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Educao e trabalho: instrumentos de ressocializao e reinsero social

Educao e trabalho: instrumentos de ressocializao e reinsero social.

NGELO RONCALLI DE RAMOS BARROS, Administrador, trabalhou na Fundao de Amparo ao Trabalhador Preso do Distrito Federal no perodo de 1989 a 1998. Exerceu o cargo de Diretor Executivo no perodo de 1992 a 1998. Atualmente Assessor da Secretaria Nacional de Justia.INTRODUOA crise no sistema penitencirio brasileiro - medida pelo alto ndice de reincidncia criminal, pela superlotao e pelo tratamento desumano dispensado pessoa presa - aponta s autoridades a necessidade urgente de mudanas. Vrios estudos tm associado os surtos de violncia, ocorridos entre os presidirios, s deficincias da vida carcerria a que os presos esto submetidos. Deficincias essas representadas, principalmente, pela ociosidade, considerada elemento agravante do desenvolvimento de planos criminosos que visam atingir sociedade. Da porque a violncia tornou-se um dos grandes problemas que hoje desafiam a sociedade moderna, que por sua vez busca defender-se, alm desta, dos surtos originados tambm em seu prprio meio.A populao carcerria brasileira, determinada no ltimo censo penitencirio de 1995 do Ministrio da Justia, girava em torno de 148.000 presos. Hoje, passados cinco anos, dados sobre a populao prisional apontam para uma populao superior a 202.0001 presos.Os presdios sofrem diariamente o dficit de vagas, redundando no alojamento sub -humano da populao carcerria. Este , certamente, o mais grave problema do sistema penitencirio brasileiro: a escassez de vagas que obriga milhares de presos a conviverem em condies reconhecidamente aviltantes, com muita freqncia, revezando-se para dormir.As prises, atualmente, no recuperam. Sua situao to degradante que so rotuladas com expresses como sucursais do inferno, universidades do crime e depsitos de seres humanos. O encarceramento puro e simples no apresenta condies para a harmnica integrao social do condenado, como preconizada na Lei de Execuo Penal. Punir, encarcerar e vigiar no bastam. necessrio que se conceda pessoa de quem o Estado e a sociedade retiraram o direito liberdade o acesso a meios e formas de sobrevivncia que lhe proporcionem as condies de que precisa para reabilitar-se moral e socialmente.Paralalelamente, outro fator preocupante o perfil da criminalidade no Pas. Segundo dados daquele censo, a maior parte da massa carcerria brasileira composta de jovens em idade ativa (54,53% tem menos de 30 anos); de baixa escolaridade (97% so analfabetos ou semi-analfabetos); com grande insero na prtica de crimes de furtos e roubos (47%) e um alto ndice de reincidncia (85%). Define-se a pena de priso como sendo um recolhimento temporrio suficiente ao preparo do indivduo para o retorno ao convvio social. Neste sentido que a Lei Penal prev o desenvolvimento de condies para que, separado da famlia, dos amigos e de outras relaes socialmente significativas, o preso possa refletir sobre o ato criminoso e corrigir o desvio de seu curso. Contudo, o senso comum que, na priso, o preso deve sofrer mais que o castigo definido pela justia para pagar pelo crime cometido; esquece-se que o confinamento a punio mxima que um indivduo pode ter. Da os rtulos: uma vez bandido, sempre bandido, bandido bom bandido morto.Claro que a sociedade, a cada agresso sofrida, passa a defender mais punies como forma de proteo e como sada para a reduo da criminalidade.O tratamento dispensado pessoa presa sempre punitivo e de concesso. So anuladas a capacidade de iniciativa, a estima e o pouco que resta de valores morais e ticos. Diante desse quadro, muitas discusses ainda convergem idia de que a soluo do problema est na construo de mais estabelecimentos prisionais. Acredita-se, porm, que a questo penitenciria no se resolver unicamente atravs da criao de vagas em estabelecimentos penais; a superlotao nos presdios, mais do que um problema institucional, um problema social, pois, quando a cadeia no cumpre seu objetivo de correo de indivduos moral esocialmente desajustados, a sociedade civil que sofre, com a ameaa e a insegurana crescentes.Nas prises, a (re)educao fundamental e dever ser feita atravs da implantao de frentes de trabalho, cujo objetivo no se resume a retirar a pessoa presa da ociosidade, mas tambm a abrir perspectivas de sua insero futura na sociedade, por meio da profissionalizao e da perspectiva de emprego digno. nesse sentido que se acredita poder reduzir o circuito vicioso e reiterado do mundo do crime que se mantm na maior parte dos presdios brasileiros.Partindo dessas consideraes, nos textos seguintes sero feitos comentrios sobre os instrumentos legais que legitimam as aes em prol da recuperao da pessoa presa, e o relato de algumas experincias de trabalho desenvolvidas no sistema penitencirio do Distrito Federal.

2. INSTRUMENTOS LEGAIS PARA A IMPLEMENTAO DE PROGRAMAS DE RESSOCIALIZAO E REINSERO SOCIAL DA PESSOA PRESALidar com indivduos encarcerados implica, muitas vezes, lidar com pessoas movidas pela revolta e pela vingana, pois a perda, seja ela de qualquer natureza, por si s constitui um fato de difcil aceitao. Numa sociedade formada por diferentes culturas e forte crena religiosa, no resta outra alternativa que no seja buscar a melhoria da pessoa presa, para que ela retorne diferente ao convvio social. Outras solues adotadas em alguns pases, abominveis e no previstas no ordenamento jurdico brasileiro, so a pena de banimento e a pena de morte.Contudo, o desprezo a que est submetido o recluso no deixa de ser uma pena de morte, uma vez que, piorada sua condio social, no lhe resta outra alternativa que no seja o mundo do crime, o que conseqentemente o levar ao extermnio.A ineficcia da pena de priso no se d por falta de instrumentos legais. A Lei de Execuo Penal (7.210/84), uma das mais modernas do mundo, disciplina a execuo da pena de priso. A indagao recai sobre o por que do no cumprimento da Lei e de sua no implementao. Falta vontade poltica e, conseqentemente, polticas pblicas para o sistema prisional.Seguem abaixo alguns desses instrumentos contidos na Lei de Execuo Penal:1. Instruo escolar: o ensino de primeiro grau ser obrigatrio, integrando-se no sistema escolar da unidade federativa (art. 18);2. Ensino profissional: o ensino profissional dever ser ministrado em nvel de iniciao ou de aperfeioamento tcnico (art. 19);3. Trabalho prisional : representa um dever social e condio de dignidade humana e, tem finalidade educativa e produtiva (art.28).

