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ACÓRDÃO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 9- 24.2016.6.26.0242 CLASSE 6 VÁRZEA PAULISTA SÃO PAULO Relator: Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto Agravante: Ministério Público Eleitoral Agravados: Nilson Solla e outro Advogados: Cristopher Rezende Guerra Aguiar OAB: 203028/SP e outros ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INTRUMENTO. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO EXPLÍCITO DE VOTO. POSSIBILIDADE DA REALIZAÇÃO DE GASTOS NO PERÍODO DA PRÉ- CAMPANHA. FIXAÇÃO DE TESE PARA A ANÁLISE DE CASOS A PARTIR DAS ELEIÇÕES DE 2018. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Sob uma perspectiva constitucional, a questão relativa à propaganda prematura pode ser vista a partir de altas garantias aparentemente antagônicas: de um lado, a liberdade de expressão e o direito à informação; de outro, a igualdade de oportunidades entre os candidatos e a competitividade das eleições. 2. A solução do problema relativo à comunicação entre os atores políticos e a comunidade demanda um exame mais profundo a respeito de tais temas, inclusive para que se vençam percepções equivocadas que sugerem que os preceitos apontados se encontram em confronto. 3. No Direito Eleitoral, o caráter dialético imanente às disputas político-eleitorais exige maior deferência às liberdades de expressão e de pensamento. Neste cenário, recomenda-se a intervenção mínima do Judiciário nas manifestações próprias da vida democrática e do embate eleitoral, sob pena de se tolher o conteúdo da liberdade de expressão. 4. No âmbito político-eleitoral, a proeminência da liberdade de expressão deve ser trasladada por óbvias razões: os cidadãos devem ser informados da variedade e da riqueza de assuntos respeitantes a eventuais candidatos, bem como das ações parlamentares

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AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 9-24.2016.6.26.0242 – CLASSE 6 – VÁRZEA PAULISTA – SÃO PAULO Relator: Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto Agravante: Ministério Público Eleitoral Agravados: Nilson Solla e outro Advogados: Cristopher Rezende Guerra Aguiar – OAB: 203028/SP e outros

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INTRUMENTO. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO EXPLÍCITO DE VOTO. POSSIBILIDADE DA REALIZAÇÃO DE GASTOS NO PERÍODO DA PRÉ-CAMPANHA. FIXAÇÃO DE TESE PARA A ANÁLISE DE CASOS A PARTIR DAS ELEIÇÕES DE 2018. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Sob uma perspectiva constitucional, a questão relativa à propaganda prematura pode ser vista a partir de altas garantias aparentemente antagônicas: de um lado, a liberdade de expressão e o direito à informação; de outro, a igualdade de oportunidades entre os candidatos e a competitividade das eleições. 2. A solução do problema relativo à comunicação entre os atores políticos e a comunidade demanda um exame mais profundo a respeito de tais temas, inclusive para que se vençam percepções equivocadas que sugerem que os preceitos apontados se encontram em confronto. 3. No Direito Eleitoral, o caráter dialético imanente às disputas político-eleitorais exige maior deferência às liberdades de expressão e de pensamento. Neste cenário, recomenda-se a intervenção mínima do Judiciário nas manifestações próprias da vida democrática e do embate eleitoral, sob pena de se tolher o conteúdo da liberdade de expressão. 4. No âmbito político-eleitoral, a proeminência da liberdade de expressão deve ser trasladada por óbvias razões: os cidadãos devem ser informados da variedade e da riqueza de assuntos respeitantes a eventuais candidatos, bem como das ações parlamentares

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praticadas pelos detentores de mandato eletivo, sem que isso implique, em linha de princípio, violação às normas que regulam a paridade da disputa (FUX; FRAZÃO. Novos Paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 116-119). 5. No campo da comunicação política, então, a livre circulação de ideias e opiniões deve prosperar, em definitivo, porque a democracia se desenvolve sob a crença no valor do diálogo e sob a premissa de que os sujeitos participantes gozam de capacidade intelectual para tomar parte, em condições de igualdade, das circunstâncias relativas aos assuntos que conclamam uma atenção comum (PERROUX, apud BURGUERA AMEAVE. Democracia electoral: comunicación y poder. Madrid: Congreso de los Diputados, 2013, p. 33). 6. Como consequência, a lógica da disputa democrática conduz à conclusão de que o Poder Judiciário só pode “[...] interferir na relação direta que deve existir entre o eleitor e o candidato quando isso se fizer realmente necessário”, inclusive porque a autocontenção judicial colabora com “o processo de formação da vontade livre do povo” (GUEDES. “As eleições municipais e o processo da democracia”. Consultor Jurídico, 17.9.2012). 7. Nesse diapasão, chamo a atenção para o fato de que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos considera violadoras da liberdade de expressão interpretações excessivamente rígidas sobre as normas de propaganda, para o fim de rechaçar a aplicação de punições em virtude de atos publicitários que, pela dimensão, não alterem o necessário equilíbrio entre as oportunidades dos diversos candidatos (Bowman vs. Reino Unido, 19.02.1998). Com efeito, o TEDH sugere que, em geral, “[...] um maior nível de liberdade de expressão redunda em eleições mais livres, enquanto que, ao inverso, restrições excessivas ou injustificadas sobre o discurso soem ensejar processos com mais baixa qualidade democrática”. 8. Bem a propósito, a importância da liberdade de expressão para os fins do processo democrático é frequentemente salientada pela jurisprudência das cortes internacionais, valendo mencionar, entre tantos, os casos Ricardo Canese vs. Paraguai (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2004), Lingens vs. Áustria, Mathieu-Mohin e Clerfayt vs. Bélgica e Partido Comunista Unido da Turquia vs. Turquia (Tribunal Europeu de Direitos Humanos, 1986, 1987 e 1998, respectivamente), todos em favor da livre circulação de ideias como premissa básica para a condução do processo democrático. 9. Também assim, a Corte Interamericana de Direitos Humanos entende que a liberdade de expressão é de ser amplamente protegida, não somente em função de sua

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dimensão individual, por servir de base para o exercício da autonomia pessoal, mas ainda em razão de sua dimensão coletiva, plena de relevância em virtude da centralidade que essa liberdade assume para um adequado funcionamento do regime democrático de governo, abrindo vias para um debate público vigoroso e para uma participação informada da cidadania, submetendo-se a constante escrutínio a ação das autoridades (Opinião Consultiva nº 5/1985). 10. Na esteira desses éditos, cumpre às cortes eleitorais o papel de assegurar a máxima amplitude do debate, somente intervindo em hipóteses estritas, inevitáveis e excepcionais, quando as atividades de comunicação representem, sem margem para dúvidas, riscos concretos (i) para a autodeterminação na formação da opinião eleitoral ou, em última instância, (ii) para a própria integridade da disputa. 11. Isso porque as regras do jogo democrático supõem que a preferência eleitoral se desenvolva à luz de um ambiente comunicativo qualificado pela presença de uma opinião pública livre, condição somente possível em sistemas simpáticos ao desenvolvimento de “estruturas policêntricas” na atividade de compartilhamento de mensagens, ideias e informações. 12. Ademais, a liberdade para o exercício do sufrágio “não é garantida unicamente pela ausência de qualquer tipo de pressão ou coação durante o seu exercício, exigindo [também] que o eleitor disponha da informação necessária sobre as opções eleitorais”, o que faz com que surja, para o Estado, inclusive para os seus órgãos jurisdicionais, o dever de “[...] zelar para que todos os cidadãos possam ter os elementos necessários para votar de maneira consciente, depois de haver recebido de forma apropriada as informações referentes ao seu meio social e político, assim como às alternativas políticas existentes” (HOLGADO HERNÁNDEZ apud ALVIM. Cobertura política e integridade eleitoral. Florianópolis: Habitus, 2018, p. 136). 13. É sabido, contudo, que mesmo as democracias mais liberais desconhecem a existência de direitos absolutos, tendo em vista que prerrogativas ilimitadas tornariam impossível a concretização de uma vida social em liberdade. Por essa razão, as liberdades constitucionais encontram-se condicionadas à adequação do indivíduo à ordem jurídica da comunidade global (BADENI.Tratado de libertad de prensa. Buenos Aires: Lexis Nevis, 2002, p. 21). 14. Nessa medida, o espírito constitucional admite que aos direitos fundamentais sejam impostas restrições razoáveis, assim consideradas aquelas vocacionadas à

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harmonização dos interesses individuais rumo à satisfação do interesse comum. Nessa esteira, Robert Alexy reputa impossível a existência de um “estado global de liberdade”, não apenas em função dos choques entre direitos subjetivos e competências que condicionam a sua existência, mas ainda em função de inúmeras características presentes na organização estatal e na sociedade (Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 379). 15. Por esse prisma, não há negar que mesmo liberdades preferenciais, como a liberdade de expressão, podem ser limitadas no plano jurídico, máxime quando o seu modo de exteriorização redunde em um menoscabo de outro princípio prioritário segundo as lentes da Constituição. 16. Nessa trilha, recordo que alguns dos principais diplomas transnacionais em matéria de direitos humanos são claros em ressaltar que aquela liberdade, embora ocupe lugar de destaque no plexo de garantias fundamentais asseguradas pelo direito comunitário, encontra limites quando o seu exercício importe em um menoscabo dos direitos alheios. Vejam-se, no particular, as ressalvas expressas encontradas no art. 13, item 2, a, do Pacto de San José da Costa Rica, bem como no art. 10 da Convenção Europeia de Direitos Humanos. 17. O ponto-chave da celeuma gira em torno de saber se o espectro da liberdade de expressão pode ser limitado em nome da preservação da igualdade de oportunidades entre as forças políticas que participam da disputa. 18. Em uma análise abstrata, a resposta é positiva, não apenas porque a máxima da igualdade ostenta o status de princípio constitucional estruturante da disciplina (SALGADO. Princípios constitucionais eleitorais. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 189), como também pelo fato de que a paridade da disputa, enquanto componente axial para a legitimidade das eleições, pode justificar – desde que atendidas determinadas condições –, em tese, a identificação de limitações implícitas à liberdade de expressão. 19. Eis a razão pela qual, na relatoria do julgamento referente ao REspe nº 5.124/MG, tive o cuidado de ressalvar a possibilidade de aplicação de sanções diante de práticas de propaganda aptas ao comprometimento da paridade de armas entre os players. 20. Sem embargo, na presente oportunidade, em que se discute uma proposta de fixação de tese, faz-se necessário submeter o princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos a uma maior reflexão, sobretudo em função dos impactos projetados por uma decisão de tamanha importância.

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21. A regulamentação temporal da propaganda encontra amparo na premissa de que a busca pela igualdade deve inspirar todos os planos do espectro normativo, afetando sobremaneira o cenário eleitoral, tendo em vista que os preceitos que inspiram a organização comunitária devem incidir sobre as regras aplicáveis à técnica de legitimação da representação popular. 22. Nessa senda, a imposição de fronteiras cronológicas às atividades de proselitismo tem o triplo propósito de: “a) garantir a todos os competidores um mesmo prazo para realizarem as atividades de captação de voto; b) mitigar o efeito da assimetria de recursos econômicos na viabilidade das campanhas, combatendo a influência do poder econômico sobre os resultados dos pleitos; e c) impedir que determinados competidores extraiam vantagens indevidas de seus cargos ou do acesso à mídia para iniciar a disputa eleitoral mais cedo” (OSORIO. Direito Eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 188-189). 23. Indo além, pontuo que “a centralidade da igualdade de oportunidades decorre de ser ela um pressuposto para a concorrência livre e equilibrada entre os competidores do processo político, motivo por que a sua inobservância não afeta apenas a disputa eleitoral, mas amesquinha a essência do próprio processo democrático” (FUX; FRAZÃO. Novos paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 119). 24. De fato, a igualdade de condições entre os postulantes habita o substrato ético das competições eleitorais, havendo de ser estritamente observada em todas as consultas populares, sob pena de sujeitá-las a um flagrante e inescapável processo de deslegitimação. Afinal, “em um processo [realmente] democrático, os contendores devem ter um grau razoável de igualdade de oportunidades, para que se estabeleça uma competição livre e equilibrada, para que possam participar na formação da vontade política do eleitoral” (GONÇALVES FIGUEIREDO. Manual de Derecho Electoral. Buenos Aires: Di Lalla, 2013, p. 226). 25. Por tais razões, o princípio da equivalência de condições, atrelado à ideia de eleições competitivas, encontra-se - explícita ou implicitamente - insculpido em inúmeros diplomas domésticos, cabendo elencar, a título de ilustração, a Constituição Portuguesa (arts. 47º e 113º, 3, “b”) e a Constituição Espanhola (art. 23), além de importantes documentos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 21º, 2), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 25º) e a Carta Democrática Interamericana (art. 23, “c”). 26. Quanto ao Brasil, o silêncio da Carta Política “[...] não

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significa que o preceito esteja dissociado do zeitgeist constitucional. A estrutura do edifício constitutivo do Estado brasileiro apresenta claros indícios sobre a necessidade de se respeitar a isonomia eleitoral (princípio democrático, princípio republicano, sufrágio igualitário) não apenas de forma conceitual, mas também mediante ações. Demais disso, é evidente que uma alusão expressa à ‘igualdade de oportunidades entre os candidatos’ pode ser vista como uma ‘medida supérflua’, haja vista que o seu conteúdo certamente habita o espectro do direito geral de igualdade previsto no caput do art. 5º da Carta Maior. A ideia decorre, também, do fato de o constituinte claramente ter optado pela defesa intransigente da legitimidade das eleições (art. 14, § 9º) e, de forma ainda mais contundente, pela ampliação do plexo de prerrogativas fundamentais operada pelo art. 5º, §2º, que incorpora ao ordenamento interno normas oriundas de tratados que tenham entre os signatários o Estado brasileiro, hipótese que abarca os pactos internacionais alhures mencionados” [Declaração Universal de Direitos Humanos; Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos; Pacto de San José da Costa Rica] (CARVALHO; ALVIM. A igualdade de oportunidades entre os candidatos e a dessimetria do horário eleitoral gratuito. In: FUX et al. Tratado de Direito Eleitoral. Tomo II. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 289-290). 27. Em síntese, é certo que a igualdade de oportunidades entre os competidores eleitorais integra a ordem constitucional brasileira, não apenas porque “o postulado de igualdade tem ampla aplicação entre nós, não se afigurando possível limitar ou restringir a sua aplicação a determinadas situações ou atividades”, mas ainda porque “a concorrência é imanente ao regime democrático” (MENDES. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, pp. 797-799). 28. Empós de afirmar o seu caráter constitucional, friso que, no âmbito particular da propaganda, a aplicação do preceito impele à conclusão de que as regras do jogo democrático supõem que as campanhas eleitorais sejam espaços onde se ofereçam, em igualdade de condições, informações aos votantes sobre as diversas opções políticas. 29. Nessa quadra, atua como pressuposto do sistema a concepção de que os eleitores devem tomar as suas decisões munidos dos melhores “elementos de juízo”, depois de um escrutínio crítico estimulado pela existência de uma opinião pública livre (PÉREZ DE LA FUENTE. Libertad de expresión y discurso político. Valencia: Tirant lo Blanch, 2014, p. 19). 30. Ao fim e ao cabo, a regulação das campanhas – e a

