A Responsabilidade Social

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Rev. FAE, Curitiba, v.5, n.2, p.15-25, maio/ago. 2002 |15 Revista da FAE A responsabilidade social e sua interface com o marketing social Andrea Regina H. Cunha Levek* Ana Cristina Moraes Benazzi** Janaina Ribeiro Falcão Arnone** Janaína Seguin** Tatiana Monteiro Gerhardt** Resumo Este artigo tem como objetivo principal demonstrar a interface entre a Responsabilidade Social e o Marketing Social. Para tanto, foram traçados os seguintes objetivos específicos: caracterizar a Responsabilidade Social, levantar suas vantagens e desvantagens e identificar os conceitos do Marketing Social, bem como sua interface com a Responsabilidade Social. A metodologia utilizada para este estudo foi o método exploratório, com base em pesquisas bibliográficas e documentais. A principal conclusão deste artigo é a importância do trabalho conjunto do marketing social como estratégia e instrumento de divulgação das ações sociais de empresas socialmente responsáveis, podendo resultar, a longo prazo, em um fortalecimento da marca e na obtenção de um valor diferencial para seus produtos e serviços. Palavras-chave: responsabilidade social; marketing social; balanço social; terceiro setor. Abstract This article aims mainly to demonstrate the interface of Social Responsibility and Social Market. In doing so the analysis of specific objectives was: determine features of Social Responsibility, heightening advantages and disadvantages and establishing the identity of concepts in Social Marketing, as well as its interface with Social Responsibility. The methodology chosen in this study was the exploratory method, based in bibliographic and documentary research. The main identified conclusion in this market is the importance of the joint analysis of social marketing as strategy and tool to voice social actions of socially responsible companies, making it possible, in the long run, to strengthen the brand name and the acquisition of a differential value to its products and services. Key words: social responsibility; social marketing; social balance; third sector. *Administradora, Mestre em Administração e Doutoranda em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Consultora e Professora da FAE Business School. E-mail: [email protected] **Acadêmicas do 5.º ano do Curso de Administração da FAE Business School.

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Rev. FAE, Curitiba, v.5, n.2, p.15-25, maio/ago. 2002 |15

Revista da FAE

A responsabilidade social e sua interfacecom o marketing social

Andrea Regina H. Cunha Levek*Ana Cristina Moraes Benazzi**Janaina Ribeiro Falcão Arnone**Janaína Seguin**Tatiana Monteiro Gerhardt**

Resumo

Este artigo tem como objetivo principal demonstrar a interface entre aResponsabilidade Social e o Marketing Social. Para tanto, foram traçados osseguintes objetivos específicos: caracterizar a Responsabilidade Social, levantarsuas vantagens e desvantagens e identificar os conceitos do Marketing Social,bem como sua interface com a Responsabilidade Social. A metodologia utilizadapara este estudo foi o método exploratório, com base em pesquisasbibliográficas e documentais. A principal conclusão deste artigo é a importânciado trabalho conjunto do marketing social como estratégia e instrumento dedivulgação das ações sociais de empresas socialmente responsáveis, podendoresultar, a longo prazo, em um fortalecimento da marca e na obtenção deum valor diferencial para seus produtos e serviços.

Palavras-chave: responsabilidade social; marketing social; balanço social;terceiro setor.

Abstract

This article aims mainly to demonstrate the interface of Social Responsibilityand Social Market. In doing so the analysis of specific objectives was:determine features of Social Responsibility, heightening advantages anddisadvantages and establishing the identity of concepts in Social Marketing,as well as its interface with Social Responsibility. The methodology chosenin this study was the exploratory method, based in bibliographic anddocumentary research. The main identified conclusion in this market isthe importance of the joint analysis of social marketing as strategy andtool to voice social actions of socially responsible companies, making itpossible, in the long run, to strengthen the brand name and the acquisitionof a differential value to its products and services.

Key words: social responsibility; social marketing; social balance; third sector.

