Abrente nº 40

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Vozeiro de Primeira Linha www.primeiralinha.org Ano XI • Nº 40 • Segunda jeira • Abril, Maio e Junho de 2006 1º de Maio, Dia do Internacionalismo Proletário Contra o Capital, Resistência Operária 1º de Maio, Dia do Internacionalismo Proletário Sumário Editorial 3 Autonomia e substituiçom lingüística na Galiza (1981-2006) Maurício Castro 4 Sucesso das X Jornadas Independentistas Galegas 5-6 José A. Brandariz 6-7 Igor Lugris 7 Carlos Taibo 8 Joseba Alvarez 9 Francisco Martins Rodrigues10 Carlos Morais 11 Três vitórias desde o cessar-fogo permanente Iñaki Gil de San Vicente 12 Fraternidade comunista presidiu comemoraçom do X Aniversário de Primeira Linha Venhem tempos duros para a classe operária gale- ga. O Capital acha-se em plena execuçom dum ataque de proporçons desmedidas contra as condiçons labo- rais e de existência das trabalhadoras e trabalhadores. Obedientemente, todas as instituiçons políticas ope- rantes na nossa naçom tomam posiçons para darem cobertura à ofensiva. Os golpes chegam de todos os lados. A nível europeu, a Uniom aprova directivas como a Bolkestein ou a de ordenaçom do mercado de traba- lho, que despejam o terreno para a rapina das multina- cionais, generalizando a precariedade e a desprotec- çom social. Simultaneamente, o bipartido de Tourinho e Quintana, aliado com empresários e dirigentes das centrais sindicais maioritárias, senta as bases de um “pacto social” que acabe de vez com a pouca capacida- de de resistência que ainda resta à nossa classe. Para fechar o círculo, umha nova reforma laboral cozinha-se desde há meses nos gabinetes madrilenos do patronato e das burocracias sindicais espanholas, sob a atenta tutela do governo neoliberal do PSOE. Em datas próximas, conheceremos os conteúdos exactos deste novo golpe de chicote nas costas do povo tra- balhador, embora o pouco que durante o processo foi trascendendo nom augure mais do que terríveis con- seqüências para o conjunto das massas exploradas. Vejamos alguns exemplos do que exploradores, nego- ciantes e vende-obreir@s estám a preparar-nos: O despedimento será facilitado e ficará mais bara- to para os empresários por diversos meios. Elimi- nando os obstáculos legais para o despedimento colectivo; eliminando o despedimento nulo, que até a altura podia obrigar o empresário a reincor- porar a despedida ou despedido; subvencionando o empresário até em 40% dos custos por despedi- Contra o Capital, Resistência Operária mento (com dinheiro público!); Generalizando, em substituiçom da contrataçom indefinida, o chama- do “contrato de fomento do emprego”, que, entre outras “virtudes”, tem a de reduzir as indemniza- çons por finalizaçom de contrato de 45 a 33 dias por ano trabalhado. Aprofundará-se a precarizaçom do mercado labo- ral, promocionando a subcontrataçom que, como bem conhecemos já na actualidade, tem lugar em condiçons deploráveis tanto no referente a salários como a segurança, jornada laboral, protecçom so- cial e um longo e trágico etcétera. Criará-se, para tal fim, um novo modelo contractual que permite o despedimento automático com indemnizaçons de miséria. Promocionará-se a actividade das ETTs, no cami- nho de privatizar completamente os já inoperantes serviços públicos de emprego. As pensons verám-se reduzidas, eliminará-se o di- reito à reforma aos 60 anos e promocionará-se o trabalho além dos 65. Novamente, a burguesia espanhola, desesperada na sua incapacidade para atingir umha posiçom cómo- da no competitivo mercado europeu, pretende alargar a sua taxa de ganho radicalizando a exploraçom da nossa força de trabalho. Volta a ficar à vista de tod@s que, independentemente da cor política dos governos de turno na Galiza, em Espanha ou na Europa, na guer- ra que enfrenta os capitalistas contra nós, nom há tré- gua nem cessar-fogo. Perante esta nova agressom que se aproxima, o movimento operário nom pode permanecer impassível ou contentar-se com umha tímida resposta dentro dos estreitos limites da paz entre classes. Está na hora

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Publicaçom trimestral da organizaçom independentista e comunista galega Primeira Linha, correspondente a Abril, Maio e Junho de 2006.

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Vozeiro de Primeira Linha www.primeiralinha.org Ano XI • Nº 40 • Segunda jeira • Abril, Maio e Junho de 2006

1º de Maio, Dia do Internacionalismo Proletário

Contra o Capital, Resistência Operária

1º de Maio, Dia do Internacionalismo Proletário

SumárioEditorial

3 Autonomia e substituiçom lingüística na Galiza (1981-2006)

Maurício Castro

4 Sucesso das X Jornadas Independentistas Galegas

5-6 José A. Brandariz 6-7 Igor Lugris 7 Carlos Taibo 8 Joseba Alvarez

9 Francisco Martins Rodrigues10 Carlos Morais

11 Três vitórias desde o cessar-fogo permanenteIñaki Gil de San Vicente

12 Fraternidade comunista presidiu comemoraçom do X Aniversário de

Primeira Linha

Venhem tempos duros para a classe operária gale-ga. O Capital acha-se em plena execuçom dum ataque de proporçons desmedidas contra as condiçons labo-rais e de existência das trabalhadoras e trabalhadores. Obedientemente, todas as instituiçons políticas ope-rantes na nossa naçom tomam posiçons para darem cobertura à ofensiva. Os golpes chegam de todos os lados. A nível europeu, a Uniom aprova directivas como a Bolkestein ou a de ordenaçom do mercado de traba-lho, que despejam o terreno para a rapina das multina-cionais, generalizando a precariedade e a desprotec-çom social. Simultaneamente, o bipartido de Tourinho e Quintana, aliado com empresários e dirigentes das centrais sindicais maioritárias, senta as bases de um “pacto social” que acabe de vez com a pouca capacida-de de resistência que ainda resta à nossa classe.

Para fechar o círculo, umha nova reforma laboral cozinha-se desde há meses nos gabinetes madrilenos do patronato e das burocracias sindicais espanholas, sob a atenta tutela do governo neoliberal do PSOE. Em datas próximas, conheceremos os conteúdos exactos deste novo golpe de chicote nas costas do povo tra-balhador, embora o pouco que durante o processo foi trascendendo nom augure mais do que terríveis con-seqüências para o conjunto das massas exploradas. Vejamos alguns exemplos do que exploradores, nego-ciantes e vende-obreir@s estám a preparar-nos:• O despedimento será facilitado e fi cará mais bara-

to para os empresários por diversos meios. Elimi-nando os obstáculos legais para o despedimento colectivo; eliminando o despedimento nulo, que até a altura podia obrigar o empresário a reincor-porar a despedida ou despedido; subvencionando o empresário até em 40% dos custos por despedi-

Contra o Capital, Resistência Operária

mento (com dinheiro público!); Generalizando, em substituiçom da contrataçom indefi nida, o chama-do “contrato de fomento do emprego”, que, entre outras “virtudes”, tem a de reduzir as indemniza-çons por fi nalizaçom de contrato de 45 a 33 dias por ano trabalhado.

• Aprofundará-se a precarizaçom do mercado labo-ral, promocionando a subcontrataçom que, como bem conhecemos já na actualidade, tem lugar em condiçons deploráveis tanto no referente a salários como a segurança, jornada laboral, protecçom so-cial e um longo e trágico etcétera. Criará-se, para tal fi m, um novo modelo contractual que permite o despedimento automático com indemnizaçons de miséria.

• Promocionará-se a actividade das ETTs, no cami-nho de privatizar completamente os já inoperantes serviços públicos de emprego.

• As pensons verám-se reduzidas, eliminará-se o di-reito à reforma aos 60 anos e promocionará-se o trabalho além dos 65.Novamente, a burguesia espanhola, desesperada

na sua incapacidade para atingir umha posiçom cómo-da no competitivo mercado europeu, pretende alargar a sua taxa de ganho radicalizando a exploraçom da nossa força de trabalho. Volta a fi car à vista de tod@s que, independentemente da cor política dos governos de turno na Galiza, em Espanha ou na Europa, na guer-ra que enfrenta os capitalistas contra nós, nom há tré-gua nem cessar-fogo.

Perante esta nova agressom que se aproxima, o movimento operário nom pode permanecer impassível ou contentar-se com umha tímida resposta dentro dos estreitos limites da paz entre classes. Está na hora

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de abandonarmos a resignaçom a que o discurso pactista das burocracias sindi-cais nos conduz, e botarmos abaixo esta reforma laboral com toda a contundência que for necessária, recorrendo sem medo a todos os métodos de pressom, mobiliza-çom e luita de que dispomos, obrigando os sindicatos de classe a situarem-se do nos-so lado e a abandonarem o imobilismo que apenas benefícia os promotores da ofen-siva capitalista. Nos próximos meses, @s comunistas galeg@s estaremos pront@s a contribuir para organizar a resistência operária que bote por terra os planos do Capital.

***A tentativa, por parte do Estado fran-

cês, de actualizar os seus instrumentos de exploraçom específi cos para a juven-tude, por meio do Contrato de Primeiro Emprego, vem de fracassar estrepitosa-mente, deixando atrás umha experiência que merece a nossa atençom por diversos motivos.

Em primeiro lugar, porque o povo trabalhador francês acabou de dar umha liçom histórica às exploradas e explorados

balhadores franceses nom só por terem atingido tam rotunda vitória, mas também por demonstrárem que na Europa, no cen-tro do sistema capitalista, a mobilizaçom e a luita operária som ainda métodos vá-lidos e efi cazes para frear a ofensiva da burguesia.

Em segundo lugar, porque os acon-

tecimentos som umha boa mostra do preocupante estado de saúde do nosso próprio movimento operário. Na Galiza, condiçons laborais muito semelhantes ou piores das que o CPE pretendia legalizar som dia após dia aplicadas a milhares de jovens em praticamente todos os ramos da produçom assalariada, sem que haja

nem de longe dumha resposta de fi rmeza e contundência comparáveis com a que o Estado francês viveu nestes dias.

***O Abrente alcança o seu número 40

após dez anos de publicaçom regular e ininterrompida, após ter dado acolhida a decenas de vozes anti-sistémicas de di-versas correntes da esquerda nacional e internacional, mantendo sempre a quali-dade editorial, chegando às maos de mi-lhares de trabalhadoras e trabalhadores galegos. Nesta Galiza de inícios de século, para umha revista das características da nossa, trata-se dum repto cuja superaçom nos enche de orgulho e de ilusom para o futuro. É por isso que nom podemos deixar passar a ocasiom sem dedicarmos umhas linhas de sincero agradecimento a quem tem feito isto possível: a tod@s @s cama-radas de Primeira Linha, às nossas cola-boradoras e colaboradores e, como nom, a todas e todos os que cada três meses procurades na caixa do correio, no centro social ou entre o tumulto da manifestaçom estas cinco colunas comunistas, indepen-dentistas e antipatriarcais.

EDITORIAL

da Europa ocidental. Implicando multitude de segmentos sociais -desde o proletaria-do industrial até o estudantado universi-tário- durante semanas de greves, cortes de tránsito, manifestaçons maciças, com-bates na rua e actos públicos; o CPE foi derrogado e o Estado fi cou vencido. Deve-mos parabenizar as trabalhadoras e tra-

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PSOE, patronato e máfia “sindical” espanhola pactuárom nova reforma laboral

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3Nº 40. Abril, Maio e Junho de 2006

Se algo tem caracterizado a política lin-güística aplicada na Galiza desde 1981, ano em que cristaliza num Estatuto a Espanha das Autonomias prevista pola Constituiçom de 1978, é umha medida intervençom a ca-minho entre o deixar fazer, esse recurso que Carvalho Calero denominou “liberalis-mo lingüístico”, e umha actuaçom aparen-temente desleixada ou fruto da improvisa-çom, o que poderíamos denominar “fazer de conta que se fai”. No entanto, seria este um diagnóstico simplista de mais.

A substituiçom da rígida doutrina fran-quista em matéria lingüística, abertamente intervencionista frente à ameaça do que a ditadura sempre considerou e tratou de “línguas separatistas”, deu passagem, é certo, a um liberalismo muito caro ao espí-rito da Transiçom; bem se pode dizer que essa visom liberal assentou como umha luva a esse processo transformista da arquitec-tura institucional espanhola. O tempo véu a demonstrar que, tal e como calculárom os “pais da Constituiçom”, nada custava re-conhecer determinados direitos individuais em relaçom ao uso das “línguas coofi ciais”, desde que fi casse garantida a preservaçom do espanhol como único idioma necessário e obrigatório, e assim de facto continua a ser hoje, 25 anos depois da aprovaçom do Es-tatuto de Autonomia. Tal fi ca demonstrado, em diferente grau e com diversos matizes, nos casos galego, catalám e basco.

Foi com essa perspectiva que se arti-culárom e aplicárom, umha por umha, as medidas legislativas e políticas tendentes a confi gurar umha nova situaçom de apa-rência democrática, em que o galego, na altura língua maioritária mas subordinada, iria ocupar o papel de língua minoritária digna de protecçom e cuidados especiais, sem em nengum caso pôr em causa a he-gemonia da única língua ofi cial do Estado.

Objectivos assimilistas parcialmente conseguidos

A própria aprovaçom do Estatuto (1981) e a posta em andamento da Administraçom autonómica galega um ano antes acompa-nhou a progressiva substituiçom da própria sociedade como agente normalizador. De umha parte, a adscriçom da Política Lingüís-tica ao departamento de Educaçom e Cultura da Junta defi niu bem o sentido parcial da pla-nifi caçom, reduzida a umha área concreta da actuaçom dos sucessivos governos e alheia a umha visom global e abrangente. De outra parte, a assunçom pola Administraçom auto-nómica da actividade dita “normalizadora”, serviu para desactivar progressivamente, se bem nom por completo, o signifi cativo movi-mento social pola normalizaçom da década anterior. Primeiro objectivo parcialmente conseguido.

A acomodaçom do idioma ao guiom previsto obrigou a que os primeiros passos dados pola Junta pré-autonómica (1980), no sentido de ser ofi cialmente reconhecida a unidade lingüística galego-portuguesa, fossem rapidamente emendados. Forçou-se entom, mediante a intervençom directa do poder político-institucional, a ruptura da linha histórica nom apenas do nacionalismo galego desde os seus primórdios, mas tam-bém do próprio mundo científi co da roma-nística tradicional, e inclusive da tradiçom documentalmente recolhida nas enciclopé-dias espanholas, já a partir dos anos 20 do século passado, que sempre reconheceu a unidade lingüística enquanto o nosso idio-ma se mantivo afastado de qualquer possi-bilidade de recuperaçom funcional.

Porém, na nova situaçom, o galego devia constituir-se em idioma “indepen-dente”, facilitando assim a sua posiçom de fraqueza face ao todo-poderoso e interna-cional espanhol. Daí que o isolacionismo, umha posiçom sem qualquer sustento teórico anterior, passasse a constituir-se em doutrina ofi cial, a partir da aprova-çom do Decreto Filgueira, em 1982, e até hoje. Se o objectivo do “golpe normativo” tivesse sido a verdadeira recuperaçom e normalizaçom do galego, em que cabeça teria cabido descartar séculos de história e o seu potencial de futuro como língua

Autonomia e substituiçom lingüística na Galiza (1981-2006)

Mau

rício

Cas

tro

estatal e ofi cial nos principais organismos internacionais? É certo que a dissidência reintegracionista subsiste, e ainda cresce ao mesmo ritmo que a consciência lingüís-tica dos sectores mais dinámicos do nosso povo; mas as quase três décadas perdidas neste terreno nom deixam de constituir um êxito reconhecível na política lingüísti-ca ofi cial: o seu segundo objectivo parcial-mente conseguido.

A sucessiva aprovaçom do Decreto de Bilingüismo (1979), da Lei de Normaliza-çom Lingüística (1983), e dos decretos e ordens posteriores, deu forma à estraté-gia que iria ser seguida nas décadas se-guintes e até a actualidade, estabelecen-do como impossível objectivo, carente de qualquer referente teórico ou precedente prático em qualquer outro contexto de confl ito lingüístico, o chamado “bilin-güismo equilibrado”, assim formulado sobretodo para o ámbito do ensino. Com grandes palavras, os mesmos que até essa altura participaram abertamente na censura e marginalizaçom de quaisquer usos do galego para além das lareiras, as leiras e as tabernas, erigiam-se em novos defensores da convivência lingüística e ini-migos do confl ito.

Umha grande embalagem legislativa e normativa, embrulhada com crescentes somas de dinheiro e projectos tam caros e fastosos como inúteis para o avanço so-cial do galego, tem servido durante todos estes anos para, como dizíamos, “fazer de conta que se fai”. Seria errado, portanto, concluirmos que nom existiu política lingü-ística, ou que a sua caracterizaçom tenha sido o puro desleixo. Houvo objectivos, estratégia e medidas concretas que con-duzírom à situaçom actual.