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hermenêutica conferida a essas normas – deve “conferir visibilidade às distintas opções eleitorais e dotá-las de garantias especiais com o fim de que a decisão dos eleitores seja formada sob condições mínimas de liberdade”. Em última instância, o princípio da igualdade de oportunidades deve atuar como um “mandado de otimização da visibilidade das forças políticas que concorrem nas eleições”, mandado esse que, em sua “dimensão negativa”, afiança a impressão de leituras jurisprudenciais tendentes à diminuição de “situações de superioridade fática” que prejudiquem a competitividade da disputa (SÁNCHEZ MUÑOZ. La igualdad de oportunidades en las competiciones electorales. Madrid: CEPC, 2007, p. 243 e p. 72). 31. Nada obstante, chamo a atenção para a afirmação de que o telos subjacente ao comando igualitário tem em mira a busca de uma igualdade material, em especial porque a busca por uma equiparação meramente formal deporia contra o índice ideal de competitividade do pleito, em face da presença de um quadro marcado por uma evidente distância entre os pontos de partida de cada um dos players. 32. Posto de outra forma, a aplicação de uma exegese fria, no particular, não faria sentido, sobremodo porque teria como produto inarredável a perpetuação de um flagrante sistema de vantagens, adverso à oxigenação ínsita ao ideal republicano, que apela à construção de uma ordem política constantemente renovável. 33. Nessa quadra, concluo que uma hermenêutica compatível com a manutenção da paridade de armas entre as forças confrontantes deve primar pela amenização dos desníveis, com o fito de prestigiar leituras que excluam do ambiente em que se enfrentam os candidatos as características de campo inclinado (uneven playing fields), de sorte a que se assegure o direito difuso a uma “disputa justa”. 34. Sendo, pois, perceptível que a acentuada limitação do tempo de campanha privilegia, em medidas extensas, um conjunto de candidatos em detrimento dos demais, urge, como decorrência, dotar de garantias a liberdade antecipada do discurso, sob pena de se reduzir o sentido da celebração dos pleitos, transformando-os em meros instrumentos de transferência de poder a figuras políticas favorecidas pela inércia ou pela extremada visibilidade inerente. 35. É palmar, nessa linha de pensamento, a constatação de que as “limitações exacerbadas e a redução do tempo de propaganda” agem, em conjunto, “a favor de quem já é conhecido, dificultando a renovação política inerente à periodicidade das eleições” (SILVA. “Propaganda eleitoral

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na imprensa escrita e a liberdade editorial de apoio político”. In: FUX et al. Tratado de Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 204). 36. Por outro lado, em perspectiva adicional, a máxima da igualdade, tantas vezes violada, no país, por uma arraigada cultura de transgressão, é de ser defendida justamente com a ampliação do discurso, sendo, portanto, ilógica e falaciosa a visão de que uma drástica liberalização da comunicação, no plano das campanhas políticas, daria ensejo a abusos, quanto mais por ser “[...] imprescindível para a democratização das sociedades que o eleitor esteja informado, para que possa assumir posições, promover ideias, decidir sobre o programa político ou candidato que melhor representa ou defende os valores de um dado contexto social e está mais apto a gerir a coisa pública; portanto, escolher quem pode, em nome do povo, promover o alcance das finalidades para as quais o Estado, como ideologia que é, foi concebido, quais sejam: administrar os bens públicos e satisfazer as necessidades sociais” (FREITAS; CARVALHO. “A liberdade à informação do eleitor e o seu núcleo de questionamentos: Por quê? Para quê? Por quem?” In: FUX et al. Tratado de Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 334). 37. Por fim, não me parece adequado provir de um tribunal democrático, notadamente um tribunal eleitoral, qualquer decisão que empobreça o livre embate de ideias e, via de consequência, atrofie ou desestimule o talante participativo, mormente porque a tarefa de celebrar as eleições implica, por arrastamento, a tarefa de levar a cabo todas as suas funções, entre as quais figura, com elevado destaque, a promoção da revitalização e do engajamento cívico. 38. Bastante pertinente, a propósito, reconhecer que o protagonismo da Justiça Eleitoral no desenrolar das consultas populares deve ser visto com reservas, sobretudo porque dele deriva, entre outros riscos, o de se “afastar o cidadão do debate, a partir de uma excessiva tutela ou de uma desconsideração total de sua capacidade para fazer escolhas” (SALGADO. Princípios constitucionais eleitorais. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 36). 39. Na mesma senda, cabe reconhecer que excluir as pessoas dos processos democráticos, inclusive da batalha dialética, é algo que só pode gerar o desinteresse pela política, lançando a sociedade em um estado letárgico, próximo da apatia. O ideal democrático, como se sabe, depende da adoção de uma postura radicalmente contrária, tendente à construção de uma rede de incentivos que permita que os cidadãos

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dialoguem, estendendo à política as suas impressões, assim como as suas experiências morais e de vida (DOWRKIN. A virtude soberana. Teoria e prática da igualdade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2016, p. 273). 40. A partir dessas premissas, passo a analisar, detalhadamente, os critérios para a aferição da existência de propaganda eleitoral antecipada, sugeridos pelo Ministro Admar Gonzaga Neto em seu laborioso voto. 41. De início, não acompanho a pretensão de se conferir ao conceito de “pedido explícito de voto” uma interpretação extensiva, a avançar sobre “elementos extrínsecos da mensagem”, por três fundamentos principais. 41.1 Primeiro, porque a comunicação política, na medida em que materializa o exercício de direitos fundamentais (liberdade de expressão e direito a informação), atrai a incidência de uma hermenêutica protetiva. 41.2 Com efeito, é lição elementar na dogmática da teoria geral dos direitos fundamentais que as restrições ao âmbito de proteção dessas liberdades devem ser interpretadas restritivamente (NOVAIS. “As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição”. Coimbra: Coimbra Editora, 2003). 41.3 Tal compreensão insta o intérprete a conferir o maior elastério hermenêutico possível às cláusulas constitucionais definidoras de direitos fundamentais, de maneira a permitir a fruição pelos seus titulares. É o que ensina Konrad Hesse, quando afirma que o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais significa que “na resolução dos problemas jurídico-constitucionais, [deve] ser dada preferência àqueles pontos de vista que [...] proporcionem às normas da Constituição uma força de efeito ótima” (HESSE. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, p. 68). 41.4 Referido axioma deve ser trasladado a fortiori ao microssistema da propaganda eleitoral, de modo que, em tal ambiente, sempre que se deparar com uma alternativa de fala não vedada expressamente pela lei, deve-se prestigiar a interpretação que potencialize a liberdade fundamental de se expressar, assim como o direito fundamental de acesso a toda informação potencialmente relevante para a formação da opinião do eleitor. 41.5 Segundo, porque o Código Eleitoral, em seu art. 219, prestigia a técnica de interpretação teleológica, na medida em que determina que as autoridades judiciais observem, na aplicação da lei eleitoral, os fins e os resultados a que ela se destina. Nesse diapasão, por considerar que as normas eleitorais devem ser vistas como “técnicas a

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serviço da democracia”, torna-se primaz a adoção de leituras que prestigiem os seus cânones fundamentais, máxime quando posta a possibilidade de uma máxima harmonização. No âmbito particular de exame, volto a frisar que a liberdade de expressão vem ao encontro da igualdade material e do estímulo à participação por meio de um debate mais franco, aberto, contínuo e plural. 41.6 Terceiro, porque a punição fundada no escrutínio de “elementos extrínsecos da mensagem” revela-se, concessa venia, desacertada e ilegal, seja porque (i) é inequívoca a mensagem legislativa quanto à opção da proibição exclusiva do pedido de voto explícito, seja porque (ii) o intento implica a assunção de uma postura acentuadamente intrusiva e tutelar por parte da Justiça Eleitoral, incompatível com o espírito da autodeterminação do eleitor, seja, finalmente, porque (iii) a postura parte de uma percepção falaz quanto à real capacidade de convencimento assumida por nuanças e símbolos comunicativos, amparando-se, de consequência, em uma evidente sobrevaloração da determinância cognitiva encampada por cores, palavras de ordem, slogans e brandings. 42. Em conclusão, vindo de assentar (i) a ausência de previsão legal e (ii) a falta de uma margem intepretativa apta à legitimação de uma posição contrária, julgo que por “explícito” deve-se entender, apenas e tão somente, o pedido formulado “de maneira clara e não subentendida”, e, como consequência, excluo do espectro de alcance do comando proibitivo toda a sorte de mensagens indiretas ou equívocas, em uma palavra, inexplícitas, dessa forma admitindo como lícito o uso dos chamados símbolos eleitorais distintivos. 43. Em termos mais claros, considero válida a proscrição de “expressões semanticamente similares ao pedido explícito do voto”, porquanto certamente compreendidas pelo espírito da norma; entretanto descarto o uso de “elementos extrínsecos ao conteúdo” como parâmetro apto à determinação da ilicitude da linguagem verificada, tendo em vista que a noção de “pedido explícito” opõe-se, conceitualmente, à lógica das insinuações, tendo em vista que pressupõe a existência de um ato de comunicação frontal e retilíneo, o que exclui o sugerido, o denotado, o pressuposto, o indireto, o latente, o sinuoso e o subentendido. 44. O segundo parâmetro proposto (“o meio em que foi realizada a suposta propaganda”), de outra banda, traz à baila uma discussão essencial, qual seja, a de saber se a liberdade de expressão no contexto pré-eleitoral carrega, implicitamente, a autorização para despesas com as diversas atividades discursivas.

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45. Encontram-se, sobre o tema, duas linhas doutrinárias retamente conflitantes. 45.1 Uma primeira corrente, de viés liberal, pugna pela impossibilidade de sanção pela realização de gastos na pré-campanha, ante a ausência de proibição expressa. Segundo os seus defensores, a liberdade para a manifestação do pensamento engloba todos os gastos que lhes são subjacentes. 45.2 Em perspectiva oposta, uma segunda corrente, de viés garantista, considera que a realização de gastos pode redundar em um aumento das distâncias entre os contendores, firmando, portanto, a ideia de que a plena autorização para a antecipação da candidatura não enseja, automaticamente, uma ancha liberação para o dispêndio antecipado de recursos. 46. Em minha visão, a celeuma relativa à possibilidade de realização de gastos no período referente à pré-campanha deve ser solucionada em uma terceira via, à luz da necessidade de concessão da máxima eficácia aos direitos fundamentais postos em questão: se as eleições democráticas têm de ser livres, autênticas e disputadas, é preciso garantir que todos os candidatos, assim como suas ideias e projetos políticos, possam ser igualmente conhecidos por todos. Como consequência, é dever do sistema (e de seus intérpretes) cuidar para que todos os competidores “disponham, em igualdade de condições, de garantias suficientes para o exercício da liberdade de comunicação política” (BURGUERA AMEAVE, Leyre. Democracia electoral: comunicación y poder. Madrid: Congreso de los Diputados, 2013, p. 63 – tradução livre). 47. Por um lado, a proibição total e apriorística de gastos, pleiteada pela corrente garantista, suplantaria o direito à liberdade de expressão, notadamente por ser contraditório entoar loas à garantia do discurso, todavia vedando o uso de ferramentas que o tornem, de fato, efetivo. Quanto mais porque, nesse contexto, o discurso nada mais é do que um instrumento para o exercício de influência, com vistas ao estímulo da participação e do engajamento político e, principalmente, ao incremento da visibilidade das alternativas e, como consequência, da competitividade do pleito. 48. Não há negar, portanto, que a completa exclusão do dinheiro acarretaria graves limitações fáticas ao exercício da liberdade de expressão, máxime porque mesmo as formas mais comezinhas de propaganda carregam, naturalmente, os seus respectivos custos intrínsecos. 49. Não ignoro, contudo, que uma posição liberal, absolutamente tolerante com a injeção de recursos financeiros em momento anterior à campanha, teria o

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condão de comprometer a igualdade de condições entre os competidores, frustrando a expectativa de que o discurso antecipado funcione como um instrumento para a equiparação das chances de cada postulante na disputa. 50. Isso porque uma concepção talhada para a proteção do tíbio “orador da esquina” (o pré-candidato em situação de desvantagem) pode ser utilizada pelos sujeitos privilegiados no mercado da comunicação, fazendo com que a proteção da autonomia, ao invés de enriquecer, produza um efeito contrário, tendente ao empobrecimento da qualidade do debate público (FISS. Libertad de expresión e discurso social. Coyoacán: Fontamara, 1997, p. 24). 51. De consequência, uma análise realista do problema precisa lidar com a hipótese de que o laissez-faire absoluto venha a acarretar um irrecuperável aumento das distâncias entre as alternativas políticas em confronto. 52. É preciso, então, buscar meio-termo, isto é, uma forma de acomodar as garantias constitucionais em evidência, tendo-se como parâmetro óbvio o quadro normativo posto, com o fim de evitar a imposição de restrições contra legem, estipuladas para além das alternativas de coibição permitidas pelo sistema. 53. Nessa quadra, relembro que a atividade de comunicação entre partidos, candidatos e eleitores é regida pelo princípio da liberdade de propaganda, na esteira do qual são consideradas permitidas todas as estratégias discursivas não expressamente vedadas por lei. Como consequência, toda e qualquer restrição a ser imposta sobre suas formas de manifestação deve encontrar respaldo em princípios ou normas cogentes. 54. Por outro lado, o arcabouço conformador do denominado direito eleitoral sancionador encontra-se subordinado ao princípio da legalidade, cuja lógica recusa tanto (i) a imposição de reprimendas sem um devido (e prévio) anteparo legal, nos termos do art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal, como (ii) a impressão imponderada de leituras exegéticas restritivas. 55. Posto o que antecede, à vista das flagrantes diferenças ontológicas entre a propaganda eleitoral propriamente dita e o diálogo político travado entre atores políticos e cidadãos nos demais momentos da vida democrática, considero que as limitações atinentes à realização de gastos de campanha não incidem absolutamente sobre as atividades desenvolvidas no cenário pré-eleitoral. 56. Volto a frisar que a liberdade de expressão, enquanto direito fundamental, atrai a aplicação de uma hermenêutica restritiva, e que a contenção de

