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A DISPENSA COLETIVA E O DIREITO FUNDAMENTAL À PROTEÇÃO AO EMPREGO A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA SOCIEDADE ECONÔMICAMODERNA

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A DispensA ColetivA e o Direito FunDAmentAl à proteção Ao emprego

A DigniDADe DA pessoA humAnA nA soCieDADe “eConômiCA” moDernA

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robertA Ferme sivolellAJuíza do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região desde 2004, doutora em Direitos

Sociais pela UCLM – Universidad Castilla La Mancha, pós-graduada em Direito Material e Processual do Trabalho pela UGF – Universidade Gama Filho – e graduada pela Universidade

do Estado do Rio de Janeiro. Atualmente, também é diretora de Imprensa e Comunicação da Associação de Magistrados Trabalhistas da 1ª Região – Amatra 1, colaboradora da Adapt –

International – Associazione per gli Studi Internazionali e Comparati sul Diritto del Lavoro e sulle Relazioni Industriali – e professora de direito processual do trabalho e direito coletivo na

AVM – Faculdades Integradas/RJ.

A DispensA ColetivA e o Direito FunDAmentAl à proteção Ao emprego

A DigniDADe DA pessoA humAnA nA soCieDADe “eConômiCA” moDernA

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índice para catálogo sistemático:1. Dispensa coletiva : Direito do trabalho

34:331.13

Sivolella, Roberta FermeA dispensa coletiva e o direito fundamental à proteção ao emprego : a

dignidade da pessoa humana na sociedade “econômica” moderna / Roberta Ferme Sivolella. - São Paulo : LTr, 2014.

Bibliografia.

1. Direito fundamental - Brasil 2. Empregados - Dispensa 3. Empregados - Dispensa - Brasil I. Título.

14-05548 CDU-34:331.13

EDITORA LTDA.© Todos os direitos reservados

Rua Jaguaribe, 571CEP 01224-001São Paulo, SP – BrasilFone (11) 2167-1101www.ltr.com.br

Agosto, 2014

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Versão impressa - LTr 4990.7 - ISBN 978-85-361-3049-1Versão digital - LTr 8259.9 - ISBN 978-85-361-3112-2

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Agradeço imensamente aos meus pais, Maria e Rocco Sivolella, por me formarem como pessoa e cidadã perseverante e inquieta na busca do justo; aos

professores e companheiros desta caminhada acadêmica, por enaltecerem o gosto pelo conhecimento e consolidá-lo; e a Nossa Senhora, por me cobrir com seu manto e me dar a força suficiente para levar a frente não só este, mas todos os

projetos da minha vida.

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Dedico este livro a todos aqueles que não se contentam com uma só verdade, amam o Direito e procuram, enfim, fazer a diferença, tirando da busca do saber todo o estímulo para a construção de caminhos

que levarão de fato à Justiça real.

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Sumário

Prefácio ................................................................................................................. 11

Introdução............................................................................................................. 13

I. A Garantia de Emprego como Direito Fundamental .................................... 25

I.I. Os direitos fundamentais: conceito, desenvolvimento e história .......... 25

I.II. A proteção contra a dispensa: conceito, história e status constitucional .... 33

I.III. A proteção à dispensa coletiva como corolário do direito fundamental à segurança no emprego: desenvolvimento e efetividade ..................... 45

II. Economia e Proteção contra a Dispensa ........................................................ 65

II.I. Desenvolvimento da economia e mercado de trabalho: uma relação mútua de causa e efeito ........................................................................ 65

II.II. A flexibilização “globalizada” das leis trabalhistas e a dispensa coletiva como reflexos da economia .................................................................. 71

II.III. Constitucionalismo econômico do trabalho: a ponderação de valores e a dispensa coletiva ................................................................................ 83

III. A Efetividade Concreta da Proteção contra a Dispensa Coletiva ................. 95

III.I. A efetividade dos direitos fundamentais como escopo principal na inter-pretação e aplicação da norma protetiva .................................................. 95

III.II. A ação social na empresa e o direito de consulta como instrumentos de efetividade ............................................................................................ 102

III.III. Mecanismos práticos de controle do “flexidespido” ............................ 111

Conclusão ............................................................................................................. 119

Referências Bibliográficas .................................................................................... 125

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Prefácio

Pensar o Direito, com visão científica. Grande desafio! A contemporaneidade das transformações sociais, diante dos Princípios Fundamentais, provoca no leitor a reflexão permanente sobre um estudo da maior relevância social.

“A Dispensa Coletiva e o Direito Fundamental à Proteção ao Emprego: A Dignidade da Pessoa Humana na Sociedade Econômica Moderna”. O título bem demonstra a complexidade do tema no contexto de uma realidade social em que a valoração do trabalho é fundamento primeiro do Estado Brasileiro.

Sinto-me extremamente honrado por ter tido a oportunidade de apresentar a obra. Ser pela autora escolhido me proporcionou um momento importante, o de poder pensar muito sobre um tema de especial relevância, no estudo das relações de trabalho, na atualidade e muitas vezes tratado sem a profundidade científica que agora nos revela a jovem juíza Roberta Ferme Sivolella.

A autora bem demonstra sua cultura jurídica. É estudiosa do direito, com diferenciada experiência nas letras jurídicas. Sua bibliografia já se mostra impor-tante, relevante, rica para os cultores do Direito do Trabalho.

O caráter determinante das relações de trabalho, como direito fundamental que é, não pode deixar ao vazio os meios de proteção que visam garantir a efetivi-dade do princípio maior da valoração do trabalho e, nesse contexto, a continuidade da relação de emprego, para encontrar o equilíbrio entre a autonomia da vontade e o fim social a que se comprometeu o Estado na busca do bem comum.

Nas primeiras linhas se antevê a profundidade com que se desenvolve a obra. A visão clássica dos princípios norteadores do Direito do Trabalho, como primado da dignidade da pessoa humana.

Os clássicos citados referendam o estudo crítico de um posicionamento justo, razoável, sobre o que representa o contrato de trabalho na formação e no desenvol-vimento da atividade empresarial.

O caminho que se descortina, no decorrer da leitura, traz de volta a preocupa-ção, de longa data, por isso que permanente, do que vem a ser uma relação jurídica continuativa, inegável fonte de produção de riqueza, com o paradoxo anacrônico da despedida arbitrária e sem justo motivo.