Houvo também desleixo, é verdade, mas um desleixo medido e aplicado como parte de umha política sistemática e de umha efectividade indiscutível. Além do combate surdo contra os sectores fi éis ao idioma, marginalizados na elaboraçom e aplicaçom dos estéreis projectos; oculto no incumprimento de todo o que a legis-laçom pudesse ter de favorável para o galego (o ensino é o caso paradigmático), mantivo-se durante todo este tempo umha evidente renúncia a conhecer a fundo o terreno sobre o qual se agia, incluídos os resultados das medidas aplicadas pola própria administraçom.

Vejamos só dous exemplos signifi cati-vos. O primeiro, visível por contraste num período em que o Governo basco realizou e publicou três inquéritos globais sobre falantes, usos, atitudes, atitudes, etc, de

lhor prova do bom desempenho histórico do Estado espanhol nas últimas décadas, e da insufi ciência da nossa resposta em chave nacional. A assunçom por parte da maior parte do nosso nacionalismo, no-meadamente por parte da sua direcçom política nas últimas duas décadas, dessa dinámica desnacionalizadora e assimilista imposta na Constituiçom de 78 e encarna-da no Estatuto de Autonomia de 1981, é, nesse sentido, um dos maiores sucessos para um espanholismo hoje trajado de autonomista. Embora relacionado com o primeiro, podemos considerá-lo, pola sua especifi cidade no plano político-insti-tucional, o quarto objectivo parcialmente conseguido.

Presente e futuro do conflito lingüístico

A recente publicaçom, por parte do ofi cialista Conselho da Cultura Galega, de um estudo comparativo entre o referido Mapa Sociolingüístico Galego (com dados de 1992) e o mais recente Inquérito de Condiçons de Vida das Famílias (ECVF) por parte do Instituto Galego de Estatística (dados de 2003)2, apesar de nom tomar em consideraçom as falhas do estudo de campo do IGE3, só véu a confi rmar os prin-cipais problemas detectados em estudos parciais anteriores e no próprio Mapa So-ciolingüístico Galego publicado em 1993.

Continua a queda percentual do galego como língua habitual na Galiza (passando de um índice de 2,97 sobre 4 em 1992 para 2,89 em 2003, e fi cando por baixo do ponto médio da escala nos menores de 25 anos); o de monolíngües em espanhol é o grupo so-ciolingüístico que mais cresceu nesse mes-mo período (de 10,6% em 1992 para 18,5% em 2003), mantendo-se a diminuiçom do grupo de monolíngües em galego; assisti-mos à primeira geraçom em que o espanhol é a língua habitual maioritária, sem que o ligeiro incremento de monolíngües em ga-lego nas cidades compense a desgaleguiza-çom geral do meio urbano e da gente mais nova; continua a espanholizaçom dos usos lingüísticos no seio das famílias e o espa-nhol é já a língua em que a maioria apren-de a falar; o espanhol continua a ser mui maioritário nos usos escritos (82,3% face a 14%); e carência de monolíngües galegos completados lingüisticamente no próprio idioma (que o falem e escrevam sempre), face ao carácter completo dos monolíngües em espanhol, questiona a solidez do mino-ritário sector caracterizado polos diversos estudos de campo como “monolíngües em galego”.

ACTUALIDADE

periodicidade quinquenal (1991, 1996, 2001)1 nom apenas para essa Comunidade Autonóma, mas para o conjunto dos terri-tórios históricos de fala basca. Entretanto, na Galiza só foi publicada umha ediçom do chamado Mapa Sociolingüístico Galego (1993), de alcance só autonómico, e cujos resultados teriam acendido a luz de alarme de qualquer governo que tivesse o mais mí-nimo interesse em levar a bom fi m o supos-to objectivo de “bilingüismo equilibrado”. A realidade daquele estudo parcial confi rmou a inviabilidade da estratégia autonómica para a normalizaçom do galego, mas nen-gumha medida foi tomada para corrigir o rumo empreendido em 1978-79.

O segundo exemplo é referente à ava-liaçom do próprio trabalho concreto da Administraçom. Milhons de euros tenhem sido investidos nestes anos na formaçom do professorado e de pessoas adultas em geral, através dos tam numerosos como limitados “cursos de iniciaçom e aperfeiço-amento”. Alguém conhece a existência de um acompanhamento ofi cial dos resultados dessas actividades formativas? Todo indica que se tratou apenas de justifi car gastos em Política Lingüística sem mais objectivo que fornecer diplomas, tendo sido mui dis-cutida a sua utilidade para a incorporaçom de novos falantes e até para o aumento da competência lingüística das pessoas que os freqüentam. No entanto, nom havendo es-tudos concretos sobre tam ampla como eté-rea rede formativa, quase ninguém se deu nestes anos ao trabalho de pedir contas aos sucessivos executivos autonómicos. Como se vê, estamos diante de exemplos claros de funcionamento exemplar da estratégia de “fazer de conta que se fai”; umha es-tratégia que, além do mais, conseguiu criar umha percepçom social bastante estendida de que, efectivamente, existe umha política ofi cial favorável ao galego. Terceiro objecti-vo parcialmente conseguido.

É verdade que o grau de desfi gura-çom actual do que era um país com língua própria de uso muito maioritário, embora subordinada a funçons só primárias e in-formais, responde a umha mais complexa evoluçom socioeconómica do próprio capi-talismo num país secularmente atrasado e incorporado bruscamente à moderniza-çom na sua fase neoliberal. Mas nom é menos certo que o franquismo primeiro, e a segunda Restauraçom bourbónica depois, soubérom acompanhar essa di-námica histórica conduzindo-nos para a inaniçom como povo. Certamente, houvo e há resistências a esse processo, mas a grave situaçom actual da língua é a me-

Estamos, como se vê, perante dados contundentes, apesar de maquilhados por um defi ciente procedimento estatístico, e à espera de umha nova ediçom do Mapa Sociolingüístico Galego, cuja publicaçom se prevê para o próximo Outono. Nom te-mos nengumha dúvida de que essa nova ediçom, catorze anos depois da primeira, apresentará dados que confi rmarám a ameaça histórica que paira sobre o gale-go. Nom devia ser necessário dizê-lo, mas de facto convém sublinharmos que a aba-fante pressom do espanhol, e nom outras variantes estatais do próprio galego como o português ou o brasileiro, é a única ame-aça real que enfrentamos.

A evoluçom da processo de substitui-çom lingüística em curso na Galiza conti-nua, ninguém pode negá-lo, a ameaçar seriamente a sobrevivência e o futuro da nossa comunidade lingüística, e a fór-mula política-institucional encarnada no autonomismo tem-se revelado em todos estes anos como a melhor fórmula para dar continuidade ao brutal processo de imposiçom franquista, inclusive superan-do-o, por outras vias de aparência mais amável, no cumprimento de uns objectivos substancialmente comuns.

As novas ferramentas que agora se nos oferecem para fazer frente à situaçom nom mudam substancialmente a estratégia dos últimos vinte e cinco anos: nem o falso consenso normativo (assinado em 2003), nem o Plano Geral de Normalizaçom da Lín-gua Galega (aprovado em 2004), que nom passa de umha série de formulaçons incon-cretas que nom questionam os objectivos bilingüistas gestados e impostos entre os anos 1978 e 1981, mas que sim apresenta a novidade de contar com o apoio unánime dos três partidos parlamentares. O próprio ensaio do primeiro ano de governo alterna-tivo ao PP à frente da Junta está a confi r-mar o continuísmo em matéria lingüística, enquanto o debate sobre a reforma estatu-tária tampouco parece apontar para qual-quer mudança substancial no novo Estatu-to, que continuará a consagrar a estratégia lingüicida que o espanholismo tem aplicado historicamente na Galiza.

Só a articulaçom das forças sociais comprometidas com a língua à volta de uns objectivos verdadeiramente normaliza-dores, para a defesa activa dos nossos di-reitos lingüísticos, individuais e colectivos, em todos os campos da vida social, poderá possibilitar essa mudança, mais necessária do que nunca. Existem iniciativas que cami-nham nessa direcçom, e outras muitas irám surgir sem dúvida. Cumpre insistir, organi-zar, coordenar, empurrar de todas as fren-tes possíveis, com toda a diversidade que quigermos e formos capazes de alimentar; mas numha única direcçom, a da plena e efectiva ofi cializaçom do galego como lín-gua nacional da Galiza. Só assim evitare-mos que o projecto nacional espanhol poda fi nalmente entoar, sobre os restos de um corpo nacional galego já liquidado, o que seria o seu quinto e defi nitivo objectivo conseguido.

1 Os chamados Inquéritos Sociolingüísticos de Euskal Herria (I, II e III)

2 A sociedade galega e o idioma. A evolución sociolingüística de Gali-cia (1992-2003). Consello da Cultura Galega (Sección de Lingua), 2006.

3 Segundo detectou Bernardo Maiz Bar, o ECVF de 2003 falseia a rea-lidade ao sobredimensionar as povoaçons de menos de 10.000 habitantes (as menos espanholizadas) em relaçom às entidades urbanas mais povoadas (as mais espanholizadas), tomando como referência as percentagens reais recolhidas no censo de habi-tantes do mesmo ano. Assim, se as primeiras representavam em 2003 32,58%, no inquérito do IGE representam 56,6% das entre-vistas, dando assim à populaçom rural um peso que já nom lhe corresponde na Galiza actual.

Maurício Castro é membro do Comité Central de

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Nº 40. Abril, Maio e Junho de 20064

Desenvolvimento das JornadasEm sessons de manhá e tarde, as

X Jornadas Independentistas Galegas, submetidas ao título “Desafi os e neces-sidades da esquerda do século XXI”, começárom o seu desenvolvimento polas 11 horas, com um debate moderado polo camarada Alberte Moço Quintela em que participárom José A. Brandariz, profes-sor de Direito Penal na Universidade da Corunha e membro do Centro Social Atreu da mesma cidade; Igor Lugris, integrante da Direcçom Nacional de NÓS-Unidade Popular e activista cultural na comarca

Sucesso das X Jornadas Independentistas Galegas

galega do Berzo; Luísa Ocampo, militante da organizaçom feminista Mulheres Na-cionalistas Galegas (MNG); e o professor de Ciências Políticas na Universidade Autónoma de Madrid e especialista em política internacional Carlos Taibo, velho amigo do nosso partido.

Foi um debate de interesse, com vozes diversas a refl ectirem sobre as mudan-ças operadas na composiçom das forças populares susceptíveis de encabeçarem ou, no mínimo, integrarem um processo revolucionário que transforme o sistema mundialmente hegemónico após a queda

dos sistemas ditos de “socialismo real”. O protagonismo de formas de organiza-çom plurais, assembleares e horizontais, e a articulaçom dos movimentos sociais numha perspectiva superadora do capita-lismo, a importáncia do feminismo como ingrediente desse projecto, o estado ac-tual do movimento antiglobalizaçom como expressom do mesmo, fôrom alguns dos pontos tratados primeiro polas pessoas que falárom à mesa e, logo a seguir, polo público que, em número superior à cente-na, assistiu ao debate da manhá.

Polas 17 horas, e prolongando-se

durante mais de três horas, a sessom da tarde começou com a confi rmaçom da au-sência de um dos participantes previstos: o dirigente de Batasuna Joseba Álvarez, que tinha prevista a sua participaçom, enviou umha carta dirigida ao público e ao nosso partido, escusando-se pola nom assistência, que reproduzimos integral-mente. A ameaça iminente de prisom por parte das forças repressivas do Estado espanhol impediu, mais umha vez, o diá-logo entre os povos basco e galego, mas nom poderá impedir que a nossa camara-dagem e mútuo reconhecimento solidário continue a fortalecer-se no futuro como até agora tem acontecido. Umha ovaçom geral das pessoas assistentes seguiu-se à leitura da carta remetida polo compa-nheiro Joseba Álvarez. A camarada Íria Medranho deu leitura à comunicaçom que o dirigente da esquerda abertzale tinha previsto realizar.

O nosso camarada Francisco Martins Rodrigues, director da revista comunista portuguesa Política Operária; o líder his-tórico da expressom maioritária do na-cionalismo galego, Xosé Manuel Beiras; e o secretário geral do nosso partido, o camarada Carlos Morais, expugérom nos seus discursos as particulares leituras do estado actual da esquerda na Europa e no mundo, suscitando um grande interesse nas quase duas centenas de pessoas que lotárom a sala de actos do Hotel Compos-tela. O público participou activamente tam-bém numha refl exom colectiva que quijo contribuir para a defi niçom de espaços comuns de debate e acçom revolucionária com umha perspectiva nacional em nen-gum caso contraditória, senom dialectica-mente imbricada, num internacionalismo que sempre foi sinal de identidade da es-querda anticapitalista. Polo seu interesse, este número especial do Abrente reproduz na íntegra a maioria das intervençons em ambas sessons.

A própria composiçom do público as-sistente, muito variado na sua procedência e defi niçom ideológica dentro do campo da esquerda nacional, dá conta do acerto de fazer desta décima ediçom das nossas Jornadas um espaço de debate amplo que sirva para o fortalecimento do movimento revolucionário galego.

Interferência da Audiência NacionalA nossa intençom como BATASUNA era participar neste

interessante debate na Galiza sobre o futro da esquerda no século XXI, umha refl exom hoje mais necessária do que nun-ca, polo rumo que está a tomar o planeta guiado pola política neoliberal e o imperialismo norte-americano. Pensamos, ali-ás, que as naçons sem Estado, os povos oprimidos, temos a obrigaçom de contribuir com o nosso próprio ponto de vista, sem o qual a referida refl exom fi caria incompleta. Com esse intuito, íamos a Santiago de Compostela com dous trabalhos. O primeiro, “A esquerda no século XXI”, para ser lido como introduçom ao debate; e o segundo, “A Globalizaçom e a questom nacional”, como material de desenvolvimento.

Infelizmente, hoje ao meio-dia, sexta-feira e véspera do deslocamento, acabei de receber umha citaçom desse outro grande juiz substituto de Garzón, chamado Grande Marlaska,

para me apresentar perante ele no próximo dia 22, quarta-feira, às 17.30 horas. Tendo em conta que nesta mesma dous dos meus companheiros, Juan Mari Olano de Askatasuna e Juan José Petrikorena de Batasuna já fôrom levados a pri-som, é mais do que provável que o citado juiz ordene o meu encarceramento. Perante tal possibilidade, decidim passar este fi m de semana com a minha família. Pido-vos desculpa por isso, mas nom tenho nengumha dúvida que entenderám a minha posiçom pessoal. Comprometo-me, sim, a voltar à Galiza logo que poda, oxalá seja na próxima quinta-feira, ou, entom, aginha que fi que em liberdade.

Um abraço a tod@s e boa refl exom.

Joseba ÁlvarezDonostia, 17 de Março de 2006

X ANIVERSÁRIO

Dentro da série de actos e iniciati-vas políticas previstas polo nosso partido para este ano, o do décimo aniversário da fundaçom de Primeira Linha, a décima ediçom das nossas Jornadas Independen-tistas Galegas ocupava lugar de destaque. O nosso partido interpretou o actual como um bom momento para promover um de-bate a fundo sobre os desafi os e neces-sidades da esquerda do século XXI. Para tal, e sempre com a Galiza como contexto referencial, conseguimos juntar à mesma mesa um grupo de pessoas representati-vas de diversas tendências dentro da es-querda actual.

Por diversos motivos, nom pudérom fi nalmente assistir o marxista brasileiro e especialista na questom nacional, Michael Löwy, o fi lósofo Santiago Alba, o professor da Universidade de Coimbra Boaventura de Sousas Santos, e o dirigente da esquer-da revolucionária italiana Mauro Bulga-relli. Todos eles manifestárom a adesom às X Jornadas Independentistas Galegas e manifestárom a sua disponibilidade para poderem participar em vindouras ediçons deste evento.

Quem nos conhece e tem acompanha-do a nossa trajectória política, sabe que Primeira Linha sempre se caracterizou pola sua abertura aos contributos dessa diversidade que caracteriza a esquerda. Sem ocultarmos a nossa identidade mar-xista e leninista, de partido comunista de nova planta, nom duvidamos da possibi-lidade de enriquecer um projecto revolu-cionário que, sem renunciar à sua matriz anticapitalista, sintetize o melhor dos contributos das diversas experiências e escolas da esquerda rupturista que nom se conforma com reformar o capitalismo.

Na décima ediçom, realizadas num ho-tel central da capital da Galiza a 18 de Mar-ço, as Jornadas Independentistas Galegas nom só se consolidárom como o espaço re-ferencial de debate e refl exom marxista da Galiza, como demonstrárom mais umha vez essa característica do nosso partido, que tanto desconcerta aqueles que se cobrem com o manto do doutrinarismo teórico e a prática sectária para ocultarem as próprias carências como projecto emancipatório, quando nom a sua renúncia e integraçom no sistema que dim combater.