*Administradora, Mestre emAdministração e Doutoranda emEngenharia de Produção pelaUniversidade Federal de SantaCatarina (UFSC). Consultora eProfessora da FAE Business School.E-mail: [email protected]

**Acadêmicas do 5.º ano do Cursode Administração da FAE BusinessSchool.

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Introdução

A Responsabilidade Social tem sido um temamuito discutido no meio empresarial, visto quemuitas empresas têm se utilizado desta práticaatravés de diversos programas na área social,procurando demonstrar principalmente sua funçãosocial perante a comunidade em que está inserida.

Este trabalho tem como objetivo principaldemonstrar a interface entre a ResponsabilidadeSocial e o Marketing Social. Para tanto, foramdefinidos os seguintes objetivos específicos:caracterizar a Responsabilidade Social, levantarsuas vantagens e desvantagens e identificar osconceitos do Marketing Social, bem como suainterface com a Responsabilidade Social.

A metodologia adotada foi a pesquisaexploratória, que se apóia em análises documentaise bibliográficas, buscando sistematizar o assuntodesenvolvido por outros autores de forma a atingiros objetivos propostos.

1 Responsabilidade social

A preocupação com os efeitos sociais eambientais das atividades de empresas, bem comocom os valores éticos e morais, suscita muitasdiscussões no meio empresarial. Essas discussões,muitas vezes, visam contribuir para o bem comume para a melhoria da qualidade de vida dascomunidades. Nesse sentido, faz-se necessárioresgatar o conceito de Responsabilidade Social:

A Responsabilidade Social busca estimular odesenvolvimento do cidadão e fomentar a cidadaniaindividual e coletiva. Sua ética social é centrada no devercívico (...). As ações de Responsabilidade Social sãoextensivas a todos os que participam da vida em sociedade– indivíduos, governo, empresas, grupos sociais,movimentos sociais, igreja, partidos políticos e outrasinstituições (MELO NETO e FROES, 2001, p.26-27).

Para Duarte (1985), a ResponsabilidadeSocial pode ser entendida de diferentes maneiras.Pode representar a idéia de responsabilidade ouobrigação legal e ainda um comportamentoresponsável no sentido ético. Muitas pessoassimplesmente a equiparam a uma contribuiçãocaridosa, ou ao sentido de ser socialmenteconsciente. Uns poucos a vêem apenas comouma espécie de dever fiduciário.

Contudo, há autores que criticam a visão deque a Responsabilidade Social seria apenascontribuição caridosa. Segundo Moreira (2002),a Responsabilidade Social refere-se à ética comobase das ações com todos os públicos com os quaisa organização pode interagir, ou seja, os seusstakeholders (clientes, funcionários, fornecedores,acionistas, governo, sociedade, meio ambiente).

Uma visão mais ampla é proposta por Ashleyet al. (2002, p. 6 ), que define a “responsabilidadesocial como toda e qualquer ação que possacontribuir para a melhoria da qualidade de vidada sociedade”.

O ponto de vista adotado pelas organizaçõesprivadas socialmente responsáveis refere-se àsestratégias de sustentabilidade a longo prazo dasempresas que, em sua lógica de desempenho elucro, passam a contemplar a preocupação comos efeitos sociais e ambientais de suas atividades,com o objetivo de contribuir para o bem comum epara a melhoria da qualidade de vida dascomunidades (CAMARGO et al., 2001). Nessa visãoorganizacional, a Responsabilidade SocialCorporativa pode ser entendida como qualquer

A responsabilidade social pode serentendida como toda e qualquer açãoque possa contribuir para a melhoria

da qualidade de vida da sociedade

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compromisso que uma organização deve ter paracom a sociedade, expresso por meio de atos eatitudes que incidam positivamente em algumacomunidade, demonstrando uma postura pro-ativa e coerente da empresa no que tange ao seupapel específico na sociedade e na sua prestaçãode contas para com ela (ASHLEY et al., 2002).