3. RELATO DE EXPERINCIASEm 1986, foi criada a Fundao de Amparo ao Trabalhador Preso do Distrito Federal - FUNAP, vinculada Secretaria de Segurana Pblica e integrando a Administrao Indireta do Governo do Distrito Federal. A misso da Instituio contribuir para a recuperao social do preso e a melhoria de suas condies de vida.O trabalho desenvolvido pela FUNAP, no perodo de 1989 a 1998, foi sistematizado sobre dois pilares, a educao e o trabalho, e desenvolvido em trs programas: a educao, a educao profissional e o trabalho intra e extramuros. Para o exerccio dos programas de educao, primeiramente estendeu-se seu conceito para alm da instruo escolar sistematizada, o que significou a ampliao da metodologia a ser aplicada.Dessa forma, alm da instruo em nvel de 1 grau, obrigatria no Pas, a FUNAP buscou trabalhar com os presos tambm em outras reas, como o caso das artes. Dentro daquilo que se conseguiu reali zar, seja por contingncia dos recursos, seja pelas dificuldades de sensibilizao do prprio preso, ou ainda pela exigidade do tempo - considerando que a educao um processo os programas desenvolvidos pela FUNAP apresentaram resultados positivos.Nunca demais ressaltar que a educao um processo de construo e enquanto tal, lento; logo, implementar programas educativos na priso duplamente rduo: primeiro, em relao base do prprio processo construir sobre uma estrutura emocional e moralmente danificada pode demandar mais tempo; segundo, pelos sentimentos de revolta, de injustia e sobretudo, o de descrena dificultarem o acesso vontade do preso e disposio de todos.No decorrer do trabalho, sero relatados no s os programas de ressocializao do preso, objetivos e resultados, como tambm o que as atividades desenvolvidas representavam na rotina do crcere para todos.

3.1. PROGRAMA DE EDUCAONum contexto em que a finalidade primeira da priso o encarceramento puro e simples, a principal funo de uma penitenciria conter a pessoa presa e no deix-la fugir, ou seja, a segurana assume grande importncia, deixando de ser um meio para tornar-se um fim. Assim, o programa de educao tem papel secundrio. E isto reflete-se como uma questo cultural, repassada aos servidores prisionais ainda na preparao para o exerccio da atividade carcerria: a segurana a prioridade. Esta constitui a primeira barreira: a conceitual.A segunda barreira a arquitetura prisional. O Complexo Penitencirio da Papuda, at dezembro de 1998, era composto de seis bases fsicas: uma penitenciria de segurana mxima Centro de Internamento e Reeducao (CIR) e quatro presdios. O CIR, construdo na dcada de 70, com capacidade para cerca de 560 presos, abrigava, em dezembro de 1998, cerca de 1.200.Nessa penitenciria, a populao carcerria ocupava quatro pavilhes (P-I, P-II, PIII e P-IV) e uma ala para pessoas que cumpriam medida de segurana. Cada pavilho continha um conjunto de celas a maioria coletivas para seis presos um ptio utilizado para banho de sol, cultos religiosos, refeitrio e lazer, constituindose em ve rdadeiros espaos do cio, pois construdas com a finalidade nica de guardar o preso, faltavam espaos fsicos adequados como: para as atividades de ressocializao - salas de aula, biblioteca, oficinas.

3.1.1. ObjetivosOferecer pessoa presa a assistncia educacional desde a alfabetizao at o exame vestibular, no prprio ambiente prisional, preparando-o para a vida livre. Trabalhar as atitudes, comportamentos e sentimentos para a construo de valores morais, ticos e de cidadania, com vistas aos convvios familiar, social e de trabalho, tanto na vida carcerria quanto em liberdade.

3.1.2. Metodologia de EnsinoConjugao de vrias propostas, desde a de Paulo Freire ao mtodo Dom Bosco de Educao de Base. Ensino supletivo oficial.

3.1.3. AvaliaoAprovao nas provas de exame supletivo de 1 e 2 graus e do vestibular.

3.1.4. Infra-estruturaNo so previstos na planta arquitetnica das penitencirias espaos para o desenvolvimento de programas de ressocializao. Dessa forma, os espaos so improvisados de acordo com a concesso das administraes. Em uma penitenciria, tinha-se seis salas de aula, uma sala de teatro, uma sala de msica, uma sala de artes plsticas, uma sala de informtica e uma biblioteca com um acervo de cerca de 5.000 livros.

3.1.5. Recursos3.1.5.1. HumanosCesso de professores pblicos mediante convnio.

3.1.5.2. MateriaisTelevisores, vdeos, retroprojetores, projetores de slide, som, materiais escolar, telecurso 2.000 da Rede Globo e FIESP, computadores para instruo escolar.

3.1.5.3. FinanceirosProvenientes do oramento da FUNAP, mantida com recursos da Unio e prprios.

3.1.6. ParceriasPara o desenvolvimento das atividades educacionais, a FUNAP firmou convnio com a Fundao Educacional do DF prevendo a cesso de professores, a orientao pedaggica e a realizao das provas do exame supletivo no sistema penitencirio. Com a Universidade Catlica de Braslia estabeleceu-se uma parceria no programa de alfabetizao de jovens e adultos, a realizao do exame vestibular no prprio sistema penitencirio e a concesso de bolsa integral para os aprovados.

3.1.7. Forma de sensibilizao do presoO primeiro contato da pessoa presa com a educao normalmente no resulta da vontade de estudar. Na realidade, suas aes giram em torno da busca de liberdade. Este seu objetivo imediato. Ela busca, na realidade, um contato com o mundo exterior. Quer ser notado pelos agentes de custdia, quer ser visvel. Como as oportunidades no so para todos, procura-se de vrias maneiras ganhar a confiana dos responsveis pela custdia. o sistema de privilgios e concesses que norteia as relaes em um estabelecimento penal.Por outro lado, a educao a nica forma pela qual o preso tem contato com o mundo exterior. Esse contato se d por meio dos professores, visitantes e autoridades. Ele est sempre em busca de algum que o ajude a sair do crcere. Esta vem a ser a via da primeira relao da pessoa presa com o mundo do saber. O mundo das letras lhe est distante por uma razo muito simples: a grande maioria nunca freqentou a escola. Como mencionado, a massa carcerria predominantemente jovem e de baixa escolaridade. Portanto, o desinteresse pela educao compreensvel. Alm disso, o ambiente no incentiva.O segundo motivo pelo qual a pessoa presa resolve freqentar a escola quebrar a ociosidade a que est submetida a grande maioria. Cabea vazia oficina do diabo, ditado corrente entre eles. Na escola, recebem cadernos, lpis, livros, materiais teis e utilizados de diversas formas. O caderno serve para escrever umas cartas, bilhetes para o diretor do estabelecimento, denncia contra maus tratos, pedidos de ajuda.A grande transformao se d muitas vezes de forma lenta, mas consciente. a persistncia dos educadores que compensa e fortalece o processo de ressocializao. So as reunies com o psiclogo que trabalha a compreenso de suas atitudes, levando-o a traar um plano de vida. De repente, a pessoa presa se v envolvida nas atividades educacionais que lhe so oferecidas e passa a se interessar, a participar efetivamente. A mudana interior comea a acontecer. A experincia demonstra que no se deve pensar por ele, organizar o mundo paraele; preciso convid-lo a participar, pensar e agir.