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prerrogativas estruturantes somente é cabível quando superado o chamado teste tripartite, cujo primeiro passo diz com a necessidade de que a restrição esteja prevista “de forma clara, geral e taxativa”, o que, obviamente, não ocorre no caso (OSORIO. Direito Eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 118). 57. Ademais, uma proposta de interpretação tendente à estipulação de proibições a priori, como a veiculada nos autos, esbarra em uma das três máximas parciais a que se refere Robert Alexy, em especial a da necessidade, a impor que os direitos fundamentais, quando tenham de ser limitados, sejam-no sempre por intermédio do mandamento menos gravoso possível (ALEXY. Teoria dos direitos fundamentais. 2. Ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 117). 58. A esse respeito, entendo desnecessário que a salvaguarda da igualdade de condições seja feita mediante a completa exclusão do dinheiro no momento da pré-campanha, tanto (i) porque o dinheiro é elemento imprescindível para a plena realização da liberdade de expressão, como ainda (ii) pelo fato de que os casos de abuso podem ser examinados e eventualmente sancionados a posteriori por esta Justiça Especializada, v.g. em sede de ação de investigação judicial eleitoral. 59. Em vista do exposto, abstenho-me de avançar sobre garantias fundamentais, como a liberdade de expressão, por acreditar que “as decisões judiciais só serão democráticas e constitucionalmente legítimas quando tornem possível a plena vigência das pré-condições da democracia” (AMAYA. Los derechos políticos. Buenos Aires: Astrea, 2015, p. 30). 60. Com essas considerações, julgo inexistir fundamento legal ou razão lógica para que se repute absolutamente proscrito, v.g, o uso de adesivos e materiais impressos durante o período da pré-campanha eleitoral. 61. Sem embargo, pontuo que a inexistência de proibição expressa especificamente direcionada à realização de despesas por ocasião da pré-campanha não representa um óbice intransponível ao estabelecimento de limites às atividades de publicidade antecipada, mormente pelo fato de que o modelo constitucional submete o arranjo ordinário aos princípios da legitimidade e da competitividade das eleições. 62. Assim é que a realização de gastos, conquanto não esteja, de antemão, condenada, pode (e deve) ser coibida, sempre que as manifestações comunicativas assumam dimensões extraordinárias ou contornos abusivos. 62.1 Para essa análise, são, sem dúvida, válidos os

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critérios de “reiteração da conduta”, “período de veiculação” e “abrangência”, sabiamente sugeridos pelo eminente Ministro Admar Gonzaga, os quais, entretanto, podem ser complementados. 62.2 Nesse caminho, esses parâmetros devem ser examinados à luz de uma comparação hipotética, mostrando-se toleráveis todas as ações de publicidade que estejam ao alcance das possibilidades do “pré-candidato médio”. Assim, entendem-se lícitas as ações publicitárias não extraordinárias, isto é, aquelas possíveis de ser realizadas pelos demais virtuais concorrentes. 63. Também assim, acato a sugestão de que se considere vedado no período pré-eleitoral o uso de formas e instrumentos de campanha igualmente proscritos no período em que se inicia a proteção qualificada do discurso, o que faço a partir de uma leitura sistêmica. 64. Saliento, no entanto, que esse entendimento deve prosperar somente no que tange a mensagens eleitorais lícitas, é dizer, sem pedido explícito de voto, para o que recobram valor os critérios outrora fixados por este Tribunal para a identificação da propaganda prematura. 65. Em termos mais claros, sugiro que os conteúdos que estampem (i) a ampla divulgação da candidatura, ainda que de maneira disfarçada ou subliminar; (ii) o real de qualidades que conduzam o eleitorado a acreditar ser o candidato qualificado para o desempenho das funções inerentes ao cargo que almeja; ou (iii) a divulgação de plano de governo ou plataforma de campanha sejam a partir de agora aplicados com uma nova finalidade: não mais para a identificação do que se pune (porque a punição, como regra, depende do pedido de voto explícito), mas para a identificação do que possui conteúdo eleitoral apto a atrair a aplicação das restrições de forma que incidem sobre a propaganda eleitoral no período oficial. 66. Em contrapartida, as mensagens de cunho político estrito (não eleitoral) ou de mera promoção pessoal, como notas laudatórias, homenagens, declarações de apoio, exposição de ideias e princípios abstratos, assim como pensamentos afins, na medida em que não constituem propaganda eleitoral propriamente dita, remanescem amplamente livres, não enfrentando, em princípio, quaisquer interdições relativas à forma. 67. Por fim, acolho in totum a sugestão de análise da condição do autor do fato, especialmente com o fito de possibilitar que os órgãos jurisdicionais eleitorais confiram uma maior deferência às manifestações surgidas espontaneamente do cidadão-eleitor, a quem o modelo constitucional assegura, nos limites mais amplos, o poder-

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dever de vigilância e de crítica, assim como o direito de realimentar o espírito cívico e o credo democrático mediante o exercício da política como um instrumento de transformação da realidade social. 68. Em conclusão, no que diz com a proposta de fixação de tese, voto: (i) pelo acolhimento in totum do terceiro e do quarto critérios propostos pelo Ministro Admar Gonzaga Neto, bem ainda pela recepção parcial do segundo, no ponto específico em que atrai para as manifestações tipicamente eleitorais as contenções de forma incidentes sobre a publicidade autorizada no período oficial; e, em contrapartida, (ii) pela rejeição integral do primeiro critério proposto, assim como pela recusa parcial do segundo, no ponto específico em que pretende atribuir, a priori, algum desvalor para o uso de materiais típicos de campanha (como adesivos e materiais impressos). 69. Ao teor do exposto, com o propósito de amainar a sombra de incerteza imperante em torno do tema, propiciando a todos os interessados a necessária segurança jurídica, consigno que as questões fundamentais relativas à (i)licitude das manifestações públicas no momento pré-eleitoral podem, em meu sentir, ser assim resumidas: 69.1 no que tange ao conteúdo discursivo, resguardada a preservação de prerrogativas fundamentais, como o direito à honra e à intimidade, o falar é livre, sendo somente limitado pela realização de pedido explícito de voto; 69.2 insere-se no conceito de pedido explícito o uso de expressões que lhes sejam, a toda evidência, semanticamente semelhantes, como as magic words, mas não o recurso a brandings, signos políticos distintivos ou quaisquer outros elementos extrínsecos à mensagem; 69.3 a liberdade de expressão no período pré-eleitoral enseja consigo, em linha de princípio, a possibilidade de realização de gastos moderados, em ordem a possibilitar o seu exercício em termos minimamente efetivos; 69.4 esses gastos podem ser suportados pelos pré-candidatos; 69.5 não obstante, reserva-se à Justiça Eleitoral a competência para a análise e punição em face de eventuais desbordes, inclusive em sede de ação de investigação judicial eleitoral, visando à proteção da legitimidade das eleições em face de casos de abuso de poder político, econômico ou midiático; 69.6 a permissão para a execução de despesas moderadas, no entanto, não implica a liberação para o

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uso de métodos de propaganda proibidos durante o período da propaganda oficial, quando tais instrumentos sirvam à divulgação de conteúdo eleitoral (a ampla divulgação da candidatura, ainda que de maneira disfarçada ou subliminar; qualidades que conduzam o eleitorado a acreditar ser o candidato o mais qualificado para o desempenho das funções inerentes ao cargo que almeja; ou a divulgação de plano de governo ou plataforma de campanha); 69.7 de outro lado, as restrições instrumentais dirigidas à propaganda eleitoral no período oficial não incidem sobre “indiferentes eleitorais”, como manifestações de cunho político ou de mera promoção pessoal, como notas laudatórias, homenagens, declarações de apoio, exposição de ideias e princípios abstratos etc; 69.8 a extrapolação do limite razoável, no que diz com os aspectos financeiros da comunicação política, pode ser aferida a partir do índice de reiteração da conduta, do período de exposição das mensagens pagas, assim como de seus respectivos custos, capilaridade ou abrangência, os quais devem partir de um juízo comparativo hipotético, cujo paradigma é o espectro de alternativas indubitavelmente acessíveis ao pré-concorrente médio; 69.9 nessa análise, sobretudo em casos nebulosos, incide sobre as atividades organizadas por candidatos e partidos políticos uma menor tolerância do que a reservada para as manifestações espontâneas provenientes do eleitorado, tendo em vista que o arquétipo democrático confere aos cidadãos o sagrado direito de opinar sobre quaisquer temas públicos que lhes pareçam relevantes. 70. Vistos em conjunto, esses critérios, caso aceitos, ensejariam o seguinte quadro: 70.1 o pedido explícito de votos, entendido em termos estritos, caracteriza a realização de propaganda antecipada irregular, independentemente da forma utilizada ou da existência de dispêndio de recursos; 70.2 os atos publicitários não eleitorais, assim entendidos aqueles sem qualquer conteúdo direta ou indiretamente relacionados com a disputa, consistem em “indiferentes eleitorais”, situando-se, portanto, fora da alçada desta Justiça Especializada; 70.3 o uso de elementos classicamente reconhecidos como caracterizadores de propaganda, desacompanhado de pedido explícito de voto, não enseja irregularidade per se; todavia, a opção pela exaltação de qualidades próprias para o exercício de mandato, assim como a divulgação de plataformas de campanha ou planos de governo acarreta, sobretudo quando a forma de manifestação possua uma expressão econômica

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minimamente relevante, os seguintes ônus e exigências: (a) impossibilidade de utilização de formas proscritas durante o período oficial (outdoors, brindes, etc.); (b) respeito ao alcance das possibilidades do pré-candidato médio. 71. Dessa forma, cria-se, com estrito respeito aos arranjos constitucional e legal, um quadro propício à máxima efetivação de todas as garantias fundamentais envolvidas: liberdade de expressão, direito à informação, igualdade (substancial) de oportunidades; e competitividade das eleições. 72. Em conclusão, no que tange à proposta de fixação de tese, submeto à apreciação dos pares o presente padrão alternativo, parcialmente coincidente com o construído pelo Ministro Admar Gonzaga Neto, frisando que, em respeito à segurança jurídica, os parâmetros em questão devem ser aplicados somente aos casos relativos às eleições de 2018, em especial àqueles ocorridos a partir deste julgamento, mantendo-se para os demais processos as diretrizes jurisdicionais utilizadas por esta Corte até então. 73. Quanto ao exame da espécie, ratifico o voto anteriormente proferido, acompanhando o relator, no sentido de negar provimento ao agravo regimental.

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VOTO-VISTA

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (Presidente): Senhores Ministros,

cuida-se de agravo interno interposto pelo Ministério Público Eleitoral em face

de decisão mediante a qual o eminente Ministro Relator Tarcisio Vieira de

Carvalho Neto deu provimento ao recurso especial de Nilson Solla e Alcimar

Militão de Araújo, para reformar o acórdão do TRE/SP e julgar improcedente a

representação por propaganda eleitoral extemporânea, afastando a multa

imposta.

Em sua decisão, o relator assentou que o Tribunal Regional

contrariou a jurisprudência desta Corte Superior, ao considerar configurada a

prática de propaganda eleitoral extemporânea, a despeito da mensagem

veiculada pelos recorrentes não conter pedido explícito de votos. Nesse

sentido, sustentou que, “nos termos da atual jurisprudência desta Corte Superior, a veiculação de mensagens com menção a possível candidatura, sem pedido explícito de votos, como ocorreu na espécie, não configura propaganda eleitoral extemporânea, nos termos da redação conferida ao art. 36-A pela Lei nº 13.165/2015” (fls. 186-187).

No agravo, o Ministério Público afirma que “o TRE/SP acertadamente concluiu tratar-se de verdadeira propaganda eleitoral extemporânea, uma vez que a publicidade veiculada, além de não consistir em mera menção de intenções de candidaturas, poderia, sim, desequilibrar a campanha eleitoral, em razão do conteúdo divulgado e das características do artefato impugnado” (fls. 193).

Sustenta haver, na espécie, “[...] pedido explícito de voto, ainda que não mencionado tal vocábulo, tendo em vista o modo como foi confeccionada a divulgação publicitária, com ampla exposição do nome, fotografia e número de urna do pré-candidato. A rigor, a aferição de que houve ou não pedido de voto não pode ser realizada por critérios objetivos. Exige-se um trabalho hermenêutico mais criterioso, com a análise das circunstâncias em que a mensagem foi veiculada” (fls. 194).

Ainda nesse sentido, defende que “seria irrazoável limitar a vedação

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legal a um pedido contido em uma única frase: ‘peço o seu voto’. A explicitação

do pedido pode ser veiculada por diversas formas, que devem ser examinadas no caso concreto” (fls. 194).

Sobre o caso, afirma que “o nome, o número do partido, a definição do cargo, e o pedido de apoio político, consubstanciado na expressão ‘essa

família apoia’, em uma propaganda veiculada em várias placas, dirigida a toda

população, não demonstra outra finalidade senão o desejo dos candidatos de obter o voto do eleitor” (fls. 195).

Em sessão realizada no dia 29/8.2017, o voto encaminhado pelo

eminente relator foi acompanhado pelo Ministro Og Fernandes. Em seguida, os

Ministros Luiz Edson Fachin e Rosa Weber divergiram, para dar provimento ao

agravo regimental, por acreditarem que os elementos contidos na peça

publicitária caracterizavam pedido explícito de votos. Apresentei, então, um

pedido de vista.

