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A Responsabilidade Social No Projeto de Instituições de Ressocialização
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2008.2 17
[CADERNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO]
http://www.mackenzie.br/dhtm/seer/index.php/cpgau ISSN 1809-4120
A RESPONSABILIDADE SOCIAL NO PROJETO DE INSTITUIÇÕES DE RESSOCIALIZAÇÃO DE
ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI
THE SOCIAL RESPONSIBILITY IN THE PROJECT OF INSTITUTIONS OF RE-SOCIALIZATION OF
ADOLESCENTS IN CONFLICT WITH THE LAW
DUARTE DE OLIVEIRA, Elena Maria, UFSC, [email protected]
PALERMO, Carolina, UFSC, [email protected]
ABSTRACT
The buildings created to shelter the adolescents with Law conflict continue to be the subject
of several discussions in order to promote the improvement of its spatial conditions and the
social recovery of their residents, more so than simply complying with the law on safety, but
moreover a full application of these social programs. This paper intent to investigate the
relationship that is established between the adolescent and institutional space through a
draw analysis (mental maps) made by the adolescents how lived in this institution. Through
the analysis of the proximity with the domestic space, this paper intents to detach the
necessity of a change in the formal paradigm that guides the project of these constructions,
detaching the social responsibility of the designer on the result of its work: the built set.
Finally, it becomes clear that for built public buildings to “shelter” a marginalized segment of
society, three important projects attributes are required: functional adequacy of the spaces
to the activities, adequacy of the interaction and appropriation level to the finality of the
institution, and mainly, the relation established between adolescents and institutional
space, focus of this research.
KEY WORDS: dwelling, social responsibility, adolescent in conflict with the Law.
RESUMO
As edificações criadas para abrigar adolescentes em conflito com a Lei vêm sendo alvo de
diversas discussões visando à melhoria de suas condições físicas e à recuperação social dos
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internos, respeitando não apenas a legislação de segurança, mas também a plena aplicação
dos programas de ressocialização. Este artigo, busca investigar a relação estabelecida entre
o adolescente e o espaço institucional através da análise de desenhos (mapas mentais),
realizados por grupos de meninas internas em centro de socioeducação. Através da análise
da proximidade com o espaço doméstico, procura-se destacar a necessidade de uma
mudança no paradigma formal que norteia o projeto dessas edificações, destacando a
responsabilidade social do projetista sobre o resultado de seu trabalho: o conjunto
edificado. Ao final do estudo, ficou claro que quando se trata de construir prédios públicos
para “abrigar” uma parcela marginalizada da sociedade e em fase de formação moral e
social, três importantes atributos do projeto devem ser atendidos: a adequação funcional
dos espaços às atividades desenvolvidas, o grau de interação e apropriação adequado aos
fins a que se destina a instituição, e principalmente, a relação estabelecida pelos internos
com esta instituição, foco da pesquisa apresentada.
PALAVRAS–CHAVE: Habitação, responsabilidade social, adolescente em conflito com Lei.
1 A PROBLEMÁTICA DO ATENDIMENTO AO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI
A infração juvenil é um problema para o qual se vem buscando soluções ao longo dos
últimos anos. Várias são as questões consideradas, focando principalmente temas
referentes às áreas jurídicas e assistenciais.
A política de atendimento a adolescentes em conflito com a lei teve grande evolução desde
a instauração do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, e do Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo – SINASE, em 2006. Esses documentos, entretanto, avançam
pouco sobre a caracterização do espaço físico destinado ao cumprimento das medidas
socioeducativas de internação. São utilizadas ainda edificações que correspondem ao
pensamento pré-Estatuto e cuja arquitetura sofreu adaptações no sentido de tentar, muitas
vezes sem sucesso, corresponder de forma mais adequada ao processo de ressocialização
do interno.
Essas instituições assumem um papel importante na vida do adolescente por representarem
uma ruptura com o mundo no qual ele estava habituado a viver, e devido ao tempo de
permanência e à intensidade da vivência, passam a figurar como ambiente estruturador da
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vida de seus usuários. Enquadram-se na definição de Goffman (2001) de instituições totais,
entendidas com locais de residência e trabalho, onde indivíduos em situação semelhante
são separados da vivência social por um longo período de tempo, levando uma vida
enclausurada e permanentemente monitorada. Este tipo de ambiente atua de forma
intensa na estrutura emocional dos usuários e, quando não é adequado ao propósito das
atividades desenvolvidas, pode comprometer seriamente a ressocialização dos
adolescentes.
