Abrente nº 51

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Vozeiro de Primeira Linha www.primeiralinha.org Ano XIV • Nº 51 • Segunda jeira • Janeiro, Fevereiro e Março de 2009 Jornal comunista de debate e formaçom ideológica para promover a Independência Nacional e a Revoluçom Socialista galega Para derrotar a crise e derrubar o sistema Construamos a força unitária, independentista e anticapitalista Sumário Editorial 3 Soberania alimentar Lídia Senra 4 Crise e Revoluçom André Seoane Antelo 5-6 Sionismo: breve história de umha ideologia criminosa Xoán Gabeiras 7 O PCP perante o começo das guerras coloniais Francisco Martins Rodrigues 8 Militantes, amigos e amigas do partido comemoramos 50 números de Abrente O tempo decorrido desde a saída do Abrente número 50 marcou dous acontecimentos de relevo na dinámica social, económica e política da Galiza: de umha parte, mudanças na dinámica institucional instaurada na Galiza nos últimos quase quatro anos. A queda do governo bipartido, que tantas ilusons tinha gerado em 2005 quando conseguiu, somando os votos do PSOE e do BNG, tombar os 15 anos de fraguismo, traduziu o abandono dos sectores mais de esquerda e supujo umha surpresa para quase todos e todas. O PP voltou a demonstrar a sua grande penetraçom nas redes de poder da sociedade galega, com grande sustento nom só nos sectores mais significativos do grande capital, mas também nos meios de comunicaçom mais influentes. Devemos reconhecer a grande dificuldade de vencer essas forças reaccio- nárias enquistadas nos aparelhos, bem como o fracasso da tentativa protagonizada polo PSOE e o BNG de o fazerem aplicando as mesmas políticas mal maquilhadas de “alternativa progressista e galeguista”. De outra parte, o passar dos meses confirma o carácter profundo e as características em parte iné- ditas da crise capitalista em curso. Sendo consubstanciais do sistema, neste caso assistimos à impotên- cia das classes dominantes e dos seus governos para encaminhar umha crise estendida a praticamente todo o mundo. Se noutras crises mais ou menos parciais do sistema foi possível alargar os espaços de expansom do capital a novos mercados nom explorados, desta vez, aos problemas intrínsecos ciclica- mente manifestados somam-se os derivados dos limites materiais da lógica expansiva do capitalismo, quer em termos energéticos e de materias-primas, quer territoriais e de mercados. Assim, a esquerda anticapitalista afronta na Galiza, como noutros países dependentes no centro capitalista, umha situaçom de piora contínua das condiçons de vida das classes populares, que duran- te décadas tenhem gozado de umha parte dos lucros decorrentes do saque generalizado dos povos empobrecidos do planeta. A crise está agora aqui para ficar e nom se deve simplesmente à actividade especulativa de umha minoria empresarial sem escrúpulos, como nos di o discurso oficial, mas à própria natureza do monstro capitalista, que nom está disposto a deter a corrida infernal de crescimento, espo- liaçom e exploraçom sem limites. No caso galego, confluem o acesso do PP ao comando da instituiçom autonómica com a profun- dizaçom dos problemas económicos do sistema, que se manifestam numha sucessom de ERE’s sem

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Publicaçom trimestral da organizaçom comunista e independentista galega Primeira Linha, correspondente a Janeiro, Fevereiro e Março de 2009.

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Vozeiro de Primeira Linha www.primeiralinha.org Ano XIV • Nº 51 • Segunda jeira • Janeiro, Fevereiro e Março de 2009

J o r n a l c o m u n i s t a d e d e b a t e e f o r m a ç o m i d e o l ó g i c a p a r a p r o m o v e r a I n d e p e n d ê n c i a N a c i o n a l e a R e v o l u ç o m S o c i a l i s t a g a l e g a

Para derrotar a crise e derrubar o sistema

Construamos a força unitária, independentista e anticapitalista

SumárioEditorial

3 Soberania alimentarLídia Senra

4 Crise e RevoluçomAndré Seoane Antelo

5-6 Sionismo: breve história de umha ideologia criminosaXoán Gabeiras

7 O PCP perante o começo das guerras coloniaisFrancisco Martins Rodrigues

8 Militantes, amigos e amigas do partido comemoramos 50 números de Abrente

O tempo decorrido desde a saída do Abrente número 50 marcou dous acontecimentos de relevo na dinámica social, económica e política da Galiza: de umha parte, mudanças na dinámica institucional instaurada na Galiza nos últimos quase quatro anos. A queda do governo bipartido, que tantas ilusons tinha gerado em 2005 quando conseguiu, somando os votos do PSOE e do BNG, tombar os 15 anos de fraguismo, traduziu o abandono dos sectores mais de esquerda e supujo umha surpresa para quase todos e todas.

O PP voltou a demonstrar a sua grande penetraçom nas redes de poder da sociedade galega, com grande sustento nom só nos sectores mais significativos do grande capital, mas também nos meios de comunicaçom mais influentes. Devemos reconhecer a grande dificuldade de vencer essas forças reaccio-nárias enquistadas nos aparelhos, bem como o fracasso da tentativa protagonizada polo PSOE e o BNG de o fazerem aplicando as mesmas políticas mal maquilhadas de “alternativa progressista e galeguista”.

De outra parte, o passar dos meses confirma o carácter profundo e as características em parte iné-ditas da crise capitalista em curso. Sendo consubstanciais do sistema, neste caso assistimos à impotên-cia das classes dominantes e dos seus governos para encaminhar umha crise estendida a praticamente todo o mundo. Se noutras crises mais ou menos parciais do sistema foi possível alargar os espaços de expansom do capital a novos mercados nom explorados, desta vez, aos problemas intrínsecos ciclica-mente manifestados somam-se os derivados dos limites materiais da lógica expansiva do capitalismo, quer em termos energéticos e de materias-primas, quer territoriais e de mercados.

Assim, a esquerda anticapitalista afronta na Galiza, como noutros países dependentes no centro capitalista, umha situaçom de piora contínua das condiçons de vida das classes populares, que duran-te décadas tenhem gozado de umha parte dos lucros decorrentes do saque generalizado dos povos empobrecidos do planeta. A crise está agora aqui para ficar e nom se deve simplesmente à actividade especulativa de umha minoria empresarial sem escrúpulos, como nos di o discurso oficial, mas à própria natureza do monstro capitalista, que nom está disposto a deter a corrida infernal de crescimento, espo-liaçom e exploraçom sem limites.

No caso galego, confluem o acesso do PP ao comando da instituiçom autonómica com a profun-dizaçom dos problemas económicos do sistema, que se manifestam numha sucessom de ERE’s sem

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precedentes, nos despedimentos e na precarizaçom do emprego, enquanto o governo autonómico, como o espanhol, desviam fundos públicos para evitar as perdas da grande empresa e dos banqueiros, em sec-tores como a automoçom ou as principais entidades financeiras.

Com o patronato galego a reclamar, a coro com o espanhol, novas medidas antissociais de corte inequi-vocamente neoliberal, todo indica que nos próximos meses a situaçom vai agravar-se, criando condiçons para que umha verdadeira esquerda social e política consqüente poda fortalecer-se fruto da imprescindível auto-organizaçom dos sectores mais afectados pola crise sistémica.

No entanto, também nesta ocasiom, os graves problemas do sistema nom garantem mecanicamente nem o crescimento de umha alternativa anticapitalista digna de tal nome, nem muito menos a vitória fren-te aos planos que a reacçom burguesa nos reserva. É imprescindível luitar, sim, e luitar com umha linha correcta, unitária e nom pactista, aglutinando toda a raiva popular que já está a ser gerada em conflitos la-borais concretos um pouco por toda a Galiza, contan-do-se já por milhares os obreiros e obreiras afectadas polas agressons.

A situaçom actual da esquerda social e política galega nom é a melhor para enfrentar um cenário como o que se enxerga. O nefasto papel jogado pola corrente maioritária do nacionalismo de esquerda na Galiza das últimas décadas, encarnado na UPG e sin-tetizado nos seus anos à frente da Junta, espalhou o derrotismo numha parte do movimento popular ga-lego. Umha boa parte da base social do Bloque está definitivamente incorporada ao sistema seguindo um programa mornamente reformista que nem consegue atingir o qualificativo de social-democrata.

Fora desse sector, representado nas instituiçons polo BNG e no movimento operário pola burocracia sindical a ele supeditada, tampouco a esquerda so-beranista conseguiu nas últimas décadas articular-se com critérios unitários. As sucessivas cisons de es-querda produzidas no BNG nos anos oitenta, noventa e agora de novo, nom fôrom suficientes para criar a alternativa.

Ao contrário, depois da cada umha das cisons pola esquerda do BNG, reproduzírom-se processos incapazes de aglutinar o significativo sector antica-

Editorial

pitalista e autodeterminista que sem dúvida existe. Nem o PCLN-FPG-APU nos anos 80 e primeiros 90, nem Primeira Linha-NÓS-UP-FPG-AMI na última déca-da, conseguimos dar resposta aos desafios colocados ao nosso povo trabalhador, nom só pola dificuldade objectiva de um processo dessa natureza, mas por incapacidades próprias que alguns continuam sem reconhecer, limitando-se a culpabilizar o resto.

A apresentaçom de duas listas autodeterministas nas recentes eleiçons voltou a encenar essa incapa-cidade, sendo os resultados umha resposta às carên-cias de um movimento que nom pode dar-se ao luxo de perder mais tempo em brigas internas.

De resto, a recente ruptura de um sector do Mo-vimento pola Base com o BNG volta a abrir possibili-dades de mudança no panorama soberanista e de es-querda. Os quatro anos de governo neoliberal e auto-

nomista desenganárom alguns sectores minoritários no seio da organizaçom nascida na Corunha em 1982, enquanto a crise aberta polo fracasso eleitoral forçou os defensores da linha claudicante, hegemónicos no seio do Bloque, a fazer de conta que a recuperaçom da linha histórica é possível.

Esse autonomismo institucionalizado e interclas-sista, que nestes anos tentará situar-se à frente dos movimentos sociais para recuperar os sectores que lhe venhem virando costas eleiçom após eleiçom, será agora um obstáculo para que os movimentos sociais e políticos verdadeiramente interessados numha políti-ca de classe e soberanista podamos confluir.

Da capacidade de todos os sectores do movimen-to popular para trabalharmos conjuntamente, no seio de um movimento de massas comum, na construçom de umha força anticapitalista e independentista à

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margem dos cantos de sereia dos que agora jogarám a fazer oposiçom, dependerá que este novo ciclo nom volte a conduzir ao mesmo divisionismo e frustraçom de outras vezes. Devemos demonstrar, uns e outr@s, que é possível aprender do passado para nom o repe-tirmos, combatendo o PP e a linha dura da burguesia, mas também desmascarando os arranjos dos colabo-radores do sistema no seio do movimento popular.

