Abrente nº62

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Vozeiro de Primeira Linha www.primeiralinha.org Ano XVI • Nº 62 • Segunda jeira • Outubro, novembro e dezembro de 2011 Jornal comunista de debate e formaçom ideológica para promover a Independência Nacional e a Revoluçom Socialista Galega Sumário Editorial 3 A degeneraçom das modernas organizaçons sindicais. Umha aproximaçom à colaboraçom obreiro-patronal (I) Daniel Lourenço Mirom 4 Zapaterismo. O grande engano Carlos Morais 5-6 Do virtual ao real. Internet e Revoluçom André Seoane Antelo 7 ETA como princípio de realidade Iñaki Gil de San Vicente 8 Sobre a guerra de guerrilhas Vladimir Ilich Uliánov Lenine Quem tenha seguido com atençom as análises elaboradas por Primeira Linha há mais de umha década, sabe que o atual cenário de dura ofensiva do Capital contra o Trabalho tem sido anunciado de forma constante polo nosso partido. As páginas do Abrente som testemunha de que a crise em curso do capitalismo senil e os paráme- tros gerais das suas duras conseqüências para o conjunto do proletariado e as camadas populares galegas foi, em grandes traços, prognosticada. Nom sabíamos nem quando nem como iria cristalizar a crise, mas sabíamos que a onda de expansom do capitalismo nos países imperialistas estava atingindo o seu final. Boa parte da econo- mia marxista revolucionária nom subsidiada polas universidades defendia com firmeza e com dados rigorosos esta tese, mas quase ninguém a levava realmente em conta. Nós, com modéstia, mas com firme convicçom, coincidíamos com esse prognóstico. E fazíamo-lo nom porque possuamos bola de cristal nem va- rinha mágica. Como organizaçom revolucionária comunista, empregamos a dialética materialista e o materialismo histórico como ferramentas de análise e interpretaçom da realidade. E quase to- dos os indicadores alertavam do desastre que se estava a gestar e de que as políticas económicas de Wasghinton e da Uniom Europeia só estavam a adiar artificialmente a falência. Quando, em plena bonança da década de no- venta, denunciávamos a artificial expansom do capitalismo espanhol, por estar baseada na espe- culaçom urbanística, na chamada bolha financeira do tijolo, a nossa opiniom era chamada catastrofis- ta e, no melhor dos casos, desconsiderada, pois o conjunto da esquerda sistémica evitava questionar a euforia neoliberal e as suas nefastas influências na consciência obreira e popular. O enorme fluxo de subsídios europeus à Galiza contribuia para paliar conjunturalmente os efeitos sociais da destruiçom planificada da nossa econo- mia nacional, facilitando assim enorme estabilidade ao fraguismo. Fôrom factores exógenos à crise imobiliária e financeira que estalou com a falência de Leman Brothers em 2008, mas derivados do modelo de “desenvolvimento capitalista”, que tensionárom de forma inconstante e esporádica a sociedade galega a inícios de século. “A culpa de quem é?, do governo do PP!” O desastre socioambiental do Prestige é ex- pressom de umha das crises paralelas que acom- panham a atual crise global do capitalismo senil. A crise ecológica que em 2002 agita a sociedade galega deriva de um modelo energético obsoleto e esgotado, mas consubstancial ao capitalismo senil. A posterior ofensiva militar imperialista contra o Afegansitam e o Iraque -justificada polos obs- curos acontecimentos do 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque- e as suas expressons em versom espanhola (Lei de partidos, reformas constantes do Código Penal, incremento exponencial da repres- som, corte das liberdades, militarizaçom) volta a tensionar a nossa específica formaçom social. A presença de Aznar na desprezível reuniom dos Aço- res com Bush e Blair contribui para o desenvolvi- mento do movimento contra a guerra. O primeiro grande aviso da nova estratégia de destruiçom do ensino público que foi a reforma universitária da LOU gerou umha ampla resposta es- tudantil, mas também provocou umha profunda frus- traçom que aniquilou o movimento estudantil galego, que ainda só agora começa a superar. No entanto, nestes três casos o movimento so- cial agiu sempre seguindo frágeis discursos super- ficiais que evitam penetrar no cerne dos problemas. Nom se questionava o sistema, reduzindo o proble- ma ao governo do PP e a soluçom a umha simples alternáncia política. O Fraga nom, Fraga nom, Fraga nom! gerou um amplo movimento social que catalisou a indignaçom pola catástrofe do Prestige, a condena do apoio do Estado espanhol às aventuras militares ianques com a oposiçom à LOU, mas sempre incapaz de des- preender-se da miopia eleitoreira que PSOE, BNG e IU imprimírom. O mesmo tinha acontecido com as reformas laborais implementadas previamente polo governo de Aznar. Mesmo tendo sido respondidas com duas greves gerais em 2001 e 2002, nom tivérom conti- nuidade. Em nengum momento o movimento popular foi capaz de compreender o fio condutor que devia uni- ficar as luitas e que demanda umha mudança geral estratégica na esquerda social. Paradoxalmente, o auge da luita de massas coincide com o início da grave crise interna ainda em pleno desenvolvimento na atualidade, que pro- vocou a progressiva hemorragia eleitoral do BNG e basicamente a sua incapacidade para gerar entu- siasmo como alternativa. O eleitoralismo e o curtoprazismo instalados nas formaçons da “esquerda” com projeçom de massas, e o submetimento do sindicalismo e da maioria dos movimentos sociais a essa lógica, esterilizavam es- tes fenómenos de luita de massas, reduzindo-os a simples episódios isolados que canalizam o mal-estar social, mas nom permitem acumulaçom de forças para vertebrar o bloco histórico transformador. Miragens e frustraçons A chegada de Zapatero ao governo espanhol em 2004 e, posteriormente, o efémero governo bipartido na Junta (2005-2009) ajudárom a diluir e desmovimentar a luita de massas. As duas nefastas experiências nom servírom para avançar na consci- ência popular, obreira e nacional. Nom só deixárom mau sabor de boca entre quem depositou esperan- ças, como incrementárom o descrédito da política e o compromisso social. A derrota do proletariado metalúrgico do sul da Galiza na greve de 2007 foi determinante para que- brar de raíz o tímido e contraditório, mas emergente, processo de luita obreira que começava a emergir. O patronato nom duvidou em empregar toda a sua artilharia para destruir o grosso da vanguarda prole- tária, para assim cercear as possibilidades de iniciar um processo de reorganizaçom do movimento obrei- ro, derivado da incorporaçom de umha nova geraçom forjada na luita conseqüente que acreditava na ne- cessidade do combate direto contra as forças coer- citivas do Capital. Estes sucessos tivérom um efeito pedagógico exemplarizante que provocou um cons- trangimento das greves, disciplinando o movimento obreiro. Novamente constatárom-se as limitaçons do sindicalismo realmente operante no País e a necessi- dade de construir um projeto estratégico superador das práticas pactistas, conciliadoras e burocráticas hegemónicas no sindicalismo galego. As recentes greves gerais de setembro do ano passado e janeiro deste ano nom passárom de fo- gos de artifício que embora tensionem e mobilizem a classe trabalhadora, ao nom estarem inseridas num plano estratégico de luita, acabam reforçando As caras da voracidade burguesa

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Abrente nº 62

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Vozeiro de Primeira Linha www.primeiralinha.org Ano XVI • Nº 62 • Segunda jeira • Outubro, novembro e dezembro de 2011

J o r n a l c o m u n i s t a d e d e b a t e e f o r m a ç o m i d e o l ó g i c a p a r a p r o m o v e r a I n d e p e n d ê n c i a N a c i o n a l e a R e v o l u ç o m S o c i a l i s t a G a l e g a

Sumário

Editorial

3 A degeneraçom das modernas organizaçons sindicais. Umha aproximaçom

à colaboraçom obreiro-patronal (I)Daniel Lourenço Mirom

4 Zapaterismo. O grande enganoCarlos Morais

5-6 Do virtual ao real. Internet e Revoluçom

André Seoane Antelo

7 ETA como princípio de realidade

Iñaki Gil de San Vicente

8 Sobre a guerra de guerrilhasVladimir Ilich Uliánov Lenine

Quem tenha seguido com atençom as análises elaboradas por Primeira Linha há mais de umha década, sabe que o atual cenário de dura ofensiva do Capital contra o Trabalho tem sido anunciado de forma constante polo nosso partido.

As páginas do Abrente som testemunha de que a crise em curso do capitalismo senil e os paráme-tros gerais das suas duras conseqüências para o conjunto do proletariado e as camadas populares galegas foi, em grandes traços, prognosticada.

Nom sabíamos nem quando nem como iria cristalizar a crise, mas sabíamos que a onda de expansom do capitalismo nos países imperialistas estava atingindo o seu final. Boa parte da econo-mia marxista revolucionária nom subsidiada polas universidades defendia com firmeza e com dados rigorosos esta tese, mas quase ninguém a levava realmente em conta.

Nós, com modéstia, mas com firme convicçom, coincidíamos com esse prognóstico. E fazíamo-lo nom porque possuamos bola de cristal nem va-rinha mágica. Como organizaçom revolucionária comunista, empregamos a dialética materialista e o materialismo histórico como ferramentas de análise e interpretaçom da realidade. E quase to-dos os indicadores alertavam do desastre que se estava a gestar e de que as políticas económicas de Wasghinton e da Uniom Europeia só estavam a adiar artificialmente a falência.

Quando, em plena bonança da década de no-venta, denunciávamos a artificial expansom do capitalismo espanhol, por estar baseada na espe-culaçom urbanística, na chamada bolha financeira do tijolo, a nossa opiniom era chamada catastrofis-ta e, no melhor dos casos, desconsiderada, pois o conjunto da esquerda sistémica evitava questionar a euforia neoliberal e as suas nefastas influências na consciência obreira e popular.

O enorme fluxo de subsídios europeus à Galiza contribuia para paliar conjunturalmente os efeitos sociais da destruiçom planificada da nossa econo-mia nacional, facilitando assim enorme estabilidade ao fraguismo.

Fôrom factores exógenos à crise imobiliária e financeira que estalou com a falência de Leman Brothers em 2008, mas derivados do modelo de “desenvolvimento capitalista”, que tensionárom de forma inconstante e esporádica a sociedade galega a inícios de século.

“A culpa de quem é?, do governo do PP!”

O desastre socioambiental do Prestige é ex-pressom de umha das crises paralelas que acom-panham a atual crise global do capitalismo senil. A crise ecológica que em 2002 agita a sociedade galega deriva de um modelo energético obsoleto e esgotado, mas consubstancial ao capitalismo senil.