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Sirvam estas breves notas para fazer um modesto contributo para um tema tam formidável como o que se plasma no título da intervençom, e das Jornadas. Contodo, o contributo, na sua humildade, orienta-se para marcar algumhas pinceladas do pa-norama em que nos inserimos, a modo de pintura impressionista. Mesmo com esse objectivo, o contributo parte de duas pre-missas fundamentais, de jeito metodológi-co: a) a irredutível polissemia do conceito de comunismo; essa polissemia, prenhada de heterodoxia, é a via por que transitam estas refl exons; b) a formidável magnitude do tema de refl exom, a respeito do qual seguramente ninguém pode pressumir de possuir respostas certas, senom que todos e todas abordamos este debate como refl e-xom em contínua construçom, como experi-mentaçom de soluçons que ganham forma através dum incessante movimento.

Para centrar o objecto de refl exom que considero de interesse abordar, cumpre primeiro assinalar a paisagem, o cenário em que se tenhem de enquadrar esses reptos de esquerda do presente. Penso que umha das tonalidades fundamentais dessa paisagem é a da guerra global permanen-te, que hoje desponta com clareza como a morfologia do actual modo de mando do sistema global. Por conseqüência, e sem necessidade de se aproximar em maior me-dida dessa noçom, podemos seguramente consensualizar que vivemos umha etapa de profunda desvalorizaçom democrática, em que o estado de excepçom tende para se generalizar como paradigma hegemónico de governo.

Esta mençom serve para emoldurar algo mais o que vai ser o objecto de aten-çom inicial: a análise do devir do movimen-to global, altermundialista ou ‘antiglobaliza-çom’. E digo que pode valer para emoldurar essa análise porque, no quadro da guerra global, aparecem com força um lugar, o pla-neta Terra, e umha data, 15 de Fevereiro de 2003. Nessa data, seguramente momen-to maior da evoluçom do movimento, como é bem conhecido, várias dúzias de milhons de pessoas saem às ruas do planeta para expressarem a oposiçom à guerra global, num facto que foi avaliado polo New York Times como a expressom da verdadeira segunda superpotência planetária: o movi-mento global.

Contodo, a referência a este facto só vai ser tomada em consideraçom aqui como medida de comparaçom com outra data de mobilizaçom, 145 meses antes, 15 de Ja-neiro de 1991. A comparaçom com esse outro momento, data de luita na vigília do começo dos ataques da que foi denominada 1ª Guerra do Golfo, esclarece algumhas das características que o movimento global tem expressado, e que podem servir para cen-trar a discussom sobre como pode/deve ser umha esquerda anti-sistémica à altura do presente.

Características do movimento global

a) O devir global. O ocaso do quadro estatal de referência. Se a comparaçom que se sugeria for realizada, a primeira nota do movimento global que desponta é precisa-mente o seu devir global. Nas mobilizaçons de 15 de Janeiro de 1991, ainda o quadro da luita era fundamentalmente estatal; de facto, podem interpretar-se sem difi culda-de as características daquelas mobiliza-çons a partir das diferentes coordenadas estatais dos lugares em que tivérom lugar. Mais ainda, as demandas daquelas luitas mostravam a presença dum jeito de pensar ainda internacional, nom global; nom em vao, daquela a apelaçom ao respeito pola legalidade internacional gozava dum senti-do que em 2003 estava já ausente.

É possível que as mobilizaçons no con-texto da guerra de 1991 podam interpretar-se como a última grande luita internacional, expressada num quadro de centralidade

tivaçom identitária, e já nom as classes sociais, que permitem a construçom dum projecto político antagonista. Face a isto, cabe apontar que resulta altamente duvido-so que esses processos de subjectivaçom podam ser desligados de matrizes de inte-resses materiais. Em segundo lugar, outro sector de teóricos de esquerda considera que os processos de subjectivaçom som expressom, tendencialmente mecánica, das contradiçons objectivas de realidade social. Neste ponto se inscreveria o pen-samento de gentes como WALLERSTEIN ou ARRIGHI. Contodo, esta orientaçom de pen-samento seguramente desvaloriza o relevo da dimensom comunicativa dos processos políticos. Em terceiro lugar, outro sector, que poderia identifi car-se com o ‘postope-raísmo’ italiano e com um sector do ‘pos-testruturalismo’ francês, considera que os processos de produçom de identidades interagem, no quadro do processo político, com matrizes de interesses concretos. Des-te jeito, as identidades devenhem contin-gentes, dependentes do desenvolvimento dos correspondentes confl itos e, por outra banda, mostram-se operativas só quando logram articular interesses concretos.

Partindo de todas estas notas, dumha brevidade digna de melhor causa, segura-mente pode tentar-se umha sugestom de alguns reptos fundamentais que se colo-cam para umha política emancipatória do movimento.

Reptos dumha política emancipatória do movimento

a) Compreender os novos espaços e os novos tempos do confl ito. Se durante déca-das assumimos que a fi gura de exploraçom por excelência e, portanto, o ‘sujeito políti-co’ com maiúsculas, era o obreiro-massa, que tinha na fábrica o lugar privilegiado, quer da exploraçom, quer da luita, e que assumia o confl ito em tanto que trabalha-dor, cingido ao seu tempo de trabalho, está na hora de constatarmos que há lustros que estas certezas passárom à história. As mutaçons produtivas que ponhem fi m ao contínuo welfare-keynesianismo-fordismo, com a sua desterritorializaçom do lugar de produçom/exploraçom, com a desligaçom do tempo de produçom/exploraçom do relógio e com a multiplicaçom proliferan-te das formas de inserçom na mecánica produtiva, dam vida a umha nova fi gura produtiva, que seguramente pode ser de-

Intervençom de José A. Brandariz

movimento supom a produçom interactiva de confl ito sem mediaçom de intelligentsia algumha, com tendência para a horizonta-lidade, e com umha espontaneidade quase nom planifi cada.

c) A centralidade da dimensom comu-nicativa na conformaçom do movimento. Os processos comunicativos sempre tenhem sido centrais na conformaçom dumha po-lítica antagonista. Para comprovar esta afi rmaçom, nom é preciso chegar a Indy-media; basta com pensar, muitas décadas antes, num fenómeno como o dos pasquins ou, dito em termos mais gerais, na clássica propaganda política. Contodo, seguramen-te o movimento global reforça ainda mais esa centralidade, até a fazer componente nuclear do seu ADN político. O movimento global devém consciente de que a produ-çom dumha comunicaçom livre, isto é, nom mediada polo diversos aparelhos sistémi-cos, a produçom de símbolos, e mesmo a produçom de mitos (Luther Blisset, Wu Ming) é imprescindível para construir es-paços de contrapoder social. Nom em vao, como se tem apontado, as dinámicas comu-nicativas reformatam as formas organizati-vas de que se dota o movimento, e mesmo veiculam os processos de subjectivaçom antagonista contemporáneos. E, ainda que isto merecesse umha explicaçom muito mais extensa, tal centralidade das dinámi-cas comunicativas nom aparece por acaso no momento presente; surge precisamen-te hoje, quando, no quadro do modelo de produçom ‘just im time’, os processos co-municativos (lingüísticos, relacionais, infor-macionais) se convertem na matéria prima fundamental da produçom no capitalismo contemporáneo.

d) A complexa relaçom entre classe-identidade nos processos de subjectivaçom. Esta questom ganha inegável trascendên-cia na hora de interpretarmos a evoluçom do movimento global. Trata-se, por sermos claros, de fugir das simplistas apelaçons ao fi m das classes ou ao fi m da classe obrei-ra, e proceder a analisar as dinámicas que constroem hoje já nom os ‘sujeitos políti-cos’, mas os processos de subjectivaçom anti-sistémica. A risco de sermos extrema-mente sintéticos, no ámbito desta interro-gante apontam, no mínimo, três teses fun-damentais. Em primeiro lugar, um sector dos teóricos da postmodernidade, do qual seria expressom, por exemplo CASTELHS, que apontam que som os processos de subjec-

estatal, quase coincidente no tempo com o ocaso dos regimes de capitalismo de esta-do da europa central e oriental. Com poste-rioridade, pode seguramente ler-se a emer-gência dum processo de devir global do mo-vimento. Trata-se, contodo, dum processo nom linear nem mecánico, dum processo contraditório, assimétrico, variável, fl uido. Mas dum processo efectivo, como se plas-ma na contemplaçom dos momentos maio-res de articulaçom do movimento global: o 1 de Janeiro de 1994, com a 1ª Declaraçom da Selva Lacandona, as jornadas de Seat-tle, a batalha de Génova ou o próprio 15 de Fevereiro. Esse devir global do movimento, no que neste momento interessa, da forma a algumha das suas características morfo-lógicas mais salientáveis: a) a afi rmaçom dumha estrutura irredutívelmente reticular, pouco dada tanto à sua hierarquizaçom quanto à sua ‘reifi caçom’; b) a centralidade dos processos comunicativos na conforma-çom do movimento, que som precisamente os que lhe permitem garantir a sua fl uidez e a sua horizontalidade. E, sobretodo, esse devir global vai afi rmando a consciência da impossibilidade de sustentar umha verda-deira dinámica de contrapoder num quadro meramente estatal.

b) A instauraçom dumha verdadeira ‘política de movimento’: Acho possível per-ceber que o movimento global tende cada vez mais para assumir que a política (an-tagonista) deve prescindir das lógicas de funcionamento do governo representativo; longe de aceitar o jogo do poder constitu-ído, o movimento desprega-se, em toda a sua potência comunicativa, como verdadei-ro ensaio de poder constituinte. Se calhar, a melhor expressom dessa dinámica é a superaçom dumha racionalidade espe-cialmente difundida nos ‘lustros obscuros’ que antecedem a emergência do movimen-to global: a do entendimento da política movimentista na lógica do lobbismo, da ferramente de pressom na elaboraçom, reservada às instituçoms, das políticas pú-blicas. A lógica do movimento global devém antitética da racionalidade das ONG’s, dos Greenpeaces e das OXFAMs que prolife-ram durante os anos ’80 e boa parte dos ’90. Mas a nota que estou a tentar salien-tar vai além disto. Mesmo poderia dizer-se que com o movimento global pode ver-se o emergir dumha verdadeira ‘política de mo-vimento’, que tende para superar marcos de funcionamento prévios: a ‘política dos notáveis’, difundida e praticada durante o s. XIX, e a ‘política dos partidos’, hegemó-nica durante boa parte do séc. XX. Esta se-gunda, imediato antecedente do presente, institucionaliza-se após a Segunda Guerra Mundial, no ámbito do que, nom por acaso, tem sido denominado o modelo do ‘Estado de partidos’.

É possível que umha expressom maior desta dinámica seja a crise do parlamenta-rismo em que estamos a viver. Umha crise que tem múltiplas manifestaçoms, desde o esvaziamento de poder efectivo do poder legislativo, até a crescente deserçom dos processos eleitorais por parte dos sujeitos com dereito a voto. É umha crise de que ainda temos moito que aprender: para pôr um exemplo recente no noso país, os medí-ocres resultados do BNG nas eleiçons mu-nicipais da Primavera de 2003, despois da sua tentativa de encabeçar, quando nom de patrimonializar o movimento social que por convençom denominamos ‘Nunca Mais’, podem ler-se como umha evidência dessa crise, tanto como devem ser interpretados na lógica da impossibilidade de reduçom da potência do movimento às estreitas for-mas partidárias da participaçom eleitoral. O movimento, portanto, desenvolve umha dinámica de participaçom que excede ab-solutamente a forma partidária-eleitoral; o

nominada o ‘obreiro-social’. Captar toda a potencialidade desta formidável mutaçom é seguramente um repto maior para umha política antagonista do presente. Compre-ender, dito do jeito mais sintético posível, que o tempo de produçom/explotaçom tende cada vez mais para coincidir com o tempo de vida. Compreender que o lugar de exploraçom é todo o território social, que cada vez se estrutura mais como for-ma reticular endereçada à produçom de valor. Compreender, em defi nitivo, que a política é hoje, ante todo, biopolítica. E com-preender, no plano mais instrumental, que as ferramentas de agregaçom capazes de construir contrapoder social além da explo-raçom nom podem ser o partido de massas ou o sindicato obreiro, que eran, em troca, as ferramentas da etapa do obreiro-massa. Nisto, quer dizer, na experimentaçom des-sas novas ferramentas, é bem vinda toda inovaçom. Um desses laboratórios que deve ser ainda atravessado, aqui e egora, é o da potência emancipatória do centro social.

b) Investigar a emergência do cognita-riado como fi gura de classe por excelência. Se assumirmos, como já se apontou, que no capitalismo contemporáneo adquire cres-cente centralidade a produçom e difusom de fl uxos de informaçom (o qual pode com-provar-se dando um olhar às formas pro-dutivas de recente proliferaçom: as com-panhias dotcom, Inditex, os call centers), o cognitariado, isto é, o segmento da força de trabalho ocupado, no ámbito da produçom imaterial, da produçom, distribuiçom e re-combinaçom desses fl uxos comunicativos, pode estar a assentar a sua centralida-de como fi gura de classe por excelência. Contodo, além de afi rmar esta sugestom, cumpre, mesmo num exercício da maior das sínteses, indicar que esse cognitariado nom é, nem moito menos, umha fi gura uni-tária, senom umha verdadeira constelaçom de subjectividades.

c) Superar o conceito de massa. A crise do obreiro-massa coincide no tempo, e nom por acaso, com o declínio de todo o apare-lho categorial da modernidade. Enquanto o obreiro-massa se despregava num territó-rio liso, no presente habitamos um terri-tório crescentemente estriado, o território em que se desprega umha proliferaçom irredutivelmente plural de subjectividades. É óbvio que o conceito de massa é inútil para nomear, interpretar e, em último caso, contribuír para activar essa efervescência de subjectividades. Nisto seguramente resulta de muita maior utilidade, a efeitos experimentais, o conceito de multitude, isto é, essa rede de singularidades que reforça o comum ao reforçar o plural. Com indepen-dência do seu relançamento presente, con-vém apontar que nom estamos perante um conceito em absoluto novo. Olhando alguns séculos atrás, podemos ver a génese des-te debate na discussom entre SPINOZA, que impulsava a noçom de multitude, e HOBBES, que defendia, no seu modelo totalitário, a reductio ad unum que implica a massa e, ligada a esta, a sua noçom de povo. Con-todo, à margem disto, cumpre assumir igualmente que em tanto que multitude, a proliferaçom de subjectividades presente é irredutível para umha lógica da represen-taçom.

d) A renúncia à toma do poder do Esta-do. Por um articulamento autónomo dos no-dos contrapoder. Outro dos reptos maiores dumha política anti-sistémica contemporá-nea deve ser transitar em profundidade a hipótese da inutilidade da toma do poder do Estado. O Estado (moderno, ‘nacional’) está

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em crise, sacudido por dinámicas centrífugas para baixo e para cima. Nom está menos em crise a lógica representativa. E isto em vários sentidos. Em primeiro lugar, a simples expe-riência histórica fala-nos do inajeitado das operaçons vanguardistas e –ulteriormente- burocráticas, das Grandes Revoluçons. Em segundo lugar, o poder, devemos assumi-lo, nom reside só nas instituiçons, nos lugares aparentemente privilegiados do seu exer-cício; hoje, se nom sempre, vivemos umha etapa de profunda desterritorializaçom dos espaços de poder. É tempo de experimentar esa geometria do poder. É tempo de experi-mentar umha ordenaçom diversa, nom adia-da, nom suspendida até o momento da ‘toma’ formal do poder. Umha ordenaçom diversa que deve aspirar, acima de todo, a umha libertaçom autónoma do desejo e a umha satisfaçom autónoma das necessidades (vi-venda, renda, cultura, lazer, etc.). Nisto nom existen, afortunadamente, fórmulas mágicas, mas sim laboratórios privilegiados, lugares em que esta hipótese já se tem transitado, com interessantes resultados, lugares que tenhem nomes como Veneto ou Kreuzberg-Prençlauerberg. E temos, por cima disso, a experiência contemporánea das pessoas mi-grantes, que, marginadas do quadro formal de gozo dos direitos e das possibilidades de participaçom, reinventam de jeito quotidiano formas autónomas de satisfaçom das neces-sidades e de libertaçom do desejo. O objecti-vo é, em suma, a consolidaçom e o tecido de nodos capilares de contrapoder social.

e) Por umha utilizaçom inteligente do in-terfaz representativo. Apesar de todo o dito, apesar das mutaçons em curso, a política re-presentativa existe. Apesar da crise do modo de governo representativo (expressada na crescente abstençom, na volatilidade do voto, ou em experiências concretas como as que já se tenhem citado), continua a existir umha esquerda eleitoral que logra a custo mais que atingir umha posiçom de subalternidade em instituiçons cada vez mais carentes de poder real (quando menos, de transformaçom). Seria ingénuo desconsiderarmos esta reali-dade. Longe diso, um dos reptos da política do movimento deve ser indagar o emprego produtivo do(-s) interfaz(-ces) representati-vo(-s), mantendo-os sempre em funçom su-balterna. Trata-se de lograr que esse interfaz seja expressom da potência do movimento, e nom de investigar como inserir-se no exercí-cio do poder representativo.

f) Pola procura doutro regime político. A democracia tem mostrado demasiado amiúde a sua versalitidade para dar corpo a dinámicas de dissociaçom autoritária, de dominaçom disciplinária mediante a lógica da representaçom, que hoje é antes a racio-nalidade da excepçom. Em conseqüência, o horizonte último, Mas também constante, em cada prática política, deve ser a consecuçom doutro regime político, mais ajeitado para a emancipaçom. E é óbvio que este regime nom pode ser a autocracia. Entom, cumpre intuir que só a acracia garante as condiçons de de-liberaçom, participaçom e decisom ajeitadas para garantir a emancipaçom das subjectivi-dades humanas. E nom se trata só dum mero desejo: muitas práticas do cognitariado ex-pressam condiçons para ir adiantando essa consecuçom. Assim, a modo de conclusom, citaria neste sentido umha frase com que conclui num trabalho recente quem eu tenho por umha das mentes mais lúcidas da es-querda deste país, Raimundo VIEJO: ‘a acra-cia sempre foi, é, e seguirá a ser, o regime político do comunismo’. Ou, por dizê-lo doutro jeito: ‘enquanto existir o Estado, nom haverá liberdade. Só quando o Estado desaparecer, conseguiremos a liberdade’; neste caso, tra-ta-se dumha cita de O Estado e a Revoluçom, de Vladimir Illich Ulianov, Lenine.