Quanto à corrente independentista e comunista que o nosso partido representa, tentaremos que se-jam os factos, e nom só as boas palavras, as que aju-dem a criar o clima e as condiçons necessárias para tal fim. A todos e a todas nós corresponde situarmos a Galiza à cabeça da luita nacional e social de género internacional contra o capitalismo, em direcçom à in-dependência e ao socialismo, objectivos tam impres-cindíveis como irrenunciáveis.

O projecto revolucionário deve combinar tacticamente todas as formas de luita

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3Nº 51. Janeiro, Fevereiro e Março de 2009

É o direito dos povos, países ou unions de estados, a decidir as suas próprias polí-ticas agrárias e alimentares sem dumping frente a terceiros países.

Esta proposta foi definida pola Via Camponesa e lançou-na ao debate público durante a Cimeira Mundial da Alimenta-çom da FAO, decorrida em Roma no ano 1996.

O direito à soberania alimentar inclui: – Priorizar a produçom agrícola lo-

cal para alimentar a populaçom, o acesso das labregas e dos labre-gos e das e dos sem terra à terra, à água, às sementes e ao crédito. Por isso som necessárias as reformas agrárias, a proibicion dos organis-mos geneticamente manipulados, o livre acesso às sementes, manter a água como um bem público e que se reparta de forma sustentável.

– Que as labregas e os labregos te-nhem direito a produzir a alimenta-çom básica para o seu povo.

– Que os países tenhem direito a se protegerem das importaçons agrí-colas e alimentares demasiado baratas.

– Que os preços agrícolas tenhem que estar unidos aos custos de produ-çom. Deve-se manter o direito da cada país ou unions de países a gravar com impostos as importa-çons baratas.

– Os países tenhem que se compro-meter a manter a forma de produ-çom labrega sustentável e devem controlar a produçom no mercado interior para evitar excedentes es-truturais.

– A participaçom dos povos na defini-çom da política agrária.

– O reconhecimento dos direitos das labregas, que desempenham um papel essencial na produçom agrí-cola e na alimentaçom.

As organizaçons que, como o Sindicato Labrego Galego, defendemos no Norte a Soberania Alimentar, muitas vezes somos acusadas de defender uma proposta válida só para o Sul e nom pensarmos nos interes-ses dos labregos e das labregas do Norte.

Na Via Camponesa temos muito claro que as labregas e os labregos em todo o planeta somos vítimas das políticas agrárias neoliberais. Na Uniom Europeia, através da Política Agrária Comum, nos Estados Unidos através do Farm Bill, nou-tros países através das políticas de ajuste impostas polo Banco Mundial e polo Fun-

o nosso povo tampouco tem reconhecido o direito à Soberania Alimentar.

Temos umha forte dependência do exterior na nossa alimentaçom. Nom co-nhecemos estudos sobre o particular, mas abonda com dar uma volta polos lugares onde a cidadania compra habitualmente (grandes superfícies) para vermos a ori-gem do que se leva à mesa cada dia no nosso país.

Somos também extremamente de-pendentes em alimentaçom animal. No seu dia, as terras agrárias fôrom-se usurpando aos labregos e às labregas e fôrom afastando-se da actividade agrá-ria: as barragens alagárom os nossos vales mais férteis; minas que destruírom aldeias, como foi o caso das Encrobas e que seguem a ameaçar, temos cinco mil hectares de terras agrícolas na Ter-ra Chá afectadas por uma concessom de exploraçom mineira outorgada polo governo bipartito da Junta de Galiza; a especulaçom urbanística e a falta de protecçom das terras de uso agrário até há dous anos que mudou prados e culti-vos agrários por mares de eucaliptos e pinheiros de crescimento rápido para en-gordar, sobretodo os interesses das ce-luloses e de determinadas madeireiras. Estima-se que, na actualidade, na Galiza temos umha superfície agrária útil abaixo dos 20%. Qualquer país desenvolvido de nosso meio anda polos 50%.

Na actualidade, é dificil para uma moça ou um moço que nom tenha terra aceder a ela para se instalar como labrega ou como labrego.

A introduçom das grandes superfícies foi um duro golpe para os mercados e o comércio local que se nutria de produtos alimentares nas exploraçons das labre-gas e dos labregos da Galiza. A lógica da grande distribuiçom e as normas comer-ciais disfarçadas de “pacote higiénico sanitário” suponhem a morte diária de muitas exploraçons labregas. Como dado relevante, apontamos que, na Uniom Euro-peia, desaparece uma exploraçom labrega cada minuto.

Na Galiza, só em leite no ano noventa, existiam cem mil exploraçons e nos dias de hoje, com um maior volume de produ-

aNÁliSE

çom total, já nom chegam a treze mil e, a maioria com graves problemas para so-breviver.

O Sindicato Labrego Galego, além de defender os interesses das labregas e dos labregos, somos um Sindicato com-prometido com o avanço dos direitos do povo galego como povo, e com a luita por consegui-los. Neste contexto e no proces-so de debate sobre a reforma do Estatuto, propugemos à Comissom que se encarre-gava deste tema no Parlamento Galego, que o novo Estatuto recolhesse o direito do povo galego à Soberania Alimentar.

Desafortunadamente, a proposta tivo pouco eco, quero supor que as e nossos representantes no Parlamento ainda nom estám conscientes do que significa para um povo o direito à alimentaçom, nem da riqueza colectiva que supom desenvolver políticas para garantir o nosso direito como povo à Soberania Alimentar (postos de trabalho, ocupaçom e gestom do terri-tório, benefícios dos modos de produçom sustentáveis no económico, no social e no ambiental, poupança energética do co-mércio de alimentos através do mercado local e de proximidade).

Em definitivo, que a preocupaçom que habitualmente transmitem polo abandono do meio rural parece estar mais no discur-so do que nas intençons reais de lhe pôr soluçom, pois o meio rural só pode desen-volver-se e estar vivo se o poder político lhe der a possibilidade de produzir a nossa alimentaçom básica.

Este é o nosso grande desafio para os próximos anos. Nós entendemos que esta luita nom deve ser só a luita das labregas e dos labregos. Entendemos que conseguir o direito à Soberania Alimentar do povo galego deve ser um objectivo do conjunto da cidadania galega. Há outras organiza-çons no nosso país que assim o entendem também e, neste quadro, constitui-se na Galiza a Iniciativa pola Soberania Alimen-tar, da qual o SLG fai parte. Esta é umha iniciativa aberta a todos aqueles colecti-vos que na Galiza queiram trabalhar, tanto para estender o debate teórico como para apoiar e consolidar experiências práticas que contribuan para fazer realidade o di-reito à Soberania Alimentar na Galiza.

Lídia Senra forma parte da Executiva e da Direc-

çom Nacional do Sindicato Labrego Galego, do

Comité de Coordenaçom da Coordenadora

Europeia Via Camponesa e também fai parte

da Comissom Internacional de Mulheres da Via

Camponesa

feito nos Estados Unidos e no Reino Unido polas cadeias de distribuiçom nom podem deixar-nos impassíveis e devem alertar-nos e fazer-nos reagir perante o perigo que supom que os governos deixem que as transnacionais controlem os alimentos.

A Uniom Europeia está a modificar permanentemente a política agrária co-mum (PAC), para adaptar aos acordos da Organizaçom Munidal do Comércio, a OMC. Esta é já de por si umha constata-çom da renúncia dos governos que inte-gram a Uniom Europeia, a que os povos exerçam o direito a decidir a política agrá-ria e alimentar que querem ter. Os go-vernos destes estados som cúmplices ao supeditarem uma decisom que teria que corresponder plenamente à Uniom Euro-peia aos acordos de um organismo total-mente antidemocrático e que representa só os interesses comerciais e de negócio das companhias transnacionais.

Além do mais, a Uniom Europeia é tremendamente dependente na prática. A cada ano, importa grandes quantidades de alimentos para os animais, que hipotecam a Soberania Alimentar tanto no Sul como no Norte. A terra que se utiliza no Sul para produzir para o gado europeu impede pro-duzir para alimentar as populaçons locais. Os excedentes que se geram no Norte com esses alimentos inundam os mercados do Sul e destroem exploraçons labregas no Sul e no Norte. No sul colocam os exceden-tes nos Mercados com dumping (a preços abaixo dos custos reais de produçom) e no Norte pagam baixos preços, muitas vezes também abaixo dos custos reais de produ-çom aos labregos e as labregas.

Velaí porque os labregos e as labre-gas fomos capazes de constituir a Via Camponesa para fazer ouvir a nossa voz perante as negociaçons internacionais. Também fomos quem, perante o desastre provocado polo neoliberalismo na agri-cultura e na alimentaçom, de lançar uma proposta válida para todas as labregas e os labregos do mundo, a Soberania Ali-mentar.

A situaçom na GalizaSe analisarmos a proposta e virmos

que ocorre na Galiza, deparamos com que

Soberania alimentarlídi

a Se

nra

do Monetário Internacional, as políticas agrárias orientárom-se a fomentar os mo-dos de produçom industrial da revoluçom verde, destruindo a agricultura labrega e submetendo as labregas e os labregos, e o conjunto da cidadania, ao controlo das multinacionais.

Em 1994, cria-se a Organizaçom Mun-dial do Comércio, como um instrumento ao serviço dos interesses das grandes cor-poraçons transnacionais e, através dela e dos Tratados de Livre Comércio, pre-tendem impor a liquidaçom das políticas agrárias, suprimir o direito dos países a se protegerem das importaçons baratas com dumping social, económico e ecológico, bem como aprofundar ainda mais a impo-siçom de um modelo de produçom indus-trial e intensivo, dependente da banca (in-vestimentos, ajudas condicionadas a pedir empréstimos nos Bancos, empréstimos condicionados a determinadas políticas) e dependente também dos insumos que as companhias transnacionais controlam e ponhem no mercado (agrotóxicos, semen-tes transgénicas, adubos químicos...).

O nosso concorrente som as multina-cionais que, através da agricultura indus-trial e do controlo dos mercados dos ali-mentos, se beneficiam dos fundos públicos destinados à agricultura e do rendimento que gera o mercado alimentar. Segundo os dados feitos públicos no final de 2004, no documento de Etc Group intitulado “A invasom invisível do campo”, o mercado retalhista de alimentos movimentava três bilions de dólares a cada ano e o merca-do de exportaçons agrícolas andava polos quinhentos quarenta e quatro mil milhons de dólares. A isto haveria que somar o que movem em empréstimos bancários, em sementes, em produtos veterinários, pen-sos, agrotóxicos, etc.