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A presença, no ordenamento jurídico, da dispensa arbitrária ou sem justo motivo relembra a mitologia grega representada pela espada, presa por um único fio de crina de cavalo, a pender sobre a cabeça de Dâmocles. O perigo, iminente, do rompimento do contrato de trabalho termina por se transformar em fonte de incerteza e de insegurança, a permear a relação de emprego.

A partir do pressuposto de que é, no mínimo, questionável a ausência de qualquer garantia, menor que seja, do trabalhador no emprego, como conciliar os princípios fundamentais, que norteiam uma sociedade que se quer justa, equi-librada e feliz, com a agressividade da dispensa em massa de trabalhadores e sua consequência desastrosa para a classe trabalhadora, suas famílias e a sociedade?

A realidade em que vivemos nos obriga ao pensamento doutrinário e à diu-turna discussão.

A autora, com uma linguagem clara, objetiva e técnica, desperta no leitor a curiosidade e o interesse pelo desenvolvimento do tema proposto, a tornar a obra jurídica uma agradável leitura.

A inegável atualidade que envolve a proposição “dispensa coletiva”, a reper-cussão social que daí advém, afetando toda a sociedade, requer uma partilha maior do conhecimento, a aprimorar importante segmento social. Bem-vinda a obra, no-tadamente porque há pouca bibliografia disponível sobre o grande valor do estudo nesse contexto socioeconômico em que vivemos.

A excelência da obra se materializa na firmeza da exposição. O caminho per-corrido, com os recursos trazidos pela experiência no direito comparado, enrique-ce sobretudo o leitor, como resposta às mais inquietantes indagações.

A relação de emprego é um bem jurídico constitucional. Como tal tem que ser tratada. A dispensa individual, arbitrária ou sem justa causa é vedada. Quer a Consti-tuição Federal! A indenização, como reparação, se impõe! Não se pode admitir outro tratamento quando se trata da dispensa coletiva, em massa. A vedação constitucional está a impor inibição. Inibição maior, na dispensa coletiva, diante do rompimento dos princípios fundamentais, que presidem a sociedade moderna.

As manifestações dos Tribunais sobre a dispensa em massa. O julgamento pela Seção Especializada em Dissídios Coletivos, do caso Embraer, em 2009. A Con-venção Internacional, ao se deparar com o impacto causado pela dispensa coletiva, tudo, com juridicidade, vem tratado no desenvolvimento da obra.

O livro é intenso ao desvendar os mistérios do impacto social causado pela dispensa coletiva.

Parabéns à juíza Roberta Ferme! A obra é, com certeza, referência no estudo de tão instigante tema, contribuição indispensável aos cultores do direito.

Brasília, fevereiro de 2014

Aloysio Corrêa da VeigaMinistro do Tribunal Superior do Trabalho

Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e do Instituto dos Advogados Brasileiros

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introdução

O Direito do Trabalho, como ciência que expressa quiçá a mais discrepan-te relação jurídica quanto aos sujeitos que a compõem, também por tal motivo, apresenta intenso grau de animosidade e caráter conflitivo. Tais peculiaridades se materializam por meio da disparidade subjetiva entre duas forças que, nada obs-tante, apresentem divergência de status social e hierarquia econômica refletida na subordinação como característica ínsita e premente à consubstanciação da relação de trabalho em sua vertente mais verdadeira, acabam por se “interdepender”. Do desenvolvimento e dos desdobramentos da vivência fática e convivência – nem sempre pacífica – entre sujeitos tão individualizados em suas características e po-tencialidades, decorrem reflexos de extrema relevância e impacto por vezes impre-visíveis nos aspectos históricos, econômicos e políticos de uma sociedade.

Pode-se dizer, portanto, que há uma relação de “causa e efeito” recíproca entre as relações abarcadas pelo ramo do Direito que estuda o dispêndio e apro-veitamento da força de trabalho e suas nuances, e o momento histórico vigente. Não por acaso, a regulamentação das relações de trabalho, em análise de sua maior flexibilidade ou maior rigidez, apresenta movimento pendular e cíclico, ora ten-dendo para uma maior normatização e fiscalização pelo Estado, ora tendendo para uma maior flexibilização e liberdade do estabelecimento de suas cláusulas entre as partes do contrato. O ápice do dito “movimento pendular”, em cada um de seus extremos lados, em geral, culmina em repercussão tão direta e intensa na economia e no momento político de determinada realidade social que acaba por impulsionar novo movimento em sentido diametralmente oposto.(1)

Citando o jurista brasileiro Miguel Reale,

A vida dos modelos jurídicos se desenvolve entre dois fatores operantes, um visando a sua preservação e permanência, outro reclamando a sua refor-

(1) Exemplo de tal premissa é a Revolução Industrial, para a qual o baixo custo da mão de obra e a maximização de sua exploração vieram a encaixar-se com a necessidade de investimento financeiro focado no desenvolvimento tecnológico. Tal exploração, contudo, foi tão exacerbada que culminou em intensa crise social, injetando estímulo à origem de movimentos revolucionários e criando sistema de enfoque destacado à regulamentação de direito dos trabalhadores. (HOBSBAWN, Eric J. A Era das Revoluções: A Revolução Francesa. São Paulo: Paz e Terra, 2008. Cap. 3, p. 83-113).

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ma ou substituição, o que assegura à experiência dos modelos jurídicos uma autocorreção, num processo de marcado feedback, isto é, de contínua regene-ração ou realimentação, que se dá em função de mutações operadas no plano dos fatos, dos valores e do próprio ordenamento normativo global, repercu-tindo imediatamente nos domínios cambiantes da Hermenêutica jurídica.(2)

Neste diapasão, o desemprego acaba por indicar a posição do dito “pêndulo” dentro do contexto social em que está inserido, funcionando como espelho e ter-mômetro da realidade histórica vivida. A busca pelo equilíbrio entre as forças que lutam em constância acaba por relevar a necessidade de contrabalancear a autono-mia contratual às garantias voltadas ao trabalhador quanto à manutenção da rela-ção jurídica laboral, de modo que a evolução histórica levaria ao amadurecimento do contrato de trabalho, por meio da reconsideração do elemento patrimonial do contrato, predomínio da heteronomia sobre a autonomia e pela subordinação do individual ao coletivo.(3)

Na contemporaneidade, em que a realidade resta permeada, sem dúvida, cada vez mais pela sociedade denominada “de mercado”, os mecanismos de dispensa afiguram-se como primordiais instrumentos/estratégias de condução dos modelos de sociedade e economia aplicáveis a um contexto de crise. Inevitável é concluir, pois, que o quantitativo e o procedimento da dispensa, ou a “rescindibilidade” do contrato de trabalho, em cada ordenamento, acabam por funcionar como uma forma de medir o contraponto entre o valor progressivo do Direito do Trabalho e o Estado da economia livre de mercado.(4) De um lado, a necessidade de se pri-vilegiarem as garantias e a continuidade do emprego como forma de estabilizar e atenuar os efeitos do interesse financeiro sobre a dignidade do trabalhador, e, de outro, a tendência à flexibilização das relações laborais como forma de manter a sua fonte, consubstanciada na oferta de emprego mantida pela denominada “saúde da empresa”.