3.1.8. Recursos utilizados no processo educacional3.1.8.1. O teatro ajudando a transformarO teatro um grande aliado do processo educacional. Por meio dele, d-se a socializao da pessoa presa. Atravs da representao, muitas vezes retratando sua prpria experincia de vida ou crime cometido, ela tem a oportunidade de compreender e discutir seus atos e as conseqncias deles, e expressar seus sentimentos. So atitudes comuns das pessoas presas : a desconfiana de tudo e de todos; a vontade de se apresentar como o mais forte; a brutalidade. So sentimentos fortes que o acompanham h muito tempo. a histria de vida da grande maioria. Esse processo leva adoo de uma nova postura.Alm da finalidade objetiva do teatro no processo educacional, existe a outra face subjetiva e dela decorrente. As apresentaes teatrais foram utilizadas como forma de aproximar a sociedade do mundo prisional, pois sem a compreenso da sociedade em relao finalidade da pena, no haver ajuda. As apresentaes deram-se em escolas pblicas e particulares, universidades, teatros e em eventos oficiais.Cabe um destaque especial s apresentaes em escolas para crianas e adolescentes. Temas infantis facilitaram a comunicao entre o grupo teatral e os estudantes, como tambm, os educativos relacionados as DST/AIDS e drogas foram facilmente abordados e compreendidos. A mensagem educativa era o pano de fundo dessas apresentaes. Os temas foram objeto de oficinas e pesquisas do grupo; eram instrudos para difundirem os conhecimentos. Tirar a pessoa presa do crcere resultava numa verdadeira operao de guerra. Algemas, escoltas policiais, viaturas, autorizaes judiciais. As medidas de segurana so legtimas, exigidas pelas autoridades. Entretanto, o sentimento dos educadores e dos prprios atores (presos) era de verdadeira confiana. Isso, porque estavam estabelecidas entre as partes educadores e presos as condies necessrias para o desenvolvimento do processo. O prprio processo educativo busca o confiar, o acreditar.Uma experincia mpar aconteceu quando levou-se para dentro de uma penitenciria de segurana mxima um grupo de alunos de uma escola pblica. Eram considerados pela escola os mais indisciplinados. Assistiram pea com muita ateno e muitos estavam curiosos por saber como era a vida na penitenciria. O primeiro impacto dos alunos deu-se na entrada da penitenciria: a apresentao das autorizaes dos pais, a organizao da fila, as recomendaes dentro da penitenciria.Aps a exibio, estabeleceu-se naturalmente um debate entre atores e alunos. Perguntas sobre o que as pessoas presas fizeram, que crimes cometeram e o mais importante: a mensagem dos atores de que o crime no compensa. O lanche com todos encerrou o encontro.A importncia do teatro no processo de ressocializao levou um grupo de presidirios e ex-presidirios a montar uma empresa teatral denominada GRUPO DE ARTES E CULTURA UNIDOS PELA LIBERDADE. A temtica do grupo est centrada na apresentao de peas infantis, de preveno das DST/AIDS e drogas. Tem-se conhecimento de que o grupo foi contratado para trabalhar com adolescentes infratores do Centro de Adolescentes Infratores CAJE.

3.1.8.2. As artes plsticas ajudando a transformarAs artes plsticas constituem um recurso importante no processo educativo, na medida que so veculo da expresso de sentimentos e despertam habilidades no conhecidas. Nesse trabalho, o preso tem a oportunidade de expressar seu mundo, seu cotidiano. comum a pessoa presa retratar a priso e seu desejo de liberdade.Buscar elevar a auto-estima da pessoa presa era um objetivo permanente dos educadores. Nesse sentido, muitas exposies aconteceram, atingindo tal objetivo. O resultado era to positivo que muitas vezes os familiares e o prprio preso no acreditavam no trabalho realizado. Alguns demonstravam tanta habilidade que passaram a produzir e comercializar seus quadros.Alm de incentivar habilidades, o programa buscou desenvolver tambm o sentido esttico. Assim, os presidirios visitaram exposies culturais da cidade; uma delas foi a exposio de Goya, artista plstico espanhol. Mais uma vez, destaca-se o papel dos educadores professores, psiclogos - no processo de ressocializao do preso. O desejo do educador emajudar a pessoa presa a construir novos valores e referenciais fez a diferena.

3.1.8.3. A msica liberando sentimentosA msica est presente no cotidiano da pessoa presa de vrias formas: pelo rdio, TV e nos cultos das igrejas. Ler, entender, cantar e tocar msicas ajudam no processo educativo.Apesar das dificuldades de se implementar um programa mais consistente na rea do ensino da msica, por falta de recursos financeiros, algumas experincias foram realizadas.Como exemplo de interao sociedade/preso, dois eventos merecem destaque: as apresentaes da Orquestra Sinfnica de Braslia e de uma banda de rock, na Penitenciria. Apesar de inusitadas, as apresentaes, ainda que bem aceitas pelos presidirios, encontraram algumas resistncias:a primeira, no mbito da prpria orquestra, cujos msicos argumentaram quanto sua insegurana; a segunda trouxe o protesto de um agente penitencirio que alegou ser a orquestra uma "banda profana".Tinha-se uma platia deslumbrada. Nunca haviam assistido apresentao de uma orquestra. As reaes foram diversas e foram desde o choro at a indiferena. O ponto alto ocorreu quando um grupo de cantores (presos) foi convidado a cantar com a orquestra. A interao entre ambos comoveu a todos que assistiam.J com a banda de rock tratava-se de um grupo de jovens em incio de carreira e sem espao para apresentaes o impacto junto aos presos foi menor, mas igualmente importante. Muitos sabiam o que era uma banda. A facilidade de interao foi grande e alguns presos tocaram com o grupo.

