A Pedagogia Das Competncias Nos Cursos Tc.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO LINHA DE PESQUISA POLTICAS PBLICAS E PRTICAS EDUCATIVAS

ANA LCIA FERREIRA DE QUEIROGA

A PEDAGOGIA DAS COMPETNCIAS NOS CURSOS TCNICOS DO CEFETPB: limites e contradies

JOO PESSOA 2006

ANA LCIA FERREIRA DE QUEIROGA

A PEDAGOGIA DAS COMPETNCIAS NOS CURSOS TCNICOS DO CEFETPB: limites e contradies

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao do Centro de Educao da Universidade Federal da Paraba, como requisito obteno do ttulo de Mestre em Educao.

Orientadora: Prof Dr Emlia Maria da Trindade Prestes

Joo Pessoa 2006

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) Biblioteca Nilo Peanha CEFET-PB

37.013 Q3p Queiroga, Ana Lcia Ferreira de. A pedagogia das competncias nos cursos tcnicos do CEFETPB: limites e contradies. / Ana Lcia Ferreira de Queiroga. Joo Pessoa: UFPB, 2006. 119 p. Dissertao (Mestrado em Educao) UFPB/CE Orientao: Prof Dr Emlia Maria da Trindade Prestes. 1. Educao. 2. Prtica pedaggica. 3. Modelo pedaggico das competncias. 4. Educao profissional. 5. Polticas pblicas. I. Ttulo.

ANA LCIA FERREIRA DE QUEIROGA

A PEDAGOGIA DAS COMPETNCIAS NOS CURSOS TCNICOS DO CEFETPB: limites e contradies

Dissertao defendida e aprovada com distino em 25 de julho de 2006, para obteno do ttulo de Mestre em Educao, no programa de PsGraduao em Educao linha de pesquisa Polticas Pblicas e Prticas Educativas da Universidade Federal da Paraba.

BANCA EXAMINADORA:

____________________________________ Prof Dr. Emlia Maria da Trindade Prestes Orientadora

____________________________________ Prof Dr. Adelaide Alves Dias

____________________________________ Prof. Dr. Joabson Nogueira de Carvalho

Joo Pessoa Julho/2006

No posso reconhecer os limites da prtica polticoeducativa em que me envolvo se no sei, se no estou claro em face de a favor de quem o pratico. O a favor de quem pratico me situa num certo ngulo, que de classe, em que diviso o contra quem pratico e, necessariamente, o por que pratico, isto , o prprio sonho, o tipo de sociedade de cuja inveno gostaria de participar. Paulo Freire

Dedico ao meu filho Lucas, razo maior da minha vida, e protagonista de um longo caminho na busca do conhecimento e de suas realizaes.

AGRADECIMENTOS

A uma fora superior, para enfrentar os desafios que a vida nos impe.

Aos meus pais, pelo exemplo de vida. Aos meus irmos, em especial as minhas irms Tnia e Socorro, pelo incentivo constante.

A minha orientadora Emlia, pela competncia com a qual soube levar esse trabalho, compartilhando os momentos de angstias, incertezas e conquistas durante todo o processo de construo.

professora Dr Marise Ramos, pelo olhar e contribuies valiosas.

Em especial, equipe pedaggica do CEFETPB que, diante da noliberao pela instituio, soube apoiar e compreender, flexibilizando o meu horrio de trabalho, para que eu pudesse desenvolver este trabalho.

Aos professores Luiz de Souza Jnior e Jimmy Lllis, pelas observaes e sugestes apresentadas no momento da minha qualificao.

Aos amigos Thadeu, Dantas e Aires, pelas observaes e pelo incentivo.

Aos colegas do Mestrado, que demonstraram muita determinao diante dos obstculos e com os quais tive oportunidade de construir novas amizades e reafirmar outras.

LISTA DE ABREVIATURAS

BID- Banco Interamericano de Desenvolvimento CEB- Cmara da Educao Bsica CEFET-PB-Centro Federal de Educao Tecnolgica da Paraba CEFETAL- Centro Federal de Educao Tecnolgica de Alagoas CIEE- Coordenao de Integrao Escola Empresa CNE- Conselho Nacional de Educao CNI- Confederao Nacional da Indstria DCNETs- Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Profissional de Nvel Tcnico EJA- Educao de Jovens e Adultos ETFs- Escolas Tcnicas Federais FAT- Fundo de Amparo ao Trabalhador FUNETEC- Fundao de Educao Tecnolgica IFETs- Instituies Federais de Educao Tecnolgica LDB- Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional MEC- Ministrio da Educao e Cultura OIT- Organizao Internacional do Trabalho PDI- Plano de Desenvolvimento Institucional PL 1.603/96- Projeto de Lei PPP- Projeto Poltico-Pedaggico PROEP- Programa de Expanso da Educao Profissional PROEJA- Programa de Educao de Jovens e Adultos RCNETs- Referenciais Curriculares Nacionais da Educao Profissional de Nvel Tcnico SEBRAE- Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas SEMTEC- Secretaria de Educao Mdia e Tecnolgica SETEC- Secretaria de Educao Tecnolgica SENAC- Servio Nacional de Aprendizagem Comercial SENAI- Servio Nacional de Aprendizagem Industrial SENAR- Servio Nacional de Aprendizagem Rural SENAT- Servio Nacional de Aprendizagem em Transportes SESC- Servio Social do Comrcio

SESI- Servio Social da Indstria SINASEFE- Sindicado Nacional dos Servidores Federais de Educao Bsica e Profissional SINTEF- Sindicado dos Trabalhadores Federais de Educao Bsica e Profissional UNED- Unidade de Ensino Descentralizada UNESCO-Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura

RESUMO

Esta dissertao baseou-se na avaliao das prticas pedaggicas, a partir do modelo pedaggico das competncias, implementado nos cursos tcnicos do CEFETPB em 2001, tendo como espao emprico os cursos de Instalao e Manuteno de Sistemas Eletrnicos, Instalao e Manuteno de Equipamentos de Informtica e Redes e Instalao e Manuteno de Equipamentos Mdico-Hospitalares da rea de Eletrnica. Tomamos as representaes de professores, alunos e pedagogia relativamente concepo de competncias por eles apropriadas e subjacentes s prticas vivenciadas na sala de aula. Buscamos nessas conceituaes identificar as contradies e formas de interpretao e ressignificao das competncias, pedagogia norteadora dos documentos curriculares oficiais. A reviso de literatura, atravs de diferentes vises das competncias, fortaleceu nosso conhecimento, possibilitando-nos estabelecer um olhar crtico sobre a pedagogia em questo; alm de respaldar a opo por uma abordagem metodolgica de dimenso qualitativa. Nesse sentido, a pesquisa foi realizada em torno da seguinte sistemtica: inicialmente foram aplicados questionrios, em seguida, entrevistas para aprofundamento de algumas questes, como tambm dilogos com os agentes do processo educativo e anlise de planos de cursos da instituio. As evidncias empricas mostraram a pouca explicitao da noo de competncia como referencial para orientar a prtica educativa, bem como o descompasso existente entre o currculo oficial, consubstanciado nos dispositivos legais e nos projetos dos cursos tcnicos de eletrnica, e as condies concretas nas quais a prtica pedaggica est sendo construda, marcada pelas contradies adeso/resistncia/reproduo da reforma da educao profissional de nvel tcnico estabelecida via decreto.

Palavras-chave: Competncias. Prticas pedaggicas. Mudanas.

ABSTRACT

This work was based on the evaluation of the pedagogical practices, through the pedagogical model of the competence implemented in the technical courses at CEFET-PB in 2001, having as empirical environment the courses Installation and Maintenance of Electronic Systems, Installation and Maintenance of Computing and Net Equipments and Installation and Maintenance of Medical-Hospitalar Equipments in the area of Electronics. The teachers, the students and the pedagogy representations related to the competence conception which was incorporated by them and underlying the classroom pratices were taken into consideration. By means of these concepts, we tried to identify the contradictions and ways of interpreting and establishing the competence meaning, pedagogy which guides the oficial curriculum documents. The literature review, through different views of the competence, reassured our knowledge, enabling us to have a critical look about the pedagogy in question, as well as supporting the option for a methodological approach of qualitative dimension. In this aspect, the research was accomplished regarding the following systematics: first of all, questionnaires were applied, then, interviews for deeper knowledge of some questions, in addition to dialogues with the agents of the educational process and course design analysis of the institution. The empirical evidence showed how little the competence notion was as a reference to guide the educational pratice as well as the existing gap between the oficial curriculum, based on the legal devices and on the technical courses projects in Electronics, and the real conditions in which the pedagogical pratice is being designed, set up by the contradictions/ junction/ resistance/reproduction of the professional education reform of technical level.

Key-words: Competence. Pedagogical Pratices. Changes.

SUMRIO

LISTA DE ABREVIATURAS RESUMO ABSTRACT APRESENTAO 1 INTRODUO .......................................................................................................... 13 1.1 O OBJETO DE ESTUDO, A PROBLEMTICA INVESTIGADA, AS QUESTES DE PESQUISA, A HIPTESE E OS OBJETIVOS ........................... 22 1.2 A SISTEMTICA DE TRABALHO...................................................................... 29 1.2.1 O objeto emprico de estudo: O CEFETPB....................................................... 29 2 2.1 A NOO DE COMPETNCIAS: DIFERENTES VISES ........................... 32 A PEDAGOGIA DAS COMPETNCIAS ............................................................. 40

3 A REFORMA DA EDUCAO PROFISSIONAL DE NVEL TCNICO NO BRASIL......................................................................................................... 3.1 Da Escola de Aprendizes Artfices ao CEFET-PB ............................................. 3.2 As mudanas no CEFETPB .............................................................................. 3.3 O ensino no CEFETPB: tendncias atuais .......................................................