Intervençom de Igor LugrisO sonho fai-se à mao e sem permissom10 reflexons sobre o significado da esquerda

1.- De que falamos quando falamos de esquerda? Como é que seguimos a empre-gar um termo que signifi ca tam pouco, à força de signifi car tantas cousas? Di o título destas Jornadas “Desafi os e necessidades da esquerda do século XXI”. Mas de que fa-lamos? De que esquerda falamos? É ainda útil este signifi cante?. Tendo em conta que abaixo deste guarda-chuva cabem, para resumir, desde o PSOE até o soberanismo socialista galego, que hoje existe dividido entre diversas forças como NÓS-UP, pas-sando polo BNG, e as sucursuais galegas doutras forças estatais, para nom falarmos também de outras forças sociais, sindicais, etc... de que nos serve empregar ainda esta categoria?.

Um dos mais, ou se calhar o mais impor-tante desafi o, e a mais urgente necessidade que tem a esquerda, neste século XXI, é o que se situa à volta da sua própria identida-de. O que é que é a esquerda, o que é que signifi ca o termo “esquerda”, para que rea-lidade remete, o que queremos dizer quando falamos em termos de “esquerda”.

2.- O termo “esquerda”, no sentido po-lítico, surgiu em França, quando nos Estados Gerais franceses de 1789, o entom chamado “Terceiro Estado” ocupava os lugares situ-ados à esquerda do rei, dado que os repre-sentantes da nobreza e do clero ocupavam o lugar situado à direita. Esta simples distin-çom espacial, acabou por ser umha distin-çom política, opondo assim progressistas e conservadores, a partir de entom nominados como de esquerdas ou de direitas, respeiti-vamente. Ainda hoje algumhas defi niçons de esquerda fam referência a este primário signifi cado político, e assim, por exemplo, o dicionário electrónico e-Estraviz, na ter-ceira acepçom de esquerda explica que é a “parte de uma assembleia que toma lugar à esquerda do presidente e representa as tendências mais avançadas”.

Outros dicionários oferecem umha defi -niçom mais política, e o da Academia Galega editado por Xerais e Galaxia, na sua quarta acepçom di que esquerda é a “colectividade política de carácter reformista e nom con-servador”. Outros optam por oferecer am-bas as defi niçons. O da Porto Editora di-nos, como terceiro signifi cado, que esquerda é o “grupo político partidário da doutrina so-cialista ou comunista”, mas também reco-lhe que é a “parte dumha assembleia que toma lugar à esquerda do presidente”. E o dicionário on-line Priberam recolhe um sign-fi cado mais restrito dizendo que é o “grupo parlamentar que se senta à esquerda do presidente”, como se nom pudesse existir outra política além da parlamentar, e acres-centa também que o termo pode ser refe-rido ao “grupo político ou intelectual cuja ideologia é progressista, quando compara-da com a de outros grupos”. Interessante defi niçom esta última por quanto entra em cheio numha parte importante da questom: “grupo político ou intelectual cuja ideologia é progressista, quando comparada com a de outros grupos”. É claro que algumhas orga-nizaçons só podem ser tidas por progressis-tas ou de esquerda quando comparadas com organizaçons declaradamente de direita.

Ainda mais, muitas vezes, a única forma de sabermos se umha organizaçom ou umha pessoa é de esquerda, é comparando-a com umha outra organizaçom ou pessoa de direi-ta. Porque quando essa comparaçom se fai entre organizaçons e pessoas de esquerda, o único que sabemos é que fi camos como estávamos.

3.- Sentei na casa diante do computa-dor, liguei-no, liguei-me à internet e procurei num buscador a frase que dá título a estas jornadas “Desafi os e necessidades da es-querda do século XXI”. Em menos de um segundo, pudem ver que ante mim se abria a possibilidade de aceder a mais de cem mil páginas que faziam referência, dumha ou outra forma, a essa frase. Já todas e todos sabemos que na rede podemos encontrar de todo, e que escrever num buscador qualquer palavra (mesmo que muitas vezes sejam palavras inventadas) e nom conseguir que

apareça nengum resultado é praticamente impossível. Ainda assim, a existência dessas mais de cem mil entradas, evidencia o que também todas e todos sabemos: que existe um debate, ou por melhor expressá-lo, que existem e co-existem muitos debates para-lelos, algumhas vezes entremesclando-se, outras ignorando-se, sobre a esquerda, o seu presente e o seu futuro: o que é, o que deve ser, o que foi até agora e o que será proximamente, etc...

Mas esse debate nom é novo, também o sabemos. É impossível percorrer a história do século XIX e do século XX (por nom via-jarmos mais atrás no tempo) sem atender ao debate que sobre a sua própria identidade realiza a esquerda e as suas muito diversas e variadas expressons existentes ao longo desses anos. É umha característica própria, inerente, da esquerda. Nos seus genes leva escrito a necessidade de sempre estar a re-fl ectir sobre ela própria.

4.- Infelizmente, esta necessidade da esquerda para estar sempre a interrogar-se sobre si própria, deu lugar nos últimos anos do século passado, a um debate que foi cons-truído sob a infl uência da crise ideológica e política a que deu lugar a queda do muro de Berlim, primeiro, com todo o que isso simbo-lizava, e à dessapariçom, depois, da Uniom de Repúblicas Socialistas Soviéticas e os demais estados denominados “socialistas” da Europa do Leste, com todo o que isso signifi cou. A mescla de medo ao abismo que entom se abriu abaixo dos pés da esquerda, a desesperança, o pessimismo, provocou, dum modo inconsciente em muitas ocasions e plenamente consciente em outras muitas, um lamentável processo de autodestrui-çom de grande parte da esquerda a nível mundial. Dia a dia, entravam em crise, em diversos pontos do planeta, todo o tipo de organizaçons comunistas, revolucionárias, marxistas, radicais, alternativas,... Parecia que o muro de Berlim tivesse caído directa-mente sobre essas organizaçons e, sobreto-do, sobre as pessoas que dirigiam e confor-mavam essas organizaçons, que, seguindo as palavras de ordem de “Chegou o fi m da história” e “Nom há futuro”, lançavam-se de cabeça a nadar, no melhor dos casos, nas águas do muito mais atractivo mundo das ONG’s ante o medo a ter que nadar na areia, quando nom optavam, decididamente, polas cómodas piscinas do sistema estabelecido e realmente existente, o capitalismo. Muitas vezes, muitas mais das que a simples vista poderíamos pensar, a atitude predominante naqueles sectores de esquerda dos anos 60 e 70 foi “repensar” –por dizê-lo de algum

modo- a esquerda a partir de ideias que implicavam renunciar à transformaçom e aos objectivos dumha mudança radical do sistema.

Som muitas as vezes que temos visto pessoas a fazerem parte de organizaçons de esquerda (nem só políticas, também sociais, sindicais...) que um bom dia começam a dei-xar de sentar-se à esquerda e pouco a pouco vam abandonando posturas transformado-ras até que um bom dia as escuitas dizer, ou lhes lês umha entrevista nalgum meio de propaganda do sistema, na qual dim isso de que “cada vez a palavra esquerda signifi ca menos para mim”. Tem muitas variantes a frase, e alguns acrescentam, junto com a palavra esquerda, outros termos como “nacionalismo”, “independentismo”, “revo-luçom”, etc...

Mas a palavra esquerda continua a sig-nifi car o mesmo, segue a signifi car muitas cousas, tal vez mesmo cada dia signifi que mais cousas que o dia anterior. Nom é a palavra que mudou, nom é que perda sig-nifi cado nem sentido. Som essas pessoas que mudárom, que perdêrom o sentido. Som essas pessoas que optam por abandona-rem a incómoda luita transformadora para ocuparem, primeiro, os cómodos gabinetes da política pretensamente reformista, e, depois, os muito agradáveis postos nas ins-tituiçons burguesas. Lembremos que umha das defi niçons vistas anteriormente dizia que a esquerda era a “colectividade política de carácter reformista e nom conservador”. Mas quando a esquerda começa a percor-rer o caminho do reformismo para ir aban-donando a ideia da transformaçom, entom, podemos ter certeza que essa esquerda co-meça a deixar de sentar-se à esquerda para se ir achegando dos cadeirons que oferece a direita. Já o di a tradiçom oral: “achegar, acheguei-me, fum-me achegando...”

5.- Aceitemos que actualmente ainda pode ser defi nida a “esquerda” como aque-la corrente política, formada por pessoas, colectivos e organizaçons, que se situam acarom do povo, das trabalhadoras e dos trabalhadores, das classes populares, das pessoas oprimidas, na luita pola igualdade.

A esquerda, recolhendo o signifi cado primeiro que tivo naqueles Estados Gerais de 1789, seria, agora igual que entom, a promotora, a defensora, a impulsora daque-la palavra de ordem revolucionária, tam re-volucionária entom como agora: “Liberdade, igualdade, fraternidade”.

A liberdade é a ausência de submissom, de servidom, quer dizer, a independência: do ser humano, dos povos, das naçons. A

igualdade é a nom existência de diferenças entre indivíduos, entre povos, entre naçons. A fraternidade é a relaçom de igualdade, de irmandade, que se estabelece com os semelhantes com os que vivemos em co-munidade. Podemos assegurar, que de nom ser porque está escrito e fai parte da his-tória, hoje haveria quem consideraria que defender o artigo primeiro da Declaraçom Universal dos Direitos Humanos seria umha mostra de utopismo, de falta de realismo, de pouca seriedade, de nom aceitar as regras que hoje em dia marcam o rumo do mundo capitalista existente, de nom ter os pês na terra: “Todos os homens –deveria dizer também: todas as mulheres- nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Estam do-tados de razom e de consciência e devem agir uns para com @s outr@s em espírito de fraternidade”.

Mas se esse artigo pode parecer mes-mo subversivo a olhos de algumhas mentes bem-pensantes, que dizer doutros como por exemplo o quarto, que di que “ninguém será mantido em escravatura ou servidom; a escravatura e o tráfi co de escravos serám proibidos em todas as suas formas”, ou o quinto: “ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desuma-no ou degradante”. E, para pôr um último exemplo, citaremos o artigo vinte e três, que estabelece que: “1º. Toda pessoa tem direi-to ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condiçons justas e favoráveis de trabalho e à proteçom contra o desemprego. 2º Toda pessoa, sem qualquer distinçom, tem direi-to a igual remuneraçom por igual trabalho. 3º Toda pessoa que trabalha tem direito a umha remuneraçom justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, umha existência compatível com a dignida-de humana, e a que se acrescentarám, se for necessário, outros meios de protecçom social. 4º Toda pessoa tem direito a orga-nizar sindicatos e a neles ingressar para a proteçom dos seus interesses”. Nem som necessários os comentários.

E o lido nom é, já o sabedes, nengum programa maximalista de nengumha organi-zaçom revolucionária, comunista, marxista ou anarquista. O lido som artigos da De-claraçom Universal dos Direitos Humanos adoptada e proclama pola Assembleia Geral das Naçons Unidas na sua resoluçom 217

A (III), de 10 de Dezembro de 1948. Todos ou praticamente todos os Estados que nom mundo som hoje em dia subscrevem esta declaraçom, ainda que nengum ou pratica-mente nengum a respeite completamente e muitos prefi ram simplesmente ignorá-la, se-

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nom para o comum da sua populaçom, sim para partes muito signifi cativas da mesma, como podem ser as pessoas emigrantes, as pessoas presas, @s independentistas etc...

6.- A esquerda precisa seguir na procu-ra da sua razom de ser, do sentido da sua existência, na luita pola justiça. E essa jus-tiça é a que se constrói sobre a liberdade, a igualdade e a fraternidade, porque é umha justiça para a humanidade, para todos os homens e para todas as mulheres. A práti-ca política da esquerda, as suas ideias, os seus projectos, as suas iniciativas, só po-dem ser entendidas, só podem ter sentido aceitando que o que se pretende é a justiça para o ser humano, e nom só a liberdade para umha pequena parte da humanidade, a igualdade para uns quantos milhons de eleitos do mundo ocidental e a fraternidade entre os privilegiados.

Mas é a injustiça a que reina no mun-do. Milhons e milhons de pessoas sofrem e nem tam sequer tenhem a esperança de poderem solucionar as suas mais urgentes necessidades, sem direito a umha vida dig-na, a um trabalho digno, a umha educaçom e sanidade que garanta o seu presente e permita o seu futuro. Para eles, para elas, sobretodo para elas, nom há liberdade, nem mais igualdade que a que os fai ser igual que os seus irmaos na injustiça, mas sabendo que nunca jamais poderám ser iguais que aqueles que, comodamente, dos gabinetes das empresas e os governos, de-cidem se poderam malviver uns anos mais ou deverám morrer já mesmo. A fraterni-dade, a palavra de ordem mais esquecida, é entom o que deve chamar a esquerda à acçom. A acçom, a acçom transformadora, quer dizer, aquela destinada a transformar o mundo, é necessária porque ainda há in-justiça, porque a pobreza pode e deve ser erradicada, porque existe a discriminaçom, porque a luita de classes ainda está pre-sente, porque devemos pôr fi m à destrui-çom do meio ambiente, porque os povos oprimidos tenhem direito a se libertarem e a empregarem nessa luita todos os meios que considerarem oportunos, etc... Estas razons, junto com outras muitas, som sufi -cientes para querermos que o mundo seja distinto, para querermos construir um ou-tro mundo, para acreditarmos que um outro mundo é possível.

7.- Dixo Lenine que os seres humanos sempre fôrom vítimas do engano e a quime-ra, e que o seguiriam sendo enquanto nom aprendessem a descobrir quais som os in-teresses de classe que se ocultam por trás das frases, as declaraçons e as promessas morais, religiosas, políticas e sociais. E isso continua a ser umha grande verdade.

Umha boa parte das organizaçons e as pessoas que se autodenominam “de esquerda”, ou “progressistas”, ou mes-mo “socialistas”, seguem a fazer jogos de palavras, a lançar discursos ao sol, a en-treter-se com jogos fl orais e batalhinhas dialécticas inofensivas e inócuas, para aparentarem e fazerem pensar que som o que realmente nom som. Por isso é funda-mental que construamos umha defi niçom de esquerda que faga funcional esse termo, e que evite que se converta (se é que nom se converteu já) num termo que signifi que tantas cousas que praticamente nom signi-fi que nada.

Nom pode ser que esquerda signifi que o mesmo que direita. Nom pode ser que esquerda seja defender a NATO, a Uniom Europeia ou Banco Mundial. Nom pode ser que esquerda signifi que contribuir para manter com a prática diária o modelo pa-triarcal de sociedade. Nom pode ser que esquerda signifi que defender a legitimi-dade dum estado imperialista construído sobre as bases do franquismo. Nom pode ser que esquerda signifi que negar o direito de autodeterminaçom às naçons sem Es-tado da Península Ibérica, e mesmo negar a própria existência de tal direito. Nom pode ser que esquerda signifi que defender a monarquia, os privilégios senhoriais, o

exército ou as desigualdades sociais. Nom pode ser que esquerda signifi que aplau-dir ao opressor e reprender ao oprimido quando se defende, por citarmos só alguns exemplos de posturas mantidas por orga-nizaçons, mais ou menos maioritárias, que conhecemos bem.

