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mas a Santa Adélia me ganhou.” A executiva representa um novo modelo de profissional que está ganhando cada vez mais importân- cia no agronegócio: o gerente alta- mente qualificado. Está ficando para trás, definitivamente, o profis- sional identificado como o passador de recados do dono do negócio, ou aquele sujeito que era apenas a mão de obra bruta na lida no campo. Segundo Leonardo Sá, CEO da bra- sileira Prodap, de Belo Horizonte (MG), empresa que atua em consul- toria, software de gestão e nutrição animal, antes, a imagem do bom gerente era o profissional que anda- va a cavalo, acompanhando a boia- da. “Hoje, ele precisa analisar informações, entender sobre processos, mercado, finanças e relacionamento”, afirma Sá. Para Marcelo Botelho, gerente de agronegó- cios da Michael Page, empresa inglesa especializada em recrutamento de executivos de alta e média gerência, a solidez nas passagens por empresas, o tamanho das pro- priedades, a quantidade de pessoas sob a sua gestão, a capacidade de fazer sucessores e a experiência em intro- duzir novas tecnologias e processos são alguns requisitos almejados nesse novo gerente, um profissional bastante missão? Reestruturar a área de suprimentos da usina de bioenergia Santa Adélia, que pertence à família Bellodi desde a década de 1940. São três unidades: a matriz, mais as dos municípios de Sud Mennucci e Pereira Barreto, também no interior de São Paulo. Na safra passada, a usina faturou R$ 860,3 milhões. “Consegui resultados expressivos para a minha car- reira na TAM, mas vi que estava na hora de buscar outras oportunidades”, diz Silva. “Quando aceitei o convite, estava avaliando também outras propostas, AGR OCARREIRA DINHEIRO RURAL/149-JULHO-2017 51 epois de uma carreira de 15 anos na TAM, a maior empresa brasileira de aviação, hoje LATAM, a engenheira química Edmara Marques Rodrigues da Silva, paulista de 43 anos, com doutorado em engenharia de materiais, literalmente mudou de ares. Há 11 meses, ela deixou para trás turbinas, decolagens e trens de pouso para aterrissar em Jaboticabal, município do interior paulis- ta, que é um mar de cana-de-açúcar. Sua DINHEIRO RURAL/149-JULHO-2017 50 D BÉTH MÉLO MAIS DO QUE O CONHECIMENTO TÉCNICO, AS FAZENDAS QUEREM PROFISSIONAIS COM UMA VISÃO SISTÊMICA, O QUE INCLUI GESTÃO DO NEGÓCIO, DAS FINANÇAS E DE PESSOAS OS NOVOS GERENTES DO AGRONEGOCIO Não gosto de rotina e de coisas simples. Se há problemas, pode me chamar EDMARA MARQUES RODRIGUES DA SILVA gerente sênior da Usina Santa Adélia MUDANÇA: o engenheiro civil Milton Dino Frank Junior rendeu-se ao agronegócio e gerencia um projeto de silvicultura em Peixe (TO)

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mas a Santa Adélia me ganhou.”A executiva representa um novo

modelo de profissional que está ganhando cada vez mais importân-cia no agronegócio: o gerente alta-mente qualificado. Está ficando para trás, definitivamente, o profis-sional identificado como o passador de recados do dono do negócio, ou aquele sujeito que era apenas a mão de obra bruta na lida no campo. Segundo Leonardo Sá, CEO da bra-sileira Prodap, de Belo Horizonte (MG), empresa que atua em consul-toria, software de gestão e nutrição animal, antes, a imagem do bom gerente era o profissional que anda-va a cavalo, acompanhando a boia-

da. “Hoje, ele precisa analisar informações, entender sobre processos, mercado, finanças e relacionamento”, afirma Sá. Para Marcelo Botelho, gerente de agronegó-cios da Michael Page, empresa inglesa especializada em recrutamento de executivos de alta e média gerência, a solidez nas passagens por empresas, o tamanho das pro-priedades, a quantidade de pessoas sob a sua gestão, a capacidade de fazer sucessores e a experiência em intro-duzir novas tecnologias e processos são alguns requisitos almejados nesse novo gerente, um profissional bastante

missão? Reestruturar a área de suprimentos da usina de bioenergia Santa Adélia, que pertence à família Bellodi desde a década de 1940. São três unidades: a matriz, mais as dos municípios de Sud Mennucci e Pereira Barreto, também no interior de São Paulo. Na safra passada, a usina faturou R$ 860,3 milhões. “Consegui resultados expressivos para a minha car-reira na TAM, mas vi que estava na hora de buscar outras oportunidades”, diz Silva. “Quando aceitei o convite, estava avaliando também outras propostas,