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4 O MODELO DAS COMPETNCIAS NA PERSPECTIVA DO MEC ................ 64 5 AS COMPETNCIAS NA VOZ DE SEUS ATORES ............................................ 78 5.1 REPRESENTAO DOS PROFESSORES DOS CURSOS TCNICOS DE ELETRNICA DO CEFET-PB............................................................................. 78 5.1.1 O conceito de competncias dos professores........................................................ 80 5.1.2 Os procedimentos metodolgicos utilizados pelos professores .......................... 85 5.1.3 Os procedimentos avaliativos utilizados pelos professores ................................. 89 5.2 REPRESENTAO DOS ALUNOS DOS CURSOS TCNICOS DE ELETRNICA DO CEFET-PB.............................................................................. 96 5.2.1 O conceito de competncias dos alunos................................................................ 98 5.2.2 Os procedimentos metodolgicos na viso dos alunos........................................100 5.2.3 Os procedimentos avaliativos na viso dos alunos .............................................101 5.3 REPRESENTAO DA EQUIPE PEDAGGICA DO CEFET-PB .....................104 5.3.1 O conceito de competncias da equipe pedaggica.............................................105 5.3.2 Os procedimentos metodolgicos na viso da equipe pedaggica......................106 5.3.3 Os procedimentos avaliativos na viso da equipe pedaggica ...........................107 6 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................. 110 REFERNCIAS ...........................................................................................................115 ANEXOS

APRESENTAO

O foco desta pesquisa o modelo pedaggico das competncias, concepo orientadora dos currculos da educao profissional de nvel tcnico, sob a gide da Lei de Diretrizes e Bases da Educao NacionalLDB n 9394/96, que instituiu a reforma da educao profissional brasileira. Pela necessidade de delimitao da pesquisa, da vivncia e do conhecimento da realidade da educao profissional, decidimos pela investigao nos cursos tcnicos da rea de Eletrnica do CEFETPB, nos quais a pedagogia das competncias foi implementada a partir de 2001. Nesse sentido, o presente estudo tem como objetivo principal avaliar como as prticas pedaggicas1 em referncia vm sendo efetivadas. Para tanto, partimos da viso de docentes e discentes dos cursos tcnicos de Eletrnica e da pedagogia, buscando apreender as concepes de competncias por eles apropriadas e as mudanas realizadas no processo educativo. Esse procedimento adotado considerou no haver at ento informaes se o currculo implementado na sala de aula corresponde ao currculo institucionalmente prescrito, ou mesmo se h uma aproximao entre o discurso dos professores e os processos pedaggicos. O estudo considerou, ainda, a necessidade de verificar as maiores dificuldades vivenciadas pelos agentes do processo educativo, uma vez que esse modelo que est sendo implementado precisa ser avaliado. Convm destacar que esta pesquisa est inserida no contexto das polticas pblicas definidas para a Educao Profissional no Brasil, tendo por base as transformaes estabelecidas pelo Ministrio da Educao, atravs das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Profissional de Nvel Tcnico-DCNET contidas no Parecer CEB/CNE n 16/99, e adotadas pelo Centro Federal de Educao Tecnolgica da Paraba (CEFETPB).

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Prtica pedaggica prtica social especfica, de carter histrico e cultural. Ela vai alm da prtica docente, das atividades didticas em sala de aula, abrangendo os diferentes aspectos do projeto pedaggico da escola e as relaes desta com a comunidade e a sociedade (SALGADO, 2000, p.13).

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1 INTRODUO

A idia em torno da investigao do tema proposto surgiu em funo das mudanas ocorridas no cenrio educacional brasileiro, institudas a partir da aprovao da Lei n 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional e do Decreto n 2.208/97, instituindo um elenco de reformas na educao profissional, particularmente nos cursos tcnicos profissionalizantes. Essas mudanas trazem consigo a necessidade de modificaes na ao educativa do ensino tcnico, pois o desenvolvimento de competncias passa a ser a base da mudana de paradigmas desta reforma que fundamental para esta pesquisa. Soma-se a isso o fato de ter vivenciado, enquanto pedagoga, as inquietaes do corpo docente diante de uma prtica pedaggica baseada nas competncias, considerando que todo processo de mudanas implica a ruptura com valores e comportamentos. Segundo Constantino (2005, p.1), a mudana, como fenmeno,

algo que surge no decurso de um conjunto de alteraes, provocadas pela ruptura com valores ou pressupostos que se passam a considerar insuficientes ou inadequados, para fazer face aos novos desafios no sentido da concretizao de metas comuns a um grupo de pessoas ou apenas idealizadas por um sujeito.

Assim concebida, certo que a escola no pode estar margem desse processo de evoluo nas diferentes esferas da sociedade, o que pressupe uma constante reflexo e a atualizao das prticas pedaggicas. Todavia, entendemos que a mudana no acontece por fora de um decreto. Ultimamente as polticas tm sido implementadas de forma impositiva, subestimando a capacidade dos profissionais e desconsiderando a sua larga experincia e a possibilidade de construrem os seus caminhos a partir dessa prtica refletida. No seu Art. 39, a LDB n 9.394/96, caracteriza a educao profissional como uma modalidade, como um subsistema, diferentemente da legislao anterior, que preconizava o ensino profissionalizante integrado ao ensino mdio. Nesse sentido, determina que

14 a educao profissional seja desenvolvida em articulao com o ensino regular ou por outras estratgias de educao continuada, em instituies especializadas ou no ambiente de trabalho. A educao profissional integrada s diferentes formas de educao, ao trabalho, cincia e tecnologia, conduz ao pleno desenvolvimento de aptides para a vida produtiva.

Para Moreyra (2002, p.89), a expresso vida produtiva traz consigo o entendimento da produo de mercadoria, fincada na concepo capitalista de gerao de riqueza, de capital como propriedade de poucos. A autora denuncia essa viso2. Nessa perspectiva, a educao concebida, atravs de sua vertente instrumentalizadora, como se ela existisse apenas para adequar os alunos ao fazer socialmente proposto pelo sistema capitalista3. De acordo com a LDB, nos seus Arts. 40 e 41, o conhecimento adquirido na educao profissional, inclusive no trabalho, poder ser objeto de avaliao, reconhecimento e certificao para prosseguimento ou concluso de estudos. Ainda de acordo com o texto da LDB, Art. 42, as escolas tcnicas e profissionais, alm de seus cursos regulares, oferecero cursos especiais, abertos comunidade, condicionada a matrcula capacidade de aproveitamento do aluno e no necessariamente ao nvel de escolaridade. A partir desses dispositivos gerais, o Decreto n 2.208/97, de 17 de abril de 1997, regulamenta o pargrafo 2 do Art. 36 e os Arts. 39 a 42 da Lei Federal n 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educao Nacional. Conforme o Decreto, no seu Art. 2, a educao profissional compreende os seguintes nveis:

bsico, destinado qualificao e reprofissionalizao de trabalhadores, independente de escolaridade prvia; tcnico, destinado a proporcionar habilitao profissional a alunos matriculados ou egressos do ensino mdio e tecnolgico, correspondente a cursos de nvel superior na rea tecnolgica, destinado a egressos do ensino mdio e tcnico.

No que concerne ao ensino tcnico, afirma o Art. 5 do referido Decreto, a educao profissional de nvel tcnico ter organizao curricular prpria e independente do ensino mdio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou seqencial a este. Portanto, o Decreto n 2.208/97 determina os nveis bsico, tcnico e tecnolgico e modalidades da2

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A autora classifica essa viso como estreita, limitada, no contemplando nem criando possibilidades para a criatividade fluir, para o pensamento autnomo se manifestar, para a beleza de outras atividades (tambm produtivas, mas no necessariamente mercadolgicas) se revelar. Sobre isso ver artigo: Princpios Filosficos dos Parmetros Curriculares Nacionais para o Novo Ensino Mdio (Revista Principia, Joo Pessoa, n.12, Abr. 2005).

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educao profissional brasileira, alm de definir as formas de articulao da educao profissional com o ensino regular e detalhar a nova organizao a ser implantada nos CEFETs e nas ETFs. Por conseguinte, como eixos da reforma da educao profissional de nvel tcnico, enfatizadas no Decreto n 2.208/97, encontram-se: a desvinculao do ensino tcnico do ensino mdio; a organizao do ensino em mdulos; a flexibilidade, permitindo ao indivduo cursar mdulos em diferentes instituies de ensino e receber o certificado da instituio onde cursar o ltimo mdulo, obedecendo ao prazo de cinco anos e o atendimento s exigncias do mercado de trabalho. O problema que essa flexibilidade representa um risco para a instituio que vai conceder o diploma de Tcnico, uma vez que esta no teve nenhuma inferncia no itinerrio de formao anterior desse profissional. No caso brasileiro, as mudanas processadas no sistema educacional foram influenciadas pelo encontro de Jomtien, realizado na Tailndia em 1990, onde foi elaborada a Declarao Mundial sobre Educao para Todos. Nessa direo, Vasco Pedro Moretto, citado por Gentile e Bencini (2000, p.01), afirma que ficou claro que reformar a educao era uma prioridade mundial e as competncias seriam o nico caminho para oferecer de fato, uma educao para todos. Para o autor, tudo havia mudado: a sociedade, o mercado de trabalho, as relaes humanas; somente a educao continuava a mesma. Com isso, na dcada de 1990, as competncias so adotadas como conceito central da prtica educativa da educao profissional de nvel tcnico, no Brasil, cujo foco no mais a transmisso de conhecimentos, mas o desenvolvimento de competncias. O conceito de competncias ressurge, assim, e a sua relevncia no contexto da formao escolar resultante do trabalho de autores como o socilogo suo Philippe Perrenoud, a mais conhecida referncia conceitual no que concerne competncia. Para esse autor, outro pressuposto fundamental desse modelo das competncias no apenas a exigncia da adoo de nova organizao curricular, mas, sobretudo, de procedimentos metodolgicos nos quais o aluno seja colocado como sujeito do processo de aprendizagem; as prticas pedaggicas dos cursos tcnicos tm cada vez mais a atribuio de construir competncias voltadas para pedagogias que focalizem metodologias dinmicas e direcionadas valorizao das experincias pessoais dos alunos, possibilitando ao docente a utilizao de diferentes estratgias pedaggicas apropriadas s situaes e estilos diversos de aprendizagem. Apesar de os problemas detectados no serem apenas de carter metodolgico, as reformas deram nfase a esse aspecto.

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Entretanto, sabe-se que na prtica as aes pedaggicas no so unificadas, ou seja, os processos que se do na sala de aula resultam da combinao de vrias metodologias, podendo coexistir, numa mesma instituio ou na mesma disciplina, prticas diversificadas e voltadas para um mesmo objetivo. Por outro lado, quando se discute a implementao de inovaes educativas, no se pode perder de vista a importncia do professor dentro desse processo, por dar direo prtica pedaggica e concretizar os projetos e currculos. O professor se reveste dessa importncia em funo do seu papel de protagonista das mudanas efetivadas no espao contraditrio da sala de aula, visto ento como produtor e reprodutor do saber. Na verdade, ele que, no espao da escola, transforma em realidade os dispositivos legais e o iderio presente nos projetos curriculares. Para Domingues, (2000), geralmente as reformas curriculares no decorrem de necessidades nacionais coletivas, porm a transposio curricular estrangeira tem sido uma constante nessa rea. Os professores, por sua vez, quando supostamente ouvidos no processo de elaborao, so tomados como recursos, e no como sujeitos nessas propostas. Ante esse quadro, preciso ter clareza de que os docentes, apesar de serem responsveis pelas decises didtico-pedaggicas processadas na sala de aula, eles no so os nicos responsveis pelo xito ou insucesso das orientaes inovadoras, uma vez que existem inmeras outras variveis que dificultam a ruptura de um paradigma4 e a implementao de um novo modelo. Para Toralles Pereira (1997), a mudana de paradigma, analisada primeiramente por Kuhn (1970), resulta da acumulao de crises no interior de um paradigma, toda vez que este no consegue resolver ou responder aos problemas que se colocam. Para a autora, a cada momento histrico e em cada sociedade, predomina um determinado quadro epistmico, produto de paradigmas sociais dando origem a um novo quadro. Somando-se a isso, a questo que, sempre que existe uma possibilidade de mudana, desenvolve-se uma idia geral de que finalmente encontrou-se a soluo correta. Nesse sentido, parte-se do pressuposto de que o que se vinha fazendo estava errado; portanto, ruim, arcaico e ultrapassado. O novo, por sua vez, bom, moderno e eficiente. De acordo com Touraine (1999, p.25),

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Paradigma uma limitao rgida em torno de crenas e idias especficas, em que a mudana deve ser encarada como o processo doloroso e prolongado de reinveno, reordenamento e redefinio. (CONSTANTINO, 2005, p.1).

