A educação escolar em Ribeirão Preto no início do século ... · de sua história, com o...
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A educação escolar em Ribeirão Preto no início do século XX:
imagens e representações
Maria Aparecida Junqueira Veiga Gaeta
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Maria Aparecida Junqueira Veiga GaetaPossui Licenciatura em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1964). Mestrado em História pela UNESP; Doutorado em História pela USP e Livre-docência em História pela UNESP. Foi professora associada da Universidade Estadual Paulista (1984-1999), local em que se aposentou. Foi chefe de Departamento, Presidente de Comissão de Pesquisa e Vice-diretora da FHDSS — Franca, SP. Atualmente é Coordenadora do Setor de Publicações e do Núcleo de Educação a Distância — Centro Universitário Moura Lacerda, Ribeirão Preto (SP). Possui experiência na área da Administração Uni-versitária, com ênfase em Programas de Editoração de Revistas Acadêmicas. Elaborou textos voltados para Educação a Distância em Projetos de formação de professores, como o Proformação — MEC; Projeto Veredas — SE, Minas Gerais e Pedagogia Cidadã-UNESP. Investiga temas ligados a História, História da Educação, instituições escolares confessionais, memórias, festas escolares e História dos Manuais Escolares.
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Nas últimas décadas, a cidade de Ribeirão Preto tem sido cenário de
estudos por parte de pesquisadores interessados em desvendar as múltiplas faces
de sua historicidade. Nessa busca, alguns domínios de sua história foram privi-
legiados, recebendo um olhar mais acurado e, com isso, mais debatidos. Nesse
campo estão as questões ligadas à economia cafeeira, com os seus tradicionais
desdobramentos, como as ferrovias, a imigração e o coronelismo. A literatura
que retratou esse “tempo dourado” discorreu, sobretudo, o luxo e a riqueza que
se instalaram na cidade obliterando, muitas vezes, as diferentes faces sociais e
culturais presentes na cidade. Muitos desses escritos se cristalizaram e se trans-
formaram em discursos alusivos a um tempo mítico de abundância e de sedução,
irrigando imaginários sobre um “Eldorado do Café”.
Conquanto, no início do século, a riqueza material estivesse concen-
trada na área rural, na economia cafeeira, era nos setores urbanos da cidade que
se espelhavam as perspectivas de modernização social. O crescimento urbano, o
desenvolvimento do comércio, melhoramentos como saneamento básico, água
encanada, iluminação, transportes públicos, ferrovias, ajardinamentos, escolas,
teatros e jardins públicos materializam esse desenvolvimento.
Aludindo ao crescimento populacional e ao desenvolvimento urbano
de Ribeirão Preto, Martinho Botelho aponta como fatores de “modernidade” as
possibilidades de lazer que a cidade oferecia:
Difícil seria prever que em trinta anos apenas decorridos, a insignifi-cante vila de criadores e invernantes se transformasse na grande ca-pital do café, cidade atraente e moderna, cheia de alegres diversões, com uma população não inferior a vinte mil almas e com importante
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vida social. O comércio tem um desenvolvimento completo e supre a vida social com todas as exigências do viver moderno. Estabeleci-mentos bancários importantes fazem quotidianamente grandes mo-vimentos de dinheiro, no país e no estrangeiro e, sucedendo a vida diurna nos negócios, os teatros, os cinemas, os concertos públicos, as brasseries e os restaurantes contentam os prazeres da vida noturna da movimentada capital do oeste paulista (BOTELHO, p. 169).
Observa-se que, ao longo de sua história, a cidade foi teatro de ati-
vidades agrárias, mas também de trocas, de negócios, de encontros nas ruas, de
conversas nas praças, de manifestações políticas e de festas. Foi o espaço em que
foram disseminados a educação escolar, a escrita, a imprensa, o livro, templos e
monumentos que, em sua arte, veiculavam representações, ideias e valores.
Assim, a cidade não pode ser analisada apenas pelo mundo da produ-
ção, da exportação cafeeira e da política que dela advêm, mas observada como
um lugar de construções simbólicas e de representações, onde múltiplos grupos
sociais estão envolvidos em sua formação. Evidencia-se a importância de se en-
contrar no campo das intertextualidades formas de articulações dos diferentes
discursos, para que sua historicidade seja lida e refletida de forma mais ampla.
Nesse eixo, a proposta do artigo é a de recompor os rastros deixados
por jornais, por documentos escolares e por registros fotográficos, cruzando seus
múltiplos fios e, numa trama, estabelecer tempos e espaços da cultura escolar
vivenciados na cidade, nas primeiras décadas do século XX.
O horizonte teórico que norteou a investigação baseia-se nas ten-
dências historiográficas produzidas pela História Cultural, que permitiram a per-
cepção de que a cultura escolar possui um estatuto próprio de transformação,
situando-se no mesmo patamar que as lutas políticas e econômicas: nem acima
nem abaixo das relações econômicas e sociais e nem alinhadas a elas, conforme
enfatizou Chartier (1990).
Investigar a cultura escolar significou, como aponta Dominique Juliá,
analisar as relações conflituosas, ou pacíficas, que ela mantém, a cada período
de sua história, com o conjunto das culturas que lhe são contemporâneas, como
a cultura religiosa, a cultura política e a cultura econômica, entre outras. (JULIÁ,
2001).
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O historiador da educação, Antonio Nóvoa, enfatizou que o estudo da
cultura escolar é parte da história de uma determinada instituição escolar e que
tanto os processos de mudança, como os de inovação educacional, mostram-se
diretamente ligados à compreensão das instituições escolares em toda sua com-
plexidade técnica, científica e humana. Afirma que
(...) as escolas constituem uma territorialidade espacial e cultural onde se exprime o jogo dos actores educativos internos e externos; por isso, a sua análise só tem verdadeiro sentido se conseguir mobi-lizar todas as dimensões simbólicas e políticas da vida escolar, não reduzindo o pensamento e a acção educativa a perspectivas técnicas de gestão ou de eficácia (NÓVOA, 1995, p. 16).
Elegendo a cultura escolar como objeto histórico implicou a percep-
ção dos processos de produção, imposição, circulação e apropriação de modelos
culturais para, então, compreender-se os modos como em diferentes lugares e
momentos uma determinada realidade social é construída, pensada e dada a ler.
