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A TV dos Jornalistas

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A TV dos JornalistasFelisbela Lopes (Org.)

CECS - Centro de Estudos de Comunicao e Sociedade

Ttulo > A TV dos Jornalistas Autor > Felisbela Lopes (Org.) Editor > Centro de Estudos de Comunicao e Sociedade, Universidade do Minho, Braga Fotografia da capa > Fotografia cedida pela RTP Design, capa e paginao > B+ Comunicao Apoio > Fundao para a Cincia e Tecnologia: PTDC/CCI-JOR/099994/2008 Suporte > Edio electrnica Ano > 2011 ISBN > 978-989-97244-6-4

ndiceIntroduo Felisbela Lopes 2010/2011: O ano das transferncias nos cargos de relevo da TV portuguesa Felisbela Lopes, Srgio Denicoli e Ivo Neto Uma programao televisiva que desrespeita as determinaes da ERC Felisbela Lopes Quando as elites da capital dominam o que se diz sobre o pas e o mundo Felisbela Lopes e Lus Miguel Loureiro Os comentadores residentes da televiso portuguesa Felisbela Lopes e Hlia Costa Santos Mulheres (quase) no entram nos estdios da televiso portuguesa Carla Baptista O conceito de participao nos media: sombras e claridades numa floresta de definies Fbio Ribeiro Longe de uma TV dos espectadores Felisbela Lopes e Lus Miguel Loureiro Cronologias daquilo que se passou na TV portuguesa entre Setembro de 2010 e Agosto de 2011 Felisbela Lopes, Ivo Neto e Srgio Denicoli111 99 91 79 58 43 21 9 5

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A TV , sobretudo, espectculo. J o sabemos. Mas a TV informativa precisa de ser mais do que o pas e o mundo em cena. Precisa de anunciar, mas tambm explicar o que se passa. Precisa de montar palcos com interlocutores diversificados que acrescentem valor quilo que debatido nos estdios de informao. Precisa de instalar portas de entrada abertas participao de todos aqueles que podem integrar de forma significativa o processo de produo de noticiabilidade. A TV que temos (ainda) no isto. uma televiso pouco diversificada na informao que promove, elitista nos plateaux que cria e ainda muito longe de ser uma TV dos espectadores Actualmente a televiso , sobretudo, dos jornalistas, ou seja, a classe jornalstica (uma elite, sublinhe-se) que constri e debate a actualidade. um retrato nada eufrico este que aqui se traa da informao televisiva dos canais portugueses. Que esta obra, mais do que mostrar a actual oferta informativa, seja uma oportunidade de reflexo acerca da urgncia de inverter um caminho que, a continuar assim, acabar por nos fazer despenhar num espao pblico aptico, monocrdico, anestesiante Para os tempos que correm, eis tudo o que no precisamos.

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INTRODUOFelisbela Lopes

A TV mudou bastante nos ltimos anos. Nem sempre no sentido de se dotar de mais qualidade. O fenmeno no apenas portugus. A televiso cada vez mais sinnimo de espectculo, mesmo quando se fala em programao informativa. Muitos anunciam j uma nova era da informao televisiva (Ortells Badenes, 2009) ou um novo ecossistema informativo (Lon, 2010). J no se valorizam os valores-notcia tradicionais que se conjugavam no sentido de ajudar os jornalistas a construir uma imagem fidedigna do mundo. Agora, esses new values declinam-se mais com traos do dramtico, divertido, espectacular (Meyer, 2003: 12), considerados mais propensos para atrair facilmente audincias. Neste contexto, so necessrios novos actores: hoje a TV no precisa apenas de apresentadores credveis, necessita de pivots com acumulado capital de notoriedade meditica; hoje a TV no valoriza somente convidados que saibam do que falam, construindo discursos racionais alicerados em argumentos bem fundamentados, carece de interlocutores conhecidos do grande pblico, que conversem ao ritmo (veloz) do audiovisual, fazendo uso da maior expressividade possvel. Nesta TV das celebridades, a que actualmente temos, cabem poucas pessoas. Em Portugal o bilhete de entrada nos plateaux informativos prioritariamente dado aos jornalistas e aos polticos, notando-se, nos ltimos tempos, um crescente domnio dos primeiros. So eles que controlam os alinhamentos. So eles que dominam a opinio em estdio. Neste livro, analisamos a informao televisiva dos canais generalistas (RTP1, SIC e TVI) e dos canais temticos (SIC Notcias, RTPN1 e TVI 24) num determinado perodo: entre Setembro de 2010 e Junho de 2011. Um ano televisivo, se excluirmos aqui o perodo de veraneio, que, como sabemos, configura um tempo atpico de consumo televisivo. A base do nosso trabalho assenta nos programas de informao emitidos entre as 18h00 e a 01h00, de segunda a sexta-feira. A este universo, foi ainda acrescentada a anlise dos fruns de informao dos canais temticos, espaos de participao do telespectador por excelncia. Quisemos conhecer o seguinte: Aofertainformativadoscanaisgeneralistasetemticosdeinformao; Osconvidadosquesolevadosaestdio; Asformasdeintegraodotelespectadornasemissesinformativas.

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A RTPN passou a denominar-se RTP Informao a partir de 19 de Setembro de 2011.

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Oestudoimplicouaanlisede1673emissese,consequentemente,de2158convidadosem estdio que foram aqui trabalhados com base em quatro variveis: profisso, origem geogrfica, gnero, ligao ao programa (convidados espordicos ou residentes). Esta investigao insere-se num projecto mais vasto denominado Jornalismo televisivo e cidadania: os desafios da esfera pblica digital (FCT PTDC/CCI-JOR/099994/2008), que teve incio em Setembro de 2010, prolongando-se por trs anos. Trata-se de um projecto do Centro de Estudos de Comunicao e Sociedade da Universidade do Minho, que foi objecto de financiamento pblico e que integra uma equipa alargada, espelhando este livro apenas uma parte dos estudos desenvolvidos ao longo deste primeiro ano de trabalho. Nesta obra, os resultados estruturam trs partes: oCaptulo1,apresentamosoqueaconteceudemaisrelevantenasempresasecanais N de televiso e o que se salientou mais nesta fase de passagem para a Televiso Digital Terrestre Detemo-nos, em seguida, na programao televisiva, nomeadamente naquela proporcionada no campo da informao. No fazemos, a este nvel, um balano positivo.AsestaesprivadasgeneralistascontinuamaindamuitolongedasdeterminaesdaEntidadeReguladoraparaaComunicaoSocialeoscanaistemticosde informao caracterizam-se por grelhas-clones uns dos outros. oCaptulo2,centramonosnoestudodosprogramasdeinformaoparasaberquem N foram aqueles que, neste tempo, ocuparam os plateaux informativos: qual a sua profisso, qual a sua origem geogrfica, qual o gnero e qual a sua ligao ao programa. Jornalista, de Lisboa, homem, sem ligao permanente aos programas, mas com presena assdua nos estdios: eis o retrato-tipo do convidado da informao televisiva. Estamos, pois, perante uma confraria, apenas desfeita, aqui e ali, pela RTPN, o canal temtico do servio pblico que, graas s suas emisses bicfalas de Lisboa e de Gaia, contribuiu para ir introduzindo novos interlocutores no espao pblico televisivo o Captulo 3, exploramos os modos de integrao do telespectador que os canais N detelevisopromovemnassuasemisses.NolimiardapassagemparaaTeleviso Digital Terrestre, os espectadores continuam ainda a ser encarados como uma audincia passiva. Estamos longe da anunciada terceira fase da televiso, aquela que pensa a sua oferta centrada na participao do indivduo. Face conjuntura actual, a psteleviso pode esperar. Muito.

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Curvada a um paradigma econmico que quer a rentabilidade a todo o custo em tempos de crise, constatamos que actualmente a TV no procura assuntos de interesse pblico, nem interlocutores que se batam pelo melhor argumento atravs da palavra racional. Hoje, a emoo sobrepeseaoraciocnio,oespectculoabafaodebate,aimagemabsorveapalavra.Nestanova ordem meditica, a informao televisiva quase que se restringe a espectculos de aclamao, encenados por convidados com notoriedade pblica que, pela presena constante nos plate aux, rapidamente se convertem em celebridades mediticas, reunindo um capital simblico que resulta da visibilidade que a TV lhes proporciona. Tornam-se conhecidos, porque aparecem na TV; aparecem na TV, porque so conhecidos. Renem assim uma forte componente simblica, essencial para os fazer ascender ao estatuto de celebridades. Falamos aqui de celebridades particulares: as que ocupam os plateaux informativos da TV portuguesa no so efmeras, ou seja, no existem hoje para serem esquecidas amanh; podero cultivar algum narcisismo, mas a entrada nos estdios de televiso tributria de algum saber ou estatuto social extrnsecos TV. Analisando os estdios de informao dos canais portugueses, constatamos que referimos aqui um grupo muito restrito. Uma elite, poder-se-ia considerar. Preferimos falar de uma confraria. Que hoje se reparte entre a classe jornalstica e a classe poltica. So estes actores os actuais donos dos plateaux de informao. So poucos e repetem-se muitssimo nos estdios televisivos. Esta tendncia de chamar sempre os mesmos fortalece naturalmente um star system que resultante de uma sobreexposio nos palcos televisivos, mas tambm resulta numa evidente saturao do pblico, que v sempre as mesmas personalidades, cujo discurso se adivinha com facilidade. Entretidos com uma confraria que alimentam e de que se alimentam tambm, os canais de TV como que ignoram o telespectador. Ele apenas conta como audincia, interessando pouco como actor participante no processo de construo de um programa de informao. Quisemos aqui promover uma anlise cuidada da situao do espectador desvelando o processo da sua eufemstica mobilizao: entre a situao ptica do espectador de uma imagem que reflexo de uma luz projectada e o de uma imagem gerada atravs da luz emitida pelo prprio dispositivo; entre o espectculo que necessita de um espectador imvel, na obscuridade do lugar, e o espectculo que, ao mesmo tempo, lhe oferece a iluso da mobilidade (que o induz utilizao e ao consumo), o ilumina, infiltrando-se em qualquer lugar, denunciando todos os seus movimentos. A situao do espectador no deixa hoje de ser paradoxal: esta contemporaneidade ora o encara como ilusrio empowered user, ora o v sob a narrativa mtica da omnipotncia, tornada modo verbal e complemento directo da promessa moderna da omnividncia. Esta linha analtica que iremos explorar coloca-nos, no entanto, perante um problema que se nos apresenta como um colete-de-foras: se o moderno empowered user e as suas promessas constituem apenas

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um espectador eufemsticamente emancipado da condio passiva e domstica a que est confinado ou se existir algum modo efectivo de libertao do espectador Restar, ainda, algum horizonte de possibilidade para um espectador livre, potencial habitante de um espao pblico para uma efectiva aco? esta a preocupao de fundo do captulo terceiro. Analisando 1673 emisses,constatamosqueapenas337integraramotelespectadornorespectivoalinhamento. Suportados nestes dados, poderemos afirmar que a televiso ainda no dos telespectadores. Hoje a televiso , sobretudo, uma TV dos jornalistas. So eles que dominam a fase de produo noticiosa. So eles que ditam como pensar sobre os assuntos que escolhem para marcar a actualidade. O processo de agenda-setting no poderia ser mais perfeito E de efeitos mais nocivos para a vitalidade do espao pblico por onde todos ns circulamos, claro.