17 certo que no devemos nos adaptar passivamente a uma sociedade e a uma cultura de massa, atravs das quais se escondem foras muito reais de dominao que devem ser balizadas e combatidas; mas a escolha que fizemos no entre a defesa da ordem passada e a aceitao da desordem presente; devemos conceber a construir novas formas de vida coletiva e pessoal.

Na verdade, est surgindo um novo paradigma, denominado por Santos (1996) de paradigma emergente5. Na sua obra, Um discurso sobre as cincias, ele afirma que os sinais conhecidos nos permitem to-somente especular sobre esse paradigma que emergir deste perodo revolucionrio, entretanto, desde j, se pode afirmar com segurana que colapsaro as distines bsicas em que assenta o paradigma dominante. Para isso fundamenta-se nas teorias da relatividade e da fsica quntica, que buscam uma nova leitura do mundo e uma maneira diferente de o homem se posicionar, como tambm no pensamento que trata as coisas em sua totalidade. Nele esto presentes todas as contradies que o paradigma tradicional nega, admitindo a no-neutralidade do conhecimento, reconhecendo a intencionalidade e concebendo a cincia como um ato humano, historicamente situado. Convm destacar o contexto da dcada de 1990, quando os gestores e profissionais de educao dos CEFETs, das ETFs, e das Escolas Agrotcnicas tinham iniciado um processo nacional de discusso sobre a funo social do ensino tcnico, visando, atravs de avaliaes conjuntas pela instituio e a comunidade efetivar a reviso de seus currculos e a construo do seu Projeto PolticoPedaggico (PPP), sob a coordenao do Ministrio da Educao e Cultura - MEC, por intermdio da ento Secretaria de Educao Mdia e Tecnolgica SEMTEC, hoje denominada Secretaria de Educao Tecnolgica SETEC. Considerando que toda ao pedaggica um ato poltico que traduz uma concepo de mundo, de educao, do cidado que se pretende formar, o PPP deve ser elaborado com a participao de todos os sujeitos professores, alunos, pedagogos, comunidade e expressar as diretrizes do processo educativo, partindo da realidade da instituio e definindo o caminho a ser seguido por esta. Apesar do esforo para uma discusso coletiva sobre a reviso dos projetos curriculares e a realizao de mudanas necessrias educao profissional de nvel tcnico, essas propostas foram engavetadas. E, no ano de 1995, durante encontro de Escolas Tcnicas e CEFETs, realizado numa Unidade Descentralizada do Centro Federal de Educao Tecnolgica de Alagoas CEFETAL, o ento secretrio da SEMTEC, Ruy Berger,5

Sobre isso, ver Boaventura Santos, Um discurso sobre as cincias (1996).

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apresentou o Projeto de Lei PL n 1.603/96, regulamentando uma nova proposta de educao profissional, cujo eixo central foi a separao da educao profissional da educao regular, esvaziando, assim, a funo do ensino tcnico. Alm desse, constavam ainda no PL n 1.603/96, os seguintes princpios: qualificar os alunos, atravs da ampliao das oportunidades e incremento no nmero de vagas no ensino tcnico; estruturar o ensino em mdulos e atender demanda do mercado de trabalho. Tal proposta foi totalmente de encontro aos anseios e posies evidenciadas pelas IFETs, desde 1995, nos encontros regionais, tendo por base o pensamento coletivo da comunidade que delineava novos rumos para o ensino tcnico. Essa atitude, por parte do MEC, acabou gerando uma crise institucional sem precedentes na rede federal de ensino. Apesar do posicionamento contrrio e de mobilizaes das Instituies Federais de Educao Tecnolgica IFETs e das resistncias internas de docentes, discentes e tcnicos educacionais, principalmente com relao s novas concepes de educao profissional, em 1997 o projeto se concretizou com a edio do Decreto Lei n 2.208/97, principal instrumento jurdico normativo da reforma, reestabelecendo quase integralmente os termos do PL n 1.603/96 e empreendendo, assim, profundas modificaes no contexto da educao profissional, principalmente no ensino tcnico. preciso considerar que os CEFETs e as ETFs, at a promulgao da LDB n 9.394/96, formavam um subsistema de ensino tcnico de 2 grau. A partir da LDB e com a promulgao do Decreto n 2.208/97, o ensino tcnico passa a ser uma modalidade de ensino com o objetivo de promover a transio entre a escola e o mundo do trabalho, capacitando jovens e adultos com conhecimentos e habilidades gerais e especficas para o exerccio de atividades produtivas, alm de especializar, aperfeioar e atualizar jovens e adultos trabalhadores com qualquer nvel de escolaridade. Um outro aspecto a ser considerado, ainda, no modelo das competncias situa-se no carter de complementaridade da educao profissional de nvel tcnico, pressupondo uma slida formao geral que muitos alunos no possuem. Ser que no se corre o risco de, em funo do aligeiramento dos cursos cuja durao de quatro anos foi reduzida para um ano e meio, apressar e precarizar ainda mais o processo formativo, provocando a sada de profissionais para o mundo do trabalho sem os requisitos necessrios ao desempenho de

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competncias previstas no perfil profissional6 dos cursos? Ou ainda, o que mais preocupante, a transmisso de conhecimentos ou informaes que lhes confiram uma suposta empregabilidade, sem, contudo, permitir ao educando compreender os processos e estruturas complexas com os quais trabalha? Alm da possibilidade de as instituies empregadoras e a sociedade em geral no reconhecerem a qualificao dos profissionais formados nestes cursos? Esses so alguns dilemas estabelecidos com a adoo do modelo pedaggico das competncias. Por outro lado, se as instituies no implementarem aes condizentes com os princpios e diretrizes da reforma da educao profissional de nvel tcnico, estas correm o risco de ficar apenas no discurso ou formuladas num documento formal. Sabe-se que h uma diferena entre pretender e lidar realmente com essas mudanas. No se podem desconsiderar as dificuldades dos professores em reformularem suas prticas pedaggicas, pois estas no so procedidas apenas por fora de decreto, pois implicam rupturas na cultura organizacional, na dinmica interna dos espaos escolares. Outra dificuldade em fazer essa ruptura com a prtica centrada exclusivamente no ensino tem a ver com a historiografia do ensino superior, responsvel pela formao de professores, o que tem revelado uma formao fragmentada, rigorosamente disciplinar, fundamentada na dicotomia teoria/prtica, no favorecendo uma prtica pedaggica centrada na aprendizagem. Na verdade, a escola tem sido utilizada pelo sistema para reproduo e manuteno da sociedade na qual est inserida. Para Gauthier (1998), durante muito tempo se pensou, e muitos ainda continuam pensando, que ensinar consiste apenas em transmitir um contedo a um grupo de alunos, reduzindo o saber necessrio para ensinar unicamente o contedo da disciplina. Contudo, quem ensina sabe muito bem que, para ensinar, preciso muito mais do que simplesmente conhecer a matria, mesmo que esse conhecimento seja fundamental. Pensar sob essa tica, reduzir uma atividade to complexa quanto o ensino a uma nica dimenso, aquela que mais evidente, e, sobretudo, negar-se a refletir, de forma mais profunda sobre a natureza desse ofcio e dos outros saberes que lhe so necessrios. Para o autor (op. cit.,), de acordo com a vasta literatura sobre o saber profissional dos professores, alguns estudiosos, apoiados em inmeras pesquisas, afirmam que existe, hoje, um

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Perfil profissional a descrio do que idealmente necessrio saber realizar no campo profissional correspondente a determinada qualificao. o marco de referncia, o ideal para o desenvolvimento profissional, que pode ser confrontado com o desempenho real das pessoas, indicando se eles so ou no competentes para atuar em seu mbito de trabalho. constitudo pelas competncias profissionais e pelo contexto de trabalho da qualificao (Glossrio CNISENAI, 2002, p.48).

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repertrio de conhecimentos pedaggicos que possibilita ao professor ensinar melhor. Segundo ele, quem ensina sabe que tem que planejar, organizar, avaliar, e que tambm no pode esquecer os problemas de disciplina, devendo estar atento aos alunos mais agitados, mais tranqilos, mais avanados, muito lento etc. Todos que integramos o CEFETPB sabemos que o corpo docente no teve essa preparao para implementar a pedagogia das competncias, uma vez que no participou do processo de formulao da reforma, atuando apenas como meros executores dessa poltica de governo. Apesar do esforo dos dirigentes em trazer consultores do MEC, estes enfatizavam o discurso oficial. Na indefinio em torno de concepes e de operacionalizao, impunham mais dvidas do que certezas. Contudo, mesmo com todas essas dificuldades; foram constitudas comisses que elaboraram os projetos dos cursos tcnicos. Fazendo parte da equipe tcnico-pedaggica, participamos de forma efetiva no acompanhamento pedaggico aos cursos e reas e tomando parte na elaborao e na implantao do novo modelo pedaggico das competncias. Portanto, sabemos das dificuldades dos docentes em implementar o uso de novas metodologias e novas formas de avaliao, na perspectiva de uma pedagogia cujo elemento, segundo Ramos (2006), que mais causou instabilidade nas instituies foi a tese de que desenvolver competncias se contrape a ensinar contedos, alm de provocar a desintegrao do currculo. Conforme observaes em reunies, conversas com profissionais de outras Instituies Federais de Educao Tecnolgicas IFETs e dilogos com profissionais da educao de outras instituies, as falas contemplam as opinies: como trabalhar por competncias, se no sabemos o seu significado?; como trabalhar a partir de situaes problemas, quando o foco da nossa formao foram as disciplinas?; h a falta de dilogo com representantes do MEC e de unidade em termos de discursos dos consultores, ou ainda como implementar um modelo na rede federal, se no existe ainda uma experincia consolidada ? Em suma, o cenrio da escola hoje mostra novos desafios para os professores com relao aos procedimentos, estratgias e modos de atuao da sua prtica pedaggica. Contudo no se percebe a definio de polticas de valorizao desse profissional, dentre elas, o aperfeioamento da sua prtica ou programas de formao continuada. Tendo em vista que a Portaria do Ministrio da Educao n 30/2000 condicionou a oferta de cursos de nvel tcnico, a partir de 2001, somente organizados de acordo com os princpios institudos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais Resoluo n 04/99, acredita-

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se que as dificuldades na efetivao do modelo pedaggico das competncias no sejam um problema especfico do CEFETPB. Essas diretrizes, de natureza obrigatria para as instituies de educao profissional de nvel tcnico, so constitudas por um conjunto articulado de princpios, critrios, definio e procedimentos a serem observados pelos sistemas de ensino de forma geral e pelo ensino tcnico de forma particular, servindo para a organizao e o planejamento dos cursos tcnicos profissionais. Alm das DCNETs, outro documento orientador das escolas na elaborao dos perfis de concluso e no planejamento dos cursos foram os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educao Profissional de Nvel Tcnico RCNETs. Conforme Frigotto (2005, p.7),

o iderio pedaggico das diretrizes curriculares centra-se numa concepo produtivista e empresarial das competncias e da competitividade, cujo papel o de desenvolver habilidades de conhecimentos, valores, atitudes e de gesto de qualidade, definidas no mercado de trabalho e cujo objetivo o de formar em cada indivduo um banco ou reserva de competncias que lhe assegure empregabilidade7.