Houve necessidade de apreender que as percepções do social não são discursos
neutros, pois produzem estratégias e práticas que tendem a impor sua autoridade,
a legitimar um projeto ou a justificar, para os próprios indivíduos, suas escolhas
e condutas.
Dessa forma, não se pode obliterar as concorrências, as competições,
os conflitos, os poderes, as dominações e as resistências que se corporificam no
espaço escolar e que desmistificam a ideia da neutralidade e da historicidade
curricular. Os signos indiciários dos processos de fabricação, de seleção do conhe-
cimento escolar e dos interesses subjacentes confirmam a percepção do espaço
escolar como um centro de produção cultural que historicamente imprime produ-
ções originais, constituindo-se num lugar onde se constrói uma cultura própria.
(CHERVEL, 1990).
Repertórios documentais
Rastreando um repertório de fontes que permitisse re-construir iti-
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nerários da educação escolarizada em Ribeirão Preto, investigamos, no Arquivo
Público e Histórico de Ribeirão Preto, coleções de jornais locais, percorrendo
um trecho de quase meio século. Foram consultados A Cidade, referente a cinco
décadas (1908-1955); o Diario da Manhã, no período entre 1907-1955, e A Tarde,
no período de 1937-1954. Por meio desses periódicos afloraram itinerários da
trajetória escolar de Ribeirão Preto, abrindo caminhos para a historicidade local
em suas várias dimensões.
Embora as fontes jornalísticas possuam um estatuto documental, sua
leitura exige do pesquisador um corpo de estratégias capazes de enfrentar as ar-
timanhas e o jogo de astúcias que os documentos carregam. Diz Chartier:
(...) os documentos que descrevem as ações simbólicas do passado não são textos inocentes e transparentes; foram escritos por autores com diferentes intenções e estratégias (1992, p. 17).
Contudo, os jornais expressam a materialidade de discursos que consti-
tuem as práticas escolares, registrando métodos e concepções pedagógicas vigen-
tes no início do século XX. Nessa relação com o tempo, eles produzem imagens
e representações.
Ao lado da documentação impressa, percorremos o acervo de imagens
fotográficas que permitiram registros imagéticos do cotidiano escolar, codifica-
dos em prédios, no vestuário de alunos e de professores, no mobiliário escolar e
nos rituais festivos. Todas as imagens são históricas, ressaltou Ana Maria Mauad
(1996, p. 98), enfatizando que o marco de sua produção e o momento de sua
execução estão decalcados nas superfícies da foto, do quadro, da escultura ou da
fachada de um edifício. A história se embrenha nas imagens, nas opções reali-
zadas por quem escolhe uma expressão e um conteúdo, compondo nos signos de
natureza imagética, objetos de civilização significativos de cultura, constituindo-
se, portanto, em lugares documentais.
Re-construindo lugares identitários
Ribeirão Preto, no início do século XX, possuía cerca de 60.000 habi-
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tantes, sendo que a maioria vivia na zona rural, onde se evidenciava a grande
presença de imigrantes, sobretudo italianos. Nos bairros situados na parte baixa
da cidade e nas imediações da estrada de ferro viviam os trabalhadores ligados
aos emergentes setores comerciais e industriais. Nas partes altas do setor urbano,
consideradas nobres, estavam os sobrados e palacetes, onde residiam as elites
ligadas à produção do café. Nesses espaços nobres estavam a catedral e o palá-
cio episcopal: um sobrado de “belo e majestoso aspecto”, conforme foi descrito
nos documentos (SOUZA, 1998). Situavam, também, os prédios da administração
municipal, emblematizando os poderes político e judiciário do município. Nesse
conjunto arquitetônico, demarcado pelos signos da pujança econômica cafeeira,
assentado na oligarquia, no poder dos coronéis e da Igreja Católica, é que foram
instalados o primeiro Grupo Escolar, o primeiro Ginásio Estadual, e os colégios
particulares, confessionais ou laicos. Os poderes, os saberes e a fé se irmanavam
na construção dos símbolos identitários locais.
A instalação de colégios em Ribeirão Preto significava simbolicamente
a modernização pedagógica, pois expressava a morada de um dos mais caros va-
lores urbanos — a cultura escrita. A sociedade acreditava ser a educação escola-
rizada um dos instrumentos civilizatórios possíveis para a cidade em processo de
urbanização, conotando prestígio e modernização para a cidade, num momento
em que poucas localidades os possuíam. Por isso, os estabelecimentos escolares
metaforizavam vitórias políticas e religiosas, decorrentes dos esforços das au-
toridades locais, mediadas pelo jogo político. As escolas eram concebidas como
ícones do progresso e como fatores de modernização educacional e cultural.
Compreendendo múltiplas salas de aulas, com classes e alunos seria-
dos, e contando com diferentes professores, os Grupos Escolares de ensino públi-
co foram criados, no Estado de São Paulo, na década de 1890:
(...) as escolas do ensino primário funcionarão em um só prédio com vastas salas bem arejadas, pátios arborizados, museus escolares, bi-bliotecas populares, mobiliário importado (SOUZA, 1998, p. 47).
O Primeiro Grupo Escolar de Ribeirão Preto, criado em 1895, funcionou,
inicialmente, em precários prédios adaptados, mas no início do século instalou-se
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num prédio construído pelo Estado: “um sobrado de belo e majestoso aspecto”,
conforme a descrição do Anuário do Ensino de 1908.
Cada grupo escolar poderia comportar de quatro a dez escolas isoladas
e seria regido pela quantidade de professores referentes a agrupamentos de qua-
renta alunos, contando também com adjuntos necessários, a critério da diretoria.
Vejamos imagens sobre a positividade desse modelo, nas palavras do Inspetor
Público de Ribeirão Preto:
Produziu os melhores resultados a ideia lembrada por esta inspe-toria e posta em prática pela Câmara, de reunir num só prédio as quatro escolas isoladas do Barracão, arrendando, para esse fim, e por três anos, um espaçoso e higiênico prédio com quatro salas, onde ficaram perfeitamente instaladas as referidas escolas.