Desenvolver políticas que assegu-rem a a cada povo o direito à Soberania Alimentar é a única garantia de sobre-vivência das labregas e dos labregos. E também a unica garantia de liberdade dos povos, porque um povo que dependa de outro ou das transnacionais para comer, sempre será um povo escravo. Notícias como as que conhecíamos neste Verao de 2008, sobre o racionamento da arroz

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4 Nº 51. Janeiro, Fevereiro e Março de 2009opiNiom

Crise e RevoluçomAndr

é Se

oane

Ant

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muito menor que nos países do centro, trouxo num primeiro momento um au-mento do lucro, mas tivo como efeito de rebote a queda da capacidade aquisitiva de amplos sectores da classe operária dos paises ocidentais, o que por sua vez re-percutiu negativamente no interesse das grandes empresas.

As deslocalizaçons supugérom umha descida no nivel aquisitivo das camadas populares do mundo ocidental, camadas sociais que som as principais consumi-doras dos produtos produzidos por essas mesmas empresas.

Contodo, embora pareça atinado afir-mar que com esta crise o capitalismo tocou definitivamente o seu fundo, nom podemos cair no erro de acreditar numha rápida e milagreira desapariçom. Polo que sabe-mos, os sistemas sociais costumam ter umha morte agónica de longa duraçom.

O triunfalismo presente neste momen-to nalguns discursos da esquerda mundial que anunciam a morte do capital é um erro. O capitalismo nom se vai extinguir por si só: terá que morrer de morte matada.

Possivelmente nom passe mais de umha década sem voltarmos a passar por umha recuperaçom económica, que embora nom vaia poder atingir os níveis de desen-volvimento do século XX, sim servirá para dar novos fôlegos a um sistema tocado de morte, mas ainda disposto a agüentar um tempo longo.

Nessa tessitura, a opçom que @s co-munistas devemos defender é a de conti-nuarmos a bater no inimigo e organizar a nossa alternativa. Devemos estar prepa-rados para que das ruínas do capitalismo nom surja algo inclusive pior do que já co-nhecemos.

André Seoane Antelo forma parte do Comité

Central de Primeira Linha

É bem curioso comprovar como as su-postas verdades inamovíveis do pensamen-to único abalam nos últimos tempos sob a vigoroso força da realidade material. Nom há muito, apenas umha década, o neolibe-ralismo rampante impunha o seu discurso por toda a parte sem que ninguém dos que o sistema considera “alguém”, é claro, ousasse contradizer o desenho de um capi-talismo triunfante em perpétua expansom.

Poucas eram as vozes que se atreviam a questionar a deriva suicida do desenvol-vimento económico, capitaneado polo im-perativo da acumulaçom e reproduçom do capital fosse como fosse. E essas poucas eram oportunamente silenciadas ao ser-lhes negada a legitimidade das grandes palestras académicas e o acesso aos alti-falantes mediáticos.

Porém, nos últimos dous anos a cousa tem mudado um chisco. A implosom do sis-tema financeiro mundial demonstrou o que o marxismo leva mais de século e meio a dizer. Assim as cousas, finalmente a cousa deu em que, mais umha vez, o modo de pro-duçom capitalista revelou as suas fraque-zas e, a um período de desenvolvimento, véu seguir-se um outro de crise.

E insistimos na ideia: mais umha vez o capitalismo a nível mundial atravessa umha crise. Crise que era facilmente previsível, se nom nos seus traços mais concretos, sim nas suas definiçons mais grossas.

Qualquer observador minimamente atento podia enxergar quais eram os elos fracos do modelo concreto de capitalismo que se achava no seu apogeu nos anos finais do século XX, elos que supunham o seu principal factor de risco, e polos quais, evidentemente, começou a sua queda.

Assim, a crise desta primeira década do século XXI tivo a sua origem, ou por melhor dizer, o seu factor detonante, nos fundos financeiros ligados à indústria imo-biliária. Porém, o problema nom findou aí. A queda de um sector do mercado financeiro na América do Norte arrastou boa parte do sistema financeiro mundial, demonstrando mais umha vez até que ponto chegou a in-terligaçom entre as economias no sistema global. E, por trás do sistema financeiro, caiu também a economia produtiva, que como era bem sabido por alguns, e agora já é por todos, estava intimamente ligada e numha relaçom de dependência com o que noutros tempos era definido como o “capi-tal usurário”.

Esta cadeia de quedas, facilmente pre-visíveis, ainda nom atingiu o seu patamar inferior. Daí que seja prematuro alviscar até que grau de ruína é que ficará reduzi-da a economia mundial, mas, e apesar das mais optimistas visons que de certos secto-res da esquerda mundial estám a ser pro-postas, nom parece que o capitalismo vaia desaparecer no imediato.

O mito do desenvolvimento sem fim tornou a cair

Di a sabedoria popular que o ser hu-mano é o único animal que tropeça mais de umha vez na mesma pedra. Polo que toca as pedras, nom sei muito bem qual é o nú-mero exacto de vezes que é preciso bater para aprender a esquivá-las ou para tomar a iniciativa de as arredar do caminho; mas no referente às instituiçons sociais é mais que evidente que fai falta um número ele-vadíssimo de repetiçons para que a nossa espécie tome nota do erro e interiorize a necessidade de mudá-las.

Ao longo da história, som inumeráveis os exemplos de como instituiçons ou siste-mas sociais completos atravessárom crises de longuíssima duraçom antes de serem substituídos por outros que se adaptasem melhor às novas condiçons.

Para o caso concreto do capitalismo, esta afirmaçom é plenamente válida. Até esta altura, o modo de produçom capita-lista tem atravessado umha multidom de crises de diferente intensidade, que de-monstrárom quais som as suas principais eivas, mas às quais nom se seguiu umha

superaçom do sistema na sua totalidade, mas apenas a aplicaçom de reformas que lhe permitírom subsistir até a actualidade.

Porém, ainda que a existência de cri-ses cíclicas no modo de produçom capita-lista seja um facto rigorosamente estudado e empiricamente demonstrado, a ideologia dominante continua a apresentar-nos a ideia de um desenvolvimento progressivo e linear polo qual, supostamente, o capita-lismo permitiria atingir num futuro o bem-estar de toda a humanidade.

Esta visom, absolutamente falsa, con-tém dous erros grossos. O primeiro deles é o de insistir na ideia de linearidade do progresso da humanidade, ignorando cons-cientemente a existência de avanços e re-trocessos no devir histórico.

O segundo, é o de apresentar o capi-talismo como umha ferramenta que busca o bem-estar da humanidade, quando na verdade a motivaçom dinámica deste modo de produçom nom é mais que a reproduçom alargada do próprio capital por qualquer meio.

A incompreensom destes dous erros está na raiz do tremendismo com que al-guns analisam a actual crise.

Quem até anteontem acreditava com devoçom na absoluta infabilidade do siste-ma económico capitalista, hoje vê-se con-frontado com um panorama que lhe deve parecer aterrador. Mas nom nos poderá surprender que amanhá, quando o sistema consiga rearticular um modo de se reconfi-gurar e comece umha nova fase de reponte, voltem a esquecer onde estava a pedra.

A falácia do mercado livreNom há muito tempo, lá pola década

de 90 do passado século, atrever-se a fazer umha declaraçom pública de marxismo era um convite aberto a ser o alvo das burlas de qualquer pessoa “assisada”.

O neoliberalismo rampante cavalgava sobre os cascalhos do muro de Berlim e es-tendia a sua verdade por todo o mundo. O mercado convertia-se no fetiche intocável diante do que se tinham que postrar esta-dos e povos inteiros.

O mercado livre todo o amanhava, o mercado livre todo o podia, e ninguém podia questionar a infalibilidade do todo-poderoso mercado. Ai de quem ousasse blasfemar mentando palavras tais como intervençom ou regulaçom!

Porém, já na altura havia vozes que anunciavam a queda do paraíso. A idade dourada do neoliberalismo nom podia du-rar para sempre, e após um período de ex-pansom era evidente que chegaria a crise. Umha crise que se anunciava especialmen-te forte ao estar-se construindo um modelo de crescimento alicerçado no nada, ou na quase nada que é a economia especulativa.

As grandes empresas engordavam os seus benefícios caindo numha espiral de operaçons financeiras que multiplicavam, como se de um milagre se tratasse, o capital ao seu dispor. Mas a bolha tinha que vir a explodir. O desfasamento entre a economia produtiva e a financeira nom anunciava nada de bom, e finalmente aconteceu o inevitável.

Curiosamente, os mesmos que até o momento clamavam pola absoluta liber-dade do mercado forom os que já desde o primeiro momento chamarom pola neces-sária intervençom dos estados para salvar as economias em crise. Entendendo, claro está, que essa ajuda deveria dirigir-se di-rectamente a salvar em primeiro lugar aos grandes bancos e as empresas afectadas pola debacle financeira. Assim som os dog-mas da ideologia neoliberal!

A extinçom do capitalismoA ruina do sistema capitalista aparece

agora como umha realidade palpável, mas

seria dum infantilismo absurdo acreditar que vai desaparecer sem que exista umha alternativa. Ou melhor dito, sem que um sistema alternativo teime em derrubá-lo.

É certo que a actual crise apresenta umhas características especiais que per-mitem adivinhar os limites reais das pos-sibilidades de desenvolvimento máximas que o capitalismo pudo ofertar à sociedade humana.

Nom se trata, como no passado, de umha simples crise de sobreproduçom. Desta vez, para além da sobreproduçom como problema, aparecem de jeito combi-nado outros factores como os limites ma-teriais que suponhem o esgotamento dos recursos energéticos.

Além do mais, até este momento o capitalismo tinha arranjado maneira de conseguir superar o défice no consumo de mercadorias, alargando a sua área de influ-ência. Mas agora que o globo fai na sua to-talidade parte do mercado capitalista, nom há lugar onde conquistar novos mercados.

Torna especialmente curioso, sobre-todo polo que nos afecta a nós como inte-grantes da parte favorecida pola desigual repartiçom da riqueza no mundo, como a fugida para a frente das empresas na hora de reduzir custos supujo a apariçom de um problema novo.

Se a começos do século XX o capital conseguiu superar parte do problema do subconsumo fazendo partícipe de umha parte da mais-valia explorada na periferia do sistema sectores das camadas popula-res das sociedades do centro do sistema-mundo; na actualidade, o processo está a ser torpedeado por umha outra ferramenta que o capital pujo em andamento para re-duzir a queda da taxa de ganho.

