Acepcao
-
Upload
thiago-vilela -
Category
Documents
-
view
213 -
download
0
description
Transcript of Acepcao
Universidade de Brasília
Faculdade de Comunicação
Disciplina: Escrita e Sociedade na América Latina
Professor: Andrei Soares
Aluno: Murilo Nascimento Salviano Gomes
Matrícula: 10/25571
AcepçãoO significado oculto das coisas. O culto?
INTRODUÇÃO:
Durante o curso, discutimos a problemática da articulação entre o
significado e a coisa. Muitas vezes, o discurso de um letrado latino-americano
não corresponde à realidade a qual pertence, principalmente quando a
comparamos em escala global.
A palavra assumiu a função de construir identidades nacionais e
contornar crises culturais. Por isso, os nossos letrados - nossos mediadores
culturais, sendo Angel Rama - passaram a explorar a gama de funções da
palavra para concretizar seus trabalhos de forma efetiva.
A relação entre o significado e a coisa pode ser falsa, se a analisarmos de
maneira superficial, pois o sentido verdadeiro do discurso pode estar oculto no
mundo das interpretações. As ironias, as mensagens subliminares, são exemplos
de como o poço dos significados pode ter um fundo inalcançável, infinito.
Propus, neste trabalho, acender uma chama para iluminar esse poço e
discutir a validade dessa técnica, assim como esclarecer os motivos que a
impulsionam. Trouxeste o balde?
O CULTO OCULTO:
“Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?”
Carlos Drummond de Andrade
Dentro dessa temática, enxergamos o letrado não mais na posição de
dominador, mas de militante, revolucionário. É o letrado não mais usufruindo
da palavra para fazer a manutenção da ordem soberana, mas querendo
reconstruí-la quando a realidade não corresponde aos anseios da maioria.
A democracia latino-americana nunca conseguiu permanecer por longos
tempos em vigência. Ela foi incapaz de consolidar-se na sua essência plena, pois
foi sempre interrompida por momentos de crise econômica que acarretaram na
volta do autoritarismo político.
Muitas vezes, como em tempos em que a liberdade de expressão está
ameaçada, faz-se necessário esconder mensagens em códigos. Certos poetas,
músicos e artistas, letrados que possuem contato direto com a massa, incluem
sentidos em suas obras que só são perceptíveis através de uma reflexão, com o
objetivo de escaparem da mudez fadada pela censura e ainda assim conseguir
comunicar-se com seu público.
Carlos Drummond de Andrade escreveu o livro “A Rosa do Povo” que
contém poemas feitos durante a ditadura brasileira, no período Entre-Guerras.
O que seria essa rosa que fura “o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”? A liberdade?
O Comunismo? Independente do que seja, temos a sensação de ser algo que
destoa da “rua cinzenta”. Sabemos, mesmo Drummond não deixando explícito
em seu discurso, que a rosa é uma esperança, uma fuga, um áporo. O autor não
nos abandonou na caçada pelo significado de sua obra, mas deixou bem
sinalizado o caminho que nosso pensamento deve seguir.
Porém nem toda obra que contém o significado escondido em seu cerne é
capaz de instigar o espectador a procurá-lo ou de indicar o caminho de sua
descoberta de maneira eficiente.
É quase impossível, por exemplo, uma pessoa deduzir tantas
significações quanto Niemeyer diz existir em suas obras arquitetônicas. Após
visitarmos as instalações de Brasília e de recebermos uma cartilha que nos
explica o que o arquiteto quis comunicar com o desenho da cidade, ficamos
maravilhados com as esplêndidas idéias. São geniais. Porém os significantes de
concreto não nos levam ao seu significado de maneira autônoma, o que acaba
não nos transmitindo a mensagem original. Pelo contrário, a grandiosidade dos
prédios brasilienses dá a impressão de nos diminuir, de nos tornar
insignificantes para a cidade, sendo que a mensagem deveria ser – e é, segundo
o autor – o contrário, já que vivemos numa democracia. E pelo mesmo motivo
da incompreensão do significado oculto, ficamos muito tempo matutando sobre
qual seria o objetivo de Niemeyer com aquela construção e arranjamos mil e
uma hipóteses, as quais, muitas vezes, destoam da verdade.