No campo da arquitetura, ainda são poucas as pesquisas realizadas visando um maior
entendimento do tipo de edificação adotada e, principalmente, da forma como seus
principais usuários se relacionam com o espaço durante o processo de uso. Este estudo
aprofunda o campo de conhecimento, através da aproximação com meninas internadas em
uma instituição de ressocialização, investigando a relação estabelecida com o ambiente
institucional e principalmente, a forma como este ambiente pode interferir no próprio
processo de ressocialização.
Considerando que, como uma instituição total, esses locais podem assumir a imagem de
casa para seus usuários, buscou-se, através da identificação da imagem de casa que as
adolescentes possuíam antes da internação e na que conseguiam projetar após algum
tempo de internação, compreender a forma como se relacionam com o espaço institucional
e o quanto elas podem ser afetadas por ele.
2 O ADOLESCENTE E O SISTEMA DE INTERNAÇÃO
As edificações que abrigam instituições de ressocialização de adolescentes em conflito com
a lei no Brasil, raramente oferecem instalações capazes de atender de forma adequada a
seu propósito. Geralmente possuem precárias condições ambientais, fruto de adaptações
feitas em edificações originalmente destinadas a outros usos. A falência do sistema atual
evidencia a necessidade de se estabelecer estratégias arquitetônicas mais adequadas ao
modelo educativo, baseado no princípio da ressocialização, em detrimento da punição pura
e simples.
O que se vê, entretanto, é a repetição de uma estrutura formal já desgastada e carregada de
preconceitos, que acaba por cristalizar no adolescente, e na sociedade, o estigma de infrator
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irrecuperável. Segundo Queiroz (1984) o adolescente internado assume pra si a qualidade
de “infrator”, que é ainda alimentada por crenças, advindas da falibilidade do sistema no
qual se encontra internado, que reforçam e sedimentam esta condição perante a sociedade
legal e aqueles que como ele, vivem na marginalidade.
Além da estigmatização, o adolescente internado sofre com a institucionalização, onde ele
deixa de existir como sujeito e passa a ser um número que o designa como infrator, tendo
aniquilada a sua personalidade e sua relação com o mundo exterior. Ele se vê obrigado a
interiorizar os valores da instituição através do mito do certo e do errado, onde este é
sempre solucionado por meio de castigo. O adolescente passa a ter que aprender a
sobreviver dentro de uma instituição onde tudo, desde o edifício, os funcionários e o
ambiente, são potencialmente agressivos.
Soma-se a esse contexto o fato de que grande parte dos adolescentes internados é
originária de ambientes domésticos desestruturados, física e socialmente. Além das difíceis
relações familiares, muitas vezes o principal causador do comportamento anti-social do
adolescente (Queiroz, 1984), é o próprio espaço doméstico degradado, acabando por
fragilizar a noção de lar e a espacialidade da habitação. Alguns desses adolescentes
abandonam suas casas antes mesmo de cometerem os primeiros delitos e passam a morar
nas ruas, onde essa noção é ainda mais frágil e deturpada.
3 QUANDO A FEBEM VIRA CASA
Segundo Santos e Duarte (2002), quanto mais frágil é a imagem ou noção de casa, maior é a
chance de o indivíduo perder o contato com a realidade e com os valores da sociedade
legal. Quando a casa passa a ser a rua, ou um ambiente muito degradado, essa noção é
ainda mais difícil de ser apreendida. O indivíduo faz então o possível para caracterizar os
espaços de longa permanência, tal qual sua casa, mesmo em situações extremas de
degradação. Sempre existe a tentativa de reproduzir a noção de lar, onde quer que esteja,
pois “por menos concreta que seja, é essencial para a integridade psíquica do indivíduo, que
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a reproduz (a casa)1
Os ambientes destinados à internação de adolescentes deveriam possuir qualidades que
lhes conferissem habitabilidade, contemplando características que permitissem com que o
usuário pudesse se apropriar minimamente do espaço na sua integridade, possibilitando o
resgate como “ser social”. Bachelard [1988:112] afirma que “Todo espaço verdadeiramente
habitado traz em si a essência da noção de casa.”, o que é reforçado por Malard [1992]
na tentativa de manter os nexos simbólicos que ordenam a vida social,
rompidos com a situação de exclusão.” [SANTOS, DUARTE in DEL RIO, 2002:281].