A vertente atual, frente ao contexto econômico vivido, mostra-se cada vez mais tendente a privilegiar o aspecto econômico da questão, tido como mais urgen-te pela ordem política instituída, o que, aliás, não é novidade na história da huma-nidade. Embora tenham se apresentado de forma mais acentuada no capitalismo, as organizações sociais que não viviam no ocidente do globo também, em algum momento, tenderam a supervalorizar tal aspecto, por meio da criação de modelos “estanques” que privilegiam a posição social desprovida de mobilidade, gerando hierarquia econômica, (está) definindo e fixando o papel do cidadão na sociedade

(2) REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 26. ed. revista. São Paulo: Saraiva, 2002.

(3) FERNÁNDES, Maria Dolores Santos. El contrato de trabajo como límite al poder del empresario. Albacete: Editorial Bomarzo, 2005, p. 89-93.

(4) ROMAGNOLI, Umberto. Sobre el despido o la violencia del poder privado. Revista de Derecho Social Latino América, Buenos Aires, Editorial Bomarzo, n. 4-5, 2008, p. 9.

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e nos meios de produção, ora como seu detentor, ora como seu “dependente”.(5) Afinal, não há consolidação de poder mais forte que aquela que conduz ao domi-nado tomar por sua a visão que o próprio dominador tem de seu subordinado.(6)

Segundo Lukács, os efeitos mais relevantes da aplicação dos preceitos capita-listas são a fragmentação e “coisificação” das relações sociais, entendidas de forma separada e isolada do contexto, como forma de hegemonia, sendo a mesma a posi-ção pós-moderna.(7) A defesa do próprio homem, personagem e sujeito dos direitos primordiais garantidos, surge como desafio frente à avalanche ideológica provoca-da por um neoliberalismo que não reconheceu ou conseguiu manter grande parte das conquistas sociais arduamente alcançadas pelas lutas de movimentos sociais.

A dispensa torna-se instrumento de estratificação, ou meio pelo qual a hie-rarquia mais alta tomada pela força de capital afasta cada vez mais seus subníveis de posicionamento social, em uma grande roda movimentada pelo aumento da de-pendência em um ciclo vicioso de submissão e aceitação, pela classe detentora da força de trabalho, de sua própria condição de existência digna subordinada à von-tade exclusiva de uma entidade corporificada pelo interesse financeiro. É gerada a chamada “esperança subjetiva”, que se adapta às “probabilidades subjetivas”.(8) Trata-se da “consciência da própria insignificância social”,(9) que leva à passividade social, e a resignação como chave que abre os portões da sala de controle da força econômica, que guia a seu bel-prazer as relações sociais ao arrepio das garantias fundamentais.

Ao reconhecer o “desvalor” de seu trabalho, o obreiro perde o elo moral que o estimula a produzir e reivindicar sua produção. A dignidade advinda do trabalho e sua imprescindibilidade dão lugar a “produto” de duração efêmera e que deve, ainda, “agradecer” e se submeter à parca oportunidade que lhe foi oferecida de despender força de trabalho a preço subvalorizado.

A “inferiorização” do valor da força de trabalho e a perda da consciência de que esta é essencial à manutenção dos meios de produção, e não somen-te dependente deste, geram intenso abalo no equilíbrio social, eis que aumenta

(5) À guisa de exemplo, mire-se a sociedade russa do século XVIII, que, por intermédio de Pedro I, criou postos militares e burocráticos que representavam classes fixadas por números, os quais definiam o tipo de atividade e dificultavam a ascensão para os níveis superiores, por meio de quadro de posições denominado tchin.

(6) PINTNER, Walter M. The evolution of civil officialdom, 1755-1855. In: PINTNER, W. M.; ROWNEY, D. K. (Ed.). Russian officialdom: the bureaucratization of Russian society from the Seventeenth to the Twentieth century. North Carolina: The University of North Carolina Press, 1980, p. 195.

(7) LUKÁCS, G. Estética 1. La peculiaridad de lo estético. v. 2. Barcelona: Grijalbo, 1982.

(8) BORDIEU, Pierre; PASSERON, Jean Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.

(9) Valorizar a única coisa que lhe resta – a possibilidade de fazer o seu trabalho dentro dos limites da legalidade e da honradez – é uma questão de estabilidade psíquica (DOSTOIEVSKI, Fiódor. Gente Pobre. São Paulo: Associação Cultural Letra Selvagem, 2011, p. 205-206).

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desmesuradamente a já preexistente discrepância entre a hipossuficiência daquele que empreende sua força laboral e a hipersuficiência de quem, somente com o for-necimento da primeira, pode se manter a aumentar a força de geração de riquezas e estruturação da mobilidade social.

O impacto gerado por tamanho desequilíbrio leva a situações extremas de colapso econômico e social que são tão temidas quanto tão intensos são os efeitos gerados desde a mais vetusta época. Tanto assim que todos os históricos instru-mentos de consagração dos direitos fundamentais previram a progressividade e o não retrocesso como formas de estatuir a manutenção da sobrevivência e dos instrumentos que a mantêm como cláusulas quase pétreas e princípios indeléveis do chamado Estado Constitucional de Direito.

Para tanto, ante as múltiplas resistências da época, a declaração dos Direitos Humanos de 1948 trouxe conceito que representava a universalidade absoluta dos direitos humanos e o fato de fazerem parte inata do ser humano.

A abstração e a “universalização absoluta” dos direitos essenciais, em bus-ca da “proteção do ser humano” e sua individualização contra o próprio homem opressor, na época, foram defendidas e textualizadas em vários documentos nor-mativos. Tais instrumentos espelharam a necessidade de proteção das relações ante as intervenções políticas, econômicas e sociais, na busca do resgate das garantias ligadas a valores essenciais do ser humano,(10) cujo guarnecimento ao longo da história foi delegado em maior ou menor proporção ao Estado.