A essência da doutrina da ResponsabilidadeSocial sob o ponto de vista empresarial, naconcepção de Duarte e Dias (1985), está baseadaem três pressupostos básicos: primeiro, aampliação do alcance da responsabilidade daempresa, que não mais se limita aos interessesdos acionistas; segundo, a mudança da naturezadas responsabilidades que ultrapassam o âmbitolegal e envolvem as obrigações morais ditadaspela ética; terceiro, a adequação às demandassociais mais atuantes e exigentes.

Todas as organizações precisam ter bemclaro, para si e para seus empregados, o conceitode Responsabilidade Social, buscando terconsciência sobre os reais efeitos de sua atividadena sociedade e no meio ambiente, e de seusimpactos nos planos local, regional e nacional.

A Responsabilidade Social é um exercícioda cidadania corporativa, e as empresas quequerem transmitir uma imagem ética e moralpodem, futuramente, ser beneficiadas pelas suasatitudes, por exemplo através da prática daResponsabilidade Social, como estratégia devalorização de produtos e serviços e estratégiassociais de desenvolvimento da comunidade(MELO NETO e FROES, 2001). Para a empresa aestratégia de valorização de produtos ou serviços,além de prezar pela qualidade, prima pelo statusde produtos e serviços socialmente corretos. E aestratégia social de desenvolvimento dacomunidade pode inserir a organização comoum agente do desenvolvimento local, através do

apoio de outras entidades comunitárias e dopróprio governo.

As entidades que praticam a responsabi-lidade social compõe o chamado Terceiro Setor,que Fernandes (1994, p.21) resume como sendo

um composto de organizações sem fins lucrativos,criadas e mantidas pela ênfase na participaçãovoluntária, num âmbito não-governamental, dandocontinuidade às práticas tradicionais de caridade,filantropia e do mecenato e expandindo o seu sentidopara outros domínios, graças, sobretudo, àincorporação do conceito de cidadania e de suasmúltiplas manifestações na sociedade civil.

A importância da sociedade civil para o

desenvolvimento do Terceiro Setor, conforme

Fernandes (1994), está ligada à interação das

empresas privadas com a sociedade, respeitando

a legislação criada pelo Estado. Assim, surgem

as Organizações da Sociedade Civil (OSCs) que

se preocupam com os interesses coletivos.

Percebe-se que a sociedade deixa de esperar

atitudes do Estado e busca, através de

voluntários, comunidades de bairros, fundações

e associações, resolver os problemas que seriam

de alçada do governo.

A expressão Terceiro Setor deriva da idéia

de que a sociedade civil é dividida em Primeiro

Setor - Estado, Segundo Setor - mercado ou

empresas privadas e Terceiro Setor - “um espaço

de participação e experimentação de novos

modos de pensar e agir sobre a esfera social”

(CARDOSO, 1997, p.12). O Terceiro Setor engloba

organizações com objetivos sociais, ao invés de

econômicos, e que têm grande influência nas

inovações sociais como serviços para pessoas

carentes e deficientes, pesquisa científica, grupos

de apoio a dependentes químicos, entre outros

(HUDSON, 2002).

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Segundo Melo Neto e Froes (2001, p. 23-24),

a economia deste setor não gira em torno de indicadoreseconômicos, mas de indicadores socioeconômicos,internos e externos. Elas não distribuem os lucros a seusproprietários, não estão sujeitas a controle político diretoe possuem independência para definir seu próprio futuro.

Esse autor também afirma que o TerceiroSetor deixou de ser visto como um opositor aogoverno e ao mercado para ser consideradocomo seu cooperador. Um exemplo claro dissono Brasil foi a criação do Programa ComunidadeSolidária, onde voluntários atendem necessidadesespecíficas de algumas comunidades emconjunto com o governo.

