.
A omissão do ambiente escolar como local de troca de saberes sobre a questão
indígena (dentre outros), não colaboraram para uma sociedade mais consciente e muitas
vezes deixa limitações para o diálogo entre as áreas de antropologia, didática para o estudo
da história indígena. A etnografia (educacional) nos apresenta a possibilidade de apreensão
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do seu uso no universo escolar, para uma melhor reflexão na construção de conhecimentos
(OLIVEIRA, 2013, p.275).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É sabido que existe um cabedal de saberes, e que segundo Freire (1987) “Não há
saber mais e nem saber menos, há saberes diferentes”, todavia, essa riqueza que a sala de
aula proporciona na construção de saberes, requer auxílios didáticos e metodológicos para
o ensino e aprendizagem do aluno. Também, pesquisas e material de apoio sobre a
temática e seus conceitos. Assim, pensar numa etnografia educacional, se utilizando como
método de apoio para a pesquisa, o aporte teórico e metodológico da antropologia,
sobretudo, num viés da educação.
Experienciar e direcionar os alunos como pesquisadores e agente da própria
pesquisa requer muita dedicação e estudos. A pós-graduação proporcionou uma base de
conhecimentos que auxiliaram nas aulas de história, sobretudo, com as temáticas
transversais: pluralidade cultural e aplicação da lei 11.645/2008. Como professora e agente
da pesquisa, também compreendi a necessidade de pensar novos instrumentos que possam
nortear a educação e agenciar os alunos para um ensino e aprendizagem mais crítico e
consciente. Pois, é no espaço escola/sala de aula que descontruímos preconceitos e o senso
comum arraigado em nosso cotidiano.
Para viver democraticamente em uma sociedade plural é preciso respeitar os
diferentes grupos e culturas que a constituem. A sociedade brasileira é formada não só por
diferentes etnias, como por imigrantes de diferentes países. Além disso, as migrações
colocam em contato grupos diferenciados. Sabe-se que as regiões brasileiras têm
características culturais bastante diversas e a convivência entre grupos diferenciados nos
planos social e cultural muitas vezes é marcada pelo preconceito e pela discriminação.
O grande desafio da escola é investir na superação da discriminação e dar a
conhecer a riqueza representada pela diversidade etnocultural que compõe o patrimônio
sociocultural brasileiro, valorizando a trajetória particular dos grupos que compõem a
sociedade. Nesse sentido, a escola deve ser local de diálogo, de aprender a conviver,
vivenciando a própria cultura e respeitando as diferentes formas de expressão cultural, nos
saberes já existentes confluindo com a construção de novas perspectivas do conhecer em
sala de aula.
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Contudo, as iniciativas nesse sentido esbarram na morosidade e má vontade de
agentes políticos, acostumados a polemizar sobre diversos temas, mas não resolver
nenhum de maneira efetiva. Existe, em alguma medida, diálogo em sala de aula a respeito
das imbricações entre antropologia, didática e história indígena, posto que essas categorias
estão inegavelmente presentes na realidade da sala de aula. O professor quando prepara sua
aula sobre a temática indígena recorre, além do material que lhe é oferecido, também aos
livros disponíveis sobre o tema, para que sua aula não reproduza a lógica essencializante
dos livros didáticos.
As confluências existentes entre Antropologia, Didática e História Indígena na
construção de saberes em sala de aula são uma constante no dia a dia dos professores nas
escolas públicas. O professor, por exemplo, sobre a temática da cultura Terena, tem que
elaborar o material didático para trabalhar em sala de aula, haja vista a inexistência desse.
Desse modo, ele tem de criar, a partir de sua experiência e das técnicas didáticas à
disposição, ou aquelas que ele criar, para desenvolver o conteúdo. Dialogar e repensar
didática e antropologia (como método e uso didático) para um ensino e aprendizagem nas
aulas de história, sobretudo, história indígena se faz necessário para a construção dos
saberes no espaço escolar, trazendo uma nova perspectiva de contribuição em favor da
educação.
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