A maior ou menor necessidade de intervenção do ente estatal, por sua vez, segundo a volatilidade das relações e premências que vieram pautando a história da sociedade mundial em sua evolução, acabou por desenhar os contornos dos sistemas constitucionais vigentes em cada época. Do constitucionalismo posi-tivista ao político, certo é que a história do início do século XX fez surgir um novo modelo constitucional, em virtude do que enfrentou a humanidade naquela época, seja com a crise econômica de grande impacto no início do século, seja no contexto pós-guerra que revelou a urgência de regulamentação das garantias aos bens imateriais fundamentais do ser humano. Passaram a ter dimensão norma-tiva, assim, os direitos sociais e econômicos, com a presença de normas de ação estatal nesta seara.(11) Os marcos deste novo modelo, o constitucionalismo social,

(10) O conceito é similar ao que já havia teorizado Kant em seu imperativo categórico, isto é, uma “lei prática incondicional” ou absoluta, que serve de fundamento último para todas as ações humanas (KANT, Immanuel. Werkausgabe. v. III. Frankfurt: Suhrkamp, 1992, p. 125 e ss.).

(11) Nos dizeres de Hesse, “a Constituição depende da realidade histórica de seu tempo, e a ciência constitucional deve estar atenta às forças que determinam a atuação do Estado. Há que se verificar que a Constituição, por sobradas razões, não pode ser contraposta à realidade cultural, econômica e polí-tica. Não há que negar, porém, a possibilidade que o plano normativo tem na conformação da mesma realidade. A Constituição torna-se força ativa na realização das tarefas do Estado. Para que ocorram a realização e efetivação constitucional há que germinar e florescer uma vontade constitucional (wille zur verfassung), que parta da consciência geral e dos responsáveis pela ordem constitucional: os julgadores,

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foram a Constituição do México (1917) e da Alemanha (1919),(12) representando o ápice pendular da intensa regulamentação e intervenção garantidora do início do século XX.

Contudo, mais uma vez, a política monetária passa a ser o centro de pro-gramação da política econômica, trazendo à conjuntura pós-crise da década de 1970 e 1980 a necessidade de uniformização e integração dos sistemas políticos e econômicos, gerando os grandes blocos internacionais, como foi o caso da União Europeia. A crise econômica ocasionada pelo colapso do socialismo real e pela dificuldade de reordenação do sistema financeiro gera, assim, a alteração dos Di-reitos Sociais, na busca do aumento da oferta e dinâmica do mercado de trabalho, bem como do incentivo à livre-iniciativa e à capacidade laboral, resultando na edi-ção de instrumentos que ampliaram propostas e diretrizes flexíveis ao sistema de empregos da Europa.(13) Nada obstante tentativas de regulamentação do mercado de trabalho e sua mobilidade, certo é que os ápices críticos da penúria econômica fizeram (e fazem) surgir medidas de urgência, as quais, sob o pálio de afastar de forma emergencial a quebra financeira da nação, cegam a visão estatal ao mínimo de garantia da relação empregatícia.(14)

A ilustrar tal situação, mirem-se os indicadores econômicos divulgados pela Eurostat(15) em junho de 2013, os quais revelam que a taxa de desemprego na União Europeia correspondeu a 12,01%, o que representa mais de 25 milhões de pesso-as, um aumento de mais de 200.000 cidadãos desempregados, em comparação a dezembro de 2011, e um aumento de mais de 2.000.000 de desempregados em comparação a janeiro de 2011. A taxa atual encontra ênfase na Espanha (26,3%),

os hermeneutas, os doutrinadores” (HESSE, K. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991. Passim).

(12) A Constituição Mexicana, em seu art. 3°, I, a, considera a democracia “no solamente como una estructura jurídica y un régimen político, sino como un sistema de vida fundado en el constante me-joramiento económico, social y cultural del pueblo”. Eis o texto do preâmbulo da Constituição alemã:

“O povo alemão, uno em seus componentes étnicos e animado da vontade de renovar e consolidar o Império (REICH), na liberdade e na justiça, de contribuir para a paz dentro e fora das suas fronteiras e de trabalhar para o progresso social, estabelece a Constituição seguinte...”

(13) O Tratado de Amsterdã (1997), hoje consubstanciado nos arts. 125 a 130 do texto consolidado do Tratado de Roma, consolidou o direcionamento da União Europeia no que tange à política de mercado de emprego, ao invocar como missão prioritária uma estratégia coordenada entre os Estados-Membros em promover alto nível de emprego, bem como a “Estratégia de Lisboa”, em Portugal,culminando na edição do chamado “Livro Verde”, em novembro de 2006, por intermédio da Comissão da Comunidade Europeia, que expressa em seus termos clara possibilidade de afastamento dos direitos sociais em de-trimento do fomento do mercado de trabalho culminando na chamada “flexi-seguridad” estabelecida na União Europeia a partir do ano 2000.

(14) Como exemplo, pode-se citar a política pública de diminuição de salários em Portugal, em março de 2011.

(15) Disponível em: <http://epp.eurostat.ec.europa.eu/tgm/graph.do?tab=graph&plugin=1&language=en&pcode=teilm020&toolbox=typ>. Acesso em: 27.7.2013.

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Grécia (26,9% em abril de 2013) e em Portugal (com 17,4%), sabendo-se que a faixa dominante é justamente a população economicamente ativa/contributiva, correspondendo os desempregados a 23,5% da juventude europeia em maio de 2013 (ou 5,62 milhões de jovens), e representando aumento em comparação a de-zembro de 2011, em que tal percentual era de 22,4%. A Grécia apresenta o maior percentual, de 62,5% em fevereiro de 2013 (em novembro de 2011 era de 48,01%), seguida da Espanha, com 55,5% dos jovens desempregados em janeiro de 2013 (em comparação a 49,9% em fevereiro do ano anterior.(16) À guisa de comparação, as taxas de desemprego no Japão corresponderam a 4,2% em janeiro de 2013,(17) e a 7,6% nos Estados Unidos em maio de 2013 (contra 8,3% em janeiro de 2012).(18) No Brasil, no primeiro semestre de 2013, a taxa média de desemprego foi a menor para o período nos últimos 10 anos. De janeiro a junho deste ano, a taxa média de desemprego foi 5,7%, em comparação ao primeiro semestre de 2003, em que a taxa média de desemprego era 12,2%.(19)

Fonte: (20)

Os índices supraexpostos denotam um aumento das taxas de desemprego, principalmente da população economicamente ativa, em desenvolvimento galo-pante mês a mês, e acabam por ratificar a constatação de que o momento histórico, delineado por acontecimentos econômicos e políticos, é crucial e determinante ao

(16) Disponível em: <http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/employment_social_po-licy_equality/youth/indicators>. Acesso em: 1º.8.2013.