Bibliografia Lon, Bienvenido (coord). (2010). Informativos para la televisin del espectculo. Comunicacin Social Ed. Meyer, Philip (2003). The proper role of the news media in a democratic society. In: Harper J, Yantek T (eds) Media, Profit, and Politics: Competing Priorities in an Open Society. Kent State University Press. Ortells Badenes, Sara (2009). La mercantilizacin de la informacin: la nueva era informativa en televisin. Revista Latina de Comunicacin Social, n64.

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2010/2011: O ano das transferncias nos cargos de relevo da TV portuguesaFelisbela Lopes, Srgio Denicoli e Ivo Neto1 Foi uma autntica poca de sadas e de entradas para cargos ou lugares de grande visibilidade nas empresas televisivas. RTP, SIC e TVI protagonizaram importantes trocas entre si, comprovando que o mercado televisivo se restringe a um grupo muito limitado de pessoas a quem reconhecidacapacidadedeliderarcertosprojectos.Foi,sobretudo,aonveldasdirecesde Informao e de Programas que tudo aconteceu, apesar de 2010 tambm ficar marcado por uma sada de peso ao nvel da redaco: a da jornalista Manuela Moura Guedes, da TVI. Depois de um perodo de muita indefinio, a TVI chega a acordo com Manuela Moura Guedes para uma resciso de contrato a 17 de Outubro de 2010. Recorde-se que a Administrao da TVI havia suspendido, a 4 de Setembro de 20102, o Jornal Nacional de 6 feira, coordenado e apresentado pela jornalista, um noticirio bastante polmico que assumia uma linha editorial de contrapoder, principalmente em relao ao Governo socialista liderado por Jos Scrates. A 28 do mesmo ms, Moura Guedes entra de baixa mdica espera de uma resoluo para a sua delicada situao. A posio de confronto da TVI com o Governo socialista de Jos Scrates tinha no noticirio da noite de sexta-feira da TVI um dos seus expoentes maiores. A 21 de Abril de 2009, em entrevista RTP, o ento primeiro-ministro acusa o programa de informao de ser um telejornal travestido, feito de dio e perseguio pessoal. A polmica estende-se a outros interlocutores. A 22 de Maio de 2009, o bastonrio da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, entra em coliso com a pivot, dizendo-lhe o seguinte: voc faz um pssimo jornalismo. No dia 3 de Setembro de 2009, a administrao da TVI faz um anncio, onde fica claro que o Jornal Nacional do dia seguinte habitualmente apresentado por Moura Guedes e criticado por Scrates iria ser suspenso3. Negando qualquer interferncia poltica nesta deciso, a Prisa, detentora de parte do capital da TVI, justifica-se assim em comunicado: foi uma deciso que se insere no mbito

Investigadores do Centro de Estudos Comunicao e Sociedade da Universidade do Minho. Artigo escrito no mbito do projecto Jornalismo televisivo e cidadania: os desafios da esfera pblica digital (FCT PTDC/CCI-JOR/099994/2008). 2 Nesse dia, a revista Notcias TV publica uma entrevista com Manuela Moura Guedes na qual a jornalista afirma o seguinte: S se fossem muito estpidos que me tiravam do ar. 3 A 5 de Agosto de 2010, o director-geral da TVI e tambm marido de Manuela Moura Guedes, Jos Eduardo Moniz, deixa a TVI, insinuando ms relaes com a administrao da empresa.1

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da gesto da direco da cadeia (de televiso) e com o envolvimento da Direco Geral da Media Capital. No dia seguinte, o Jornal de Notcias fazia primeira pgina com o caso, escolhendo esta manchete: Furaco Moura Guedes. Em antettulo, escrevia-se que nova reportagem do caso Freeport (uma pea que apresentava dados comprometedores para o primeiro-ministro no licenciamento deste centro comercial) ter sido a gota de gua. Consequncias: a direco de Informao, liderada por Joo Maia Abreu, demite-se; a equipa editorial daquele noticirio tambm apresenta a demisso; o ambiente na redaco da TVI torna-se pesado e, no ar, fica a dvida para a qual nunca se encontrou uma resposta: pode uma administrao de um canal de TV suspender um programa de informao? DepoisdestaconturbadasadadeManuelaMouraGuedesdaTVI,surgiramvriasespeculaessobre um seu possvel ingresso na SIC, onde poderia juntar-se assim a Miguel Sousa Tavares que havia tambm deixado o quarto canal para se transferir para Carnaxide. A confirmao dada a 27 de Novembro de 2010 no semanrio Expresso, ttulo do grupo a que pertence tambm a SIC. A 1 de Julho de 2011, o mesmo jornal, na verso online, titula isto: Manuela Moura Guedes, afinal, j no vai para a SIC.Ajustificarestadecisoestariamrazesdemercado.LusMarques,directorgeralda estao de Carnaxide, fala em mudanas de contexto entre o incio das conversaes e a actualidade. A jornalista, pelo seu lado, envia um comunicado agncia Lusa, onde podia ler-se o seguinte: verdade, no vou para a SIC. No tenho vnculo com a SIC e no vou, porque o Dr. Balsemo no quer. Fecha-se aqui um ciclo. At a uma prxima proposta. Esta temporada fica marcada, acima de tudo, pela dana de cadeiras na direco de Informao e Programao dos diferentes canais. Em meados de Fevereiro de 2011, surgem as primeiras notcias que fazem referncia mudana de Jos Alberto Carvalho e de Judite de Sousa, director e subdirectora de Informao da RTP, respectivamente, para a TVI. Se para o primeiro se tratava de mais uma transferncia (trabalhou na RTP como jornalista, de l foi para a SIC, para ser o primeiro pivot do Jornal da Noite, e da voltou TV pblica para a direco de Informao), para a segunda a sada era uma novidade, sendo algum que fez toda a sua carreira na RTP. A mudana dos dois jornalistas confirmada em finais de Fevereiro. A 1 de Abril, ambos assumem a direco de Informao da TVI. Logo nos primeiros dias de trabalho, o director de Informao da TVI fixava aquilo que queria do pblico: Esperamos que os espectadores percebam que, se no virem a TVI, vo ficar mal infor mados (JN, 7 de Abril de 2011). Passado mais de um ms aps a sua entrada na nova empresa, Jos Alberto Carvalho, em entrevista Notcias TV (20 a 26 de Maio de 2011), fala daquilo que foi a alterao mais visvel neste canal generalista privado: a mudana de nome do noticirio da noite, que passa de Jornal Nacional para Jornal das 8, que, numa fase inicial, apresentado pela dupla que tomava conta da informao na RTP. A alterao explicada nestes termos:

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A mudana que estamos a efectuar para transmitir confiana aos espectadores por tugueses. Para lhes transmitir a sensao de que precisam de ver a TVI para se sentirem informados e que na TVI que tm uma equipa de jornalistas atentos, empenhados, tra balhadores, responsveis, equilibrados, misturando esse equilbrio com a ousadia, com a diversificao de gneros, com a no tematizao excessiva dos noticirios. Desse ponto de vista, era estranho que, introduzindo um novo modelo, uma nova imagem, um novo conceito, novos apresentadores, a nica coisa que no mudava era o nome. Houve uma coisa que no se alterou, pelo menos numa fase inicial: os ndices de audincia. O Jornal das 8 no provocou uma subida abrupta nas audincias, mas tambm no fez fugir os telespectadores. Mais conhecida por conduzir entrevistas do que por apresentar noticirios, Judite de Sousa encontra na TVI uma programao pouco favorvel a formatos autnomos de informao semanal, pelo menos no canal generalista. Por isso, a opo foi a de introduzir o gnero entrevista no noticirio da noite ou concretizar esse gnero no canal temtico de informao, TVI 24. Alis, o canal de cabo tambmumadaspreocupaesdestadireco.JuditedeSousaexplicaqueaquiloquelhesfoi pedido para a foi o reforo da marca informativa (Notcias TV, 8 a 14 de Abril de 2011). As sadas de Jos Alberto Carvalho e de Judite de Sousa precipitaram a formao de uma outra direco de Informao da RTP. A escolha recaiu em Nuno Santos, o director de Programas da SIC que havia ocupado o mesmo cargo na RTP, depois de ter sido director de Informao da SIC Notcias. Tal como aconteceu com a chegada de Jos Alberto Carvalho TVI, a contratao de Nuno Santos pela RTP em Maro de 2011 provocou algumas mudanas: Lus Marinho renunciou ao pelouro de informao por discordar desta nomeao, continuando, no entanto, no Conselho de Administrao da RTP; o correspondente da RTP nos EUA, Vtor Gonalves, regressou a Lisboa para assumir o cargo de director-adjunto de Informao; progressivamente, esta equipa foi chamandoasdecisesdaRTPNparaacapital,acabandoporextinguiroscargosdedirectores de Informao deste canal a norte que passou, assim, a ser coordenado pela RTP em Lisboa. EmentrevistarevistaNotciasTV(15a21deAbrilde2011),NunoSantosinequvocosobrea percepo do seu lugar na TV pblica: Sei que sou uma soluo forte na RTP. As trocas de profissionais nas trs empresas televisivas continuam. Em Junho foi a vez de Jos FragososedemitirdadirecodeProgramasdaRTPparaassumirfunesdecoordenadorde informao e contedos na TVI. Esta seria a segunda baixa no espao de um ano. Recorde-se que, em Dezembro de 2010, Bruno Santos havia deixado o cargo de subdirector de Programas da RTP, para ingressar tambm na TVI. Nos seus primeiros dias de trabalho, o novo responsvel

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pela programao da TVI diz querer continuar a apostar na fico, tendo apenas a preocupao de a introduzir mais diversidade. Assegurando no ter vindo para alterar o perfil da TVI (A TVI um canal lder que quer mais e que est a fazer o seu investimento), Jos Fragoso assegura: no h esgotamento de coisa nenhuma. Nem h interrupo de liderana. A TVI ser o canal preferido dos portugueses por mais 60, 80 anos (Pblico, 26 de Julho de 2011). O responsvel pela programao da TVI chega empresa quando este canal ocupava o primeiro lugar na batalhadasaudinciash59mesesconsecutivos. Depois da sada de Jos Fragoso, a administrao da RTP convidou Hugo Andrade, at ento responsvel pela RTP Memria, para assumir a direco de Programas da RTP1.

Eventos mediticos que mobilizaram as redaces das TVsEntre Setembro de 2010 e Junho de 2011, somam-se alguns acontecimentos mediticos, que a televiso seguiu com bastante ateno. Trata-se de eventos com data marcada e que pressupemdiferentesfunesassumidaspelopequenoecr.Queorareclamaumpapeldetribunale um estatuto de psi, apto a promover julgamentos no espao pblico meditico e a perceber estados emocionais diversos; ora se constitui como elo de unio de crenas mais profundas, cocelebrando cerimnias espirituais urbi et orbi; ora participa em momentos festivos, instalando em determinados locais um palco para onde todos podem dirigir o olhar. Uma das coberturas jornalsticas mais marcantes em 2010 foi a leitura do acrdo do processo da Casa Pia. Aconteceu a 3 de Setembro. Logo manh cedo, os trs canais de informao abriram a antena para o Campus da Justia, em Lisboa. Em sorteio, coube SIC a gravao da leitura feita pela juza, que depois seria transmitida por todos os canais em diferido. O tribunal acautelara a justia feita em directo e a divulgao do nome das vtimas, mas no conseguira neutralizar o circo meditico que se instalou fora da sala de audincias. Se dentro do tribunal apenas poderia entrar um jornalista de cada rgo de comunicao social, c fora vastas equipas de cada empresa jornalstica estavam a ali para divulgar todos os movimentos dos rus, vtimas e actores judiciais. Recorde-se que este caso foi desencadeado por uma manchete do jornal Expresso que, a 23 de Novembro de 2002, denunciara a existncia de casos de pedofilia na Casa Pia. A partir da, desencadeou-se uma ampla cobertura meditica, durante a qual os jornalistas escorregaram muitas vezes para um registo sensacionalista, explorador da intimidade das vtimas, desprotegendomenoreseexacerbandoemoesdeformagratuita.Nestecontexto,ateleviso foi conquistando bastante protagonismo, chamando a si um papel de psi, que Dominique Mehl (1996) diz ser uma evoluo natural de um ambiente audiovisual de concorrncia entre canais.