3.1.9. ResultadosO ndice de aprovao no ano de 1998 foi de 37% no supletivo de 1 grau e de 27%, no 2 grau. Esses ndices esto prximos da realidade extramuros. No 3 grau, tivemos 43 aprovaes desde o incio da parceria com a Universidade Catlica de Braslia, em julho de 96, at o ltimo vestibular de 1998. Obviamente os resultados no podem ser analisados sem considerar as dificuldades do ambiente prisional. Destaca-se, por exemplo, a ausncia de professores para algumas disciplinas. Apesar de tudo, em 1998 houve a participao da FUNAP no ciclo de premiao do Programa Gesto Pblica e Cidadania da Fundao GetlioVargas e Fundao Ford, com o projeto Educao na Priso, que foi premiado dentre 623 projetos de todo o Pas. Foram premiados 20 projetos em diversas reas.Tambm merece destaque a realizao do vestibular na Penitenciria. medida que aumentava o nmero de alunos concluintes do 2 grau, era natural o desejo de continuarem os estudos. Num primeiro momento, esse nmero foi reduzido e nessas condies a sada da penitenciria para fazer o vestibular era mais fcil. Houve vestibulandos no CEUB, UPIS e Faculdade Dom Bosco. Mesmo em nmero reduzido, o processo de liberao era burocrtico, dependia da anlise da situao jurdica e da disponibilidade de viaturas e agentes penitencirios para a escolta. Todo esse processo gerava ansiedade no vestibulando, pois mesmo estando preparado, poderia haver uma negativa. Quando isto acontecia, o processo de confiana se rompia. Outra questo importante: se aprovado, quem arcaria com as despesas? A FUNAP conseguiu, em alguns casos, bolsas parciais. Nessa poca, a FUNAP estabeleceu com a Universidade Catlica uma parceria para o programa de alfabetizao de adultos presos. Na solenidade de formatura da primeira turma, o reitor da Universidade, empolgado, conclamou os alfabetizados a continuarem os estudos e aqueles que passassem no vestibular da Catlica teriam bolsa integral. Era uma promessa que parecia distante, pois o Reitor no tinha conhecimento de que se oferecia o ensino supletivo de 1 e 2 graus. Logo em seguida, foram feitos os primeiros pedidos de inscrio novestibular daquela Universidade. Porm, continuava o dilema da autorizao, da permisso e do transporte. No semestre seguinte, o nmero de vestibulandos passou de seis para 30. Aumentavam as dificuldades medida que aumentava o nmero de vestibulandos. Ora, se conseguir a autorizao para seis era muito difcil, imagine para 30; impossvel. Da houve a idia de solicitar Universidade Catlica para que as provas fossem aplicadas na Penitenciria. O reitor de imediato atendeu ao pleito.Na priso, a dimenso da conquista ilimitada; transcende o objetivo principal. No caso do vestibular, no se estava apenas resolvendo um problema de local da prova. O direito de fazer as provas era de todos, independente do crime que tivessem cometido, do regime da pena e da autorizao judicial. Todos tinham conscincia de que a aprovao no significava o ingresso imediato na universidade; outras etapas teriam que ser vencidas. Contudo, criava -se uma perspectiva de futuro. Buscava-se, com isso, elevar a auto-estima da pessoa presa.A FUNAP fazia a matrcula dos aprovados e aqueles que obtinham autorizao judicial eram encaminhados Universidade. Os demais tinham suas matrc ulas trancadas e renovadas a cada semestre. A parceria com a Universidade Catlica um exemplo da participao dos setores organizados da sociedade em prol da ressocializao e reinsero social do preso. Outro sinal importante de mudana aconteceu no Judicirio. A aprovao no vestibular e a garantia de trabalho externo na FUNAP passaram a ser requisitos de avaliao do Juiz da Vara de Execues Criminais e Ministrio Pblico, para a concesso da progresso de regime. Assim, alguns presos em regime fechado obtiveram autorizao para freqentar a Universidade e trabalhar externamente.A populao carcerria do Complexo Penitencirio da Papuda, no final de 1998, era de cerca de 2.200 presos. Desse universo, 462 eram alunos da FUNAP. Esse nmero poderia ser bem maior se houvesse uma infra-estrutura adequada ao funcionamento do setor de educao. errado concluir que 1.738 presos no estavam estudando, pois o nmero de presos que tinha permisso da administrao prisional para freqentar o setor de educao era bem menor. Averdade que o universo de presos colocado disposio da FUNAP era totalmente absorvido nas atividades programadas. No Centro de Internamento e Reeducao CIR, por exemplo, os presos do P-I, ptio que concentrava os presos com as maiores penas e considerados de maior periculosidade, no tinham acesso ao setor de educao. Esse critrio, adotado pela administrao prisional, face s suas dificuldades operacionais, fere a Lei de Execuo Penal, pois no existe nenhum impeditivo ao preso de participar das atividades educacionais, de formao profissional ou de trabalho, em funo do tipo de crime que cometeu. Ao contrrio, a Lei torna obrigatrio, por exemplo, o trabalho do preso condenado.Outro registro importante foi a oficina temtica: literatura, cidadania, tica, preveno de DST/AIDS, relaes humanas e drogas. Uma dessas oficinas, a literria, resultou na publicao do livro Sete Homens Privados de Liberdade, com textos dos presos.No caso das DST/AIDS e drogas, o projeto foi financiado pelo Programa Nacional de DST/AIDS do Ministrio da Sade e contou com o apoio da Secretaria de Sade do DF e Projeto Convivncia do Hospital Universitrio de Braslia. Foi utilizado o espao da educao para difundir no meio carcerrio os mtodos de preveno dessas doenas. Alm disso, a parceria com os tcnicos do "Projeto Convivncia" permitiu traar uma radiografia da AIDS no sistema penitencirio, e se estabeleceu uma rotina de testagem, aconselhamento pr e ps-teste, acesso a exames mdicos e medicamentos. As aes de preveno por si ss no bastavam, pois medida que se davam informaes, o estabelecimento prisional tinha que oferecer assistncia sade, e isto no ocorria. Foram produzidas cartilhas, cartazes, textos sobre esses temas. Registre-se a importncia do ambiente educacional para tratar de assuntos que so tabus, principalmente numa populao confinada; como exemplo citam-se as relaes sexuais entre pessoas do mesmo gnero. O ambiente prisional extremamente favorvel disseminao de doenas transmissveis. O pior que esse risco transpe os muros da priso e se alastra para a populao, por meio das relaes sexuais.Como dificuldade adicional, acrescentam-se as crenas religiosas, emperrando o trabalho de preveno. Na priso a educao a distncia no acontecer se apenas forem fornecidos livros e cadernos para que o preso estude sozinho ou se se colocar um computador com programas educacionais num ambiente. Isto, porque a base do processo so as relaes estabelecidas com os educadores, as oficinas temticas, o contato com o mundo livre, os estmulos, a discusso e o entendimento dos atos e relaes.Merece registro, embora a instalao dependa de autorizao da Agncia Nacional de Telecomunicaes ANATEL, o projeto de uma rdio comunitria para o Complexo Penitencirio da Papuda, como recurso para o processo de educao e socializao da populao carcerria.