(17) Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/economia-geral,taxa-de-desemprego--do-japao-cai-para-42-em-janeiro,145592,0.htm>. Acesso em: 20.7.2013.

(18) Disponível em: <http://pt.euronews.com/2013/06/07/estados-unidos-taxa-de-desemprego-sobe--para-76-por-cento/>. Acesso em: 25.6.2013.

(19) Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/default.shtm>. Acesso em: 11.8.2013.

(20) Disponível em:<http://epp.eurostat.ec.europa.eu/tgm/graph.do?tab=graph&plugin=1&language =en&pcode=teilm020&toolbox=typ>. Acesso em: 27.7.2013

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tratamento expendido às garantias trabalhistas, em maior ou menor proporção, sendo certo que o mercado de trabalho, sem dúvida, é o setor mais atingido direta-mente, e aquele utilizado pelo Estado, em primeira estratégia, para tentar driblar a crise, ainda que, para tanto, tenha de se afastar do escopo precípuo e dos princípios comezinhos da ciência juslaboral que define tais relações.

Percebe-se, assim, que os fatores urgência / poderio de capital / efeito dominó oriundos da crise, atrelados ao temor de efeitos não esperados em uma sociedade globalizada sem estrutura para tamanha interligação de recursos e dados, podem, assim, gerar soluções precipitadas, ou, melhor dizendo, efeitos nefastos que se afastam cada vez mais da função originária do Direito do Trabalho.

Neste contexto, os efeitos “em massa” da fragmentação das relações sociais levam a fenômenos particulares e de ampla repercussão social, sendo o mais re-presentativo, justamente por suas peculiaridades e seus efeitos instantâneos, a coletivização da dispensa. Trata-se, por seus próprios termos, da expressão da fle-xibilização da garantia de emprego em sua maior acepção. Em última análise, é a ação que privilegia a saúde da empresa e a vontade do empresário em detrimento das garantias não só de um trabalhador como indivíduo e cidadão, mas de uma coletividade de trabalhadores.

Destarte, como efeito visível, tem-se que a banalização da ação dita emer-gencial e extrema pode ensejar o agravamento, em vez de solucionar a animosi-dade e instabilidade do sistema, já que, no dito conceito neoliberal, este sistema é considerado bom tanto quanto consiga oferecer a uma nação uma quantidade de emprego satisfatória. Neste caso, a proporção de dispensas imotivadas, por sua vez, é medida em função de sua repercussão no mercado de trabalho e da vontade do empresário como sujeito ao que se confia a geração de riquezas. Segundo tal prisma, a oferta de empregos e o índice de dispensas estão diretamente ligados à liberdade da empresa e do mercado, perdendo relevância o caso individual do tra-balhador frente ao quadro geral, a se medir pelos custos da dispensa, e os custos de manutenção do emprego em clara comparação entre um e outro.

Certo é que há muito se discute acerca da dispensa imotivada e de seus efeitos na vida do trabalhador, seja sob a óptica do término de uma relação jurídica pautada em valores ligados à própria subsistência humana, seja sob a óptica de consubstanciar a manifestação de vontade unilateral emanada da parte “hipersuficiente” da relação. Contudo, se também é certo que tal debate nunca se despiu de animosidade, mais certo ainda é que tal animosidade ganhou contornos demasiadamente amplos, tanto quanto o impacto dos acontecimentos históricos e econômicos do presente.

Assim é que um fenômeno outrora mais afeto às ciências sociais por essência (embora não se possa negar que a ciência juslaboral nunca se afastou completa-mente das ciências afetas aos números e às estratégias de mercado) mostra-se em sua vertente hodierna cada vez mais arraigado com a economia, a política e os gráficos oscilantes de uma realidade que funciona tão melhor quanto assim estejam a especulação, a cotação da moeda e os índices inflacionários. Em uma economia

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globalizada, então, os efeitos de qualquer alteração não esperada nestes fatores acabam por gerar impacto determinante e de proporções generalizadas nas rela-ções sociais, mormente naquelas relações norteadas (e norteadoras) pelo cenário econômico-político-social.

Por outro lado, não há como se negar as consequências nefastas à sociedade de uma dispensa em massa: são várias famílias que perdem sua fonte de subsistên-cia, sem perspectivas de reinserção breve no mercado de trabalho ante a conjuntu-ra de livres demissões, fazendo aumentar de um lado a população “improdutiva” ou que vive à margem do emprego, com queda do padrão de vida e aumento do grau de miserabilidade do país, e, de outro, a economia informal, a sonegação de impostos e direitos do trabalhador, fazendo da lei trabalhista letra morta e incapaz diante da urgência de prover alimentos do ser humano.

Os danos ao trabalhador como pessoa humana em sua dignidade, aqui, não podem ser afastados. A par do caráter pecuniário do emprego, a sua manutenção traz ao indivíduo sensação de capacidade, dignidade, cidadania. Participa do pro-cesso produtivo da sociedade, integra a estrutura empresarial/de serviços de seu país, desenvolve-se como pessoa e profissional e é provedor de recursos para si mesmo e para terceiros. Citando Romagnoli, de forma indubitável “o trabalhador sem emprego não somente não tem, mas não é”.(21)

Entre tantos conflitos, vive o operador do Direito, indubitavelmente, o maior de todos: tentar adequar a situação do direito e a interpretação e aplicação do re-gramento vigente às peculiaridades deste cenário de incerteza, animosidade e luta, mais do que nunca, entre o capital e o trabalho, profundamente afetados pelo fator economia. Remete-se à urgência de uma nova estruturação da ordem mundial, a qual não visa à transformação das relações sociais e econômicas na sua totalidade, mas tem a finalidade concreta de evitar o abismo econômico entre os mais e menos afortunados no marco do Estado interventor, ante a impossibilidade de imposição de valores fixos e universais in abstractu, e a velocidade da mutação e fragmentação das relações.(22) A reflexão de tais questões, não somente por quem aplica o Direito, mas também pela sociedade como um todo, faz-se imprescindível a impulsionar as mudanças que estimulam o movimento da roda da história e o “pêndulo” da regu-lamentação das relações sociais, na tentativa de equilibrá-las ou ao menos minorar seus desequilíbrios.