As empresas que praticam a ResponsabilidadeSocial encontraram no Balanço Social uma formade divulgar as suas ações com relação a seusfuncionários, comunidade e meio ambiente. Essebalanço é um documento divulgado anualmentepela empresa, como uma forma de comprovar suaatuação no campo social.

Segundo Kroetz (2000), o balanço social visademonstrar os impactos sofridos e causados pelaentidade em relação aos ambientes social eecológico, identificando a qualidade das relaçõesorganizacionais com seus empregados, com acomunidade e com o meio ambiente, quantificando-as sempre que possível.

Muitas empresas começaram a divulgar obalanço social principalmente para tornarpúblico o que elas têm feito na área social, poisperante seus clientes isto se torna um fatorimportante na decisão de compra de seusprodutos ou serviços, e também pode ser umdiferencial perante seus concorrentes, acionistas,investidores e funcionários. Dessa maneira, aempresa que cumpre seu papel social aumentaa capacidade de atrair maior quantidade deconsumidores (CAMARGO et al., 2001).

O balanço social pode também ser utilizadocomo uma fonte de marketing para a empresa,pois a sua divulgação funciona como uminstrumento de publicidade, constando a políticada empresa, a forma como é administrada e quaissão os fatores que ela preza. Pode funcionar comouma publicidade da empresa, sendo um aspectode extrema relevância que pode seduzirempresários e o público em geral (KROETZ, 2000).

O crescente número de empresas quepraticam a Responsabilidade Social demandoua criação de uma certificação para aquelas queatuam neste meio, pela qual podem serreconhecidas por suas ações socialmenteresponsáveis e por atuarem preocupadas com asociedade, seu público interno e externo, bemcomo com o meio ambiente.

Dentre as várias possibilidades existentes emâmbito nacional e internacional, tem-se a Certifica-ção SA 8000 - Social Accountability 8000, criadaem 1997 pelo The Council on Economic PrioritiesAccreditation Agency (CEPAA) e coordenada peloSocial Accountability International, umaorganização não governamental sediada nosEstados Unidos.

A norma SA 8000 tem por objetivo melhoraro bem-estar e as boas condições de trabalho etambém a criação de um mecanismo de verificaçãoque garanta a contínua conformidade com seuspadrões estabelecidos. A norma serve parademonstrar os valores éticos que a empresa utilizapara com aqueles a que ela está ligada, como seuscolaboradores, fornecedores, consumidores ecomunidade. Esta norma tem validade de três anos,devendo a empresa ser auditada a cada seis meses.A base da norma é a Organização Internacionaldo Trabalho (OIT), a Declaração Universal dosDireitos Humanos, a Declaração Universal dosDireitos da Criança e a Convenção dos Direitos dasNações Unidas (MELO NETO e FROES, 2001).

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Uma forma que alguns institutos, órgãosgovernamentais e ONGs (Organizações NãoGovernamentais) encontraram para expressar

um reconhecimento por ações sociais desen-volvidas por empresas foi a criação do Selo Social.No Brasil o Selo Social IBASE/Betinho é um dos

mais difundidos.

Conforme informações extraídas do siteBalanço Social (www.balancosocialr.hpg.ig.com),o Selo Social foi lançado em 1998 quando o

sociólogo Herbert de Souza (Betinho),juntamente com o Instituto Brasileiro de AnálisesSociais e Econômicas (Ibase), começou a

desenvolver uma campanha para chamar aatenção de empresários e da sociedade para arelevância do balanço social, utilizando uma

planilha de “modelo simples e único”. Os selossão fornecidos apenas para as empresas quepublicam seu balanço social no modelo proposto

pelo Ibase. Por meio deste selo a empresa estarádivulgando que possui investimentos na áreasocial, demonstrando que está disposta a ser uma

empresa-cidadã comprometida com a sociedade.A restrição para a obtenção do selo é para asempresas que trabalham com cigarro/fumo,

bebidas alcoólicas ou que estejam envolvidas coma exploração de trabalho infantil; nesses casosespecíficos o selo não será concedido.