A g r o c A r r e i r A

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epois de uma carreira de 15 anos na TAM, a maior empresa brasileira de aviação, hoje LATAM, a engenheira química Edmara Marques Rodrigues da Silva, paulista de 43 anos, com doutorado em engenharia de materiais, literalmente mudou de ares. Há 11 meses, ela deixou para trás turbinas, decolagens e trens de pouso para aterrissar em jaboticabal, município do interior paulis-ta, que é um mar de cana-de-açúcar. Sua

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DBéth Mélo

Mais do que o conheciMento técnico, as fazendas quereM profissionais coM uMa visão sistêMica, o que inclui gestão do negócio, das finanças e de pessoas

Os NOVOs GERENTEs DO AGRONEGOCIO

Não gosto de rotina e de coisas simples. Se há problemas, pode me chamar

edMara Marques rodrigues da silvagerente sênior da usina santa adélia

mudança: o engenheiro civil Milton Dino Frank

Junior rendeu-se ao agronegócio e

gerencia um projeto de silvicultura em

Peixe (TO)

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disputado e com demanda crescente. “O agronegócio tem se sofisticado e a briga pela maior produtividade também foi junto, para que, no final das contas, uma fazenda tenha retorno financeiro”, diz Botelho. Segundo o executivo, que considera o setor um meio interessante para se fazer carreira, o gestor moderno é, antes de tudo, um profissional que agrega conhecimen-to técnico e gestão de pessoas. Mas há poucos profissio-nais no mercado, preparados para uma carreira que demanda por uma visão sistêmica do agronegócio.

Não por acaso, as empresas estão buscando por ges-tores em outros segmentos para atuar nas fazendas. É o caso da engenheira Silva, que na TAM iniciou a car-reira como trainee e era uma peça importante na engrenagem do companhia aérea. Ela conta que, entre

os seus projetos, conseguiu redu-zir o consumo de combustível das aeronaves em 2,5% e implantou um sistema de navegação de voo em oito meses, tempo considerado bem curto no setor. “Fiquei sete anos na gerência de pla-nejamento e seis anos na gerência de suprimentos.

Aprendi muito”, afirma ela. Na época, Silva chegou a ter uma equipe de 150 funcionários. Hoje na usina Santa Adélia ela comanda 60 pessoas, para atender as áreas agrícola, de manutenção dos equipamentos e a industrial. “Não gosto de rotina e de coisas simples. Se há problemas, pode me chamar”, garante ela. A usina produtora de açúcar, etanol e energia elétrica, que empregou uma mulher no cargo de gerente pela pri-meira vez, já começa a contabilizar os resultados. Silva conseguiu implementar uma nova metodologia de con-trole de estoques que reduziu os custos da usina em R$ 2,2 milhões no ano. não por acaso, ela já tem pla-nos para o futuro. Talvez faça um MBA em agronegó-cio, de olho em uma diretoria. “O trabalho na usina está oxigenando a minha carreira, vou ficando por aqui enquanto tiver desafios”, diz Silva. “Para quem quer crescer na carreira, o agronegócio é um ramo fértil, com muitas oportunidades.”

Foi o crescimento acelerado do agronegócio, e a recente sofisticação de sua gestão, que levou à corrida por profissionais que lidam diretamente com as equi-pes de campo. E de acordo com Sá, esse movimento tem levado a uma remuneração também mais polpuda. “Nas grandes fazendas, o salário de um gerente é comparado ao de grandes empresas urbanas”, diz Sá. “Além disso, há um pacote de benefícios e remunera-ção variável.” A faixa de renda para esse grupo de elite na gerência pode variar de R$ 12 mil até R$ 20 mil, dependendo do porte da propriedade e das atri-buições. São profissionais cada vez mais demandados para projetos agrícolas e pecuários em Estados como Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, principalmente.