A posterior ofensiva militar imperialista contra o Afegansitam e o Iraque -justificada polos obs-curos acontecimentos do 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque- e as suas expressons em versom espanhola (Lei de partidos, reformas constantes do Código Penal, incremento exponencial da repres-som, corte das liberdades, militarizaçom) volta a tensionar a nossa específica formaçom social. A presença de Aznar na desprezível reuniom dos Aço-res com Bush e Blair contribui para o desenvolvi-mento do movimento contra a guerra.

O primeiro grande aviso da nova estratégia de destruiçom do ensino público que foi a reforma universitária da LOU gerou umha ampla resposta es-tudantil, mas também provocou umha profunda frus-

traçom que aniquilou o movimento estudantil galego, que ainda só agora começa a superar.

No entanto, nestes três casos o movimento so-cial agiu sempre seguindo frágeis discursos super-ficiais que evitam penetrar no cerne dos problemas. Nom se questionava o sistema, reduzindo o proble-ma ao governo do PP e a soluçom a umha simples alternáncia política.

O Fraga nom, Fraga nom, Fraga nom! gerou um amplo movimento social que catalisou a indignaçom pola catástrofe do Prestige, a condena do apoio do Estado espanhol às aventuras militares ianques com a oposiçom à LOU, mas sempre incapaz de des-preender-se da miopia eleitoreira que PSOE, BNG e IU imprimírom.

O mesmo tinha acontecido com as reformas laborais implementadas previamente polo governo de Aznar. Mesmo tendo sido respondidas com duas greves gerais em 2001 e 2002, nom tivérom conti-nuidade.

Em nengum momento o movimento popular foi capaz de compreender o fio condutor que devia uni-ficar as luitas e que demanda umha mudança geral estratégica na esquerda social.

Paradoxalmente, o auge da luita de massas coincide com o início da grave crise interna ainda em pleno desenvolvimento na atualidade, que pro-vocou a progressiva hemorragia eleitoral do BNG e basicamente a sua incapacidade para gerar entu-siasmo como alternativa.

O eleitoralismo e o curtoprazismo instalados nas formaçons da “esquerda” com projeçom de massas, e o submetimento do sindicalismo e da maioria dos movimentos sociais a essa lógica, esterilizavam es-tes fenómenos de luita de massas, reduzindo-os a simples episódios isolados que canalizam o mal-estar social, mas nom permitem acumulaçom de forças para vertebrar o bloco histórico transformador.

Miragens e frustraçonsA chegada de Zapatero ao governo espanhol

em 2004 e, posteriormente, o efémero governo bipartido na Junta (2005-2009) ajudárom a diluir e desmovimentar a luita de massas. As duas nefastas experiências nom servírom para avançar na consci-ência popular, obreira e nacional. Nom só deixárom mau sabor de boca entre quem depositou esperan-ças, como incrementárom o descrédito da política e o compromisso social.

A derrota do proletariado metalúrgico do sul da Galiza na greve de 2007 foi determinante para que-brar de raíz o tímido e contraditório, mas emergente, processo de luita obreira que começava a emergir. O patronato nom duvidou em empregar toda a sua artilharia para destruir o grosso da vanguarda prole-tária, para assim cercear as possibilidades de iniciar um processo de reorganizaçom do movimento obrei-ro, derivado da incorporaçom de umha nova geraçom forjada na luita conseqüente que acreditava na ne-cessidade do combate direto contra as forças coer-citivas do Capital. Estes sucessos tivérom um efeito pedagógico exemplarizante que provocou um cons-trangimento das greves, disciplinando o movimento obreiro. Novamente constatárom-se as limitaçons do sindicalismo realmente operante no País e a necessi-dade de construir um projeto estratégico superador das práticas pactistas, conciliadoras e burocráticas hegemónicas no sindicalismo galego.

As recentes greves gerais de setembro do ano passado e janeiro deste ano nom passárom de fo-gos de artifício que embora tensionem e mobilizem a classe trabalhadora, ao nom estarem inseridas num plano estratégico de luita, acabam reforçando

As caras da voracidade burguesa

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Nº 62 Outubro, novembro e dezembro de 20112

o descrédito no sindicalismo, gerando confusionismo e mais frustraçom.

Direçom e consciência obreiraNa hora de interpretar as causas dos paulatinos

fracassos do combate popular da última década, ain-da que se tenham dado condiçons objetivas favoráveis que gerárom enorme potencialidade subjetiva -mas que literalmente foi desaproveitada- nom podemos descon-siderar que todas estas luitas carecêrom de umha dire-çom obreira. A linha discursiva, tabelas reivindicativas e objetivos políticos ou bem estavam hegemonizada pola pequena burguesia progressista ou bem por umha buro-cracia sindical mais próxima desses interesses que dos do proletariado.

O resultado foi o reforçamento da ideologia domi-nante e um cada vez maior divórcio entre a baixa consci-ência obreira, popular e nacional e as forças políticas e sociais que de parámetros tanto reformistas como revo-lucionários agimos no seu interior.

O desmembramento em curso da consciência obrei-ra aprofundou na perda de identidade de umha classe que acreditava cegamente no discurso dominante do fim da luita de classes e do mito da cidadania como novo sujeito unificador de umha sociedade que ia progressiva-mente diluindo as diferenças sociais. A era das hipotecas estimulava o consumismo, facilitando que umha parte considerável do povo trabalhador mantivesse um ritmo de vida superior as suas possibilidades reais. O maras-mo instalou-se no seio da classe obreira, dificultando a organizaçom e desarmando a sua capacidade de luita.

Os alertas lançados por umha testemunhal es-querda revolucionária nom fôrom considerados, como agora tampouco se acredita na profundidade da crise. A classe trabalhadora que respondeu de forma maciça a algumhas das primeiras agressons globais do neoli-beralismo mantém ingénuas esperanças na “recupera-çom económica” e volta ao “estado do bem-estar” que promete a partitocracia.

Tal como os avisos da ofensiva burguesa fôrom da-quela erroneamente achacados ao governo reacionário

Editorial

do projeto nacional espanhol que só procura destruir a nossa naçom.

Mas, salvo esporádicas e tímidas respostas, seme-lha que aqui vamos aturar todo o que se nos bote por cima. Mejam por nós e dizemos que chove. As reformas milionárias blindadas polos diretivos de Caixa Galicia e Caixa Nova no processo de fusom, bem conhecidas pre-viamente polo PP, PSOE e BNG, assim como polos sin-dicatos, deveria ter provocado um estalido social, pois a indignaçom é claramente insuficiente e as ordenadas concentraçons diante das instalaçons carecem de credi-bilidade algumha.

A implicaçom da casta política que ocupa as insti-tuiçons autonómicas no último escándalo conhecido de corrupçom, a operaçom Campeom, devia ter provocado um estalido social, mas a indignaçom nom dá um passo para adiante.

As demandas da CEOE para embaratecer ainda mais o despedimento deveriam ter provocado umha resposta imediata mais alá de um simples comunicado de imprensa.

Porém, as práticas políticas e sindicais que hegemo-nizárom o movimento popular nas últimas três décadas permitem explicar a atonia e parálise.

20 novembro O show eleitoral promovido pola partitocracia gera

expetativas construindo umha falsa realidade sobre a nossa capacidade coletiva de condicionar o futuro me-diante o voto. Nada vai mudar 20 de novembro. Ao mar-gem de certos matizes dá igual quem ganhe. PSOE e PP som duas caras da mesma moeda. E as alternativas à sua “esquerda” de ámbito galego ou espanhol tenhem demonstrado serem umha fraude.

Esse dia o melhor é nom pisar os seus colégios elei-torais.

A única alternativa viável é a Revoluçom Galega. Esta será conseqüência de umha insurreiçom obreira e popular. Este é o roteiro das comunistas galegas. Todo o resto já se conhece. Levamos agüentando sobre as costas mais de três décadas de enganos e isto cada vez vai para pior.

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de Aznar, a atual situaçom é responsabilizada no PSOE de Zapatero e Rubalcaba. Nom há pior cego que aquele que nom quer ver.

O baixo nível de consciência socialmente comparti-lhada derivado da desmobilizaçom gerada pola derrota na Transiçom e posteriormente a desfeita provocada pola queda da URSS, provocou um desarme ideológico geral que permite entendermos a carência de umha vi-som estratégica, que à sua vez assenta na derrota de 1936. Chove no molhado.

Porém, nom se pode cair no derrotismo. A realidade nom é estática, está em contínuo movimento. E as mas-sas em luita e sobretodo organizadas podemos mudar o curso da história que nos tenhem escrito FMI, Banco Central Europeu, Comissom Europeia e a nova Deuts-chland.

Os outonos quentes som simples manchetes

Os meios de comunicaçom da burguesia venhem empregando de forma constante fórmulas como ‘outono quente’ para definir o habitual incremento da conflituosi-dade laboral que se produz após a paragem estival.

Lamentavelmente, é um simples recurso jornalís-tico que nom se constata. O incremento do empobre-cimento e perda de poder aquisitivo entre as camadas populares nom está a ser acompanhado por um aumen-to da luita social.

O mal-estar e descontentamento social é generali-zado, mas também o é a resignaçom e o marasmo. O individualismo e a carência de umha alternativa de luita com projeçom de massas que estimule e sacuda a paráli-se segue firmemente instalada na nossa classe.

A burguesia ainda conserva praticamente intacta a sua hegemonia ideológica e legitimidade social.

A casta política corrupta dos partidos sistémicos mantém a estabilidade do sistema dificultando a revol-ta. O sindicalismo subsidiado renúncia a abrir o ciclo de luitas. O sistema consciente das suas fraquezas e vulnerabilidade facilita a abertura de umha válvula con-

trolada de escape das enormes tensons acumuladas, descongestionando-as, facilitando respostas esterili-zantes como a representada polo conhecido como mo-vimento d@s indignad@s.

Porém, é umha simples questom de tempo. A reali-dade é teimosa e nom engana. Já nom se pode maquilhar e muito menos ocultar que estamos assistindo à maior ofensiva da burguesia contra o mundo do trabalho, com as suas conseqüências específicas sobre aqueles seg-mentos mais desprotegidos: as mulheres e a juventude.

Sob a justificaçom da crise o Capital tem acelerado a desregularizaçom da legislaçom laboral e adoptado umha bateria integral de medidas tendentes a destruir a totalidade das conquistas obreiras e populares fruto de décadas e décadas de luitas. O incremento da exclusom social, o empobrecimento e a emigraçom som as três conseqüências imediatas.

Solicitam austeridade para enriquecerA necessidade de austeridade é o engano para pri-

vatizar serviços públicos e facilitar reduçom de salários e pensons, para incrementar horários laborais e a pro-dutividade, para suprimir ajudas sociais, para normalizar contratos precários e eventuais.

Mas todas estas medidas vam acompanhadas por um incremento da taxa de lucro das grandes empresas e por fabulosos negócios derivados da privatizaçom e o espólio dos recursos públicos.

