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    1355O corpo no processo teraputico*

    | 1Marisa Ferreira Mendes |

    1Mestre em Psicologia (UGF),

    especialista em Terapia

    pelo Movimento Corpo e

    Subjetivao (Faculdade Angel

    Vianna). Endereo eletrnico:

    [email protected]

    Recebido em: 07/09/2010.

    Aprovado em: 08/09/2010.

    Resumo: Reich foi o responsvel por trazer o corpo para acompreenso do processo psquico, por meio de suas pesquisasrelativas ao ponto de vista econmico. Contudo, o trabalhocorporal por muito tempo esteve relegado a uma populaonem sempre reconhecida nos campos intelectual e social.

    Felizmente, essa situao vem mudando e o trabalho corporalvem ganhando reconhecimento e respeito. Se o trabalhosobre o psiquismo sempre muito delicado, se faz ainda maisdelicado quando envolve o corpo. As formas de subjetivaode nosso momento social favorecem adoecimentos psquicos.Profissionais de sade mental, especialmente psiclogos epsicanalistas, quando envolvidos no fenmeno transferencial,so chamados a interagir com todo o seu corpo, e no apenas

    com seus conhecimentos tericos e tcnicos referentes a uma

    abordagem intelectualizada. Por esses motivos, acreditamos queno preparo do profissionalpsise fazem necessrias no apenasa aprendizagem terica e sua anlise pessoal, como defendidoat ento, mas tambm a sensibilizao de seu corpo e de suaspercepes. O mtodo Angel Vianna de Conscientizaodo Movimento oferece a oportunidade de desenvolvimentocriativo e expressivo atravs da pesquisa com o prprio corpo,com o movimento e com o corpo do outro. Neste artigo,optamos por compreender o corpo enquanto caminho para oinconsciente, a partir dos ensinamentos de Reich, para quemo ponto de vista econmico da psicanlise mereceu destaque.Dessa forma, pretendemos demonstrar o modo como otrabalho executado pela escola Angel Vianna compatvel comessa teoria e com a preveno da sade. Palavras-chave:corpo, movimento, Angel Vianna, psicanlise,subjetivao.

    *Este artigo foi desenvolvido a partir da monografia de concluso do curso de ps-graduao Terapia Atravs do Movimento,Corpo e Subjetivao da Faculdade Angel V ianna. Orientadora: Professora Dra. Hlia Borges.

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    De Freud a ReichQuem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir convence-

    se de que os mortais no conseguem guardar segredo. Se os

    lbios esto mudos, eles tagarelam com as pontas dos dedos; a

    traio fora seu caminho por todos os poros.

    (Freud, apud Peter Gay, 1989-p.17)

    A descoberta da existncia do inconsciente funda a psicanlise. Enquanto

    cincia, a psicanlise se constitui como um corpo de conhecimento terico que

    se sustenta e desenvolvido a partir de princpios fundamentais, sem os quais

    no pode ser reconhecida. De acordo com Wagner (1996), o principio bsico

    da psicanlise, o seu elemento fundador, a partir do qual todos os outros sogerados e com o qual mantm relao de dependncia, o principio da existncia

    de processos anmicos inconscientes, ou seja, a existncia de um inconsciente

    dinamicamente ativo.

    Uma vez aceita a noo de inconsciente, passa a ser necessrio compreender de

    que forma ele funciona, sua dinmica, e qual sua relao com a conscincia. Nesta

    investigao, surge o segundo ponto fundamental da teoria psicanaltica: a hiptese

    de que o inconsciente est, em relao conscincia, dinamicamente reprimido,

    isto , o inconsciente no pode chegar conscincia porque algo o detm. Surge a

    noo de uma dinmica de foras antagnicas em lutas permanentes.

    A hiptese de um inconsciente dinamicamente reprimido fez necessrio

    compreender o queera reprimido. Nesse momento, a teoria psicanaltica chega

    ao conceito de sexualidade. O desenvolvimento da funo sexual considerado

    um ponto fundamental da obra freudiana. Por meio do complexo de dipo,

    o conceito de sexualidade encontrou seu maior esclarecimento, abrindo para

    a psicanlise a discusso entre biologia e cultura. no descompasso entre odesejo edpico e a impossibilidade de sua realizao que se chega ao que Freud

    denominou de sepultamento do complexo de dipo, momento no qual Reich v

    a formao do carter finalizada.