Bachelard [1988:113] afirma que a casa é o local que abriga os devaneios do homem, que
protege o sonhador “(...) a casa nos permite sonhar em paz.”. Ela deixa marcas profundas
nos seus habitantes, representa a extensão de seus corpos e de suas existências, guardando
dentro de suas paredes toda a história daqueles que a habitam. É onde o homem vive, não
apenas sua realidade, mas reforça sua capacidade de sonhar novas vidas para si. O autor
afirma ainda:
“(...) Somente os pensamentos sancionam os valores humanos. Aos devaneios pertencem os valores que marcam o homem em sua profundidade. O devaneio tem mesmo um privilégio de autovalorização. Ele desfruta diretamente de seu ser. Então, os lugares que viveu o devaneio se reconstituem por si mesmos num novo devaneio. É justamente porque as lembranças das antigas moradias são revividas que as moradias do passado são em nós imperecíveis.” (op. cit. P:113)
Enquanto a casa é o lugar que abriga os devaneios do homem, os locais institucionais de
vivência prolongada sejam quais forem (asilos, abrigos, hospitais, manicômios,
reformatórios ou prisões), fornecem um ambiente completamente oposto. O longo período
de permanência acaba transformando esses espaços em uma segunda casa, mas este
ambiente, muitas vezes opressor, acaba eliminando qualquer tipo de sentimento ou
possibilidade de devaneio. É o chamado mal da institucionalização, definido por Sommer
[1973:117] como a ausência de queixas sobre os fatores que são incômodos ao usuário. O
autor afirma ainda não saber ao certo se essa falta de queixas se dá por “sentimentos de
resignação e impotência (…), ou o embotamento sensorial depois de longo período de
internação.”.
1 Parêntese das autoras
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quando destaca que a finalidade de toda edificação é ser habitável. Conclui-se então, que
mesmo uma instituição de ressocialização deve ser provida de condições de habitabilidade
aceitáveis.
Malard [1992] define essa habitabilidade, no caso da habitação, em três dimensões: a
pragmática, referente à função de proteger contra as intempéries; a simbólica, relacionada
com a necessidade de se mostrar agradável e segura; e a funcional, composta pelos
atributos que facilitam a realização das atividades diárias. Dentro dessas dimensões, a
autora estabelece os conceitos que tornam um ambiente habitável: territorialidade,
privacidade, identidade e ambiência.
A territorialidade pode ser entendida como a demarcação da relação entre os espaços
internos e externos à determinada espacialidade; privacidade tem a ver com o controle do
que pode ou não ser visto de fora para dentro desse espaço; já a identidade está
relacionada com a capacidade do ambiente de ser apropriado pelo usuário, agindo e
cuidando do mesmo. Neste sentido, tem ligação direta com a ambiência, definida como a
necessidade de se sentir confortável para agir e cuidar do ambiente. Um ambiente provido
de habitabilidade favorece o dia-a-dia dos usuários, com efeitos psicológicos positivos.
Como a internação de adolescentes, tal como mencionado, é feita em locais desprovidos de
habitabilidade, o processo de recuperação, principal finalidade da instituição, fica
prejudicado, assim com fica prejudicada a capacidade do adolescente de projetar um futuro
melhor.
4 A EXPRESSÃO DO SONHO
Tendo em vista essa aproximação com o espaço doméstico, além das implicações
comportamentais e psicológicas, é importante a identificação da relação que o adolescente
internado de fato possui com o ambiente institucional vivenciado. Por se tratar de análise
subjetiva, optou-se por investigar, através da representação gráfica, a imagem de casa que
estes adolescentes possuem.