Outro selo bastante conhecido é o Selo

Empresa Amiga da Criança, fornecido pelaFundação Abrinq, que pode ser utilizado emembalagens e campanhas realizadas pela

empresa. Este selo prima pela não utilizaçãodo trabalho infantil pela empresa e seusfornecedores. Ao contrário, a organização

merecedora deste selo deverá estardesenvolvendo programas de melhoria de vidapara crianças.

É importante salientar que existeminstitutos e outras organizações estaduais emunicipais que podem conceder este tipo deselo, a exemplo da Câmara Municipal de SãoPaulo, que criou o Selo Empresa Cidadã.

2 Responsabilidade social -vantagens e desvantagenspara as empresas comerciais

A Responsabilidade Social não se restringeapenas à organização, mas envolve toda a suaárea de influência e seus funcionários, caracteri-zando-se como um modo de a empresa sercompetitiva, conquistar e ampliar o mercado. Issoporque a Responsabilidade Social não pode serdestacada como uma ação caridosa ou comouma filantropia isolada, motivada por umsentimento de culpa provindo da utilização dosrecursos da sociedade, ou por iniciativa unilateraldo empresário, mas, sim, alinhada aos objetivosda empresa, que devem contemplar a responsa-bilidade social (ORCHIS et al., 2002).

Alguns benefícios da ResponsabilidadeSocial voltada para as empresas podem sertraduzidos em vantagens como: o fortalecimentoda marca e imagem da organização; adiferenciação perante aos concorrentes; a geraçãode mídia espontânea; a fidelização de clientes; asegurança patrimonial e dos funcionários; aatração e retenção de talentos profissionais; aproteção contra ação negativa de funcionários; amenor ocorrência de controles e auditorias deórgãos externos; a atração de investidores ededuções fiscais (MELO NETO e FROES, 1999).

No sentido de demonstrar algumasvantagens conseguidas por empresas queinvestem em ações sociais Ashley et al. (2002)

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citam uma pesquisa realizada pela IBM, onde75% dos profissionais entrevistados afirmaramque uma empresa com responsabilidade sociale um plano de trabalho voluntário atrai e retémtalentos. E outra pesquisa feita pela You &Company com aproximadamente 2000 alunosde MBA, constatou que 83% dos que procuravampor empregos afirmaram que escolheriam a ofertada empresa que demonstrasse maior Responsa-bilidade Social, e 50% deles mencionaram preferirtrabalhar em companhias éticas mesmo comsalários menores.

Segundo Orchis et al. (2002), a prática daResponsabilidade Social de forma correta podemelhorar o desempenho e a sustentabilidade daempresa a médio e longo prazos, proporcionando,dentre outros fatores, valor agregado à imagemcorporativa da empresa; motivação do públicointerno; posição influente nas decisões de compras;vantagem competitiva; influência positiva nacadeia produtiva; reconhecimento dos dirigentescomo líderes empresarias e melhoria do climaorganizacional.

Porém, Melo Neto e Froes (1999) esclareceque a partir do momento em que a empresadeixa de cumprir com as suas obrigações sociaisem relação aos seus empregados, comunidade,fornecedores, acionistas, clientes e parceiros, elaperde o seu capital de Responsabilidade Social,a sua credibilidade, prejudica sua imagem eameaça a sua reputação. No âmbito interno podeocorrer a deterioração do clima organizacional,

a desmotivação generalizada, o surgimento deconflitos, greves e paralisações, baixa produtividadee aumento de acidentes de trabalho. No âmbitoexterno, podem ocorrer prejuízos maiores como:acusações de injustiça social; boicote deconsumidores; reclamações dos fornecedores erevendedores; queda nas vendas; gastos extras compassivo ambiental e até mesmo risco de falência.

A Responsabilidade Social Corporativa temsido disseminada entre várias empresas, através deinstrumentos como selos, certificações e adivulgação pela mídia das ações sociais deempresas responsáveis. Para a difusão dessas açõessociais as organizações podem lançar mão doMarketing Social, que tem um caráter fundamentalpara a formação da imagem da instituição.