8.- Nom existe um receituário de aqui-lo que seja ou nom de esquerda. Ninguém conhece as cento e umha receitas mágicas para construir a esquerda, e melhor assim. A esquerda deve seguir a construir-se como sempre se construiu: nom de cima para bai-xo, mas de baixo para cima. A partir da re-alidade, da prática diária, do compromisso intransigente com a justiça, com a dignida-de, com a liberdade em todos os terrenos e em todos os campos de acçom. A partir da rua, dos centros de trabalho, das escolas e universidades, e nom das cátedras, dos parlamentos ou dos púlpitos pagos polo sistema para tranquilizar algumhas consci-ências. Entre todos, entre todas, como sem-pre foi feito, devemos continuar a construir a esquerda, para, como di a cançom, bater no lume sagrado como ferreiros dum mun-do melhor. Um outro mundo. Porque, e isto já está escrito em muitos sítios, falta talvez escrevê-lo novamente nas paredes das nossas ruas, o realmente revolucionário, o realmente imaginativo e transformador, nom é pedir o impossível, mas construir aquilo que é necessário. E a esquerda con-tinua a ser necessária, porque a história nem se repete nem acabou e devemos se-guir adiante.

O que sucede é que aquela velha ideia, pobre ideia, de que o socialismo ou o mar-xismo eram umha ciência capaz de predizer o futuro nom pode ser o guia que empre-guemos. Hoje sabemos (possivelmente há vinte, trinta, quarenta anos também o sa-biam, mas as dirigências das organizaçons de esquerda preferiam ignorá-lo), que a queda do capitalismo nom é inevitável, e ainda mais: sabemos que o que venha de-pois do capitalismo, do capitalismo que hoje conhecemos, nom tem porque ser obriga-toriamente melhor, pode ser, tem muitas possibilidades para ser, infi nitamente pior. Pior, claro, para as grandes maiorias sociais, para o povo trabalhador, para as mulheres, para os jovens, para os povos asobalhados, para as pequenas naçons que luitam pola sua liberdade.

9.- Isso é o que fai precisamente ne-cessária e imprescindível a luita da esquer-da. Nom há que luitar porque a vitória seja segura: há que luitar porque a vitória é necessária mas nom é o único futuro pos-sível. O capitalismo nom leva no seu ADN os genes da autodestruiçom, o capitalismo nunca jamais se vai suicidar. Profetizar, como fi gérom umha boa parte dos partidos comunistas e socialistas de meados e fi nais do século passado, também na Galiza, que o advento do paraíso comunista era questom de tempo, que o mundo, que o capitalismo, caminhava para esse futuro irremediavel-mente, foi umha das causas da derrota da esquerda e da desapariçom ou corrupçom da maior parte daquela esquerda.

10.- A esquerda nom pode fazer seu esse velho discurso rançoso, devedor de seculares imposiçons religiosas, de espe-rança numha idílica vida futura. A esquer-da deve caminhar convencendo-se de que um futuro distinto e melhor só pode ser construído com base na solidariedade, na justiça, na resistência, na liberdade, na in-transigente negaçom da validez do actual sistema,... Enfi m: na fi rme e insubornável decisom de mudar, de transformar a socie-dade, contando só com as próprias forças e nom aguardando umha intervençom divina, sobrenatural ou alheia. O socialismo con-tinua a ser o velho sonho da humanidade oprimida.

Nós todas, nós todos, devemos ser os protagonistas, @s primeiros combatentes, da nossa história, sem pedirmos licença a ninguém para caminharmos, porque, como di a cançom de Sílvio Rodríguez, “o sonho fai-se a mao e sem permissom”.

Devo confessar-vos que a minha presença aqui só pode justifi car-se em virtude da minha amizade, de anos, com @s companheir@s de Primeira Linha. Actos como este demonstram que, por muito que amiúde se afi rme o contrário, os organizadores desta palestra som qualquer cousa menos gentes sectárias. O que acabei de dizer na frase inicial justifi ca-se na certeza de que nesta altura sou incapaz de dizer algo genuinamente novo sobre a esquerda e os seus problemas. O facto de estarmos sempre a falar do mesmo confi gura por si só um indicador sólido –digamo-lo com clareza– de que eses problemas nom estám a recuar.

Mesmo assim, e como quer que sou um profi sional, vou propor-vos oito observaçons que, mal que bem, e a falta doutro horizonte, talvez podam servir para articular umha discussom entre tod@s nós. Adentremo-nos nelas.

1. É preciso considerar criticamente o que fôrom as duas grandes cosmovisons que marcaram a deriva das esquerdas do século XX. No que atinge à social-democracia, cumpre sublinhar que no melhor dos casos se contentou com limitar os estragos mais ferozes do capitalismo; na maioria das circunstáncias, acatou sem mais a lógica deste último, com conseqüências que é fácil determinar. No que se refere aos experimentos de socialismo irreal registados em cenários diferentes, todos se vírom lastrados pola alegada existência dumha ciência social que nos outorgaria certezas, pola paralela gestom dessa ciência por umha vanguarda iluminada e pola dramática marginalizaçom, repressom e exploraçom dos grupos humanos que deveriam dirigir os processos correspondentes. Hoje som visíveis as pegadas das duas cosmovisons mencionadas na forma de partidos, sindicatos e organizaçons nom governamentais que merecem umha crítica urgente.

2. Cumpre defender sem fi suras a democracia de base e a autogestom, para rejeitar ao tempo a política como profi ssom e, com ela, os liberados e as hierarquias. Parece que destes aspectos som particularmente conscientes muitos dos integrantes dos movimentos antiglobalizazom, que respondem a um impulso libertário menos vinculado com umha leitura ideológica dos clássicos do anarquismo do que com umha percepçom vivencial das conseqüências que a política como profi ssom tem em organizaçons que se autodeclaram transformadoras. Por trás, o que agroma nom é outra cousa que a convicçom de que as sociedades podem e devem organizar-se sobre bases voluntárias, sem o concurso de fórmulas coercitivas.

3. Há que desenvolver desde já as regras próprias dum mundo novo, sem aguardar à

toma de palácios de inverno. Antes da Guerra Civil espanhola a Confederaçom Nacional do Trabalho, a CNT anarcosindicalista, dispunha dumha ampla rede de ateneus, escolas, quintas e fábricas que permitiam perfi lar materialmente o conteúdo desse mundo novo que se tratava de criar. Que signifi cativo é que hoje, polo contrário, os sindicatos que conhecemos pouco mais disponham que dumha agência de viagens e dum serviço de cabeleireiro! Quando me preguntam porque apoio o movimento de okupaçons respondo sempre o mesmo: porque, mesmo na sua humildade, implica umha transgressom material da lógica legal do sistema capitalista, e isso é, por si só, importante.

4. É preciso pescudar nos ámbitos da vida política e social em que o trabalho das nossas organizaçons é visivelmente defi citário. Proporei dous exemplos do que quero dizer. Se nos sindicatos há que estimular a presença crescente de desempregad@s e imigrantes, noutras muitas instáncias cumpre perguntar-se porque estám tam dramaticamente ausentes os velhos. Trabalhar para resolver estas carências bem pode ser um estímulo para o crescimento e a maturaçom de muitas organizaçons.

5. Por muito que seja evidente, cumpre rejeitar em todas as ordens a lógica própria do capitalismo. Se isto nom precisa de maior demonstraçom, sim convem sublinhar que organizaçons que dim contestar essa lógica aceitam nos factos a maioria das suas conseqüências. Que ilustrativo é, por exemplo, que as três forças políticas presentes no Parlamento da Galiza apoiem sem dúvidas um comboio de alta velocidade que só obedece aos interesses do grande capital. As tomadas de posiçom que falam da necessidade de defender os interesses galegos devem explicar, por outra parte, que é o que corresponde entender por estes. Nom som os mesmos os interesses das nossas elites políticas e económicas, dum lado, e os que abraça, polo outro, o resto da populaçom.

6. É prioritário discutir e reivindicar o que sistema considera que som questons fechadas. Umha das maiores urgências ao respeito é resgatar o debate sobre a autodeterminaçom, e apresentar esta como o que é: um direito democrático. Como pode ser que se iluda o problema suscitado polo facto de que numha comunidade política umha parte signifi cada da cidadania se sinta incómoda no Estado em que é obrigada a viver? Por mencionar um segundo exemplo de questons marginalizadas da discussom pública, é preciso analizar com olhos hipercríticos umha Uniom Europea que até agora se viu benefi ciada entre nos dumha franca censura no que respeita às consideraçons que se interessam polos seus problemas, e carências, reais.

7. Há que recuperar as palavras que o sistema quer que esqueçamos, e isso sem necesidade, bem é certo, de colocar o vocábulo ‘imperialismo’ cada três linhas. O termo adequado para descrever os movimentos de que antes falei é –creio eu– o de ‘movimentos antiglobalizaçom’, de tal jeito que cumpre fugir da atitude de tantas gentes que estám intensamente preocupadas polo que os poderosos ham de pensar ao respeito. Claro que convém irmos mais longe: quando, o passado Outono, nos sentimos na obrigaçom de reclamar um ensino público, gratuito, laico, universal e da qualidade –frente à lógica privatizadora imperante– amiúde esquecemos que há vinte anos adoitavamos criticar agremente, carregados de razom, o ensino público, por entender que este último confi gurava um elemento central na lógica reprodutora do capital. Devemos recuperar este tipo de consideraçons e incorporá-las ao nosso discurso.

8. Temos motivos sufi cientes para concluir que, mália certas aparências, as cousas nom vam a pior. Talvez isso seja assim devido à pressom, cada vez maior, que desenvolve o capitalismo globalizado. Mesmo nesse horizonte, por toda a parte se percebe o renascimento de iniciativas de resistência e transformaçom que convidam, como pouco, a um moderado optimismo.

Termino como comecei. Os participantes nesta palestra emitimos umhas e outras ideas. Na maioria delas coincidimos; nalgumhas, como era lógico, discrepamos. Pouco importam os acordos e as dissidências, porque o nosso principal problema nom é este: o nosso principal problema consiste em determinarmos que é o que devemos fazer para que esas gentes que estám ai fora, na rua, sintam a necessidade imperiosa de modifi car as suas vidas e de contestar a miserenta ordem existente. Porque nós, feliz ou infelizmente, nom podemos contentar-nos com a conclusom, tam habitual no discurso dos políticos, de que aos cidadaos há que falar-lhes das cousas mais imediatas, do custo da vida, dos preços dos alugueres, dos transportes ou das eivas do sistema sanitário. Temos que demandar-lhes precisamente que transcendam eses ámbitos e luitem por transformar as relaçons que explicam tantas misérias. Parafrasando Walter Benjamin, a nossa tarefa é difícil. Temos que arranjar um comboio avariado, mas nom é sufi ciente com mudar o óleo: devemos conseguir ao tempo que a locomotiva mude de via.

Intervençom de Carlos Taibo

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Nº 40. Abril, Maio e Junho de 20068 X ANIVERSÁRIO

O debate sobre o futuro da esquerda no mundo, na Europa e em Euskal Herria, é um motivo de preocupaçom e de refl exom permanente em Euskal Herria e, especial-mente, no conjunto da Esquerda Abertzale, cuja expressom política é BATASUNA. E é um debate complexo, por abranger tanto o problema da ética como o da luita ideológi-ca, a articulaçom dos diferentes métodos de luita, o modelo organizativo, a política de comunicaçom com a sociedade e, como nom, o modelo de integraçom económica que emana da contradiçom entre Capital e Trabalho no modelo neoliberal e globali-zado a que estamos submetidos e subme-tidas todas e todos. A esquerda deve res-ponder a todos esses reptos de maneira coerente, quer a nível teórico, quer na prá-tica diária que desenvolve, a partir sempre das condiçons objectivas mutantes, e sem esquecer nunca a percepçom subjectiva que delas tem a militáncia e a sociedade que tenciona transformar. Portanto, pre-tendemos abordar um debate especial-mente complexo e necessariamente com muitíssimos matizes. A nossa pretensom é simplesmente fazer umha aproximaçom do mesmo, sem pretendermos resolvê-lo.

De outra parte, os que hoje cá esta-mos presentes, levamos anos a trabalhar esse enorme e complexo espaço social que corresponde à esquerda, por isso nom vamos enganar ninguém. Todos nos conhecemos, quer no que di respeito ao nosso ideário político, quer, e sobretodo, no que toca à nossa prática diária. Nom nos devedes analisar nem acreditar o que dizermos, senom conhecer o que fazemos para conferir se somos coerentes ou nom na nossa prática. Além disso, também so-mos cada qual, representamos cada qual, o resultado da nossa política, umha vez que o objectivo da esquerda é transfor-mar a sociedade em que trabalha e nom ter razom sem dispor de capacidade de transformaçom. A esquerda nom deve viver no ciber-espaço, na rede, nem se li-mitar à ediçom de materiais… tem de ser um instrumento de mudança e, portanto, de luita.

E esse é precisamente o núcleo do debate da esquerda no mundo: como enfrentar os planos de dominaçom capi-talista, tanto mundiais, quanto regionais, estatais ou nacionais. Na América do Sul e na América Central, estám a debater e pôr em prática umha alternativa nom apenas ao Plano Colômbia, à Iniciativa Andina, ao Plano Puebla Panamá, mas à ALCA no seu conjunto. Nesse plano é que se situ-am modelos e realidades tam diferentes como os de Cuba, Venezuela e Bolívia, ou os do Brasil, Uruguai e a Argentina. Hugo Chávez e Fidel Castro proponhem a ALBA como modelo alternativo à ALCA. Na Co-lômbia, as FARC e os do ELN mantenhem em pé as guerrilhas. No México, Marcos, agora autoproclamado “delegado zero”, leva avante o seu plano. Som modelos e experiências bem diferentes, mas todas tenhem um denominador comum, fazerem frente ao capital, que é o objectivo da es-querda.

Na Europa acontece a mesma cousa, a diferente escala e a diferente velocida-de, com certeza. Cá o plano de dominaçom capitalista nom é a ALCA, mas o projecto constitucional europeu. O debate da es-querda lá é como defrontar a ALCA. Cá, o nosso debate é como defrontar o Tratado da Uniom.

É verdade que a ALCA e a Constitui-çom Europeia nom som a mesma cousa, mas os dous respondem ao mesmo mo-delo neoliberal de integraçom económico, apenas adaptado ao desenvolvimento ca-pitalista imperante em cada umha das re-gions mundiais. Tanto lá como cá, nega-se

a existência dos povos, das suas línguas, das suas culturas, das suas economias, dos seus direitos humanos, civis e políti-cos, individuais e colectivos… lá, como cá, privatizam-se os sectores estratégi-cos, os recursos naturais, a energia, os serviços públicos, precariza-se o mundo laboral, deslocalizam-se e re-localizam-se as empresas, mantém-se o analfabetismo e a miséria, exploram-se selvagemente as mulheres e a juventude, maltratam-se os imigrantes legais e ilegais, antepom-se a segurança à democracia, limita-se o direi-to à liberdade de expressom, luita-se de maneira preventiva contra a dissidência e o suposto terrorismo, até há pouco fe-nómeno guerrilheiro, fazendo verdadeiro terrorismo de Estado e inclusive a guerra de alta ou baixa intensidade… em defi ni-tivo, garantem-se os privilégios de umha minoria, a que acumula os benefícios do capital, explorando a maioria e nom repar-tindo a riqueza.

Isso acontece lá e cá, se bem que o nível e o método seja diferente, mas es-sas som as características do modelo neoliberal globalizado, que outra cousa nom é que a nova versom do capitalismo. É verdade que o mundo já nom é bipolar; é verdade que unilateralismo norte-ameri-cano fracassou, nomeadamente devido à resistência dos povos; é verdade que exis-tem contradiçons internas ao capital, que devemos levar em conta; mas o capital é o capital, cá e lá. É verdade que a velha Europa nom coincide sempre com os EUA, mas a divergência vem mais polo repar-to do novo imperialismo do que por umha contradiçom antagónica dos modelos que pretendem ser impostos.

E, onde é que fi cam as diferentes in-ternacionais políticas de esquerda ou os movimentos traidicionais perante este mundo cada dia mais desequilibrado? O que é que andam a fazer perante a des-truiçom do Estado de providência, perante a vulneraçom dos direitos humanos, dos direitos civis, dos direitos sindicais, dos di-reitos políticos, da democracia tam dura-mente conseguida pola luita da esquerda e d@s trabalhadores/as no século passa-do? Onde é que fi cam os partidos comu-

nistas…? Onde a social-democracia…? Onde os sindicatos da CES…? O que foi que fi gérom nas três ou quatro últimas décadas se nom foi abandonar a luita e o ideário socialista e pactuarem todas as reconversons impostas polo capital…? É evidente que fracassárom. Fracassárom porque, para conquistar o poder, aban-donárom o seu ideário e a luita, e quando o conquistárom, servírom a e pactuárom com o capital contra os interesses dos tra-balhadores.