Na sessão do dia 22/2/2018, acompanhei o relator, surgindo, então,

um novo pedido de vista por parte do Ministro Admar Gonzaga Neto.

Atento à necessidade de fixação de balizas tendentes ao

norteamento do exame dos casos de propaganda eleitoral extemporânea, o

Ministro Admar Gonzaga encaminhou, na sessão de 24/5/2018, voto alinhado à

tese divergente, do qual consta um conjunto de critérios para a aferição da

existência de propaganda prematura, nos termos da legislação vigente. São

eles, em síntese:

a) a propaganda eleitoral antecipada somente ocorre quando

existente pedido explícito de voto, o qual pode ser aferido pelo

contexto em que se desenvolve o ato ou estratégia de

propaganda;

b) o exame do caráter explícito do pedido de voto pode ser

orientado, entre outros critérios, a partir:

i. do teor e demais elementos extrínsecos da mensagem;

ii. do meio em que foi realizada a suposta propaganda;

iii. da reiteração da conduta, do período de veiculação, da

dimensão, do custo, da existência de exploração comercial (ou

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confecção rudimentar), do impacto social ou da abrangência da

divulgação apurada; e

iv. da condição do autor do fato.

c) atos de mera promoção pessoal, elogios, críticas,

exposição de ideias, menção à possível candidatura, entrevistas,

entre outros atos, sem pedido explícito de voto, não são

suficientes, por si só, para ensejar a extemporaneidade da

propaganda;

d) o afastamento da ressalva de que trata o art. 36-A da Lei

nº 9.504/97, que permite, entre outros atos, a menção à pretensa

candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-

candidatos demanda exame detido do caso e fundamentação

qualificada pelo órgão julgador; e

e) a decisão judicial que superar os permissivos legais da

propaganda deve considerar os direitos à livre manifestação do

pensamento e à informação.

Amadurecidas minhas reflexões, trago-as à apreciação dos pares.

Ab initio, antecipo a intenção de ratificar o voto anteriormente proferido, por meio do qual acompanho o eminente Ministro Tarcísio Vieira de

Carvalho Neto, no sentido de negar provimento ao agravo regimental.

Esclareço, a propósito, que meu pedido de vista guarda a intenção

específica de examinar, com maior parcimônia, os critérios aventados pelo Min.

Admar Gonzaga Neto, a fim de assegurar que a discussão em torno da

propaganda eleitoral antecipada a ser travada no seio deste Tribunal mantenha

um estrito respeito ao arranjo normativo ordinário posto e, especialmente, ao

modelo constitucional vigente, propiciando, ademais, a necessária

uniformização da jurisprudência acerca do tema, evitando o indesejável estado

de insegurança derivado da aplicação de uma hermenêutica oscilante.

Com esse espírito, consigno que, sob uma perspectiva

constitucional, a questão relativa à propaganda prematura pode ser vista a

partir de altas garantias aparentemente antagônicas: de um lado, a liberdade de expressão e o direito à informação; de outro, a igualdade de

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oportunidades entre os candidatos e a competitividade das eleições.

Acredito que a solução da hipótese em discussão demanda um

exame mais profundo a respeito de tais temas, inclusive para que se vençam

percepções equivocadas que sugerem que os preceitos apontados se

encontram em confronto.

Proponho-me a fazê-lo trazendo à baila, com o espeque de

qualificar o debate, algumas considerações sobre o direito e a jurisprudência

inter e transnacionais, as quais subsidiam as premissas teóricas

subsequentes.

1. A liberdade de expressão no contexto das campanhas eleitorais

Em minha atuação como Ministro desta Corte, tenho constantemente

destacado que, no Direito Eleitoral, o caráter dialético imanente às disputas

político-eleitorais exige maior deferência às liberdades de expressão e de

pensamento. Neste cenário, recomenda-se a intervenção mínima do Judiciário nas manifestações próprias da vida democrática e do embate eleitoral, sob pena de se tolher, substancialmente, o conteúdo da liberdade de

expressão.

Deveras, a Justiça Eleitoral deve se abster de impedir “que os indivíduos decidam quais informações entendem relevantes para a formação de suas convicções políticas”, notadamente porque toda visão paternalista, nesse

campo, revela-se “intrinsecamente incompatível com a democracia, uma vez que nega aos indivíduos a autonomia fundamental à própria ideia de autogoverno e de soberania popular, tratando-lhes como ‘eternas crianças

imaturas’” (OSORIO, Aline. Direito Eleitoral e liberdade de expressão. Belo

Horizonte: Fórum 2017, p. 221, com referência ao parecer de SEPÚLVEDA

PERTENCE, na qualidade de Procurador-Geral Eleitoral, nos Mandados de

Segurança nº 984, 997 e 1.008, de 26/10/1988).

Nesse diapasão, data de quase dois séculos a ainda pertinente

argumentação de Tocqueville, colhida de suas indispensáveis observações

acerca de um modelo demo-liberal em construção. Em suas palavras:

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Quando se concede a cada um o direito de governar a sociedade, é preciso reconhecer a capacidade de escolher entre as diversas opiniões que agitam os seus contemporâneos, e de apreciar os diferentes fatos, cujo conhecimento pode guiá-lo no desempenho de suas funções. A soberania do povo e a liberdade da palavra são, pois, duas coisas inteiramente correlativas; a censura e o sufrágio universal, pelo contrário, são duas coisas que se contradizem e não podem coexistir por muito tempo nas instituições políticas de um povo (TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. São Paulo: Publifolha, 2010, p. 161).

No âmbito político-eleitoral, a proeminência da liberdade de expressão

deve ser trasladada por óbvias razões: os cidadãos devem ser informados da variedade e da riqueza de assuntos respeitantes a eventuais candidatos, bem como das ações parlamentares praticadas pelos detentores de mandato eletivo, sem que isso implique, em linha de princípio, violação às normas que regulam a paridade da disputa (FUX,

Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos Paradigmas do Direito Eleitoral. Belo

Horizonte: Fórum, 2016, p. 116-119).

No campo da comunicação política, então, a livre circulação de ideias e

opiniões deve prosperar, em definitivo, porque a democracia se desenvolve sob a crença no valor do diálogo e sob a premissa de que os sujeitos

participantes gozam de capacidade intelectual para tomar parte, em condições

de igualdade, das circunstâncias relativas aos assuntos que conclamam uma

atenção comum (PERROUX, citado por BURGUERA AMEAVE. Democracia electoral: comunicación y poder. Madrid: Congreso de los Diputados, 2013, p.

33)1.

Como consequência, a lógica da disputa democrática conduz à

conclusão de que o Poder Judiciário só pode “[...] interferir na relação direta que deve existir entre o eleitor e o candidato quando isso se fizer

1 Nessa trilha: “Uma sociedade justa deve tratar igualmente todos os seus cidadãos com capacidade eleitoral ativa, não sendo mais concebível – para uma democracia já mais desenvolvida – uma tutela exacerbada do eleitor. ‘O Estado ofende os seus cidadãos e nega a responsabilidade moral deles quando decreta que eles não têm qualidade moral suficiente para ouvir opiniões que possam persuadi-los de convecções perigosas ou desagradáveis’ [Dworkin]. A decisão final sobre o voto e a avaliação do candidato é sempre definida pelo eleitor, é ele quem realiza o processo decisório, cabendo à justiça eleitoral investigar, cessar e punir abusos da liberdade, mas não restringir a propaganda eleitoral”. GONÇALVES, Guilherme de Salles. “A defesa da igualdade de chances e da legitimidade do exercício do sufrágio passivo, o direito à disputa justa e um (novo?) prazo para a interposição da ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) diante da reforma eleitoral da Lei n. 13.165/2015: uma questão de respeito à democracia”. In: COSTA, Daniel Castro G. da; ROLLEMBERG, Gabriela; KUFA, Karina; CARVALHO NETO, Tarcísio Vieira de. Tópicos avançados de Direito Processual Eleitoral. Belo

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realmente necessário”, inclusive porque a autocontenção judicial colabora com “o processo de formação da vontade livre do povo” (GUEDES,

Néviton de Oliveira Batista. As eleições municipais e o processo da

democracia. Revista Consultor Jurídico, 17.9.2012, coluna “Constituição e

Poder”).

Nesse diapasão, chamo a atenção para o fato de que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos considera violadoras da liberdade de expressão interpretações excessivamente rígidas sobre as normas de propaganda, para o fim de rechaçar a aplicação de punições em virtude de

atos publicitários que, pela dimensão, não alterem o necessário equilíbrio entre

as oportunidades dos diversos candidatos (TEDH, Bowman vs. Reino Unido,

de 19 de fevereiro de 1998). Com efeito, o Tribunal de Estrasburgo sugere que,

em geral, “[...] um maior nível de liberdade de expressão redunda em eleições mais livres, enquanto que, ao inverso, restrições excessivas ou injustificadas sobre o discurso soem ensejar processos com mais baixa qualidade democrática” (tradução livre).

Bem a propósito, a importância da liberdade de expressão para os fins

do processo democrático é frequentemente salientada pela jurisprudência das

cortes internacionais, valendo mencionar, entre tantos, os casos Ricardo

Canese vs. Paraguai2 (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2004),

Lingens vs. Áustria, Mathieu-Mohin e Clerfayt vs. Bélgica e Partido Comunista

Unido da Turquia vs. Turquia3 (Tribunal Europeu de Direitos Humanos,

Horizonte: Arraes Editores, 2018, p. 441. 2 “El Tribunal considera indispensable que se proteja y garantice el ejercicio de la libertad de expresión en el debate político que precede a las elecciones de las autoridades estatales que gobernarán un Estado. La formación de la voluntad colectiva mediante el ejercicio del sufragio individual se nutre de las diferentes opciones que presentan los partidos políticos a través de los candidatos que los representan. El debate democrático implica que se permita la circulación libre de ideas e información respecto de los candidatos y sus partidos políticos por parte de los medios de comunicación, de los propios candidatos y de cualquier persona que desee expresar su opinión o brindar información. Es preciso que todos puedan cuestionar e indagar sobre la capacidad e idoneidad de los candidatos, así como disentir y confrontar sus propuestas, ideas y opiniones de manera que los electores puedan formar su criterio para votar. En este sentido, el ejercicio de los derechos políticos y la libertad de pensamiento y de expresión se encuentran íntimamente ligados y se fortalecen entre si” (CIDH - Ricardo Canese vs. Paraguai, 2004 – grifo nosso). 3 “Las elecciones libres y la libertad de expresión, particularmente la libertad de debate político, forman juntas el cimiento de cualquier sistema democrático (Cfr. sentencia del caso Lingens c. Austria de 8 de julio 1986, Serie A no. 103, p. 26, párrs. 41-42). Los dos derechos están interrelacionados y se refuerzan el uno as otro: por ejemplo, como ha indicado la Corte en el pasado, la libertad de expresión es una de las “condiciones” necesarias para “asegurar la libre expresión de opinión del pueblo en la elección del cuerpo legislativo” (ver la

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1986, 1987 e 1998, respectivamente), todos em favor da livre circulação de ideias como premissa básica para a condução do processo democrático.

Também assim, a Corte Interamericana de Direitos Humanos opina

que a liberdade de expressão é de ser amplamente protegida não somente em função de sua dimensão individual, por servir de base para o exercício

da autonomia pessoal, mas ainda em razão de sua dimensão coletiva, plena

de relevância em virtude da centralidade que essa liberdade assume para um adequado funcionamento do regime democrático de governo, abrindo vias para um debate público vigoroso e para uma participação informada da cidadania, submetendo-se a constante escrutínio a ação das autoridades. Nesse diapasão, a CIDH constata, com inegável lucidez, que:

A liberdade de expressão é uma pedra angular para a existência de uma sociedade democrática. É indispensável para a formação da opinião pública. É também conditio sine qua non para que os partidos políticos, sindicatos, sociedades científicas e culturais e, em geral, todos aqueles que desejem influir sobre a sociedade possam desenvolver-se plenamente. É, enfim, uma condição para que a comunidade, no momento de exercer as suas opiniões, esteja suficientemente informada. Portanto, é possível afirmar que uma sociedade que não está bem informada não é plenamente livre. (CIDH, Opinião Consultiva - OC nº 5/1985, § 70)4.

Na esteira dos éditos acima mencionados, cumpre às cortes eleitorais o papel de assegurar a máxima amplitude do debate, somente intervindo em hipóteses estritas, inevitáveis e excepcionais quando as atividades de comunicação representem, sem margem para dúvidas, riscos concretos (i) para a autodeterminação na formação da opinião eleitoral ou, em última instância, (ii) para a própria integridade da disputa.

sentencia mencionada más arriba del caso Mathieu-Mohin y Clerfayt, p. 24, párr. 54). Por esta razón[,] es particularmente importante que las opiniones y la información de toda clase puedan circular libremente en el período que antecede a las elecciones” (CEDH - Partido Comunista Unido da Turquia vs. Turquia, 1988 – grifo nosso). 4 Em par com essa perspectiva, Owen Fiss, reportando-se à tradição inaugurada por Kalven e Meiklejohn, fórmula o propósito subjacente à Primeira Emenda da Constituição norte-americana em termos políticos ou sociais, para afirmar que “o propósito da liberdade de expressão não é tanto a autorrealização individual, mas em verdade a preservação da democracia e do direito de um povo, enquanto povo, a decidir que tipo de vida deseja viver. A autonomia é protegida, não por seu valor intrínseco, como poderia insistir um kantiano, mas como um meio ou instrumento de autodeterminação coletiva. Permitimos às pessoas que falem para que outras possam votar. A expressão de opiniões permite às pessoas votar inteligente e livremente, conhecendo todas as opções e possuindo toda a informação relevante” (FISS, Owen. Libertad de expresión y estructura social. Coyoacán: Fontamara, 1997, p. 23 – tradução livre).

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Isso porque as regras do jogo democrático supõem, sem dúvida, que a

preferência eleitoral se desenvolva à luz de um ambiente comunicativo

qualificado pela presença de uma opinião pública livre, condição somente

possível em sistemas simpáticos ao desenvolvimento de “estruturas

policêntricas”5 na atividade de compartilhamento de mensagens, ideias e

informações.