Foi aplicada a técnica do Mapa Mental, utilizada por Lynch, a partir da qual se pode
compreender a vivência no espaço construído através da análise dos elementos
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representados no desenho. Para este estudo foram solicitados às participantes os seguintes
desenhos:
- a casa onde moravam antes da internação: com o objetivo de verificar o quanto da imagem daquela casa, a adolescente mantinha presente consigo, quais elementos foram lembrados e a intensidade dos laços estabelecidos;
- a casa dos sonhos:
4.1 INTERPRETANDO OS DESENHOS
objetivando verificar no que diferia da casa anterior, e principalmente, a capacidade de pensar algo diferente pra si, levando em consideração para isso, o tempo de internação da adolescente.
A técnica foi aplicada a nove meninas de um centro socioeducativo do estado de Santa
Catarina. Foi realizada na sala de atividades do núcleo de internação feminina. A atividade
consistiu na distribuição de folhas de papel em branco, duas para cada adolescente, e lápis
de cores variadas. Algumas adolescentes optaram por trabalhar com lápis grafite e régua.
Durante o desenvolvimento da atividade, foram colhidos depoimentos das adolescentes
sobre o que estavam desenhando e sobre o ambiente institucional.
A atividade foi não-conduzida, objetivando deixar as adolescentes livres quanto à forma de
expressão, ao ritmo, à realização da atividade em si e principalmente, sobre os relatos
fornecidos. Foram utilizadas diferentes abordagens nas questões que não ficavam claras e
não se insistia numa mesma questão mais que duas vezes.
A abordagem buscava criar um clima amistoso e conquistar a confiança das internas,
colocando-as mais como colaboradoras da pesquisa do que como objeto em si.
Durante a atividade observou-se também o comportamento das internas e a reação frente
às imagens desenhadas. A observação foi importante para complementar as informações na
hora do cruzamento dos dados obtidos.
Para compreender a relação das internas com a instituição, o conjunto de desenhos foi
separado em dois grupos:
Grupo A: desenhos realizados por adolescentes internadas há mais de 3 meses;
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Grupo B: desenhos realizados por adolescentes recém-chegadas (ressalta-se que todas as
recém-chegadas estavam na instituição há menos de três semanas).
Esta distinção buscou identificar o quanto o tempo de internação influenciava na relação
com a moradia anterior, com o ambiente da instituição e principalmente na capacidade de
projeção de futuro das adolescentes.
Para a análise dos desenhos foi necessário buscar suporte junto a um psicólogo, visando
corrigir eventuais desvios de abordagem. Primeiro analisou-se cada desenho em separado,
depois foram comparados os dois desenhos de cada adolescente e por último foi feita uma
análise comparativa entre os desenhos produzidos pelos grupos A e B, levando em conta os
relatos feitos pelas adolescentes.
Como critérios para a análise foram utilizados: o uso da cor, o nível de detalhamento da
imagem registrada, o uso de legendas, a dificuldade declarada e a utilização do espaço da
folha.
Com relação à primeira atividade houve maior aceitação por parte do Grupo B, e durante a
realização o Grupo A expressou verbalmente maior dificuldade de executar o desenho
proposto. A única abstenção foi de uma adolescente do Grupo B que não realizou os
exercícios alegando não gostar de desenhar casas. Ela forneceu, entretanto, depoimentos
diluídos na conversa com o grupo onde relatou que “não tinha casa” antes de ir para a
instituição, fato que explica a relutância em participar da atividade. A Figura 1 mostra o par
de desenhos realizados por uma das participantes.
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(a) (b)
Figura 1: Participante 01 Ad. Grupo A: Casa onde morava antes de ir para a instituição (a); expressão do ideal de
casa através da escrita (b); embotamento sensorial devido ao grande período de internação (interpretação
psicológica).
Apenas uma das cinco adolescentes do Grupo A utilizou apenas uma cor no desenho, o
restante dividiu-se entre a utilização de mais cores e apenas lápis preto.
O nível de detalhamento dos desenhos variou muito. A maioria das adolescentes do Grupo
A detalharam a casa por dentro e por fora, desenhando a mobília e utilizando legendas
explicativas. O restante manteve o nível de detalhe muito próximo ao das adolescentes do
Grupo B, que apresentaram um baixo nível de detalhamento, não entrando na edificação e
muitas vezes não desenhando nem o entorno imediato.