3.2 PROGRAMA DE FORMAO PROFISSIONALA qualificao profissional da pessoa presa condio sine qua non para sua (re)insero no mercado de trabalho. A quase totalidade da populao carcerria brasileira no tem formao profissional. Muitos nunca exerceram uma atividade laboral regular; outros exerciam margem das leis trabalhistas; outra parcela vivia do produto do crime. preciso entender que a qualificao profissional condio para o trabalho que deve, obrigatoriamente, ser educativo e produtivo. Deve-se afastar o carter punitivo do trabalho prevalente em estabelecimentos prisionais at o sculo XIX, quando o preso era submetido ao exerccio forado: quebrar pedra, por exemplo.A viso que se deve ter do trabalho prisional no pode ser diferente daquela que se tem do trabalho livre. A lei de execuo penal alem ensina que a pessoa presa no deve perder o contato com o mundo exterior. preciso mant -la em constante atividade e atualizao, para que ela no tenha dificuldade de retornar ao trabalho livre. verdade que o estigma de ex-presidirio e o crescente nmero de desempregados dificulta a colocao. Entretanto, tambm verdade que uma parcela dos desempregados no absorvida no mercado por falta de qualificao profissional. A lgica que qualificando o preso, aumenta-se a possibilidade de insero no mercado de trabalho, inclusive, com a possibilidade do exerccio de uma atividade autnoma. um fator importante para a diminuio dos riscos de reincidncia. De outro lado, chama-se a ateno para as dificuldades que se colocam na execuo de um programa de qualificao profissional. A primeira est relacionada arquitetura das prises e, como j se disse, falta de espaos apropriados para a execuo de um programa de ressocializao. A segunda dificuldade diz respeito empregabilidade dos qualificados. De na da adianta qualificar o preso se no houver a sua empregabilidade. O conhecimento adquirido no curso perde-se caso no haja a prtica; a est a grande dificuldade. O programa de formao profissional deve, obrigatoriamente, buscar a empregabilidade. Caso contrrio, perde-se tempo, dinheiro e o pior, gera-se uma frustrao muito grande na pessoa presa. Nada mais negativo para qualquer pessoa que alimentar falsas expectativas.A viso da empregabilidade fez com que se delimitasse o projeto da FUNAP, de forma a relacion-lo s atividades de trabalho por ela desenvolvidas e quelas cuja prtica pudesse ocorrer no dia-a-dia da priso. Os cursos oferecidos foram: panificador, costureiro industrial, marceneiro, estofador de mveis, soldador, operador de microcomputador, letrista/cartazista, costura industrial, pintor de veculos, cabeleireiro, manicure/pedicure, pintor de obras, bombeiro hidrulico, serigrafia, dentre outros. No perodo de 1992 a 1998, cerca de 1.500 presos foram qualificados.Conforme dito anteriormente, o acesso aos cursos era limitado pelas razes expostas. Todavia, restava ainda uma possibilidade: quando o preso progredia para o regime semi- aberto ou aberto, podia participar de cursos externos. Essa articulao acontecia entre a FUNAP e a Secretaria do Trabalho, Emprego e Renda do Distrito Federal. Tambm acontecia de a FUNAP oferecer cursos nos locais de trabalho dos presos. Isso ser abordado mais adiante.Outra questo importante do Programa de Formao Profissional foi o estabelecimento de uma relao com a famlia do preso e com a famlia das vtimas. Tratava-se apenas de uma intermediao, cujos efeitos revelaram-se timos. Quando uma pessoa presa, rompe-se, temporariamente ou definitivamente, o vnculo familiar, quebra-se a fonte do provimento financeiro da famlia. Muitas so largadas prpria sorte. comum a esses familiares a sensao de que esto cumprindo pena acessria. Sofrem discriminao da sociedade e sentem-se envergonhados, embora, tambm em alguns casos, contribuam para a manuteno da prtica delituosa. Assim sendo buscou-se por meio do fortalecimento do ncleo familiar, intervir nessa relao para minimizar os efeitos da realidade. Quando o preso era motivado a participar tambm de um curso de qualificao profissional, dava-se a ele a possibilidade de indicar um membro de sua famlia para participar de um curso. Essa participao acontecia por meio de uma articulao da FUNAP com a Secretaria do Trabalho, Emprego e Renda do DF. O mesmo procedimento se tinha para com as famlias das vtimas,que muitas vezes tinham perdido seus provedores financeiros, e havia uma preocupao a esse respeito. O fim prtico dessa medida era despertar o sentimento de ateno e valorizao dessas pessoas. Estavam-se estabelecendo vnculos familiares, gerando responsabilidades, e diretamente, preparando-os para a prtica de atividades lcitas, com gerao de renda para a sua manuteno.

3.2.1. Objetivos do ProgramaQualificar a pessoa presa para o trabalho intramuros e extramuros; preparar a pessoa presa para a (re)insero no mercado de trabalho; estimular e fortalecer os vnculos familiares.

3.2.2. AvaliaoAplicao prtica dos conhecimentos no trabalho. Isto ocorre de imediato para a grande maioria.

3.2.3. Infra-estruturaOficinas equipadas para a realizao de cursos e trabalho.3.2.4. Recursos3.2.4.1. HumanosInstrutores prprios da FUNAP ou contratados; contratao de instituies de profissionalizao - SENAI e SENAC.

3.2.4.2. FinanceirosCaptao junto ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, do Ministrio do Trabalho por meio da Secretaria do Trabalho, Emprego e Renda do DF e recursos prprios da FUNAP.