Ademais, acresço que a liberdade para o exercício do sufrágio “não é garantida unicamente pela ausência de qualquer tipo de pressão ou coação durante o seu exercício, exigindo [também] que o eleitor disponha da informação necessária sobre as opções eleitorais”, o que faz com que surja,

para o Estado, inclusive para os seus órgãos jurisdicionais, o dever de

[...] zelar para que todos os cidadãos possam ter os elementos necessários para votar de maneira consciente, depois de haver recebido de forma apropriada as informações referentes ao seu meio social e político, assim como às alternativas políticas existentes (HOLGADO HERNÁNDEZ, María, apud ALVIM, Frederico Franco. Cobertura política e integridade eleitoral. Florianópolis: Habitus, 2018, p. 136).

É sabido, contudo, que mesmo as democracias mais liberais

desconhecem a existência de direitos absolutos. Como sugere Gregorio

Badeni, se alguma liberdade jurídica fosse absoluta seria impossível

concretizar uma vida social em liberdade. Por essa razão, as liberdades

constitucionais encontram-se condicionadas à adequação do indivíduo à ordem

jurídica da comunidade global (BADENI, Gregorio. Tratado de libertad de prensa. Buenos Aires: Lexis Nevis, 2002, p. 21).

Nessa medida, o espírito constitucional admite que aos direitos

fundamentais sejam impostas restrições razoáveis, assim consideradas

aquelas vocacionadas à harmonização dos interesses individuais rumo à

satisfação do interesse comum. Nessa esteira, Robert Alexy reputa impossível

a existência de um “estado global de liberdade”, não apenas em função dos

choques entre direitos subjetivos e competências que condicionam a sua

existência, mas ainda em função de inúmeras características presentes na

organização estatal e na sociedade (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos

5 SARTORI, Giovanni, citado por: LIMA, Venício A. de. Liberdade de expressão versus liberdade de imprensa. Direito à comunicação e democracia. São Paulo: Publisher Brasil, 2010, p. 32.

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fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 379).

Por esse prisma, não há negar que mesmo liberdades preferenciais,

como a liberdade de expressão, podem ser limitadas por atividades de

ponderação, máxime quando o seu modo de exteriorização redunde em um

menoscabo de outro princípio prioritário segundo o quadro da Constituição.

Nessa direção, a própria doutrina eleitoral admite:

[...] que os princípios que resguardam a liberdade de comunicação e informação não são os únicos a figurarem na Constituição. […] A rigor, a Lei Maior constitui uma carta de valores e princípios. Na dinâmica da vida social, não é incomum que princípios detentores de igual status constitucional colidam entre si. Cumpre, pois, definir quais dos princípios colidentes deverá prevalecer no exame de cada caso concreto. A esse respeito, é assente que se deve realizar um juízo de ponderação. Tenha-se presente inexistir, a priori, hierarquia entre os princípios constitucionais, embora a liberdade de comunicação ocupe lugar destacado. Somente a pesquisa dos valores em jogo e das circunstâncias concretas poderá revelar a preponderância de um ou de outro no caso a ser resolvido. (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 13. ed. São Paulo: GEN, 2016, p. 512).

Nessa trilha, recordo que alguns dos principais diplomas transnacionais

em matéria de direitos humanos são claros em ressaltar que a liberdade de

expressão, embora ocupe lugar de destaque no plexo de garantias

fundamentais asseguradas pelo direito comunitário, encontra limites quando o

seu exercício importe em um menoscabo dos direitos alheios.

Vejam-se, no particular, as ressalvas expressas encontradas no art. 13,

item 2, a, do Pacto de San José da Costa Rica6, bem como no art. 10 da

Convenção Europeia de Direitos Humanos7.

Na espécie, o ponto-chave da celeuma gira em torno de saber se o

espectro da liberdade de expressão pode ser limitado em nome da preservação

6 Convenção Americana de Direitos Humanos. Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressão. [...] 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar: [...] a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas; [...]. 7 Convenção Europeia de Direitos Humanos. Artigo 10. 1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de crença, assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença, individual ou colectivamente, em público e em privado, por meio do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos. 2. A liberdade de manifestar a sua religião ou convicções, individual ou colectivamente, não pode ser objecto de outras restrições senão as que, previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, à segurança pública, à protecção da ordem, da saúde e moral públicas, ou à protecção dos direitos e liberdades de outrem.

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da igualdade de oportunidades entre as forças políticas que participam da

disputa.

Em uma análise abstrata, a resposta é certamente positiva, não apenas

porque a máxima da igualdade ostenta o status de princípio constitucional estruturante da disciplina eleitoral (SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 189), como

também pelo fato de que a paridade da disputa, enquanto componente fundamental para a noção da legitimidade das eleições8, pode – desde que atendidas determinadas condições9 – justificar, em tese, a identificação de limitações implícitas à liberdade de expressão.

Eis a razão pela qual, no julgamento do REspe nº 5.124, tive o cuidado

de ressalvar a possibilidade de aplicação de sanções diante de práticas de

propaganda aptas ao comprometimento da paridade de armas entre os players.

Sem embargo, no presente caso julgo necessário submeter o princípio

da igualdade de oportunidades entre os candidatos a uma maior reflexão,

sobretudo por levar em conta os prováveis impactos projetados por uma

eventual fixação de tese no desenvolvimento das seguintes eleições.

1. A igualdade de oportunidades entre os candidatos nas disputas eleitorais

A regulamentação temporal da propaganda encontra amparo na

premissa de que a busca pela igualdade deve inspirar todos os planos do

espectro normativo, afetando sobremaneira o cenário eleitoral, tendo em vista

que os preceitos que justificam a existência do Estado e inspiram a

organização comunitária devem também incidir sobre a técnica de legitimação

8 Isso porque “a ideia de legitimidade não se resume ao respeito aos regulamentos previamente estabelecidos; pelo contrário, engloba a qualidade da produção legislativa [...], assim como as condições de justiça (fairness) do jogo” (CARVALHO, Volgane Oliveira; ALVIM, Frederico Franco. A igualdade de oportunidades entre os candidatos e a dessimetria do horário eleitoral gratuito. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura. Tratado de Direito Eleitoral. Tomo II. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 288). 9 No particular, remeto à posição assumida pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, para o qual as restrições à liberdade de expressão são, em tese, admitidas, contudo somente quando (i) estejam previstas em lei; (ii) objetivam a persecução de uma finalidade legítima; e (iii) demonstrem-se necessárias em uma sociedade democrática (TEDH. Piermont vs. França, Acórdão de 27 de abril de 1995; Incal vs. Turquia, Acórdão de 9 de junho de 1998; Vogt vs. Alemanha, Acórdão de 23 de setembro de 2004).

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da governança popular.

Nessa senda, assenta a doutrina que a imposição de fronteiras

cronológicas às atividades de proselitismo tem o triplo propósito de: “a) garantir a todos os competidores um mesmo prazo para realizarem as atividades de captação de voto; b) mitigar o efeito da assimetria de recursos econômicos na viabilidade das campanhas, combatendo a influência do poder econômico sobre os resultados dos pleitos; e c) impedir que determinados competidores extraiam vantagens indevidas de seus cargos ou do acesso à mídia para iniciar a disputa eleitoral mais cedo” (OSORIO, Aline. Direito Eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 188-189).

Indo além, pontuo que “a centralidade da igualdade de oportunidades decorre de ser ela um pressuposto para a concorrência livre e equilibrada entre os competidores do processo político, motivo por que a sua inobservância não afeta apenas a disputa eleitoral, mas amesquinha a essência do próprio processo democrático” (FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos

Eduardo. Novos paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016,

p. 119).

De fato, a igualdade de condições entre os postulantes habita o

substrato ético das competições eleitorais, havendo de ser estritamente

observada em todas as consultas populares, sob pena de sujeitá-las a um

flagrante e inescapável processo de deslegitimação. Afinal, Gonçalves

Figueiredo assenta que “em um processo [realmente] democrático, os contendores devem ter um grau razoável de igualdade de oportunidades, para que se estabeleça uma competição livre e equilibrada, para que possam participar na formação da vontade política do eleitoral”.

Na visão do autor argentino, é por isso que se afirma que “um dos aspectos fundamentais para a celebração de ‘eleições livres e democráticas’ é

que seja observada uma série de práticas que permitam assegurar a igualdade de oportunidades e a equidade eleitoral” (GONÇALVES FIGUEIREDO, Hernán.

Manual de Derecho Electoral. Principios y reglas. Buenos Aires: Di Lalla, 2013,

p. 226 – tradução livre – grifo nosso).

Por tais razões, o princípio da equivalência de condições, atrelado à

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ideia de eleições competitivas, encontra-se - explícita ou implicitamente -

insculpido em inúmeros diplomas domésticos, cabendo elencar, a título de

ilustração, a Constituição da República Portuguesa (arts. 47º e 113º, 3, “b”)

e a Constituição Espanhola (art. 23), além de importantes documentos

internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 21º,

2), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 25º) e a Carta Democrática Interamericana (art. 23, “c”).

Quanto ao Brasil, ressalto que o silêncio da Carta Política:

[...] não significa que o preceito esteja dissociado do zeitgeist constitucional. Como mencionado, a estrutura do edifício constitucional brasileiro apresenta claros indícios sobre a necessidade de se respeitar a isonomia eleitoral (princípio democrático, princípio republicano, sufrágio igualitário10) não apenas de forma conceitual, mas também através de ações. Demais disso, é evidente que uma alusão expressa à “igualdade de oportunidades entre os candidatos” pode, de certa forma, ser vista como uma “medida supérflua”, haja vista que seu conteúdo certamente habita o espectro do direito geral de igualdade previsto no caput do art. 5º da Carta Maior11.

A ideia decorre, também, do fato de o legislador constitucional claramente ter optado pela defesa intransigente da legitimidade das eleições (art. 14, § 9º) e, de forma ainda mais contundente, pela ampliação do plexo de direitos fundamentais operada pelo art. 5º, §2º, que incorpora ao ordenamento jurídico interno normas oriundas de tratados que tenham entre os signatários o Estado brasileiro, hipótese que abarca os pactos internacionais alhures mencionados [Declaração Universal de Direitos Humanos; Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos; Pacto de San José da Costa Rica] (CARVALHO, Volgane Oliveira; ALVIM, Frederico Franco. A igualdade de oportunidades entre os candidatos e a dessimetria do horário eleitoral gratuito. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura. Tratado de Direito Eleitoral. Tomo II. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 289-290).

Em síntese, é certo que a igualdade de oportunidades entre os

competidores eleitorais integra a ordem constitucional brasileira, não apenas

porque “o postulado de igualdade tem ampla aplicação entre nós, não se

10 Como anota Canotilho, o princípio da igualdade de voto “[...] não se limita ao ato eleitoral em si, antes envolve todo o procedimento de sufrágio, refletindo na igualdade das candidaturas e, sobretudo, na igualdade na concorrência eleitoral” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003, p. 305). 11 Com essa exata visão, o Tribunal Constitucional espanhol chegou a afirmar que o direito de acesso às funções públicas em condições equivalentes decorre naturalmente do axioma geral da igualdade, de sorte que, ainda que a constituição espanhola não contemplasse, em termos expressos, a igualdade de oportunidades na competição eleitoral, ela por isso não deixaria de figurar como um inegável direito fundamental (TCE, STC nº 293/1993).

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afigurando possível limitar ou restringir a sua aplicação a determinadas situações ou atividades”, mas ainda porque “a concorrência é imanente ao regime liberal e democrático” (MENDES, in Mendes; Branco. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, pp. 797-799).

Empós de afirmar o seu caráter constitucional, friso que, no âmbito

particular da propaganda, a aplicação do indigitado preceito impele à conclusão

de que as regras do jogo democrático supõem que as campanhas eleitorais sejam espaços onde se ofereçam, em igualdade de condições, informações aos votantes sobre as diversas opções políticas.

Nessa quadra, atua como pressuposto do sistema a concepção de

que os eleitores devem tomar as suas decisões munidos dos melhores

“elementos de juízo”, depois de um escrutínio crítico estimulado pela existência

de uma opinião pública livre (PÉREZ DE LA FUENTE, Óscar. Libertad de expresión y discurso político. Propaganda negativa y neutralidad de los médios en campañas electorales. Valencia: Tirant lo Blanch, 2014, p. 19).

Ao fim e ao cabo, a regulação das campanhas – e a hermenêutica

conferida a essas normas – deve “conferir visibilidade às distintas opções eleitorais e dotá-la de garantias especiais com o fim de que a decisão dos eleitores seja formada sob condições mínimas de liberdade”. Em última

instância, o princípio da igualdade de oportunidades deve atuar como um

“mandado de otimização da visibilidade das forças políticas que concorrem nas eleições”, mandado esse que, em sua “dimensão negativa”,

afiança a impressão de leituras jurisprudenciais tendentes à diminuição de

“situações de superioridade fática” que prejudiquem a competitividade da

disputa (SÁNCHEZ MUÑOZ, Óscar. La igualdad de oportunidades en las competiciones electorales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y

Constitucionales, 2007, p. 243 e p. 72, respectivamente – tradução livre).

Nada obstante, chamo a atenção para a afirmação de que o telos subjacente ao comando em análise tem em mira a busca de uma igualdade material, em especial porque a busca por uma igualdade meramente formal, em um quadro marcado pela evidente distância entre os pontos de partida dos diferentes players, deporia contra o índice ideal de competitividade do pleito.

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Posto de outra forma, a aplicação de uma exegese fria, no particular,

não faria sentido, sobremodo porque teria como produto inarredável a

perpetuação de um flagrante sistema de vantagens, absolutamente adverso à

oxigenação ínsita ao ideal republicano, que apela à construção de uma ordem

política constantemente renovável12.

Nessa quadra, concluo que uma hermenêutica compatível com a manutenção da paridade de armas entre as forças confrontantes deve primar pela amenização dos desníveis, com o fito de prestigiar leituras que excluam do ambiente em que se enfrentam os candidatos as características de campo inclinado (uneven playing fields)13, de sorte a que

se assegure o “direito a uma disputa justa”14.