A Galiza acabou de assistir em silêncio à destrui-çom do seu sistema financeiro autóctone com a fusom das duas caixas de aforro e a posterior bancarizaçom, e posteriormente à absorçom do Banco Pastor por umha entidade espanhola. O primeiro processo ainda nom fi-nalizou, até que o Banco de Espanha opte por repriva-tizar NGB entregando assim os aforros de décadas de centenas de milhares de trabalhadoras e trabalhadores galegos a preço de saldo ao melhor postor.

A classe obreira está pagando a crise financeira e o País padece umha aceleraçom na destruiçom da sua economia, incrementando a dependência secular

Alcalde Gregorio Espino 55VIGO

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3Nº 62 Outubro, novembro e dezembro de 2011

A crise sistémica que atravessa o capitalismo está a servir de cenário para umha renovada ofensi-va burguesa contra os sindicatos.

Consciente da crise de identidade que sofre um sindicalismo maioritário atrapado no labirinto da concertaçom social e da ausência ou debilidade de referentes de massas que questionem o seu domí-nio, a burguesia insiste em assaltar o que fica das conquistas obreiras.

Nom insistiremos na convicçom exprimida em mais de umha ocasiom de que o sindicato, como fer-ramenta protagónica da organizaçom e luita obrei-ra no centro de trabalho, está plenamente vigente. Tampouco na influência e capacidade de interven-çom que ainda mantenhem os sindicatos na Galiza, mesmo os mais afetados pola cooptaçom estatal. Porém, seria irresponsável enfrentar esta renovada campanha anti-obreira sem saldar contas com um modelo sindical claramente deficitário, produto ge-nuíno do imparável processo de institucionalizaçom derivado da sua participación do inovador modelo de concertaçom social atualmente dominante. Seria te-merário que, da nossa posiçom de alternativa ao sin-dicalismo que praticam CCOO e UGT, afirmássemos que o projeto sindical que impulsionamos e no qual participamos é imune à possibilidade de experimen-tar processos de degeneraçom similares aos que sofrêrom organizaçons sindicais de todo o tipo por todo o mundo. Dizemos mais. Nom só nom é imune como já temos advertido e denunciado alarmantes sintomas de um processo que, se nom for atalhado a tempo, pode destruir a valiosa tradiçom do sindica-lismo nacional e de classe.

Só a partir da compreensom e a identificaçom dos elementos que concorrem e provocam a degene-raçom destas organizaçons, transformando os sindi-catos de genuínas ferramentas da luita operária em instrumentos ao serviço de governos e empresários para facilitar a perpetuaçom da exploraçom da clas-se trabalhadora, será possível reverter um proces-so que ameaça o projeto histórico do sindicalismo galego.

Sindicalismo reformista e revolucionário nas origens do movimento obreiro

Os sindicatos som umha genuína expressom do modo de produçom capitalista. Nascem da resistência contra a exploraçom de homens, mulheres e crianças, do antagonismo entre Trabalho e Capital. Mas nem na sua génese nem no seu mais imediato desenvolvi-mento histórico, tivo o sindicalismo umha identidade homogénea. Desde o mesmo momento em que nasceu como tal, o sindicalismo e por extensom o movimento obreiro, configuram-se duas identidades que vam a protagonizar com as suas pugnas por disputar a he-gemonia entre o proletariado.

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A degeneraçom das modernas organizaçons sindicais. Umha aproximaçom à colaboraçom obreiro-patronal (I)Da

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balhadores (AIT) que provocará contradiçons e de-monstrará os estreitos limites em que se moverám as organizaçons obreiras da época.

A etapa do reconhecimento, por fim, suporá a consolidaçom definitiva de umha regulaçom de tipo garantista dos direitos coletivos. Esta terceira fase virá precedida de umha dura reaçom ao período republicano que findou com o golpe de Estado do general Pavía, que dissolvia o regime parlamentar, e com a dissoluçom no Estado espanhol da Interna-cional em 1874, que obrigará o movimento obreiro a passar à clandestinidade. O período do reconhe-cimento jurídico inagura-se com a aprovaçom da Constituiçom de 1876, que entre outros proclamava o direito de associaçom e consolida-se a partir de 1881, quando o regime se sentiu suficientemente forte como para permitir saírem à luz as organiza-çons do proletariado.

A partir deste momento, o associacionismo obrei-ro nom só operará como um direito, mas como um facto socialmente assimilado. O regime militar pri-morriverista, como veremos mais adiante, nom mo-dificará, entendemos, tal reconhecimento. É certo que desata umha dura repressom contra as organizaçons obreiras mais combativas, mas nom modifica, a nosso entender, o espírito do reconhecimento ao intensificar como nunca a tentativa de cooptaçom de umha parte destacada do movimento operário.

Nom será até o golpe de 1936 que o Estado es-panhol feche dramaticamente o etapa do reconheci-mento jurídico para impor umha catastrófica fase de proibiçom que virá acompanha da eliminaçom fisica de umha boa parte de quadros e filiaçom dos sindi-catos e partidos obreiros, para instalar no seu lugar umha imponente estrutura burocrática ao serviço do novo regime franquista, a OSE, o popularmente deno-minado Sindicato Vertical.

1 Decreto das Cortes de Cádiz de 8 de junho de 1813.2 Mesmo achamos disposiçons que remontam ao século XVII, concretamente ao ano

1682, quando Carlos II promulga a lei que permite ser dono de fábricas sem perten-cer a qualquer grémio.

3 A desamortizaçom espanhola foi um longo processo histórico, económico e social ini-ciado no final do século XVIII e fechado já muito entrado no século XX. Consistiu em pôr no mercado, prévia expropriaçom forçada, e mediante leilom público, as terras e bens que até entom nom se podiam alhear, em poder das chamadas “maos mortas”, isto é, a Igreja Católica ou as ordens religiosas que os tinham acumulado como habi-tuais beneficiárias de doaçons e testamentos. Também os chamados baldios e terras comunais dos municípios. A sua finalidade foi incrementar a riqueza nacional e criar umha burguesia e classe média de camponeses proprietários. Além disso, o Estado obtinha uns rendimentos extraordinários com que se pretendiam amortizar os títulos de dívida pública.

Na Galiza, a desamortizaçom, em lugar de fomentar a apariçom de umha burguesia que comandasse a industrializaçom do País, provocou o fenómeno contrário. Boa parte da já reduzida classe burguesa transformou-se numha espécie de nova fidal-guia que atrasou a superaçom do Antigo Regime.

4 Alarcón Caracuel. Manuel. El derecho de asociación obrera en España (1839-1900). Ediciones de la Revista de Trabajo, Madrid 1975, pág 12.

5 O artigo 211 estabelecia os requerimentos para que umha associaçom atuasse na legalidade, enquanto o artigo 212 estabelecia as penas para aquelas associaçons e os seus integrantes que o incumprissem. O artigo 461 desenvolve-se sob o ilustrativo título “Das maquinaçons para alterar o preço das cousas”. De la Villa, Luis Enrique, op. cit. págs 58-59.

6 Referimo-nos à conhecida como Revoluçom Setembrina e à Iª República espanhola.

Daniel Lourenço Mirom forma parte do Comité Central de Pri-

meira Linha

É precisamente com estas primeiras experiên-cias organizativas que surgem também a dilética en-tre dous modelos sindicais, o de corte reformista e tradeunionista, identificado com a tradiçom británica, e o de um perfil revolucionário, identificado com a tra-diçom francesa.

Ainda que a configuraçom destes dous modelos confrontados no mesmo alvorecer do sindicalismo descanse sobre vários factores, tais como as respe-tivas tradiçons políticas e sociais, a prematura madu-rez da classe burguesa ou o peso das chamadas aris-trocracias obreiras nas direçons sindicais, considera-mos que o factor determinante, em parte relacionado com todos os anteriormente citados, é a evoluçom da intervençom estatal na questom obreira e, portanto, a tradiçom da colaboraçom obreiro-patronal.

Galiza, ainda com um movimento obreiro de im-plantaçom seródia, nom vai ser alheia a esta pugna. Também a Galiza foi cenário da confrontaçom de dous modelos sindicais, com a reserva de que a história do nosso movimento obreiro vai estar determinado pola ausência de soberania e umhas organizaçons operá-rias que, com exceçons pontuais, nom assumiam a re-alidade nacional galega. Ainda hoje, quando existem experiências genuinamente galegas com umha am-pla representatividade entre a nossa classe obreira, o sindicalismo de lógica espanhola conta com umha enorme influência.

Da proibiçom ao reconhecimento. O longo caminho em direçom à institucionalizaçom

Seria incompreensível abordar a tradiçom da co-laboraçom obreiro-patronal e a gradual institucionali-zaçom do facto sindical sem antes conhecer a trajetó-ria estatal no tratamento da questom obreira.

As primeiras experiências de organizaçom ope-rária no Estado espanhol virám da mao da paulatina destruiçom das instituiçons do Antigo Regime. Espe-cial atençom merece nesta substituiçom do regime absolutista por um mais apropriado ao modo de pro-duçom capitalista, o Decreto das Cortes de Cádiz de 1813, que estebelece a liberdade de indústria e o seu exercício “sem necessidade de exame, título ou incor-poraçom aos grémios respetivos, cujas ordenanças se derrogam nesta parte”1.

Tal disposiçom, ainda que vaia ser derrogada e posteriormente recuperada produto dos frágeis equi-líbrios de poder entre liberais e conservadores, tem umha importáncia capital e marca o fim do predomí-nio dos grémios como quadro da organizaçom laboral, reduzindo-os a entes fantasmagóricos umha vez que se lhe arrancavam os seus privilégios.

O Decreto será a culminaçom de um longa lista de disposiçons normativas2 que durante todo o sé-culo XVIII iriam retirando aspetos institucionais e funcionais aos grémios. Tal processo, junto com ou-

tros como o da desamortizaçom3, é representativo da gradual substituiçom dos estreitos enquadramentos das relaçons de produçom feudais polas relaçons de produçom capitalista. A sua consolidaçom marcará à vez o nascimento de um aparelho estatal plenamente burguês que vai encontrar, já desde o primeiro mo-mento, no movimento obreiro um novo inimigo que ameaçará a sua hegemonia.

Configurará-se assim um novo cenário social, político e económico protagonizado pola pugna en-tre burguesia e proletariado. Esta pugna percorrerá diferentes etapas que podemos enquadrar, com as peculiaridades próprias do nosso específico desen-volvimento histórico, no que a doutrina francesa deu em chamar fase de proibiçom, toleráncia e de reco-nhecimento, que com diferentes ritmos, avanços e retrocessos, percorreu a maior parte dos jovens es-tados burgueses europeus no tratamento da questom operária e as suas organizaçons.