3.2.5. ParceriasSecretaria do Trabalho, Emprego e Renda do DF.

3.3. PROGRAMA DE TRABALHO (intra e extramuros)3.3.1 Trabalho intramurosO trabalho o principal fator de reajustamento social. Representa um dever social e condio de dignidade humana, com finalidade educativa e produtiva, conforme definido na Lei de Execuo Penal. obrigatrio para os presos condenados. Pode-se, no caso da populao carcerria, acrescentar alguns objetivos:- criar o hbito do trabalho;- preparar a pessoa presa para o trabalho livre;- diminuir a ociosidade nas prises;- gerar renda para auxiliar no sustento de sua famlia e de pequenas despesas pessoais na priso.Contudo, ele no prioridade, pois sai da condio de obrigao, como definido na Lei de Execuo Penal, para a situao de concesso, privilgio de poucos. Observa-se a uma inverso do carter da norma. verdade que quando se pensa em trabalho, deve -se ter em mente o que produzir, como produzir e para quem produzir. Responder a esses questionamentos no tarefa simples. Na FUNAP, tinha-se para os presos do regime fechado oficinas de: panificao, costura industrial, marcenaria/carpintaria, funilaria e serigrafia. Paraos presos do regime semi-aberto, atividades de agropecuria : plantios de gros, pastagem, horticultura e criao de bovinos e sunos.As dificuldades para o desenvolvimento das atividades laborais so inmeras. Vo desde a falta de espaos fsicos no projetados, passando pelo sentimento de punio, pela filosofia de tratamento prisional, at as limitaes dos horrios de funcionamento das penitencirias.A primeira dificuldade est na arquitetura prisional que no prev espaos fsicos para as atividades laborais. Como conseqncia, a operacionalizao da sada do preso da cela at a oficina exige uma operao de rgido controle, haja vista a necessidade de se percorrer grandes distncias at o local de estudo ou trabalho. Isto limita o nmero de participantes. Nas condies atuais, manter o preso imobilizado, ocioso, uma grande vantagem, porque a segurana no fica fragilizada naquele momento. Mas isto apenas reflete uma viso imediatista do problema.Na verdade, no se tem em mente que a segurana pretendida pela Lei (em suas normas) e pela sociedade (FUNAP, em seus projetos de educao) aquela que visa aos efeitos positivos de uma reinsero consciente e responsvel do preso na sociedade, como forma de inibir a reincidncia. Por outro lado, aumentar o nmero de agentes penitencirios, reestudar e readaptar os espaos j construdos parece uma soluo sensata. A realidade, porm, outra: faltam recursos financeiros para se contratar mais agentes ou fazer as reformasnecessrias; falta, sobretudo, vontade poltica. Outro empecilho a forma do tratamento dispensado pessoa presa. A todo momento se lembrado que preso no tem recuperao. Isto reforado nos momentos em que ocorrem rebelies, fugas, brigas de ptio etc. Certa vez, logo no incio das atividades da FUNAP, um preso dirigia um trator e precisava entrarna Penitenciria para carregar alguns insumos agrcolas. Ao se dirigir ao porto de entrada, foi impedido. Esclareceu-se ao agente penitencirio que o preso estava autorizado a dirigir o trator na rea da Papuda autorizao concedida pelo Secretrio de Segurana Pblica. A resposta dada foi de que jamais seria porteiro de preso.Nesse mesmo sentido, chama-se a ateno para um fato ocorrido por ocasio da avaliao de desempenho no trabalho da pessoa presa, cujo objetivo era verificar a evoluo a cada bimestre. No formulrio constavam os seguintes conceitos: timo, bom, regular e ruim, entretanto, teve-se que excluir o conceito timo dessa avaliao, pois, no existem presos com tal conceito. Ora, se os responsveis pela custdia pensam desta forma, claro que no vo facilitar ou colaborar para a viabilizao da educao, da formao profissional e do trabalho. Existe uma incompatibilidade entre a ao de custdia e a ao de ressocializao. Embora generalizada a afirmao, sabe-se que uma parcela desses agentes pensa de forma diferente; porm, a ao institucional punitiva e prevalece.As dificuldades citadas so importantes para que se conhea o motivo do no funcionamento das atividades ressocializadoras no sistema prisional do DF. Alm dessas, outras existem e tm relao direta com o processo do trabalho. o caso, por exemplo, da reduzida jornada de trabalho do preso, a definio do mercado a ser atendido e a prvia qualificao profissional. A clientela potencial da FUNAP constituda de rgos pblicos. So inmeras as demandas; algumas so citadas : uniformes profissionais, bandeiras oficiais, reforma de mobilirios, merenda escolar, reforma da frota de veculos oficiais, etc.Apesar das dificuldades, os resultados foram positivos e havia garantia da empregabilidade remunerada de cerca de 250 presos em regime fechado. No ano de 1998, foram produzidos 1.341.110 unidades do po tipo francs e 47.336 pacotes de po de forma. Esses produtos eram comercializados com rgos do governo local e destinados, por exemplo, merenda escolar. O po de forma foi vendido em uma rede de supermercados. Foram produzidos 14.272 peas de uniformes profissionais e bandeiras oficiais. Da mesma forma, a comercializao deu-se com vrios rgos pblicos. Tambm foram comercializados 62.547 litros de leite. A produo em qualquer rea atendia a todas as exigncias do mercadoe a qualidade foi reconhecida pelos adquirentes. Para tanto, dava-se grande importncia qualificao profissional e disciplina no processo de produo.Procurava-se, de todas as formas, criar um ambiente semelhante ao de uma empresa. A pessoa presa no era manipulada; recebia instrues e fazia parte do processo. importante mencionar que as atividades laborais eram auto-sustentveis. Para se ter uma idia, no ano de 1998 a receita prpria foi de R$ 1,25 milhes. Isto significa que para cada R$ 1,00 investido pelo Governo, a FUNAP gerou R$ 1,50. Contudo, romper o preconceito no era uma tarefa fcil. Quando teve incio a comercializao do po, houve a negativa dos pais de alunos de uma escola pblica que, ao tomarem conhecimento de que o po servido na escola s crianas era produzido na Papuda, colocaram-se contrrios. Alegavam que os presos que produziam os pes eram doentes, portadores do HIV. O preconceito era grande, mas para produzir alimentos a padaria atendia a todos os requisitos legais. Para convenc -los do contrrio, houve que se fazer uma reunio para a qual foram convidados os tcnicos da rea de inspeo de sade que haviam aprovado a comercializao do produto. A lio que se tirou desse episdio foi de que era necessrio montar estratgias de divulgao dos produtos e caprichar na qualidade. Uma das estratgias adotadas foi a organizao de visitas de grupos da sociedade s oficinas da FUNAP. Ao tomarem conhecimento daquilo que se produzia, eles passavam a informao adiante. Assim, novos clientes foram conquistados e o preconceito minimizado. Outro caso ocorreu no nosso meio prisional. Vendia-se o po para a unidade da Polcia Militar responsvel pela guarda externa do sistema penitencirio. Num dado momento aconteceu a suspenso do fornecimento. Questionado, o responsvel informou que havia receio da tropa em comer po produzido pelo preso, pois poderiam colocar pedaos de vidro para matar os policiais. A resposta foi de que esse procedimento seria impossvel, uma vez que o preso no tinha como marcar o po no qual colocaria o vidro, pois, tambm iria com-lo. De qualquer forma, esse cliente foi perdido.Ganhar clientes significava aumentar o nmero de presos trabalhando; perder clientes significava aumentar a ociosidade dos presos, ou seja, um srio risco tranqilidade da priso. O trabalho, alm de ocupar a pessoa presa, desejado pela maioria porque significa reduo da pena, razo de trs dias trabalhado para um dia remido. Alm disso, gera uma remunerao mensal nunca inferior a 75% do salrio mnimo R$ 102,00. Adotou-se um sistema de remunerao diferenciada como incentivo produo e qualificao profissional, podendo esse valor atingir a 100% do salrio mnimo R$ 136,00. A remunerao tem trs destinaes, como definida na Lei: 1/3 depositado numa conta de poupana em nome do preso e liberada quando posto em liberdade ou em casos especiais; 1/3 pago ao prprio trabalhador; 1/3 pago diretamente famlia. Para facilitar o recebimento da famlia, o pagamento era feito via Banco de Braslia, na agncia mais prxima da residncia da famlia. Este procedimento evitava que o preso tomasse o dinheiro da famlia e usasse para outros fins.