3 Marketing social

Para um melhor entendimento de marketingsocial é importante definir, primeiramente, o queé marketing utilizando um enunciado clássicorealizado por Kotler (2000, p. 30): “é um processosocial por meio do qual pessoas e grupos depessoas obtêm aquilo de que necessitam e o quedesejam com a criação, oferta e livre negociaçãode produtos e serviços de valor com outros”.

Em uma visão mais ampla, Las Casas (1993)afirma que o marketing é uma área do conheci-mento que engloba atividades direcionadas àsrelações de trocas, orientadas para a satisfaçãodos desejos e necessidades dos clientes, visandoalcançar determinados objetivos de empresas ouindivíduos e considerando sempre o meioambiente de atuação e o impacto destas relaçõescom a sociedade.

Neste último conceito pode-se perceber umapreocupação direcionada para a sociedade. Umadas derivações do marketing chama-se demarketing social, definido por Kotler (1978,p.287) como:

A prática da ResponsabilidadeSocial de forma correta podemelhorar o desempenho e a

sustentabilidade da empresa amédio e longo prazos

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(...) o projeto, a implementação e o controle deprogramas que procuram aumentar a aceitação de umaidéia social num grupo-alvo. Utiliza conceitos desegmentação de mercado, de pesquisa de consumidores,de configuração de idéias, de comunicações, defacilitação de incentivos e a teoria da troca, a fim demaximizar a reação do grupo-alvo.

Segundo Cobra (1986), o marketing socialé conceituado como um intercâmbio de valoresnão necessariamente físicos nem econômicos,mas que podem ser sociais, morais ou políticos,sendo utilizado para vender idéias ou propósitosque proporcionem bem-estar à comunidade.

A busca da ampliação do conceito demarketing social pode ser caracterizada pelatransposição dos conceitos da área comercialpara a social. Como demonstra Kotler e Roberto(1992), o marketing social é uma estratégia demudança de comportamento, combinando osmelhores elementos das abordagens tradicionaisde mudança social num esquema integrado deplanejamento e ação aproveitando os avançosna tecnologia das comunicações e na própriacapacidade de marketing.

A expressão marketing para causassociais, em vez de marketing social, foi utilizadapela primeira vez por Thompson e Pringle (2000,p. 03), segundo os quais:

o marketing para causas sociais pode ser definidocomo uma ferramenta estratégica de marketing e deposicionamento que associa uma empresa ou marcaa uma questão ou causa social relevante, embenefício mútuo.

Assim, o marketing social pode serentendido como uma estratégia de mudançascomportamentais e atitudinais, que pode serutilizada em qualquer tipo de organização(pública, privada, lucrativa ou sem fins lucrativos),desde que esta tenha uma meta final deprodução e de transformação de impactos sociais(ARAÚJO, 2001).

Esta subdivisão do marketing vem tomandoproporções cada vez maiores nos últimos anos etrazendo benefícios para as empresas que apraticam, para as entidades e para a sociedade.A empresa se beneficia, pois a imagem vinculadaa uma causa social traz visibilidade perante seupúblico e mercado.

(...) o verdadeiro marketing social atuafundamentalmente na comunicação com osfuncionários e seus familiares, com ações que visamaumentar comprovadamente o seu bem-estar social eo da comunidade. Essas ações de médio e longo prazosgarantem sustentabilidade, cidadania, solidariedade ecoesão social (...) a empresa ganha produtividade,credibilidade, respeito, visibilidade e, sobretudo, vendasmaiores (MELO NETO e FROES, 2001, p. 74).