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Queixando-se do trabalho dos jornalistas ao longo de todo este arrastado processo, os rus souberam aproveitar a presena dos media para criar um julgamento meditico que neutralizasse as penas pesadas ditadas pelo tribunal. No por acaso, um dos mais conhecidos arguidos, ladeado por dois dos seus advogados, promoveu uma conferncia de imprensa na tarde do dia da leitura do acrdo, para reagir deciso do tribunal, anunciada horas antes. Nos dias posteriores, esse mesmo arguido passou pelos plateaux dos diferentes canais de televiso para, em directo, mostrar a sua indignao. A televiso, que numa fase inicial dera todo o destaque s vtimas de pedofilia, na fase final cede o palco aos rus. Oanode2011ficamarcadoporeleies.A23deJaneiro,presidenciais;a5deJunho,legislativas4. Os dias decampanhaeleitoralqueantecedemoescrutniososempredegrandemobilizaodasredaces, particularmente nas empresas de televiso5. Antes das campanhas, h um momento de particular envolvimento dos jornalistas e mquinas partidrias: os debates televisivos6. Mais do que aqueles momentos de pergunta-resposta, conta, sobretudo, tudo aquilo que se dir volta desses debates. Normalmente, os canais de informao promovem sempre programas de anlise dos debates emitidos pelos canais generalistas e a imprensa vai tambm fazendo eco disso. Todo o processo culmina na noite eleitoral. A, os profissionais de televiso exacerbam essas premissas de competio eleitoral e estruturam a noite informativa com o intuito de capitalizao de audincias a partir do enaltecimento de vitrias e dramatizao de derrotas. Ao prprio esquema competitivo eleitoral acresce o indisfarvel jogo concorrencial dos operadores de televiso, que desencadeia um investimento notvel em sondagens boca da urna, convidados de estdio, comentadores residentes, reprteres em todas as sedes de campanha, pivots de referncia, entre outros agentes de informao. Configurados para responder ao desafio de equivaler expectativa do telespectador, procurando com o maior nmero de meios fidelizar as audincias, os operadores televisivos digladiamse permanentemente ao longo do sero para

O processo para a realizao das eleies legislativas para a formao do XIX Governo Constitucional de Portugal teve incio depois de Jos Scrates apresentar a demisso do cargo de primeiro-ministro na noite de 22 de Maro, numa emisso em directo nos trs canais generalistas nacionais. 5 O incio da campanha eleitoral para a Presidncia da Repblica ficou marcado pela ameaa feita pela SIC e pela TVI de no emitirem o tempo de antena dos candidatos por divergncias existentes com o Ministrio das Finanas relativamente ao preo a pagar pelo espao de emisso. 6 O sorteio dos debates ditou que tanto a RTP1 como a TVI receberiam um total de trs debates cada, enquanto que os estdios da SIC foram palco de quatro debates. A deciso de integrar apenas os representantes de partidos com assento parlamentar suscitou uma reaco dos pequenos partidos que, pela sua ausncia nestes momentos televisivos, apresentaram uma providncia cautelar para obrigar as televises a alargarem o debate a todos os partidos. O Tribunal Judicial de Oeiras deu razo queixa e obrigou as trs televises a transmitirem, at 3 de Junho, novos debates entre todos os partidos que para isso estivessem disponveis. No texto publicado que explica a sentena aplicada, a deciso justificada pelo facto de as TVs violarem o direito de igualdade consagrado no art. 56. da Lei Eleitoral da Assembleia da Repblica, a par do direito de qualquer cidado a ser informado, para a formao da sua opinio que se traduz no exerccio de um direito de voto livre e4

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melhor impressionar quem os v. Contudo, apesar desse esforo e do benvolo servio que as televisesqueremprestar,essasemissesacabamporsermimticas,aomesmotempoqueredundantes e repetitivas (Sena & Lopes, 2010). Mas o que importa, acima de tudo, quem ganha a noite eleitoral, oque,paraastelevises,significatermaisaudinciadoqueoscanaisconcorrentes. Naseleiespresidenciais,foiaRTPquemganhouanoiteeleitoral(12.4porcentodeaudincia mdia); a TVI ficou em segundo lugar (10.9 por cento); a SIC, em terceiro (10 por cento). A TV pblica foi a primeira a arrancar a emisso: trs minutos antes das 20h00, Jos Alberto Carvalho surge de iPad na mo. Alis, a RTP o canal que mais avanos vai fazendo a nvel tecnolgico e mais esforo tem demonstrado em integrar o telespectador nas emisses, tirandopartidodastecnologias.Naseleieslegislativas,aRTPmantevealiderana,seguida pela TVI e depois pela SIC. Um forte ambiente multimdia tomou conta do estdio da TV pblica, que abriu uma bancada para 130 pessoas seguirem a emisso em estdio. Mantendo directos permanentes com os chamados quartis-generais dos diversos partidos e tendo em estdio figuras com notoriedade meditica7 e militantes destacados em cada partido, os diferentes canais televisivos foram apanhando as suas notcias exclusivas. Na RTP aparecia s 20h40 um orculo onde se escrevia: ltima hora: Scrates deve demitirse. Na sequncia dessademisso,originadapelaperdadaseleies,osocialistaAntnioVitorino,emconversa com Marcelo Rebelo de Sousa, confessa, na TVI, que havia sido convidado para lder do partido, o que significava que a derrota do partido do governo era esperada. A SIC, fazendo um directo para o local onde estavam os socialistas, consegue uma declarao de Antnio Jos Seguro a mostrar-se disponvel para se candidatar liderana do PS. A 23 de Julho, seria ele o novo secretrio-geral do PS. E a est como a TV pode ser parte da construo do real.

esclarecido. O artigo 56. desta lei refere tambm que os candidatos e os partidos polticos ou coligaes que os propem tm direito a igual tratamento por parte das entidades pblicas e privadas a fim de efectuarem, livremente e nas melhores condies, a sua campanha eleitoral. Para alm destas consideraes, o Tribunal de Oeiras considerou ilegtima a distino feita pelas televises entre partidos com assento parlamentar e sem assento parlamentar na realizao do sorteio para os debates televisivos referentes s eleies legislativas. Esta imposio teve uma imediata reaco das trs televises generalistas portuguesas. As direces de informao da RTP1, SIC e TVI discordaram da deciso judicial pelo facto de esta no respeitar a autonomia e a liberdade editorial dos meios de comunicao social. Num comunicado conjunto, os directores de informao dos trs canais em causa frisaram que a marcao destes debates no obedecia a critrios jornalsticos. Nesta nota ainda referido que o precedente levantado poderia originar no fim dos debates em prximos actos eleitorais, j que a realizao de um elevado nmero de debates no seria uma deciso til, razovel, nem sequer exequvel. Apesar da contestao por parte de RTP1, SIC e TVI, estas estaes comearam a transmitir a 2 de Junho debates eleitorais entre os partidos sem representao parlamentar, mas que concorriam s eleies do dia 5 de Junho. Em dois dias foram transmitidos oito debates televisivos. 7 A RTP aproveitou a noite eleitoral para convidar para estdio Jos Eduardo Moniz, ele que fora director-geral da TV pblica, que passara pela TVI e transformara o canal em lder de audincia e que integrava, na altura, os quadros da Ongoing, o grupo de que se falava para comprar o canal que a RTP iria privatizar.

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Em 2011, salientam-se aquilo a que Daniel Dayan e Elihu Katz chamam Media Events (ME), ou seja, momentos histricos televisionados em directo que fazem parar a nao ou o mundo (1999: 17). Sendo promovidos por instncias exteriores TV, os ME so planeados e publicitados com antecedncia, criando grande expectativa na audincia que se sente na obrigatoriedade de assistir. Ao analisarem os efeitos dos ME, Dayan e Katz (1999: 183-207) defendem que estes acontecimentos interrompem o ritmo da vida das pessoas, instalando um tempo de lazer, mas tambm um tempo sagrado que exige uma participao activa da audincia. Ainda que a produo e a recepo se desenrolem em territrios diferenciados, h uma ligao do centro (do palco dos acontecimentos) com a periferia(oslocaisondeseassistesemissestelevisivas, convertidos, assim, em espaos pblicos unidos por uma cena meditica re-territorializada no ecr de TV). A televiso retira os acontecimentos da terra e colocaos no ar, sustentam Dayan e Katz (1999: 30). Para serem entendidos como momentos de reforo das identidades das instituiesedosactoresquenelesparticipam,osME tm efeitos socializadores que os investigadores fazem prolongar no tempo para os considerarem estruturantes da memria colectiva, conferindo-lhe substncia e enquadramento. Os grandes acontecimentos, escrevem em Media Events (1999: 82), podero ter o seu efeito primordial e certamente o seu lugar na memria colectiva, no sob a forma em que foram originalmente encenados, mas sob a forma como foram transmitidos. Da dizerem que os verdadeiros construtores de monumentos do sculo XX so talvez os realizadores televisivos (1999: 112). Em 2011 distinguimos as cerimnias de beatificao de Joo Paulo II e os casamentos reais do prncipe William e de Kate Middleton e do herdeiro do trono monesgasco, Alberto com a ex-nadadora olmpica e ex-modelo Charlene Wittstock. Foi a 1 de Maio que a Igreja catlica procedeu, em Roma, cerimnia de beatificao e trasladao do corpo de Joo Paulo II8. As trs empresas de TV colocaram no terreno enviados especiais, fazendoopeseditoriaisdistintas:aRTP9 e a TVI10 fizeram uma transmisso em directo daquele momento; a SIC integrou o que ia acontecendo nos servios informativos. Ao longo deste dia, e nos dias antecedentes, este evento marcou visivelmente as agendas mediticas. Claro que a figura de Joo Paulo II motivava tambm esta cobertura. Sabendo fazer bom uso dos media, particularmente da TV, o pontificado deste Papa transformou o centro (o Vaticano) num lugar

O Vaticano anunciou que 87 delegaes oficiais de 2300 jornalistas de 101 pases marcariam presena na cerimnia. A partir de Roma, Ftima Campos Ferreira, Rosrio Salgueiro e Ana Santos foram as enviadas especiais da RTP praa de So Pedro. As emisses da RTP1 comearam s 8h, seguindo-se por mais cinco horas. O canal de servio pblico emitiu o documentrio Dois Papas, Dois Milnios, nas vsperas da beatificao. 10 Na TVI, a cobertura do evento arrancou s 8h45, com Pedro Pinto e o padre Rgo, em Roma, na companhia do correspondente Pedro Moreira.8 9

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nmada e isso aconteceu porque as suas actividades eram alvo de uma forte cobertura televisiva. Dois dias antes da beatificao de Joo Paulo II em Roma, William e Kate Middleton casavam em Londres. A edio do Dirio de Notcias do dia da boda (29 de Abril de 2011) titulava este ME assim: prncipeeplebeiadoonnopalcodomundo,ouseja,naTVenanet.Terosidodoisbiliesde telespectadoresportodoomundoaseguiresteenlacepelaTVe72milhesdepessoaspelainternet, o que ento representou o maior nmero de streamings (transmisso ao vivo pela web) de um nico evento. Em Portugal, RTP, SIC e TVI montaram estdios em Londres e enviaram para l os seus jornalistas mais conhecidos, que se misturaram no plateau com apresentadores do entretenimento. Estvamos ali perante um evento que merecia um relato jornalstico, mas que se dava a ver em espectculo, convinha no esquecer. A 2 de Julho, outro casamento real: o herdeiro do trono monegascoAlbertocasacomaexnadadoraolmpicaeexmodeloCharleneWittstock.Astelevisesno tiveram o mesmo envolvimento que demonstraram com a famlia real britnica, nem as audincias televisivas se mobilizaram tanto em torno dos ecrs da TV e do computador. No entanto, no se ignorou este ME. Em Portugal, se bem que a SIC praticamente tivesse ignorado este casamento real, RTP eTVIcolocaramenviadosespeciaisnoterrenoefizeramligaesemdirectoemtempoconsidervel.