No se pode perder de vista a articulao nas DCNETs entre competncias e empregabilidade, atravs da nfase na relevncia de o trabalhador adquirir a capacidade de atuar em vrias atividades. Sabe-se que, em alguns pases da Europa, o conceito de competncia saiu do mbito da produo para o da formao tcnica profissional. Citando, por exemplo, pases como Estados Unidos, Inglaterra, Frana, que possuem seu modelo de educao escolar consubstanciado no desenvolvimento de competncias profissionais (op.cit.) Na verdade, essas reformas produzidas nos sistemas educacionais objetivam torn-los compatveis sociedade que passa por um processo acelerado de mudanas, produzindo as condies para alcanar escolas eficazes. No caso brasileiro e, sobretudo, nas Instituies Federais de Educao Tecnolgica, como esse modelo ainda inovador, as poucas informaes que se tm no possibilitam maiores avaliaes sobre seus impactos e resultados concretos. Entretanto, tendo por base as avaliaes de alunos e professores em reunies pedaggicas, h uma preocupao com a falta

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Noo de empregabilidade - diz respeito passagem da situao de desemprego para a de emprego, ou seja, poderia ser definida como probabilidade de sada do desemprego ou, formulada de maneira positiva, como capacidade de obter um emprego (HIRATA 1997, p.33). Ver mais em Gentilli (2002) e Frigotto (2002 e 2004).

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de envolvimento e de articulao entre os diferentes professores em torno da implementao dos projetos dos cursos de Instalao e Manuteno de Sistemas Eletrnicos, Instalao e Manuteno de Equipamentos de Informtica e Redes e Instalao e Manuteno de Equipamentos Mdico-Hospitalares da rea de Eletrnica; com a falta de unidade pedaggica em termos de procedimentos metodolgicos e avaliativos e com a falta, sobretudo, de subsdios terico-conceituais consistentes para uma prtica pedaggica centrada nas competncias. Apresentadas essas questes e considerando as conseqncias educacionais, polticas e organizacionais vivenciadas pelas IFETs nesse processo de discusso e implementao do modelo das competncias, esperamos que a pesquisa propicie informaes que possibilitem uma avaliao do modelo das competncias adotado na realidade concreta do CEFETPB, como tambm possa subsidiar as discusses na perspectiva de construo de uma nova referncia da integrao, da politecnia. Nesse sentido, entendemos a relevncia deste estudo no somente pela sua atualidade, mas, sobretudo, pela possibilidade de contribuir com a redefinio e novos rumos para os cursos tcnicos dos CEFETs e ETFs.

1.1 O OBJETO DE ESTUDO, A PROBLEMTICA INVESTIGADA, AS QUESTES DE PESQUISA, A HIPTESE E OS OBJETIVOS

Os sistemas educacionais internacionais tm vivenciado, nas ltimas dcadas, um processo de reestruturao, por meio de reformas, apontadas como necessrias, em funo das mudanas processadas na organizao do trabalho pela denominada revoluo tecnolgica. Para Antunes (2000, p. 210):

A dcada de 80 presenciou, nos pases de capitalismo avanado, profundas transformaes no mundo do trabalho, nas suas formas de insero na estrutura produtiva, nas formas de representao sindical e poltica. (...) nessa dcada de grande salto tecnolgico, a automao e as mutaes organizacionais invadiram o universo fabril, inserindo-se e desenvolvendo-se nas relaes de trabalho e de produo do capital. (...) novos processos de trabalho emergem, onde o cronmetro e a produo em srie so substitudos pela flexibilizao da produo, por novos padres de produtividade, por novas formas de adequao da produo lgica do mercado.

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As reformas educacionais justificadas como necessrias para atender s mudanas processadas no mbito da produo, na fora produtiva e na organizao do trabalho, modificam o cotidiano da escola, dos atores envolvidos e das concepes de ensino, formao e qualificao. Para tanto, faz-se necessria a migrao do enfoque da qualificao, voltada para o desempenho de tarefas prescritas em postos de trabalho, para uma perspectiva mais ampla das competncias e da polivalncia8. Ou seja, o conceito de formao profissional desloca-se do parmetro das novas formas de fazer para o parmetro que articula conhecimentos, atitudes e comportamentos. No entendimento de Ramos (2001, p. 1),

as reformas realizadas em alguns pases europeusFrana, Inglaterra e Espanha e latinoamericanos Mxico, Chile, Argentina e Brasil tm-se justificado pela necessidade de adequar a educao s demandas do mundo contemporneo, tomandose como base pressupostos e teorias psicolgicas. Tem-se, assim, verificado uma forte adeso a uma concepo construtivista de aprendizagem, para a qual so de grande importncia as idias de memorizao compreensiva, funcionalidade do conhecimento e aprendizagem significativa.

O referencial piagetiano est presente na fundamentao da proposta das competncias, mas, ao serem objetivadas na forma de uma pedagogia, as competncias acabam se revertendo numa abordagem condutivista. Para a autora (2002), o pensamento piagetiano sobre o desenvolvimento cognitivo atravessa toda a fundamentao terica da proposta das competncias presente nos documentos oficiais. Pela teoria de Piaget, a construo do conhecimento ocorre mediante aes fsicas ou mentais sobre objetos, resultando na construo de esquemas ou operaes mentais que se modificam e se tornam cada vez mais refinados por processos sucessivos de assimilao e acomodao. Assim, o modelo das competncias destaca-se dentre as mudanas apresentadas e justificadas em relao aos novos tempos. Seus conceitos e orientaes doutrinrias e operacionais fundamentam as atuais polticas pblicas educacionais brasileiras implementadas

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Polivalncia - atributo de um profissional possuidor de competncias que lhe permitam superar os limites de uma ocupao ou um campo circunscrito de trabalho para transitar para outros campos ou ocupaes da mesma rea ou de reas afins (PARECER do CNE/CEB n17/99).

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ao longo dos anos 90, cujas referncias bsicas apiam-se na epistemologia gentica de Jean Piaget9 e na lingstica de Noam Chomsky10. Alis, do lingstica Noam Chomsky a introduo da competncia na lingstica, da que uma analogia desse domnio pode ajudar-nos a compreender melhor a especificidade da competncia profissional. Segundo ele, a competncia lingstica o que permite a um sujeito produzir e compreender um nmero infinito de enunciados gramaticalmente bem construdos (desempenhos) a partir de um vocabulrio de base e de um nmero determinado de regras. Para LeBoterf, (2003, p.63) a competncia lingstica no se reduz ao conhecimento das regras e das palavras, ainda que os suponha. Segundo o autor, esse desvio pela analogia lingstica pode ser muito esclarecedor, pois ela mostra que a competncia no assimilvel aos conhecimentos, aos procedimentos ou s regras nem ao desempenho. Nesse sentido, ela est nesse saber integrar que os ultrapassa; a competncia um saber fazer, esse algo que torna possvel fazer. Em sntese, Chomsky concebe a competncia como a capacidade de continuamente improvisar e inventar algo novo, sem lanar mo de uma lista preestabelecida. A pedagogia das competncias emerge na educao como um novo paradigma de ensino, no qual alteram-se os papis do professor e do aluno, de modo que ao professor atribuda no a mera transmisso de conhecimentos, mas a adoo de situaes de aprendizagem baseadas em projetos integradores, realizao de pesquisa, estudos de caso, visitas tcnica e prticas profissionais, estratgias que despertem no aluno o desenvolvimento de uma postura ativa nesse novo contexto de continuar aprendendo. preciso ficar atento ao novo, denominado por Ramos (2005) transformismo conceitual ou terico, que representa a pedagogia das competncias. Ou seja, a crtica ao ensino tradicional de emancipao dos sujeitos no oriunda desta, entretanto essa pedagogia se apropriou das idias e conceitos de teorias progressistas para fazer essa defesa, na perspectiva de adaptao desses sujeitos sociabilidade contempornea do capitalismo. De acordo com o arcabouo legal da reforma da educao profissional, as prticas pedaggicas dos currculos devem estar voltadas para o desenvolvimento de competncias, caminhando no sentido de atender aos princpios da flexibilidade, da interdisciplinaridade e da

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Piagetpsiclogo, suo. Para ele a construo do conhecimento ocorre quando acontecem aes fsicas ou mentais sobre objetos que, provocando o desequilbrio, resultam na construo de esquemas ou conhecimentos. 10 Chomskylingista, americano, um dos propositores da lingstica da gramtica generativo-transformacional, que procura identificar regras que governam as relaes entre partes de uma sentena, assumindo que, sob alguns aspectos como a palavra, existe uma estrutura fundamental (RAMOS, 2001, p.161).