No caso do Estado espanhol e, por extensom, da Galiza, a fase de proibiçom corresponde com a eta-pa histórica em que a burguesia espanhola está em processo de afiançamento como classe dominante4, nos dous primeiros terços do século XIX. Como no resto de Europa, o proceder estatal estará decisiva-mente influenciado pola doutrina liberal que predica o abstencionismo em matéria laboral e a destruiçom de qualquer instituiçom ou entidade que pretenda im-pedir o natural concorrência capitalista. Além do men-cionado Decreto de 8 de junho de 1813, nesta lógica destacam o Real Decreto de 20 de janeiro de 1834, que retomaria o espírito das Cortes de Cadiz a res-peito dos grémios e que, recordemos, foi derrogado em 1817 e 1834, e o Código Penal de 1848, em cujos artigos 211 e 212 submetia todas as associaçons ao regime de consentimento prévio polo Estado5 e no 461 punia as coligaçons obreiras e, portanto, as sua atuaçons em defesa de melhores condiçons laborais.

A atitude proibicionista nom impediria um paula-tino crescimento do movimento obreiro, ao ritmo da expansom industrial que se concentraria nesse perío-do na indústria têxtil catalá e na implantaçom de umha potente siderurgia basca.

Nesta fase, na Galiza predominou o mutualismo, o cooperativismo e as sociedades de resistência.

Pola sua parte, a fase da toleráncia correspon-derá com o último terço quando, paulatinamente, vaia cedendo a etapa proibicionista por causa da consolidaçom das jovens organizaçons obreiras e os acontecimentos políticos6 que facilitárom umha mu-dança da atitude coercitiva. Esta fase nom implicará um reconhecimento jurídico pleno, mas permitirá às organizaçons sindicais agirem na legalidade ao serem despenalizadas as suas atividades.

A tímida atitude aberturista será posta a prova com a apariçom da Associaçom Internacional de Tra-

Interior da oficina da fábrica de automóveis J. Barro Chavim de Viveiro, 1916

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4 Nº 62 Outubro, novembro e dezembro de 2011análisEca

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O adianto eleitoral como manobra desesperada para reduzir o impacto do enorme desgaste político acumu-lado, e a renúncia a encabeçar a candidatura do PSOE, exprime o turbulento final da etapa política das duas legislaturas de Zapatero. Se a modo de epitafio tivés-semos que definir o seu governo, seria como “o grande engano”.

Tal como já temos analisado1, o PSOE nunca re-presentou umha verdadeira alternativa progressista ao projeto reacionário do PP, fora do mundo das fantasias e superstiçons. Um diagnóstico rigoroso e desapaixona-do da açom política dos governos encabeçados por José Luís Rodríguez Zapatero, confirmam -deixando de parte a propaganda- o continuísmo a respeito do PP e a carência de medidas mornamente social-democratas.

Na primeira legislatura, o PSOE necessitou um verniz de esquerda para lograr a estabilidade e sobretodo a le-gitimidade política-eleitoral questionada polo PP e o po-deroso lobby informativo da direita mediática, provocada pola sua ajustada vitória, alicerçada sobre o impacto so-cial e a manipulaçom com a que o governo Aznar abordou os atentados de Madrid de março de 2004.

Mas a retirada das tropas espanholas de Iraque, a presença de mais mulheres nos ámbitos formais de ges-tom política ou o reconhecimento do casamento homos-sexual, por citar os três exemplos mais mediáticos, nom definem umha política de esquerda em si mesmos.

Fôrom medidas necessárias para deslegitimar e su-perar o aznarismo, conseguindo assim o fortalecimento social imprescindível para frear o assédio mediático no primeiro caso, e umha piscadela aos setores intermédios urbanos do seu eleitorado, que na prática respondia a cer-tas mudanças de mentalidade que se tinham consolidado nessa etapa num destacado segmento populacional.

Porém, foi basicamente a deriva para a extrema--direita do discurso hegemónico no PP que mais ajudou a gerar umha subjetividade que situava o PSOE numhas coordenadas que nom se correspondiam com a sua açom governamental. O idílio com IU e ERC nos primeiros anos reforçava esta tese e sobretodo dava muniçom à “brune-te mediática” para apresentar esse governo num espaço ideológico que nom se identificava com a sua prática.

A identificaçom presente na memória coletiva dos doze anos de felipismo com corrupçom, desemprego e terrorisno de Estado, também contribuírom para situar o zapaterismo como umha regeneraçom progressista da-quele PSOE “mais conservador”.

Jogos de espelhos e falsas aparênciasA equipa de propaganda do PSOE contribuiu ini-

cialmente para construir umha imagem distorcida do Presidente do governo espanhol, apresentando-o como um social-democrata de firmes convicçons, um político honrado e dialogante, com um caráter e talante conci-liador, que as suas amáveis formas e linguagem gestual confirmavam.

Mas, novamente, era o rígido, crispante e obsoleto estilo de Aznar, Acebes, Mayor Oreja, Esperanza Aguirre, Zaplana ou Ana Pastor que mais contribuiam para refor-çar um mito sem a menor consistência.

A história situará Zapatero como corresponde: um medíocre político que empregou com enorme habilidade o seu sorriso e aspeto físico para gerar falsas expeta-tivas, na imensa maioria dos casos incumpridas, sem a mínima projeçom internacional, e carente, para além da retórica, de um projeto alternativo aos governos da se-gunda restauraçom bourbónica.

A baraka atribuída a Zapatero foi um invento tam insustentável como as possibilidades de pretender agir como líder mundial em base a esse palavrório vazio de conteúdo pomposamente denominado “aliança de civili-zaçons”, quando nas cimeiras internacionais o patético desconhecimento de mais idiomas que o cervantino o mantinha no isolamento até o extremo da vergonha.

Todo ficou em águas de bacalhau. Nom esqueçamos que, há dous anos e meio, a coincidência na presidência da UE com a de Obama na Casa Branca foi apresentada de forma surrealista como acontecimento histórico pla-netário por Leire Pajín, naquele momento secretária de Organizaçom do PSOE.

Empreguemos três vectores para demonstrar com fac-tos a categorizaçom que @s comunistas galeg@s vimos fazendo do PSOE como a outra cara da direita espanhola.

Política socioeconómicaAté o verao de 2008, quando todos os indicadores

constatavam a “desaceleraçom”, Zapatero negava com veemência a existência de recessom na economia espa-nhola. Primeiro desconsiderou os sintomas, para poste-riormente evitar reconhecer as evidências.

No entanto, a política económica fitícia -o denomina-do “milagre económico espanhol”- baseada na bolha da especulaçom imobiliária -mantendo inalteráveis as pautas “macroeconómicas” da etapa Aznar- provocou o colapso do setor financeiro e a disminuçom industrial cuja conse-qüência imediata foi o incremento descontrolado do de-semprego até atingir umha incidência recorde. O grande

Política internacionalEspanha pretendeu seguir a agir como subpo-

tência imperialista. As multinacionais espanholas conseguírom manter o incremento da sua introduçom na América Latina e nas Caraíbas. Foi precisamente o aumento do saque que permitiu equilibrar os maus resultados de importantes empresas no Estado espa-nhol. Mas perdeu peso e influência política. As ausên-cias destacadas de boa parte dos principais estados na última Cimeira Ibero-americana no Paraguai exem-plifica este fracasso.

Fora dos gestos de “antiamericanismo” dos primei-ros anos -mera pose eleitoralista-, o PSOE mantivo Espa-nha como fiel e submissa aliada do imperialismo ianque. Primeiro incrementando a intervençom militar no Afega-nistám e mais recentemente participando na agressom imperialista contra a Líbia.

A cessom há umhas semanas da base militar de Rota para a instalaçom do sistema de escudos antimísseis da NATO exemplifica outro dos grandes enganos de Zapa-tero. Nem política internacional própria e independente, nem "aliança de civilizaçons". Militarismo puro e duro.

PSOE-PP a mesma merda é!Todo indica que os mais de sete anos na Moncloa

som um breve parêntese da cara “progressista” do capi-talismo imperialista espanhol. Além da demagogia e das superstiçons a vitória do PP no dia 20 de novembro nom se pode interpretar como umha catástrofe nem muito menos como umha praga bíblica. Nom se vam produzir mudanças de envergadura. Haverá mudanças regressi-vas, sim, mas nem na política socioeconómica, nem nos direitos nacionais, o PP vai manter umha posiçom radi-calmente oposta à do PSOE.

Os roteiros de Rajoi e Rubalcava som idênticos no conteúdo, embora aparentem divergir nas formas. Es-tám marcados e condicionados por Bruxelas, Berlim e Washington. Mais retrocessos nos direitos e conquistas da classe trabalhadora e do povo em geral, e simulta-neamente à perda de soberania espanhola, respeito às potências imperialistas mais centralizaçom política “in-terna”.

Ganhe quem ganhar, Galiza, as mulheres, a juventu-de e o proletariado vam perder. Hoje nom temos umha alternativa eleitoral frente às maquinarias dos partidos sitémicos.

A chamada esquerda volátil, a que se enquadra em parámetros anticapitalistas e mantém umha prática co-erente com estes princípios, nom pode seguir a (i)lógica do “mal menor”. Nom pode nem deve sacar as castanhas do lume a nengum dos dous projetos. Em essência, os dous ex-ministros do interior espanhóis representam o mesmo. Nom nos enganemos nem nos deixemos influir polos apelos e pressons a que nos vamos ver submetidas durante quinze dias de pura demagogia e mentiras.

As alternativas à sua esquerda som igualmente su-cedáneos do mesmo produto.

O principal cenário da luita de classes e de liberta-çom nacional nom som as urnas. A capacidade de con-vertermos a rua no eixo da luita obreira e popular som as chaves do confronto e, portanto, do avanço na nossa emancipaçom.

1 “PSOE. A outra cara da direita espanhola”. Abrente 47, janeiro-março de 2008.

Carlos Morais é secretário geral de Primeira Linha

Zapaterismo. O grande engano

capital e a burguesia nom estavam dispostos a assumir as conseqüências da sua crise e o PSOE obviamente optou por fazê-la pagar à classe trabalhadora, as naçons oprimi-das como a Galiza e às mulheres. Nada novo. A sua tradi-çom histórica, a composiçom de classe e os interesses que representa nom permitiam outra cousa.

A inicial medida adotada para corrigir a situaçom, o Plano E, fracassou estrepitosamente polas debilidades estruturais de umha economia extremamente dependen-te do exterior no plano tecnológico.

Para reduzir o elevado défice público que os organis-mos imperialistas internacionais exigiam, submeteu-se obedientemente às diretrizes marcadas polo FMI. Inicial-mente aumentou o IVA e retirou as ajudas sociais que tinha criado com o intuito de aumentar o apoio eleitoral, para revalidar um segundo mandato em 2008. Também aplicou umha reduçom salarial de 5% do funcionariado, incrementando a idade da jubilaçom.