Os indicadores mais evidentes desse fracasso, os mais socializados, embora nom sejam os únicos, som os foros sociais e assembleias dos movimentos sociais que neles se reúnem, quer nas suas ediçons mundiais, quer nas continentais ou locais. Um outro indicador claro desse fracasso da esquerda ofi cial está na sua falta de capaci-dade mobilizadora. Todas as últimas gran-des manifestaçons internacionais contra a guerra do Iraque, por exemplo, ou todas as contra-cimeiras na Europa ou na América, emanam das assembleias dos movimentos sociais alter-mundialistas: Seattle, Géno-va, Florença, Edimburgo, Mar de Plata… Por se isto nom fosse sufi ciente, devemos reconhecer que as centenas de milhares de pessoas que nelas participam nom vem como referentes sindicais ou políticos as organizaçons tradicionais da esquerda, ao ponto de se gerar um claro divórcio entre as estruturas sociais e políticas.

A conclusom a que chegamos é que toda a mobilizaçom teórica e social contra o neoliberalismo e a globalizaçom, ou polo menos grande parte dela, estrutura-se fora do espaço da esquerda tradicional, tanto no seu ámbito político quanto no sindical. Existem no mundo milhons de cidadás e cidadaos, antineoliberais, inclu-sive anticapitalistas, alheios por completo aos agentes da esquerda tradicional, e isso produz-se, além do mais, nos cinco continentes. A resistência ao neolibera-lismo e a sua alternativa é muito plural e multicolor, quer nos temários como nos modos de participaçom. Nom queremos dizer com isso que os Foros Sociais sejam umha panaceia, mas sim, sem dúvida nen-gumha, que som umha clara expressom

do fracasso das organizaçons clássicas da esquerda, e devem por isso ser levadas muito em conta. Som o sujeito principal e reconhecido, inclusivamente contraditó-rio, da luita por um outro mundo, por mais que poda pesar às organizaçons tradicio-nais da esquerda que continuam a tentar manipulá-los.

De se manter esta divisom entre o mundo tradicional da esquerda e os mo-vimentos sociais, a esquerda nom só nom vai renovar-se, como acabará por desaparecer das instituiçons públicas em benefício da direita. Por se fosse pouco, irá fomentar-se no espaço de luita social umha ideologia antipartido, nefasta na situaçom actual, porque som os partidos os únicos representados nas instituiçons e nos processos eleitorais que os confor-mam. Sem referentes político claro, esse movimento social também está condena-do ao fracasso institucional, conclusom a que já chegárom os zapatistas no México, motivo que os levou a mudar de estraté-gia para criarem um movimento político que reagrupe toda a massa social alheia à esquerda tradicional reunida em torno do PRD ou do PT, sem falar de sectores progressistas do PRI.

Um claro expoente do que afi rmamos produziu-se em pouco tempo em dous eventos sociais maiores no Estado francês. O primeiro foi o rejeitamente no referendo do projecto constitucional europeu contra a opiniom das organizaçons da esquerda tradicional, tanto do ámbito político como no sindical. E a outra, os protestos incendi-ários das “banlieu” ou bairros periféricos das grandes cidades galas. A crise política e social aberta entre a classe política e a sociedade a que pretendem representar é maiúscula e transversal, tanto na es-querda como na direita. A crise política no Estado francês nom é territorial como no Estado espanhol, é ainda pior e ninguém consegue nem está legitimada para a re-solver, nem a LCR, nem o PCF, nem o PSF à esquerda, nem a UMP à direita…

Essa crise está a desenvolver-se na Europa toda, e só tem duas alternativas. A primeira, a criaçom de umha nova esquer-da que termine de enterrar a tradicional,

algo que os sectores mais combativos pro-pugnamos, BATASUNA está nessa aposta junto a um numerosos grupo de organi-zaçons, ou esse espaço altermundialista se converterá em espaço de luita das esquerdas tradicionais, mas com espírito eleitoralista, o qual, além de ser um de-sastre, acabaria por dividi-lo em benefício do capital e a direita.

Contributo da experiência bascaEuskal Herria, espaço de luita e de al-

ternativa desde há mais de quarenta anos, nom só é um laboratório para a luita “con-tra insurgente”, mas também um espaço de avanço para a nova esquerda e, além disso, tem sido em todo este tempo. A Es-querda Abertzale tem sido e é ainda hoje, inovadora em muitos aspectos.

Foi a própria ETA que pujo os alicer-ces do nacionalismo moderno em Euskal Herria há mais de quarenta anos. Face ao nacionalismo conservador, confi ssional e até racista do PNB, a ETA propujo um nacionalismo revolucionário anti-étnico, lacio e socialista, baseado na língua e a cultura e nom na raça ou a religiom. Do pensamento da ETA surgírom com o pas-sar do tempo as organizaçons bascas de esquerda como LKI (LCR basca), EMK (MCE basco), KAS, EHAS (socialistas bas-cos) ou Herri Batasuna, além de grande parte do tecido social e associativo bas-co, como as ikastolas, as gau estolas de AEK, as associaçons vicinais, os comités de bairro, muitíssimos comités de empre-sa, os comités anti-nucleares… se bem o juiz Garzón nom tem razom quando afi rma que todo é ETA, sim é verdade que sem o contributo ideológico da ETA na década de sessenta, todo o que tem criado o mo-vimento independentista basco, hoje nom existiria ou seria residual.

O contributo histórico que a ETA fi jo há mais de trinta anos, assinalando, contra o que pregava grande parte da esquerda tradicional internacional, que a luita de libertaçom nacional e a luita pola libertaçom social som dous lados da mes-ma moeda, marcou o devir da Esquerda Independentista Basca, além do confronto com todos os representantes políticos e

Intervençom de Joseba Alvarez

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na luita contra a guerra imperialista co-laboramos com o PCP, sem dúvida a for-ça mais à esquerda no leque partidário. Mas quando o PCP conduz os operários de umha grande fábrica à conciliaçom com o patronato, ou quando apresenta (como fi jo agora) umha proposta de lei para que sejam dadas mais verbas às for-ças de segurança –aí combatemo-lo sem contemplaçons. A defesa de umha política revolucionária nom implica isolamento sistemático; exige sim umha participaçom independente em todas as acçons em que haja interesses comuns. Como dizia Leni-ne, “atacar juntos, marchar separados”.

O medo de ajustar contas com o passado

Bombardeados diariamente com a “falência do comunismo”, julgam alguns que o melhor é evitar o assunto da Uniom Soviética e andar para a frente –como se as conseqüências da maior revoluçom da história se pudessem varrer para debaixo do tapete. Disse-o no início: nom vejo que a esquerda poda recuperar inteireza ideo-lógica e postura ofensiva se nom explicar de forma convincente o que aconteceu.

Ora, a posiçom assumida polo PCP (e nom só), exaltando por um lado as “conquistas do socialismo” e admitindo ao mesmo tempo “graves erros e des-vios”, pode parecer umha forma de se demarcar do que houvo de negativo sem dar o fl anco à campanha anticomunista da burguesia, mas indica umha estranha concepçom do que seja o socialismo.

Que a antiga URSS, com as suas nacionalizaçons, planifi caçom, medidas sociais, desenvolvimento económico, re-sistência anti-imperialista, desempenhou até certa altura um papel favorável à lui-ta dos povos nom oferece dúvida. Basta pensar na derrota do nazismo. Mas partir daqui para a considerar socialista é dar um salto no absurdo. Teríamos entom que admitir que o socialismo pode ser compatível com um regime ditatorial, o unanimismo do partido único, o terror po-licial, o culto do líder supremo, a esterili-zaçom da vida intelectual, a regressom de todos os direitos conquistados durante a revoluçom... Teríamos que admitir, sobre-todo, que o socialismo poda existir sem o exercício efectivo do poder pol@s traba-lhadores/as –ou atribuindo a um partido a representaçom desse poder, o que vem a dar no mesmo–, e esta aberraçom é verdadeiramente o que pensam os nos-tálgicos da antiga Uniom Soviética.

Partido representante da pequena burguesia “esclarecida” e “amiga do povo”, o PCP nom consegue conceber o socialismo senom como um capitalismo de Estado, um “poder popular” sob tu-tela. Vende aos trabalhadores a trágica deriva da revoluçom de 1917, tornada inevitável apenas polo atraso económi-co-social da Rússia, como se fosse umha lei da “transiçom para o socialismo”. Procura, com essa miragem, amarrá-los à menoridade política e desviá-los do verdadeiro objectivo da sua luita– a instauraçom da sua ditadura de classe sobre a burguesia, a edifi caçom de umha autêntica democracia do Trabalho.

Esta é outra das doenças da es-querda que temos que combater frontal-mente para recuperarmos a iniciativa na luita contra o capital.

As perspectivas da esquerda para o século XXI som seguramente mui-to duras. Há 50 anos, nós, comunis-tas, imaginávamos o século XXI como umha alvorada do socialismo mundial, alastrando imparavelmente a partir da Uniom Soviética. A vida ensinou-nos que a construçom do socialismo é muito mais complicada do que supúnhamos e que o estertor da agonia do sistema capitalista é mais prolongado e sangrento do que podíamos entom imaginar.

Estamos em difi culdade, mas nom por falta de argumentos a nosso favor. A voracidade dos centros capitalistas, a decomposiçom moral da sociedade bur-guesa, a bestialidade da “guerra infi ni-ta” aos povos subjugados, com os EUA a seguir as pisadas da Alemanha hitleria-na e a CIA transformada na Gestapo do ”mundo livre”, dispensam-nos de muito do nosso esforço de explicaçom. O mal está à vista de tod@s.

A social-democracia, polo seu lado, tem cada vez menos espaço para fazer fl ores de esquerda. Quando governa é com a política de direita. Em Portugal temos agora um governo “socialista” que aplica o programa de espoliaçom d@s trabalhadores/as que os anterio-res governos de direita nom tinham sido capazes de impor.

Temos razom, mas isto nom basta para ganharmos as massas para o nos-so campo. Para isso, falta-nos explicar, polo menos, duas cousas: primeira, o que será essa sociedade socialista de que falamos, sem patrons, sem mercado, sem concorrência, sem guerras; segun-da, como conseguiremos reunir forças para lá chegar, isto é, como seremos ca-pazes de desmantelar o Estado burguês e expropriar a burguesia. Por nom saber explicar nem umha cousa nem a outra, a esquerda atravessa um longo período de crise, de isolamento, de cisons e de reconstruçom.

Naturalmente, também eu nom te-nho resposta para estas questons. Mas podo falar-vos de três doenças que te-nho observado na esquerda portuguesa e que julgo que som hoje gerais.

O medo de parecer umha seitaNa situaçom péssima a que a es-

querda chegou, instalou-se a ideia de que o que interessa é falar daquilo que pode agradar à maioria, abandonar os temas difíceis ou demasiado “ideológi-cos”, nom fazer fi gura de extremista, tornar-se umha espécie de comissom de melhoramentos.

Em Portugal, o Bloco de Esquerda lançou-se a aplicar essa receita e tem-se dado muito bem: em poucos anos, ganhou um grupo parlamentar, um de-putado europeu e é citado como exem-plo de “esquerda moderna”. Os meus antigos camaradas exultam porque já ninguém lhes chama “seita de ilumi-nados”. “Sabendo crescer, mesmo à custa de algumas concessons, dim eles, amanhá teremos força para aplicar um programa anticapitalista”. Mal sabem eles que estám a repetir umha “desco-berta” da velha social-democracia que Rosa Luxemburgo comentava assim: “Os social-democratas alemáns tentam aplicar à revoluçom a sua sabedoria caseira: ‘Para conseguir fazer algumha cousa, precisamos primeiro de ganhar a maioria’. Mas a dialéctica da revoluçom é oposta. O avanço nom se fai da maio-ria para a táctica revolucionária, mas através da táctica revolucionária para a maioria”.

Som grandes palavras estas, plena-mente confi rmadas polo partido bolche-vique russo. Considerado umha seita em Fevereiro de 1917 devido ao radicalismo das suas posiçons, oito meses depois conduzia milhons de trabalhadores à to-mada do poder. Eu sei que foi há muitos anos, mas ainda nom apareceu nengu-

mha experiência que desmentisse a jus-teza do leninismo.

Com isto nom quero dizer que de-vemos fi car na toca a escrever pro-clamaçons, à espera que chegue o dia da revoluçom. De modo nengum. Só conservaremos a nossa identidade de revolucionári@s se intervinhermos dia-riamente na luita, com realismo, fl exibi-lidade e abertura a outras correntes. É o que nós, da Política Operária, com a nossa pequenez, procuramos fazer.

Nesse caso, qual é a diferença que nos separa da outra esquerda? A dife-rença é que recusamos fazer política com os olhos nos votos e nos subsídios. Vemos nas reivindicaçons e acçons di-árias um meio de ajudar as massas a descobrir pola luita a sua razom e a sua força, um meio de cavar o antagonismo entre oprimidos e opressores –nom um meio de ganharmos popularidade fácil e lugares nas instituiçons.

Gostemos ou nom, somos umha for-taleza assediada, em tremenda desvan-tagem debaixo do fogo inimigo. Com con-versa mole e panos quentes nom iremos longe. A nossa única saída é falar claro, ser agressivos na denúncia do sistema, incutir desprezo polo inimigo, porque só assim formaremos umha corrente com-bativa.

Na situaçom contra-revolucionária como a que se vive hoje na Europa, um partido de esquerda nom pode ser um partido de massas. Ou goza das vanta-gens de se instalar no sistema, ou sofre as conseqüências de ser revolucionário. Somos umha força estranha ao sistema, que a burguesia procura invariavelmente eliminar – a tiro, como fazia no tempo do fascismo, ou a dinheiro, como fai agora. Amanhá, quando surgir umha situaçom revolucionária, entom sim, a esquerda poderá e deverá crescer. Por agora é bom nom entrarmos em pánico por ser um partido “marginal”.

O medo de parecer “ortodoxo”O mundo mudou, e de que manei-

ra! O proletariado já nom é o que era, crescem as novas classes médias, desa-parecem os camponeses, surgem novas exigências, a vida social é muito mais complexa. Daqui partem muitos para a conclusom de que a política de classe contra classe, proletariado contra bur-guesia, já nom se aplica. Lenine, com a sua crítica impiedosa a todas as cor-rentes intermédias e o seu plano para a conquista do poder, poderia estar certo na sociedade russa, dizem, mas nom serve para o nosso tempo.

Experimentemos porém a afastar as ramagens das novidades que fazem andar a cabeça à roda a tantos. Se for-mos ao tronco da sociedade, ao osso das relaçons entre as classes, o que vemos?

Vemos que, por trás da aparente sobe-rania dos cidadaos através do sistema representativo, a guerra de classes prossegue sem tréguas. O despotismo do capital sobre a vida dos seres huma-nos nom se afrouxou, polo contrário está a tornar-se asfi xiante.

A realidade imutável é que há um núcleo restrito que detém o poder apoia-do em corpos de homens armados, leis, tribunais, ideólogos; que, abaixo dele, vem um segundo anel de auxiliares de confi ança, cuja fi delidade é assegurada com fartos privilégios; mais abaixo, as classe médias, os pequenos patrons, os especialistas, ainda com direito a umhas sobras; e no fundo, o resto, que som os oito décimos da populaçom, a quem cabe a tarefa de fazer andar o carro e para os quais nom há bónus –assalariados de todo o tipo, operári@s, empregad@s, desempregad@s, precári@s, “donas de casa”... Som oito décimos da populaçom, mas como as suas vozes nom tenhem di-reito a fazer-se ouvir, há quem nom dê por eles.

Estes som os factos da vida. Sendo assim, nom vejo como se pode contestar que a única tarefa do partido de esquer-da é conferir identidade política e ideoló-gica a essa massa oprimida e silenciosa, mostrar pola acçom diária que os seus interesses som diferentes dos de todas as camadas da burguesia, que a ordem social existente é a causa das suas frus-traçons e que é possível mudá-la.

Será isto muito cru, demasiado “or-todoxo”? Ou nom será que se passou a chamar “ortodoxia” aos factos brutais desta sociedade para nos descartarmos deles?

Digo pois que a tarefa do partido de esquerda é elaborar um corpo de ideias revolucionárias –ideias, argumentos, demonstraçons, nom slogans–, e criar umha vanguarda de revolucionári@s profi ssionais –revolucionári@s, nom bu-rocratas nem aparatchiks–, que sejam o fermento capaz de fazer subir a tensom revolucionária adormecida nas massas.

Se o partido nom servir para isso, nom serve para nada, e mais vale deixar o campo livre aos sindicatos, movimen-tos cívicos, comissons, intervençom cul-tural, que, no seu ámbito próprio, defen-dem os interesses das massas.

Preocupam-se alguns porque o par-tido que manifesta intransigência revo-lucionária na acçom e na crítica corre o risco de entrar em choque com as outras forças democráticas e progressistas. Mas essa é a condiçom imprescindível para se formar umha corrente revolu-cionária e para as massas franquearem um passo decisivo –de oposiçom crítica dentro do sistema à oposiçom contra o sistema.

Vejam este exemplo: em Portugal,

sindicais da esquerda tradicional, a come-çar polo PCE e CCOO.