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contextualizao. A flexibilidade deve se traduzir na construo de currculos diversificados que permitam ao aluno construir seu itinerrio de formao, de acordo com seu interesse. A interdisciplinaridade vista como mecanismo de superao da fragmentao disciplinar, por meio da qual as disciplinas isoladas so modificadas, passando a caracterizar uma relao de interdependncia entre todas. Nessa perspectiva, as prticas fechadas e estanques das disciplinas unitrias isoladas cedem lugar s tarefas abertas e s situaes formuladas em torno de problemas. A contextualizao, por sua vez, promete mecanismos propcios construo de significaes, pois agrega aprendizagens que tm sentido para o aluno como a sua realidade e a do mundo do trabalho. Os alunos desafiados a resolver situaesproblema11 devem construir, ao longo de sua formao, uma matriz de competncias. Todavia sabe-se que no Brasil no existe, ainda, nenhuma experincia de prticas pedaggicas inovadoras na formao por competncias e que o conceito da pedagogia das competncias foi introduzido na educao escolar antes da concluso de estudos para seu emprego na educao profissional. No caso da educao brasileira, como implementar um modelo pedaggico, quando no existe, ainda, nenhuma experincia consolidada, exceto no Servio Nacional de Aprendizagem Industrial SENAI? Reportando a Ramos (2001), no se pode perder de vista o risco demonstrado pelo ensino baseado nas competncias, ao fazer recortes nos contedos que devem ser ensinados, restringindo-os a sua utilizao instrumental, atrelando-a a tarefas e desempenhos observveis. Tal fato empobrece a sua formao, tornando-a mnima, talvez isso justifique a resistncia dos professores em implementar prticas orientadas nas competncias. Por outro lado, a ampliao das finalidades e espaos pedaggicos escolares, em funo da ampliao das competncias a serem desenvolvidas e avaliadas, corre o risco de dissolver a especificidade da funo da escola. A autora (2001) defende como princpio que o ensino e a aprendizagem devam conduzir o estudante a compreender o processo scio-histrico da construo do conhecimento cientfico, possibilitando-o fazer uma leitura crtica do mundo, estabelecer relaes entre fatos, idias e ideologias, realizar atos e aes voluntrios ou compulsrios de forma crtica e criativa, compreender e construir ativamente novas relaes sociais.11

Situao-problema: proposio hipottica ou no, de ordem terica e prtica, que envolve elementos relevantes na caracterizao de um desempenho profissional, levando a pessoa a mobilizar conhecimentos, habilidades e atitudes na busca de alternativas de soluo (Glossrio 2002).

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Do ponto de vista pedaggico, preciso ficar atento quando se mencionam as competncias, pois, apesar de indicarem um movimento de maior flexibilidade, na formao e na ruptura a modelos fechados de saberes e disciplinas, elas so apropriadas pelas propostas oficiais, correndo o risco de constituir um modismo e de manter-se no discurso, quando as condies concretas do contexto educacional no forem alteradas. Com isso, queremos afirmar que, apesar da imposio normativa do desenvolvimento de competncias no sistema educacional brasileiro, algumas questes subjazem esses princpios. Por exemplo: a epistemologia que orienta esta proposta e a concepo de conhecimento que temos; o que mudou com a reforma, principalmente nas metodologias de ensino e nos procedimentos avaliativos, a partir da introduo das competncias e como os professores e alunos representam suas atitudes diante da pedagogia das competncias. E com base nessas questes que formulamos o nosso problema de pesquisa: como se d a relao entre o modelo pedaggico das competncias, proposto para o ensino tcnico pelas normativas legais, e as prticas pedaggicas em adoo nos cursos tcnicos de Eletrnica do CEFETPB, a partir de 2001? Ou seja, como o currculo baseado nas competncias est se realizando na dinmica escolar dos cursos tcnicos da rea de eletrnica? Na verdade, no se sabe se h uma coerncia entre o currculo estabelecido e as prticas pedaggicas implementadas na sala de aula. Nesse sentido, partimos da constatao hipottica de que, apesar de os currculos dos cursos tcnicos da rea de eletrnica estarem estruturalmente organizados com base no modelo das competncias, existem contradies em termos de aproximao entre o iderio estabelecido nos projetos dos cursos e as prticas pedaggicas implementadas no contexto escolar da sala de aula. Essa constatao pode ser explicada pelo fato de que a mudana de uma cultura organizacional, atravs das normas, no implica a ruptura de valores, costumes, crenas, nem a aquisio de novas atitudes por parte dos indivduos, provocando mudanas no seu comportamento anterior. Para que isso ocorra, essas mudanas devem surgir de uma necessidade, a partir de avaliaes realizadas pelos agentes envolvidos no processo educativo, nas quais so identificadas falhas, distores e necessidades de ajustes e/ou modificaes. Em se tratando de uma poltica em nvel de governo, faz-se necessrio que seja discutida e elaborada com a participao desses agentes.

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Dessa forma, passa tambm pelo estabelecimento de discusses e, sobretudo, de aes dialgicas sobre a necessidade de mudar e de se estar aberto a estas. Todavia resistir mudana um processo cultural do ser humano e, portanto, no deve ser resolvido atravs da coero e imposio, uma vez que no se trata de rebeldia ou insubordinao, mas uma forma de mostrar que no queramos que o processo educativo se reduzisse a um modelo que, alm de proporcionar a fragmentao do currculo, pudesse levar ao condutivismo no qual se prescreve comportamentos a serem produzidos no processo de ensino e aprendizagem. No caso especfico do CEFETPB, partimos do princpio de que, se os envolvidos diretamente no processo tivessem participado das tomadas de deciso sobre as mudanas que se desejavam implementar e se estas tivessem considerado a experincia docente, a partir da pedagogia que j vinha sendo desenvolvida, acreditamos que no tinha havido tanta resistncia, principalmente por parte dos professores e pedagogos. Sob essa tica, haveria uma maior abertura a novas aprendizagens atravs do dilogo e da tomada de deciso de forma coletiva a participao democrtica do grupo orientada para a mudana de comportamento; o dilogo compreendido enquanto um procedimento capaz de possibilitar consenso, deciso e transformao, bem como ao entre iguais e os diferentes, admitindo-se as relaes dialgicas, mesmo quando as relaes de poder so assimtricas. Na verdade, defendemos que havia a necessidade de mudanas no ensino do CEFETPB, principalmente no ensino tcnico, no na perspectiva da pedagogia das competncias, mas dentro de uma perspectiva histrica que h muito vem sendo defendida pelos educadores progressistas. Para Kuenzer (1989), faz-se necessrio superar essa viso estreita tomada pela profissionalizao, para pensar a perspectiva de uma formao que possibilita um fazer refletido, no qual teoria e prtica esto aliadas e mediadas pela construo histrica de como ele foi construdo. No obstante, este trabalho tem como categorias tericas de anlise as concepes de Resistncia e de Adaptao, uma vez que, diante de imposies de mudanas, identificam-se atitudes de conformismo/aceitao/adequao e, principalmente, de resistncia desencadeada no confronto das novas experincias com os comportamentos anteriores que esto sendo desafiados. De acordo com Giroux (1997), as escolas so espaos de contradio, pois, ao mesmo tempo em que reproduzem a sociedade mais ampla, contm espao para resistir a sua lgica de dominao. Embora no defina claramente esses conceitos, em sua investigao Chau (1986) pauta-se em fatos e situaes da cultura popular nos quais podem ser

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constatadas manifestaes de conformismo e de resistncia. A autora trata a questo da resistncia e do conformismo destacando a ambigidade desses conceitos que, por serem resultantes de prticas sociais e histricas determinadas, carregam subjetividade. Portanto, podem ser isto e aquilo ao mesmo tempo. Nesta pesquisa, definimos como Objetivo Geral avaliar as prticas pedaggicas dos cursos tcnicos de Eletrnica do CEFETPB, a partir da implantao do modelo pedaggico das competncias em 2001. Para tanto, delineamos objetivos especficos que nos possibilitaram direcionar o foco ao objeto de pesquisa: Verificar entre os docentes, alunos e pedagogos as concepes de competncias e suas aplicaes nos cursos tcnicos da rea de Eletrnica do CEFETPB. Confrontar as orientaes normativas da reforma da educao profissional de nvel tcnico com as aes desenvolvidas nos currculos dos cursos tcnicos. Conhecer as prticas pedaggicas dos docentes dos cursos tcnicos da rea de Eletrnica, tendo por base seus procedimentos metodolgicos e suas prticas avaliativas. Identificar as dificuldades e facilidades enfrentadas pelos professores, alunos e pedagogos na implementao do modelo das competncias. Em sntese, a pedagogia das competncias aponta para uma mudana na postura metodolgica do trabalho docente, no sentido de adoo de novos mtodos de ensino focados na construo de competncias, nos quais os contedos devem constituir-se num meio para a construo destas em contextos interdisciplinares de ensino e de avaliao. Ser que restringir as reformas da educao a mudanas dos procedimentos metodolgicos vai resolver o problema? Como lidar pedagogicamente com essa questo?

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1.2 A SISTEMTICA DE TRABALHO

1.2.1 O objeto emprico de estudo: O CEFETPB

Esta uma pesquisa pautada na tentativa de compreender a relao entre o currculo normatizado nos cursos tcnicos de Eletrnica e as prticas pedaggicas implementadas na sala de aula. Os dados foram coletados em 2005, atravs de questionrios, e as informaes organizadas e analisadas. Os professores entrevistados foram questionados quanto concepo de competncias, metodologia utilizada em sala de aula, instrumentos de avaliao e outras variveis referentes s prticas pedaggicas dos docentes, pertinentes ao objetivo deste estudo. Portanto, a anlise dos dados foi realizada com o propsito de responder aos objetivos da pesquisa. A investigao teve como campo de observao os cursos tcnicos de Eletrnica do CEFETPB: Instalao e Manuteno de Sistemas Eletrnicos, Instalao e Manuteno de Equipamentos de Informtica e Redes e Instalao e Manuteno de Equipamentos MdicoHospitalares. De acordo com a avaliao de professores de Eletrnica, pelo fato de ter sido o pioneiro na estrutura modular baseado nas competncias, este configurou-se com um carter mais generalista. Com a sua implementao, foram sendo identificados alguns problemas como a superposio de contedos. Aps uma avaliao, foi extinto e desmembrado em outros dois cursos focados numa ocupao no mercado de trabalho: Instalao e Manuteno de Equipamentos Mdico-Hospitalares e Curso de Instalao e Manuteno de Equipamentos de Informtica e Redes. Apesar da sua extino, ainda foi possvel conversar com alguns alunos, que apontaram uma srie de dificuldades enfrentadas durante o curso. Inicialmente, foi aplicado um questionrio para proceder a um apanhado geral sobre questes especficas da rea nos procedimentos metodolgicos e avaliativos. Feito esse levantamento e sua categorizao, vistos os pontos de semelhana e diferena, partimos para a entrevista, a fim de que as questes fossem mais aprofundadas e explicadas. Por exemplo,

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quando o professor dizia que a avaliao objetivava verificar o conhecimento adquirido pelo aluno, essa questo serviu de base para a elaborao do roteiro de entrevista, na qual tentouse operacionalizar o que era esse conhecimento para ele; como isso se materializou nos cursos tcnicos e que instrumento ofereceu condies para dizer se o aluno estava apto a prosseguir. Alm de questionrios e entrevistas, foram utilizadas conversas com alunos. Os dados coletados foram primrios, atravs da aplicao de questionrios com perguntas abertas e fechadas, da realizao de entrevistas semi-estruturadas e da participao em reunies com professores e alunos. Utilizou-se ainda a pesquisa documental, para a coleta de informaes. Vale destacar que o fato de os alunos fazerem avaliaes mais qualitativas enriqueceu ainda mais essa pesquisa. A populao desta pesquisa foram docentes, alunos dos cursos tcnicos de Eletrnica que estavam cursando o mdulo III, e equipe pedaggica englobando doze professores de um total de dezoito; quarenta alunos de um total de noventa e cinco e uma pedagoga de um total de seis. Constituram-se, assim, representantes de uma determinada situao para elucidar a problematizao, os objetivos e a hiptese da pesquisa. As variveis objeto de avaliao foram os Tipos de Procedimentos Metodolgicos e os Tipos de Procedimentos Avaliativos, referenciados pelo modelo das competncias e pelo modelo tradicional, conforme demonstrado abaixo na matriz de avaliao. Matriz de Avaliao