Porém, a extrema situaçom da economia espanhola que desestabilizava a “fortaleza” do euro, após a inter-vençom na Grécia e Irlanda, forçou os Estados Unidos (chamada telefónica de Obama incluída) e a Uniom Euro-peia a imporem um duro plano de ajustamento. Zapatero nem rechistou. De imediato elaborou umha nova reforma laboral que desregularizou ainda mais o mercado laboral (embaratecimento do despedimento, incremento da tem-poralidade, enfraquecimento da negociaçom coletiva), além de reduzir as pensons e aumentar os anos de co-tizaçom. O desemprego seguiu incrementando, tal como a perda de poder aquisitivo e o empobrecimento de cada vez maiores setores populares.

Com este cenário ve-se obrigado a quebrar o “di-álogo social” que vinha mantendo com patronato e o sindicalismo corrupto e entreguista. As alianças com os grupos parlamentares da esquerda espanhola e catalá, assim como com o autonomismo galego, já tinham sido substituídos polos votos do PNB, CiU e CC, que lhe per-mitírom aprovar os orçamentos e levar adiante algumhas das medidas mais lesivas contra o mundo do Trabalho.

A reforma express da Constituiçom espanhola, intro-duzindo no seu articulado a doutrina neoliberal ao fixar o limite do endividamento público, nom só constata o gran-de engano do PSOE e do conjunto da casta política da democracia pós-franquista, é a expressom mais clara do fracasso absoluto do modelo Zapatero.

Ao longo do mês de agosto deste ano, tal como ante-riormente aconteceu com Portugal, o Estado espanhol foi intervindo pola tríada do mal, a denominda troika (Banco Central Europeio, FMI e Comissom Europeia) e a sua po-lítica socioecómica monotorizada por esses organismos. Diferentemente da Grécia, Irlanda e Portugal, o Estado espanhol foi intervindo de forma discreta. O seu peso económico e demográfico no seio da UE aconselhárom este mecanismo.

O PSOE entregou umha parte considerável do setor público da economia aos grandes grupos financeiros e industriais. A perspetiva de aprofundizaçom da recessom impossibilitou operaçons multimilionárias como a priva-tizaçom dos grandes aeroportos, à espera por parte da especulaçom de maiores rebaixas que permitam ainda maiores suculentos negócios.

Zapatero continuou com a privatizaçons da era de Felipe González e Aznar no ámbito da educaçom, sanida-de e serviços sociais.

O governo de Zapatero, que sempre renegou e perju-rou de introduzir cortes sociais, realizou a aplicaçom dos ajustamentos ultraliberais que demanda o grande capital

internacional e o bloco de classes oligárquico espanhol para nom reduzir os seus substanciosos lucros.

A classe trabalhadora está hoje mais desprotegida e mais empobrecida que em 2004. Eis o balanço socioeco-nómico do zapaterismo.

Democracia e liberdades A militarizaçom da greve dos controladores aéreos

e a dura repressom empregada nas greves gerais de 29 setembro de 2010 e 27 de janeiro de 2011, assim como a reforma da lei eleitoral pactuada novamente com o PP, -que exige às forças políticas legalizadas sem represen-taçom institucional o apoio de umha percentagem do censo para poder apresentar candidaturas, exemplificam a involuçom democrática do PSOE que pretende esmagar a luita obreira e popular e blindar as instituiçons do regi-me de qualquer voz incómoda ou dissidente.

Durante décadas, os partidos do regime convertê-rom a Constituiçom de 1978 num texto semi-sagrado, fruto de umha complexa e dilatada negociaçom, que im-possibilitava qualquer mudança sem um pleno consen-so derivado de um longo processo de debate e acordo. Mas esse fetiche de obrigatória veneraçom foi alterado sem consenso e sem debate, com nocturnidade, após um acordo com o PP.

Novamente, o grande engano dos sólidos princípios democráticos de Zapatero ficárom profundamente ques-tionados. O líder interino do PSOE chegou a um acordo com Rajoi no final deste verao sem previamente informar nem contar com o apoio do PSOE, nem do candidato à eleiçons de 20 de novembro.

A auréola progressista de Zapatero esfumou-se. As promesas de nom adotar políticas sociais regressivas vo-latilizárom-se. O descrédito da sua figura fijo-se patente.

O PSOE cortou liberdades individuais e coletivas em todos os ámbitos. Desde a internet com a Lei Sinde até o Código Penal, o PSOE pactuou com o PP um conjunto de involuçons legislativas que só tencionam reduzir ain-da mais as raquíticas liberdades formais emanadas da reforma pós-franquista.

Sob a justificaçom do combate ao terrorismo, as di-versas reformas do Código Penal convertêrom-no num dos mais restritivos e duros de toda a Uniom Europeia.

A violência policial atingiu enorme sofistificaçom. As práticas de tortura e maus tratos nom só nom diminu-írom, como se incrementárom, tal como denunciam os informes de Amnistia internacional.

A negativa a reconhecer o exercício do direito de au-todeterminaçom e as reclamaçons de liberdade nacional do povo basco e catalám fôrom novamente truncadas. A ruptura da negociaçom com a ETA e negativa a discutir o Plano Ibarrexte, assim como a reconhecer os acordos do novo Estatut de Catalunha, exemplificam que agiu como firme garante do espanholismo mais intransigente. O PSOE continou com a implementaçom da estratégia jaco-bina de mais Espanha e, portanto, menos Galiza.

A vitória da seleçom espanhola no mundial de julho de 2010 foi utilizada como cortina de fumo para amor-tecer os efeitos da crise económica, mas também como umha magnífica oportunidade para a injeçom do mais xe-nófobo nacionalismo espanhol no imaginário coletivo de amplos setores juvenis.

Nestes mais de sete anos das duas legislaturas de Zapatero, a classe trabalhadora tem assistido a constan-tes retrocessos em direitos democráticos e liberdades. Na atualidade, estamos pior que em 2004. Eis o balanço do zapaterismo.

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5Nº 62 Outubro, novembro e dezembro de 2011 opiniom

para difundir convocatórias e propaganda, seríamos par-vos e hipócritas se o figéssemos, já que fazemos uso des-sa ferramenta. Mas também, partindo da nossa experiên-cia, somos conscientes dos seus limites.

Para dar um exemplo suficientemente esclarecedor do fenómeno, gostávamos de recordar que, tanto na Tu-nísia como no Egito, em determinado momento, os go-vernos depois derrocados suspendêrom o funcionamento de umha ou várias das redes físicas polas quais se podia aceder à internet, e apesar disso a revolta continuou avan-te. Mas também nom é de mais salientar que se no nosso contexto cultural o acesso à internet nom é universal, é bastante evidente que em países com níveis de renda mui-to inferiores ainda será menor o número de utentes dessa tecnologia.

Em resumo, que na hora de avaliar o sucedido nos pa-íses árabes (e deixando de parte o tratamento propagan-dístico que se dá à guerra na Líbia, que mereceria em si mesmo um estudo polo miúdo) a maior parte dos analistas dos media adotárom a posiçom do parvo daquele famoso provérbio chinês que di que “quando o sábio assinala a lua, o parvo olha para o dedo”.

É evidente que no sucedido na Tunísia, Egito, Iémen ou Síria a internet, e mais em concreto as redes sociais, pudérom ser umha ferramenta comunicativa através das quais se transmitírom as palavras de ordem e se chamou às mobilizaçons; mas fica fora de toda dúvida que por baixo funcionárom os clássicos mecanismos da organiza-çom política popular com as suas assembleias, comités e grupos de açom direta nas ruas. Internet facilita a trans-missom de informaçom, mas é necessária a confluência de muitos outros factores para que se leve avante a mais mínima açom política das massas.

limitaçons da internetDe facto, a internet apresenta umha série de impor-

tantes eivas que podem funcionar como empecilhos na hora de formular a açom revolucionária. Eivas que curio-samente som ignoradas por grande parte dos propagan-distas das supostas novas formas de organizaçom do ati-vismo social frente a modelos mais tradicionais.

Do virtual ao real. Internet e Revoluçom

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dos Estados, que até agora nom parecem muito dispostos a ceder a propriedade, ou o que é o mesmo, o controlo sobre as infraestruturas básicas que permitem o funcio-namento da internet.

Nom vamos aprofundar mais, pola falta de espaço que temos para desenvolver o tema mas, em todo o caso, nom é de mais mencionar que, para além do controlo e proprie-dade sobre os elementos materiais estruturais da rede de redes, temos que ter em conta também a capacidade que dumha forma “livre, horizontal e nom hierarquizada” poderíamos ter para construir computadores ou gerar ele-tricidade.

Resumindo o que até o de agora expugemos, poderí-amos concluir que a internet tem uns donos efetivos que som os que tenhem a capacidade de a pôr em funciona-mento, mas também de a desligar. Seria muito difícil, para nom dizer impossível, montar umha ferramenta equiva-lente de parámetros comunitários sem enfrentar antes questons mais básicas como a edificaçom de alternativas estatais revolucionárias que permitam luitar pola desapa-riçom dos direitos de propriedade dos atuais possuidores. Para provar isto, seria interesante que alguém começasse a estender cabo e criar umha rede de repetidores sem a autorizaçom do Estado, e ver o que se passava...

Mas a questom mais candente na atualidade nom se situa apenas na suposta dimensom democratizadora da informaçom da internet, entendida esta como simples fer-ramenta ténica, mas na própria virtualidade do emprego da internet como ferramenta organizativa.

Nos últimos meses, nos meios de comunicaçom con-vencionais, tenhem-nos repetido abundantemente o papel jogado polas redes sociais, como Facebook e Twitter, na organizaçom das revoltas populares nos países árabes. Se figéssemos caso às mais simplistas informaçons e análi-ses, pareceria que é tam fácil tombar um governo como se unir a um grupo de “Senhoras que...”; porém, a realidade, que costuma ser mais complexa que as elucubraçons neo--progres dos tertulianos do La Sexta e a SER, parece querer demonstrar que umha cousa é favorecer a agitaçom e outra organizar umha revolta, nom digamos já umha revoluçom.

Nom seremos nós que neguemos a utilidade da rede

Em primeiro lugar, queremos ressaltar a curiosa rela-çom dialética entre anonimato e controlo das identidades que se estabelece na internet, e em especial nas chama-das redes sociais.

Assim, para quem se achegar a algumhas das novas iniciativas mobilizadoras que partem da rede, fica real-mente difícil saber quem se situa por trás da sua orga-nizaçom. Um blogue, um manifesto pendurado em várias páginas e um foro de debate som os supostos pontos de partida, nos quais nascem as novas formas organizativas “horizontais” e “democráticas”; porém, as mais das vezes é praticamente impossível saber qual é a origem primeira dessas dinámicas.