Mas, para Sá, a formação profissional de um gerente não é uma tarefa fácil. isso porque os ensinamentos sobre teorias gerenciais estão fatiadas no mercado, sem

sa. Para isso, a propriedade mantém programas de estágio com algumas universidades, entre elas a Federal de Lavras (MG), mais a uSP de Pirassununga e a unesp de jaboticabal, ambas no interior de São Paulo. “isso traz conhecimento e novas tecnologias para toda a equipe de campo”, diz Massoneto. “E é importante para a carreira de um gestor se envolver nesses processos.”

de acordo com Botelho, da Michael Page, o gerente que deseja deixar um legado e formar uma equipe em bases sólidas deve buscar por uma formação robus-ta. “Cursos de gestão estratégica e MBA, por exemplo, ajudam a enten-der o agronegócio e o seu

entorno”, diz ele. isso porque o papel de gerente, mui-tas vezes, tem sido mais elástico do que as atribui-ções que o cargo comporta. É o caso do engenheiro civil carioca Milton dino Frank júnior, 57 anos. desde o início de 2016, ele é gerente de um projeto de silvicultu-ra nas fazendas Primavera, São josé e Santa Rosa, em Peixe (TO), que pertence aos investidores Valdomiro Montes júnior e Carlos Eduardo Mattos Barroso, donos de cartórios no interior do País. São cinco mil hectares de eucalipto, mogno africano, acácia e florestas nativas, tocado por uma equipe de 25 pessoas. Frank júnior só não coloca dinheiro no negócio, as demais decisões, inclusive como utilizar os recursos, ficam a seu critério. “A proposta desse meu novo serviço foi irrecusável, cheguei ao topo. Sou gerente, mas tenho o status de diretor”, diz ele. Suas funções para adminis-trar o projeto extrapolam o cargo por ele ser um profis-sional experiente. Frank júnior já morou nos Estados unidos e na França, e por oito anos foi gerente de suprimentos e de comércio exterior na Segmenta, empresa do Grupo Eurofarma, e na Equiplex, empresa farmacêutica familiar, de Aparecida de Goiânia (GO). Esse foi o único período fora do agronegócio. “Sempre tive como foco a carreira de gerente”, diz ele. Para Frank júnior, esse sempre foi o cargo ideal.

Cursos de gestão estratégica e MBA, por exemplo, ajudam a entender o agronegócio

Nas grandes fazendas, a remuneração de um gerente é comparada à de grandes empresas urbanas

Marcelo Botelho, gerente de agronegócios da Michael Page

leonardo sá, ceo da Prodap

R$ 12 milaté

R$ 20 milé a média salarial nos médios e grandes projetos do setor

A g r o f i N A N Ç A S

eles estÃo no JogoO que o mercado oferece aos novos gerentes e as habilidades exigidas

construir e manter eQuIpeS

É um tRunFo para a promoção

na carreiraFoRmaçÃo tÉCnICa é fundamental

é preciso ser Competente na anÁLISe

de InFoRmaçÃo, entender processos, mercado e fi nanças

que haja um lugar que ofereça uma especialização com-pleta. Nas universidades, por exemplo, está apenas a parte técnica a engenheiros agrônomos, veterinários e zootecnistas, para ficar nas profissões correlatas ao setor. já as empresas de consultoria, têm como foco cursos de gestão, finanças e liderança.

O médico veterinário joão Paulo Martinelli Massoneto, 35 anos, gerente geral da Agropecuária Água Preta, em Cocalinho (MT), no vale do rio Araguaia, diz que participa de até três congressos ou simpósios, por ano. isso, mesmo depois de se especiali-zar em nutrição de ruminantes na Esalq/uSP, em Piracicaba (SP), após concluir o curso na unesp de jaboticabal (SP), em 2004. Para ele, é uma forma de aprendizado e de troca de experiência com profissionais de outras fazendas. “O olho do gerente tem de ser maior que o do dono”, afirma Massonetto. “Porque, às vezes, o dono deixa escapar muita coisa.” A fazenda de 38,3 mil hectares possui uma equipe de 78 funcionários e um rebanho de 28,2 mil bovinos, entre nelore comer-cial e de cruzamento industrial. A fazenda cria meio-sangue nelore com a raça espanhola rubia galega, para atender ao programa de carne especial do grupo Pão de Açúcar. Para agregar conhecimento, a ideia também é tornar a fazenda uma unidade de extensão em pesqui-

SempRe atento: para o médico

veterinário João Paulo

Massonetto, oolho do gerente

tem de ser maior que o do dono

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