3.3.2 Trabalho extramurosO trabalho externo (extramuros), previsto pelo legislador para o preso dos trs regimes, acompanha o sentido da progressividade na execuo penal, ou seja: com o passar do tempo, deve-se diminuir a vigilncia sobre o preso de forma a test-lo. Assim sendo, prev a lei de execuo penal o trabalho externo para a pessoa presa nos trs regimes : fechado, semi-aberto e aberto. Contudo, na prtica, as coisas no acontecem dessa forma. O trabalho do preso em regime fechado, em obras pblicas, permitido desde que haja uma vigilncia. Aoperacionalizao dessa vigilncia torna -se invivel, pois a proporo da norma de um agente penitencirio para dois presos. Seu descumprimento acarreta sano administrativa e penal autoridade prisional. Ora, a fuga de um preso no trabalho um risco do prprio processo de ressocializao, atravs do qual se est trabalhando a melhora de comportamentos, atitudes e testando a confiana. Diferente, pois, da fuga do preso por falha na vigilncia ou facilitao. Tempos atrs, a TV mostrou presos americanos acorrentados trabalhando na manuteno de rodovias. Foi a soluo americana, embora polmica. A viabilidade de um trabalho em uma colnia agrcola, por exemplo, em reas com vocao agrcola, s possvel se as autoridades prisionais Diretores Prisionais e Juiz de Execuo Penal tiverem a exata compreenso desses riscos. No Distrito Federal, ao se implementar um programa de trabalho para presos do regime semi-aberto numa colnia agrcola, houve, num pequeno espao de tempo, vrias fugas. Todas previsveis, porque o risco inerente ao trabalho. A seleo e a preparao prvia do processo para essa nova realidade era de fundamental importncia para o sucesso do Programa e ela no ocorreu como se desejava. A liberao dava-se apenas pela anlise do comportamento do preso, pelo tipo de crime que cometeu. Ora, outros requisitos so fundamentais, como por exemplo, o histrico de trabalho no regime fechado, pois se o preso no trabalhava anteriormente tinha mais dificuldade de aceitar a nova situao. A falta de compromisso no estava envolvida no processo, e isto importantssimo para se estabelecer uma relao de confiana. Os argumentos da segurana,impregnados de preconceito, quase inviabilizaram o Programa. Contudo, os favorveis sua manuteno convenceram as autoridades. Correr riscos faz parte da atividade de ressocializao. A fuga no trabalho tambm pode ocorrer por outras questes : quando o preso se sente ameaado em seu ambiente carcerrio; quando toma conhecimento de nova condenao com a conseqente regresso de regime, e o desespero por falta de informaes sobre o processo judicial.O caminho para a liberdade deve ser construdo na prpria penitenciria. A Lei Penal define trs regimes : fechado; semi-aberto; aberto. Quando os aspectos subjetivos do cumprimento da pena no so corretamente observados, os riscos de retrocesso so enormes. Isto ocorre quando, por exemplo, no se oportuniza ao preso o acesso s atividades ressocializadoras e o comportamento passa a ser o nico elemento de anlise. Os aspectos objetivos tempo de cumprimento de pena se sobrepem a outros. Isto significa que muitos presos recebem aprogresso de regime sem estar devidamente preparados. A preparao do preso para a reinsero social e no mercado de trabalho deve ser cuidadosa e progressiva em cada regime. Existe a necessidade de avaliaes constantes. Oferecido o trabalho interno (intramuros), chegou a hora de se dar um passo adiante: o trabalho externo (extramuros). Uma das causas da reincidncia criminal est na falta de oportunidade de trabalho para o ex-presidirio. Posto em liberdade, total ou condicional, a grande maioria no consegue trabalho, seja por falta de qualificao profissional, seja pela condio de ex-presidirio. No consegue comprovar vnculo empregatcio anterior; resultado: retornam atividade criminosa.O Programa de trabalho da FUNAP criava uma nova perspectiva de vida para o preso, pois a atividade laboral era iniciada ainda no crcere e ele desde logo ficava sabendo que, dependendo de seu desempenho, poderia sair da priso com um emprego. Poderia, dessa forma, pensar no futuro. Cria-se uma perspectiva futura de vida; d-se sentido vida; eleva-se a auto-estima; fortalecem-se os vnculos familiares, com a possibilidade de prover a famliafinanceiramente, de forma lcita. No se pode deixar de citar que essas oportunidades, pelas dificuldades mencionadas, no atingem a todos os encarcerados.A experincia do trabalho externo comeou no DF no ano de 1988. A FUNAP firmou um convnio com a PROFLORA S/A Florestamento e Reflorestamento, empresa do governo local. O convnio previa o emprego remunerado de presos em atividades agrcolas tratos culturais pr e ps-colheita do mangueiral. A idia era excelente, contudo, a operacionalizao apresentou-se invivel. O horrio em que o preso era liberado para o trabalho era incompatvel com o horrio da prtica agrcola, uma vez que, as atividades comeam ao amanhecer e terminam no meio da tarde. A qualificao profissional e a preparao psicolgica do preso no foram feitas e eram imprescindveis para que se alcanassem resultados. Alguns fatos so exemplo disto: o preso colhia a manga e mordia colocando-a na caixa que era vendida. A PROFLORA teve problemas com compradores estrangeirosque acusavam a chegada da mercadoria danificada. O resultado foi a resciso do convnio.Em 1992, a experincia foi retomada de forma diferente; a anterior colaborou para a adoo de novas prticas. Assim, iniciou-se um trabalho de prestao de servio comunidade, gratuitamente. A idia era aproximar, criar vnculos com a sociedade. Foram desenvolvidos trabalhos como a limpeza de jardins pblicos, prdios pblicos e escolas. Os trabalhos realizados tiveram grande aceitao.Porm, aquilo que era para ocorrer de forma eventual passou a ser uma rotina. O trabalho gratuito comunidade previsto na Lei de Execuo Penal, porm, em carter eventual. A falta de uma rotina e a ausncia de remunerao no estimulavam a participao do preso.Recomeou-se a experincia do trabalho externo por meio de contrato.Nessa nova fase, o primeiro ocorreu com a Associao dos Usurios da CEASA. Estimulado pela direo do rgo, o contrato foi firmado, apesar das resistncias de alguns usurios. Os argumentos contrrios se davam, pelo que se observou, pela falta de conhecimento dos objetivos da execuo penal e do preconceito. Os argumentos favorveis se resumiam reduo de custos, uma vez que no havia vnculo empregatcio com a pessoa presa, encargos sociais, ou seja, a mo-deobra tinha um custo menor. A prpria lei de execuo penal dispe que o trabalho do preso no regido pela Consolidao das Leis do Trabalho. Apesar das controvrsias sobre o assunto, entendia-se que o vnculo empregatcio colocarianas mesmas condies trabalhadores diferentes e isto inviabilizaria o emprego dessa mo-de-obra. Entretanto, defendia-se a contribuio previdenciria do preso como autnomo. Sua mo-de-obra, se preparada, poderia ter desempenho igual ou superior do trabalhador comum. Porm, o encarceramento produz seqelas: perda da iniciativa, submisso, etc. preciso um acompanhamento psicolgico durante a adaptao ao trabalho. Apesar dessa condio especial, houve cuidado para que essa relao no fosse exploratria. Foram fixados salrios prximos dos praticados no mercado; concesso de benefcios, como vale-transporte, concesso de uma refeio (almoo) e um seguro contra acidente no trabalho.Ao final do ano de 1998, havi a cerca de 550 presos em regimes semi-aberto e aberto trabalhando em rgos pblicos local e Federal e em algumas empresas privadas. A relao com os rgos pblicos estabeleceu-se com muita facilidade, pela compreenso do processo por parte dos dirigentes e servidores. A relao com o setor privado era vivel, embora o convencimento se desse de forma mais lenta.Os resultados desse trabalho foram positivos. No perodo de 1992 a 1998, no houve nenhum registro grave que pudesse comprometer o Programa. O grau de satisfao dos rgos contratantes era bom, pois em muitos, o nmero de trabalhadores aumentou. Passou-se a se diferenciar a remunerao de acordo com a qualificao profissional do trabalhador. Isto incentivou o preso a participar do programa de qualificao que, em alguns rgos, se deu no prprio local de trabalho. Quando o nmero de participantes justificava, a FUNAP ministrava ocurso no prprio local de trabalho. Alguns trabalhadores, em funo da prtica de trabalho e da qualificao, foram contratados com carteira assinada por empresas prestadoras de servios aos rgos pblicos. Isto reafirmou a teoria de que, se o preso profissionalizado tivesse a chance de disputar o mercado de trabalho, teria espao, pois o preconceito seria vencido pelo desempenho.Outro aspecto que merece registro foi a adoo de aes de valorizao da pessoa presa. Por exemplo, o pagamento mensal depositado numa conta bancria em nome do prprio preso e o fornecimento de um carto eletrnico para saque. Para o trabalhador comum ter uma conta bancria algo natural. J para a pessoa presa algo de grande valor, pois significa uma conquista, algo para ser divulgado na famlia como sinal de mudana. como quisesse dizer agora sou gente. Confie em mim. O mesmo sentimento tem quando recebe o comprovante de pagamento. um passaporte para a vida lcita. Muitos procuravam o recibo de pagamento para comprar no credirio. o exerccio da cidadania.