Assim sendo, é óbvio que a concessão de uma leitura adequada aos

possíveis alcances da propaganda regulamentada pelo art. 36-A da Lei das

Eleições não pode se desprender da solução pro domo trazida pela Lei nº

13.165/2015, concernente ao encurtamento do período de campanha,

supostamente direcionado à preservação da igualdade pela via do

barateamento das campanhas.

Sendo, pois, perceptível que a limitação do tempo de campanha privilegia, em medidas extensas, um conjunto de candidatos em detrimento dos demais, urge, como decorrência, dotar de garantias a liberdade antecipada do discurso15, sob pena de se reduzir o sentido da

12 Recorde-se que a alternância é um dos princípios políticos da democracia constitucional, e que a continuidade indefinida nos cargos, ainda no caso hipotético de que seja resultado de um pronunciamento eleitoral livre do povo é, em princípio, um “fator negativo” para a democracia (AMAYA, Jorge. Los derechos políticos. Buenos Aires: Astrea, 2015, p. 20-21). 13 Expressão comumente utilizada no âmbito da Ciência Política, para designar contextos que se caracterizam pela existência de desequilíbrio na competição entre agentes opositores (ALVIM, Frederico Franco. Cobertura política e integridade eleitoral. Efeitos da mídia sobre as eleições. Florianópolis: Habitus, 2018, p. 38). 14 GONÇALVES, Guilherme de Salles. “A defesa da igualdade de chances e da legitimidade do exercício do sufrágio passivo, o direito à disputa justa e um (novo?) prazo para a interposição da ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) diante da reforma eleitoral da Lei n. 13.165/2015: uma questão de respeito à democracia”. In: COSTA, Daniel Castro G. da; ROLLEMBERG, Gabriela; KUFA, Karina; CARVALHO NETO, Tarcísio Vieira de. Tópicos avançados de Direito Processual Eleitoral. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2018, p. 441. 15 “A limitação do período destinado à campanha eleitoral privilegia aqueles que são detentores do mandato eletivo e buscam a reeleição, bem como aquelas pessoas com exposição na mídia e alta penetração na sociedade, como jornalistas, radialistas, apresentadores de programas e artistas, que pela natureza de suas atividades possuem enorme exposição midiática” (PREZOTTO, Mauro Antonio. “Propaganda eleitoral negativa como instrumento de convencimento do eleitor”. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura. Tratado de Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 38). Por isso, toma-se por certa a afirmação de que, no tratamento da propaganda eleitoral, “a jurisprudência deve

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celebração dos pleitos, transformando-os em meros instrumentos de

transferência de poder a figuras políticas favorecidas pela inércia ou pela

extremada visibilidade inerente16.

É palmar, nessa linha de pensamento, a constatação de que as

“limitações exacerbadas e a redução do tempo de propaganda” agem, em

conjunto, “a favor de quem já é conhecido, dificultando a renovação política inerente à periodicidade das eleições” (SILVA, Henrique Neves da. Propaganda

eleitoral na imprensa escrita e a liberdade editorial de apoio político. In: FUX,

Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura. Tratado de Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 204). Por isso, ensina a

doutrina que “a permissividade do art. 36-A da Lei 9.504/97 é intencional, destinada a compensar a redução do tempo de campanha” (GRESTA, Roberta

Maia; ANDRADE NETO, João. “O que é propaganda eleitoral antecipada

buscar um equilíbrio ideal entre as candidaturas, tendo por pressuposto a vantagem natural de exposição – quantitativa e qualitativa – daqueles que já exercem mandato eletivo em relação aos postulantes ao acesso na vida pública” (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 337). 16 No caso dos mandatários investidos, as vantagens quanto à visibilidade decorrem de uma mecânica bem explicada por María Canel. A especialista espanhola considera ser habitual que o governo esteja em “campanha permanente”, pois, depois de chegar ao poder, precisa, para manter a popularidade, seguir manejando as mesmas técnicas de cálculo estratégico e de criação de imagem utilizadas durante o período eleitoral. Essa necessidade de estar em constante campanha para conseguir que os governados mantenham a adesão é consequência do crescente desenvolvimento dos meios de comunicação, que permitem uma maior acessibilidade do público às atuações governamentais e proporcionam ao governante a possibilidade de estar em constante comunicação com os cidadãos. Para a autora, essa acessibilidade mútua entre cidadãos e líderes políticos faz com que os governantes se convertam em “seres públicos”, isto é, em “indivíduos cujas ações estão constantemente submetidas à publicidade”. Como consequência, a “campanha permanente” transforma os detentores de mandato em sujeitos muito visíveis nos meios de comunicação, sendo certo que essa característica é capitalizada em termos eleitorais, na medida em que os torna “claramente reconhecíveis e identificáveis pelos votantes” (CANEL, María. Comunicación política. Técnicas y estrategias para la sociedad de la información. Madrid: Tecnos, 1999, p. 102-103 – grifo nosso). À vista dessa realidade, com o propósito de realçar a necessidade de equiparação entre as forças políticas, Burguera Ameave lança uma relevante questão: “Se os governantes realizam uma campanha política permanente, por que não a oportunidade não seria estendida à oposição, isto é, ao todos os outros partidos políticos?” (BURGUERA AMEAVE, Leyre. Democracia electoral: comunicación y poder. Madrid: Congreso de los Diputados, 2013, p. 63 – tradução livre). Muito lúcida, portanto, a advertência de Aline Osorio que, na trilha de Arthur Rollo, pontua que não se deve esquecer “que as atividades de proselitismo são uma constante na vida dos políticos e dos partidos. São de sua própria essência. Assim, não se pode, a pretexto de garantir a igualdade de oportunidades na disputa, sufocar a atividade política e a liberdade de expressão desses atores em períodos não eleitorais. Até mesmo porque isso também implica a criação de vantagens indevidas aos detentores de cargos políticos e outras figuras públicas, como atores e músicos, já que estes, em razão de suas atividades, mantêm-se constantemente no centro das atenções da mídia e da população. Desse modo, impedir que os demais políticos possam se apresentar e buscar obter visibilidade junto ao público fora dos períodos eleitorais, apresentando suas ideias, objetivos, trajetória e formação, constitui verdadeira mácula à igualdade de chances e, ainda mais profundamente, à liberdade de expressão” (OSORIO, Aline. Direito Eleitoral e liberdade

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ilícita? Três filtros para levar a liberdade de expressão a sério”. Disponível em:

[https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-que-e-propaganda-eleitoral-

antecipada-ilicita-24062018]. Acesso: 25.06.2018).

E se, por hipótese, quiser-se argumentar que uma liberação

extremada poderia contribuir para um aumento das distâncias, em função de

uma hipótese de abertura de espaço para abusos, recordo que o arcabouço

normativo eleitoral dispõe de instrumentos aptos a essa frenagem, entre os

quais as técnicas processuais relativas à ação de investigação eleitoral (AIJE)

e a ação de impugnação de mandato eletivo (AIME), inclusive com a

possibilidade de determinação judicial da suspensão do ato, mediante a

concessão de tutela provisória (art. 22, inciso I, b, da Lei Complementar nº

64/90).

Por outro lado, em uma perspectiva adicional, assinalo que a

máxima da igualdade, tantas vezes violada, no país, por uma arraigada cultura

de transgressão, é de ser defendida justamente com a ampliação do discurso,

sendo, portanto, ilógica e falaciosa a visão de que uma extremada liberalização

da comunicação, no plano das campanhas políticas, daria ensejo a abusos,

quanto mais porque, como sugere a doutrina:

É imprescindível [...] para a democratização das sociedades que o eleitor esteja informado, para que possa assumir posições, promover ideias, decidir sobre o programa político ou candidato que melhor representa ou defende os valores de um dado contexto social e está mais apto a gerir a coisa pública; portanto, escolher quem pode, em nome do povo, promover o alcance das finalidades para as quais o Estado, como ideologia que é, foi concebido, quais sejam: administrar os bens públicos e satisfazer as necessidades sociais (FREITAS, Juliana Rodrigues; CARVALHO, Paulo Victor Azevedo. A liberdade à informação do eleitor e o seu núcleo de questionamentos: Por quê? Para quê? Por quem? In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura. Tratado de Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 334).

Não me parece adequado, por fim, provir de um tribunal

democrático, notadamente um tribunal eleitoral, qualquer decisão que

empobreça o livre embate de ideias e, via de consequência, atrofie ou

desestimule o talante participativo, mormente porque a tarefa de celebrar as

eleições implica, por arrastamento, a tarefa de levar a cabo todas as suas

de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 189).

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funções, entre as quais figura, com elevado destaque, a promoção do

engajamento cívico.

Bastante pertinente, a propósito, o alerta realizado por Eneida

Desiree Salgado, quando afirma que o protagonismo da Justiça Eleitoral no

desenrolar das consultas populares deve ser visto com reservas, sobretudo

porque dele deriva, entre outros riscos, o de se “afastar o cidadão do debate, a partir de uma excessiva tutela ou de uma desconsideração total de sua capacidade para fazer escolhas” (SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 36).

Na mesma senda, Ronald Dworkin é preciso em apontar que excluir as pessoas dos processos democráticos, inclusive da batalha dialética, é algo que só pode gerar o desinteresse pela política, lançando a sociedade

em um estado letárgico, muito próximo da apatia. O ideal democrático, então, depende da adoção de uma postura radicalmente contrária, tendente à construção de uma rede de incentivos que permita que os cidadãos dialoguem, estendendo à política as suas impressões, assim como as suas experiências morais e de vida (DOWRKIN, Ronald. A virtude soberana. Teoria e prática da igualdade. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2016, p.

273).

A partir dessas premissas, passo a analisar alguns aspectos

relativos aos critérios para a aferição da existência de propaganda eleitoral

antecipada, sugeridos pelo eminente Ministro Admar Gonzaga Neto em seu

laborioso voto.

Em primeiro lugar, não adiro à pretensão de se conferir ao conceito

de “pedido explícito de voto” uma interpretação extensiva, a avançar sobre

“elementos extrínsecos da mensagem”, por três fundamentos principais.

Primeiro, porque a comunicação política, na medida em que materializa o exercício de direitos fundamentais (liberdade de expressão e

direito a informação), atrai a incidência de uma hermenêutica protetiva.

Com efeito, é lição elementar na dogmática da teoria geral dos

direitos fundamentais que as restrições ao âmbito de proteção dessas liberdades devem ser interpretadas restritivamente (sobre o tema, NOVAIS,

Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente

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autorizadas pela Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 2003).

Tal compreensão insta o intérprete a conferir o maior elastério

hermenêutico possível às cláusulas constitucionais definidoras de direitos

fundamentais, de maneira a permitir a fruição pelos seus titulares. É

precisamente o que doutrina Konrad Hesse, quando afirma que o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais significa que, “na resolução dos problemas jurídico-constitucionais, [deve] ser dada preferência àqueles pontos de vista que [...] proporcionem às normas da Constituição uma força de efeito ótima” (HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, p. 68).

Referido axioma deve ser trasladado a fortiori ao microssistema da propaganda eleitoral, de modo que, sempre que se deparar com uma alternativa de fala não vedada expressamente pela lei, deve-se prestigiar a interpretação que potencialize a liberdade fundamental de se expressar, assim como o direito fundamental de acesso a toda informação potencialmente

relevante para a formação da opinião eleitoral.

Segundo, porque o Código Eleitoral, em seu art. 219, prestigia a

técnica de interpretação teleológica, na medida em que determina que as

autoridades judiciais observem, na aplicação da lei eleitoral, os fins e os

resultados a que ela se destina. Nesse diapasão, por considerar que as normas

eleitorais devem ser vistas como “técnicas a serviço da democracia”17, torna-

se primaz a adoção de leituras que prestigiem os seus cânones fundamentais,

máxime quando posta a possibilidade de uma máxima harmonização. No

âmbito particular de exame, volto a frisar que a liberdade de expressão vem ao

encontro da igualdade material e do estímulo à participação por meio de um

debate mais franco, aberto, contínuo e plural.

Terceiro, porque a punição a partir de “elementos extrínsecos da

mensagem” revela-se, concessa venia, triplamente equivocada, seja porque (i) é inequívoca a mensagem legislativa quanto à opção da proibição exclusiva do pedido de voto explícito, seja porque (ii) o intento implica a assunção de uma postura acentuadamente intrusiva e tutelar por parte da

17 ARAGÓN, Manuel, apud NOHLEN, Dieter; SABSAY, Daniel. Derecho Electoral. In: NOHLEN, Dieter et al. Tratado de Derecho Electoral comparado de América Latina. 2. ed. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 2007, p. 31.

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Justiça Eleitoral, incompatível com o espírito da autodeterminação do eleitor,

seja, finalmente, porque (iii) a postura parte de uma percepção falaz quanto à real capacidade de convencimento assumida por nuanças e símbolos comunicativos, amparando-se, de consequência, em uma evidente

sobrevaloração da determinância cognitiva atribuída a cores, palavras de

ordem, slogans e brandings políticos.

Em conclusão, empós de assentar (i) a ausência de previsão legal e

(ii) a falta de espaço interpretativo apto à legitimação de uma posição contrária,

julgo que por “explícito” deve-se entender, apenas e tão somente, o pedido formulado “de maneira clara e não subentendida”18, e, como

consequência, excluo do espectro de alcance do comando proibitivo toda a

sorte de mensagens indiretas ou equívocas, dessa forma admitindo como lícito

o uso dos chamados símbolos eleitorais distintivos.

Em termos mais claros, considero válida a proscrição de

“expressões semanticamente similares ao pedido explícito do voto”, porquanto

certamente compreendidas pelo espírito da norma; entretanto descarto o uso

de “elementos extrínsecos ao conteúdo” como parâmetro apto à determinação

da ilicitude da linguagem verificada, tendo em vista que a noção de “pedido

explícito” opõe-se, conceitualmente, à lógica das insinuações, tendo em vista

que pressupõe a existência de um ato de comunicação frontal e retilíneo, o que

exclui o sugerido, o denotado, o pressuposto, o indireto, o latente, o sinuoso e

o subentendido.