Segundo Melo Neto e Froes (2001),existem várias formas de se utilizar marketingsocial, a saber:

a) marketing de filantropia: fundamenta-se na doação feita pela empresa a umaentidade que será beneficiada;

b) marketing de campanhas sociais:significa veicular mensagens de interessepúblico através de embalagens deprodutos, organizar uma força de vendaspara determinado percentual ou dia devendas ser destinado a entidades, ouveicular em mídia televisiva como emnovelas;

c) marketing de patrocínio dos projetossociais: o patrocínio pode ser a terceiros,com as empresas atuando em parceriacom os governos no financiamento desuas ações sociais, como o ProgramaComunidade Solidária, e também opatrocínio próprio, em que as empresas,através de seus institutos e fundações,criam seus projetos e implementam-noscom recursos próprios;

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d) marketing de relacionamento com baseem ações sociais: utiliza o pessoal devendas da empresa para orientar osclientes como usuários de serviços sociais;

e) marketing de promoção social doproduto e da marca: a empresa utilizao nome de uma entidade ou logotipo deuma campanha, agregando valor ao seunegócio e gerando aumento de vendas;

O marketing social pode ser aplicadosomente pela empresa ou mediante parceriacom uma entidade do terceiro setor que necessitede seu apoio para que ambas possam emconjunto melhor oferecer uma campanha emvirtude de uma causa que afeta a sociedade ouparte dela.

Um programa de marketing para causas sociais podeser desenvolvido por meio de uma aliança estratégicaentre uma empresa e uma organização voluntária oubeneficente comprometida com a área de interesse socialdefinida ou diretamente em benefício da causa em si(THOMPSON e PRINGLE, 2000, p. 03).

Assim, as empresas do segundo setor podemaliar-se a uma entidade para apoiá-la no propósitode realizar, por exemplo, campanhas de ajuda acrianças portadoras de deficiência, de combateao fumo, etc.

Muitos consumidores apóiam essas idéias eas vêem como algo bom e que trará benefícios àsociedade, dispondo-se até mesmo a pagar maispor determinado produto por saber que esteadicional no preço destina-se a uma entidadeque defende uma causa social.

Contudo, o segundo setor deve analisarcriteriosamente qual será a causa de interesse socialmais relevante para seu público, pois caso contrárioo consumidor não se identificará com a campanhae poderá haver uma recusa do produto.

Para uma campanha a empresa deve focar-se nos valoresda marca e os valores que são importantes para oconsumidor da marca e em seguida distinguir as causasque melhor representarão os valores entre cliente e

empresa. Portanto, a empresa que utiliza a prática domarketing social deve analisar bem suas ações, pois se amesma utilizar desta ferramenta indiscriminadamentepoderá sofrer acusações de postura antiética vindo a sofrerprejuízos em termos de imagem (SIMANTOB, 2002).

Portanto, deve ser avaliada cuidadosamentequal campanha a empresa irá apoiar, pois estadeve ir ao encontro dos princípios dosconsumidores. Recomenda-se realizar umasegmentação de mercado para analisar qualpúblico deverá ser atingido, quais são suascaracterísticas, suas opiniões e seu modo de vida,fazendo previamente uma pesquisa de mercado.Após estas etapas devem ser formuladas asestratégias e os objetivos da campanha,observando o volume financeiro que a empresatem disponível para a campanha.

Finalmente, deve-se levar em conta ocomposto de marketing: produto, preço, praçae comunicação; o que será oferecido para opúblico, qual seu custo financeiro, onde seráoferecido e como esta campanha será divulgada,como o produto social será promovido.

4 A interface entre marketing sociale responsabilidade social

Com base nas informações coletadas paraeste artigo, pôde-se perceber que as pessoasapóiam as atitudes das empresas envolvidas comuma causa social, uma instituição ou algumprojeto que a empresa tenha interesse emdevolver. Muitas pessoas estão inclusive dispostasa pagar um preço mais elevado por umdeterminado produto vinculado a uma razãosocial, sendo estes produtos mais convincentesdentre os concorrentes que não apóiam umacausa social.