Todas elas têm tido uma frequência, sendo a matrícula sempre su-perior a cento e dez alunos. A imprensa local elogiou, sem restrições, a resolução, em tão boa hora posta em prática pela Câmara, tanto
A monumentalidade dos primeiros Grupos Escolares. Inauguração do prédio do 1º Grupo Escolar de Ribeirão Preto José Guimarães Junior (1907). Fonte: APHRP.
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mais quanto a medida em questão deu aos cofres municipais uma
economia mensal de Rs 120$000. Relatório Apresentado à Prefeitura Municipal pelo Inspetor de Ins-trução Pública. (Jornal A Cidade, 19/01/1908, p. 1).
A instalação de um Grupo Escolar possuía um significado simbólico
maior do que a criação de uma escola isolada, cuja precariedade se assemelhava
às velhas escolas públicas do passado imperial, do qual o novo regime republica-
no desejava se distanciar.
Por entre as salas de aula, corredores, pátios e jardins, a criança in-
corporava uma ética e uma corporeidade inscritas no espaço escolar. Símbolos,
ornamentos, monumentalidade, todos esses elementos da retórica arquitetônica
dos primeiros edifícios escolares exerceram uma função educativa dentro e fora
da escola. Espelhavam a importância atribuída à educação naquele momento his-
tórico, aliando-se às grandes forças míticas que, então, compunham o imaginário
social, isto é, a crença no progresso, na ciência e na civilização. O lugar de for-
mação do cidadão republicano teria que ser percebido e compreendido como tal.
Escola Profissional José Martimiano da Silva (1934). Fonte: APHRP.
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“Sem bons prédios é impossível fazer boas escolas”, era um discurso recorrente
no início do século
O velho prédio do Colégio Auxiliadora — “a pequena casa” —, onde
durante vinte anos funcionou o colégio, transformou-se, em 1938, num “edifício
de majestosa pureza nas suas linhas arquitetônicas que toma quase todo o quar-
teirão” (A Tarde, 10/11/1942, p. 3). Suas instalações foram planejadas para se
transformarem em uma escola de projeção urbana. Possuía salas para professores,
salas ambiente bem arejadas, de geografia, de línguas vivas, de trabalhos manu-
ais, de educação física, de ciências e de música. Nas salas para a administração
escolar funcionavam a diretoria, a tesouraria e a secretaria. A biblioteca, a cape-
la, o parlatório, o auditório, o gabinete médico e odontológico, os dormitórios,
a copa, a cozinha, o refeitório, os lavatórios e a área livre faziam parte da monu-
mentalidade do espaço escolar.
Segundo os jornais, o Colégio possuía, ainda, pátios arborizados, o mu-
seu escolar, uma capela suntuosa e um mobiliário moderno. Evidencia-se que as
escolas privadas, por sua vez, perseguiam uma monumentalidade arquitetônica,
competindo e rivalizando-se com os demais prédios escolares citadinos.
Os inspetores federais, em visita ao colégio, exibiam sua admiração:
O Ginásio N. S. Auxiliadora pelo seu prédio arquitetônico e organi-zação admirável, bem pode se colocar dentre os primeiros estabele-cimentos de ensino do país e o melhor desta culta cidade. (Relatório do Inspetor Federal, 1948).
A configuração do espaço escolar constituía-se numa nova sensibilida-
de, definindo-se como um lugar identitário. Alojada em edifício próprio, especial-
mente escolhido e construído para tal, a escola era possuidora de uma identidade
e de uma cultura singulares. Mostrando-se como construções sóbrias, sólidas,
projetadas para durar, as escolas retratavam o papel social da instrução primária
e os valores atribuídos à educação, isto é, uma força moral e educativa.
O Colégio Santa Úrsula foi a primeira escola católica feminina insta-
lada na cidade. É datada de 1912 e dirigida pelas religiosas ursulinas, de origem
italiana, mas com grande influência da cultura francesa.
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Os jornais irrigavam esse imaginário exaltando a monumentalidade dos
prédios escolares:
Visitamos a parte do prédio em construção do Gymnasio Progresso. Localiza-se nos altos da cidade, dando a frente para a avenida Inde-pendência, lugar sulubérrimo (sic — salubérrimo) e apropriado para um estabelecimento de ensino.É um amplo pavilhão de construção moderna e que terá todos os re-quisitos da hygiene pedagógica. Dividido em 5 amplas salas de aulas, além dos compartimentos destinados à directoria, laboratório e ou-tros, o edifício está à altura dos fins a que se destina e terá, uma vez acabado, todo o conforto possível (Diario da Manhã, 18/12/1932, p. 2).
O jornal, produzindo notícias para seus leitores, acompanhava a cons-
trução da escola e, assim, registrava:
O novo prédio do Gymnasio Progresso está obedecendo aos mais modernos requisitos de construcção e ficará inteiramente apto à
Colégio Santa Úrsula (1940). Fonte: APHRP.
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bem servir aos seus alumnos. São janellas em posição horisontal, em altura sufficiente para que os alumnos não desviem a attenção da aula e de modo que, por ellas, possam entrar bastante luz e ar.Realizou-se hontem a cobertura de 2 salas de aula provisórias, que attenderão às necessidades do gymnasio enquanto não se acabar a construção do seu novo prédio (Diario da Manhã, 16/02/34, p. 3).
As imagens jornalísticas remetem os leitores para a exaltação e o fas-
cínio em face de monumentalidade dos prédios escolares:
Estabelecimento de ensino exemplar entre os seus congêneres o Col-legio Modelo installa-se no soberbo e magnífico prédio de proprie-dade da firma Dona Veridiana Prado e filhos na esplanada fronteira à estação da estrada de ferro Mogyana de Ribeirão Preto.Esse prédio com suas vastas acomodações, e explendidas dependên-cias que possui é constituído de espaçoso edifício e chácara com uma
1º Ginásio do Estado de Ribeirão Preto (1906), posteriormente denominado Escola Oto-niel Mota. Grupo de crianças em frente ao prédio. Fotografia de 1935 (Photo Sport). Fonte: APHRP.