A propósito, com o fim de enriquecer o rol de exemplos trazidos pelo

eminente Ministro Admar Gonzaga, aponto que a diferenciação entre pedido

explícito e implícito de votos já foi, mutatis mutandis, incidentalmente

enfrentada pela Suprema Corte norte-americana, entre outros, no

paradigmático caso Buckley vs. Valeo, no qual o tribunal termina por diferenciar

a propaganda eleitoral (express advocacy) das demais mensagens de

propagação de ideias políticas (issue advocacy), a partir da clara identificação

da presença de candidatos e, principalmente, do uso de oito expressões

veiculantes das denominadas “palavras mágicas” (magic words), a saber: (i)

vote em (vote for); (ii) eleja (elect); (iii) apoie (support); (iv) marque sua cédula

(cast your ballot for); (v) Fulano para o Congresso (Smith for Congress); (vi)

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vote contra (vote against); (vii) derrote (defeat); e (viii) rejeite (reject).

Note-se que as sugestões, embora oportunas, não resolvem em

definitivo o tema, que é demasiado complexo, inclusive porque os sentidos da

linguagem são sensíveis a diversas variáveis, entre as quais o modo de

colocação e o contexto. Reparo, a título ilustrativo, que a aplicação do verbo

“apoiar” pode tanto indicar um pedido direto (com o uso do imperativo “apoie-

me”) como uma mera referência indireta, como na simples sugestão de que um

determinado candidato conta com alguma base específica de apoio (“a

comunidade x apoia o candidato y”). A linha entre o lícito e o ilícito, reconheça-

se, é demasiado tênue, de sorte que a técnica casuística será, inevitavelmente,

recorrente no particular.

O segundo parâmetro proposto (“o meio em que foi realizada a suposta propaganda”), de outra banda, traz à baila uma discussão essencial,

qual seja, a de saber se a liberdade de expressão no contexto pré-eleitoral

carrega, implicitamente, a autorização para despesas com as diversas

atividades discursivas.

Há, sobre o tema, duas linhas doutrinárias retamente conflitantes.

Uma primeira corrente, de viés liberal, pugna pela impossibilidade

de sanção pela realização de gastos na pré-campanha, ante a ausência de

proibição expressa. Segundo os seus defensores, a liberdade para a

manifestação do pensamento englobaria os gastos que lhes são subjacentes.

Nessa direção, entende-se que:

A omissão legislativa não pode significar proibição, mas, ao contrário, permissão, conforme se extrai do princípio da legalidade (art. 5º, II, CRFB).

Ora, se o legislador entende que os atos de promoção pessoal são legais, não são atos de propaganda extemporânea e não têm o condão de ferir a isonomia entre os postulantes a cargo público, estes não podem ser punidos e proibidos apenas por possuírem um custo.

O homem público pode escolher gastar os seus recursos como bem entender, desde que não sejam atividades ilícitas, inclusive com atos para promover e projetar a sua imagem. Entender de maneira diversa é esvaziar o conteúdo da norma e, mais uma vez, trazer para o âmbito da propaganda eleitoral um ativismo judicial infundado e que o legislador vem, sucessivamente, rechaçando (MENDES, Anna Paula Oliveira. “Breves comentários sobre o novo conceito de

18 ALVIM, Frederico Franco. Curso de Direito Eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 302.

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propaganda eleitoral antecipada”. Revista Consultor Jurídico, 16.4.2018).

Em perspectiva oposta, uma segunda corrente, de viés garantista,

reúne um grande número de especialistas que têm em consideração a

possibilidade de que a realização de gastos vultosos possa redundar em um

aumento das distâncias entre os contendores, firmando, portanto, a ideia de

que a plena autorização para a antecipação da candidatura não enseja,

automaticamente, uma ampla liberação para o dispêndio antecipado de

recursos. Nesse sentido:

[...] acerca dos gastos, argumenta-se que o novo modelo de comunicação, embora marcado pela garantia de uma ampla liberdade de expressão, admite-a em um contexto de igualdade de condições. O laissez-faire comunicativo surge como contrapartida à redução do tempo de propaganda oficial cujo mote é o barateamento, em favor da equivalência entre candidatos mais e menos abastados. Nesse diapasão, admitir a realização de gastos prematuros com publicidade seria aumentar a distância entre os concorrentes, em flagrante desrespeito à intenção legal. A eleição se converteria em uma corrida de longa distância, com pódio somente acessível a competidores com fôlego financeiro diferenciado. O que se admite, pois, é a realização de atividades diretas de comunicação com o público, é dizer, o resgate de um proselitismo que, nos tempos da internet, surge em uma “versão 2.0”, o que é absolutamente saudável.

A confecção e a distribuição de materiais publicitários, no entanto, mantêm-se proibidas, atraindo sanções de propaganda antecipada, ou mesmo configurando ilícitos previstos no art. 30-A, LE – nesse último caso, obviamente, em hipóteses bastante extremas, visto que quanto mais distante o pleito e quanto menos os valores envolvidos e o nível de penetração (amplitude alcançada), mais difícil será o juízo de gravidade exigido para a aplicação de sanções além daquela de ordem pecuniária, próprias do ilícito em apreço. (ALVIM, Frederico Franco. Curso de Direito Eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 301-302 – grifo nosso).

[...] excluída a vedação ao pedido de votos, inexiste impedimento da prática de propaganda eleitoral, desde que sem a utilização de recursos eleitorais ou de material de propaganda de campanha (AGRA, Walber de Moura. Manual prático de Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 148 – grifo nosso).

Outra situação que merece atenção é o fato de que para que haja gastos em uma campanha eleitoral é preciso que o indivíduo já esteja como status de candidato e não de pré-candidato, pois necessita ter passado pela convenção, ter o seu registro deferido pela Justiça Eleitoral, ter inscrito seu CNPJ e aberto conta corrente

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para, somente nesta situação, arrecadar fundos para sua campanha.

Não se pode olvidar que quase toda movimentação durante a pré-campanha enseja a aplicação de recursos e como ainda não há candidato com essa situação consolidada, os gastos eleitorais realizados neste período não são contabilizados nas prestações de contas, o que inviabiliza a fiscalização pela Justiça Eleitoral.

Em razão da vedação de gastos anteriores ao prazo para campanhas eleitorais, recomenda-se que atos pré-campanha sejam nas modalidades possíveis, como a realização de reuniões permitidas para a divulgação dos pré-candidatos, das propostas que a agremiação possui, divulgar a exposição de plataformas e projetos políticos, sempre custeados pelos partidos (SILVA FILHO, Lídio Modesto da. Propaganda eleitoral. Curitiba: Juruá, 2018, p. 58-59 – grifo nosso).

Assim, a partir de uma interpretação sistemática do art. 36-A deve-se concluir que os aspirantes a um mandato eletivo não podem realizar despesas com atos de pré-campanha.

Como se sabe, apenas com o requerimento de registro de candidatura pode ser aberta a conta da campanha, captados recursos e realizadas despesas, tudo sob o escrutínio da Justiça Eleitoral (art. 22 da Lei 9.504/97). Consectário lógico dessa regra é que os candidatos não poderão realizar, de forma lícita, despesas com atos de pré-campanha, pois elas passariam ao largo do controle estatal, sem fontes e valores conhecidos do sistema de Justiça Eleitoral. Permitir que um aspirante a um cargo eletivo despenda recursos antes das eleições não é, sem dúvida, a melhor interpretação do art. 36-A [...].

Aliás, coerente com o sistema, o referido dispositivo, em seus incisos permissivos, indica as balizas em que são admitidas a exposição do pré-candidato, dentre elas a de que não deverá ocorrer realização de gastos pelo interessado, ao mencionar ser possível “a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet” (inciso I); “a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos;” (inciso II)”; “a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias”.

Além do mais, de nada adiantaria o TSE estipular limite de gastos para a campanha com o fim de combater o abuso de poder econômico se vier a admitir que antes de 15 de agosto o candidato poderia gastar ilimitadamente e sem ter que prestar contas à Justiça Eleitoral.

A interpretação sistemática da lei leva à outra conclusão: não se pode admitir atos de pré-campanha por meios de publicidade vedados pela legislação no período permitido da propaganda eleitoral, ou seja, tais atos devem seguir as regras da propa-ganda. Não poderão, por exemplo, ser fixadas faixas em postes públicos, colocação de placas maiores que meio metro quadrado, contratação de outdoor e impulsionamento de páginas nas redes

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sociais para alcançar um público além dos seguidores/amigos que não seriam atingidos se a página não fosse impulsionada.

Entendimento contrário levaria à seguinte situação hipotética absurda: um pretenso candidato arrecada recursos de pessoas jurídicas (vedado pela nova legislação) e impulsiona seu perfil nas redes sociais por meio de diversas publicações, até o dia 15 de agosto. Seria esse ato de pré-campanha lícito tão somente porque não conteria pedido explícito de voto? Evidentemente que não.

Com efeito, as mesmas razões que levaram o legislador a proibir determinados meios de exposição do candidato no período eleitoral encontram-se presentes no período de pré-campanha: abuso de poder econômico na veiculação de outdoor; deterioração e uso indevido de bens púbicos; poluição ambiental; mobilidade urbana etc.

(CAMPELLO, Cristiane Cavalcanti Barreto. “A propaganda eleitoral antecipada após a Lei 13.165/2015 e a ferramenta de impulsionamento de publicações nas redes sociais. Estudos Eleitorais, n. 1, 2017, p. 56-57 – grifo nosso).

[...] numa óptica também constitucional, há de se fazer uma ponderação entre a posição preferencial da liberdade de expressão (preferred position of freedom speech) e a necessidade de influência do poder econômico sobre a normalidade e legitimidade das eleições, proibindo qualquer monetização das manifestações antes do período oficial de campanha eleitoral trazido pelo texto da Lei nº 9.504/97, alterado pela 13.165/15, que dispõe que a propaganda eleitoral só é possível a partir de 15 de agosto do ano eleitoral.

Com isso, vencida a teoria clássica da propaganda eleitoral defensora de que só a palavra “voto” tipifica uma propaganda eleitoral antecipada, aplicaríamos uma teoria coerente com a constituição e com a própria função da propaganda, restringindo, tão somente, a influência do poder econômico nos pleitos. (COURA, Alexandre Basilio. Propaganda eleitoral antecipada: teoria funcionalista sistêmica versus teoria clássica da propaganda eleitoral. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura. Tratado de Direito Eleitoral. Tomo IV. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 192).

Em minha visão, a celeuma relativa à possibilidade de realização de

gastos no período referente à pré-campanha deve ser solucionada à luz da

necessidade de concessão da máxima eficácia aos direitos fundamentais

postos em suposto antagonismo: se as eleições democráticas têm de ser livres,

autênticas e disputadas, é preciso garantir que todos os candidatos, assim

como suas ideias e projetos políticos, possam ser igualmente conhecidos por

todos. Como consequência, é dever do sistema (e de seus intérpretes) cuidar para que todos os competidores “disponham, em igualdade de condições, de garantias suficientes para o exercício da liberdade de

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comunicação política” (BURGUERA AMEAVE, Leyre. Democracia electoral: comunicación y poder. Madrid: Congreso de los Diputados, 2013, p. 63 –

tradução livre)19.

Não se trata, obviamente, de uma tarefa fácil; mas é preciso

enfrentá-la.

Por um lado, a proibição total e apriorística de gastos, pleiteada

pela corrente garantista, teria o condão de suplantar o direito à liberdade de expressão, notadamente porque seria contraditório entoar loas à garantia do discurso, vedando o uso de ferramentas que o tornem, de fato, efetivo.

Quanto mais porque, nesse contexto, o discurso nada mais é do que um

instrumento para o exercício de influência, com vistas ao estímulo da

participação e do engajamento político e, principalmente, ao incremento do

índice de competitividade do pleito.

Não há negar que a completa exclusão do dinheiro acarretaria graves

limitações fáticas ao exercício da liberdade de expressão, máxime porque

mesmo as formas mais comezinhas de propaganda carregam, naturalmente,

os seus respectivos custos intrínsecos.

Em síntese, a posição pela completa proibição de realização de

gastos não me parece apropriada, não apenas por (i) veicular uma visão irreal

da política, mas principalmente por (ii) reduzir a liberdade de expressão a um

conceito meramente formal, órfão tanto de eficácia como de substância.

Não ignoro, contudo, que uma posição liberal, absolutamente tolerante com a injeção de recursos financeiros em momento anterior à campanha, teria o condão de comprometer a igualdade de oportunidades entre os candidatos, frustrando a expectativa de que o discurso antecipado funcione como um instrumento para a equiparação das chances de cada postulante na disputa.

Isso porque uma concepção talhada para a proteção do tíbio “orador

da esquina” (o pré-candidato em situação de desvantagem) pode ser utilizada

19 A esse respeito, Eneida Desiree Salgado afirma que “as campanhas eleitorais não podem prescindir da liberdade de propaganda, mas isso tem de ser combinado com a exigência de igualdade entre os concorrentes, como corolário do ideal republicano e do princípio democrático” (SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 203).

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pelos sujeitos privilegiados no mercado da comunicação, fazendo com que a

proteção da autonomia, ao invés de enriquecer, empobreça a qualidade do

debate público (FISS, Owen. Libertad de expresión e discurso social. Coyoacán: Fontamara, 1997, p. 24).

De consequência, uma análise realista do problema, como a que

proponho, precisa lidar com a hipótese de que o laissez-faire absoluto acarrete

um irrecuperável aumento das distâncias entre as alternativas políticas em

confronto.

É preciso, portanto, buscar meio-termo, isto é, uma forma de

acomodar as garantias constitucionais em evidência, tendo-se como

parâmetro, obviamente, o quadro normativo posto, com o fim de evitar a

imposição de restrições contra legem, estipuladas para além das alternativas

de coibição permitidas pelo sistema.

Nessa quadra, relembro que a atividade de comunicação entre

partidos, candidatos e eleitores é regida pelo princípio da liberdade de propaganda, na esteira do qual são consideradas permitidas todas as

estratégias discursivas não expressamente vedadas por lei20. Como

consequência, toda e qualquer restrição a ser imposta sobre suas formas de

manifestação deve encontrar respaldo em princípios ou normas cogentes.

Por outro lado, o arcabouço conformador do denominado direito eleitoral sancionador encontra-se subordinado ao princípio da legalidade, cuja

lógica recusa tanto (i) a imposição de reprimendas sem um devido (e prévio)

anteparo legal, nos termos do art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal, como (ii) a impressão imponderada de leituras exegéticas ampliativas.