No mesmo sentido, quando se pro-duziu a transiçom, a esquerda indepen-dentista basca optou por nom criar um partido político, cousa que fi gérom todos os outros, mas criar umha unidade po-pular, plural, democrática e assemblear, expressom política do movimento social basco, um instrumento eleitoral e insti-tucional para e ao serviço do movimento social e popular basco: HERRI BATASU-NA. Para nós, o movimento social é o equivalente à água para o peixe. Essa é umha das principais razons que explicam hoje, quase trinta anos mais tarde, que a ilegalizaçom de BATASUNA nom implique a desapariçom da esquerda independen-tista basca que tivo de mudar de referen-te político institucional várias vezes nos últimos anos, tentando evitar o assédio do Governo de Madrid: Herri Batasuna, Batasuna, AuB, HZ… Inclusive quando EHAK ofereceu as suas siglas nas últimas eleiçons autonómicas ao Parlamento de Gasteiz, mais de 150.000 pessoas votá-rom com boletins comunistas com a fouce e o martelo sem nengum problema, ape-sar de nom ser comunistas na maioria dos casos, ainda que sim de esquerda. Sem movimento social de base funda-mental e estratégico, todo isso teria sido impossível.

Como conseqüência desta maneira de pensar e agir, em todos estes anos todas as iniciativas políticas de importáncia que lançou a Esquerda Independentista Bas-ca, como som a Alternativa KAS (1975), a Alternativa Democrática (1995), Lizar-ra-Garazi (1998), Udalbiltza (1998), Foro de Debate Nacional (2000) e a Proposta de Anoeta (2005), por citarmos as mais importantes, sempre tivérom umha for-te participaçom directa sindical e social, além de Bastasuna. Sempre fôrom, som e serám, iniciativas partilhadas do conjunto da Esquerda Independentista, e nom uni-camente de BATASUNA.

Portanto, até hoje, em Euskal Herria evitou-se, em grande medida, o divórcio entre o movimento social, o movimento sindical e o movimento político, e todo isso num cenário onde a repressom, a luita ar-mada da ETA e a política institucional do PNB criárom sempre um clima político e social tenso e complicado.

Hoje, após mais de trinta anos de luita pola libertaçom nacional e pola transfor-maçom social de Euskal Herria, depois de termos superado duas legislaturas do Partido Popular, quer dizer, após termos ganho a guerra de desgaste e da ilegaliza-çom de inúmeras organizaçons políticas e sociais bascas, decidimos passar da resis-tência à construçom nacional, porque con-sideramos que criamos em Euskal Herria as condiçons políticas necessárias para a mudança.

Por isso, no fi m de 2005 e começo de 2006, em plena ilegalidade, realizamos um debate na militáncia da Esquerda Inde-pendentista basca em que tomárom parte directamente mais de sete mil pessoas, e polo menos outras tantas de maneira indirecta, para estabelecermos as bases do modelo de país que vamos oferecer nos próximos anos à sociedade basca. O debate chamou-se “Euskal Herria ezker-ritik eraikz” (Construindo Euskal Herria a partir da esquerda). Nom vamos apenas resolver fi nalmente de maneira negociada o confl ito histórico que o nosso país vive, por inúmeros entraves que nos forem co-locados no caminho, como apostamos por ganhar a maioria social, sindical, política e institucional que nos permita construir umha outra Euskal Herria, a socialista, que nom só é possível, como necessária, se nom quigermos desaparecer como Povo no século XXI.

Eis o melhor contributo que podemos fazer a partir de Euskal Herria a essa imensa luita popular mundial contra o ne-oliberalismo e a globalizaçom. Eis a nos-sa maneira de pensar no global e agir no local.

Intervençom de Francisco Martins RodriguesTrês doenças da esquerda

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Nº 40. Abril, Maio e Junho de 200610 X ANIVERSÁRIO

Intervençom de Carlos Morais

O título escolhido nesta ocasiom para as Jornadas Independentistas Galegas po-deria semelhar um mais daqueles estéreis debates que a fi nais do século XX, após a queda do muro de Berlim e posterior implo-som da Uniom Soviética, estivérom tam em voga entre diversos sectores da esquerda confundida e assustada, a que, sem sufi -ciente refl exom e perspectiva, identifi cou erroneamente o fi nal do modelo do socialis-mo soviético com o fracasso do marxismo e do comunismo, assumindo os postulados de Fukuyama e os falazes prognósticos do fi m da história. E, portanto, optou pre-cipitadamente pola via mais cómoda: a do abandono das bandeiras que o movimento obreiro foi levantando em mais de 150 anos de luita de classes, e a simultánea capitula-çom e integraçom na lógica de exploraçom, dominaçom e opressom imposta pola dita-dura burguesa, normalizando a sua partici-paçom no modelo da economia de mercado e a democracia parlamentar.

Porém, nesta ocasiom, três lustros depois daqueles acontecimentos que con-tribuírom para abalar o mundo, desta vez em sentido inverso aos factos narrados setenta anos antes por John Reed, pro-curamos realizar umha paragem no cami-nho, “estamos em guerra, mas há que re-fl ectir”, para analisarmos e reafi rmarmos quais som os desafi os e as necessidades da esquerda do século XXI que defende-mos @s comunistas galeg@s.

Antes de introduzir-nos em cheio na questom que hoje nos convoca, cumpre manifestar que existe umha interligaçom dialéctica entre os desafi os e as neces-sidades da esquerda do século XXI. Os desafi os estám vinculados com as neces-sidades, e as necessidades nom se podem compreender e superar sem interiorizar os desafi os.

Hoje, neste mundo globalizado, de caos sistémico, de guerra aberta e sem quartel do capitalismo contra os povos, contra a classe trabalhadora e as mulhe-res, de furioso imperialismo no sentido mais criminoso do conceito, de militarismo extremo e genocida, de destruiçom siste-mática das conquistas sociais e laborais em aras desse totem chamado competitivi-dade, de estrangulamento das liberdades sob a justifi caçom do combate antiterro-rista, de reforçamento do patriarcado e de todos aqueles mecanismos que submetem a mulher; a esquerda, lamentavelmente, a maioria da esquerda, continua à defensi-va, acomplexada, com difi culdades para reagir. Segue instalada nos parámetros da derrota e da claudicaçom.

A esquerda, entendida num sentido amplo como o conjunto de forças políticas e sindicais, organizaçons e colectivos sec-toriais, os denominados movimentos so-ciais, assim como todas aquelas ferramen-tas de que se dota com o objectivo de con-tribuir para a tranformaçom do presente num sentido de progresso, emancipaçom e justiça, -da qual logicamente devemos excluir os velhos partidos social-democra-tas e “socialistas” de prática neoliberal-, tem três tarefas urgentes que realizar, três deveres pendentes que superar:

Em primeiro lugar, renunciar catego-ricamente a gerir o presente seguindo os parámetros impostos polo neoliberalismo, ou seja, aplicar políticas socioeconómicas de direita sob um morno palavreado de esquerda, abandonando a sua natureza transformadora.

A esquerda com representaçom par-lamentar, -salvo contadas excepçons-, embora governe instituiçons municipais,

regionais, comunidades autónomas, go-vernos estatais, tam só aplica receitas semelhantes, às vezes idênticas e mesmo até em ocasions mais agressivas, às dos partidos tradicionais da burguesia. Ou seja: legislando para o patronato com re-formas laborais permanentes, privatizan-do serviços públicos, restringindo ainda mais as raquíticas liberdades e os direitos cívicos, excluindo as maiorias da tomada de decisons.

Um diagnóstico rigoroso da maioria destas experiências ditas de esquerda, -basicamente no nosso restrito ámbito ocidental-, conclui que fi ca reduzida a es-porádicas e epidérmicas intervençons que tam só aperfeiçoam a perpetuaçom dos instrumentos de opressom, contribuindo para reforçar o descrédito da política en-tre os sectores populares.

Em segundo lugar, deixar atrás todos aqueles tópicos assumidos como indiscutí-vel dogma, emanados da interiorizaçom do desconcerto e da derrota.

A esquerda deve ser capaz de des-marcar-se da rigidez, do mimetismo, da fosilizaçom, dos anacronismos disfarça-dos de modernidade e futuro em que pare-ce estar instalada. Isto é: deve abandonar a aplicaçom supersticiosa do parlamenta-rismo burguês como única via plausível, recuperando portanto a movimentaçom de massas, o combate político na rua, empre-gando, sem excepçons, todos os método de luita em dialéctica sintonia com as con-diçons subjectivas sobre as quais age.

A esquerda maioritária que conhece-mos hoje a nível mundial tem constrangido a sua acçom, e mesmo o seu ser, às elei-çons. Tem entregado a sua alma libertado-ra ao demo eleitoral.

A lógica eleitoral, a conquista de votos a qualquer preço tem absorvido a funçom de combate e movimentaçom, tem fascina-do, integrado e subornado as suas elites na perversa lógica da burguesia.

Em terceiro lugar, é precisamente a composiçom maioritária de classe das direcçons dos partidos, e mesmo do sin-dicalismo, com umha afogante presença de quadros pertencentes à pequena-bur-guesia, que provoca e explica as derivas reformistas e social-democratizantes da esquerda a escala mundial que se venhem agudizando desde há mais de 15 anos.

É à classe obreira que compete dirigir a sua própria emancipaçom. Nom necessi-ta, nem deve delegar a direcçom política sobre aquelas camadas mais próximas,

objectivamente mais preparadas e ins-truídas, -o semiproletariado e a pequena-burguesia-, mas que pola sua natureza de classe sempre tendem à colaboraçom e concertaçom com o Capital.

O proletariado continua a ser, é sem lugar a dúvidas, o sector mais avançado e objectivamente mais capaz do povo tra-balhador para exercer de vanguarda nas mudanças sociais.

Sem estas três premisas, nom é pos-sível exercer umha política de esquerda. Ou, dito de outro jeito, sem estas três con-diçons, nengumha força política, sindical ou social, por muito que se autodefi nir de esquerda, poderá merecer este qualifi ca-tivo, e muito menos aplicar políticas ao serviço das maiorias oprimidas. Poderá ser esquerda na simbologia, poderá ser esquerda nas siglas, poderá ser esquerda nas origens, na trajectória e na sua par-ticular experiência histórica, mas carece-rá do mais importante e defi nitivo: umha coerente acçom teórico-prática, digna e defi nitória deste qualifi cativo.

A esquerda tem que erradicar esse cancro que como umha metástase tem corroído na última década o cerne do cor-po organizado do movimento obreiro e po-pular: o possibilismo.

A realpolitik foi inundando como um letal veneno a consciência média das massas: o descrédito na possibilidade de qualquer perspectiva de transformaçom colectiva e organizada que só a luita pode conferir, reforçando deste modo a resig-naçom, a passividade, o conservadorismo, em defi nitivo: a derrota subjectiva d@s oprimid@s, sejam obreir@s, mulheres, jovens, povos negados, massas deserda-das.

Chegados a este ponto de crítica implacável contra o presente, que esquerda necessitamos?

Fugindo de absurdas generalizaçons e incorrectas visons universalistas, consi-deramos que a reconstruçom da esquerda do século XXI tem umhas tarefas comuns, das quais destacamos:

·Passar à ofensiva contra o Capital, combinando dialecticamente, em funçom de cada conjuntura específi ca, medidas de resistência, de desobediência, com a participaçom em todos aqueles campos de batalha, -sem nengumha excepçom-, que servirem para avançar na direcçom correcta. Portanto, isto exige deixar de

seguir conduzindo as massas de derrota em derrota, de retrocesso em retrocesso com base em falsas promessas eleitorais.

·Ser capaz de integrar, ser capaz de incorporar à luita do Trabalho contra o Ca-pital, as outras contradiçons consubstan-ciais ao capitalismo, ou que este incorpo-rou simbioticamente e mesmo agudizou. A opressom das mulheres, nom entendidas como um colectivo minoritário, mais como a juventude ou os desempregados, senom como a metade, e nalgumhas formaçons sociais concretas, mais de metade da força de trabalho social. Sem Feminismo nom é possível construir umha sociedade Socialista merecente deste nome. Ou se o preferirdes assim, sem Feminismo nom há Revoluçom.

-Mas também a luita pola autodeter-minaçom e a independência naqueles pro-jectos colectivos negados como o galego que padecem umha opressom nacional.

-A defesa do meio natural e dum mo-delo de consumo alternativo à esbanja-dora e suicida corrida ao abismo a que o modo de produçom capitalista está guian-do o planeta. A crise ecológica global só terá soluçom superando as cuasas que a provocam.

-Os direitos sexuais, d@s imigrantes, das minorias esmagadas e oprimidas, re-colhendo todas aquelas bandeiras velhas e novas, cómodas ou incómodas, que le-vantam excluídos, pobres e deserdadas.

·Superar o fetichismo eleitoral, a ob-sessom polo imediatismo dos votos.

·Renunciar à conciliaçom de classes, à política de negociaçom e adaptaçom às regras impostas pola burguesia. A esquer-da deve manter umha fi delidade aos prin-cípios gerais.

·Chamar as cousas polo seu nome, fu-gindo de eufemismos e maquilhagens da realidade, semelhantes e mesmo às vezes idênticas às que emprega essa imensa bateria de propaganda burguesa que som os grandes meios de comunicaçom de massas. O inimigo da humanidade é o Ca-pitalismo e os seus bárbaros métodos de imposiçom: o imperialismo, o militarismo, a exploraçom. E quem se benefi cia disto é essa minoria denominda burguesia ou oligarquia.

Temos que combater a inércia e a comodidade intelectual disfarçada de mo-dernidade. As categorias, os paradigmas, os conceitos, as ideias força, ou como quigerdes chamá-lo, empregados polo marxismo revolucionário no século XX,

seguem na sua prática totalidade vigentes neste século XXI.

·Conectar com e defender as reivindi-caçons imediatas das massas. A esquerda tem que ser um movimento do presente em íntima relaçom com o futuro. Porém, nom pode renunciar aos objectivos es-tratégicos, ou seja, cair no imediatismo economicista, mas tampouco centrar-se no estrategismo agitando palavras de or-dem correctas, mas desigadas do nível de consciência socialmente compartilhado.

Nom temos que inventar luitas espe-ciais, tam só participar em todas aquelas que se desenvolvem diante de nós, impri-mindo consciência e enquadrando-as no seu carácter estratégico.

·Defender, promover, impulsionar todas as formas possíveis de democra-cia socialista. O comunismo, nom as de-turpaçons estalinistas e maoistas, deve ser garante, um fi rme defensor das mais avançadas e aperfeiçoadas formas de democracia popular. Um povo organizado é a melhor vacina contra toda forma ou tendência autoritária, por muito popular e proletária que se declarar.

·Buscar fórmulas de entendimento e convergência entre todos ou polo menos entre o maior número de sectores do campo popular, fugindo de sectarismos e exclusons. As unidades populares som as fórmulas mais acaídas para o avanço da esquerda.

·A luita, hoje igual que há cem ou cinqüenta anos, nom pode fi car reduzida à escala local. A esquerda deve fomentar e aprofundar espaços internacionais de debate, coordenaçom, luita e combate. É urgente construir sólidas ferramentas or-ganizativas supranacionais contra o Capi-tal. Frente à agressom global, a resposta deve ser também global. Há que refundar e reforçar o internacionalismo proletário.

Isto tem sido, -com todos os acertos e erros que acompanham umha experiência militante-, o horizonte genérico que pro-vocou o nascimento há agora dez anos de Primeira Linha.

A nossa particular trajectória sempre estivo presidida por estas ideias forças. Em muitas ocasions, fomos capazes de acertar e de transmitir correctamente o que defendíamos. Noutras nom estivemos tam acertad@s, nom atinamos, e mesmo erramos, e às vezes nom fomos capazes de reconhecê-lo publicamente.

No entanto, como partido comunista, sempre fomos conscientes de que somos um corpo estranho na sociedade burgue-sa que pretendemos derrocar. Nunca nos acomplexou esta circunstância. Nom exi-gimos mais reconhecimento que o ganho a pulso polos nossos próprios méritos.

Levamos umha década agindo nesta sociedade, tentando demonstrar sobre o terreno que umha outra esquerda nom só é possível, é necessária.

Que os contributos teórico-práticas de Marx e Engels, aperfeiçoados e desenvol-vidos por Lenine e tant@s outr@s, o que se denomina marxismo-leninismo, nom só nom estám obsoletos como afi rmam os apologetas do Capital, som mais necessá-rios do que nunca.

Que a máxima luxemburguiana de “Socialismo ou barbárie” está desfasada polos acontecimentios históricos a que nos tem conduzido o capitalismo real.

Hoje, mais que do nunca, -basta com subir essas escadas e observar sem pai-xons e preconceitos o mundo-, só há umha alternativa de futuro “Comunismo ou Caos”.