Os autores Thompson e Pringle (2000, p.114)citam uma pesquisa realizada em 1997, pela

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Research International, na Inglaterra, que apontaque “64% dos consumidores estão dispostos apagar um pouco mais por um produto associadoa uma causa social; 20% da população se dispõea pagar 10% a mais pela causa certa; 61% dosconsumidores mudariam de loja se a outra fosseassociada a uma boa causa”.

Esse tipo de pesquisa motiva muitas empresasa adotarem a prática da Responsabilidade Social,pois elas podem também organizar um plano demarketing com base em uma causa social quejulguem importante, seja por sua filosofia, missãoou objetivos internos. Ashley et. al (2002)divulgam em sua obra alguns dados quedemonstram essa preocupação e citam umapesquisa realizada pelo Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (IPEA), segundo a qual 90%das empresas pesquisadas afirmam quecomeçaram a investir em ações sociais poracreditarem estar melhorando a sua imageminstitucional. A ampliação das relações daempresa com a comunidade foi apontada por74% das empresas como um motivo relevantepara ações de Responsabilidade Social e 19%acreditam que ser socialmente responsávelincrementa a lucratividade.

Portanto, do ponto de vista organizacional,pode-se inferir que o marketing social é umaconseqüência da Responsabilidade Social. Aempresa deve se utilizar das estratégias demarketing social, observando o modo de comofazer, por que fazer e quando fazer. Muitasempresas utilizam o marketing para divulgar suasações relacionadas ao social, principalmente seela é responsável socialmente.

Assim, pode-se dizer que a Responsa-bilidade Social e o marketing social dependemintrinsecamente um do outro. O marketing socialinicia-se como uma verdadeira forma de exercício

de Responsabilidade Social, podendo chegar aconstruir, a longo prazo, um valor diferencial paraa marca, agregação de valor ao produto, aquisiçãode clientes, e possibilitando uma vantagemcompetitiva para as empresas.

Conclusão

A partir deste estudo, pode-se afirmar que aResponsabilidade Social está predominantementedirecionada a uma atitude e a um comportamentoempresarial ético e responsável. Nesta abordagemprevalece o que denominamos de “responsabi-lidade ética”. É o dever e compromisso da empresaem assumir uma atitude transparente, responsávele ética em suas relações com os seus diversospúblicos-alvo (governo, clientes, fornecedores,comunidade, etc.).

As organizações buscam na Responsabi-lidade Social benefícios como o reforço de suaimagem e, dependendo dos resultados dosprojetos sociais por ela financiados, a empresapode torna-se mais conhecida e vender mais. Amarca, os seus produtos e serviços podem ganharmaior visibilidade. Os clientes podem orgulhar-se de comprar produtos ou contratar serviços deuma empresa com elevada ResponsabilidadeSocial. Os seus funcionários orgulham-se esentem-se motivados em trabalhar nessa empresa.

O marketing social vem sendoutilizado como uma estratégia

empresarial e um meio que estabeleceformas de comunicação que divulgam

as ações sociais das empresas

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Com relação aos fornecedores, podemsentir-se motivados a trabalhar como parceiros deuma empresa dessa natureza. Os concorrentespodem reconhecer o ganho de valor dessaempresa. É o uso da cidadania empresarial comovantagem competitiva. O governo e a sociedadecivil podem tornar-se parceiros desta empresa emseus empreendimentos sociais. E, como resultadofinal, a longo prazo pode-se obter um sensívelaumento nas vendas, a empresa pode fortalecera sua imagem, ganhar respeito e confiabilidade eassegurar a sua autopreservação.

Conclui-se que o marketing social está sendoutilizado como uma estratégia empresarial etambém como um meio que estabelece formasde divulgação das ações sociais empresariais,comunicando-as a toda a rede de interessadosna empresa direta ou indiretamente. Dessamaneira, as organizações praticantes daResponsabilidade Social através do marketingsocial podem conseguir sustentabilidade parasobrevivência, permanência e destaque nomercado onde atuam.

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