INDICADORESPROCEDIMENTOS METODOLGICOS COMPETNCIAS Situaes de aprendizagem TRADICIONAIS Aulas expositivas PROCEDIMENTOS AVALIATIVOS COMPETNCIAS Acompanhamento Prticas profissionais Projetos integradores Observao Portiflio TRADICIONAIS Avaliao Prova Prticas em laboratrio

Situaes que envolvem problemas Visitas Tcnicas Projetos integradores Prticas profissionais Projetos interdisciplinares

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O procedimento adotado neste trabalho est organizado da seguinte forma. No primeiro captulo, fazemos uma contextualizao da reforma da educao profissional e modelo das competncias, para possibilitar ao leitor adentrar no objeto de pesquisa, na sua problemtica, na sistemtica de trabalho e no objeto emprico da pesquisa. No segundo captulo, procedemos a uma reviso de literatura, apresentando a noo de competncias na viso de diferentes autores e remetendo-as instncia do sistema educativo, mais especificamente no mbito da formao profissional. Complementamos a discusso sobre esse novo modelo com a pedagogia das competncias. No terceiro captulo, fazemos a descrio do processo de implementao da reforma da educao profissional nos cursos tcnicos do CEFETPB, lanando um rpido olhar na origem do CEFETPB e sua evoluo. Tambm realizamos uma sntese das mudanas ocorridas na instituio a partir de 2001, apontando os cenrios e tendncias atuais do ensino no CEFETPB. No quarto captulo, tratamos do modelo das competncias na perspectiva do MEC, destacando as orientaes para elaborao dos planos dos cursos tcnicos e de aes para implementao da reforma. No quinto captulo, expomos o desenvolvimento da pesquisa, descrevendo os processos peculiares das prticas e dos procedimentos pedaggicos na voz de seus atoresocentes, alunos e pedagogia. Nesse tpico, so apresentados depoimentos e avaliaes dos sujeitos que participaram da pesquisa. No sexto e ltimo captulo, procedemos a algumas consideraes, resultantes das reflexes realizadas no percurso da pesquisa, tendo em vista colaborar para o avano do entendimento da problemtica em questo e contribuir para a avaliao dos cursos tcnicos no mbito de ETFs e CEFETs.

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2 A NOO DE COMPETNCIAS: DIFERENTES VISES

s finalidades tecnocrticas dos gerenciadores se opem s finalidades humanistas dos pedagogos. Rop

A oposio entre o conhecimento tcnico e o das humanas expressa pela epgrafe acima nos conduz ao modelo pedaggico das competncias que orientou as reformas dos sistemas nacionais de formao profissional na Europa, a partir dos anos 80. Alis, a discusso em torno da competncia e da sua relao com conhecimentos encontra-se no mago das reformas curriculares em vrios pases. Na Frana, sua implementao no campo educacional ocorreu na dcada de 1990, a partir das gerncias dos recursos humanos no contexto empresarial, no qual a formao e o desempenho da fora de trabalho esto vinculados ao atendimento das exigncias do mundo do trabalho. Esse modelo serviu de base para a reforma da educao profissional em toda a Amrica Latina nos anos 90, inclusive no Brasil. No caso da sua aplicao aos modelos educacionais, sua disseminao ocorreu no final da dcada de 1970 vinculada ao condutivismo e psicologia norte-americana. No caso do Brasil, a pedagogia das competncias foi incorporada nos discursos oficiais, a partir da dcada de 1990. Considerando o seu carter contraditrio e a plasticidade do seu conceito, buscamos apreender, por intermdio da viso de alguns autores, a noo de competncias que deve orientar as prticas pedaggicas dos cursos tcnicos do CEFETPB. De acordo com o Glossrio de Termos Tcnicos da Organizao Internacional do Trabalho-OIT (2002), o ensino baseado em competncias surgiu nos Estados Unidos no incio dos anos 70, tendo como base cinco princpios. O primeiro princpio que toda aprendizagem individual. O segundo que o indivduo, como qualquer sistema, orienta-se por metas a serem atingidas. O terceiro que o processo de aprendizagem mais fcil quando o aluno sabe precisamente a perfomance que se espera dele. O quarto que o conhecimento preciso dos resultados a serem atingidos favorece a aprendizagem. Consoante o quinto princpio, mais provvel que o aluno faa o que se espera dele e o que deseja de si prprio, se lhe for concedida responsabilidade nas tarefas de aprendizagem. Quando o ensino para competncias foi introduzido nos Estados Unidos, ele foi aliado concepo da poca de planejamento

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sistmico e serviu para introduzir, na educao, os conceitos de modulao, anlise de contedos e itinerrios de aprendizagem. Ainda segundo o Glossrio da OIT (2002, p.22), competncia significa

a capacidade de articular e mobilizar conhecimentos, habilidades, atitudes e prticas, necessrios para o desempenho de uma determinada funo ou atividade, de maneira eficiente, eficaz e criativa, conforme a natureza do trabalho. Capacidade produtiva de um indivduo que se define e se mede em termos de desempenho real e demonstrado em determinado contexto de trabalho e que resulta no apenas da instruo, mas em grande medida da experincia em situaes concretas do exerccio ocupacional.

Conforme Perrenoud, competncia em educao a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informaes etc.) para solucionar com pertinncia e eficcia uma srie de situaes ou de problemas. Para o autor, a abordagem por competncias uma maneira de levar a srio um problema antigo, o de transferir conhecimentos. No sentido de impulsionar o debate, questiona o papel da escola diante das competncias: Desenvolver competncias assunto da escola? A escola deve limitar-se transmisso de conhecimentos? Na sua concepo, em geral a escola se preocupa mais com ingredientes de certas competncias do que em coloc-las em sinergia nas situaes complexas. Assim, a abordagem do desenvolvimento de competncias na escola passa, necessariamente, pela reflexo dos rumos que a educao est tomando, em que contexto se desenha esse desafio de mudana e, sobretudo, nas aes dos envolvidos nessas prticas. No entendimento do autor (1997), a noo operacional de competncias se refere a situaes que requerem a tomada de decises e a resoluo de problemas. Isso significa que deter conhecimentos ou capacidades sobre algo no implica possuir competncias. Ou seja, pode-se conhecer regras da matemtica, mas no saber aplic-las no momento certo. Na lgica do seu pensamento, uma competncia permite ao indivduo a mobilizao de conhecimentos para enfrentar uma determinada situao, isto , trata-se de uma capacidade de encontrar vrios recursos, no momento e na forma adequados. O sentido de competncia implica, portanto, uma mobilizao dos conhecimentos e dos esquemas para desenvolvimento de respostas inditas, criativas, eficazes para problemas novos.

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De acordo com Machado (2000, p.5), as competncias

constituem padres de articulao do conhecimento a servio da inteligncia. Podem ser associadas desde os esquemas mais simples de ao at s formas mais elaboradas de mobilizao do conhecimento, como a capacidade de expresso nas diversas linguagens, a capacidade de argumentao na defesa de um ponto de vista, a capacidade de tomar decises, de enfrentar situaes problemas, de pensar e elaborar propostas de interveno na realidade.

Segundo o autor (2002), interessante analisar o parentesco semntico que existe entre as idias de competncia e competitividade. A origem comum o verbo competir (com + petere), que no latim significa buscar junto com, esforar-se junto com ou pedir junto com. Apenas no latim tardio passou a prevalecer o significado de disputar junto com. No contexto educacional, a noo de competncia muito mais fecunda e abrangente, mantendo o carter de mediao com a idia de disciplina. Conforme Resende (2000), existem vrias acepes para a palavra competncia, mas tradicional e freqentemente o termo tem sido usado com os seguintes significados: atributo para realizar uma incumbncia: este assunto de sua competncia. prova de idoneidade: a pessoa indicada tem competncia para responder pelo grupo. atributo de poder de deciso: somente a diretoria tem a competncia para resolver essa questo. condio de suficincia: ele competente bastante para cuidar do assunto.

Para o autor, o conceito de competncia se aplica a uma caracterstica ou a um conjunto de caractersticas ou requisitos, conhecimentos, habilidades ou aptido, atribudos a um indivduo ou conjunto de indivduos, sendo indicado ainda como uma condio capaz de produzir resultados e de solucionar problemas. David C. McClelland, citado por Resende (2000), define as competncias como caractersticas individuais, conhecimentos, habilidades, objetivos e valores capazes de predizer/causar efetiva ou superior performance no trabalho ou em outra situao de vida de uma pessoa ou grupos de pessoas.

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Novaes (2001) ressalta trs perspectivas para a definio de competncias: como um conjunto de tarefas independentes; como um conjunto de atributos indispensveis para o desempenho efetivo de profissionais considerados excelentes e como um conjunto estruturado holstico em que se combina a perspectiva de atributos do indivduo com o contexto no qual est inserido. La Depresbiteris (2001) define competncia como a capacidade de uma pessoa desenvolver atividades de maneira autnoma, planejando, implementando e avaliando. Ou, ainda, como a capacidade para usar habilidades, conhecimentos e atitudes em tarefas ou em combinaes de tarefas ocupacionais. Segundo a autora (1999), a aplicabilidade do conceito no contexto educacional depende quase sempre dos autores nas quais as idias foram baseadas, das metodologias de anlise das atividades do mundo do trabalho e das maneiras como as competncias sero traduzidas para os currculos. Para Deffune e Depresbiteris (2002, p.78),

as competncias so aprendidas ao longo da vida, e todas as experincias podem se constituir em ocasies de aprendizagem. Assim, tem-se que levar em conta que o conceito de competncias est intrinsecamente relacionado ao de educao continuada. Nesse sentido, no se pode falar num processo linear de competncias, porm numa perspectiva de educao continuada, na qual estejam presentes todas as oportunidades oferecidas pessoa, seja pela escola, por diferentes instituies da sociedade ou especificamente pelo mercado de trabalho.