As deslocalizaçons das actividades produtivas das grandes empresas para espaços onde o custo da mao de obra é

A repressom espanhola pretende esmagar a Galiza rebelde e combativa

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5Nº 51. Janeiro, Fevereiro e Março de 2009 aNÁliSE

As revoluçons atlánticas de finais do sé-culo XVIII iniciárom o processo de conces-som da igualdade jurídica à populaçom judia da Europa Ocidental. O processo inicia-se com a Declaraçom de Direitos de Virgínia em 1776 e a Declaraçom de Direitos do Homem e do Cidadao em 1789. Em 1791, a Assem-bleia Nacional francesa concede os direitos civis a todos os judeus que emprestarem juramento como cidadaos e desde esse mo-mento, e apesar de retrocessos temporários no processo, a situaçom de normalizaçom desta minoria religiosa alarga-se em toda a zona até a plena igualdade de direitos atin-gida no século XIX (com a excepçom de Por-tugal que a decretará em 1910). Desde esse momento, a populaçom judia constitui mais umha minoria religiosa num sistema político liberal e capitalista que reconhece sem gran-des problemas a liberdade religiosa.

A situaçom na Europa Oriental é muito diferente, nos territórios sob domínio do Império Otomano a populaçom judia vive nu-mha situaçom de relativa toleráncia enquan-to nas zonas sob domínio do Impêrio Russo a desigualdade jurídica persiste, as leis impo-nhem a discriminaçom1 e as perseguiçons e os massacres som freqüentes, os progroms2 de 1881 e de 1882 na Rússia, Ucránia e Po-lónia fôron especialmente numerosos e bár-baros provocando a emigraçom de milhares de judeus face à América e Europa Ocidental e umha reacçom de alguns dos intelectuais judeus que proponhem a criaçom de umha pátria para os judeus oprimidos3.

A Europa Ocidental está no último terço do século XIX em plena expansom imperia-lista, as grandes potências europeias colo-nizam praticamente todo o mundo e, junto à ocupaçom política e militar do território, expandem umha ideologia nacionalista e reaccionária com base no darwinismo social e que sustenta a superioridade racial euro-peia, nomeadamente ariana, germana ou anglo-saxónica, sobre o resto dos povos, o que justificaria o dominio europeu sobre o mundo com o fim de o civilizar. Ao mesmo tempo que há um processo de assimilaçom das minorias dentro dos estados liberais, cresce um nacionalismo excludente baseado nas ideias da luita de raças de Gobineau e Chamberlain4 que adopta posiçons marca-damente anti-sionistas e levam intelectuais judeus a ligar com as ideias e organizaçons judias procedentes da Europa Oriental.

Um desses intelectuais, o jornalista vienês Theodor Hertzl, escreve em 1896 um livro intitulado Der Judenstaat (O Estado ju-deu) em que trata o problema judeu como umha questom nacional e nom como um pro-blema sócio-religioso e, adoptando as ideias mais reaccionárias dos nacionalismos eu-ropeus, propom solucionar a questom judia com a criaçom de um Estado nacional num território sob domínio estritamente judeu. Ao mesmo tempo que publica o seu livro, Hertzl funda o Movimento Sionista e, em 1897, reú-ne em Basileia o Primeiro Congresso Mundial Sionista que pom as bases para umha rígida e disciplinada organizaçom política sionista e determina que o futuro fogar nacional dos judeus deve ser a Palestina.

A reacçom da maioria dos grupos e in-telectuais judeus europeos foi contrária às propostas sionistas. Para os judeus liberais partidários da assimilaçom nos seus países as ideias sionistas reforçavam as ideias do nacionalismo reaccionário e anti-semita dos distintos países europeus que negavam a possibilidade de que os judeus fossem au-tênticos patriotas já que, diziam, no fundo queriam umha naçom judia. Para os judeus progressistas, basear em conceitos religio-sos a definiçom de naçom era fundamente reaccionário e só podia levar a um Estado racista e xenófobo.

Apesar de todo, as potências europeias acolhêrom com agrado a nova teoria e apoiá-rom a organizaçom e expansom do sionismo. O grande êxito de Hertzl consistiu en fazer coincidir os interesses do sionismo com os do imperialismo, muito especialmente com os interesses do imperialismo inglês. Desde o primeiro momento, Hertzl insistiu en fixar a sede do movimento sionista em Londres e buscar o apoio británico para o seu projecto de colonizaçom da Palestina. Todos os paí-ses europeus vírom no sionismo umha possí-vel soluçom para o problema que supunha o

1 As Leis de Maio, promulgadas em 1882 polo Czar Alexandre III de Rússia, por exemplo, limitam as garantias jurídicas dos judeus e limi-tam aínda mais as suas áreas de residência. A segregaçom física da populaçom judia, os ghettos som um facto que persistirá até o triunfo da Revoluçom Soviética de 1917.

2 Matanças colectivas.3 Leo Pinsker: Autoemancipaçom, 1882.4 Tanto o Conde Gobineau (1816-1882) como H. St. Chamberlain (1855-

1927) sustentavam que a força motriz das sociedades era a luita de raças.

riados dessas quintas fossem exclusivamen-te judeus8 e organizou um grupo paramilitar sionista em cada umha delas, o hashomer, que pouco despois se convertiria no Haga-nah, o principal braço armado do movimento sionista. Em 1908, os colonos sionistas lo-gram construir o primeiro bairro exclusiva-mente judeu, Tel Aviv, perto da cidade pales-tiniana de Iafa.

A judeizaçom de todos os postos de tra-balho nas terras e bairros adquiridos polos sionistas e a presença de milícias formadas por estrangeiros armados provocárom o re-ceio da populaçom nativa, que enviou protes-tos e delegaçons a Istambul para explicar a situaçom e exigir o fim da colonizaçom judia na Palestina, mas a decadência do Império Otomano e a corrupçom dos seus dirigentes e administradores9 impediu qualquer solu-çom ao problema.

A Primeira Guerra MundialQuando em 1914 começa a Primeira

Guerra Mundial, o Império Otomano luitará junto à Alemanha e Áustria-Hungria contra Gram Bretanha e os seus aliados. Após so-noros fracassos na frente turca, os aliados encabeçados polos británicos optárom por contactar com os principais líderes árabes com o fim de atraí-los ao seu bando, debi-litando os turcos no seu próprio território. O representante da coroa británica no Egipto, Henry Mac Mahon, estabeleceu um acordo com o mais destado dirigente árabe, o emir Hussein de A Meca, prometendo-lhe o califa-do e a independência de toda a zona árabe da Ásia (as actuais Síria, Líbano, Palestina, Jordánia, Iraque e o norte da Península Ará-bica). Os árabes sublevárom-se contra os turcos. Ao mesmo tempo que prometiam a liberdade aos árabes, França e Gram Breta-nha repartiam-se entre as duas o domínio de

negócios a palestinianos ou árabes residentes na zona e regressavam aos seus países ou emigravam para a América. Para evitar todo isto, o Comité Colonial Judeu ideou os kibutz, centravam os novos colonos recém chegados em quintas ou bairros exclusivamente judeus, a pro-priedade colectiva da terra evitava que pudessem vendê-la e abando-nar a Palestina e a segregaçom acabaria irritando os palestinianos e convertendo-os em inimigos.

8 O plano chamava-se Kibush Avodah.9 Por exemplo, o governador turco da província de Jerusalém, Rashad

Pashá, permitia, em troca de quantidades importantes de dinheiro e presentes, a residência e posse de propriedades aos judeus russos chegados à Palestina em qualidade de turistas.

toda a zona árabe asiática10 e o ministro dos Negócios Estrangeiros británico, Lord Bal-four, assina umha declaraçom prometendo a criaçom de um lar nacional para os judeos na Palestina11 com o fim de ganhar o apoio do poderoso lobby sionista norte-americano para que os Estados Unidas entrem na guer-ra em favor dos aliados. O presidente Wil-son, que ganhou as eleiçons prometendo que os estado-unidenses nunca participariam na guerra europeia, declarou a guerra aos Im-périos Centrais.

As tropas do general Allenby entrárom na Palestina a 11 de Outubro de 1917, ini-ciando deste jeito o controlo británico da zona, ainda que houvesse que aguardar até o dia 24 de Julho de 1922 para que o Conselho da Sociedade de Naçons legalizasse a situa-çom, ao confiar oficialmente o mandado da Palestina a Gram Bretanha. O decidido apoio británico e norte-americano ao movimento sionista impulsionou a colonizaçom judia e aumentou os privilégios dos colonos sionis-tas na Palestina, ao tempo que frustrava as aspiraçons nacionais árabes, provocando o início de fortes protestos populares, a pri-meira de grande importáncia, em Abril de 192012, esmagada sem contemplaçons polas tropas británicas e os seus auxiliares das milícias sionistas. Perante a instabilidade da situaçom, os militares británicos encarrega-dos da administraçom da Palestina enviárom informes ao seu governo recomendando por fim à colonizaçom judia, fôrom imediatamen-te substituídos. O seu sucessor, Louis Bols, enviou um informe no mesmo sentido em Março de 1919, foi demitido do seu cargo. Fi-nalmente, os británicos enviárom como Alto Comissionado Civil para a Palestina o judeu sionista inglês Herbert Samuel, a identifica-çom entre colonialismo judeu e ocupaçom británica ficou clara entre a populaçom pa-lestiniana.

Entre 1924 e 1929 a pressom coloniza-dora sionista diminuiu e muitos judeus aban-donárom a Palestina. O fim da crise de pós-guerra e os felizes anos vinte mantivérom e figérom voltar aos seus países muitos colo-nos judeus e houvo umha certa tranquilidade na zona até 1929 quando, dotados de novos planos de colonizaçom e novo financiamento, os sionistas iniciárom umha nova vaga colo-

10 Assinados em 1916 em Londres polo británico Mark Sykes e o fran-cés G. Picot, os Acordos Sykes-Picot fôrom parte de um protocolo de um acordo anglo-franco-russo mais amplo e constituem um claro exemplo da denominada diplomacia secreta praticada polas potências imperialistas da época. Neles acordava-se a divisom das áreas de influência de ambos países na Asía árabe, com excepço da Península Arábica, correspondendo a Gram Bretanha, Mesopotámia, Palestina e Transjordánia e a França, Síria. Conhecêrom-se quando os bolchevi-ques tomárom o poder na Rússia e, inimigos da diplomacia secreta, publicárom os acordos.

11 A Declaraçom Balfour foi parte de umha carta datada a 2 de Novembro de 1917 e dirigida ao banqueiro judeu sionista inglês Lord Rothschild (o que é muito indicativo do carácter da aliança entre o capital, o impe-rialismo e o sionismo) para ser transmitida às organizaçons sionistas e que, entre outras cousas, dizia: Tenho o grande prazer de enviar-vos, de parte do governo da Sua Majestade, a seguinte declaraçom simpatizando com as aspiraçonns judeu-sionistas, declaraçom subme-tida ao governo e aprovada polo mesmo. O governo da Sua Majestade considera favoravelmente o estabelecimento na Palestina de um lar nacional para os judeus e empregará todos os seus esforços para facilitar a realizaçom deste objectivo, ficando claramente entendido que nada se fará que puder prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades non judias existentes na Palestina, nem os direitos ou o Estado político de que gozam os judeus em qualquer outro país.