Parece bem curioso que quem demanda transparên-cia frente à opacidade dos interesses políticos das organi-zaçons mais convencionais tenha tantas dificuldades para mostrar desde um primeiro momento quem é. Porque por muitas histórias sobre “formas de organizaçom difusas” e “horizontalidade” que se nos quigerem contar, o certo é que todo documento tem um redator primeiro, toda página web tem um proprietário e todo fórum tem um adminis-trador.

Nom falta quem alegue que a manutençom da privaci-dade é umha ferramenta necessária para fugir da infiltra-çom e do controlo policial e, perante esse argumento, nom podemos mais que surpreender-nos e escachar de rir.

Como bem lembramos ao começo deste artigo, a rede nom é apenas umha entidade difusa pola qual flui a infor-maçom entre diferentes pessoas que se ligam a ela. Muito polo contrário, é também umha realidade material confor-mada polos elementos físicos polos que circula a referida informaçom. Elementos físicos que tenhem uns proprietá-rios e que som amplamente fiscalizados polas autoridades estatais e polas próprias empresas que os possuem.

Isto leva-nos a umha conclusom lógica: a opacidade das identidades na internet tam só afeta a relaçom exis-tente entre os diferentes usuários da rede, mas nom na relaçom entre estes e os gestores e proprietários dos ele-mentos físicos que a conformam.

Os acontecimentos recentes nos países árabes, assim como a articulaçom de mobilizaçons maciças em estados europeus como as da Geraçom à rasca ou a da Demo-cracia real ya tem posto de atualidade, mais umha vez, a questom do emprego da internet como ferramenta revolu-cionária. Insistimos enfaticamente na ideia de que nom se trata dum novo descobrimento, mas da atualizaçom dum tópico que já tivo o seu sucesso no final da década de 90 do passado século, motivado naquela altura polo emprego das ferramentas da rede de redes por parte do que se cha-mou movimento antiglobalizaçom.

A nossa experiência, e estamos a falar da individual do autor deste artigo e da coletiva do conjunto da esquer-da independentista galega, permite-nos ser conscientes da tendência que existe entre amplos setores da chamada esquerda social a se agarrar a qualquer elemento supos-tamente inovador que aparentemente permita substituir o esforço perseverante, cansado e muitas vezes frustrante, que carateriza a maior parte da atividade política revolu-cionária, por algum género de mágico artifício que da noi-te para o dia provoque umha mutaçom revolucionária da nossa injusta sociedade sem canseiras, sem repressom e praticamente sem confrontaçom.

As pessoas que passamos por experiências como o movimento contra a LOU, Nunca Mais ou a organizaçom dos protestos contra as cimeiras da UE, sabemos como podem chegar a funcionar alguns fetiches dentro das di-námicas de mobilizaçom de massas e é por isso que cos-tumamos adotar umha atitude no mínimo cauta, diante de qualquer novidade supostamente milagreira que nos per-mita atingir a revoluçom social sem mais esforço que o de estender a mao.

Para afrontar o tema do papel da internet, e mais con-cretamente das chamadas redes sociais, na atual conjun-tura política, devemos partir dumha avaliaçom materialis-ta no sentido epistemológico da palavra. Isto é, prescindir de qualquer idealizaçom do fenómeno e aprofundar a sério no que é a internet na realidade e, partindo desse conheci-mento, estabelecer quais som as suas virtudes e quais as suas carências. Deveríamos começar, pois, por reivindicar a supremacia do material sobre o ideal.

A internet é umha rede interconetada de computadores formada, portanto, por esses computadores que ela integra e polos elementos conetivos que os unem. Dizer isto pode parecer umha obviedade mas, se repassarmos o argumen-tário usual dos gurus da rede, achamos que sempre se nos está a insistir na ideia da importáncia central da informa-çom, a articulaçom horizontal e nom hierárquica e a desapa-riçom de distáncias e barreiras geográficas. Cousas todas elas muito interessantes e importantes, mas que ficam em nada se figermos desaparecer cousas aparentemente tam banais como: a própria existência material de computado-res, netbooks e telefones com tenologia 3G (que alguém tem que desenhar, e por cima de todo fabricar e comercializar); os milhons de quilómetros de cabo polo qual a informaçom circula, os milhares de repetidores do sinal sem fios ou o ainda mais básico aceso à energia elétrica, sem a qual nen-gum artefacto computerizado pode funcionar.

Sem todos esses elementos, que alguém tem que fabricar e conseguir que sejam adquiridos por parte de milhons de pessoas por todo o mundo (desde o último te-lemóvel com ecrám tátil até a mais humilde das conexons elétricas), a suposta centralidade da circulaçom nom hie-rárquica da informaçom como elemento basilar da internet nom passa de ser mais que umha fantasia.

Tendo clara a realidade material sobre a qual se ergue a rede de redes, devemos continuar com a nossa análise, desvendando quem é que tem a propriedade sobre ela.

Deparamos já com um outro dos tópicos mais usuais entre os gurus cibernéticos: a rede como ente nom hierár-quica carece de donos legítimos. Nom vamos entrar em disquisiçons sobre a legitimidade da propriedade inteletu-al, que costuma ser o debate mais habitual quando se fala de propriedade na rede, mas em avaliar a realidade efeti-va da propriedade sobre a internet. Tratamos de avaliar o que é e nom o que deveria ser, cousa que, além do mais, os comunistas temos muito claro.

Assim as cousas, para desvendar quem é realmente que tem a propriedade, partiremos de considerar os ele-mentos constitutivos da própria internet.

Assim, para dentro, achamos primeiro os milhons de máquinas computerizadas que fornecem acesso e ca-pacidade de interagir na rede. Estas, é claro, na maioria dos casos som propriedade individual de cada umha das pessoas que as empregam; neste nível mais superficial, o efeito democratizador da rede de redes parece evidente, lamentavelmente nom passa de ser mais que umha apa-rência externa.

No seguinte degrau, a democracia e igualdade come-ça a se esbater rapidamente, já que a interligaçom entre mais dum computador, fora dum mesmo espaço físico, na absoluta maioria das ocasions, passa ineludivelmente pola compra a umha companhia privada dum ponto de acesso. Esta ideia pode ser contestada por aqueles que participam de iniciativas em redes wireless comunitárias, já que esta é umha forma de acesso que nom passa pola compra do serviço de ligaçom a umha empresa, mas é tam só até este segundo degrau que, por enquanto, pode chegar a suposta democratizaçom.

O terceiro degrau já é o da propriedade dos meios físicos polos quais circula e se armazena a informaçom, e aí temos que ter em conta que, sem dúvida, existem uns proprietários, ainda que só seja porque há alguém que repara os cabos que rompem, as torres que caem ou os servidores que se estragam. Deparamos entom com a pro-priedade das grandes empresas de telecomunicaçons e a passa à página 6

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Nº 62 Outubro, novembro e dezembro de 20116 opiniom

Do virtual ao real. Internet e Revoluçom

José A. Tapia e Rolando AstaritaLa Gran Recesión y el capitalismo del siglo XXIMadrid, Los libros de la Catarata, 2011. 277 páginas

Fai umha análise da crise a partir das perspe-tivas neoclássica, keynesiana e marxista. Oferece umha crítica pormenoriza da ortodoxia económica e mostra a realidade dum sistema conflitivo e turbu-lento, muito longe da visom idealizada do mercado, do consumo e do desenvolvimento sustentável. Fai questom sobre um capitalismo desequilibrante, mo-netarista e que nom satisfai as necessidades sociais.

Logo dumha enxundiosa introduçom a respeito da Ciência Económica (também se pergunta por um título tam pomposo!) pola qual desfilam Adam Smith, David Ricardo, Thomas Robert Malthus, Jean Baptiste Say, diversos marginalistas, Samuelson, Simonde de Sismondi, Marx, Engels, Rosa Luxemburg, Hilferding, Kalecki (que mostrou antes e de forma mais elabora-da as ideias de Keynes), J.K. Galbraith, Baran, Sweezy, Minski, Friedman, Krugmann, e outros, adentra-se, em sucesivos capítulos, nas causas das crises; o consumo e o investimento em diversas teorias económicas; o gasto público e os ciclos económicos; a situaçom de falência de grandes empresas, onde recolhe a nom desatinada para os tempos que correm, e cheia de sorna, frase de Bertolt Brecht: “Que é roubar um ban-co se comparado com fundar um banco”?; os remendos dos mercados financeiros; a crise grega, umha crise na periferia da Europa; a economia real, as crises financeiras e os resgates bancários, onde fica patente o interesse dos Estados em defender os que detenhem o poder económico (o que fai lembrar Adam Smith, quando dizia que o governo civil fora estabelecido para defender o rico em contra do pobre, para defen-der os que tenhem algo dos que nada tenhem); a taxa de lucro, o investimento e as crises; a lei de Say, um dos pilares do que se ensina nas Faculdades de Ciências Eco-nómicas e Empresariais; as incertas perspetivas de evoluçom da economia mundial.

E um capítulo final sobre Economia e Capitalismo no século XXI, que tenta ser umha recapitulaçom geral e umha conclusom dos anteriores, ao tempo que vê de situ-ar o conjuntural num visom a longo prazo. Reflete, entre outros, arredor da miséria, da desigualdade, da mundializaçom, da demografia, da saúde, do trabalho humano e dos recursos naturais desperdiçados, do clima e do socialismo, que considera condiçom imprescindível para que a humanidade poda avançar na civilizaçom e fugir da barbá-rie. (Domingos Antom Garcia Fernandes)

Federico CochoGUERRA CIVIL Que pasou en Galicia e en EspañaVigo, Xerais, 2011, 379 páginas

O autor, Federico Cocho, despista na escolha do seu título, mas é um livro bem es-crito do ponto de vista jornalístico e também do sociológico. Segue um fio galego para ex-plicar os sucessos no nosso território e tam-bém os acontecimentos prévios à guerra civil e ao genocídio galego que ainda que narrado em parte em consequência, nom é contem-plado por ele especificamente como tal.

Sem dúvida um livro que conta a his-tória de maneira simples e atualizada, que inclui umha “cronologia básica” que ajuda ao seguimento dos factos, explicando, como diz o prologuista: o ”fracasso coletivo de Espanha”, no que implicitamente nos inclui. Mas a República, ou as Repúblicas desejáveis, neste livro e em quase todos nos que nos diluem no guerracivilismo, representam (para mim) o único momento da história do imperiozinho, onde forças progressistas, de esquerda e revolucioná-rias tentam buscar um modelo de Estado sempre fracassado, mesmo no exílio, quando o próprio Castelao sentencia no desespero, depois de se ter reunido com José Giral, presidente de governo da República no exílio: “nom nos entendem”. Esquece-se sistematicamente que Espanha nom é desespanholizável, e a sua gé-nese baseou-se no aniquilamento do diferente e no assimilacionismo.