Algumas pessoas acreditam que o espírito da arte vive na capacidade de
um objeto, um gesto ou uma ação poder gerir uma gama infinita de impressões
e reações, pois a vivência de cada indivíduo influencia na maneira de
comunicar-se com a obra. Tal visão é muito coerente, porém, a partir do
momento em que um letrado utiliza-se da arte para transmitir mensagens, o
mínimo que a obra deve significar é a idéia original.
Não devemos confundir mediação cultural com produção artística
independente. No próximo tópico, falaremos sobre essa escavação em obras
levianas.
A bíblia, por transmitir suas mensagens através de metáforas, parábolas,
acaba por possuir seu sentido interpretado de muitas maneiras distintas. Esse é
o motivo pelo qual tantas religiões de preceitos diferentes, e muitas vezes
opostos, estarem seguindo os ensinamentos do mesmo livro.
Segundo entrevista com a teóloga Cléa Borges, para que as pessoas
entendessem a importância de uma conversão pessoal e entendesse o
verdadeiro projeto de Deus, foi necessário que Jesus Cristo usasse muitas
maneiras para levar as pessoas a compreenderem o projeto de Deus. Jesus veio
com a missão de libertar o povo das opressões, escravidões e misérias. Para isso,
antes de qualquer ação de maior escala, ele deveria convencer as pessoas ao seu
redor a reconhecerem que a situação na qual viviam estava errada e que o
projeto de Deus para a Terra era outro. Como o povo com quem conversava era
de origem basicamente rural e como não tinha intimidade o bastante para
declarar de maneira direta os anseios de Deus – idéias desconhecidas e
contrastantes da realidade -, teve de passar sua mensagem e moldar a
consciência da massa de maneira subjetiva, através de parábolas, códigos.
Entre elas estão: a Parábola dos Talentos, usada para explicar que cada
um tem sua importância; a Parábola do Filho Pródigo, usada na questão da
reconciliação e misericórdia de Deus; Parábola do Bom Samaritano, para
entender o gesto de compaixão e solidariedade; Parábola da Moeda, para
explicar que ninguém é tão pobre que não possa doar um pouco a quem tem
menos ainda. O verdadeiro significado era repassado aos seus doze apóstolos, os
quais já conheciam Jesus e entendiam seu projeto.
No Antigo Testamento, eram usados muitos símbolos, analogias e até
fenômenos da natureza para compreender a história da Criação e da caminhada
do Povo de Deus. No Novo Testamento o centro é Jesus, sendo a pedagogia
deste, adaptada para atingir pessoas de qualquer ambiente e cultura, a forma de
comunicação entre o céu e a terra.
A ironia é um recurso que ativa a nossa interpretação a buscar as
significações escondidas no discurso. A qualidade textual é o que nos permite
saber que certo trecho nos diz o contrário do que está escrito ou que faz
referência a outros fatos. Ao estudarmos, por exemplo, a crônica “Teoria de um
Medalhão”, do Machado de Assis, podemos perceber, devido à escrita impecável
do autor, que todo o texto não passa de uma ironia, de uma crítica ao falso
verniz cultural que visa apenas ao status.
As ironias, porém, podem representar uma armadilha a quem as utiliza,
pois, se este não possuir uma boa retórica, a mensagem que irá passar será
totalmente a inversa da que deseja.
O palestrante possui uma margem de manobra ao utilizar a ironia, pois
não permite que outros utilizem de seu discurso para se legitimar. Afinal a
mensagem verdadeira é uma e o corpo textual é outro. Ninguém conhece um
texto melhor que seu autor, por isso este pode esquivar-se ao justificar ser
inexistente a certeza do que ele realmente quis dizer.
No plano jurídico, são as palavras proferidas que estabelecem a opinião
absoluta de alguém. Nossas leis atuais não podem incriminar um cidadão por
levar em consideração segundas intenções em sua fala. Apenas o que foi dito é
avaliado, por isso é comum encontrarmos políticos utilizando ironias como uma
forma para se referirem aos problemas do concorrente. Sites e programas de
humor também apelam a elas a fim de passar o recado desejado ao seu público
sem se comprometerem com a justiça.