12 Por ocasiom da festa do profeta Musa, concentrárom-se em Jerusa-lém milhares de palestinianos. Durante a celebraçom pronunciárom-se discursos de claro conteúdo anticolonialista contra británicos e sionistas. Quando a manifestaçom se achegava à Porta de Iafa reben-tárom várias bombas e escuitarom-se disparos, à confusom inicial seguiu-se umha revolta geral palestiniana que se estendeu por todo o país entre os días 4 e 10 de Abril com o resultado de 10 mortos e 250 feridos.

Sionismo: breve história de umha ideologia criminosa

Xoán

Gab

eira

s

nizadora. A provocaçom inicial foi em Agosto desse mesmo ano, um grupo de sionistas fa-náticos tomárom o Muro das Lamentaçons, em pleno bairro árabe, içarom a sua bandei-ra, cantárom o seu hino e insultárom o Islám. À semana seguinte, festa do nascimento de Maomé, começárom os confrontos entre co-lonos e palestinianos que se estendêrom por todo o território. Paus e pedras contra as armas de fogo dos colonos sionistas e britá-nicos ocasionárom 300 mortos, 500 feridos e 1.000 detidos. A administraçom británica tivo que pedir reforços militares à metrópole.

Depois do massacre, os británicos ten-tárom acalmar a situaçom sem tocar nen-gum dos privilégios sionistas, mas a Grande Depressom primeiro, e o ascenso dos nazis ao poder na Alemanha depois, aumentou por milhares o número de refugiados judeus na Europa e as pressons dos países receptores sobre Gram Bretanha para que se lhes abris-sem as fronteiras da Palestina: 150.000 ju-deus centreuropeos invadírom o país. Desde 1923 a 1937, o número de colonos sionistas na Palestina passou de 75.000 a 415.000. A pressom sobre os árabes, sobre as suas terras e sobre os seus postos de trabalho desencadeou a grande insurreiçom palesti-niana de 1936. Para a esmagar, foi necessá-ria umha estreita colaboraçom militar entre británicos e judeus, a formaçom da polícia nacional judia, a intensa e tolerada acçom dos grupos terroristas judeus e a colabora-çom de umha boa parte da direcçom política árabe e palestiniana.

A Segunda Guerra MundialA Segunda Guerra Mundial obrigou os

británicos a neutralizar as tensons com os árabes para atraí-los ao seu bando, e figérom-no arrumando os planos de parti-cipaçom da Palestina em dous estados que vinham madurecendo desde 1937; além de frearem a emigraçom judia, aplicárom um controlo estrito sobre a venda de terras e propugérom um plano para a independência da Palestina com um só Estado e umha só constituiçom. A maioria dos sionistas, ater-rados perante a barbárie nazi, aceitárom a nova situaçom e aguardárom a que o perigo passasse.

E passou, em 1942 a direccom sionista era consciente de que os nazis nunca che-gariam à Palestina e que a derrota de Hitler era questom de tempo, e readaptárom a sua estratégia. Convencidos de que o principal factor que impedia a criaçom do seu estado era Gram Bretanha, umha vez finalizada a guerra, decidírom pressionar os británicos para que abandonassem o país, reclamá-rom a possessom de toda a Palestina para o futuro Estado judeu e substituírom a sua aliança preferente com o velho e esgotado imperialismo inglês por outra com os Esta-dos Unidos, nova cabeça reitora do imperia-lismo mundial. O terrorismo sionista centrou os seus ataques nos británicos e, apesar de que a resposta repressiva destes nom foi parelha à aplicada aos palestinianos no 36, assustou os líderes sionistas, permitindo a Ben Gurión impor na direcçom do movimento a sua ideia de aceitar, quando menos tempo-rariamente, a partiçom da Palestina em dous estados. A partiçom que propunham era que os judeus ficariam com toda a Palestina com a excepçom de Cisjordánia e Gaza.

Naturalmente, tal partiçom implicava umha necessidade nova, eliminar o principal problema que se podia opor a um estado judeu homogéneo após a retirada británica: o povo palestiniano. Ben Gurión é conscien-te do problema desde 1937 e encarrega à Haganáh um plano para a tomada e limpe-za étnica da Palestina. Finalmente, a 10 de Março de 1948, umha reuniom de dirigentes sionistas encabeçados polo próprio Ben Gu-rión aprova a quarta versom de dito plano, o Plano D, que regerá a ocupaçom e destrui-

Vítimas indefesas do terrorismo sionista

passa à página 6

crescimento contínuo da emigraçom judia de Europa Oriental, além de propor a criaçom do Estado judeu fora da Europa e, concreta-mente, na Palestina, um território com umha crescente importáncia estratégica para o controlo do Oriente Médio e que, a finais do século XIX, estava sob domínio do Império Otomano. Esse Estado judeu levaria os refu-giados do leste, criaria umha entidade arti-ficial num território alheio estrategicamente situado para facilitar o controlo das rotas co-merciais que passavam polo canal de Suez e o Mediterráneo Oriental, situava umha base política e militar permanente num território que o petróleo transformava em estratégico para o desenvolvimento do capitalismo mun-dial e, como estava rodeada por populaçom árabe pouco desejosa de mudar a ocupaçom turca por outra ocidental, fondamente de-pendente da aliança com os seus patrocina-dores imperialistas. A aliança reaccionária e colonialista entre o imperialismo europeu e o sionismo é a marca de nascimento do Estado judeu.

Os primeiros militantes sionistas che-gárom à Palestina e comprárom terras aos latifundiários locais aproveitando-se da cor-rupçom da administraçom turca na zona. Mui aginha, as quintas dos colonos judeus estivé-rom na ruína e só a intervençom do banquei-ro sionista Edmond Rothchild lhes permitíu sobreviver. Para evitar novos fracassos, Hertzl criou em Londres o Comité Colonial Judeu e o Banco Colonial Judeu5 para orga-nizar e financiar a segunda vaga de colonos sionistas que chegou à Palestina entre 1905 e 1907 e na qual se incluía o sionista polaco David Gruen, alcunhado David ben Gurión6. Para evitar a integraçom com a populaçom local e a deserçom das fileiras sionistas, a nova organizaçom dos assentamentos colo-niais judeus na Palestina adoptará a forma de quintas colectivas exclusivamente judias, os kibutz7. Ben Gurión imporia que os assala-

5 Jewish Colonial Trust.6 David Gruen, alcunhado David ben Gurión, nasceu em Plonsk (Polónia),

daquela sob domínio czarista, em 1886 e chegou à Palestina em 1906 convertido num fanático sionista. Entre 1920 e 1970, ano em que se retiru da política activa, foi o principal dirigente sionista.

7 Muitos sionistas da primeira vaga acabárom integrando-se com os seus vizinhos, negociavam, trabalhavam ou comerciavam com os palestinianos. Outros muitos, arruinados, vendiam as suas quintas ou

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Nº 51. Janeiro, Fevereiro e Março de 20096 aNÁliSE

çom das áreas rurais e urbanas palestinia-nas e o assassinato ou expulsom dos seus habitantes.

Farto da situaçom, o governo británi-co passou o problema palestiniano à re-centemente criada Organizaçom das Na-çons Unidas (ONU) em Fevereiro de 1947 e esta aprovou 29 de Novembro do mesmo ano a Resoluçom 181 de Partiçom da Pa-lestina. A limpeza étnica começou a inícios de Dezembro desse mesmo ano e seguiu até que a 10 de Março de 1948 se siste-matizou seguindo o Plano D. O primeiro objectivo, os centros urbanos palestinia-nos, logrou-se na sua totalidade a finais de Abril, nesta fase 250.000 palestinianos fôrom assaasinados ou expulsos dos seus lares13. No dia 14 de Maio, em plena ope-raçom, o Conselho Nacional Judeu, pre-sidido por David Ben Gurión, proclamou o nascimento do Estado de Israel. Ao dia

13 Ao finalizar a aplicaçom do Plano D mais de 700.000 palestinianos fôrom expulsos da sua terra. Nesta primeira fase produziu-se o massacre de Deir Yassin.

Sionismo: breve história de umha ideologia criminosalogrou criar e consolidar o seu projecto. Com umha direcçom política e organizativa brilhante, trabalhadora e sem escrúpulos conseguiu a consumaçom de umha aber-raçom histórica: o nascimento do Estado de Israel.

As guerras de 1948, 1956, 1967, 1973, 1982, 2006 e o ataque a Gaza dos passados meses de Dezembro e Janeiro nom serám as únicas. Israel é um Estado agressivo, criminoso e expansionista, que nunca delimitou as suas fronteiras. A sua prioridade neste momento é completar e consolidar a colonizaçom do que fica da Cisjordánia e neutralizar o Irám, despois já se verá. A esperança, para qualquer pessoa progressista do mundo nom reside na criaçom de dous estados na Palestina, mas na destruiçom completa do Estado de Israel. No Líbano, em Agosto do 2006, e em Gaza no passado Natal, pola primeira vez na sua história, o sionismo foi derro-tado.

Xoán Gabeiras é presidente de Galiza por

Palestina

tivaçom de secçons na Galiza, Portugal e Brasil, que alargam o campo informativo de Kaos de maneira importante.

Euskal Herria, os Països Cataláns, Cuba e Venezuela som outros países cujas luitas som acompanhadas de maneira pon-tual e rigorosa pola equipa redactora de Kaos en la Red, que já constitui umha importantíssima rede de confronto informativo ao discurso e às práticas intoxicadoras do sistema.

Nicolas BénièsPetit manuel de la crise financière et des autres…Éditions Syllepse, Paris 2009. 192 páginas

O autor, economista, encar-regado de curso na Universidade Popular de Caen, colaborador de Le monde diplomatique e membro do Novo Partido Anticapitalista, reflecte sobre umha crise estrutural, sisté-mica, de carácter ecológico (talvez

um conceito neutro em excesso de nom advertir que o que im-porta é ressaltar a necessidade dumha crítica teórico-prática dum capitalismo que vincula indisoluvelmente a exploraçom dos dominados e a destruiçom da natureza e da biosfera polo capital): económica, social, política, ideológica, de desenvolvi-mento, monetária, financeira… Umha crise integral.

Umha crise de produçom, reproduçom, intercámbio e consumo que nom pode maquilhar-se de imobiliária ou apenas financeira como se está a propagar desde o poder político-ideológico de EE.UU. e da UE nos mass media públi-cos e privados.