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área de quarenta alqueires de terras em pomares e jardins e acha-se situado, pode-se dizer, dentro de Ribeirão Preto. Por suas irrepreen-síveis condições de hygiene e de conforto é o único em Ribeirão Preto que encontramos com as qualidades exigíveis ao funcionamento do instituto modelar com que será dotada esta cidade (Diario da Ma-nhã, 11/4/1907, p. 2).
Denota-se que a instituição do lugar identitário escolar se fez simulta-
neamente à constituição do espaço social e cultural urbano. Os edifícios escolares
espelhavam o projeto político atribuído à educação: convencer, educar, dar-se a
ver. Eram vistos, portanto, como expressões da cultura escolar na construção e
urbanização das cidades, naquele período. Dentre as inúmeras interferências nas
cidades, em fins do século XIX e início do XX, estiveram, sem dúvida, as edifica-
ções dos prédios escolares.
O mobiliário escolar
A expansão das escolas no Estado de São Paulo, no início do século
XX, traduzindo a aura da modernidade, gerou a necessidade de revesti-las com
materiais, móveis e objetos condizentes com os prédios então construídos. Um
mercado de mobiliário escolar se instaurou nos grandes centros, incumbidos de
importar dos Estados Unidos e da Europa laboratórios de física e química, mu-
seus, quadros, harmônios, modelos de esqueletos, quadros de história natural,
bússolas, microscópios, globos terrestres e outros objetos destinados às práticas
escolares. Fotografias de escolas ribeirão-pretanas, desse período, documentaram
salas de aula em que esses ícones do progresso republicano eram exibidos como
vitrines da modernidade.
A divulgação da instalação de um Jardim de Infância no “Collegio
Progresso” foi o mote para que a escola revelasse à cidade sua sintonia com o
tempo:
Para estabelecer o jardim, de modo a satisfazer cabalmente o fim a que se destina, será escolhido um prédio em local apropriado, com a
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indispensável sala espaçosa para jogos de acção com que as crianças farão agradável e hygienico entretenimento nos dias de mau tempo, além desta terá a mais duas salas menores para vários fins, mobi-liadas constantemente, com cadeiras, armários, lavatórios e mezas, indispensáveis e será tomado cuidadosamente pessoal competente para dirigir os trabalhos infantis e constantes de regulamento por-que se segue o Jardim dessa natureza. Os “jogos, dons e dádivas” serão adquiridos pelos modelos dos que se encontram nos Jardins já estabelecidos nos centros civilisados. (A Cidade, 09/01/1910, p. 1).
Além do mobiliário escolar importavam-se dos Estados Unidos ou da
Europa, os instrumentos de escrita, como lápis, canetas, penas, papel, tinta:
A Secretaria do Interior atendeu sempre com a máxima presteza aos constantes pedidos de fornecimento de materiais escolares, feitos por esta Inspetoria, por intermediário da Câmara. Carteiras do mais
1º Grupo Escolar. Sala masculina. O globo terrestre ocupando o lugar central como um ícone do conhecimento. Fonte: APHRP.
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aperfeiçoado modelo, mesas para professores. A propósito do mate-rial escolar, e preciso ressaltar as vantagens das carteiras individuais facilitadoras sobretudo da disciplina escolar. Mapas parietais, livros didáticos, papel, tinta, impressos, livros para escrituração, tudo nos foi fornecido sem demora, de modo que, devi-do à tão boa vontade, tivemos a intraduzível satisfação de ver, dentro de pouco tempo, as nossas escolas isoladas completamente dotadas do material escolar necessário ao seu bom funcionamento (Relatório do Inspetor da Instrução. Jornal A Cidade, 22/01/1908, p. 3).
Observa-se que as carteiras individuais foram enfatizadas, pelos educa-
dores, como as melhores do ponto de vista pedagógico, moral e higiênico. Cons-
tituía-se num dispositivo ideal para manter a distância entre alunos, evitando o
contato, a brincadeira, e distração perniciosa:
nenhum contato com outros corpos, isolado cada aluno em seu espa-ço — o domínio da carteira e suas adjacências — ficavam garantidas a disciplina, a moral e o asseio (Relatório do Inspetor da Instrução).
Carteiras individuais substituindo os velhos bancos escolares. O relógio pontuando o tempo escolar. Jornal A Cidade, 22/01/1908. Fonte: APHRP.
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As exigências quanto à modernidade do mobiliário e do material di-
dático escolar espraiavam-se pelas áreas rurais. Os cafeicultores orgulhavam-se
por manter em suas propriedades escolas equipadas, pois elas faziam parte dos
roteiros de visitas de convidados, autoridades políticas, banqueiros e estrangeiros
que percorriam as propriedades agrícolas do município. A fazenda Santa Amélia,
de propriedade do Cel. Manoel Maximiano Junqueira, onde estavam matricula-
dos de 20 a 30 alunos, segundo o relato do Inspetor, estava equipada com um
material, de propriedade da Câmara, “em perfeito estado de conservação”. Dele
constavam:
“21 carteiras, uma mesa para o professor, um mapa do Estado de São Paulo, 1 mapa do Brasil, 1 mapa mundi, uma sineta, 1 livro de matri-cula, 1 livro de chamada, 11 tinteiros, 1 porta canetas, 8 aritméticas Thyré, 283 cadernos Garnier, 12 Histórias do Brasil (Lacerda); 8 pa-leographos, 5 gramáticas portuguesas (M. Ferreira), 9 livros “Vida Infantil”, 22 livros Felisberto de Carvalho, 7 Geographias Thyré, 17s livros, F. de Carvalho, 8 livros Kopke, 11 livros João Kopke, 12 cartilhas Thomas Galhardo, 10. Livros F. de Carvalho, 9 livros de leituras Moraes, 22 canetas ordinárias. (Relatório do Inspetor da Instrução).
Os bancos, as mesas, as carteiras, a sineta e os mapas, as gravuras
ofereciam à escola uma decoração própria que se diferenciava da ornamentação
de um teatro, de um templo ou de uma estação de trem. A escola exigia uma
especificidade, um novo estilo de ornamentação que lhe daria identidade, mate-
rializada na decoração escolar.