Entre capítulo e capítulo tem uns pequenos resumos, perfis biográficos dos protagonistas mais significativos: Portela Valladares, Castelao, Casares Quiroga, Calvo Sotelo ou do cabecilha como principal responsável golpista na Galiza, o militar africanista: Pablo Martín Alonso, ou do próprio arcebispo de Compostela, Tomás Muñiz. “Lástima grande que tengamos que explicarle (al mundo civiliza-do!) que esto no es un pronunciamiento militar, ni una guerra civil, ni una lucha de clases...”.

E algumhas informaçons muito interessantes: o dia que un tal Ernest Hemin-gway, jornalista estadounidense foi apresentado a Líster. O escritor comentou: no estrangeiro di-se que você nom é espanhol, mas vejo que nom é verdade. Ao que o Lister respondeu: Efetivamente, eu nom sou espanhol. Eu sou galego. (Xavier Moreda)

Antonio GramsciOs intelectuais e a organización da culturaAmes, Edicions Laiovento, 2010, 263 páginas

A editorial Laiovento apresen-ta mais um livro que compila parte da obra escrita do revolucionário italiano Antonio Gramsci, fundador do extinto PCI e morto nas prisons do fascismo mussoliniano. Desta vez, som os escritos recolhidos nos Quaderni del carcere que tratam a questom do papel e a posiçom dos intelectuais na sociedade moder-na, analisados de maneira geral ou em relaçom a atividades concretas como o jornalismo e a educaçom.

Para Gramsci, todos os seres humanos som intelectuais no sen-tido mais amplo do termo, mas nom todos tenhem essa funçom na sociedade. Acha aliás que cada grupo social, no poder ou emergente, cria as e os seus próprios intelectuais, que lhe proporcionam “a sua homogeneidade e a consciência da sua própria funçom”. É a ideia do intelectual orgánico, do qual os partidos políticos seriam um exemplo (coletivo neste caso).

Para a burguesia, o papel dos e das intelectuais ao seu serviço é duplo, o de organizarem a sua hegemonia social e o de organizarem o seu domínio estatal. Seriam umha camada social ao seu serviço, ca-mada que inclui tanto pensadores como organizadores da produçom.

Cumpre assinalarmos também como ao longo de todas as notas e reflexons que conformam o livro se fai patente a atençom emprestada por Gramsci ao papel jogado pola intelectualidade italiana na constru-çom do projeto nacional e estatal italiano. Considera que as e os inte-lectuais italianos, desde a Idade Média e por influência da presença do papado em Itália e da projeçom universalista deste, tenhem tido um caráter marcadamente cosmopolita e pouco centrado na unificaçom do espaço italiano, demorando a edificaçom de Itália e prejudicando a sua modernizaçom enquanto as suas descobertas e investigaçons beneficiavam outros estados europeus. (Anjo Torres Cortiço)

LIVROS

Filmes Políticoswww.filmespoliticos.blogspot.com

Visitamos nesta ocasiom um site dedicado à arte cinematográfica com compromisso social e político. Um blog realizado no Brasil e que contém dúzias de filmes e documentários das mais diversas nacionalidades, unidos polo fio do conteúdo da de-

núncia e a formaçom política em formato artístico.

Só para quem nos lê tenha umha ideia, na capa encontramos, no momento de redigirmos estas linhas, o documentário Sicko, de Michael Moore; o Retrato falado do guerrilheiro, obra dedicada a Ma-

Paris, filme de 2000 realizado por Peter Watkins.Som um grande número de obras para descar-

ga direta e gratuita no nosso disco rígido, que em muitos casos servirám para que desfrutemos da sétima arte e nos formemos sobre temas históricos e políticos com perspectivas críticas ou mesmo, em ocasions, revolucionárias. E todos falados ou legen-dados na versom brasileira da nossa língua.

Eu, como simples usuário, nom poderei conhecer quem está por trás da convocató-ria que se organiza a partir do blogue X, o fórum Y ou a rede social Z; mas ficai bem seguros que os estados e os seus apare-lhos policiais saberám de onde se ligam os criadores e usuários de todas essas plataformas “anónimas” e mesmo quem som, quais som as suas preferências de na-vegaçom, o seu saldo na conta bancária e mil e um detalhes mais, facilmente rastejá-veis por parte de quem tem o controlo e os meios para gerir o funcionamento da rede.

Tendo em conta isto, nom pode surpre-ender que haja quem desconfie das inten-çons de quem tem tanto interesse por ocul-tar a sua identidade diante de quem seria o seu igual numha organizaçom “democrá-tica” e “horizontal”, quando sabemos que nom pode ocultar essa informaçom a quem supostamente deveria ser o seu inimigo.

Um segundo elemento a destacar é a falsa sensaçom de açom que invade quem participa em mil fóruns, secunda trescentos eventos no facebook e escreve em quatro ou cinco blogues sisudas análises; mas entretanto, na realidade material, nem dá participado das atividades dumha associa-çom vicinal.

Este é um fenómeno que nom nasceu com a internet e que no passado recebeu o nome de “revolucionarismo de salom” -hoje talvez devêssemos chama-lo “ati-vismo de ecrám”- e que se carateriza por substituir a açom efetiva pola digressom li-terária ou discursiva em espaços cómodos.

E nom há nada tam cómodo como po-der sentar-te na tua própria morada, ligar o computador e mergulhar numha realidade virtual (que portanto nom é realidade) na qual a má consciência acha acobilho em

lhante ao que noutros tempos cumprírom os meios gráficos convencionais. Assim, as experiências muito próximas de como as organizaçons revolucionárias do passa-do tivérom que superar as limitaçons para a publicaçom dos seus documentos e pro-paganda: com imprensas clandestinas, as dificuldades para conseguir papel ou tinta, etc... tenhem-nos que fazer refletir em como poderíamos superar umha situaçom na qual o acesso à internet fosse restringido.

Muitas mais cousas poderíamos avaliar em relaçom ao que rodeia estes movimen-tos sociais que estám a erguer a internet como “fetiche” nas suas dinámicas orga-nizativas. Praticamente nom dixemos nada sobre as ideias do apoliticismo, as críticas às formas “convencionais” de organiza-çom, o pacifismo, a conceçom de democra-cia, as contradiçons ou ausência dos seus programas políticos, a amabilidade com que som tratados polos media sistémicos ou ao obscurantismo que rodeia os seus núcleos dirigentes. Ponto especialmente destacado este último, já que na maioria das ocasions mesmo negam a existência de tais núcleos de direçom, embora existam evidências que assinalam numha direçom determinada. Mas acabamos o espaço de que dispomos, por isso deixaremos essas questons para futuras análises.

Simplesmente, remarquemos a ideia de que a nossa capacidade crítica deve es-tar alerta diante de quem oferece soluçons milagreiras a problemas que som extra-ordinariamente complexos, e transformar umha sociedade injusta numha outra mais justa é possivelmente um dos problema mais complexos a que se pode enfrentar a humanidade.

André Seoane Antelo forma parte do Comité

Central de Primeira Linha

WEB

righella e realizada por Silvio Tendler; as Notí-cias da Antiguidade Ide-ológica (obra inacabada de Sergei Eisenstein que

traduz o Capital de Marx para a linguagem cinema-tográfica); o filme Aguirre, a fúria dos deuses, sobre o imperialismo espanhol na América; e a Comuna de

compartilhar inquietaçons com dúzias, cen-tenas ou mesmo milhares de pessoas como ti, mas sem fazer absolutamente nada efe-tivo para transformar essa realidade que abominas.

O terceiro ponto, e já final, que deve-mos ter em conta como eiva fundamental tem a ver com o já exposto relativamente à propriedade efetiva da internet.

Assumamos que numha hipotética si-tuaçom se desse o caso que umha destas iniciativas partidas da rede atingisse um sucesso efetivo. Isto é, que partindo da coordenaçom pola internet se articulasse um movimento social de corte revolucio-nário que enfrentasse o sistema de forma radical.

A pergunta nom pode ser outra que formular que se passaria se o Estado, como resposta, exercesse a sua capacidade efetiva para bloquear o funcionamento da rede.

A resposta é evidentemente ainda mais óbvia. Haveria que buscar ferramen-tas alternativas que permitissem manter a comunicaçom oferecendo umha menor fragilidade a sua intercetaçom e boicote; ou o que é o mesmo, haveria que recorrer as ferramentas clássicas da organizaçom sócio-política já que a internet ficaria inu-tilizada. Como bem sabem @s amig@s tunesin@s e egíci@s.

conclusonsÀ luz do que expugemos até agora, as

conclusons que deveríamos tirar sobre a utilidade da internet para a açom política revolucionária som as seguintes:

A rede é umha ferramenta comunicati-va de primeira ordem que devemos utilizar dumha forma efetiva, consoante os nossos interesses. Do mesmo jeito que publicamos vozeiros ou organizamos palestras e outro

tipo de atos públicos para difundir as nos-sas mensagens, devemos recorrer à rede de redes para expandir ainda mais as nos-sas atividades.

Porém, nom podemos cair na arma-dilha de pensar que com estar na rede chega, nem muito menos. Do mesmo jeito que por muitos milhares de panfletos que publiquemos ou centenas de palestras que organizemos, afinal o que conta é organizar milhares de pessoas dispostas a tomar as rendas da sociedade em que vivem e isso nom se fai só com palavras, embora estas tenham a sua importáncia.

Aliás, a paranoia sobre a questom da privacidade e o anonimato na rede tem que ser avaliada na sua justa medida. Te-

mos que assumir que se queremos expor a nossa existência neste meio existem uns limites que nom há que transbordar, daí que todo aquilo que nom quigermos par-tilhar tenha que ficar diretamente fora da internet e nom confiar em chaves ou pseu-dónimos, que tam só podem ocultar-nos diante de outros que som como nós, mas nom diante dos proprietários da rede.