Todas as adolescentes se expressaram verbalmente sobre a casa. Esse processo ocorreu em
conversas informais, em grupo e isoladamente. Durante os relatos pôde-se perceber que as
adolescentes do Grupo A possuíam um laço afetivo maior com a casa, uma vez que
relataram várias histórias sobre a moradia, verbalizando inclusive o quanto gostavam da
casa, apesar dos “defeitos” que elas apontavam (ser pequena, de madeira, ser na favela,
não ter espaço, entre outros). No Grupo B poucos foram os relatos positivos sobre a
moradia anterior e percebeu-se que os relatos mais negativos produziram desenhos menos
expressivos nos quesitos uso da cor e detalhamento.
Quanto ao segundo desenho, notou-se uma maior dificuldade de expressão da casa ideal,
principalmente do Grupo A que preferiu se expressar através de relatos. Das adolescentes
que optaram por desenhar apenas uma não complementou o desenho com texto. Todas
verbalizaram maior dificuldade em imaginar algo diferente do que tinham antes de ir
“morar” na instituição, havendo apenas duas que realmente se permitiram sonhar.
No Grupo B, a realização do exercício foi rápida, sem muitas reclamações, porém houve
pouca diferença dos desenhos desta etapa em relação aos da primeira. A maior diferença se
deu na ocupação da folha que passou a ser utilizada quase que na sua totalidade, ao
contrário do que ocorreu no primeiro desenho que muitas vezes se concentrava no centro
ou em um dos cantos da folha, como visto na Figura 2.
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(b) (b)
Figura 2: Participante07 Ad. Grupo B: Casa onde morava antes de ir para a instituição (a); expressão do
ideal de casa (b); muita semelhança formal entre os desenhos.
4.2 AVALIANDO OS DESENHOS
Atividade 1:
O objeto casa carrega forte significado negativo no imaginário das adolescentes. Essa
ausência de laços levou a não realização da primeira atividade por parte de ambos os
grupos, ou na ausência do uso de cores e detalhes em alguns desenhos apresentados. As
que mostraram ligação mais positiva utilizaram cores e maior detalhamento. Segundo Van
Kolck (1981) a cor é expressão da afetividade. O afeto, a emoção e o sentimento das
adolescentes pela casa são revelados nos desenhos pelo uso das cores.
Atividade 2:
A insegurança inicial com relação à atividade já havia sido quebrada, deste modo, houve
melhoria da qualidade gráfica em relação à atividade anterior em alguns casos. Isso ficou
mais claro no caso das adolescentes recém-chegadas, que desenvolveram desenhos com
mais detalhes. Já as adolescentes internadas há mais tempo ocorreu o contrário, os
desenhos perderam expressividade ou sequer foram feitos. Sommer (1973) afirma que essa
falta de expressividade se deve ao embotamento sensorial sofrido por pessoas internadas
há muito tempo em locais onde não é reconhecida a condição humana indivíduo.
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As cores utilizadas, o universo simbólico adotado e a forma de uso do espaço do papel
revelam muito sobre o estado psicológico das adolescentes e deixam implícito na forma de
representação, tanto o significado da casa para essas meninas, como os efeitos da
internação sobre sua psique.
5 UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA
Durante a realização da atividade foi possível confirmar que as adolescentes em sua
maioria, se referem à instituição como sendo sua casa. Para compreender melhor o porquê
dessa associação buscou-se uma observação mais detalhada sobre as condições de
internação no que diz respeito à organização espacial, às dimensões física, simbólica e
funcional tal como preconizado por Malard [1992].
A Figura 3 mostra a estrutura de circulação presente na instituição abordada no estudo.
Percebe-se que apesar do ambiente guardar características prisionais evidentes, como
portas metálicas, grades nas aberturas e mobiliário fixo de concreto, a articulação espacial e
funcional se assemelha a uma casa. Isso provavelmente ocorre pelo fato da edificação ter
sido adaptada para o uso socioeducativo. Anteriormente funcionava ali um abrigo para
crianças em situação de risco, onde provavelmente era importante guardar certa
semelhança com o espaço doméstico.