O OCULTO INCULTO
Devido à análise crítica que o espectador faz sobre uma obra e a tentativa
incessante de procurar o segredo que certa peça esconde, alguns letrados
adquiriram a prática de fingir ocultar mensagens em suas construções. É fácil
maquinar objetos sem sentidos e fazer o espectador quebrar a cabeça para
extrair alguma mensagem que aquilo desejaria passar. O letrado, ao invés de
trabalhar para transcender significados ao seu público da melhor maneira
possível, acaba jogando a este a total responsabilidade sobre os objetivos do seu
trabalho.
A culpa não se restringe aos emissores, mas aos receptores também.
Chegamos a um ponto do desenvolvimento intelectual que muitas pessoas
fingem entender e extrair ensinamentos de produtos que nada contém, como se
elas fossem obrigadas a possuir a capacidade de descodificar tudo o que ver pela
frente. Isso acaba influenciando a produção esdrúxula que finge ocultar
significados.
Cabe ao intelectual tornar-se claro ao seu público, senão ele passa a
assumir o papel de dominador. A prática de fingir ocultar recados serve para
legitimar a posição de superioridade do letrado, que aparenta possuir um
intelecto tão avançado que a massa não consegue compreendê-lo facilmente.
No campo artístico, a partir do momento em que uma obra é criada com
o intuito de ser engajada com o povo, ela deve transmitir alguma mensagem já
pré-formatada pelo autor.
A crítica que faço não é voltada à arte que pode reflete uma infinidade de
significados – afinal, isso é uma das qualidades dela -, pois a obra artística se faz
obra na medida em que instiga, discursa, independente das intenções do autor.
A crítica dirige-se à arte vazia, a qual tenta vender mensagens e sentidos.
Para a arte que não possui o intuito de mostrar-se aliada a mensagens
pré-formatadas, que não deseja passar um recado já moldado por concepções do
artista, o valor de uma obra é o valor de mistério. Neste, o significado é
subjetivo, variando conforme o público.
O movimento esteticista acredita que a função da arte é proporcionar
prazeres estéticos e não conduzir cargas moralistas ou pedagógicas. Para esse
fim, Benjamin Constant criou a expressão “arte pela arte”. Esse movimento
possui idéias contrárias quanto a várias outras, porém eles deixam claro ao
espectador a finalidade de suas obras: prazer estético e não transmitir
conteúdos.
Essa honestidade do artista ao apresentar seu trabalho não é seguida por
vários outros, os quais criam produtos toscos a fim de aparecer como
intelectuais.
Com a abertura do campo cinematográfico para um maior contingente de
produções, devido ao advento de instrumentos digitais, não é raro vermos obras
sem a menor carga ideológica e com uma fachada que indica possuir uma alta
densidade de conteúdo.
Vitor Alli, estudante da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro),
criou um vídeo que brinca com essa característica alienante de arte, cujo nome é
“Como fazer um Curta Experimental, Cult e Pseudo-Intelectual”. O vídeo está
disponível no canal Youtube e pode ser acessado através do link:
http://www.youtube.com/watch?v=gQQPnYr9KY4
Essa característica não é restrita ao cinema; está presente em todos os
meios de comunicação (escultura, teatro, dança, literatura, ...).
CONCLUSÃO
O significado, mesmo estando oculto dentro da coisa, não perde sua
validade, pois a capacidade interpretativa do público garante a retirada do seu
sentido quando a construção é bem feita.
Estudamos muito, no decorrer do semestre, discursos de letrados
julgando-se superiores à massa “gaúcha”, como se não possuíssem a mesma
origem.
Felizmente, parte de nossa elite é formada por personalidades que não
vêem seu povo como fruto da barbárie. Nossa elite também foi formada por
sertanejos, por fortes, que acreditam em nossas potencialidades, que vêem em
nós a “Raça Cósmica”. Sertanejos que não se calam, mesmo com a seca de voz.
Pode um subalterno falar? Sim! A acepção o permite.