O tempo cultural escolar
Em sintonia com as mudanças arquitetônicas produzidas nos espaços
escolares, outras inovações culturais deveriam ser implementadas para a imersão
urbana no processo de modernização social e, entre elas estava uma nova percep-
ção do tempo escolar.
Na transição do século XIX para o século XX, o tempo e o espaço esco-
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lares participavam da racionalização da vida social e da construção da tempora-
lidade urbana. O tempo e o espaço já não se constituíam como uma propriedade
“natural” dos indivíduos e, sim, como uma ordem que deveria ser aprendida, e
uma forma cultural que deveria ser experimentada.
Para a introjeção dessa nova cultura calcada na positividade do tempo
útil, outros símbolos culturais começaram a fazer parte dos grupos escolares: o
relógio, o sino, o calendário escolar e o rígido quadro de horário das disciplinas
curriculares. Assim, como a igreja e as fábricas, a escola se transformava, no final
do século XIX, em uma instituição de ordenação temporal da vida social e da
infância (ESCOLANO, p. 42). Nesse espaço, a criança internalizava as primeiras
percepções cognitivas da temporalidade, pautadas na exatidão, na aplicação e na
regularidade; além de aprender a ler o relógio e suas aplicações, aprendia noções
de um tempo cronometrado, útil, que era preciso aproveitar.
Os relógios escolares, os relógios domésticos e os de uso pessoal, ao
regular a conduta diária, ligavam-se a essa aprendizagem. Enfatiza Escolano
(p. 45):
a incorporação do relógio nos espaços escolares tem, além de um significado cultural, uma clara função pedagógica que se acrescenta às intenções educadoras das estruturas espaciais das instituições.
O repicar do sino, a exemplo das igrejas e dos sinos das fábricas, pau-
tavam os principais momentos da jornada escolar: a entrada, o recreio, a saída. O
quadro de horário registra a distribuição do tempo, a fragmentação das matérias
e das atividades e constituía-se em um instrumento de controle do trabalho dos
alunos e dos professores.
Transcende a imagem que o tempo escolar modelava o tempo disci-
plinar, pautando os horários e seu cumprimentos, cada coisa a seu tempo certo,
preciso. Dessa forma, a criança aprendia a concepção cultural do tempo que
regulamenta a vida social.
Para se obter o êxito na introdução dessa nova cultura escolar, os prin-
cípios da pontualidade eram reiterados, incentivados e premiados:
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O premio “dr. Padua Salles”, instituído para o alumno que se salien-tar em “civismo e pontualidade”, será entregue, depois que for julga-do entre os meninos dessa escola áquelle que ao mesmo fizer jus (A Cidade, 04.07.1917, p. 1).
Para que o aprendizado dessa nova percepção e vivência cultural do
tempo, as escolas não pouparam castigos, advertências aos pais, chegando mes-
mo a expulsões dos mais refratários.
O Externato Santo Agostinho, fundado pelos Padres Agostinianos Re-
coletos, criado em 1904, explicitava pelo jornal local o rigor que impunha aos
horários e o zelo com que tratava os aspectos disciplinares:
HORÁRIO PARA CLASSE DE 1º ANO (1910)
Distribuição do horário de um grupo paulista que se constituía em modelo para todo o Esta-do. Fonte: http://www.crmariocovas.sp.gov.br
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Uma negligencia habitual dos deveres escolares, ausências e atrazos frequentes na entrada, sem motivos plausíveis, assim como rixas en-tre alumnos, actos de insubordinação ou de imoralidade são motivos de exclusão do Externato.Todos os alumnos do Externato Santo Agostinho devem assistir à mis-sa dos domingos e dias santificados na Igreja “São José”occupando os logares que lhes são reservados. Por bilhete remetido pelo correio, os paes são avisados do não comparecimento dos filhos às aulas e a missa.A porta para entrada estará aberta ás 10 ½ horas e as aulas vão até as 4 horas da tarde. (A Cidade, 27/01/1909, p. 2)
A leitura de outros exemplares desse jornal revelou que o colégio,
cumprindo o seu regulamento, efetuava as eliminações de alunos recalcitrantes.
No ano de 1913, há o registro de que quatro alunos foram eliminados. (A Cidade,
01/05/1913, p. 1). Ao lado das premiações, as punições pelo não-cumprimento
do tempo escolar também faziam parte da cultura escolar.
Essa nova sensibilidade que marcava a introjeção do tempo cultural
não se fez linearmente e pacificamente. Houve, a princípio, resistências quanto
à imposição dos horários às crianças, o que, de certa forma, alterava a rotina
doméstica. Muitas crianças estavam incumbidas de levar o almoço para os pais,
empregados em fábricas, oficinas e firmas. Vejamos as palavras do diretor do 1º
Grupo Escolar de Ribeirão Preto:
Do dia 4 de Maio em diante as aulas do Grupo Escolar funccionarão das oito horas da manhã ao meio dia. Não pude ainda apprehender qual razão em que se baseou o sr. Secretario do Interior para exacta-mente quando começam as manhãs frias e impróprias para ficarem os meninos nas primeiras horas do dia, privados do sol e do exercício physico. Para o verão é este o horário que melhor poderá conciliar o bem estar das creanças e dos professores com os interesses do ensi-no; mas, no inverno seria muitíssimo melhor que os exercícios esco-lares fossem practicados das dez horas da manhã ás duas da tarde. Accresce que, em geral, nas casas de família o almoço é servido ás dez horas da manhã e no horário actual além do inconveniente de
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prender as creanças á sombra nas horas que mais precisam de sol, vem impor modificação na hora costumada do almoço. Aos poderes competentes pedimos licença para lembrar que, á nosso ver, o me-lhor horário para o Grupo será o das dez as duas no inverno e das oito as doze no verão. (A Cidade, 02/05/1909, p. 1)
Os perfis higienistas
No início do século XX, praças, ruas, edifícios públicos, bairros e re-
sidências deveriam possibilitar um novo contexto de civilidade, de maneira a
exorcizar o passado das doenças contagiosas, das moléstias provocadas pela falta
de higiene da população, de ruas mal demarcadas e de focos de perniciosidade
moral. Para essa cruzada, as escolas logo projetaram uma dimensão educativa que
se derramava para a família, para o bairro e por toda a sociedade.