No entendimento de Rop e Tanguy (1997), a noo de competncia atualmente substitui o que antigamente chamvamos de saber, no campo educacional, e qualificao, no campo do trabalho. No significa que esses conceitos deixem de ser usados, mas que perderam sua posio central em relao ao novo termo (op. cit.,). Por isso, na atualidade a noo de competncia polissmica e reveste-se de uma funo geral incerta, ensejando mltiplas interpretaes, nem sempre com a necessria clareza epistemolgica, o que demanda cuidados. Entende-se assim que competncia, para as autoras, a capacidade para resolver um problema em uma situao dada, que implica sempre uma ao que s pode ser mensurada atravs da aferio de resultados. De acordo com Pena Firme (2000), competncias so essencialmente as evidncias do que o indivduo capaz de fazer com aquilo que sabe. Para Hirata (1994, p.132-133), a noo de competncia oriunda do discurso empresarial nos ltimos dez anos na Frana, tendo sido

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retomada na atualidade por economistas e socilogos. uma noo ainda bastante imprecisa e decorreu da necessidade de avaliar e classificar novos conhecimentos e novas habilidades geradas a partir das novas exigncias de situaes concretas de trabalho, associada, portanto, aos novos modelos de produo e gerenciamento e substitutiva da noo de qualificao, ancorada nos postos de trabalho e nas classificaes profissionais que lhe eram correspondentes. Segundo essa autora, a polmica em torno da substituio do conceito de qualificao pelo conceito das competncias est apoiada em falsos pressupostos. O que parece surgir dessa discusso que ambos os conceitos, qualificao e competncia, escamoteiam a dinmica que se realiza entre as foras produtivas e as relaes de produo. Manfredi (1998), explica que as expresses qualificao e competncia parecem ter matrizes distintas, ou seja, enquanto a noo de qualificao est associada ao repertrio terico das cincias sociais, a noo de competncia est historicamente ancorada nos conceitos de capacidades e habilidades, constructos herdados das cincias humanas: psicologia, educao e lingstica. Para Alexim e Lopes (2005), possvel admitir duas concepes de competncias: a primeira, mais afinada com os empregadores e que s reconhece competncia quando o conhecimento filtrado pela experincia prtica em situao real de trabalho. A segunda viso, mais ligada aos processos educativos, fala de um potencial que criado e pode ser aplicado em diferentes situaes, se uma demanda concreta se apresenta. Segundo Ramos (2001), a noo de competncias extrapola o campo terico para adquirir materialidade pela organizao dos currculos e programas escolares. Nesse contexto, ela pode ser analisada na perspectiva das pedagogias psicolgicas, desde sua identidade original com o condutivismo12 at a aproximao mais recente com o construtivismo13. De acordo com a autora (2001, p.89),

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Condutivismo advm da estrutura comportamentalista de Skinner e apropriada pedagogicamente por Bloom. O uso de competncia deve-se necessidade de se expressarem claramente os objetivos de ensino em termos de condutas e prticas observveis (RAMOS, 2001, pgina 90). 13 Construtivismo uma tendncia da psicologia cognitiva influenciada principalmente pelos trabalhos de Piaget. Para os cognitivistas, o conhecimento produzido internamente como uma construo mental e individual do sujeito em uma relao que envolve o conhecimento existente com o conhecimento novo. Nessa concepo, o pressuposto principal do sujeito como construtor do conhecimento Em sntese, o construtivismo trata-se de um enfoque terico que aborda o conhecimento como uma construo humana de significados na interpretao do mundo. Ver Ramos (2001, p.3). Com base na teoria da equilibrao de Piaget, a completa estrutura dinmica das competncias incorpora a idia de construtividade do conhecimento na perspectiva de superao do condutivismo.

37 a matriz condutivista, utilizada principalmente nos Estados Unidos, consideram as competncias superiores e, por isto, analisam as atividades desenvolvidas pelos experts, com vistas a levar o conjunto de trabalhadores a um estgio equivalente de desempenho. A matriz construtivista, por outro lado, que tem sua origem na Frana, incorpora a contribuio dos trabalhadores com menor nvel de desempenho, buscando construir uma anlise integrada e participativa dos processos de trabalho.

Essa matriz condutivista, alicerada na estrutura comportamentalista desenvolvida por Skinner na psicologia e na pedagogia de Bloom, no incio da dcada de 60, nos Estados Unidos, tem em David C. McClelland um dos seus defensores, quando argumentava que os tradicionais exames acadmicos, baseados em testes tradicionais de conhecimento e inteligncia, no garantiam nem o desempenho no trabalho nem o xito na vida. Foi com a introduo de outras variveis que o conceito de competncia comeou a adquirir novos significados, atravs de mtodos de avaliao, permitindo identificar a competncia do indivduo no processo de seleo de pessoas em empresas, dentro do modelo gerencial de desempenho efetivo. Segundo Ramos (2005, p.224), Bloom, por sua vez, declarava em seu artigo Aprendizagem para o Domnio que 90 a 95% dos alunos tm possibilidade de aprender tudo o que lhes for ensinado, desde que se lhes ofeream condies para isso. Verifica-se, assim, o surgimento do ensino baseado em competncia, que concretizou a aprendizagem para o domnio de Bloom, orientada pelos trs objetivos comportamentais: pensar, agir e sentir, englobados em trs reas: cognitiva, afetiva e psicomotora. Conforme essa autora, (1997), as competncias so as estruturas ou os esquemas mentais responsveis pela interao dinmica entre os saberes prvios dos indivduos construdos mediante as experincias e os saberes formalizados. Nessa perspectiva, a definio de competncia apresentada no mbito da educao profissional pode ser interpretada da seguinte forma:

a expresso a capacidade de tem um sentido de motivao intencional e consciente, pois o exerccio profissional assim o exige, alm de ser coerente com o estgio de desenvolvimento do indivduo: mobilizar, articular e colocar em ao so verbos que expressam aes e operaes que podem ser consideradas implcitas e, portanto, do pensamento. Os substantivos que se seguem, quais sejam, valores, conhecimentos e habilidades, esses, sim, adquirem novas nuanas (2001, p.31).

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Para Luclia Machado (1998, p.93), a noo de competncia , de fato, forte e deve ser recuperada, mas numa perspectiva que rompa os critrios que a esto orientando na atualidade: o fatalismo da disputa competitiva. Do mundo do trabalho vem o modelo de competncias com todas as contradies que ele suscita, como, tambm, vem a interpretao de que ser competente representa saber transgredir. As competncias constituem, portanto, padres de articulao do conhecimento a servio das inteligncias, podendo ser associadas desde os esquemas mais simples de ao at s formas mais elaboradas de mobilizao do conhecimento. Para a autora (1998, p.28),

a viso pragmtica e utilitarista de competncia traz srias implicaes para os objetivos educacionais, pois pressupe a implementao da pedagogia da adaptao e do ajustamento lgica mercantil, que v o sujeito do trabalho como um simples valor de troca. Qualificar para o trabalho, nestes termos, reduzir os espritos sociabilidade do capital, reificar os seres humanos, tom-los como simples instrumentos, com o objetivo supremo de naturalizar e perenizar o sistema social dominante.

Nessa linha de pensamento, Deluiz (2001, p.2) assinala que

no modelo das competncias os conhecimentos e habilidades adquiridas no processo de trabalho, na escola ou na empresa, devem ter utilidade prtica e imediatatendo em vista os objetivos e misso da empresa, e a qualidade da qualificao passa a ser avaliada pelo produto final, ou seja, o trabalhador instrumentalizado para atender s necessidades do processo de racionalizao do sistema produtivo. O capital humano das empresas precisa ser constantemente mobilizado e atualizado para garantir o diferencial ou a vantagem competitiva necessrios desenfreada concorrncia na economia internacionalizada.

Segundo a autora (1996), os trabalhadores devem lutar pela aquisio de competncias que instrumentalizem a sua atuao na sociedade civil, com vistas expanso das suas potencialidades e sua emancipao individual e coletiva, uma vez que as competncias requeridas pelo setor produtivo os colocam apenas como cidados produtores de mercadorias. Na concepo de Rios (2001, p.83), a noo de competncia est associada s demandas do mercado de trabalho. Para ela, no mau, em princpio, levar em conta uma demanda afinal, preciso sempre considerar o contexto em que se desenvolvem a formao

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e a prtica profissional. Arriscado confundir a demanda imediata, mercadolgica, com a demanda social, que expressa as necessidades concretas dos membros de uma comunidade. Para a autora (op. cit.), substituir o conceito de qualificao, como formao para o trabalho, pelo de competncia, como atendimento privilegiado ao mercado de trabalho, parece guardar, ento, o vis ideolgico presente na proposta liberal, que se estende ao espao da educao, em que passam a se demandar tambm competncias na formao dos indivduos. Nesse sentido, a preparao aligeirada para atender ao mercado de trabalho cada vez mais competitivo se sobrepe formao global do trabalhador. Por outro lado, reduzir a noo de competncias demanda do mercado de trabalho correr o risco de desconsiderar outras demandas que esto postas na sociedade. No se pode perder de vista que existem, por exemplo, questes ligadas tica, moral, justia e solidariedade envolvidas nas transformaes. Nessa perspectiva, educar para competncias , ento, ajudar o sujeito a adquirir e desenvolver as condies e/ou recursos que devero ser mobilizados para resolver uma situao complexa, entre as quais, preservar a sua humanidade, ou seja, enfatizar a emancipao humana como dimenso vital. Para Guiomar Namo de Mello (2003, p.1), uma das propositoras das Diretrizes Curriculares Nacionais da reforma, competncia

a capacidade de mobilizar conhecimentos, valores e decises para agir de modo pertinente numa determinada situao. Para constat-la h que se considerar tambm os conhecimentos e valores que esto na pessoa e nem sempre podem ser observados.

Conforme a autora, a competncia s pode ser constituda na prtica. No s o saber, mas o saber fazer que deve ser considerado. Aprende-se fazendo, numa situao que requeira este fazer determinado. Se quisermos desenvolver competncias em nossos alunos, teremos de ir alm do ensino para a memorizao de conceitos abstratos e fora do contexto. preciso que eles aprendam para que serve o conhecimento, quando e como aplic-lo. Isso competncia, para Mello. Berger Filho (1998, p.9), entende por competncias os esquemas mentais, ou seja, as aes e operaes mentais de carter cognitivo, scio-afetivo ou psicomotor que mobilizadas e associadas a saberes tericos ou experienciais geram habilidades, ou seja, um saber fazer. Segundo esse autor, as competncias so:

40 modalidades estruturais da inteligncia, ou melhor, aes e operaes que utilizamos para estabelecer relaes com e entre objetos, situaes, fenmenos e pessoas que desejamos conhecer. Ou ainda, operaes mentais estruturadas em rede que mobilizadas permitem a incorporao de novos conhecimentos e sua integrao significada a essa rede, possibilitando a reativao de esquemas mentais e saberes em novas situaes, de forma sempre diferenciada.