TV digital terrestreNo mbito da implementao da TV digital terrestre em Portugal, os anos de 2010 e de 2011 foram marcados pela consolidao do modelo de negcios a ser adoptado, que diferiu bastante das expectativas que havia em torno do sistema quando o Estado lanou, em 2007, os projectosderegulamentodosconcursospblicosqueatribuiriamasconcessesparaautilizaode frequncias da TDT portuguesa. Na altura, estava previsto o lanamento de um quinto canal generalista, exclusivamente digital e de livre acesso, e tambm de um servio de TDT por subscrio que contemplaria, alm de canais nacionais, canais de alcance regional com programao diferenciadaquedariaprioridadesproduesnacionais.Atecnologia,emviasdeserestabelecida,fomentavaaindadiscussesarespeitodapossibilidadedoscanaisseremtransmitidos em alta definio e do lanamento da televiso digital terrestre mvel. No entanto, com a alterao do cenrio econmico e com a influncia dos diversos agentes interessados no mercado televisivo e espectral (Denicoli, 2011), o que se concretizou, sobretudo no ltimo ano, foi uma TDT com a menor oferta de canais da Europa11, com uma interactividade limitada, com imagens

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Dados do Observatrio Audiovisual Europeu, disponveis em http://www.obs.coe.int/about/oea/pr/mavise_juin2011.html. Acedido em 26 de Setembro de 2011.

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em definio standard, sem um servio opcional de TDT paga, sem planos concretos para TV mvel e sem um quinto canal generalista de livre acesso. O modelo estabelecido disponibiliza na TDT apenas os canais j existentes na TV analgica, com uma interactividade restrita ao guia electrnico de programaoepromessadehaverumserviodelegendagemcujospadresaindanoforamdefinidos na altura em que escrevemos este texto (Portugal Telecom, 2010). Demais servios interactivos, como a possibilidade de gravao de programas, so inerentes qualidade da settopbox adquirida pelo telespectador e no aos canais de transmisso. Nocampodasacesdemarketingedaconsequentepreparaodapopulaoparaaconverso do analgico para o digital, destaca-se o lanamento, em Maro de 2011, de uma campanha oficial em diversos meios, com o intuito de esclarecer os cidados sobre os procedimentos necessrios passagem para a TDT. A ANACOM tambm lanou uma pgina no Facebook para responder s dvidas dos utilizadores. No que diz respeito aos servios de informao ao telespectador que deveriam ser fornecidos pela Portugal Telecom (que detm os direitos de transmisso da TDT), estes foram considerados insuficientes pela ANACOM, que exigiu que a empresa melhorasse a qualidade dos esclarecimentos prestados ao pblico, sobretudo no que concerne aos subsdios para a instalao de equipamento de recepo de sinais via satlite nas zonas de sombra onde o sinal da TDT no chega. No dia 7 de Abril de 2011, uma resoluo da ANACOM poupou a PT da obrigao de financiar na ntegra os custos referentes transmisso via satlite nas zonas de sombra conforme estava determinado no ttulo habilitante que deu Portugal Telecom o direito de utilizao de frequncias da TDT , determinando que a empresa comparticiparia apenas a compra do kit de recepo dossinais.Istooriginouprotestosnasregiesafectadas,principalmentenosconcelhosdoAlto Minho, cuja populao reclamou o facto de ter mais custos para poder continuar a receber os sinaistelevisivosapsoapagoanalgico,emrelaosdemaisregiesdopascontempladas com o sinal da TDT. Apesar de ter havido algumas iniciativas oficiais de divulgao correcta do que era a TDT, constatou-se, por outro lado, que agentes e empresas prestadoras de servios de TV por subscrio estariamafornecerinformaesequivocadassobreaTDT,talvezcomointuitodeampliaro nmero de clientes dos canais pagos (Pblico, 23 de Maio de 2011). Tal facto levou interveno da ANACOM para proteger os cidados de procedimentos comerciais desleais. Essa interveno ocorreu atravs de uma deliberao do dia 19 de Maio de 2001, que ressaltava o seguinte: So proibidas as prticas comerciais que, por qualquer forma, induzam no consumidor a per cepo de que para continuar a recepcionar os servios de programas televisivos de acesso no condicionado livre, a saber RTP1, RTP2, SIC e TVI, bem como RTP Aores e RTP Madeira nas respectivas Regies Autnomas, deve subscrever um servio pago (ANACOM, 2011: 6).

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Uma outra questo inerente a este perodo foi o fim das golden shares do Estado na Portugal Telecom12, por fora do memorando firmado entre o Governo e o Fundo Monetrio Internacional, o Banco Central Europeu e a Unio Europeia a Troika13, na sequncia de um emprstimo feito pelastrsinstituiesaoEstadoPortugusparaopagamentodadvidapblicadoPas.Com ofimdasacesespeciais,oEstadodeixoudepoderinterferirdirectamentenasdecisesda PT, chegando ao fim esta relao oficial e simbitica, o que poder ter influenciado o processo de implementao dos quadros legais dos concursos pblicos que levaram concepo da TV digital terrestre no Pas (Denicoli, Teixeira e Sousa, 2011) No campo poltico, com a tomada de posse do XIX Governo Constitucional no dia 21 de Junho de 2011, chefiado pelo primeiro-ministro Pedro Passos de Coelho, estabeleceu-se um programa de aco que fixava para a TV digital o seguinte14: O Governo pontuar a sua actuao pela Mudana pautado pelo novo contexto tecnolgico e financeiro. Esta mudana exige que o Estado assegure de forma clara e firme uma concor rncia transparente e, sobretudo, o acesso de todos os cidados aos contedos, incluindo a informao independentemente da plataforma tecnolgica. As mudanas em curso (v.g. a Televiso Digital Terrestre, que dever cobrir todo o Pas em 2012, e as novas geraes de banda larga) exigem especial cuidado de forma a garantir que no h cidados excludos par ticularmente por razes econmicas, pelo que o Estado comprometese combater qualquer tipo de excluso, actuando de forma rigorosa na esfera legislativa e reguladora. Noentanto,mesmoestandoatelevisodigitalterrestrenocernedasquestesreferentesreestruturaodoserviopblicodecomunicao,asacesnaesferadapolticaedaadministrao pblicanosereflectiramemresoluesprticas.Noperodoanalisado,oserviopblicoteveuma presena pouco veemente no que diz respeito ao importante processo de digitalizao das transmissestelevisivasemPortugal,enquantonaEuropaafunosocialdaTVpblicafoinaturalmente transferida para a TV digital. O recurso ao fortalecimento dos canais pblicos ocorreu na maioria dos pases da Unio Europeia, nomeadamente na Alemanha, Blgica, Dinamarca, Eslovnia, Espanha, Finlndia, Frana, Grcia, Hungria, Itlia, Irlanda, Polnia, Reino Unido, Repblica Checa e Sucia.

As golden shares so aces privilegiadas que davam ao Estado o direito de influenciar e vetar as principais iniciativas da PT, entre elas a nomeao do presidente do Conselho de Administrao e decises sobre o aumento de capital e alterao de estatutos. 13 Documento disponvel em http://economico.sapo.pt/public/uploads/memorandotroika_04-05-2011.pdf. Acedido em 28 de Setembro de 2011. 14 Programa do XIX Governo Constitucional disponvel em http://www.portugal.gov.pt/pt/GC19/Governo/ProgramaGoverno/ Pages/ProgramadoGoverno_Indice.aspx. Acedido em 27 de Agosto de 2011.12

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Noquedizrespeitosquestestcnicas,houveavanosemrelaoaoswitchoff, sendo que em duas zonas-piloto, Alenquer e Cacm, os transmissores analgicos foram desligados de forma definitiva em Maio e Junho, respectivamente. Houve tambm uma realocao das frequncias utilizadaspelaTDTemtodoPas,deformadelibertarafaixados800MHzparatransmissesde servios de comunicao electrnicos, cujos objectivos mais proeminentes previstos pela Unio EuropeiaapontamparaaInternetsemfios,nosseguintespadres(ComissoEuropeia,2010): Internet banda larga bsica a todos os europeus at 2013. Internet banda larga com no mnimo 30 Mbps a todos os europeus at 2020 (sendo 50% ou mais dos agregados familiares europeus assinantes de ligaes Internet com dbitos superiores a 100 Mbps. Portanto, conforme aqui exposto, os anos de 2010 e 2011 poderiam ter sido cruciais na definio do modelo da TDT portuguesa, mas os factos ocorridos salientaram as fragilidades de um sistema que tem de ser implantado de forma definitiva a partir de Abril de 2012, data marcada para o switchoff analgico. Nessa altura, os portugueses s tero acesso programao televisiva se estiverem devidamente equipados para receber os sinais digitais.

BibliografiaDayan, Daniel; Katz, Elihu (1999). A Histria em Directo: os acontecimentos mediticos na tele viso. Coimbra: Minerva. Denicoli, Sergio; Teixeira, Marcelo; Sousa, Helena (2011), A implementao da televiso digital ter restre em Portugal: um caso singular de relao pblicoprivada. XXXIV Intercom Congresso da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao, Recife. Intercom.org.br http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2011/lista_area_DT8-PC.htm. Acedido em 27 de Setembro de 2011. Denicoli, Sergio (2011). TV digital: Sistemas, conceitos e Tecnologia. Grcio Editor, Coimbra. Mehl, Dominique (1996). La Tlvision de lIntimit. Essai Politique, Seuil. Sena, Nilza & Lopes, Felisbela (2009) Election Night: a large production that people dont see. International Readings in Moscow Mass Media Communications, Moscovo, 8 a 10 de Outubro de 2009. Comunicao com paper.

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DocumentosANACOM (2011). Deliberao de proibio prvia de prticas comerciais desleais. Anacom.pt http://www.anacom.pt/streaming/Deliberacao19maio2011.pdf?contentId=1085523&field=ATTAC HED_FILE. Acedido em 28 de Setembro de 2011. Comisso Europeia (2010). Uma agenda digital para a Europa. COM (2010) 245. http://tvdigital.files.wordpress.com/2010/09/agenda-digital-da-uniao-europeia1.pdf. Acedido em 29 de Agosto de 2011. Portugal Telecom (2010). Norma de Sinalizao para a Televiso Digital Terrestre em Portugal. www.tdt.telecom.pt http://tdt.telecom.pt//recursos/apresentacoes/Norma%20de%20Sinaliza%C3%A7%C3%A3o%20 para%20a%20Televis%C3%A3o%20Digital%20Terrestre%20em%20Portugal1.pdf Acedido em 28 de Setembro de 2011.