Iste manual contribui a patentear as regras de fun-cionamento do sistema capitalista, os mecanismos amiúde escondidos e que cumpre saber descodificar. Em contra da ideologia veiculada polo neoliberalismo, nom é aos merca-dos a quem antes de mais há que acusar, aliás as formas de acumulaçom do capital, o modo de efectuar a criaçom de riquezas.

Depois dumha recordaçom da encenaçom do desen-volvimento da crise em curso que se inscreve na um pouco esquecida teoria dos ciclos, o autor pom à vista as políticas liberais implementadas polos governos dos países capitalis-tas a partir dos anos oitenta do século passado.

Também se oferecem alternativas possíveis na perspec-tiva dumha outra mundializaçom e, neste quadro, da constru-çom dumha Europa altermundialista.

Umhas fichas explicativas a respeito das aberrantes inovaçons financeiras e os começos de resposta das autori-dades monetárias e governamentais permitem compreender o que está em jogo nos níveis políticos em curso.

Nicolas Béniès, entendido em música de jazz, introduce-nos numha música bem distinta da que nos tocam incessan-temente os corifeus do imperialismo.

Poda que nom esteja de mais fechar iste rascunho com umhas palavras de Marx em O Capital: O verdadeiro límite do modo de produçom capitalista é o próprio capital, é o feito de que o capital e a sua autovalorizaçom aparecem como o ponto inicial e o ponto final da produçom, como o seu motivo e o seu fim; que a produçom é somente produçom para o capital e nom, ao contrário, que os meios de produçom sejam simples meios para um desenvolvimento cada vez maior do processo de vida em favor da sociedade dos produtores.(Do-mingos Antom Garcia Fernandes)

Carlos TaiboFendas Abertas. Seis ensaios sobre a cuestión nacional.Edicions Xerais, Vigo 2008. 179 páginas

Apresentam-se neste livro seis artigos baseados em trabalhos publi-cados polo Carlos Taibo entre 1995 e 2007 em diversas obras e publicaçons, entre elas este mesmo vozeiro e o livro A Galiza do século XXI da Abrente Edi-

tora. Como evidencia o próprio título deste ensaio, o fio comum de todos estes artigos é a chamada “questom nacional”, questom que, a pesar dos agoireiros do sistema, segue mui viva hoje, mes-mo quiçá mais do que em décadas anteriores, dados os ataques que a globalizaçom capitalista exerceu e exerce contra as identi-dades, os direitos e as bases materiais de tantos povos do mundo, como bem sabemos @s galeg@s.

É obrigado destacarmos, para começar, a claridade expositi-va característica do autor, algo que é de agradecer e que demons-tra que a sua vontade é a de ajudar a compreender a questom tratada a um público amplo, e nom amosar as suas capacidades intelectuais com linguagens crípticas e textos aborrecidos e aca-demicistas.

Também tem a virtude de pôr de manifesto as críticas que habitualmente recebem os movimentos nacionalistas por parte dos aparelhos de propaganda dos Estados (essas que a tod@s nos soam d@s sisud@s tertulian@s dos meios de comunicaçom metropolitanos) e contrapor argumentos para rebater as mesmas. Mas sem por elo ocultar nem negar aspectos negativos que estes movimentos nalguns casos podem ter, já que dentro do polisé-mico termo “nacionalismo” cabem desde reacçons etnicistas até movimentos de libertaçom nacional de carácter emancipador e popular, passando polas ideologias justificadoras de Estados im-perialistas como Espanha (caso tratado mais polo miudo num des-tes artigos) que, porém, soem negar que elas próprias sejam na-cionalistas, e consideram-se realidades “naturais e inalteráveis”, quando na realidade tenhem, com sorte, uns quantos séculos de história forjada a sangue e lume contra as naçons ocupadas e a classe trabalhadora.

Outro tema tocado ao longo da obra é o da relaçom entre as diversas correntes da esquerda, o Estado e a questom nacional, com posiçons bastante variadas segundo a corrente mas também ao longo do tempo e no contexto nacional concreto. É de destacar a ideia de que o nacionalismo tem de ir da mao do internaciona-lismo, e de que o segundo sem o primeiro pode ser um “exercí-cio baleiro produto da ignoráncia de muitas realidades marcadas pola opressom e a injustiça”, algo que cert@s internacionalistas “ortodox@s” deveram considerar mais seriamente.

Finalmente também trata a situaçom da questom nacional na Europa do Leste, especialidade da casa, apresentando a complexa, e por vezes trágica, evoluiçom desta na história da URSS, e tam-bém os casos, mais próximos no tempo, dos diversos nacionalis-mos na Europa centro-oriental e nos Balcáns. (Anjo Torres Cortiço)

Xoán Carlos Abad GallegoCen personaxes en torno a unha guerra Instituto de Estudios Vigueses, Vigo 2008. 633 páginas

No livro Cen persona-xes em torno a unha guerra, Xoán Carlos Abad recupera as personagens protagonis-tas no advento da República

e as vítimas e vitimários do Genocídio Galego na comarca de Vigo. A introduçom é quase umha desculpa nesses ter-mos já “sovados”, cansativos, que já estamos afeitos a ouvir: ”Velaqui outro livro da Guerra Civil”, seria lógico, segundo di a introduçom, que pensasse, quem desse com o título no andel da livraria. Umha escusa desnecessária que manifesta com incerteza a opiniom de quem talvez pu-desse ser acusado de morno equidistante. Mas comprei o livro porque conheço o autor e o seu trabalho, tam inte-ressante como imprescindível para conhecer e entender o sucedido especificamente na comarca de Vigo e, sem dúvida, na Galiza; o Genocídio Galego.

Porém, poderia parecer que Xoan Carlos Abad com o título escolhido Cen personaxes en torno a unha guerra queria estabelecer a dúvida já instalada a partir da falsa equidistáncia e as “concórdias” à força do regime bour-bónico. Na Galiza nom houvo guerra, houvo um extermínio sistematizado do que no livro, o autor, dá boa conta a par-tir da introduçom dispensável; do bom e do mau, do gre-garismo e do maniqueísmo... o livro começa a ser o que é, documento imprescindível, a partir dos esclarecimentos desnecessários que soam a escusa incongruente de al-guém que, tendo umha obra imprescindível, nom preci-sa de desculpar-se: um tesouro, desde a página 19: Os factos. Porque nos situa no momento histórico prévio às eleiçons municipais, através dos jornais da época, como El Pueblo Gallego, que no seu editorial do dia 22 de Feve-reiro de 1931 finaliza dizendo, referindo-se às demandas de liberdade de informaçom dos leitores: “ ... havemos de relembrar, após um parêntese recém aberto, nos foi imposto o regime de censura”.

Umha narraçom detalhada, com a composiçom das candidaturas; com os nomes das vítimas e carrascos! Com muitas reproduçons de artigos e noticias de El Faro de Vigo; jornal oficioso dos monárquicos que já era reac-cionário e beligerante contra a República. Talvez, faltem alguns personagens (sempre faltaram pessoas!) mas com certeza nom existe nengum livro referido a nossa história recente que faga umha compilaçom tam exaustiva para nos situar e podermos entender os factos acontecidos e comprovarmos, mais umha vez, a procedência política da direita galega e a herança do regime criminoso, muitos nomes continuam a ser os mesmos. (Xavier Moreda)

LIVROS

WEBA publicaçom pode ser feita de maneira aberta na coluna

de publicaçom livre, encarregando-se a equipa redactora de distribuir e destacar os conteúdos em funçom do seu interes-se. Além dos textos informativos, nom falta umha longa lista de colaboradores e colaboradoras que escrevem na secçom de Opiniom.

Estamos, em definitivo, diante de um espaço imprescin-dível para acompanharmos a pulsom das luitas sociais que se desenvolvem a nível internacional, as luitas que os meios da burguesia se empenham em ocultar-nos ou manipular e que Kaos nos mostra a partir da perspectiva dos seus protagonis-tas: os povos insurrectos que fam frente ao kaos capitalista.

Kaos en la Redwww.kaosenlared.net

O portal contrainformativo que nesta ocasiom recomenda-mos é um dos maiores e de mais qualidade do ámbito anticapita-lista. Frente a outros de teor mais académico ou teórico, o prin-cipal objectivo de Kaos é dar voz a todos os movimentos sociais e políticos que se enfrentam ao sistema capitalista mundial, informando de todo o tipo de iniciativas de base anti-sistema.

Se bem o idioma principal é o espanhol, tendo surgido da simbiose entre grupos de militantes do Estado espanhol e de alguns países da América Latina, cada vez é mais comum ver textos escritos em galego-português. O motivo é a recente ac-

Bombardeamento a napalm da baixa do Cassange, seqüestro espectacular do paquete “Santa Maria”, assalto às cadeias de Luanda, onda de massacres no norte de Angola, regresso de colonos em pánico, conspiraçom abortada de Botelho Moniz, reacçom ultra obstinada de Salazar (“para Angola, rapidamente e em força!”), embar-que de milhares de soldados –o ano de 61 começa em ritmo estonteante. Ao contrário do que se poderia esperar, contodo, o Par-tido Comunista Português tardou a reagir a este anúncio do fim do colonialismo portu-guês que colocava em bases inteiramente novas a luita polo derrubamento da dita-dura.

Se há umha campanha que domina a actividade do partido nesse ano de vi-ragem, nom é de modo nengum a do lan-çamento da luita contra a guerra, mas a do reatamento da Unidade com as forças liberais, seriamente abalada polo anterior “desvio de direita”1. Álvaro Cunhal pros-seguiu em 1961 a consolidaçom da sua di-recçom, iniciada no ano anterior com a sua evasom da cadeia e reintegraçom no posto dirigente. Das duas reunions realizadas polo Comité Central nesse ano, umha, a de Março, é dedicada à aprovaçom do relató-rio sobre o “desvio de direita”, e a outra, em Setembro, ocupa-se com a táctica para as “eleiçons” para a Assembleia Nacional. Por ordem da comissom executiva do CC, o aparelho e os funcionários do partido som mobilizados para reunions, contactos e ne-gociaçons com vistas à formaçom de listas da Oposiçom concorrentes às “eleiçons” de Outubro desse ano.

Esta lentidom do PCP em reagir ao desencadeamento das guerras coloniais reflectia umha política antiga, que subordi-nava a questom colonial à busca de umha aliança com a Oposiçom democrática.

“unidade com as colónias”Se é um facto que, desde inícios dos

anos 50, havia declaraçons programáti-cas do partido fazendo referência ao “di-reito de autodeterminaçom” dos povos coloniais, do ponto de vista político o PCP considerava mais “realista” encarar estes como “aliados do povo português na luita contra a ditadura fascista”. Vendo o fim do colonialismo como longínquo e receando que umha campanha anticolonial causasse contradiçons com a oposiçom republicana, o PCP procurava enquadrar as aspiraçons de emancipaçom das colónias como parte da luita pola instauraçom da democracia em Portugal.