As instituições escolares exigiam obrigatoriamente o atestado de va-
cinação: “os alunos deverão apresentar certidão de idade e de vacina”, diziam os
anúncios publicados nos jornais locais. Engajavam-se nas campanhas do serviço
sanitário, para o combate das epidemias que, então, assolavam a cidade. A ne-
cessidade do re-ordenamento higiênico do espaço urbano e escolar era recorrente
no discurso médico. Entendia-se que, na formação higienista da mocidade, três
forças atuavam de maneira significativa: a casa, a mãe e os colégios.
José Gondra observa que a decisão de instalar escolas encontrava-se
visceralmente ligada às condições higiênicas do lugar em que elas deveriam fun-
cionar, isto é, às instalações topográficas, climáticas, sanitárias, de ventilação,
iluminação, de salubridade. Assim, a localização das escolas obedecia às leis de
uma natureza saudável, promotora de saúde (2000, p. 528).
A arquitetura escolar deveria atender aos valores higienistas, para que,
numa ação social conjunta, imprimisse na população um paradigma calcado nos
parâmetros higienistas dos países civilizados. Esse movimento, que tinha no hori-
zonte a utopia de produzir uma sociedade escolarizada, regenerada e homogênea,
aliava se às grandes forças míticas que compunham o imaginário social vigente,
isto é, a crença no progresso, na ciência e na civilização. Os apelos e as promes-
sas dirigidos aos pais irrigam esse imaginário. Vejamos o anúncio do Collegio Luiz
de Camões:
259RIBEIRÃO PRETO • A cidade como fonte de pesquisa | USP-Ribeirão Preto
Com as necessárias commodidades e nas mais rigorosas condi-ções hygienicas, vae fundar-se nesta cidade, um estabelecimento d’instrucção primaria e secundaria. Disporá de todos os apparelhos necessários para o ensino practico e observar-se-ão os mais aperfei-çoados preceitos da pedagogia moderna.
Esses apelos sedutores são utilizados por outros estabelecimentos
educacionais, como no registro do texto do seguinte anúncio do Colégio Santa
Úrsula:
Funciona em prédio apropriado a fins pedagógicos. Lugar salubérri-mo e aprazível no centro de bella chácara, oferecendo uma educação completa (A Cidade, 6/02/1919, p. 2).
As condições higiênicas desse estabelecimento são optimas, confor-me se póde verificar pela visita que alli fez o digno delegado de saú-de, que, bem impressionado com essa visita, forneceu á directora do Collegio Santa Ursula um valiosíssimo attestado, que é uma prova insophismavel das excellentes condições de salubridade dessa casa de educação, que faz honra á nossa cidade (idem, p. 1).
Saúde e educação se apresentavam como questões indissociáveis. Ha-
via uma forte convicção entre os higienistas de que as medidas sanitárias propos-
tas seriam fadadas ao fracasso se não fossem introjetados, nos sujeitos sociais,
hábitos higiênicos mediados pela educação. Assim, os colégios contribuíam para
reproduzir em seus espaços privados os princípios vigentes na sociedade. Uma
pedagogia social fazia parte dos saberes ensinados.
Espaços de sociabilidades e de sensibilidades
As escolas ribeirão-pretanas, desde o início do século, constituíram-
se em espaços de sociabilidades e de uma estética da sensibilidade. Os grupos
literários, os grêmios estudantis, as festas, as exposições de trabalhos manuais, o
orfeão, os pátios, os recreios, tornavam momentos de encontros, de sociabilida-
des e de construção de identidades.
260
Na inauguração do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, em 1918, aflo-
ravam os sinais de que uma nova cultura urbana se instaurava na cidade:
Após a benção episcopal teve lugar uma pequena sessão litteraio-mu-sical” (sic). Jornais narram que poesias, hinos sacros e cívicos, can-tos abrilhantaram o evento. “Uma jovem cantou enternecidamente “L’ Ária del la Chiesa”, cujas notas harmoniosas se espalharam no ambiente amolecendo os corações numa affetuosa onda de sympa-thia cristã. Uma farta mesa de doces, sorvetes e refrescos encerrou as festividades (A Cidade, 10/02/1918, p. 3).
Os jornais registraram a presença de autoridades políticas e adminis-
trativas locais na inauguração da escola. As elites econômicas se fizeram re-
presentar nas cerimônias, sobretudo, pelas mulheres “beneméritas patronas e
generosas benfeitoras do estabelecimento”. Os nomes, registrados pelo jornal,
apontam para a presença de esposas e familiares de prestigiados coronéis e ca-
feicultores locais.
As Associações Estudantis constituíram-se em outros espaços de so-
ciabilidade, pois eram ocasiões em que se construíram laços identitários entre
professores e alunos, fora do recinto das salas de aulas. Denota-se que, nesses
lugares, conquanto se mantivessem as hierarquias escolares, rompia-se com o
cotidiano demarcado pela desigualdade, adentrando no reino utópico da unani-
midade engendrado pela festa. As sociabilidades culturais e recreativas criavam
comunidades produtoras de sentidos escolares.