Paradigmas se alteram de modo a determinar a mobilidade intelectual para adequar as práticas políticas, em contrapartida aos deveres do ser humano em re-lação à sociedade e sua efetivação, tudo por meio das chamadas “práticas sociais

(21) ROMAGNOLI, Umberto. Op. Cit., p. 52.

(22) Joaquín Herrera Flores sugere, para esta nova perspectiva, que sejam utilizados elementos de integração, com práticas sociais emancipadoras. Trata-se do intervencionismo humanitário, ou a contextualização dos direitos humanos através de luta de grupos sociais empenhados em promover a “emancipação humana” (A (re)invenção dos direitos humanos. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009, p. 77-78).

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nômades”. Os movimentos sociais, sejam positivados através de norma legal, ou em grau relevante de atuação fática, geram “possibilidades”, assim consideradas com a criação de condições que permitam o desenvolvimento de capacidades por parte de indivíduos, grupos, e, por fim, em maior escala, geram novo conceito cul-tural.(23) Os ramos do Direito afetos aos direitos sociais como o Direito do Trabalho, uma vez que encontram sua finalidade e origem no estudo constante que se con-funde em sua teoria com a análise da própria natureza do homem – ser racional, in-ventivo, espiritual, pensante, evolutivo, e, sobretudo, desigual –, acabam por traçar habitualmente paralelos com ciências “não jurídicas” que possuem íntima ligação com essa linha de pensamento e movimento, como a Filosofia, a Antropologia e a Sociologia. Afinal, o Direito nada mais é do que a positivação e a construção teórica dessas características como meio de adequar o homem, com todas as suas peculia-ridades, à realidade social a que está inserido, de modo a tentar, incessantemente, alcançar a almejada “paz social”.

Como paradoxo, a quebra da “paz social”, aqui tida como o “ideal efetivado”, vem a demonstrar a negação deste mesmo ideal na realidade fática, impulsionando a reflexão acerca da realidade histórica concretizada, e, via de efeito, estimulando uma postura crítica que leva à busca da efetividade dos anseios da sociedade dentro de sua evolução.(24) A mudança, aqui, é de postura, não de essência, ethos. Afinal, o “natural” e intrínseco à natureza humana (e, portanto, imutável) é a sua evolução dentro da realidade social, enquanto o ativo e mutável é a inesgotável busca por se empreenderem instrumentos que visem a garantir a efetivação do “ideal”, que em seu caráter coletivo se corporifica por meio do equilíbrio, da solução razoável e equânime, a qual, caso tenha que atingir algum bem jurídico, o faça em uma pon-deração criteriosa e atenta de valores dentro de todas as opções possíveis.

Chega-se, por fim, ao objetivo do presente estudo, que visa à busca de méto-dos de harmonização e manutenção da “humanização” das relações laborais como forma de não se afastar dos fundamentos sociais e primordiais do Direito do Traba-lho, sem perder de vista a evolução do conceito de Estado Social de Direito frente à manutenção de condições de mercado que determinarão, também, a manutenção da oferta de emprego.

Mister faz-se analisar, segundo tais parâmetros, a melhor interpretação da re-gulamentação e do sistema legal vigentes frente às condições atuais, e sua aplicação

(23) Afinal, na espécie humana, não há técnicas imutáveis nem limitadas ou estanques: a evolução é constantemente dirigida pela aptidão inventiva do ser humano. Os fins são postos livremente e os meios mais aptos a alcançá-los são criados. Neste diapasão, Feuerbach, L. Princípios da filosofia do futuro. Rio de Janeiro: Edições 70 – Textos Filosóficos, 1996 – “homem como tal é quem não exclui de si nada essencialmente humano”.

(24) Pode-se citar como exemplo de análise profunda acerca dos anseios pela chamada “efetividade do ideal” o movimento filosófico niilista, que questionava a existência deste ideal, e pregava que o homem deve ter em mente não a pretensão de sua verdade incondicional, mas as condições de seu surgimento e existência (NIETZSCHE, F. Niilismo. Escritos Póstumos. Barcelona: Península, 1998).

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em ponderação de valores e interesses, tendo a efetividade dos direitos humanos como seu objetivo principal e finalístico. Há que se ter em mente o cenário econô-mico contemporâneo e quais as causas de sua atual apresentação, seja pelo prisma histórico, seja pelo prisma social e político. A mens legis, aqui, como forma de interpretação teleológica das normas vigentes, não pode ser olvidada e deve ser materializada no plano fático das relações de forma sistemática e razoável, conso-lidando e correlacionando normas e princípios insertos em normas diversas para viabilizar a concretização razoável de seus escopos.(25)

Ter em mente o conceito da dispensa como extinção do instrumento que concretiza a relação empregatícia – esta sendo expressão e instrumento de exercí-cio da dignidade da pessoa humana – e analisar suas formas atuais de efetivação; compará-las com a maior ou menor preocupação com o trabalhador ao longo do tempo e as consequências, não só materiais, mas psíquicas, decorrentes do término imposto de forma unilateral do trato laboral; e, finalmente, situar a manutenção da relação e proteção à dispensa dentro da doutrina dos direitos fundamentais, tudo faz-se indispensável a gerenciar o grande incremento de seus efeitos quando elastecidos por meio da dispensa coletiva.

Desnecessário dizer que saber identificar os aspectos econômicos, sociais e políticos, e sua relação com a forma e os índices de dispensa massificada no merca-do de trabalho globalizado atual, igualmente tem papel relevante para a conclusão acerca das medidas necessárias a serem tomadas, mormente ante à crise econômica que se apresenta em diversos momentos históricos e que afeta diretamente a va-loração dos interesses ponderados quando do papel do Estado e sua intervenção dentro do panorama apresentado. Instrumentos de medida preventiva como con-trole prévio, outrora direcionado a questões específicas diversas, merecem ser es-tudados, a fim de viabilizar a possibilidade e urgência de sua aplicação em matéria de dispensa genérica.