É assim que, na imprensa do PCP da época, a questom colonial surge quase sempre sob a óptica da denúncia da en-trega das “riquezas nacionais” aos impe-rialistas: “O governo fascista de Salazar resolveu deportar milhares de trabalhado-res para as colónias, mao de obra barata para os imperialistas norte-americanos e ingleses a quem criminosamente entregou o melhor das nossas riquezas coloniais”; “As colónias portuguesas, praças de armas e fontes de matérias-primas dos imperia-listas americanos”, os quais se informam pormenorizadamente “sobre as riquezas existentes nas nossas colónias”, “apoderá-rom-se do melhor das riquezas das colónias portuguesas”; etc.2 Quando o Avante se re-feria propriamente à situaçom dos povos coloniais defendia em regra apenas o seu direito a melhores condiçons de vida… em unidade com os colonos portugueses: “Uni-vos aos trabalhadores brancos, explorados e oprimidos como vós, que querem derru-bar o governo de Salazar e criar um outro que poda trabalhar pola felicidade de todos os trabalhadores, sem distinçom de raça ou de cor!”’3 Este anti-salazarismo multirracial

1 No período 1956-59, sob a direcçom de Júlio Fogaça, Pires Jorge, Octávio Pato, Pedro Soares, Dias Lourenço, o PCP inflectiu a sua política de acordo com a linha da “coexistência pacífica” praticada por Moscovo, propondo nomeadamente o “afastamento pacífico de Salazar”, o que o levou a trocar a busca tradicional de alianças com a corrente republicana-liberal por umha aproximaçom a gru-pos golpistas, salazaristas descontentes, católicos, etc.

2 “Ruína, miséria e exploraçom dos povos das colónias”, Avante nº 152, Outubro 1950: “Os salazaristas seguem o caminho da ruína e da entrega das colónias aos monopolistas estrangeiros”; “Desemprego, fome e miséria nas colónias”, Avante nº 153, de Novembro de 1950; Avante nº 164, Janeiro de 1952; “Fora com os americanos das colónias!”, Avante nº 188, Junho 1954; etc.

3 “As massas trabalhadoras africanas luitam contra a escravatura e contra o fascismo”, Avante nº 138, de Julho de 1949; “Trabalho escravo nas colónias. Chamamos os povos coloniais à luita contra

Primeiros militantes sionistas

Vem da página 5

Há agora um ano, na madrugada de 22 de Abril de 2008 falecia em Lis-boa Francisco Martins Rodrigues. Como modesta homenagem à me-mória do camarada Chico a redac-çom do Abrente publica um trabalho pouco conhecido do revolucionário comunista português.

seguinte os británicos abandonárom a Pa-lestina. A barbárie ficou consumada.

Umha ideologia baseada na irraciona-lidade (a secularizaçom e nacionalizaçom de um mito religioso), excludente, colo-

nialista, aliada do pior imperialismo e da reacçom mundial, que nasce destruindo e deslocando a populaçom de um país e lo-gra os seus objectivos mediante o assas-sinato e os crimes contra a humanidade,

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7Nº 51. Janeiro, Fevereiro e Março de 2009 iNtErNacioNal

veiculava umha ideia de integraçom, nom a da autodeterminaçom.

Quando surgiu o “caso de Goa” com a pressom crescente dos patriotas indianos em torno dos enclaves portugueses, a tóni-ca das posiçons assumidas polo PCP foi se-melhante. Punha-se em foco a necessidade de umha “soluçom pacífica do problema”, omitindo a inadmissibilidade da caquéctica presença colonial portuguesa num país que já conquistara a independência.4 E denun-ciava-se a política de “traiçom” do gover-no de Salazar ao entregar concessons aos monopólios estrangeiros, ao mesmo tempo que negava à burguesia portuguesa “a montagem de novas fábricas no continente e nas colónias”5. Esta linguagem, calculada para nom ofender os sentimentos colonia-listas dos democratas oposicionistas e da maioria da populaçom, entom ainda nom receptiva para a ideia de poder vir a perder o “Ultramar”, era um recuo nítido em re-laçom à atitude corajosa do Prof. Ruy Luís Gomes e outros dirigentes do MND (Movi-mento Nacional Democrático), levados a tri-bunal no ano anterior por terem defendido publicamente o direito de autodetermina-çom do povo de Goa, Damão e Diu.

Aliás, já na defesa de Álvaro Cunhal no Tribunal Plenário salazarista, em 1950, nom houvera qualquer referência ao direito de autodeterminaçom e independência dos povos das colónias portuguesas; em vez disso, era exposta a tese de que som os co-munistas os melhores defensores dos inte-resses da Naçom traídos pola grande bur-guesia – e o conceito de Naçom era esten-dido às colónias ao enunciar as empresas imperialistas aí instaladas, como se estas fossem um mero prolongamento do espaço nacional. Este colonialismo “esclarecido”, que também Bento Gonçalves assumira 14 anos antes, perante o Tribunal Militar, era agora particularmente chocante, porque, no intervalo, houvera a guerra mundial, o começo das independências coloniais e sobretodo o triunfo da grande revoluçom nacional na China, que deveriam ter levado Álvaro Cunhal a rever toda a posiçom do PCP a esse respeito.

A declaraçom de 1957Em 1957, finalmente, o 5º Congresso

do PCP fijo “o reconhecimento incondicio-nal do direito dos povos das colónias por-tuguesas de África, Ásia e Oceánia, domi-nados por Portugal, à imediata e completa independência”6. O PCP, alertado polo avanço do movimento anticolonial e decerto instruído polos contactos da altura com os partidos da Uniom Soviética e da China, to-mava consciência dos “ventos da História”.

Mas este passo em frente quanto à questom colonial nom era tam efectivo como poderia parecer. Porque, reconhe-cendo aos povos coloniais o direito à in-dependência, o congresso colocava como tarefa “um esforço orgánico de todo o nos-so partido para ajudar à formaçom no mais breve espaço de tempo, de partidos comu-nistas nas colónias, com vida própria”7. Seguindo esta orientaçom, foi lançada em Luanda umha tentativa algo precipitada para a formaçom de um partido comunista, gorada por umha série de prisons (o pro-cesso de 1959).

os negreiros salazaristas!”, Avante nº 163, Dezembro de 1951: “Os povos das nossas colónias devem organizar-se e luitar… pola igualdade de direitos, pola defesa dos seus interesses”; “Os povos coloniais som poderosos aliados na nossa luita pola paz e pola independência”, Avante nº 182, Novembro de 1953.

4 “Povos de Goa, Damão e Diu, avante na luita pola vossa liber-taçom!”, Avante nº 170, Agosto de 1952. “Política provocadora e agressiva do governo no caso da Índia ameaça a vida pacífica do povo português!”, Avante nº 190, Agosto de 1954, exprime a via paternalista da emancipaçom: “Dar autonomia aos povos colo-niais”, “prestar-lhes auxílio fraterno, abrir-lhes o caminho para umha vida livre”, “Pela soluçom pacífica dos casos de Goa, Damão e Diu!”, Avante nº 191, Setembro de 1954.

5 “O caminho para umha ampla Frente Nacional Anti-Salazarista”, informe da Comissom Política apresentado por “Amílcar” à VI Reuniom Ampliada do CC do PCP. Edições “Avante!”, 1955.

6 “Sobre o problema das colónias”, informe de “Freitas” ao V Con-gresso do PCP, 1957.

7 Resoluçons do V Congresso do Partido Comunista Português. Edi-ções “Avante”, Outubro 1957.

e marinheiros, a substáncia era a da luita pola melhoria do rancho e contra os abusos da disciplina. Palavras de ordem antifascis-tas nom existiam. Sabotagem do esforço de guerra estava fora de questom.

O que fazia todo o sentido: umha vez que se atribuía à oficialidade democrata um papel chave no “levantamento nacional” e sabendo-se que os oficiais, mesmo os mais liberais, nom tolerariam rupturas na cadeia de comando, havia que prescindir de umha organizaçom comunista de soldados, que tenderia naturalmente a virar a tropa rasa contra os comandos. Em abono desta orien-taçom, um dirigente do PCP citava a política seguida por Mao Tse-tung na luita contra o exército de Chiang Kai-chek”(!).10

O ano de 1961 termina com a queda dos enclaves portugueses na Índia, o des-vio do aviom da TAP e o gorado assalto ao quartel de Beja, conduzido por Varela Gomes, acçom em que participam, como é conhecido, militantes do PCP, à revelia da direcçom. Tornava-se gritante o atraso da direcçom do PCP quanto às novas exigên-cias de umha oposiçom violenta à ditadura e à guerra nas colónias.

O preço do compromissoSe analisarmos, à luz da situaçom nes-

se ano de 1961, a política anticolonial do PCP, torna-se patente o compromisso que a inspirava: condenava o governo fascista por reprimir os patriotas africanos mas nom saudava os movimentos de liberta-çom por terem desencadeado a guerra contra o ocupante português; reclamava a cessaçom da guerra mas nom apelava à acçom na retaguarda para a derrota militar do governo; repudiava as atrocidades de “meia dúzia de degenerados” mas nom de-nunciava o racismo da massa dos colonos e o chauvinismo secular entranhado no povo português e na própria classe operária; enumerava os prejuízos acarretados pola guerra à populaçom e à economia e com isto passava para segundo plano as obri-gaçons de solidariedade prática aos povos africanos; sob o apelo ao exército para nom reprimir as populaçons africanas ocultava-se a desistência do trabalho de subversom comunista no interior das forças armadas; e as ilusons num vasto movimento “de to-dos os democratas, patriotas e pessoas de coraçom” contra a guerra serviam para apagar o conflito de interesses entre os trabalhadores e a burguesia oposicionista, transportando o cego egoísmo desta para o interior do movimento popular.

A oposiçom do PCP nesses anos ini-ciais da guerra vacilava porque tentava conciliar o inconciliável: os interesses na-cionais dos povos africanos e os interesses colonialistas da oposiçom liberal; a luita contra a guerra e os preconceitos chauvi-nistas e racistas do povo; o dever de soli-dariedade activa aos africanos e a recusa à luita militar contra o regime.

Só a partir de 1966, com o avolumar da luita armada de libertaçom, o PCP passará a umha oposiçom mais activa à guerra, mas ainda aqui desempenhou um papel prepon-derante o interesse estratégico da URSS. Na época, como se sabe, os governantes soviéticos disputavam ao imperialismo dos Estados Unidos a influência sobre os movi-mentos de libertaçom africanos, ao mes-mo tempo que tentavam desviar estes da atracçom da China, entom em busca da sua própria base de apoio terceiro-mundista. A direcçom do PCP era nesta matéria um veículo indispensável para chegar aos mo-vimentos de libertaçom.