Para o autor, competncias situam-se no campo cognitivo e so os conhecimentos necessrios para a realizao de uma atividade. O autor afirma que o referencial de competncias deve ser instrumento permanente de trabalho da escola e do professor, sendo entendido como uma linguagem comum e central do processo educativo, e no como uma lista abstrata que precisa estar presente no plano de curso. Segundo ele, as competncias devem ser o roteiro permanente para se definirem os problemas que sero propostos aos alunos e o parmetro para a avaliao do processo pedaggico, pelo desempenho do aluno e pela anlise do trabalho. Vale destacar que o referido autor, na poca da reforma da educao profissional de nvel tcnico, era secretrio da SEMTEC Secretaria de Educao Mdia e Tecnolgica. No contexto da reforma educacional apresentado pelo Parecer do CNE/CEB n 16/99, de 05 de outubro de 1999, a noo de competncias tratada como modelo pedaggico no ensino tcnico, entendida como a capacidade de articular, mobilizar e colocar em ao os valores, conhecimentos e habilidades necessrios para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho, sempre de modo vinculado autonomia e flexibilidade do trabalhador frente s mudanas no mundo do trabalho. Esse tambm o conceito que adotamos neste trabalho.

2.1 A PEDAGOGIA DAS COMPETNCIAS

A utilizao do termo competncias, no plural, recente, sendo apropriado aos documentos oficiais que regem a educao brasileira. Em Perrenoud (1997, p.44), a aluso competncia se associa a algo que especfico de cada profissional da o uso do termo no

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plural. Nesse sentido, o conceito serve de referncia a tudo aquilo que compete a cada pessoa fazer no espao do seu trabalho. Conforme Arajo (2001, p.30), a competncia tem a sua inspirao filosfica assentada no racionalismo, no individualismo e no pragmatismo. Do racionalismo, traz a marca da determinao de objetivos formativos comprometidos com a eficincia dos sistemas educacionais, para o atendimento das demandas dos setores produtivos. Do individualismo, o que se ressalta o deslocamento do ensino centrado sobre os saberes para um ensino no qual o aluno construtor do conhecimento, significando a individualizao na formao e a mudana no papel do professor. Por fim, o pragmatismo pode ser percebido por intermdio do utilitarismo, da procura de produzir aprendizagens aplicveis e da adaptao do indivduo ao contexto social. Segundo Rop e Tanguy (1997), a partir da anlise da realidade francesa, desde o fim da dcada de 70 as preocupaes de emprego se encontram localizadas no centro dos sistemas educativos, o que fez com que a escola se aproximasse progressivamente do mundo das empresas por meio de cooperaes de todos os tipos e por revises, na maneira de pensar os contedos de ensino, organizar os modos de transmisso dos saberes e avali-los. Tal ocorrncia pode ser explicada pela preocupao por parte dos sistemas pblicos de educao em tentar responder s exigncias de novas competncias dos trabalhadores apresentadas pelas mudanas recentes na organizao do trabalho. Essa preocupao pode ser percebida em mbito mundial em muitos espaos e instituies que vm tentando formular polticas nesse sentido. Para as autoras, se entendermos competncias como sntese de mltiplas dimenses, cognitivas, afetivas, sociais e psicomotoras, elas so histricas e, portanto, extrapolam o espao e o tempo escolar, e s se evidenciam em situaes concretas das prticas sociais. A sua mensurao nos tempos e espaos escolares exige redues que certamente esvaziaro o processo de ensino do seu significado. Por outro lado, as autoras apontam concluses preocupantes e indicam pontos crticos da pedagogia das competncias. Dentre eles, destacam-se: as mudanas do modelo pedaggico inscrevem-se no mbito do movimento da racionalizao e da intelectualizao vivenciadas pelas sociedades modernas, enquanto expresso do clculo econmico, da razo cientfica e da tcnica. Essa racionalizao se legitima na cincia e na tcnica.

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o modelo das competncias se fundamenta na prevalncia do mtodo, dos instrumentos, da medida, isto , em uma aparente tecnologia intelectual que, apesar de apresentar formalmente o carter de cincia, veicula idias comumente consideradas necessrias e formuladas, de outro modo, pelos produtores do saber. Nesse sentido, sob uma aparente cientificidade e objetividade do processo pedaggico, alm da eliminao do debate e da divergncia, as finalidades dessa etapa de desenvolvimento capitalista so apresentadas como universais, a determinar as competncias desejveis (do ponto de vista do capital).

a racionalizao14 da pedagogia escolar e da educao profissional no se ampliar a ponto de atingir todas as esferas educativas, conformando uma nova racionalidade para o capital.

a individualizao dos processos cognitivos outra caracterstica apontada como crtica pelas autoras, tendo em vista que no h clareza acerca das dimenses sociais presentes no processo de produo do conhecimento, o que torna incompatvel, na contemporaneidade, um modelo de aprendizagem centrado no indivduo.

Na rea de educao e trabalho, Deluiz (2001) nos mostra que a palavra competncia surgiu no contexto da crise do modelo de organizao taylorista, fordista, de mundializao da economia, de exacerbao competitiva nos mercados e de demanda de melhoria da qualidade dos produtos e de flexibilizao dos processos de produo e de trabalho. Para a autora (2001, p.20), o modelo de competncias adotado para diversos fins, inclusive para atender s necessidades das novas formas de organizao do trabalho na busca por flexibilidade, transferibilidade, polivalncia e empregabilidade. No atual modelo de produo, a gesto por competncias implica dispor de trabalhadores flexveis para lidar com as mudanas no processo produtivo, para enfrentar imprevistos com disposio para serem transferidos de uma funo para outra dentro da empresa. Isso requer, portanto, a polivalncia e a constante atualizao das competncias dos trabalhadores como possibilidade de empregabilidade. Machado (1998, p.28), refletindo sobre a importncia da qualificao e certificao do trabalhador, diz que

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Entendemos por racionalizao, em sentido geral, o mtodo que defende o papel central da razo no ordenamento de toda atividade humana.

43 a exigncia de certificao das competncias, como instrumento formal necessrio aos trabalhadores para a negociao individual por aumentos salariais, promoes e mesmo defesa do seu direito ao emprego, representa uma artimanha da empresa na busca do acesso aos saberes tcitos, construdos e utilizados como prerrogativas do trabalho na luta pelos seus interesses mais um golpe no poder de negociao dos sindicatos.

Como o paradigma das competncias centra-se no indivduo, sob o discurso da laboralidade, joga-se sobre o trabalhador a responsabilidade pelo seu emprego ou desemprego, escamoteando a responsabilidade de outros segmentos sociais e a responsabilidade do Estado no desenvolvimento de polticas de emprego, polticas econmicas, investimentos nacionais, sonegao e m aplicao de impostos, transferncia de dinheiro para o exterior. A impresso de que o mercado o novo paradigma. Segundo Alves (2003, p.06),

o conceito de empregabilidade que ir apresentar a nova traduo da teoria do capital humano sob o capitalismo global a aquisio de novos saberes e competncias, apenas, habilitam o indivduo para a competio num mercado de trabalho cada vez mais restrito, todavia no lhe garante a integrao sistmica vida moderna. Assim, a posse de novas qualificaes no garante ao indivduo um emprego no mundo do trabalho.

As competncias, conforme Sebastio Neto (2005, p.3), por serem definidas muito mais em funo de critrios ligados aos postos de trabalho do que em termos de conhecimentos, tendem a substituir os processos coletivos de negociaes pelo predomnio dos empregadores na definio das normas de competncia e a conduzir a uma crescente individualizao na apreciao dos assalariados. Nessa direo, Frigotto (2005) afirma que a cincia, a tecnologia, o trabalho e os processos educativos no podem ser subordinados ao capital, mas ao ser humano, pois este se constitui o centro e a medida de tudo. Convm destacar que tm sido vrias as noes de competncias, de acordo com o ponto de vista terico de cada autor, englobando, ora conceitos amplos, relacionados ao desempenho dos papis sociais, emancipao individual e coletiva, ora restringindo-se ao desempenho de uma funo profissional. Entretanto percebe-se uma tendncia na conceituao da competncia profissional como a capacidade do indivduo em resolver determinadas situaes do mundo real do trabalho dentro dos padres de qualidade e

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eficincia desejados. Nesse sentido, a competncia tida como inseparvel da ao que condiciona o uso dos conhecimentos capacidade de resoluo de problemas. No ponto de vista de aplicao pedaggica do conceito, o seu carter polissmico e impreciso gera vrias interpretaes diferenciadas e provoca instabilidade curricular. A falta de clareza para nortear a prtica pedaggica dos professores vem provocando confusos comportamentos em sala de aula. Alm disso, o conceito configura-se como reducionista ao tecnicismo e ao comportamentalismo, pois a nfase no mais no conhecimento, mas na sua utilizao pelo sujeito em determinadas situaes. Portanto, o conhecimento atrelado ao seu uso prtico, a sua aplicabilidade Essa a lgica das competncias do modelo educacional vigente. Considerando que a educao profissional deve estar a servio dos trabalhadores, a opo no pode ser mais pela qualificao para um posto de trabalho, mas para a formao de trabalhadores cidados. Esta no pode prescindir de permiti-lhe alm de compreender o mundo, visualizar a possibilidade de construo de um novo. Segundo Rios (2001), a significao que tem se dado com mais freqncia ao termo competncias no espao da administrao empresarial est relacionada com o que se costuma chamar de desenvolvimento de recursos humanos, expresso que tem sido entendida, comumente, como sinnimo de seres humanos, os trabalhadores, os profissionais. Um rpido olhar para o conceito de competncia constante no Parecer do CNE/CEB n 16/99, mostra-nos que este resgata os termos eficincia e eficcia, que aparecem na ordem do Programa Qualidade Total, que emergiu no Japo, na dcada de 1950, no novo paradigma da administrao empresarial. Esse programa se estabeleceu no Brasil, na dcada de 80, em vrias organizaes e instituies de ensino, importado do mundo empresarial, cuja nfase recai na produtividade e competitividade, em detrimento de um ensino de qualidade, como direito subjetivo de todos os cidados. No caso da educao, esta preocupao com o trabalho e com a sua realizao, primando pela eficincia e eficcia, atende mais ao interesse do capital do que ao dos indivduos. Segundo o Parecer do CNE/CEB n 16/99, o carter flexivo do significado de competncia profissional possibilita o atendimento das atuais demandas no campo do trabalho e das relaes sociais, abrangendo as habilidades (fazer), os conhecimentos (saber) e os comportamentos (ser) necessrios no somente ao desempenho profissional, mas, tambm, a um apoio constante atualizao e atuao social.

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Analisando os documentos iniciais orientadores do MEC, dentre eles o Parecer acima citado, observa-se que a finalidade principal da educao profissional a laborabilidade15 ou trabalhabilidade. Nesse sentido, o foco central da educao profissional desloca-se dos contedos para a construo de competncias exigidas para a atividade a ser desenvolvida pelo aluno. Trata-se de uma viso estreita de profissionalizao voltada para o exerccio