4. OUTROS FATORES IMPORTANTES PARA A RESSOCIALIZAO4.1. Tratamento de dependncia qumicaMuitos crimes so motivados pelo uso de drogas. Esse vnculo indivduo x droga no rompido com a priso. L, no oferecido nenhum tratamento e isto proporciona a prtica de novos crimes, quando postos em liberdade. Conseguiuse estabelecer uma parceria com um grupo de auto-ajuda, o AA, Alcolatras Annimos. A dependncia do lcool mais fcil de ser tratada em uma penitenciria; j a dependncia qumica mais complicada, pois o usurio tem que se apresentar e, como as relaes so conflituosas, prefere se manterannimo.

4.2. Tratamento psicolgico sabido que o preso, quando sai da penitenciria, apresenta comprometimento psquico e fsico, decorrente do encarceramento. A terapia de grupo um dos instrumentos para se diminuir danos e contribuir para a construo de novas posturas e referenciais.

4.3. Sistema de avaliaoTodo preso avaliado segundo requisitos objetivos e subjetivos. Os objetivos so aqueles relacionados ao tempo de pena; os subjetivos referem-se ao comportamento na priso. A aplicao de um programa de ressocializao d maior segurana s autoridades judiciais na anlise das progresses, porque outros fatores podero ser analisados de forma a auxiliar na formao do juzo. Se um preso ingressou na penitenciria e l melhorou sua instruo escolar, participou de curso profissionalizante e trabalhou, estar, em princpio, em melhores condies de retornar ao convvio social do que aquele que nada aprendeu e que apenas manteve um bom comportamento. Isto faz grande diferena.

5. CONSIDERAES FINAISA experincia relatada pe em destaque a importncia da aplicao de novos mtodos no tratamento penitencirio, com nfase na ressocializao do indivduo criminoso, para que ele possa voltar a viver em sociedade com respeito. Tambm, que tais mtodos possam contribuir para a diminuio da reincidncia criminal, causada principalmente pela excluso social e pelo preconceito, pelo despreparo educacional e profissional, e pela falta de oportunidade de trabalho. Alm disso, contribuir para a reduo dos danos causados pelo encarceramento.