Por fim, o avizinhar do descalabro, o descontentamento crescente entre as tro-pas e na populaçom e os sinais de crise no regime fascista, convencêrom a direcçom do PCP a lançar-se francamente nas ac-çons de sabotagem do esforço de guerra e a empenhar-se a fundo no pronunciamento militar. O 25 de Abril acabou por dar um final feliz à tragédia das guerras coloniais e Álvaro Cunhal pudo proclamar o êxito da “revoluçom democrática e nacional”. As cedências e vacilaçons do PCP nos primei-ros anos da guerra fôrom esquecidas. Mas esses anos perdidos tivérom um pesado custo na evoluçom posterior do regime de-mocrático em Portugal e dos novos regimes africanos.

10 Blanqui Teixeira, numha reuniom da Comissom Executiva do CC, em 1962. Esquecia este emérito estratego militar que o ali-ciamento de oficiais do exército inimigo era para os comunistas chineses apenas um elemento auxiliar, numha luita cujo ponto de apoio era o seu próprio exército de libertaçom e as suas próprias zonas libertadas.

O ano de 1961

O PCP perante o começo das guerras coloniais

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comunistas e simpatizantes nom queriam ir para África massacrar guerrilheiros e populaçons, nom queriam ser cúmplices nesse crime. A resposta da direcçom do partido foi desde logo contra, polo “dever de acompanhar as tropas para as cons-ciencializar e organizar contra a guerra”. E citava-se, em abono desta posiçom, o tra-balho militar do partido bolchevique russo durante a primeira guerra mundial, que tinha gradualmente levado às insubordina-çons colectivas, às confraternizaçons entre tropas dos dois campos e à desagregaçom do exército. Mas, objectavam os militantes, podia-se comparar a táctica dos comunis-tas russos, adequada a exércitos luitando em frentes de combate definidas, com esta guerra “contra-subversiva”, com umha tre-menda desproporçom de forças e de arma-mento, guerra de ocupaçom, de massacres e torturas?

A direcçom do partido mantivo-se ina-balável. Quando muito, após extenuantes discussons, admitiu as deserçons desde que “organizadas, em grupo e no terreno”. A deserçom individual antes do embarque era condenável, pois representava “virar costas às massas por medo aos riscos da luita”. Afinal, o que a experiência demons-trou, logo nesse primeiro ano de guerra, foi que desertavam, regra geral, os militantes mais firmemente opostos à guerra e em-barcavam os mais propensos à vacilaçom e ao compromisso, os mais receosos de “estragar a vida” com a fuga aos deveres militares.

Por último, a guerra pujo a nu o fra-casso da orientaçom seguida polo PCP em relaçom à organizaçom militar. Com efeito, depois do desastre de 19369, os esforços do partido tinham-se deslocado da criaçom de células comunistas de soldados e ma-rinheiros para a formaçom de núcleos de oficiais antifascistas. O PCP abandonara, apesar dos retóricos apelos aos “filhos do povo fardados”, o trabalho de subversom das forças armadas. Em 1961, o partido imprimia numha sua tipografia clandesti-na o boletim Tribuna Militar, colaborado por oficiais, com apelos à rebeliom contra o regime, fazia umas reunions com alguns oficiais para colher informaçons e aperce-ber-se do estado de espírito da tropa e era todo... Nos raros contactos com soldados

9 O desmantelamento da organizaçom comunista na Armada, após o fracasso da revolta de 1936.

Esta urgência tardia na formaçom de partidos comunistas nas colónias, quando já havia movimentos de libertaçom consti-tuídos ou em fase avançada de formaçom, significava muito claramente que o PCP (provavelmente aconselhado pola URSS) tentava assegurar posiçons próprias nas novas naçons africanas emergentes. Os conceitos chauvinistas que se infiltraram silenciosamente nas fileiras do partido a coberto da Unidade com a oposiçom re-publicana adaptavam-se à nova situaçom, nom desapareciam. E causárom alguns choques internos no PCP nos anos iniciais da guerra colonial.

Conflitos internosÉ pouco conhecido o facto de o PCP

ter editado em Março, logo após o come-ço da guerra, dous manifestos diferentes em nome do Comité Central. Um primeiro manifesto, apelando “aos operários, cam-poneses e soldados” para se colocarem ao lado dos povos das colónias e contra o seu próprio governo, foi retirado da circulaçom por decisom de Cunhal. Em seu lugar, foi editado um outro em que se alertavam “to-dos os portugueses, todos os democratas e patriotas”, para os “prejuízos e sofrimen-tos” que para eles acarretaria a guerra nas colónias e para a necessidade de uniom de todas as forças na luita contra a guerra. A alternativa era clara: o PCP rejeitava umha linha de uniom entre os trabalhadores por-tugueses e os povos das colónias, com re-ceio de que isso prejudicasse a sua aliança com a oposiçom republicana. Como foi dito numa reuniom do Comité Central, em 1962, o partido nom podia “deitar por terra as po-siçons conquistadas”.8

Orientaçom confirmada logo a seguir, em Maio, quando o PCP se viu confrontado com o “Programa para a Democratizaçom da República”, lançado pola ADS (Acçom Democrato-Social). Os líderes republicanos colocavam, como seria de esperar, a ques-tom colonial em termos da necessidade de reformas democráticas na Metrópole e nos “territórios ultramarinos”, mas sem pôr em causa a legitimidade do domínio português sobre os povos africanos. Suscitada em algumas reunions do PCP a necessidade de criticar esta variante “democrática” do

8 Encarregado de redigir o primeiro manifesto, fum depois infor-mado de que este fora retirado da circulaçom por “nom corres-ponder à linha do Partido”.

Finou George Labica, revolucionário marxista e colaborador do Abrente

No passado dia 12 de Fevereiro perdemos um grande teórico e prá-tico da revoluçom socialista: o fran-cês George Labica, conhecedor da Galiza e colaborador da publicaçom do nosso partido, Abrente, através do companheiro comum Domingos Antom Garcia Fernandes.

colonialismo, como condiçom para a desco-lagem dumha oposiçom popular à guerra, o Secretariado do CC opujo-se a qualquer crítica pública, já que isso poderia deitar por terra os esforços com vistas à Unidade, nas “eleiçons” desse ano. A questom colo-nial continuava a ser vista como parte da política interna da Oposiçom.

Logo depois, a questom da deserçom despertou acesos conflitos na organizaçom do partido. Com a mobilizaçom e os em-barques de tropas, surgiu, especialmente no sector estudantil, que alimentava o contingente dos oficiais milicianos, umha forte tendência para desertar. Os jovens

Desembarco de umha coluna militar no Negage, em Angola, em 1961

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Edita: Primeira Linha. Redacçom: Rua Costa do Vedor 47, rés-do-chao. 15703 Compostela. Galiza. Telefone: 616 868 589 / www.primeiralinha.orgConselho de Redacçom: Comité Central de Primeira Linha. Fotografia: Arquivo Abrente. Correcçom lingüística: Galizaemgalego. Maqueta: ocumodeseño. Imprime: Litonor S.A.L. Encerramento da ediçom: 27 de Março de 2009Correspondência: Rua Costa do Vedor 47, rés-do-chao. 15703 Compostela. Galiza. Correios electrónicos: [email protected] / [email protected] / Tiragem: 3.000 exemplares. Distribuiçom gratuíta.Permite-se a reproduçom total ou parcial dos artigos sempre que se citar a fonte. Abrente nom partilha necessariamente a opiniom dos artigos assinados.

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Militantes, amigos e amigas do partido comemoramos 50 números de Abrente

Com umha ceia de confraternizaçom Primeira Linha comemoraou a saída do número 50 da publicaçom trimestral do nosso partido: Abrente. Foi num restau-rante da capital galega, no passado sá-bado dia 20 de Dezembro, contando com a presença de representantes de diferen-tes colectivos sociais nacionais e inter-nacionais, bem como com saudaçons de outros que, por diferentes motivos, nom pudérom acompanhar-nos.

Além da faceta gastronómica, a con-vocatória serviu para o reencontro com alguns companheiros e companheiras, pessoas que tenhem colaborado de al-gumha maneira para manter na rua a publicaçom comunista e independentista que o nosso partido vem publicando de maneira ininterrupta há 13 anos.

Igualmente, todos e todas as presen-tes levárom como obséquio um exemplar numerado da ediçom reduzida e nom venal de um volume que recolhe um ar-tigo seleccionado de cada Abrente desde 1996 até a actualidade, bem como as ca-pas dos 50 números.

Destaque para a presença dos dous máximos representantes do consulado da República Bolivariana da Venezuela na Galiza, David Fuentes e Pedro Ugue-to, bem como o director da publicaçom electrónica Aporrea, expoente comunica-tivo do movimento popular venezuelano, Gonzalo Gomes Freire, de origem galega.

Delegados e delegadas sindicais da CIG, representantes do movimento solidário internacionalista (Francisco Vi-lhamil, AGARB, CCB), membros da Asso-ciaçom Galega da Língua, do movimento juvenil independentista (BRIGA), do es-tudantado da esquerda independentis-ta (AGIR), de NÓS-Unidade Popular, do PCPG, de Corrente Vermelha, de numero-sos centros sociais e de outras entidades

sociais amigas acompanhárom-nos nesta comemoraçom.

No acto, tomárom a palavra a cama-rada Berta Lopes, o companheiro Domin-gos Antom Garcia Fernandes, velho cola-borador do Abrente, e o camarada Igor Lugris, membro fundador do partido e da nossa publicaçom.

A boa música de folc fusom galego, a cargo do grupo corunhês Chama-lhe Xis, deu passagem à festa até avançadas ho-ras da madrugada.

A todos e todas as que estivérom connosco, às que nom pudestes estar e a tantos e tantas que fazedes possível a continuidade do Abrente, agradecemos a vossa colaboraçom e fidelidade, e espe-ramos continuar a contribuir, na medida do que nos for possível, para a Indepen-dência Nacional e a Revoluçom Socialista Galega.

XIII Jornadas Independentistas Galegas

a vinte anos da queda do socialismo soviéticoPerspectivas da luita anticapitalista

Sábado 30 de Maio de 2009Centro Social O Pichel (Santa Clara, 21, rés-do-chao, Compostela, Galiza)

11 horas. Perspectivas revolucionárias perante a crise do sistema capitalista· Valério Arcary, militante marxista brasileiro, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília· Ana Barradas, conselho de redacçom da revista comunista portuguesa Política Operária · Domingos Antom Garcia Fernandes, filósofo marxista

17 horas. Vigência da Revoluçom socialista · Iñaki Gil de San Vicente, teórico marxista basco· Salvador Tió, militante revolucionário portorriquenho, membro da direcçom da Coordenadora Continental Bolivariana· Carlos Morais, Secretário-geral de Primeira Linha