20 “A liberdade de propaganda é um corolário do princípio da competitividade das eleições. Nesse diapasão, eleições verdadeiramente competitivas pressupõem possam os contendores divulgar, com a maior amplitude possível, as suas plataformas políticas, os seus planos de governo. [...] Em conclusão, malgrado encontre-se minuciosamente regulamentada, a propaganda eleitoral desenrola-se em marcos bastante extensos: quanto à forma, no que não se encontre proibida, é permitida; quanto ao conteúdo, no que não afete direitos alheios também” (ALVIM, Frederico Franco. Curso de Direito Eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 290). “Pelo princípio da liberdade, a propaganda é livre, na forma posta na lei. Entende-se também que tudo o que a lei não veda é livre” (CONEGLIAN, Olivar. Propaganda eleitoral. 13. ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 78). Como se nota, o arranjo brasileiro acerca da publicidade eleitoral é regido por uma lógica libertária, contraposta à de arquétipos mais restritivos, como o modelo francês, erigido sobre a premissa de que “a propaganda oficial é sempre restritiva, principalmente porque é teoricamente exclusiva: de fato, durante o período de campanha oficial, tudo o que não é permitido está, em princípio, proibido” (RAMBAUD, Romain. Le droit des campagnes électorales. Paris: LGDJ, 2016, p. 108).

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Frente ao exposto, à vista das flagrantes diferenças ontológicas

entre a propaganda eleitoral propriamente dita e o diálogo político travado entre

atores políticos e cidadãos, nos demais momentos da vida democrática,

considero que as limitações atinentes à realização de gastos de campanha não

incidem absolutamente sobre as atividades desenvolvidas no cenário pré-

eleitoral.

Volto a frisar, nesse compasso, que a liberdade de expressão,

enquanto direito fundamental, atrai a aplicação de uma hermenêutica restritiva,

e que a contenção de prerrogativas estruturantes, como esta, somente é

cabível quando superado o multicitado teste tripartite, cujo primeiro passo,

como lembra Aline Osorio, remete à necessidade de que a restrição esteja

prevista “de forma clara, geral e taxativa”, o que, obviamente, não ocorre no

caso (OSORIO, Aline. Direito Eleitoral e liberdade de expressão. Belo

Horizonte: Fórum, 2017, p. 118).

Ademais, uma proposta de interpretação tendente à estipulação de

proibições a priori, como a veiculada nos autos, esbarra, data venia, em uma

das três máximas parciais a que se refere Robert Alexy, notadamente a

necessidade, a impor que os direitos fundamentais, quando tenham de ser

limitados, sejam-no sempre por intermédio do mandamento menos gravoso

possível (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. Ed. São Paulo:

Malheiros, 2014, p. 117).

A esse respeito, entendo desnecessário que a salvaguarda da

igualdade de condições seja feita mediante a completa exclusão do dinheiro no

momento da pré-campanha, tanto (i) porque o dinheiro é elemento

imprescindível para a plena realização da liberdade de expressão, como ainda

(ii) pelo fato de que os casos de abuso podem ser examinados e

eventualmente sancionados a posteriori por esta Justiça Especializada,

inclusive em em sede de ação de investigação judicial eleitoral, nas hipóteses

de abuso de poder.

Em vista do exposto, abstenho-me de avançar sobre garantias

fundamentais, como a liberdade de expressão, por acreditar que “as decisões judiciais só serão democráticas e constitucionalmente legítimas quando tornem possíveis a plena vigência das pré-condições da democracia” (AMAYA, Jorge.

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AgR-AI nº 9-24.2016.6.26.0242/SP 44

Los derechos políticos. Buenos Aires: Astrea, 2015, p. 30 – tradução livre)21.

Com essas considerações, julgo inexistir fundamento legal para que

se repute absolutamente proscrito, v.g., o uso de adesivos e materiais

impressos durante o período da pré-campanha eleitoral.

Sem embargo, pontuo que a inexistência de proibição expressa

direcionada à realização de despesas por ocasião da pré-campanha não

representa um óbice intransponível ao estabelecimento de limites às atividades

de publicidade antecipada, mormente pelo fato de que o modelo constitucional

submete o arranjo ordinário ao princípio da legitimidade das eleições.

Assim é que a realização de gastos, conquanto não esteja, de

antemão, condenada, pode ser coibida, sempre que assuma dimensões

extraordinárias ou contornos abusivos.

Para essa análise, soam-me, sem dúvida, válidos os critérios de

“reiteração da conduta”, “período de veiculação” e “abrangência”, sabiamente

sugeridos pelo eminente Ministro Admar Gonzaga, os quais, entretanto, podem

ser complementados.

Nesse caminho, esses parâmetros devem ser examinados à luz de

uma comparação hipotética, mostrando-se toleráveis todas as ações de

publicidade que estejam ao alcance das possibilidades do “pré-candidato

médio”22. Assim, entendem-se lícitas as ações publicitárias não extraordinárias,

isto é, aquelas possíveis de ser realizadas pelos demais virtuais concorrentes.

Na mesma linha, acato a sugestão de que se considere vedado no

período pré-eleitoral o uso de formas e instrumentos de campanha igualmente

proscritos no período em que se inicia a proteção qualificada do discurso, o que

faço a partir de uma leitura sistêmica.

Saliento, no entanto, que esse entendimento deve prosperar

21 Sobre a liberdade de expressão como condição democrática, reporto-me às lições de Carlos Santiago Nino, que a apresenta como um “direito a priori”, cujo desconhecimento ou menoscabo retira da democracia o seu “valor epistêmico” (NINO, Carlos Santiago. Fundamentos de Derecho Constitucional. Buenos Aires: Astrea, 2000, p. 74). 22 Perspectiva partilhada pela doutrina, como se vê: “Ainda não há regulamentação de gastos para esse período e nem mesmo decisões sobre vários temas, de maneira que o pior dos problemas seria coibir o abuso nos meios de comunicação, em razão de sua abrangência. Privar o pré-candidato de usar adesivo com o seu nome seria o mínimo que a Justiça Eleitoral teria que se preocupar, uma vez que todos podem ter acesso a esse tipo de propaganda” (SILVA FILHO, Lídio Modesto. Propaganda eleitoral. Curitiba: Juruá, 2018, p. 59).

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somente no que tange a mensagens eleitorais lícitas, é dizer, sem pedido

explícito de voto, para o que recobram valor os critérios outrora fixados por este

Tribunal para a identificação da propaganda prematura.

Em termos mais claros, sugiro que os conteúdos que estampem (i) a ampla divulgação da candidatura, ainda que de maneira disfarçada ou subliminar; (ii) o rol de qualidades que conduzam o eleitorado a acreditar ser o candidato qualificado para o desempenho das funções inerentes ao cargo que almeja; ou (iii) a divulgação de plano de governo ou plataforma de campanha

sejam a partir de agora aplicados com uma nova finalidade: não para a

identificação do que se pune (porque a punição, como regra, depende do

pedido de voto explícito), mas para a identificação do que possui conteúdo

eleitoral apto a atrair a aplicação das restrições de forma que incidem sobre a

propaganda eleitoral no período oficial.

Em contrapartida, as mensagens de cunho político estrito (não

eleitoral) ou de mera promoção pessoal, como notas laudatórias, homenagens,

declarações de apoio, exposição de ideias e princípios abstratos, assim como

pensamentos afins, na medida em que não constituem propaganda eleitoral

propriamente dita, remanescem amplamente livres, não enfrentando, em

princípio, quaisquer interdições formais23.

Por fim, acolho in totum a sugestão de análise da condição do autor

do fato, especialmente com o fito de possibilitar que os órgãos jurisdicionais

eleitorais confiram uma maior deferência às manifestações surgidas

espontaneamente do cidadão-eleitor, a quem o modelo constitucional

assegura, nos limites mais amplos, o poder-dever de vigilância e de crítica,

assim como o direito de realimentar o espírito cívico e o credo democrático

mediante o exercício da política como um instrumento de transformação.

23 Em par com essa visão, opina a doutrina que a pretensão dirigida ao controle dos atos de promoção pessoal é equivocada, já que “[...] se o legislador entende que os atos de promoção pessoal são legais, não são atos de campanha extemporânea e não têm o condão de feriar a isonomia entre os postulantes a cargo público, estes fogem do espectro de atuação da Justiça Eleitoral. O homem público pode gastar os seus recursos como bem entender, desde que não seja em atividades ilícitas, inclusive com atos para promover a sua imagem. Entender de maneira diversa é esvaziar o conteúdo da norma e, mais uma vez, trazer para o âmbito da propaganda eleitoral um ativismo judicial infundado e que o legislador vem, sucessivamente, rechaçando” (MENDES; Anna Paula Oliveira; SILVA, Renan Luiz dos Santos. “O conceito de propaganda eleitoral antecipada: uma leitura à luz da hermenêutica constitucional”. In: OLIVEIRA, Armando Albuquerque et al. Teorias da democracia e direitos políticos. Florianópolis: Conpedi, 2017, p. 68).

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Em conclusão, no que diz com a proposta de fixação de tese, voto:

(i) pelo acolhimento in totum do terceiro e do quarto critérios propostos

pelo Ministro Admar Gonzaga Neto, bem ainda pela recepção parcial do

segundo, no ponto específico em que atrai para as manifestações tipicamente

eleitorais as contenções de forma incidentes sobre a publicidade autorizada no

período oficial; e, em contrapartida, (ii) pela rejeição integral do primeiro critério proposto, assim como pela recusa parcial do segundo, no ponto

específico em que pretende atribuir, a priori, algum desvalor para o uso de

materiais típicos de campanha (como adesivos e materiais impressos).

Ao teor do exposto, com o propósito de amainar a insegurança

imperante em torno do tema, consigno que as questões fundamentais relativas

à (i)licitude das manifestações públicas no momento pré-eleitoral podem, em

meu sentir, ser assim resumidas:

(i) no que tange ao conteúdo discursivo, resguardada a preservação

de prerrogativas fundamentais, como o direito à honra e à

intimidade, o falar é livre, sendo somente limitado pela realização de

pedido explícito de voto;

(ii) insere-se no conceito de pedido explícito o uso de

expressões que lhes sejam, a toda evidência, semanticamente

semelhantes, mas não o recurso a brandings, signos políticos

distintivos ou quaisquer outros elementos extrínsecos à mensagem;

(iii) a liberdade de expressão no período pré-eleitoral enseja

consigo, em linha de princípio, a possibilidade de realização de

gastos moderados, em ordem a possibilitar o seu exercício em

termos minimamente efetivos;

(iv) esses gastos podem ser suportados pelo próprio pré-

candidato;

(v) não obstante, reserva-se à Justiça Eleitoral a competência

para a análise e punição em face de eventuais desbordes, inclusive

em sede de ação de investigação judicial eleitoral, visando à

proteção da legitimidade das eleições em face de casos de abuso de

poder político, econômico ou midiático;

(vi) a permissão para a execução de despesas razoáveis, no

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entanto, não implica a liberação para o uso de métodos de

propaganda proibidos durante o período da propaganda oficial,

quando tais instrumentos sirvam à divulgação de conteúdo eleitoral

(a ampla divulgação da candidatura, ainda que de maneira

disfarçada ou subliminar; qualidades que conduzam o eleitorado a

acreditar ser o candidato o mais qualificado para o desempenho das

funções inerentes ao cargo que almeja; ou a divulgação de plano de

governo ou plataforma de campanha);

(vii) de outro lado, as restrições instrumentais dirigidas à

propaganda eleitoral no período oficial não incidem sobre

manifestações de cunho político ou de mera promoção pessoal,

como notas laudatórias, homenagens, declarações de apoio,

exposição de ideias e princípios abstratos, etc;

(viii) a extrapolação do limite do razoável, no que diz com os

aspectos financeiros da comunicação política, pode ser aferida a

partir do índice de reiteração da conduta, do período de exposição

das mensagens pagas, assim como de seus respectivos custos,

capilaridade ou abrangência;

(ix) nessa análise, incide sobre as atividades organizadas por

candidatos e partidos políticos um maior rigor do que o reservado

para as manifestações espontâneas provenientes do eleitorado,

tendo em vista que o arquétipo democrático confere aos cidadãos o

sagrado direito de opinar sobre quaisquer temas públicos que lhes

pareçam relevantes.

Vistos em conjunto, esses critérios, caso aceitos, ensejariam o

seguinte quadro:

(a) o pedido explícito de votos, entendido em termos estritos,

caracteriza a realização de propaganda antecipada irregular,

independentemente da forma utilizada ou da existência de dispêndio de

recursos;

(b) os atos publicitários não eleitorais, assim entendidos aqueles

sem qualquer conteúdo direta ou indiretamente relacionados com a disputa,

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consistem em “indiferentes eleitorais”, situando-se, portanto, fora da alçada

desta Justiça Especializada; e

(c) o uso de elementos classicamente reconhecidos como

caracterizadores de propaganda, desacompanhado de pedido explícito e direto

de votos, não enseja irregularidade per se; todavia, a opção pela exaltação de

qualidades próprias para o exercício de mandato, assim como a divulgação de

plataformas de campanha ou planos de governo acarreta, sobretudo quando a

forma de manifestação possua uma expressão econômica minimamente

relevante, os seguintes ônus e exigências: (i) impossibilidade de utilização de

formas proscritas durante o período oficial de propaganda (outdoor, brindes,

etc); e (ii) respeito ao alcance das possibilidades do pré-candidato médio.

Dessa forma, cria-se, com estrito respeito aos arranjos constitucional

e legal, um quadro propício à máxima efetivação de todas as garantias

fundamentais envolvidas: liberdade de expressão, direito à informação,

igualdade (substancial) de oportunidades, e competitividade das eleições.

Ex positis, quanto ao exame da espécie, ratifico o voto anteriormente

proferido, acompanhando o Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, no

sentido de negar provimento ao agravo regimental.

Paralelamente, no que tange à proposta de fixação de tese, submeto

à apreciação dos pares um padrão alternativo, parcialmente coincidente com o

brilhantemente construído pelo Ministro Admar Gonzaga Neto.

É como voto.