No primeiro Ginásio do Estado: reuniram-se numa das salas os alu-mnos deste estabelecimento para tratarem da organização de seu grêmio literario-patriotico, fundado ha dias. Presidiu a sessão o dr. Augusto de Loyolla, presidente honorario do grêmio. Foi dada pos-se á directoria, constituída, que tomou assento na meza. O sr. Prof. Otoniel Mota, eleito director literário do grêmio, foi introduzido no recinto por uma commissão de alumnos.Tomando assento na meza o cathedratico do Gymnasio proferiu um comovido discurso agradecendo effusivamente a eleição com que era honrado, onde via, acima de tudo, a prova de amizade de seus
261RIBEIRÃO PRETO • A cidade como fonte de pesquisa | USP-Ribeirão Preto
alumnos. Propoz o prof. Otoniel que a sociedade fizesse saraus lite-rario-musicaes, onde fosse cultivada a nossa literatura a par de boa musica, o que foi acceito unanimemente.O alumno Ary Mota proferiu então um bello discurso agradecendo em seu nome e de seus collegas de directoria, a prova de confiança dos seus condiscípulos entregando-lhes a direcção do grêmio. Proce-deu-se depois a eleição de uma commissão encarregada de organisar os Estatutos e da redacção do jornal que será mantido pela socie-dade. Pelo prof. Otoniel Mota foram apresentadas duas theses “A influencia de Gonçalves Dias na literatura nacional” e outra sobre “A mulher intellectual”. (A Cidade, 20/06/1911, p. 2)
Esses eventos eram recorrentes em outras escolas:
Em prosseguimento ao seu programa de actividade intellectualista, o Centro Gymnasial “Moura Lacerda”, levou a effeito, hontem, nova sessão literária.Os sócios do novo organismo representativo da mocidade estudan-tina local, que veio encontrar no Gymnasio de Ribeirão Preto, novo e valioso contingente, estiveram reunidos hontem e pelas alumnas da classe do estimado prof. Moura Lacerda foi entoado o hymno da-quelle estabelecimento de ensino secundário.A seguir, pelas alumnas foram executados lindos cantos, recitativos discursos.E assim, como se vê, continua o centro Grêmio Gymnasial “Moura Lacerda” em actividade que não sendo interrompida, será proveitosa aos associados (Diario da Manhã, 25/8/1935, p. 3)
No calendário escolar, as festas comemorativas, cívicas e exposição de
trabalhos manuais salpicavam por todo o ano letivo, provocando uma interrupção
do cotidiano das salas de aulas. Constituíam-se em momentos de comunhão e ho-
mogeneidade escolar em que a escola saía de si e se mostrava para a sociedade.
Os jornais revelam que uma educação estética de origem europeia e
que foi introduzida entre as alunas, configurando-se como uma cultura mais refi-
nada do que a nacional.
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Neste collegio realisa-se amanhã uma festa em homenagem ao Re-vmo. Bispo desta Diocese e com que serão também encerradas as aulas.
O programma é o seguinte:Homenagem a S. Exc. D. Alberto – (Chant).O dia dos annos (Monologo)L’Ursulinette (Chants des internes)Le phonographe enchanté (Dialogue)P. Wahs – (Marche des Muscadins – Pianos)O anniversario querido – (Comedia em tres actos)Poésies françaisses des petites filiesComedia (Segundo acto)Le petit Jesus travaille – (Poésie)Meyerbeer – Marche aux flambeaux – PianoComedia – (Terceiro acto)Ronde d’Avril – (Chant enfantin)La bague et le dé – Dialogue”. (Diario da Manhã, 13/05/1918, p. 3).
Evidencia-se, pela programação festiva, a prática escolar de uma edu-
cação estética diferenciada. Conotava uma cultura voltada para as filhas das eli-
tes locais e regionais, geradora de sentidos emblemáticos da cultura escolar ali
vivenciada pelas alunas.
A preocupação estética era parte integrante de todos os estabelecimen-
tos escolares. No Gymnasio Progresso, o Dia da Árvore foi assim comemorado:
A festa da árvore obedecerá ao seguinte programma:1 – Hymno nacional – pelo orfeon do gymnasio;2 – Hymno às árvores – por todos os alumnos;3 – Plantio de mudas de (árvore) Pau Brasil – por alumnos do curso gymnasial;4 – Dissertação sobre o Pau Brasil – por um aluno;5 – O Café-canto pelos alumnos da 3º serie gymnasial;6 – Peças de violino;7 – Brinquedo das árvores – por um grupo de alumnos;
263RIBEIRÃO PRETO • A cidade como fonte de pesquisa | USP-Ribeirão Preto
8 – Resolução;9 – Peças pelo jazz Band xisto Bahia do Gymnasio Progresso.(A Tarde, 21/09/ 1935, p. 4).
Viñao e Escolano ressalta que máximas a favor das árvores foram ins-
critas frequentemente nas escolas. Respondiam às propostas de exaltação na-
turalista e românticas feitas pelos regeneracionistas que acreditavam no poder
civilizatório da terra e do bosque e instituíram a festa da árvore para sensibilizar
a sociedade sobre os riscos do desmatamento, induzidos, em geral, pelos interes-
ses de agricultores e criadores de gado. Formavam parte de um amplo programa
da “pedagogia da paisagem” (2001, p. 42).
Os heróis nacionais, as datas históricas que remetiam para a identidade
nacional eram celebradas. O dia 12 de outubro, quando se comemorava a desco-
berta da América, era anualmente festejado no Gymnasio Moura Lacerda:
Em sessão cívico-literário, realizada às 10 horas da manhã de hon-tem, foi commemorarado (sic) festivamente o dia 12 de outubro no Gymnasio Moura Lacerda. Com a presença do diretor do estabeleci-mento e do presidente do Centro Acadêmico “XV de Junho”. Houve apresentação de poesias, canto, bailado por um grupo de alumnas e uma prelecção sobre a data. (Diario da Manhã, 13/10/1935, p. 2).
As escolas constituíam-se em espaços de sociabilidades e de sensibili-
dades não somente pelas festas cívicas, comemorativas de datas ou para homena-
gear autoridades visitantes, mas também pelas exposições pedagógicas. Pela sua
própria denominação, a exposição é o mote para a exibição dos trabalhos esco-
lares, no sentido duplo de promover a educação estética de alunos e visitantes,
como oferecer visibilidade e credibilidade à eficácia da educação escolar.