Finalmente, nom podemos em nengum momento confiar a nossa existência a uns meios ténicos que nem possuímos, nem controlamos e, em muitas ocasions, mes-mo nom entendemos muito bem como fun-cionam. Fazendo umha analogia histórica, deveríamos entender que as ferramentas informáticas cumprem hoje um papel seme-

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7Nº 62 Outubro, novembro e dezembro de 2011 intErnacional

ETA como princípio de realidadeIñ

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Sem dúvida, com o tempo e graças à praxis, os marxistas dos povos oprimi-dos iremos desmontando o dogmatismo mecanicista e formal do “marxismo es-panhol”. Neste avanço do conhecimento, a teorizaçom da experiência da ETA será tam decisiva, no enquadramento europeu, como o foi e está a ser no enquadramento latino-americano, a teorizaçom das guer-rilhas, da vida do Che e de Marulanda, dos contributos de Mariátegui, do conte-údo social, revolucionário e de libertaçom nacional preburguesa de Tupaj Kamaru e de Tupaj Katari, et cétera; para nom nos estendermos com revolucionárias e re-volucionários africanos, asiáticos, etc. O euromarxismo tem tido medo a estudar algo que mais cedo do que tarde tem de se enfrentar: as guerrilhas de libertaçom na-cional na Europa nazifascita de 1939-45, e a outras posteriores, enquanto heróicas e impressionantes demonstraçons da dialé-tica entre o objetivo e o subjetivo, dialética que traz à luz o princípio de realidade, isto é, a objetividade da exploraçom, da domi-naçom e da opressom.

É aqui que a ETA aparece como a for-ça chave que, por um lado, sintetiza todas as contradiçons que apodrecem o capita-lismo europeu e, por outro, mostra como a acumulaçom de forças progressistas chega um momento que permite o salto qualitativo a um cenário político novo. Nom podemos expor agora a primeira questom, que entra em cheio na crítica do euromarxismo, só podemos dizer que as luitas de libertaçom nacional se carateri-zam por certas diferenças relativamente às luitas revolucionárias nos povos que nom padecem opressom nacional. A lui-ta de classes “normal” nom se livra num contexto em que as subjetividades cole-tivas, os referentes históricos e a carga emotiva polos sacrifícios da luita, atingem a importáncia objetiva, material e política, que tenhem nas naçons esmagadas que levam dezénios a enfrentar o ocupante. Com isto nom negamos, em modo algum, a importáncia do subjetivo na luita de clas-ses, simplesmente queremos recordar a diferença -que nom contradiçom- entre os dous processos revolucionários, que tenhem o mesmo objetivo último.

Vamos estender-nos na segunda porque é a mais urgente, analisando três questons de inegável significado que mos-

tram porque a ETA tem sido e é o prin-cípio de realidade, embora já nom atue militarmente. Sem entrarmos em debates psicoanalíticas, por princípio de realidade entendemos aqui a capacidade de ir à raiz e mostrá-la ao mesmo tempo na superfície com a forma de objetividade da opressom nacional. Quem conhece os rudimentos da epistemologia marxista sabe que falamos da aplicaçom da dialética materialista à luita de libertaçom. Começando já com a primeira questom, há que dizer que o princípio de realidade se tem mostrado de maneira irrefutável com o comunicado da ETA sobre o fim da sua atividade armada, já que destroçou todas as mentiras ela-boradas durante anos. Durante anos, a indústria política-mediática esforçou-se em “criar a verdade” de que a ETA esta-va em agonia pré-mortem e a esquerda abertzale na inaniçom. Embora militantes independentistas levemos tempo a ex-plicar a acumulaçom de forças, tanto as sofisticadas técnicas de manipulaçom me-diática como as nossas limitaçons e erros, além de outros factores, facilitárom que se mantivesse a mentira da derrota.

As reaçons espanholas perante o co-municado indicam que sempre se impom o princípio de realidade. Agora se entende perfeitamente que a ETA nem se rendeu nem está derrotada, simplesmente adver-te que dá mais um passo na sua longa luita política, deixando um instrumento tático e priorizando outros. A política espanhola pujo o grito no céu ao nom poder deleitar--se vendo umha conferência de imprensa em que os seus participantes apareces-sem sem capuzes, como os autoderro-tados p-ms no seu tempo. A imagem e a simbologia som expressons materiais e o nacionalismo imperialista espanhol com-

preendeu-no perfeitamente, ladrando com impotente fúria. Os capuzes, ainda sendo importantes, som parte de um comunica-do que chama as cousas polo seu nome, e esta radical coerência ética-política que carateriza a ETA di todo, o que reforça a sua afirmaçom de que a acumulaçom de forças democráticas conseguida nas pio-res situaçons repressivas permite e exige dar um salto na mobilizaçom política. Nom se trata de um salto ao vazio, porque todo demonstra que a acumulaçom conseguida até agora em muito penosas condiçons tende a se alargar e, além disso, a deci-som da ETA acaba com as desculpas de quem dizia que a sua atividade armada im-possibilitava toda a luita social e popular. O comunicado tampouco nega a história do independentismo socialista. Já que, desde há um terço de século, a ETA tem proposto finalizar a sua atividade armada se se chegava a umha unidade similar à atual.

Mas a realidade impom-se inclusive para a esquerda independentista e para a ETA, e assim chegamos à segunda ques-tom. Queremos dizer que o comunicado se fai público quando levamos quatro anos a sofrer umha crise socioeconómica que tem conteúdos novos se a comparamos com as anteriores. É verdade que nom se entende nada do capitalismo se se desco-nhecem as suas crises periódicas e que, portanto, todo projeto independentista e socialista deve sempre ter em conta o re-bentamento periódico de crises pequenas, mas fundamentalmente de crises globais mais espaçadas no tempo que fecham fa-ses e abrem outras, como acontece nestes momentos. Embora o movimento operário e popular basco há tempo que se tenha dado conta da gravidade e profundidade

do desastre económico, ainda há partes dele que nom terminam de adequar ao contexto de crise de longa duraçom a dia-lética entre libertaçom nacional e de clas-se, além do sexo-género.

As três greves gerais sustentadas no passado recente e um sem fim de luitas operárias, populares e sociais que se li-vram praticamente todos os dias em defe-sa das condiçons de vida e trabalho, esta realidade permanece em segundo plano, enquanto o fundamental e único decisivo parece ser a resoluçom do contencioso armado e a denominada “normalizaçom política”. A interaçom permanente entre o nacional e o social, que foi um dos segre-dos da força do primeiro independentismo socialista, está nestes momentos reduzida ao formulário teórico e à meritória açom do sindicalismo abertzale e de movimen-tos e coletivos específicos que se foram criando para encher vazios organizativos causados pola repressom, mas também por outras prioridades. Brutalidades ina-ceitáveis como os despejos, os despedi-mentos, o empobrecimiento crescente e até a miséria que começa a golpear, o desemprego estrutural especialmente na juventude e na mulher, etc, estas e outras ferocidades burguesas encontram umha resistência descoordenada e, o que é pior no longo prazo, sem umha precisa inser-çom teórica e política no projeto de con-quistar um Estado independente. Desta forma, enquanto se dam passos valiosos no nacional, o social permanece relativa-mente afastado. Nom faz falta dizer que a burguesia aproveita este vazio, esta fenda, para atacar sem piedade o povo trabalhador.

Entramos assim na terça e última questom, já que a esquerda abertzale é

muito consciente deste desfasamento transitório que deve ser superado pola sua importáncia chave para a conquista dos objetivos históricos, e pola sua impor-táncia atual para elaborar umha política de aglutinaçom de amplos setores sociais atacados em diverso grau pola ocupaçom espanhola e interessados em criar um Estado basco. No duro contexto de longa duraçom imposto pola crise o princípio de realidade encontra a sua explicaçom teó-rica na criaçom desse amplo movimento liderado pola classe trabalhadora. Na his-tória do pensamento marxista, tenhem-se dado nomes diversos às diferentes reali-zaçons deste movimento, destacando o de “revoluçom democrática nacional”, na maioria das luitas de libertaçom nacional anti-imperialista. Um debate permanente sobre este particular surge quando se tem que precisar o ritmo revolucionário num capitalismo altamente industrializado, com as suas contradiçons tensionadas ao máximo, quando esta agudizaçom obriga as classes a se posicionarem nos extre-mos, olhando diretamente o problema do poder e da propriedade.

A opressom nacional incide aqui de-terminantemente, marcando a luita de classes interna ao povo ocupado com ritmos próprios. Nom entender este prin-cípio de realidade levou o euromarxismo a estrepitosos fracassos. Os povos opri-midos, por sua vez, tenhem o risco de cometer um dos dous erros suicidas: ace-lerar a velocidade sem atender ao ritmo de acumulaçom, achando que pode dar o salto da revoluçom democrática nacional para a revoluçom socialista por simples voluntarismo idealista, o que conduz para umha chacina sangrenta; ou avançar com lentidom lánguida procurando nom ate-morizar a mediana burguesia, dando-lhe tempo para se recuperar e contraatacar com o apoio imperialista, produzindo-se um banho de sangue ou estancando a luita de libertaçom nas marismas do pessimis-mo derrotista. Ambas as possibilidades já se dérom em muitos casos, e para as evitar foi imprescindível a existência de umha força revolucionária organizada e preparada. Na nossa história, a ETA tem sido decisiva neste sentido.

Iñaki Gil de San Vicente é militante comunista

basco

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Impresso em papel reciclado. Depósito Legal: C-901-1997Jornal comunista de debate e formaçom ideológica para promover a Independência Nacional e a Revoluçom Socialista Galega

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ne Sobre a guerra de guerrilhas

“Quais som os requisitos fundamentais que todo marxista deve exigir, quan-do se examina o problema das formas de luita? Em primeiro lugar, o marxismo distingue-se de todas as formas primitivas de socialismo em que nom vincula o mo-vimento a nengumha forma de luita específica e determinada. Reconhece as mais diversas formas de luita, mas sem “inventá-las”, simplesmente generalizando, organizando e infundindo consciência sobre aquelas formas de luita das clas-ses revolucionárias que por si mesmas surgem no curso do movimento.

O marxismo, que rejeita incondicionalmente todo o que forem fórmulas abstratas ou receitas doutrinárias, reclama que se preste a maior atençom à luita de massas em marcha, que, com o desenvolvimento, com o crescimen-to da consciência das massas, com a agudizaçom das crises económicas e políticas, engendra constantemente novos e cada vez mais diversos métodos de defesa e ataque.

Daí que o marxismo nom rejeite incondicionalmente nengumha forma de luita. O marxismo em modo nengum se limita às formas de luita possíveis e existentes só num momento dado, já que reconhece a inevitável necessidade de formas de luita novas, desconhecidas para quem age num período de-terminado e que surgem ao mudar a conjuntura social dada. Neste aspeto, o marxismo aprende, se for admitida a expressom, a prática das massas e nada mais longe dele que a pretensom de ensinar as massas formas de luita caviladas por “sistematizadores” de gabinete. Sabemos -dizia por exemplo Kautsky, considerando as formas da revoluçom social- que a fu-tura crise trará novas formas de luita, que agora nom podemos prever.”Proletari nº 18, 13 de setembro de 1905

“O exército revolucionário é imprescindível, porque os grandes problemas históricos só podem resolver-se pola força, e a organizaçom da força é, na luita moderna, a orga-nizaçom militar”.Proletari nº 7, 27 de junho de 1905