JornaisPblico, 26 de Julho de 2011 Pblico, 23 de Maio de 2011 Notcias TV, 20 de Maio de 2011 Notcias TV, 15 de Abril de 2011 Notcias TV, 8 Abril de 2011 Notcias TV, 4 de Setembro de 2010 Jornal de Notcias, 7 de Abril de 2011 Jornal de Notcias, 4 de Setembro de 2010 Expresso, 1 de Julho de 2011 Expresso, 27 de Novembro de 2010

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Uma programao televisiva que desrespeita as determinaes da ERCFelisbela Lopes1

1 > O conceito de programao televisiva

Olhando para a programao televisiva de um canal, percebemos que esta cumpre vrias funes:confereumaidentidadesestaesdeTV,orientaosprodutoresdecontedos,permite uma compreenso global da grelha, fornece mapas de referncia s audincias... Se, por um lado, exibe um continuumdeemisses,poroutro,apertaaofertatelevisivanumadeterminada malha que confere a cada programa um sentido para l daquilo que intrinsecamente significa. Referimo-nos a um conceito complexo que tem merecido a ateno de vrios investigadores, principalmente depois do aparecimento das estaes privadas, momento a partir do qualoaudiovisualpassouporalteraesatodososnveis:semntico,sintcticoepragmtico. Destacaremos neste ponto algumas das propostas tericas que nos parecem significativas: as de Raymond Williams, de Cebrian Herreros, de Nora Riza, de Gonzalez Requena, de Jean-Pierre Esquenazi e as de Guy Lochard e Henri Boyer. NomodelotelevisivoaqueUmbertoEco(1985)chamoupaleoteleviso, o fluxo televisivo integrava um conjunto de programas, apresentando cada um deles um contrato de comunicao preciso,resultantedeumaclaradelimitaodecontedos(informao,fico,emissesculturais) e de uma diviso especfica de pblicos (programas para as crianas, para os aficionados dodesportoautomvel,paraosamantesdanatureza...).Asemisseseramdefinidasemfuno das trs grandes finalidades comunicativas da actividade televisiva: distrair, informar e educar. Consequentemente, havia o momento do espectculo, dedicado ao divertimento; o da informa o ao longo do qual ficvamos a saber as notcias; e o de aprendizagem onde (nos) enriquec amos (Negri et al, s/d). Os prprios nomes dos programas ajudavam o telespectador a operar essa diferenciao, orientando-o para consumos especficos. Ao contrrio daquilo que se passa hoje, nessa altura uma emisso nunca era comprada/planeada para uma determinada franja horria. Produzia-se primeiro e procedia-se sua incluso na grelha depois. Neste contexto, h uma sintaxe mais fcil de delimitar. Cada emisso assumia um carcter distintivo, sem reunir

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Investigadora do Centro de Estudos Comunicao e Sociedade da Universidade do Minho. Artigo escrito no mbito do projecto Jornalismo televisivo e cidadania: os desafios da esfera pblica digital (FCT PTDC/CCI-JOR/099994/2008).

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em si regras de combinao. A frase que constitua circunscrevia-se a si prpria, sem existir grande preocupao de remeter para contextos mais vastos. Esse contexto fechou-se com o surgimento de um panorama audiovisual onde operam vrios canais de televiso, que Umberto Eco designou como neoteleviso e que, no incio do sculo XXI, evoluiu para aquilo que se pode considerar a psneoteleviso. Os trabalhos de Raymond Williams constituem um marco pioneiro nos estudos acadmicos contemporneos sobre a programao televisiva. Ao analisar pormenorizadamente a articulaodasemissesinformativasdevrioscanaisbritnicosenorteamericanos,estesocilogo fez notar a emergncia de uma nova forma de comunicao televisiva que explicou no livro Television, Technology and Cultural Form,publicadoem1975.SegundoWilliams,aorganizao da oferta televisiva no segue uma lgica esttica, ou seja, uma mera distribuio e ordenao de programas descontnuos, mas um fluxo planificado(1975:8696),assumindoseopequeno ecr como uma ininterrupta sucesso de imagens pensada a um nvel superior, o que caracteriza a radiodifuso como tecnologia e, simultaneamente, como forma cultural. A televiso deixa de valer pelos programas singulares que transmite para readquirir o seu valor atravs da soma de todos eles, ou seja, pelo contnuo fluxo de imagens e sons cuja lgica, na sua opinio, escapa ao telespectador. Isto significa que uma anlise isolada dos programas sem ter em conta pelo menos a franja horria em que eles so transmitidos ver-se- empobrecida. Ao optarmos por um estudo desse tipo, estaramos ao nvel daquilo que Williams denomina anlise de mdio alcance (estudo da estruturao de determinadas unidades programticas do fluxo televisivo). Talvez possamos estranhar o tempo durante o qual esta investigao se desenvolveu, mas preciso prestar ateno s coordenadas espaciais onde ela assentou. Raymond Williams centrou o seu estudo nas realidades britnica e norte-americana, ou seja, num panorama audiovisualondeoperavamvrioscanais:emInglaterraoprimeirocanalprivado(ITV)surgiuem1954 concorrendocomaBBC,cujasprimeirasemissesseiniciarama2deNovembrode1936;nos EUA a televiso nasceu ligada ao sector privado, registando-se, de imediato, um nmero considervel de canais em concorrncia aberta uns com os outros. Num quadro em que existem vriasestaestelevisivasprocuradeaudincia,exigeseumcuidadoacrescidocomaoferta televisiva, o que no acontece quando existe somente um operador que detm a exclusividade da actividade televisiva. Por isso, em terreno europeu onde genericamente a TV surgiu como monoplio do sector pblico, os estudos volta da programao apenas se desenvolveram com oadventodastelevisesprivadas,fenmenocomalgumaflexibilidadetemporalconsoanteos pases em causa. Num contexto audiovisual tido como concorrencial, a oferta televisiva absorve grandepartedaspreocupaesdequemdirigeumcanaldeTVe,consequentemente,aproblematizao deste conceito no pode ser ignorada pelos investigadores.

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Em Itlia, Nora Rizza (1990), atravs de entrevistas com programadores, procurou analisar os factores que subjazem prtica diria da construo de uma grelha, retomando o termo palimpsesto para falar da programao televisiva, definindo-o como a disposio sucessria de uma srie de programas, num certo perodo temporal, segundo uma determinada lgica. Parece-nos uma recuperao conceptual bem conseguida. Tal como outrora os manuscritos em pergaminho eram tidos como material caro, tambm os programas televisivos implicam custos avultados. semelhana dos copistas medievais que raspavam o pergaminho para nele escreverem de novo, tambm os programadores televisivos vo apagando da grelha alguns programas para nela introduziremnovasemisses.Talcomoantigamenteerapossvelfazerreapareceremparteosprimitivos caracteres, uma anlise cuidadosa de uma grelha televisiva permite encontrar indcios daquilo queforamasopestomadasnoutraspocas.Rizzacentraasuaanlisenoprocessodeconstruo da grelha, acreditando que dessa opo resultam elementos que dificilmente se tornariam visveis se apenassetivesseemcontaaofertatelevisivaquechegaaotelespectador.Combinandoinformaes tcnicas do trabalho do programador com outras relacionadas com as rotinas de produo, a autora conclui que a natureza do palimpsesto televisivo est condicionada por factores to diversos como os recursos econmicos da estao, a audincia prevista, a imagem e a identidade do canal, a oferta da concorrncia, a possibilidade de produo ou a aquisio dos contedos. A sua funo maximizar a audincia, ou seja, organizar a programao de forma a que um programa se dirija a um determinado pblico (target) e o satisfaa. Perceber a sintaxe de um canal , seguindo este ponto de vista, conhecer os elementos que a determinam e que se situam tanto no interior do dispositivo televisivo como naquilo que lhe exterior. So eles que constituem as regras de combinao dos micro-elementos(asemisses)quedocorpoaomacrotextotelevisivo(agrelha).CasettieOdinjuntamoutros elementos que ajudam a perceber a organizao da oferta televisiva num contexto de concorrncia. Na sua perspectiva, a contaminao e o sincretismo so o princpio organizador de uma grelha em que a estrutura sintagmtica tende para o fluxo contnuo (1990: 16-17). Os autores falam mesmo de programas omnibus onde cabem a informao, a fico, o espectculo, a publicidade, provocando a impresso de uma emisso proteiforme, mas nica.Essasemissesintegramse numa lgica de fluxo, caracterizando-se por uma hiperfragmentao (Casetti et al, 1990: 18), que permite a integrao de vrios micro-segmentos. Esta evoluo que se deu no modo de entender a programao no se deve apenas multiplicao de canais de televiso. No foram somente factorestecnolgicosacausadasmodificaesocorridas,mastambmmutaeseconmicas, polticas, sociais e culturais. A valorizao de certas franjas horrias, por exemplo, no pode ser encarada apenas como uma iniciativa unidireccional do programador, mas deve ser lida luz das modificaesdasformasdevida(empregoelazer).Atendendodisponibilidadequeaspessoas tm para ver televiso, os programadores vo procurando optimizar as audincias disponveis.

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Em Espanha, Mariano Cebrian Herreros foi um dos primeiros acadmicos a estudar o fenmeno da programao, dedicando a esta problemtica dois captulos do livro Introduccin al lenguaje de la televisin. Una perspectiva semitica, editado pela primeira vez em 19782. Em Informacin Televisiva: Mediaciones, Contenidos, Expresin y Programacin publicado duas dcadas depois, Cebrian Herreros (1998: 429) afirma que a competitividade(entreasestaes) levou ao desenvolvimento de estra tgias to complexas que se chega a falar de engenharia de programao. Por seu lado, Jesus GonzlezRequena(1995)encaraaprogramaocomoummacrodiscurso, capaz de integrar no seu interior todos os sistemas semiticos, actualizados acstica e visualmente. Uma grelha televisiva seria uma unidade discursiva superior s unidades que contm, com a capacidade de submeter tudo o que alberga sua lgica, procedendo no raras vezes fragmentao de subunidades com alguma violncia3. A introduo do conceito de discurso no mbito da programao permite, de acordo com Requena(1995:27),nosdescobrir em todo o processo de comunicao mbitos de significao que escapam conscincia e vontade dos seus agentes, como tambm analisar em profundi dade o papel estrutural desempenhado pela televiso na cultura de massas. Essa influncia no resultaria apenas da actuao isolada de certos programas, saindo antes de um discurso de ordem superior, de efeitos psicolgicos, ideolgicos e sociais manifestos. Ao olhar uma grelha televisiva luz de uma significao global e de uma lgica genrica de construo, ultrapassa-se a oferta em si, havendo uma implicao de todos os indivduos afectados por ela, ou seja, os diversos pblicos. Se,porumlado,aaudinciasevconfrontadacominformaoqueespartilhaagrelhaememisses especficas (atenda-se, por exemplo, programao anunciada pelos jornais e revistas especializadas;aosintervalosentreasemissesquepontuamofinaldedeterminadoprograma;aosgenricos de abertura dos programas...), por outro lado, as pessoas servem-se frequentemente da expresso ver televiso, evidenciando, atravs dela, que entendem essa aco na sua generalidade. Esta ideia de encarar a grelha como integradora de dois nveis aparentemente contraditrios o da continuidade e o da fragmentao adoptada por outros tericos. Em Frana, Jean-Pierre Esquenazi refere-se ao fluxo televisivo como a edificao de uma continuidade por hiperfrag mentao(1996:63).Sesereconhecequecadaprogramaimpemomentaneamenteasuavelocidade, tambm se sublinha que cada fragmento da programao integra uma macrodiscursividade que garante a identidade do canal e que, por outro lado, assegura televiso o papel de se constituir como uma instituio que regula o conjunto dos seus actos discursivos (1996: 28).