Os jornais divulgavam as exposições realizadas pelas escolas, onde
expunham os trabalhos manuais, de marcenaria, de escultura, objetos de metal,
pinturas e desenhos feitos pelos alunos. Eram imagens simbólicas do êxito es-
colar, dadas a ler aos que ali adentrassem. O Colégio Santa Úrsula, anualmente,
abria suas portas para que a população apreciasse as vitrines de sua proposta
pedagógica:
264
Abre hoje, às 9 horas, à visita do publico de Ribeirão Preto, uma esplendida exposição de trabalhos de costura, bordado, desenho, e pintura num harmonioso conjunto artístico demonstrativo do incan-sável labor durante o anno lectivo que está prestes a findar-se.Todas as exposições do collegio Santa Úrsula agradam.Esta, porém, está destinada a realçar-se entre as já vistas, quer pelo grande numero de trabalhos expostos, quer pela delicadeza, origina-lidade e o fino acabamento da maioria delles.O visitante encontra trabalhos cada qual mais bello e mais atraentes do que o outro. São toalhas de chá, guarnições de mesa, jogos de quarto, vestidinhos, blusas, tricot, crochet, frivolité, rendas, quadros de pintura, almofadas lindíssimas, mobillazinhas e, como se isso não bastasse para attrair por uma boa hora a attenção do visitante, os trabalhos do centro de interesse do 1º anno do curso profissional, cujos themas: café, alimentação, algodão, industria e commercio em geral — interessam indistintamente e revelam adiantado grau intel-lectual das alumnas que os organizaram.Uma lista completa dos trabalhos expostos seria excessivamente ex-tensa. Em nossa curta visita de hontem anotamos os que mais so-bressahem.O Collegio Santa Ursula convida a quantos se interessam pela sua exposição, bem como, na mesma occasião, os interessados que assim desejarem, poderão visitar o estabelecimento em todas as suas sec-ções. (Diario da Manhã, 28/11/1934, p. 4)
A educação estética compreendida na modernidade é parte do contex-
to de valorização das culturas nacionais e, ao mesmo tempo, da valorização do
sujeito autônomo, individualizado e racionalizado, que por isso seria capaz de se
identificar com os princípios e valores universalizados, necessários à harmonia
social.
Educação Catholica e instrucção das meninas
Ensino se faz em Portuguez. Línguas – Francez, Inglez, Italiano. Desenho, pintura, pyrogravura, solfejo, piano, violino, bandolin. Trabalhos manuaes e costura, bordado a branco e a cores, cortes de vestidos, Flores artificiais. (A Cidade, 26/11/1916, p. 2)
265RIBEIRÃO PRETO • A cidade como fonte de pesquisa | USP-Ribeirão Preto
Outras escolas particulares, leigas, também, disputavam a reduzida
clientela local. Na ausência dos meios radiofônicos e televisivos, os jornais eram
os lugares da sedução. Rivalizando-se com o ensino público, as escolas privadas
ofereciam um currículo que contemplava, além das disciplinas tradicionais, outras
que preparavam, sobretudo, as mulheres para o trabalho doméstico. Destacava-
se, sobretudo, a preocupação com uma educação estética. As grades curriculares,
exibidas publicamente, constituíam-se no campo onde as diferenças se manifes-
tavam em apelos simbólicos sobre as suas singularidades:
Collegio Progresso. Internato e Externato para meninas
Elegante e confortável installação à Rua São Sebastião, 96. As ma-trículas estarão abertas do dia 15 do corrente em deante, no prédio do Collegio. O anno lectivo é de 10 mezes começando no dia 1º de Fevereiro e terminando no dia 30 de novembro.
Matérias do Curso
Portuguez — ArthméticaFrancez — AlgebraInglez — GeometriaItaliano — Geographia
História Patria — GymnasticaHistória Natural e Universal — SolphejoBordados — Desenho — Costura
Matérias Facultativas
Piano, Bandolin, ViolinoCanto, Pintura, Pirogravura (A Cidade, 09.01.1910, p. 2).
Assim, para uma educação estética, eram estimuladas várias formas de
expressão artística, tais como, o canto, a dança, a música, a literatura, o teatro
e os trabalhos manuais, mas, principalmente, as formas de educar para produzir
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uma emoção estética. A concretização dessa educação se faria no desenvolvimen-
to da capacidade de contemplar a beleza urbana, seus jardins e edificações, a
nova estética dos prédios escolares e das salas de aula; pensou-se, também, nas
festas cívicas e escolares, auge de uma comunhão nacional e da homogeneidade
cultural, em que todos são um só canto e uma só imagem.
Dessa forma, as escolas que se instalaram na cidade de Ribeirão Preto,
nas primeiras décadas do século XX, implementaram um processo fundamental
para a sua transformação cultural. Na invenção da modernidade urbana, elas
criaram novas formas de sociabilidades e de sensibilidades, expressas no can-
to, na música e no teatro. Foram transmissoras da ciência e dos conhecimentos
úteis, sendo responsáveis pela formação de bons hábitos, bons costumes e bom
comportamento.
A pedagogia adotada nas diferentes escolas revela uma preocupação
em introjetar hábitos de higiene, asseio, destreza, desenvolvimento físico, zelo,
perseverança, enfim, qualidades que preparassem seus alunos para uma vida pú-
blica ordeira, longe dos tumultos e das ideias revolucionárias. Veiculando um
modelo educacional propício para moldar comportamentos, as escolas buscaram
qualificar a juventude para uma sociedade voltada para o trabalho, na qual a
ordem, a disciplina e as virtudes morais eram constructos indispensáveis para a
vivência em centros urbanos que se preparavam para o tempo do capital comer-
cial e industrial. Identificavam-se, portanto, com um tempo em que o trabalho,
a individualidade, a virtude moral e a disciplina eram sinônimos de progresso e
civilização.
Os jornais indiciaram que a modernidade expressa nos prédios e no
mobiliário conviveu com atitudes autoritárias e, nesse caso, o moderno e o tradi-
cional se mesclaram. Os espaços escolares criaram o novo, mas, também adotaram
o velho, sendo cenários de produção, reprodução e contradições. Assim, múltiplas
temporalidades estiveram presentes nesse processo.
As instituições elaboram uma cultura escolar própria, com seus espa-
ços e tempos singulares. O espaço escolar não se reduziu a um cenário. Ele emer-
giu enredado numa trama, sendo constituidor de sujeitos. As divisões que nele
se estabeleceram, o que se construiu, o que se fez com os vazios, os caminhos
que se abriram, os muros que se edificaram, o que se deu visibilidade e o que se
267RIBEIRÃO PRETO • A cidade como fonte de pesquisa | USP-Ribeirão Preto
escondeu, os espaços permitidos e os proibidos, são estratégias cambiantes no
tempo e implicam racionalidades subjacentes. Tempos e espaços escolares são
construções sociais e históricas e, por isso, são inventados, (re)inventados e
(re)significados.
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JORNAL A Tarde. Ribeirão Preto, 1908-1933.
Fonte
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