    Para Reich (1989), a formao do carter principia como um modo definido

    de superao do complexo de dipo, diretamente ligado s condies sociais

    predominantes s quais a sexualidade infantil est sujeita. Essas condies

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    Ocorponoprocessoteraputico

    1357apresentam em comum desejos genitais intensos e um ego fraco, frgil, que, por

    medo de ser punido, procura proteger-se por recalcamentos que conduzem ao

    represamento do impulso. Este, por sua vez, passa a ameaar aquela que seria

    uma simples barreira com uma irrupo de foras recalcadas.

    Na tentativa de manter tudo sobre controle, o resultado uma transformaodo ego em atitudes destinadas a amparar o medo, gerando uma restrio desse

    ego, ou, ainda, gerando os primeiros sinais do carter. Por amparar situaes

    perigosas, que poderiam estimular o que est reprimido, essas atitudes fortalecem

    o ego e se tornam por ele estimadas. Contudo, as primeiras transformaes do

    ego no so suficientes para dominar a pulso. O ego precisa enrijecer-se para ter

    a certeza de que as barreiras esto cimentadas, fazendo com que a defesa assuma

    um carter cronicamente operante e automtico.A concepo de carter ser na obra Reichiana fundamental. a partir do

    carter do paciente que todo o trabalho do analista ser desenvolvido, uma vez

    que, para ele, o modo tpico de reagir torna-se a resistncia descoberta do

    inconsciente. Reich acreditava que as causas das reaes tpicas das pessoas, no

    dia a dia e durante o processo teraputico, so as mesmas que determinaram a

    formao do carter, consolidaram e preservaram o modo como elas reagem desde

    seu estabelecimento, constituindo-se num mecanismo automtico, independente

    da vontade consciente. So, portanto, o encouraamento, uma mudana crnica

    do ego, um enrijecimento contra os perigos do mundo exterior e as exigncias

    pulsionais reprimidas do id, ou mundo interno, caracterizando-se como uma

    restrio a mobilidade psquica da personalidade a partir de uma necessidade

    econmico-libinal, consequncia do medo da punio.

    De acordo com Reich (1989), a couraa de carter ser na maioria dos casos a

    base de reao de futuros conflitos neurticos e neuroses de sintomas, uma vez que

    o impedimento do estabelecimento de uma regulao de energia econmico-sexual, para ele, a condio prvia de uma doena neurtica futura. Ainda para o autor,

    uma vez estabelecida a base de reao do carter neurtico, passa a existir um ciclo

    onde a estase aumenta e conduz a novas formas de reao. Porm, como a estase

    sempre aumenta mais do que o encouraamento, em um determinado momento a

    formao de reao no consegue mais manter a tenso psquica sob controle. Os

    desejos sexuais reprimidos irrompem dando origem formao de sintomas.

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    Para Weinmann (2002), a questo de Reich era saber qual a fonte de energia

    das neuroses, ou seja, estudar o aspecto econmico da metapsicologia freudiana,

    segundo a qual os aspectos pulsionais so a fronteira entre o somtico e o psquico.

    Reich, afirma que os sintomas so a atividade sexual dos doentes. Logo, para

    ele, toda neurose possui um ncleo neurtico atual um quantumde excitaopulsional que no absorvido psiquicamente e que tampouco descarregado

    pela via sexual, sendo responsvel pelas manifestaes vegetativas de angstia; o

    pulsional no admite a sublimao total: necessria uma parcela de gratificao

    corprea direta, a fim de aliviar a tenso residual nas zonas ergenas.

    Segundo Reich, (1989) a resposta dif iculdade em se atingir a fonte de energia

    da neurose estava na teoria da libido de Freud, pois, topograficamente, no se

    atingiria o problema da resoluo dos sintomas. Dinamicamente, os resultadoseram promissores, pois a catarse do afeto relacionado ideia inconsciente quase

    sempre aliviava a condio do paciente, mas, na maioria dos casos, apenas por

    algum tempo. Logo, restava apenas o ponto de vista econmico.