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Figura 3: Semelhança estrutural entre os espaços vivenciados e os espaços essenciais da casa.
A identidade de casa atribuída à instituição não tem base apenas na semelhança estrutural.
Tem ligação também com a fragilidade da relação que as internas mantêm com o local
anterior de moradia. Essa semelhança pode explicar o fato das adolescentes se referirem à
instituição como “casa”, uma vez que consegue suprir, ainda que de forma frágil, as três
dimensões humanas da habitação já citadas. É importante ressaltar, entretanto, que isso
não significa que o espaço institucional seja provido de habitabilidade, tal como conceituado
anteriormente. O que pode ser aferido é que, por possuir uma frágil noção do espaço casa,
as adolescentes acabam se apropriando do único espaço que possuem, atribuindo-lhe o
caráter de casa, ainda que este não lhes ofereça os atributos necessários para tal.
Existe uma diversidade de relações adolescente-casa no universo estudado, porém pôde-se
notar que a falta de um laço afetivo com a habitação teve reflexos no imaginário e na
capacidade de sonhar situações diferentes das vivenciadas na realidade. A maior parte das
adolescentes relatou ou expressou a falta de habitabilidade das residências onde morava,
fato que não interferiu na expressão de sua afetividade com o lugar. Notou-se, entretanto,
que quanto mais frágeis eram as condições de habitabilidade, mais dificuldade elas tinham
de se expressar e de sonhar.
Notou-se ainda a grande dificuldade em definir e classificar os espaços e os desejos. Ao
mesmo tempo em que tentavam se apropriar do espaço da instituição como casa, as
internas expressavam o desejo de voltar para a casa rejeitada anteriormente. Elas não
conseguiam explicar de forma clara porque queriam voltar para um lugar do qual não
gostavam e então, apenas nesse momento, negavam o ambiente de internação. Esse
conflito leva a crer que o motivo do desgosto em relação à habitação está ligado à figura de
um dos familiares e não ao espaço propriamente dito.
Isso denota também a confusão mental que a ausência de uma imagem forte e positiva da
habitação pode causar. Segundo Santos e Duarte [2002], a situação de exclusão vivenciada
por essas adolescentes tanto no ambiente habitacional quanto no da instituição, rompe
com os nexos simbólicos que ordenam a vida social do indivíduo, fazendo com que elas
passem a viver segundo parâmetros que fazem sentido apenas para elas e muitas vezes vão
de encontro ao restante da sociedade.
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Talvez, por essa necessidade de manter os nexos simbólicos, principalmente no que se
refere ao espaço habitacional, que segundo Santos e Duarte [2002] é importante para a
integridade psíquica das internas, o ambiente institucional lhes tenha surgido como um
referencial de casa.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma das maiores dificuldades encontradas na realização deste estudo, foi à condução da
atividade junto às adolescentes. O fato de algumas não realizarem as atividades como foram
propostas, resultou na busca de alternativas para a análise e comparação dos dados
obtidos.
A forma de abordagem escolhida foi um facilitador para conseguir se aproximar do mundo
interiorizado das adolescentes, revelando-se um bom instrumento e fornecendo resultados
muito ricos.
A apropriação, aparentemente positiva, do ambiente institucional como casa, foi um
resultado surpreendente, uma vez que se esperava encontrar dificuldade na apropriação
desse ambiente. No entanto, tem-se consciência que a amostra é pequena para se tirar
conclusões definitivas e que uma pesquisa em outros centros de internação, com um grupo
mais numeroso e de ambos os sexos, pode confirmar ou não a recorrência dessa
apropriação e principalmente, o seu efeito sobre o processo de ressocialização.
Em todo caso, a compreensão da relação do interno com o ambiente institucional, mesmo
considerando o caráter punitivo necessário ao cumprimento das determinações legais, pode
fornecer importantes informações para o projeto desse tipo de instituição. A adequação da
arquitetura ao propósito dos programas socioeducativos pode aumentar as chances de se
conseguir efetivamente o resgate do adolescente enquanto ser autônomo, produtivo,
responsável e consciente de seu papel na sociedade.
7 REFERÊNCIAS
BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
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