Os captulos intitulam-se La especificidad de la continuidad programtica e La programacin como obra unitria. Os filmes e as sries sofrem frequentemente cortes no previstos pelas respectivas filmagens para darem lugar a intervalos publicitrios.2 3

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A oferta televisiva como uma realidade composta por elementos especficos (os programas) inseridos num macrodiscurso global (a grelha) uma perspectiva adoptada por vrios tericos. Um lugar de construo de um discurso global associando diferentes componentes a definioqueGuyLochardeHenriBoyer(1995:95)apresentamparaaprogramao,sublinhando,no entanto, que esse no o modo como o telespectador apreende a grelha televisiva, encarandoa, antes, como uma sucesso de enunciados autnomos, portadores de significaes e valores independentes(1995:97).Aformacomoseprocessaarecepodasmensagenstelevisivas no corresponde quilo que se passa no momento da sua insero numa grelha. A este nvel, cadaumadasemissesadquireoseuvaloratravsdasrelaesestabelecidascomosrestantes componentes, formando um todo que se pretende equilibrado e, ao mesmo tempo, diversificado, dependendo essa diversidade da natureza (temtica ou generalista) do canal. Das propostas referidas, sai uma ideia de programao televisiva entendida em termos de macrodiscurso. Sublinhe-se que os investigadores apontados desenvolveram o seu trabalho tendo como referncia um Panorama Audiovisual pluralista, composto por canais privados e de servio pblico. Neste novo quadro, os programas deixaram de ser unidades autnomas para se converterem em fragmentos que adquirem o seu valor de acordo com a franja horria que ocupam e com o canal que integram. Enquanto nos primrdios da TV as emisses estavam separadas umas das outras por sinais de pontuao que as isolavam, na era ps-desregulao promovem-se marcas de conjuno que assinalam uma certa interdependncia entre elas. Os programas j no so apresentados em sucesso, mas em sobreposio. Ao contrrio daquilo que se passava em regime de monoplio, os contedos no cabem nos chamados gneros clssicos, surgindo conceitos que reflectem o esbatimento entre as fronteiras da informao e do entretenimento. A passagem do sculo exacerbou estas tendncias.

2 > A Lei de TV, o contrato de concesso de servio pblico de televiso e as recomendaes da ERCEnquadrada por diversos textos normativos, a televiso em Portugal no tem sobre si vigorosas orientaesemmatriadeprogramao.Dodocumentoqueseassumecomomatrizdoaudiovisual, a Lei de Televiso, recolhem-se princpios gerais, como seria expectvel deste tipo de legislao. No perodo que aqui nos ocupa, esteve em vigor a Lei n27/2007, de 30 de Julho, que estipula como obrigaesgeraisdosoperadoresdeteleviso,nomeadamentedosgeneralistas,oseguinte: a) Assegurar, incluindo nos horrios de maior audincia, a difuso de uma programao diversificada e plural;

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b) Assegurar a difuso de uma informao que respeite o pluralismo, o rigor e a iseno; c) Garantir uma programao e uma informao independentes face ao poder poltico e ao poder econmico A formulao genrica, e assim de esperar de qualquer articulado deste gnero, mas a redaco tal como est abre zonas de ambiguidade. luz desta lei, um canal generalista pode, em franjas de maior audincia, centrar a sua programao num determinado tipo de oferta e promover alguma diversidade em horrios com um inexpressivo nmero de telespectadores. Na prtica poder ser um canal temtico; mas a nvel legal poder reivindicar a sua natureza generalista.

Imposies do Contrato de Concesso de Servio Pblico de TelevisoNa nossa perspectiva, no h um jornalismo para o servio pblico de televiso (SPT) e um jornalismoparaasestaesprivadas.Maspode(deve)haverumainformaoquesermaisespecfica dos operadores pblicos. No que diz respeito ao trabalho que desenvolvem, os jornalistas de uma TVpblicaouprivadatmasmesmasobrigaeseosmesmosdireitos:fazempartedamesma classe com cujos elementos partilham princpios ticos e deontolgicos e um quadro legal intrnsecos profisso. No entanto, uma estao pblica e uma estao privada no deveriam seguir a mesma engenharia de programao e as mesmas prioridades na construo dos alinhamentos dos noticirios. No caso portugus, a RTP est submetida a um Contrato de Concesso de Servio Pblico assinado com o Estado e a clusulas legais especficas fixadas na Constituio da Repblica Portuguesa e na Lei da Televiso que a obrigam a especiais cuidados. No perodo que nos ocupa aqui estava em vigor o Contrato assinado em Maro de 2008, um documento que apresentavaobrigaesmnimasdeserviopblicoparaoscanaisdouniversoRTP.NocasodaRTP1, a clusula 9 estipula que o canal generalista deve, pelo menos, incluir o seguinte: a) Espaos regulares dirios em que sejam noticiados e devidamente contextualizados os principais acontecimentos nacionais e internacionais; b) Espaos regulares de debate com interveno de personalidades representativas da vida poltica e social portuguesa; c) Espaos regulares de entrevista a personalidades que se destaquem na sua actividade profissional ou cvica; d) Espaos regulares sobre a actividade poltica nacional, que tenham em conta a pluralidade e a representatividade dos partidos polticos com assento nas instituies parlamentares; e) Espaos regulares de grande reportagem; f) Espaos regulares de difuso de documentrios originais, focando a realidade social, histrica, cultural, ambiental, cientfica ou artstica portuguesa.

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Faceaestasdisposies,nomesmoartigoconsideraseexigvelaseguintefrequnciamnima: a) Trs vezes por dia, para os noticirios; b) Semanal, para os programas de informao sobre as instituies polticas e promoo da cidadania, para os programas de debate e entrevista e para os programas de divulga o cultural; c) Mensal, para os programas de grande reportagem e documentrios, assim como para a exibio de longasmetragens portuguesas. A RTPN (que viria a alterar o nome para RTP Informao a 19 de Setembro de 2011), segundo o Contrato de Concesso de Servio Pblico (2008), destina-se seguinte actividade: Prestao especializada de informao nas suas diferentes formas, designadamente notici rios, reportagens, documentrios e debates, com destaque para temas, ideias e protagonistas no habitualmente representados na comunicao social, como os que relevam da rea cultural ou cientfica, e concedendo especial ateno a temas com interesse para regies e comunida des especficas (Clusula l3)

Determinaes da ERC para a TV privadaRecuando at ao aparecimento da SIC (Outubro de 1992) e da TVI (Fevereiro de 1993) e relembrando como era nessa altura a respectiva oferta televisiva, constatamos que, ao longo do tempo, as grelhas mudaram substancialmente ao ponto de tornarem irreconhecveis os projectos iniciais de ambos os canais privados, mas de concesso pblica. Em Junho de 2006, a Entidade Reguladora para a Comunicao Social aprova a primeira renovao das licenas dos canais privados atravs de uma deliberao que no se circunscreve a um puro acto administrativo. Nesse documento (1-L/2006 com a data de 20 de Junho), fixam-se algumas linhas de programao que obrigam a SIC e a TVI a inflectirem uma tendncia que, desde 2001, as tinha convertido em canais monotemticos de entretenimento no que ao horrio nobre dizia respeito. Nesse texto, sublinha-se o seguinte: Relativamente a algumas obrigaes assumidas pelos operadores televisivos quer por decor rncia directa da lei, quer porque a isso se comprometeram na apresentao da respectiva can didatura (em 1990) ou em momento posterior verificase um cumprimento pouco satisfatrio4.

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Da parte da SIC, salientam-se como incumprimento os seguintes aspectos: diminuio progressiva do nmero de jornais informativos (quatro em 1990, trs em 1999, dois em 2005); desaparecimento de programas especializados no campo da reportagem nacional e internacional, da entrevista e do debate com autonomia relativamente aos blocos informativos das 13h00 e das 20h00, em claro incumprimento dos compromissos assumidos em 1999; eliminao do flash informativo dirio, contemplado no projecto de 1999; emisses destinadas a pblicos infantis remetidas para horrios pouco adequados, de se-

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Face a isto, a ERC determinou que os operadores privados cumprissem vrias obrigaes. Destacamos aqui as seguintes: Emitir um mnimo de trs blocos noticiosos dirios. Emitir programas de informao dos subgneros debate e entrevista, autnomos em relao aos blocos noticiosos dirios, com periodicidade no inferior a semanal. Diversificar os gneros da programao emitida no chamado horrio nobre (20h00-23h00). Ambasasestaesconsideraramasreferidasorientaesabusivas(DiriodeNotcias,8de Agosto de 2006). Conhecida essa discordncia da parte dos responsveis dos canais privados em relao deciso dos membros do rgo regulador dos media, esperar-se-ia, no entanto, que algo mudasse na oferta televisiva. Numa anlise feita oferta informativa proporcionada pelos canais generalistas privados em 2006 e em 2007, conclumos que SIC e TVI continuavam a ser canais monotemticos de entretenimento, como vinha acontecendo desde finais de 2000 (Lopes, 2007a). No final da primeira dcada e no incio da segunda do sculo XXI, repetimos essa anlise, alargando essa amostra ao canal generalista de servio pblico (RTP1) e aos trs canais temticos de informao que emitem atravs do cabo (SIC Notcias, RTPN e TVI 24). Ao longo de dez meses (entre Setembro de 2010 e Junho de 2011), analismos as grelhas de programao dos trs canais generalistas e dos trs canais temticos em horrio nocturno, tendo em conta para esse estudo programas com alguma perenidade (pelo menos dois meses de emisso).

3 > Mapeamento da programao informativa nos canais generalistas e temticos de informao3.1 > RTP1: uma informao de formatos diversificadosO canal generalista de servio pblico aquele que apresenta uma oferta informativa mais diversificada em sinal aberto. Para alm do tradicional noticirio dirio das 20h00, a RTP1

gunda a sexta e desaparecidos da grelha de programas em 2006; programao cultural com presena reduzida na grelha e emitida em horrios de audincia diminuta. Da parte da TVI, sublinha-se o seguinte: emisses destinadas a pblicos infantis remetidas para o fim-de-semana; programao cultural espordica e emitida em horrios de audincia reduzida, ausncia de programas especializados no campo da reportagem nacional e internacional, da entrevista e do debate, autnomos em relao aos blocos informativos das 13h00 e das 20h00, em claro incumprimento dos compromissos assumidos em 1999; eliminao do flash informativo dirio contemplado no projecto de 1999.