    Na prtica, foi observado que pacientes, mesmo tendo apenas uma anlise

    parcial, quando conseguiam estabelecer uma vida sexual regular, atingiam

    uma recuperao duradoura, assim como a perspectiva de cura era tanto mais

    favorvel quanto mais completamente se atingia a primazia genital na infncia

    e na adolescncia. Essas observaes levaram concluso de que a existncia

    de potncia eretiva no fazia qualquer diferena, no dizia nada em termos

    de economia da libido. O importante, evidentemente, era se a capacidade de

    conseguir satisfao sexual adequada estava intacta.

    Com isso estava estabelecida a importncia do conceito econmico para

    a etiologia das neuroses, no qual a base para o estudo do fator quantitativo

    estava no conceito reichiano de potncia orgstica e na incapacidade de atingir

    uma resoluo de tenso sexual satisfatria para as exigncias da libido. A essabase orgnica, Reich chamou de ncleo somtico da neurose, a neurose real que

    resulta da libido contida.O problema econmico da neurose, bem como sua cura, estava, em grande medida,na esfera somtica, isto ,s era acessvel por meio do contedo somtico do conceitode libido (REICH, 1989 - p.26).

    A possibilidade de trabalho psquico atravs do corpo passa a existir. Raknes

    (1988) mostra que se tornou evidente para Reich que a couraa muscular,

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    Ocorponoprocessoteraputico

    1359entendida como espasmos, cibras e tenses, a expresso corprea das emoes

    e das ideias, assim como a ancoragem somtica das neuroses. Diluindo-se os

    bloqueios e as tenses, podia-se atingir a conscincia das emoes e das recordaes

    sublimadas, que muitas vezes no podiam ser previstas ou imaginadas atravs dos

    sonhos e associaes livres dos pacientes (cf: RAKNES, 1988, p. 21-22).Por meio do trabalho sobre o corpo dos seus pacientes, Reich chegou

    descoberta das correntes vegetativas, sensaes de correntes, que percorriam o

    corpo de seus pacientes todas as vezes que ocorria um considervel desbloqueio

    dos espasmos e das tenses, e permitiam ao paciente relaxar e respirar mais

    livremente, permitindo uma sensao de bem estar geral, sintomas de progressos

    teraputicos (cf: RAKNES, 1988, p. 22).

    Ao longo de sua obra, Reich manteve a questo econmico-energtica nofoco de seus interesses, e, consequentemente, o estudo da estase energtica e do

    encouraamento, assim como sua busca pelo modo de restaurar esse fluxo pelo

    corpo e recuper-lo em sua potncia.

    Subjetivao, adoecimento e criatividadePeixoto Jr (2008) nos lembra que estamos vivendo num mundo globalizado e

    que os efeitos dessa globalizao so cada vez mais percebidos atravs das novas

    formas de mal-estar que caracterizam a contemporaneidade. Para ele, esse

    processo no irreversvel, e a psicanlise precisa levar em conta essas questes

    suscitadas pelo pensamento contemporneo. Ainda segundo esse autor, estamos

    diante de um mal estar da cultura concernente aos agenciamentos sociais, com

    suas imensas variedades, e no mais diante de um mal estar sexual, que passou

    de reprimido a ser incentivado, vendido e atiado. O sintoma social dominante

    se deslocou da neurose para a perverso, trazendo entre outras coisas uma perda

    cada vez maior das manifestaes singulares.Perante esse quadro, o autor (op. cit), a partir dos conceitos de sociedade disciplinar

    de Michel Foucault e de sociedade de controle de Gilles Deleuze, apresenta sua

    reflexo sobre a psicanlise e a prxis psicanaltica no contexto contemporneo.

    Nela, acredita ser imperativo pensar novas modalidades de cuidados sobre sie de

    esttica da existncia1como possibilidades para a constituio de defesas contra a

    humilhao e submisso servil, num mundo onde a subjetivao do homem livre

    transforma-se em um processo de sujeio (cf.: PEIXOTO Jr, 2008, p. 50-51).