Resume-se, assim, o escopo principal da presente obra: a reflexão e a pon-deração, frente aos sistemas jurídicos vigentes em uma sociedade globalizada e o cenário econômico apresentado, acerca da limitação do poder empresarial direcionado a sua atuação em âmbito coletivo e da liberdade contratual em âm-bito individual, como forma de minorar os impactos de tal atuação nos direitos fundamentais do trabalhador e, em última análise, seu impacto no valor social do trabalho e na dignidade da pessoa humana como princípios comezinhos do Estado Democrático do Direito, à luz dos novos paradigmas e a necessidade de adaptá-los a tais preceitos.

(25) Trata-se, segundo o método “tópico-problemático” da hermenêutica constitucional, da “re-construção do Direito aplicável ao caso, à luz do padrão constitucional e através de um procedimento argumentativo e racionalmente controlável” (PEREIRA, Rodolfo Viana. Hermenêutica Filosófica e Constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 164).

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Enfim, pretende-se enaltecer a postura crítica e afastar o caráter “contemplativo”(26) face às mudanças sociais – o que, insta repisar, se afastaria da própria dinâmica do Direito como ciência mutável e dúbia, no sentido de expressar, e, ao mesmo tempo, absorver os anseios dos atores sociais. O ativismo jurídico, aqui, mostra-se essencial à adequação do regramento vigente em relação às situações que o desenvolvimento social e das relações humanas se lhes impõe. Afinal,

Se a lei passa a se subordinar aos princípios constitucionais de justiça e aos direitos fundamentais, a tarefa da doutrina deixa de ser a de simplesmente descrever a lei. Cabe agora ao jurista, seja qual for a área da sua especialidade, em primeiro lugar compreender a lei à luz dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais.(27)

(26) “... os ‘contemplativos’ são cem vezes piores – não sei de nada que suscite tanto desânimo como este gênero de ‘poltrona objetiva’” (NIETZCHE, Friedrich. A genealogia da moral. 2. ed. São Paulo: Editora Escala, 2007, p 149).

(27) MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Teoria Geral do Processo. v. 1. 3. ed. São Paulo: RT, 2008.

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I.

A GArAntiA de emPreGo como direito fundAmentAl

I.I. Os DIREItOs FunDAmEntAIs: COnCEItO, DEsEnVOlVImEntO E hIstóRIA

O homem, por sua natureza, é um animal político – já prescrevia Aristóte-les(1) desde a mais vetusta época. Segundo o mesmo filósofo, as cidades – como expressões da sociedade – são formadas pela sua natureza, eis que esta está ligada à essência e à prioridade do homem em viver em sociedade. Os estudos filosóficos da Grécia Antiga, portanto, já diagnosticavam a necessidade do homem, como ser individual, de estar em contato com o coletivo, em relação comutativa de recipro-cidade que alimentava e, ao mesmo tempo, se respaldava no indivíduo como seu elemento primário. Séculos mais tarde, Karl Marx viria a ratificar a assertiva grega com base na realidade temporal mais próxima, ao lembrar que raramente podemos conceber indivíduos fora da sociedade, porque as coisas que nos distinguem como seres humanos – linguagem, produção, cooperação econômica – são conquistas sociais que dependem da interação entre um grande número de pessoas.(2)

Ao mesmo tempo, contudo, em que se verificava a tendência natural do ser humano em agregar elementos a ele extrínsecos para viabilizar a própria continui-dade de sua existência e seu desenvolvimento, constatava-se premissa inexorável: a preexistência do elemento individual, de modo a constituir o agrupamento social e o mantê-lo. A análise dos fatores intrínsecos ao ator social fundamental que é o homem levou a formulações teóricas sobre a sua essência – assim entendida como sua subs-tância, ou seja, algo que é ontologicamente fundamental à existência do ser(3) – e,

(1) ARISTÓTELES. Política. Tradução de Maria da Gama Kury. 3. ed. Brasília: UnB, 1997, p. 56.

(2) MARX, Karl. Selected Works. Mc Lellan, D. (Org.). 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 1999.

(3) ARISTÓTELES. Metafísica. London: Penguin Books Ltd., 1998, p. 178.

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portanto, sobre o conceito de um “espaço protegido” como gama de valores que não poderiam ser atingidos pela interdependência e influência social(4).

A óptica filosófica mostra-se relevante para a compreensão do surgimento e desenvolvimento do conceito do direito natural, originado dos valores denominados inatos ao homem, e mais ligados aos aspectos moral e ético ínsitos a sua essência. Denominado por vários juristas como sinônimo dos direitos humanos, o conceito jusnaturalista pressupõe a ideia de princípios considerados in abstracto, genéricos aos homens e universais, e que, nada obstante, tivessem a denominação de “direitos” pelos estudiosos do tema – entendida a acepção do “direito” como a “faculdade ou poder atribuído a uma pessoa pela ordem jurídica, que lhe assegura a possibilidade de reivindicá-los quando desrespeitados”(5) –, seriam, em verdade, conceitos ilimita-dos em tempo e em espaço, destinados à boa convivência social, e que, portanto, não teriam caráter de positivação jurídica, não sendo passíveis de reivindicação perante o estado-juiz.(6) A ideia do direito natural se assemelhava, aqui, ao que Kant indicava em seu imperativo categórico, isto é, uma “lei prática incondicional” ou absoluta, que serve de fundamento último para todas as ações humanas(7).

Importante lembrar que o dito conceito dos direitos humanos, tal como ba-seado em sua universalidade absoluta e imutabilidade, consolidou-se na época do pós-guerra, e suas características podem, portanto, ser compreendidas e jus-tificadas por meio dos reflexos e receios gerados por acontecimentos históricos contundentes e vorazes, traduzindo-se em uma forma de proteção consolidada do ser humano contra a memória de eventos atrozes recente. Por tirarem tais direitos em seu conceito seu fundamento de validade no próprio homem em sua dignidade substancial, não possibilitavam a qualquer indivíduo ir contra as características da natureza e os mistérios de um conceito de dignidade da pessoa humana vago e genérico. Tratavam-se os direitos humanos, segundo Joaquín Herrera Flores, de entidades que estavam à margem da própria ação humana, eis que esta não poderia atingir a denominada “reserva espiritual intocável” por aqueles direitos gerada.(8)

A definição, contudo, não solucionava o embate decorrente da dificuldade em adequar e equilibrar os anseios da individualidade do homem – do que depende-riam a preservação e o desenvolvimento do próprio ente social – com as urgências

(4) O existencialismo, se aparentemente nega ou se contrapõe à ideia aristotélica, ao afirmar que a existência precede à essência, acaba por reafirmar a necessidade que o homem tem de proteger os seus valores intrínsecos da interferência que os atos e medidas gerados pelos fatos e necessidades sociais lhes acomete. Neste sentido, SARTRE, Jean Paul. Existencialism is an Humanism. Tradução de Mairet, P. Londres: Methuen, 1948.