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emite, em horrio nobre e ao ritmo semanal, formatos nos principais gneros jornalsticos: debate, entrevista e reportagem. Em Setembro de 2010, o director de programao do operador pblico Jos Fragoso defendia que o canal dedicava uma ateno muito especial [ informao]: Temos formatos permanentes, no andamos a dizer que vamos investir na informao e daqui a duas semanas acabamos com um programa.... Considerando a informao uma pedra fundamental da programao da RTP, Fragoso explicava assim a articulao com o director de informao: Temos uma linha aberta permanente para a informao, que entra na programao sempre que desejar. O Jos Alberto Carvalho [na altura, director de informao] telefoname e diz me que precisa de fazer um extra sobre isto ou aquilo e ns abrimos a janela para a infor mao. No diaadia feito com esta simplicidade que estou a dizer (Correio da Manh, 24 de Setembro de 2010). Na cerimnia de apresentao da grelha de Outono/Inverno 2010, estes directores de programao e informao afirmaram que o triunfo da RTP a diversidade, garantindo que as audin cias no so uma preocupao, mas o reflexo do trabalho dos jornalistas do operador pblico (DN, 1 de Outubro de 2010). No apresentando nenhuma novidade assinalvel na grelha deste perodo, a aposta da RTP na informao parece reflectir uma lgica de continuidade.

Quadro 1 > Oferta informativa da RTP1 (Setembro de 2010 a Junho de 2011)NOME DO PROgRAMA Telejornal Vidas Contadas Prs e Contras 30 Minutos Linha da Frente Corredor do Poder Grande Entrevista Servio de Sade SINOPSE Noticirio da hora do jantar Programa de reportagem de estrias de vida Espao de debate pblico Programa de mini-reportagens Reportagens especiais Debate poltico com uma nova gerao de polticos Espao de entrevista semanal Espaodedebatesobrequestes de sade PERIODICIDADE Dirio Semanal Semanal Semanal Semanal Semanal Semanal Semanal DIA DA SEMANA Todos os dias Segunda-feira Segunda-feira Tera-feira Quarta-feira Quinta-feira Quinta-feira Tera-feira

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Como se pode depreender pela anlise do Quadro 1, a RTP1 oferece uma grelha informativa diferenciada. O horrio nobre abre com o Telejornal e o sero segue, em determinados dias da semana, com formatos especficos, muitas vezes por acumulao. Quando comparado com os outros canais generalistas, o servio pblico diferencia-se nos gneros entrevista com Grande Entrevista e debate com Prs e Contras e Corredor do Poder. Estes dois ltimos programas so diferentes entre si. Enquanto o primeiro tem um tema prprio todas as semanas e convidados diferentes em cada emisso, o segundo integra um painel fixo e um tema de discusso assente na actualidade poltica nacional. A reportagem encontra espao atravs de 30 Minutos (um bloco de reportagens curtas), Vidas Contadas (um formato de reportagem sobre casos de vida) e Linha da Frente (um formato de reportagem de temtica diversificada). Na primavera de 2011, a RTP fez reaparecer um formato temtico: Servio de Sade, um debate moderado pela jornalista Maria Elisa volta das doenas que mais afectam os portugueses.

3.2 > SIC: uma informao aqum das expectativas criadasLderdeaudinciasde1995a2000,aSICvemalternando,aolongodaprimeiradcadadosculo XXI, entre o segundo e o terceiro lugar com a RTP1. Tendo sido um canal com uma forte aposta na informao nos anos 90, este canal foi subalternizando esse tipo de oferta televisiva (Lopes, 2007b). Nos ltimos meses de 2010, os programas informativos circunscrevem-se a um grupo muito reduzido. Por altura da preparao da grelha da rentre de 2010, o director-geral da SIC, Lus Marques, assegurava que o canal estava a preparar um grande investimento na informao. O responsvel pela estao referia-se em particular a Condenados e Histrias com Gente Dentro, dois formatos apresentados como apostas do canal (Correio da Manh, 29 de Agosto de 2010). Poucos dias depoisdestasafirmaes,odirectordeinformaodaSIC,AlcidesVieira,anunciavaumreforona rea informativa, justificado pela realidade poltica e econmica do pas, muito rica at ao final do ano (JN, 8 de Setembro de2010). Sinal desse esforo seriam certamente os especiais de informao, organizados semanalmente numa lgica que acompanharia a dinmica da actualidade e da agenda noticiosa, tendo a coordenao do jornalista Miguel Sousa Tavares. As duas novidades da grelha de Outono/Inverno de 2010 so diferentes entre si. Condenados constitudo por quatro emisses com quatro histrias relacionadas com a rea da justia, resultantes de investigao jornalstica sobre a vida de condenados em julgamentos polmicos. Segundo Alcides Vieira, o objectivo inovar dentro desta rea, que tem um grande peso no horrio nobre, e apostar forte na reportagem (Correio da Manh, 29 de Agosto de 2010). De acordocomaresponsvelpeloprograma,ajornalistaSofiaPintoColho,Condenadospropesea explorar um conjunto de elementos que no foram tidos em conta ou no foram julgados (Jornal

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de Notcias, 27 de Outubro de 2010). Histrias com Gente Dentro o regresso de um formato que conta histrias extraordinrias protagonizadas por pessoas ordinrias. Toda a gente tem uma boa histria para contar, o que preciso saber ouvir. Histrias com Gente Dentro cumpre isso, refere Ana Sofia Fonseca, a jornalista responsvel pelo programa (JN, 29 de Outubro de 2010). Na rentre de Outono de 2010, o director de informao da estao dizia, em entrevista ao Correio da Manh, que, para alm das notcias do dia, a SIC teria diariamente uma oferta diversificada, como uma espcie de complemento ao jornal. Quando questionado sobre a ausncia de um espao de entrevista e debate na grelha da SIC, Alcides Vieira disse no pretender apresentar uma grelha fechada: temos especiais de informao dois dias por semana, e haver muitos em que ser entrevista. No queremos ter uma grelha previsvel. O correcto ser o jornalismo a reagir aos assuntos de actualidade, seja atravs de uma entrevista, de um debate cujo formato e o dia no tm de estar predefinidos. Os factos que o determinam. Fechar uma grelha redutor (CM, 29,deOutubrode2010).distnciadestasafirmaes,constatasequeestanofoiapolticada estao que, para alm das rubricas do Jornal da Noite e dos formatos de reportagem previstos, poucainformaoofereceu,mesmoaonveldeemissesespeciais.Comopassardotempo,os programas de reportagem anunciados terminaram, sem haver qualquer renovao a esse nvel.

Quadro 2 > Oferta informativa da SIC na grelha de Outono/Inverno de 2010NOME DO PROgRAMA Jornal da Noite Condenados Histrias com Gente Dentro Perdidos e Achados Grande Reportagem SINOPSE Noticirio da hora do jantar Srie de reportagens que investigava erros dos tribunais Reportagens sobre percursos de pessoas Bloco de reportagens especiais Programa de reportagem PERIODICIDADE Dirio Semanal Semanal Semanal Semanal DIA DA SEMANA Todos os dias Quarta-feira Sexta-feira Sbado Domingo

AnoiteinformativadaSICnoregistagrandesvariaes.OJornaldaNoiteonoticiriodereferncia da estao, estendendo-se frequentemente por 90 minutos que podem contemplar reportagens especiais, entrevistas e debates em estdio (por exemplo, a partir de Setembro de 2010 Miguel Sousa Tavares passou a ter um espao de comentrio dentro do prprio Jornal da Noite de segunda-feira). Na informao no-diria, a SIC apresenta, sobretudo, formatos de reportagem, muitas vezes indistintos do noticirio das 20h00. Histrias com Gente Dentro aparece frequentemente como um segmento

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do Jornal da Noite de sexta-feira, tal como Pedidos e Achados se constitui como uma rubrica que recupera e actualiza histrias antigas, sendo emitida no noticirio de sbado. O fim-de-semana o perodo em que a informao semanal adquire mais expressividade com a Grande Reportagem, o formato de referncia da TV. este programa que mais se salienta na SIC, quando se fala de informao no-diria. Na grelha de Outono de 2010, houve outros formatos. Que no perduraram.

3.3 > TVI: quando a informao no uma aposta visvelDos trs principais canais generalistas, a TVI aquele que tem uma oferta quantitativamente mais reduzida. A estao que, em 2010, foi lder de audincias emitia de forma regular apenas dois contedos informativos noite ao longo da semana: um noticirio e um programa de reportagem. O final de 2009 foi complicado para a estao, acusada pelo ento primeiro-ministro de parcialidade informativa contra o Governo e a braos com uma tentativa gorada de oferta de compra por parte da PT. Essa conjuntura ditou uma crise interna, da qual resultou a sada do director-geral Jos Eduardo Moniz e da sua mulher Manuela Moura Guedes, a principal pivot do noticirio das 20h00. Em Setembro de 2009, designado um novo director de informao da TVI, o jornalista Jlio Magalhes, cuja estratgia passou no pela criao de formatos novos, mas por retocar contedos existentes, custa, por exemplo, da contratao de comentadores, todos da rea poltica: Marcelo Rebelo de Sousa (comentrio no Jornal Nacional de domingo), Manuel Maria Carrilho e Santana Lopes (debate no Jornal Nacional de sbado). Este grupo juntava-se a Antnio Perez Metelo, um jornalista com espao fixo de opinio no Jornal Nacional de tera-feira. De acordo com o director de informao da TVI, estes novos elementos da equipa de comentadores vinham dar um importante contributo numa rea que de grande importncia para a estao (Jornal de Notcias, 12 de Outubro de 2010). Em Abril de 2011, a TVI v chegar estao uma nova direco de informao: Jos Alberto Carvalho e Judite de Sousa deixam a direco de informao da RTP e mudam-se para esta estao privada. No ainda na grelha da primavera que se vem alteraes de fundo na informao no-diria, embora a transferncia de Judite de Sousa introduzisse no noticirio da noite algumas entrevistas. Por exemplo, a banqueiros, em plena crise financeira do pas. A maior mudana, no incio do mandato desta dupla, d-se no Jornal Nacional que, a 6 de Maio de 2011, muda o nome para Jornal das 8. O director de informao explica as razes: A mudana de nome foi para marcar de forma definitiva a nova fase de informao da TVI (revista Noticias TV, 20 a 26 de Maio de 2011).

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Quadro 3 > Oferta informativa da TVI na grelha de Outono/Inverno de 2010NOME DO PROgRAMA Jornal Nacional/ Jornal das 8 Reprter TVI Jornada SINOPSE Noticirio da hora do jantar Programa de reportagem Resumo da jornada futebolstica PERIODICIDADE Dirio Semanal Semanal DIA DA SEMANA Todos os dias Segunda-feira Domingo

Entre Setembro de 2010 e Junho de 2011, a maior parte da oferta informativa da estao centrase nos noticirios. Tal como a SIC, tambm a TVI reserva espao de comentrio individualizado no Jornal Nacional. Esta estao apenas oferece um espao de reportagem semanal s segundas-feiras: Reprter TVI, um formato que, ao longo deste perodo, conquistou boas audincias para o canal. Com a nova poca desportiva de 2010, veio tambm um novo formato de rescaldo da jornada futebolstica. O programa Jornada traz a estdio dois ex-jogadores (Joo Vieira Pinto e Pedro Barbosa) e um ex-rbirtro (Pedro Henriques) para dissecar o que se passou nos relvados portugueses ao longo do fim-de-semana.