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    Maciel (2007) aponta a impossibilidade de agir de acordo com nosso desejo

    como sendo a responsvel pelos novos sintomas psquicos existentes na sociedade

    contempornea, na qual a ausncia de indeterminao o trao mais caracterstico

    e que desafia as diversas modalidades de tcnicas e tratamentos psquicos. Para

    Maciel (2007), na sociedade de controle, o biopoder2passou a modular no s otempo, ao retirar de ns cada vez mais o intervalo de questionamento e hesitao

    necessrios subjetividade, mas tambm os movimentos, ao exigir o cumprimento

    da regra geral de ao eficaz em um menor tempo possvel. O novo imperativo

    social, o agir a qualquer preo, responsvel pela emergncia dos novos quadros

    sintomticos da clinica atual, sendo a compulso seu sintoma mais representativo.

    Para Peixoto Jr (2008), a luta pela subjetividade nos dias de hoje apresenta-se

    no direito diferena e variao. No contexto atual, alternativas nas quais asminorias retomem a palavra escapando a um s tempo dos saberes constitudos e

    dos poderes dominantes so dotadas daquilo que, segundo o autor (op. cit), Deleuze

    denominou espontaneidade rebelde e que constituem novas formas de resistncias

    ao biopoder nas sociedades de controle (cf: PEIXOTO JR, 2008, p. 52).

    Tambm Borges (2009), a partir dos conceitos de Foucault, acredita que os

    dispositivos de poder atuais3, ao favorecerem a desapropriao dos modos singulares

    de perceber e realizar dos indivduos e dos grupos, constroem um processo

    homogeneizante, no qual o silncio das particularidades e das diferenas conduzao empobrecimento da existncia e ao sofrimento que se expressa nos diferentes

    sintomas atuais. Para a autora (op. cit), a dana e as tcnicas de mobilizao dos

    corpos que desenvolvem mtodos de experimentao de movimentos e ritmos

    permitem acesso s condies sensveis ao colocarem questes que ultrapassam

    o saber racionalizado. Funcionam, assim, como novos operadores cognitivos,

    ao sustentarem um fazer dos corpos, nos seus processos subjacentes, em que o

    paradoxo e alteridade podem emergir como resistncia s formaes decorrentesdos jogos saber/poder contemporneos (cf: BORGES, 2009, p. 5).

    Corpo, movimento e processo teraputicoNas prticas corporais, h alguns anos a Faculdade e Escola Angel Vianna vem

    sendo reconhecida como um plo de atuao e discusso sobre o corpo (cf:

    MENDES, 2009, p. 1). Para Borges (2009), o significante Angel Vianna se

    construiu ao longo dos anos como um saber inventivo e nico no meio da dana

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    Ocorponoprocessoteraputico

    1361(cf: BORGES, 2009, p. 159). O trabalho realizado pelos Vianna (Angel, Klauss e

    Rainer) a partir dcada de 50, trouxe uma nova forma de ensino da dana que foi

    estendida a trabalhos de conscincia e expresso corporal e formao corporal

    de profissionais de diferentes reas.

    De acordo com Barbosa (2009), Angel Vianna prope a unio de prticasque valorizem e intensifiquem cada momento vivido. Citando a mestra, nos

    diz que esta nos lembra que devemos ter conscincia do corpo para termos

    conscincia da vida. Angel relaciona a construo do corpo conscincia plural

    de sua linguagem, potencializando e valorizando sempre as questes pessoais, no

    sentido mais vasto desse entendimento, respeitando com muita propriedade os

    limites e possibilidades de cada corpo.Liberar os movimentos corporais de suas amarras, entender o corpo como corpo vibrtil

    (ROLNIK, 2001) em comunho com o coletivo, expandir-se na sua expresso maissingular, buscar espao para expressar-se como existente estes eram alguns dos cami-nhos abertos pela escola de dana de Klauss e Angel Vianna (BORGES, 2009, p. 158).