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Três vitórias desde o cessar-fogo permanenteIñ

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Ainda transcorreu mui pouco tempo desde que a ETA começou o seu cessar-fogo permanente, e ainda nom dispomos da perspectiva sufi ciente como para rea-lizarmos umha análise mais precisa. No entanto, sim podemos aventurar algu-mhas refl exons:1. É claro que o seu comunicado abriu

a caixa de Pandora, quer dizer, deixou as contradiçons, limitaçons, egoísmos e interesses particulares e egoístas de muitas forças políticas ao léu. A razom deve ser procurada tanto no alcance da decisom da ETA, inegável, como, sobretodo, no seu transfondo, nas suas razons estra-tégicas e nas forças sociais sobre as quais se apoia. Há que ter em conta que a ETA foi e é mais do que umha organizaçom política que se viu na necessidade de recorrer à violência política de resposta. Também é umha força simbólica que arreigou profun-damente na consciência colectiva basca; além disso, é parte integrante de umha ampla e dinámica força social, criativa, na expressom mais forte e directa do termo: sem o que é o universo referencial mobilizado e gerado pola luita da ETA, muito difi -cilmente se teria produzido a impres-sionante recuperaçom cultural, anímica, psicológica e ético-moral do povo basco, nomeadamente das suas massas trabalhadoras e populares. Decerto há muito por fazer nalgu-mhas questons decisivas –nom se detivo o recuo do euskara em zonas do nosso país; noutras questons também importantes nom se avançou todo o que se esperava e se neces-sitava, etc; porém, se comparada a situaçom actual com a de há só meio século, para nom recuarmos mais no tempo, os avanços som apreciáveis.

2. Nengumha análise histórica pode ser sustentada sem um ponto de compa-raçom entre fases dentro da reali-dade sempre móvel das contradiçons sociais. Sem maiores precisons, o ponto de comparaçom mais recente deve ser a situaçom basca há meio século, quando o surgimento da ETA, no meio da passividade das organi-zaçons antifranquistas, e do activo colaboracionismo da burguesia basca. Na altura, o nosso povo levava mais de século e meio a perder todas as guerras de resistência nacional às invasons espanholas e francesas, e na metade do século XX todo parecia ruir de vez. Parecia que já nom havia qualquer alternativa. De igual modo, a impressionante experiência de luita de classes, de greves operárias e até de insurreiçons armadas, bem como as gloriosas mas fugazes expe-riências do poder obreiro e popular, todo o acumulado por estas luitas, as últimas das quais fôrom vividas nos mais duros anos de chumbo da triun-fante ditadura franquista, todo isto parecia ter desaparecido na década de 50. O mesmo devemos dizer do complexo lingüístico-cultural basco, do folclore e dos costumes, e das tradiçons populares. Em Iparralde, a situaçom também nom era melhor, senom inclusive pior.

3. Foi neste contexto de quase iminente extinçom como povo que o surgi-mento da ETA colocou com directa e crua sinceridade algumhas questons decisivas: o direito/necessidade da autodefesa e o rechaço do monopólio da violência por parte dos estados; o direito/necessidade à criatividade popular autoorganizada à margem dos aparelhos de poder, para a construçom a partir de baixo, das bases sociais, de umha nova socie-dade basca; e o papel chave que em todo isso deviam protagonizar as massas trabalhadoras, sendo inegável que a burguesia nom era por jogar esse papel. Estas e outras

obviedades, nem surgírom do nada, nem aparecêrom já formadas por completo, expressando umhas cons-tantes históricas e, em simultáneo, fôrom-se formando e enriquecendo na própria luita. A praxe militante foi decisiva, e a legitimidade dessa mili-táncia que foi conquistando exprimia e sintetizava toda a sua razom histó-rica. Durante meio século, todas as forças que nunca se arriscárom, que quando se movêrom foi apenas no fi m do franquismo e para obterem os seus próprios objectivos para depois viverem do maná do Estado, fi gérom o impossível para destruir a legitimi-dade da ETA, ou para a enfraquecer. Mas a realiadde é a realidade: “ETA mata, mas nom mente”, reconheceu Mayor Oreja.

4. A verdade é sempre revolucio-nária, di um princípio da dialéctica marxista, e quando a ETA deu o seu comunicado sobre o cessar-fogo permanente, irrompeu por mérito próprio, com a força da razom crítica e a crítica inegável da razom militante de meio século de luitas, sacrifícios, heroísmos, derrotas e vitórias, avanços e estagnamentos; meio século que na realidade sinteti-zavam duas longas centúrias. E quem tem pechinchas, regalias, e direitos exclusivos e excludentes, sentírom vertigem e medo nom só porque se iniciasse umha etapa nova dentro de umha continuidade, que também, mas sobretodo porque compreen-dêrom que o negado, reprimido e perseguido durante anos aparecia à luz pública graças à paciente acumu-laçom de legitimidade social.

5. A birra histérica do PP e o gaguejar ansioso da UPN, os nervos e o baralhamento inicial do PNB, a face boquiaberta de IU, a incerteza de EA, a lamentável e amarga cegueira de Aralar, a cautela oportunista da Igreja, o suor do patronato, as preci-pitaçons dos media do sistema, e até a insegurança contida do PSOE; todo isto e mais estalou aos poucos segundos de ser conhecido o comu-nicado da ETA. Tinha-se produzido a primeira –mais umha- vitória desta organizaçom política, porque se bem era vox populi que qualquer cousa estava para chegar, foi só acontecer e produzir-se um sismo que desman-

ETA comunicou 22 de Março cessar-fogo permanente

chou as falsas verdades construídas durante décadas. Já nada era igual que um segundo antes e o inome-ável, quer dizer, a razom histórica de um movimento global que estrutura a sociedade basca a partir mesmo do seu interior, isso de que nom se podia fazer porque era proibido, abriu as portas e as janelas para que na podre casa da submissom e a cobardia fosse arejada a dignidade de quem nunca se ajoelhou.

6. A esta primeira vitória da ETA sucedia-lhe dali a pouco umha outra segunda. Apesar de que aos poucos segundos do terramoto os agentes mais preparados da imprensa e dos partidos principiárom umha siste-mática campanha de doutrinamento segundo o qual era a fraqueza da ETA que a tinha obrigado a dar este passo; ou seja, que a ETA estava derrotada, contodo, a realidade negava este conto. Durante meses antes, a ETA tinha passeado polo Estado e por Euskal Herria a colocar bombinhas aqui e acolá, a demons-trar umha consistência, força e visom teórico-política que desautorizava a mentira da sua fraqueza. Mais do que isso, o facto de as suas acçons nom terem feito mortes precisamente quando mais se endurecia o sistema repressivo espanhol; o facto de as suas bombinhas serem apenas isso, uns poucos gramas de explosivos, quando podiam ter sido de vários quilos com efeitos devastadores em resposta à vingativa repressom espanhola em odioso ascenso; semelhante frieza política numha praxe tam arriscada como a luita política armada, demonstrava todo o contrário do dito pola propaganda ofi cial. Demonstrava, antes de mais, que atrás das acçons existia umha lúcida e metódica estratégia política. Tem sido algo tam manifesto durante três anos que todas as mentiras sobre a derrota da ETA fôrom afun-dadas.

7. Esta segunda vitória viu-se refor-çada e confi rmada, além do mais, pola coerência demonstrada pola esquerda abertzale nestes anos, com destaque para o acontecido após o comunicado e durante o pouco tempo transcorrido desde esse momento. O Estado e o PSOE, com o apoio do PP

e da fi el imprensa, sem menosprezar os méritos de umha IU que fai a funçom de bordom do PSOE em todo o que di respeito à repressom, endu-recêrom, alargárom e intensifi cárom os seus ataques à esquerda abert-zale. Necessitam que a sua gente e a gente alienada julgue que a esquerda abertzale apoia este passo da ETA por fraqueza ou medo. Já que é óbvio que nom foi derrotada, polo menos que alguns acreditem que a esquerda abertzale sim está a ser derrotada e vencida. Mas nom se trata apenas de recuperar posiçons na guerra propa-gandística, que também; procura-se, fundamentalmente, enfraquecer praticamente a esquerda abertzale para difi cultar o mais possível o bom desenvolvimento da estratégia anunciada e sintetizada na Proposta de Anoeta. Eis o objectivo que está no fundo da repressom do Estado e do PSOE, e também para o PNB, que sabe que deve enfraquecer a esquerda abertzale e, para isso, deu via livre ao mais reaccionário da Ertzaintza. A desprezível actuaçom do PNB e da Ertzaintza inscreve-se nesta lógica da obediência a Madrid e à pechincha autonomista.

8. E aqui é que se produz precisamente a terceira vitória da ETA, consistente na socializaçom de que o processo aberto será complexo, prolongado, tenso, com altos e baixos e com agressons repressivas. De facto, todos os processos similares tenhem sido assim. Só as rendiçons incon-dicionais som automáticas, e por enquanto o poder espanhol nom vai render-se nem reconhecer os direitos bascos, nem de outros povos e classes sociais. O PSOE, com Rodrí-guez Zapatero como o seu porta-voz, já dixo publicamente que seria um processo longo, duro e tenso; fi jo-o para avisar a sua gente, a burguesia e o espanholismo de que iam ir cendendo aos poucos, resistindo em todo o que pudesse, enfraquecendo no possível o avanço da libertaçom basca. Há um princípio da estratégia militar que di que o requisito impres-cindível para que umha retirada nom degenere numha debandada caótica é que se mantenham sempre, além da disciplina, um número de combates e contra-ofensivas locais que avivem

a moral das tropas em retrocesso. O PSOE e o Estado aplicam este princípio: cederemos fazendo-lhes todo o dano possível. Espanha aban-donou Cuba depois de ter extermi-nado várias centenas de milhares de cubanos.

9. Mas, ao contrário que a advertência do PSOE, a da ETA, a dizer aparente-mente o mesmo, é de signo oposto. A terceira vitória da ETA consiste em avisar que a mobilizaçom popular é a única via que pode impulsionar este processo até o fi m porque as forças conservadoras e reaccionárias porám todos os obstáculos possíveis. Enquanto a advertência do PSOE é defensiva, a da ETA é ofensiva no duplo sentido de manter a inicia-tiva e de impulsionar a mobilizaçom social. Umha crítica injusta e parcial do reformismo de esquerdas à ETA sempre foi que a sua luita armada paralisava a gente e rompia a autoor-ganizaçom popular. Além de a expe-riência passada ter demonstrado o contrário, a experiência actual confi rma novamente a vitalidade da dialéctica da interrelaçom de todas as formas de luita, de maneira que umha forma táctica, por exemplo a luita armada, pode passar à inacti-vidade porque outras tácticas nom armadas se reforçárom entretanto, passando a serem as mais efectivas a partir de umha dada altura. A adver-tência da ETA de que o processo será longo indica que há que continuar a fortalecer e alargar a autoorgani-zaçom a escala nacional basca com espírito criativo, de avanço, ofensivo e nom defensivo, nom passivo. Trata-se de umha vitória muito importante, porque garante o aumento da certeza da vitória, da auto-estima colectiva, da moral de luita e da consciência de que somos nós, é o nosso povo, que deve dirigir o seu futuro.

10. As três vitórias nom som irreversí-veis. Enquanto produtos de luita, por isso mesmo podem fi car abocadas à pántano da derrota se o processo nom continuar a avançar. Devem ser reforçadas por outras que se produ-zirám com o tempo, e inclusive podem e devem materializar-se num salto signifi cativo na vertebraçom do nosso povo mediante novas instituiçons nacionais que ultrapassem a actual segmentaçom imposta polos estados que nos oprimem. Naturalmente, nestes poucos dias decorridos, também tenhem ocorrido falhas, lacunas e vazios que devem ser corrigidos e preenchidos; mas falar sobre estas novas situaçons exige, além de um outro artigo, também e sobretodo um debate colectivo no interior do nosso povo e da esquerda abertzale. Nom nos enganemos: um dos segredos que explicam os êxitos bascos radica na essência colectiva da praxe de libertaçom, algo inerente à ETA e à identidade do movimento independentista. Continuemos a exercitar esse saudável pensamento colectivo antes de outra elucubraçom individual qualquer.

Iñaki Gil de San Vicente é militante comunista

da esquerda abertzale

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Edita: Primeira Linha. Redacçom: Rua do Home Santo 29, 4º A. 15703 Compostela. Galiza. Telefone: 616 868 589 / www.primeiralinha.orgConselho de Redacçom: Comité Central de Primeira Linha. Fotografia: Arquivo Abrente. Correcçom lingüística: Galizaemgalego. Maqueta: ocumodeseño. Imprime: Litonor S.A.L. Encerramento da ediçom: 22 de Abril de 2006Correspondência: Rua do Home Santo 29, 4º A. 15703 Compostela. Galiza. Correios electrónicos: [email protected] / [email protected] / Tiragem: 3.000 exemplares. Distribuiçom gratuíta.Permite-se a reproduçom total ou parcial dos artigos sempre que se citar a fonte. Abrente nom partilha necessariamente a opiniom dos artigos assinados.

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Fraternidade comunista presidiu comemoraçom do X Aniversário de Primeira Linha

Ao longo deste ano 2006, o nosso partido comemora os seus dez primeiros anos de vida, com diversos eventos que testemunham a con-solidaçom do projecto comunista, independen-tista e antipatriarcal que representamos.

No dia 22 de Abril, num conhecido restau-rante compostelano, umha ceia-acto político-festa serviu para juntar um bom número de camaradas, junto a companheir@s de organiza-çons irmás e amig@s do partido. Foi um acto emocionante que começou polas 20’30 horas e que reuniu militantes que participárom, há dez anos, na fundaçom do nosso partido, junto a outros e outras incorporadas ao longo destes dez anos ao trabalho de construçom do partido comunista que o povo trabalhador galego ne-cessita.

Depois da ceia de confraternidade numha sala completamente lotada, começou o acto propriamente político, com intervençons de ca-maradas e inclusive ex-camaradas que, tendo abandonado o nosso partido por diversos mo-tivos, nom quigérom deixar de estar presentes e tomar a palavra para mostrar a sua adesom ao projecto libertador que Primeira Linha, hoje como há dez anos, representa.

Assim, Marcos Lopes Martins, fundador do partido e actualmente afastado da sua disci-plina, foi o primeiro a tomar a palavra. Pedro Vila, Paulo Rico, André Seoane, Sérgio Pinheiro, Abraám Alonso… todos eles destacados diri-gentes do nosso partido, em diversas etapas da última década ou na actualidade, junto a comu-nistas que, apesar da sua juventude, exercem destacado trabalho em diversos movimentos sociais, juvenis, estudantis, etc, como Rebeca Bravo, Maria Sanches ou Sabela Agrelo.

Diferentes organizaçons irmás de países vizinhos enviárom também a sua saudaçom fra-terna neste dia tam especial para as comunis-tas e os comunistas galegos: Batasuna, do País Basco; Endavant (OSAN) e MDT; dos Países Ca-taláns; o colectivo comunista Política Operária, de Portugal; e o presidente da Cámara Munici-pal de Belém (Palestina), Víctor Batarseh, reme-têrom escritos que fôrom lidos e ovacionados pol@s presentes.

A seguir, foi a vez das delegaçons de en-tidades sociais e políticas galegas convidadas e assistentes ao acto na capital compostelana. Tomárom a palavra: Bernardo Penabade, pola Associaçom Galega da Língua (AGAL); Senim Gonçales, pola organizaçom estudantil indepen-dentista AGIR; Antia Marinho, em representa-çom da organizaçom juvenil da esquerda inde-pendentista, BRIGA; Xavier Moreda, em nome da Comissom pola Memória Histórica do 36, de Vigo; Lois Peres Leira, da Corrente Trabalha-dores Galegos polo Socialismo; Roberto Laje, pola Corrente Vermelha; Laura Ogando, repre-sentando as Mulheres Nacionalistas Galegas (MNG); Gema Branco, pola Direcçom Nacional de NÓS-Unidade Popular; e José Colaço, do Comité Nacional do Partido Comunista do Povo Galego (PCPG).

As últimas intervençons correspondêrom ao camarada Igor Lugris, polo Comité Central do nosso partido, e fi nalmente ao secretário ge-ral de Primeira Linha, o nosso camarada Carlos Morais.

A última fase da velada correspondeu à festa, garantida polo bom ánimo das nume-rosas pessoas presentes e a boa música de José Constenla, Tino Baz e o Grupo de Música Tradicional Avelaína, de Salvaterra de Minho. A celebraçom estendeu-se até passadas as três da madrugada e serviu para fortalecer os laços de irmandade comunista nom apenas no seio do nosso partido, mas com os companheiros, com-panheiras, amigos e amigas que nos honrárom com a sua presença nesta data tam especial para a nossa história partidária.

Visons parciais do desenvolvimento da velada

Íria Medranho Marcos Lopes Pedro Vila Tábuas Paulo Rico André Seoane Sérgio Pinheiro

Abraám Alonso Rebeca Bravo Maria Sanches Sabela Agrelo Bernardo Penabade Senim Gonçales

Antia Marinho Xavier Moreda Lois Peres Leira Roberto Laje Laura Ogando Gema Branco

José Colaço Igor Lugris Carlos Morais José Constenla

A celebraçom estivo presidida polo ambiente festivo em todo momento. Actuaçom do Grupo de Música Tradicional Avelaína

Tino Baz

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