3.4 > SIC Notcias: um canal lder de audincias e plural nos contedosEstvamos em Janeiro de 2001, quando a televiso por cabo em Portugal passou a receber o contributo da SIC Notcias, o primeiro canal de notcias que, ao longo da primeira dcada do sculo XXI, tem sido muitas vezes lder no cabo. Esta popularidade reiteradamente sublinhada pelos seus responsveis: A SIC Notcias lder no cabo, o que extraordinrio, porque no acontece em nenhum outro lugar do Mundo um canal de notcias ser lder. uma marca de qualidade indiscutvel, sublinha o director-geral da SIC, Lus Marques (Correio da Manh, 6 de Outubro de 2010). O director de informao da SIC, Alcides Vieira, refere que a SIC Notcias um projecto vencedor, consolidado e que cresce de ano a ano (Correio da Manh, 29 de Outubro de 2010). Sendo a SIC Notcias um canal de informao, boa parte dos contedos disponibilizados so naturalmente informativos e produzidos pelos jornalistas da SIC. No entanto, tambm h espao para programas de informao importados, programas que misturam informao com entretenimento e para outros contratados pela SIC Notcias a terceiros. Neste artigo, ocupamo-nos dos contedos produzidos a partir do trabalho dos jornalistas desta empresa, que constituem a maior parte da oferta do canal.

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Quadro 4 > Oferta informativa da SIC Notcias na grelha de Outono/Inverno de 2010NOME DO PROgRAMA Jornal das Nove Edio da Noite SINOPSE PERIODICIDADE DIA DA SEMANA Seg. - Sex. Seg. Sex Seg. Sex. Segunda-feira Tera-feira Quarta-feira Quarta-feira

Noticirio apresentado por Mrio Crespo Dirio Noticirio dirio emitido a partir das 22h onde se discutem os temas fortes do dia Dirio Dirio Semanal Semanal Semanal Semanal

Jornal da Meia-noite Noticirio emitido entre as 00h e a 01 O Dia Seguinte Contraste Condenados Negcios da Semana Quadratura do Crculo Expresso da Meia-Noite Falar Global Eixo do Mal Sociedade das Naes Plano Inclinado Debate das noites de segunda-feira onde se faz o rescaldo da jornada futebolstica Debate poltico com comentadores residentes Debate no canal temtico sobre reportagem exibida no canal generalista Debate/entrevista semanal onde os actores da economia portuguesa conversam sobre economia Programa de debate poltico

Semanal

Quinta-feira Sexta-feira

Espao de debate sobre a actualidade Semanal nacional e internacional e revista da primeira pgina do semanrio Expresso Programa de discusso sobre os desafios da globalizao Semanal

Sbado Sbado Sbado Sbado

Debate semanal onde se discute de forma Semanal satrica os acontecimentos da semana Programa de debate sobre temas inter- Semanal nacionais Debate onde Mrio Crespo, Medina Carreira, Nuno Crato, Joo Duque e convidados discutem os temas da semana Noticirio da noite Um espao de opinio assinado por Pacheco Pereira onde este analisa os mdia Semanal

Jornal de Sbado Ponto/Contraponto

Semanal Semanal

Sbado Domingo

Tempo Extra Jornal de Domingo

Espao de opinio e discusso sobre fu- Semanal tebol assinado pelo jornalista Rui Santos Noticirio da noite Semanal

Domingo Domingo

A noite informativa comea, nos canais temticos do cabo, s 21h00. Aqui, a SIC Notcias emite o Jornal das 9, um noticirio com uma linha editorial interventiva, resultante da postura do pivot principal (o jornalista Mrio Crespo) e com um alinhamento frequentemente desligado da presso noticiosa do dia. Ali se discutem os temas que vo marcando ou que se pretende que

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marquem a agenda meditica. s 22h, a jornalista Ana Loureno apresenta a Edio da Noite onde se continua a promover a discusso dos principais temas do dia e a chamar a estdio personalidadesquevoacrescentandooutrasvisesparaainterpretaodorealemnotcia. Aps os dois noticirios mais fortes do canal, abre-se espao para o debate. Todos os dias, programas diferentes com temticas diversas convidam protagonistas distintos para discutirem os assuntos que esto na ordem do dia: desde o debate em torno do futebol no Dia Seguinte, conversa econmica do Negcios da Semana. Ao chegar aos 10 anos de vida, que assinalou a 8 de Janeiro de 2001, a SIC Notcias assume-se como lder dos canais de informao. O seu director, Antnio Jos Teixeira, perspectiva este tempo assim: H 10 anos, a SIC Notcias fez uma revoluo na televiso em Portugal. Aproximou os acontecimentos dos espectadores, dedicoulhes ateno permanente. Esse continua a ser o desafio () O nosso tom urbano, informal, fluentes, simples, sem ser simplista. Gostamos de descomplicar e no de complicar. (JN, 3 de Janeiro de 2011).

3.5 > RTPN: um canal com programao fora dos estdios de Lisboa e atenta ao universo digitalA televiso pblica tambm est presente na informao por cabo atravs da RTPN, originalmente umcanaldedicadoaoNortedopas.Aproveitando,sobretudo,asduasprincipaisredacesdo operador pblico (Porto e Lisboa), a RTPN transmite a partir de ambos os locais, sendo, por isso, o nico canal com emisso prpria difundida fora de Lisboa5. A oferta informativa da RTPN no difere significativamente daquela proporcionada pela SIC Notcias, centrando-se em noticirios, debates, entrevistas e fruns de informao. Tal como a sua concorrente mais directa, esta estao tambm procura promover a discusso em torno dos assuntos da actualidade e acolher em estdio personalidades que melhor podem conversar sobre os temas em questo. O trao distintivo aqui reside mais nos convidados que se levam a estdio, um grupo mais diversificado do que a SICN e a TVI 24. O maior problema do canal o de no conseguir capitalizar audincias. O na altura director adjunto, Carlos Daniel, explicava esta dificuldade nestes termos: Que a RTPN no teve um crescimento extraordinrio ao nvel das audincias, uma ver dade. Mas esse nunca foi um objectivo definido, nem em algum momento dissemos que queramos liderar (). Temos a noo que a RTP teve uma histria que no a favorece em

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No perodo da tarde, a RTPN emite programao informativa a partir dos centros de produo da Madeira e dos Aores.

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termos de definio do perfil do canal aos olhos do pblico. Fazer com que as pessoas percebam que este um canal essencialmente de informao e que diferentes dos outros tem sido o esforo dos ltimos meses(NoticiasTV,27deFevereiroa5deMaro).

Quadro 5 > Oferta informativa da RTPN na grelha de Outono/Inverno de 2010NOME DO PROgRAMA Noite, As Notcias/ Noite Informativa Notcias s 24 Pontos de Vista Trio Dataque Directo ao Assunto SINOPSE Noticirio dirio Noticirio do fim da noite Programa de debate sobre a actualidade poltica Debate semanal sobre futebol Programa de debate semanal onde 3 comentadores residentes discutem a actualidade poltica nacional Debate semanal em que se faz a anteviso futebolstica do fim-de-semana futebolstico Programa de debate poltico Debate feito entre jornalistas que discutem os temas da semana e fazem uma anteviso da semana que vem Debate de sbado noite em torno do arranque da jornada futebolstica Programa de debate semanal sobre cincia Magazine onde se apresentam os principais espectculos em territrio nacional Os Eurodeputados portugueses discutem os temas da actualidade europeia Programa de debate sobre sade Programa sobre a economia real e casos de sucesso de empreendedorismo Programa de actualidade internacional Programa de cinema onde se discutem as estreias e entrevistam os protagonistas PERIODICIDADE Dirio Dirio Semanal Semanal Semanal DIA DA SEMANA Seg Sex Todos os dias Segunda-feira Tera-feira Quarta-feira

Pontap de Sada

Semanal

Quinta-feira

Contra-anlise Hora de Fecho

Semanal Semanal

Sexta-feira Sexta-feira

Zona Mista 4 X Cincia Estao das Artes

Semanal Semanal Semanal

Sbado Sbado Sbado

Eurodeputados Gerao sade Radar de Negcios Olhar o Mundo Cinemax

Semanal Semanal Semanal Semanal Semanal

Sbado Sbado Domingo Domingo Domingo

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Com uma grelha sobretudo assente em noticirios e debates, a RTPN oferece uma certa variedade temtica. Para alm dos programas que cobrem os assuntos da actualidade poltica nacional, o canal tem tambm contedos ligados ao desporto (vrios), economia, sade, s matrias internacionais e aos acontecimentos culturais. No entanto, a originalidade desta estao situa-se noutro nvel: na aposta nas novas plataformas digitais. Entre Setembro de 2010 e Junho de 2011, a RTPN era (praticamente) o nico canal portugus a integrar regularmente nassuasemissescontedosoriginalmentepublicadosnoutrasplataformasmediticas,como sitesdainternetouredessociais.EmemissescomooNoiteasNotcias6, o canal fomentava a participao dos telespectadores atravs dessas novas vias digitais. Esta aposta da RTPN poder revelar-se de grande utilidade no futuro, em que o ecr de televiso no j no se assumir como janela ou espelho do mundo, mas como porta de entrada dos telespectadores.

3.6 > TVI24: um canal procura do seu espao televisivoA TVI24 o canal de notcias da TVI, estao lder nas audincias em Portugal. Contudo, entre Setembro de 2010 e Junho de 2011, com cerca de dois anos de emisso, a TVI24 continua na terceira posio na lista de canais de informao mais vistos em Portugal, muito longe da SIC Notcias. Neste tempo, a TVI24 construiu uma grelha informativa semelhante s da concorrncia, apostando em noticirios e em debates e promovendo o aparecimento de novos opinion makers. H, contudo, um aspecto onde a estao de notcias de Queluz assumiu estar frente das outras: na expanso dos estdios virtuais a vrios formatos informativos.

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Noite as Notcias foi um formato que desapareceu dia 5 de Maio de 2011, dando origem Noite Informativo. A mancha horria a mesma, a linha editorial semelhante. Perderam-se duas coisas que, embora parecendo insignificantes, renem grande importncia: a emisso feita a partir de Gaia passou a ser feita em Lisboa; a integrao da plataforma digital no alinhamento do jornal extinguiu-se.

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Quadro 6 > Oferta informativa da TVI 24 na grelha de Outono/Inverno de 2010NOME DO PROgRAMA Jornal do Dia Edio das Dez ltima Edio Prolongamento Combate de blogs SINOPSE Noticirio das 21h Noticirio Noticirio que fecha o dia PERIODICIDADE Dirio Dirio Dirio DIA DA SEMANA Todos os dias Seg. Sex. Todos os dias Tera-feira Tera-feira

Debate dedicado ao futebol e ao rescal- Semanal do da jornada futebolstica Alguns dos mais reputados bloggers nacionais juntam-se mesa para discutir os temas que marcam a actualidade portuguesa Programa de debate sobre a actualidade do futebol Programa de informao e divulgao cultural Debate sobre finanas pblicas protagonizado por dois ex-ministros das finanas Semanal

Golo Livraria Ideal Contas Vida

Semanal Semanal Semanal

Quarta-feira Quinta-feira Quinta-feira

Mais Futebol Sala de Imprensa A Torto e a Direito Cinebox Presso Alta

Debate ligado ao futebol num registo mais Semanal soft Jornalistas renem-se para fazerem uma revista de imprensa Actualidade da semana analisada por trs comentadores residentes Semanal Semanal

Sexta-feira Sexta-feira Sbado Sbado Sbado

As estreias de cinema e as curiosidades Semanal da stima arte Depois da jornada futebolstica estar completa, dois comentadores discutem as incidncias das partidas Programa emitido ao domingo onde se discutemproblemasdasregies Noticirio Semanal

Portugal Portugus Jornal de Domingo De homem para homem Cartaz das Artes

Semanal Semanal

Domingo Domingo Domingo Domingo

Programa de entrevistas a personalida- Semanal des da vida pblica portuguesa Programa onde se destacam as principais estreias