    Angel Vianna (2009) esclarece que o trabalho, utilizando-se da conscientizao

    do movimento, desenvolve os sentidos, a percepo, a motricidade e a integrao

    de reas fsicas, psquicas e sociais de cada indivduo. Para a autora (op cit),

    criatividade e processos de criao no so propriedades exclusivas de alguns e

    sim de todo ser humano.De acordo com Imbassa (2006), a dessensibilizao pode ser entendida

    como um fenmeno que vem atingindo, de forma significativa, o indivduo nas

    sociedades contemporneas urbanas, e pode ser compreendido como uma atrofia

    da faculdade sensrio-perceptiva, com a consequente mecanizao do indivduo

    (cf: IMBASSA, 2006, p. 39).

    Aps 25 anos de prtica com o mtodo Angel Vianna, Imbassa (2006),

    aponta o desenvolvimento da conscincia, a partir do trabalho sobre si, como uma

    possibilidade de escape para o rompimento do muro de mecanicidade que nossepara de ns mesmos e do(s) outro(s). Esse trabalho, para ela, pode ser facilitado

    ao se tomar o corpo como ponto de partida (cf: IMBASSA, 2006, p. 38).

    O mtodo de conscientizao do movimento, de Angel Vianna, se iniciou

    em pesquisas realizadas em conjunto com seu marido Klauss Vianna,

    mas se distinguiu desse ao longo dos anos. Recentemente, esse mtodo

    foi cuidadosamente documentado atravs da dissertao de mestrado de

    uma de suas alunas, a psicloga Catarina Resende, no Instituto de Sade

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    Coletiva da UFRJ/RJ. Embora a sistematizao das prticas sobre o corpo

    seja aparentemente contrria a ideia pregada pelos Vianna, que a todo tempo

    nos lembram que o trabalho sobre o corpo se faz sobre o corpo, no texto

    de Resende (2008) pode-se encontrar uma proposta de sistematizao do

    trabalho de Angel que oferece queles que buscam conhecer essa prtica umreferencial e um porto seguro para discusses.

    A proposta do mtodo de conscientizao do movimento, segundo Resende

    (2008), estar em contato com uma filosofia tanto de movimento como

    expresso de vida quanto de vida como expresso de movimento, possibilitando

    o desenvolvimento de um conhecimento fundamentalmente experiencial

    do corpo, que deve ser conquistado atravs da sua escuta e da pesquisa do

    movimento. O mtodo concilia num mesmo plano a conscincia corporal e adana, em atividades muitas vezes ldicas e prazerosas, visando restituio do

    corpo vivo pela conduo do campo intensivo. De acordo com Resende (2008),

    primeiramente, preciso sensibilizar, desbloquear o corpo, proporcionar uma

    desconstruo dos padres sensrio-motores. Num segundo momento, trabalha-

    se sobre as direes sseas e a qualidade do movimento, preparando o corpo para

    a ltima etapa a ser vivenciada: o processo criativo.

    Podemos identificar no trabalho de Angel semelhanas com as propostas de

    Reich. Em ambos, existe a compreenso de que o homem, ao longo de sua histria,

    pode perder a conexo com sua capacidade de livre expresso e criatividade, assim

    como a busca de transformao de padres fixos atravs do restabelecimento de

    fluxos corporais atravs do prprio corpo.

    Mendes (2008) preconizou como uma das possibilidades de utilizao do

    mtodo de conscientizao do movimento de Angel Vianna a diminuio do

    estresse e o aumento da qualidade de vida e de prazer em populao idosa, em

    coerncia com os objetivos pblicos para esse grupo, ao aplicar a metodologianessa populao. Essa observao, para a autora (op. cit), corrobora a afirmativa

    de Resende (2008) de ser o mtodo Angel Vianna uma potente terapia corporal

    alternativa e complementar para quem deseja uma maior funcionalidade corporal,

    ou mesmo o resgate do prazer na experincia de viver.

    Embora nem todos os processos teraputicos levem em conta o fenmeno

    transferencial, para ns, ele dever ser considerado e estar presente mesmo nos

    trabalhos corporais. Nesse sentido, o texto de Reis (2004), ao compreender a

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    Ocorponoprocessoteraputico

    1363transferncia como um processo criador, que ocorre a partir da presena real

    e corporal do analista, de fundamental importncia para compreenso da

    necessidade de trabalho sobre o corpo desse profissional.

    Para Reis (2004), o perceber, ato intrincado ao papel de terapeuta e ao

    processo transferencial, no um ato neutro. Para ela, esse processo uminvestimento de foras e afetos por meio de nosso corpo real e por agenciamentos

    que criam espaos de desejo e possibilitam a criao de canais de sintonia dos

    fluxos de foras que se encontram congestionados. Dessa forma, defende a

    autora (op. cit.), o corpo percebido expressivo, transmite imediatamente afetos

    e movimentos subjetivos, e cria uma conexo afetivo-cognitiva entre dois corpos,

    duas subjetividades, em uma transferncia que se faz no circuito das pequenas

    percepes, numa referncia ao trabalho de Daniel Stern (REIS, 2004, p. 120).Citando o texto de Latour (1996), Reis (2004) afirma que, para ele, uma

    relao de cura uma fabricao de subjetividade, uma dobra no tempo e no

    espao subjetivo, cuja potncia de metamorfose se faz com violncia e intensidade.

    Violncia e intensidade, que, podemos dizer aqui, esto presentes em todo

    processo criativo, capazes de mobilizar foras muitas vezes desconhecidas, que

    precisam encontrar um caminho e se revelam como algo transformador.

    Mendes (2009) acredita que o preparo do profissional psise faz no apenas

    atravs de sua anlise pessoal e aprendizagem terica, mas tambm pelasensibilizao de seu corpo e de suas percepes. Para a autora, o mtodo Angel

    Vianna possibilita o desenvolvimento criativo e expressivo possibilitando a

    abertura dos campos perceptivos e expressivos, e por isso deve ser experimentado

    por esses profissionais.

    Concluses

    Como vimos, Reich parte da Psicanlise para o entendimento do corpo comofonte de compreenso e transformao de uma pessoa. Para ele, atravs da

    couraa que podemos apreender e melhor atuar no psiquismo. Por sua tradio

    psicanaltica Reich acreditava ser a libido a fonte de energia do ser humano,

    libido essa entendida como sua energia sexual, que se encontrava desorganizada

    nas tenses crnicas da couraa. Todo trabalho Reichiano foi, ento, a busca do

    entendimento biolgico dessa energia no corpo, para possibilitar o livre fluxo

    energtico atravs do organismo, o que ocorreria quando as couraas deixassem

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    de ser crnicas e passassem a ser flexveis, permitindo, assim, uma existncia

    mais qualitativa com a vida. O que se conhecia como doena psquica estaria,

    ento, associado ao fluxo de energia contido ou mal distribudo pelo corpo. Esse

    pensamento, que muitos julgam ser proveniente de uma sociedade repressora,

    poderia ser questionado nos dias atuais atravs das discusses bioqumicas ecomportamentais, ou mesmo atravs das discusses sociais. Contudo, trabalhos

    como o desenvolvido pela escola Angel Vianna nos fazem perceber que um corpo

    livre, liberado de suas tenses crnicas um corpo f luido, capaz de se expressar e

    se colocar no mundo de forma mais potente.

    Nesse sentido, acreditamos que trabalhar o corpo possibilitar transformaes

    sociais profundas. Ao se oferecer ao individuo a chance de estar com o seu prprio

    corpo, criamos a abertura para novas experincias com suas sensaes e relaes.Acreditar no corpo como fonte de transformao do ser humano no para

    muitos. Reich talvez tenha sido o primeiro dentro de nossa cultura ocidental a

    defender essa possibilidade, e por isso passou a ter inmeros problemas. A dana

    atravs de seus desenvolvedores mostrou essa capacidade em um reduto especfico,

    no qual muitas vezes foi entendida como algo para poucos e excntricos. Angel

    teve a ousadia de desconstruir essa verdade ao oferecer seu trabalho a qualquer

    pessoa que por ele se interessasse, construindo, assim, um universo de descobertas

    atravs do movimento.

    Em um momento histrico em que a individualidade privilegiada, trabalhar

    com o corpo desafiar uma poltica de segregao e distanciamento e convidar

    a uma possibilidade de encontro, na qual o contato, a expresso e a confiana

    possam se estabelecer nas relaes. permitir a experimentao da sensao, to

    em falta nos dias atuais, em vez da razo. poder perceber que as relaes e os

    movimentos se fazem a partir de estmulos, que a relao com o nosso corpo a

    mesma que mantemos com o mundo.Corpo, mente, arte e poesia unidos possibilitam um novo lugar, uma nova

    oportunidade de ao que nem sempre se encontra de acordo com a nossa

    sociedade, mas que talvez seja a chance de se fazer ser diferente. Assim como Borges

    (2009), acreditamos que o trabalho com o corpo permite o acesso ao sensvel.

    Mais que isso, ao se construrem novas chances para o corpo, acreditamos estar

    atuando como resistncia ao modelo social dominante, uma vez que o trabalho

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    Ocorponoprocessoteraputico

    1365corporal estabelece, para quem o experimenta, a construo de fronteiras claras

    sobre o prprio corpo, o encontro com as diferenas e a possibilidade de se

    responsabilizar por sua vida, enquanto gesto, ao e relao.

    Se o biopoder de que nos fala Foucault (1988), citado por diferentes autores ao

    longo deste artigo, busca a modulao dos movimentos, o trabalho corporal a queaqui nos propomos busca a livre experimentao desses mesmos movimentos. Ao

    incluir em nossas prticas corporais a experincia do ritmo e do fluxo, facilitamos

    a percepo do tempo interno e no mais o tempo do outro, permitindo e

    reconstruindo a subjetividade. Por fim, estamos reconstruindo o contato com o

    desejo, como queriam Freud e Reich; estamos eliminando sintomas.

    Acreditamos que o mal estar do mundo atual fruto das formas de

    agenciamento social existente e do novo paradigma social, que nos impe agir a

    qualquer preo e sem tempo para nos subjetivarmos, como nos aponta Peixoto

    Jnior (2008). Porm, acreditamos que essas formas de agenciamento, por sua

    vez, encobrem o mal-estar sexual do qual nos falava a psicanlise em suas bases,

    e negar isso negar a oportunidade de trabalho com o corpo. Assim, para o

    profissional de sade, principalmente aqueles envolvidos com a psicanlise, o

    experimentar seus corpos fundamental para auxiliar na percepo desse novo

    mal-estar da civilizao, sob todas as suas formas, em sua prpria vida. Somente

    assim acreditamos ser possvel pensar em novas possibilidades de construo deagenciamentos dentro e fora da clnica.

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    Notas1Conceitos de Michel Foucault.2Conceito desenvolvido por Gilles Deleuze a partir da obra de Michel Foucault. Tipo de ordena-mento poltico-social em que o poder toma a forma de um biopoder e incide diretamente sobre aspotencialidades da vida (cf: MACIEL, 2007, p. 55).3procedimentos de poder e de saber que tentam controlar e modificar a vida (FOUCAULT, 1988,p. 134).

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    Ocorponoprocessoteraputico

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    The body in the therapeutic process

    Reich was responsible for bringing the body tounderstand the psychological process through theirresearch on the economic viewpoint. However, thebody work has long been relegated to a populationnot always recognized in intellectual and social f ields.Fortunately, this situation has changed and the bodywork is gaining recognition and respect. If work on thepsyche is always very delicate, is even more delicate whenit involves the body. The forms of subjectivity in our

    favor social and psychological illnesses. Mental healthprofessionals, especially psychologists and psychoanalysts,when involved in the phenomenon of transference, arecalled to interact with their entire body, not just withtheir theoretical and technical knowledge relating toan intellectual approach. For these reasons, we believethat in the preparation ofpsiprofessionals are necessarynot only the theoretical learning and personal analysis,as advocated by them, but also the awareness of thebody and its perceptions. The Angel Vianna method forMovement Awareness offers the opportunity of creativeand expressive development through research with onesown body, with movement and with another body. Inthis paper, we chose to understand the body as a path tothe unconscious, from the teachings of Reich, for whomthe economic viewpoint of psychoanalysis deservedprominence. Thus, we intend to demonstrate how the

    work performed by Angel Vianna School supports thistheory and health prevention.

    Key words:body, movement, Angel Vianna, psychoanalysis,subjectivity.

    Abstract