(5) ROMITA, Arion Sayão. Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho. 2. ed. rev. e aum. São Paulo: Ltr, 2007, p. 45.

(6) ROBLES, Gregório. Os direitos fundamentais e a ética na sociedade atual. Barueri: Manole, 2005, p. 6.

(7) KANT, Immanuel. Werkausgabe. v. III. Frankfurt: Suhrkamp, 1992, p. 125 e ss.

(8) FLORES, Joaquín Herrera. Los Derechos Humanos como Productos Culturales – Crítica Del Humanismo Abstracto. Madrid: Los Libros de La catarata, 2005.

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da sociedade, em se considerando todos os atores e nichos que a compõem. Ho-bbes já havia previsto, no século XVII, a impossibilidade de se relegar somente aos próprios indivíduos a conservação de valores (ou direitos) os quais, por seu próprio conceito, se mostravam impenetráveis à ação humana. A permanência em um “estado natural”, sem a interferência de um ente que governasse e direcionasse as ações do homem em coletividade, geraria a “guerra de todos contra todos”,(9) ocasionando a premência da organização da sociedade por meio da criação de um ente corporificado pela figura do Estado, a quem se delegava poder superior para gerenciar tal conflito de interesses.(10) Inicialmente utilizado o pensamento como fundamento de validade ao absolutismo como forma de poder, certo é que mesmo Hobbes admitiu que a única forma de limitar o poder do soberano (Estado) é por intermédio de um “poder maior”.(11)

Neste contexto, o contrato social de Rousseau traz à baila o conceito de so-ciedade como aquela que pressupõe a existência de indivíduos independentes e isolados, dotados de direitos naturais e individuais, que decidem, por um ato voluntário, tornar-se sócios ou associados para vantagem e interesses recíprocos. Formam um corpo político e constituem um povo que, por meio de um contrato denominado social, também por ato voluntário, delega de certa forma a liberdade civil por transferência a um terceiro do poder, com vias a ganhar a individualidade civil. O povo detém a soberania, e é necessário um representante da vontade deste povo (que passa a ser a expressão de tal soberania) para controlar o homem como “bom selvagem” que é.(12)

Em outras palavras, não é viável a manutenção da ordem social, com a dele-gação de poderes para gerenciar a convivência dos indivíduos, sob o prisma de que possuem valores substanciais os quais, caso violados, maculam sua própria exis-tência e continuidade social, sem a possibilidade de que tal violação possa ser ob-jeto de reivindicação segundo uma ordem jurídica maior.(13) Trata-se da concessão de efetividade aos direitos ditos essenciais ou morais, por meio de sua positivação em instrumentos jurídicos que permitem a concretização da proteção dos direi-tos inatos aos homens, com a sua contextualização histórica, espacial e temporal.

(9) HOBBES, Thomas. Leviatã. Tradução de MacPherson, C.B. Londres: Penguin Books, 1968.

(10) Segundo Dostoievsky, “para conseguir a felicidade, o ser humano deve renunciar à rebeldia, vale dizer, à liberdade, e entregá-la a quem a administre” (DOSTOIEVSKY, Fiódor M. El Gran Inquisidor, obras completas. Tomo III. Madrid: Ediciones Siruela, 2008, p. 208).

(11) HOBBES, Thomas. Op.cit. p. 64. Ressalta-se que Hobbes não considerava a existência concreta de poder superior ao do soberano monárquico.

(12) ROUSSEAU, Jean Jacques. O contrato social. Tradução de Pietro Nasseti. 20. ed. São Paulo: Martin Claret, 2001.

(13) Tanto assim que, segundo a mesma óptica de Hobbes, alguns identificam os direitos fundamentais como os responsáveis por conferir aos direitos e às liberdades caráter supraestatal, o que somente seria possível por meio de sua previsão constitucional. Sobre o tema, HARIOU, André. Derecho Constitucional e instituiciones políticas. Tradução de José Antonio Gonzales Casanova. Barcelona: Ariel, 1971.

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Segundo Alexy, os direitos fundamentais são uma tentativa de transformar os direitos humanos em direitos positivos.(14)

Os direitos fundamentais, em sua acepção estrita,(15) são, pois, consolidados a partir das mudanças sociais e do embate entre o interesse coletivo(16) e individu-al, que levaram à necessidade de se dar validade jurídica positiva a valores ditos essenciais que, em última análise, têm sua origem e finalidade na dignidade da pessoa humana.

Definem-se os direitos fundamentais, na conjunção de tais fatores e conforme resumiu Arion Sayão Romita, como os direitos que, “em dado momento histórico, fundados no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, asseguram a cada homem as garantias de liberdade, igualdade, solidariedade, cidadania e justiça”. Acrescenta o autor, ainda, que faz parte do seu conceito “a exigência do respeito a essas garantias por parte dos demais homens, dos grupos e do Estado e bem assim a possibilidade de postular a efetiva proteção do Estado em caso de ofensa”.(17)

A especificidade e a individualização dos direitos fundamentais, se de um lado inegavelmente representaram grande conquista da sociedade moderna ocidental, por outro lado, e talvez pelos interesses que abasteceram os movimentos de sua consolidação (não há como se afastar a constatação de que a Declaração Francesa de 1789, por exemplo, como um dos marcos da positivação dos direitos funda-mentais, decorreu de movimento de origem e finalidade burguesa(18)), também

(14) ALEXY, R. Tres escritos sobre los derechos fundamentales y la teoría de los principios. Bogotá, Colômbia: Departamento de Publicaciones de la Universidad Externado de Colombia, 2003, p. 30-31.

(15) Digo aqui “acepção estrita” pois há autores que utilizam as expressões “direitos humanos ou natu-rais” e “direitos fundamentais” sob o mesmo conceito. A este respeito, vide VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais da Constituição Portuguesa de 1976. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2004.

(16) Há que se diferenciar, aqui, o interesse coletivo sob dois aspectos. Primeiro, considerado como o interesse do núcleo de indivíduos unidos em determinado nicho social, e que se volta em última análise, se satisfeito, para o próprio indivíduo, acabando por preencher suas necessidades individuais (p. ex., medidas de proteção ao meio ambiente que restringem a liberdade individual, mas revertem diretamente em prol do próprio cidadão em sua dignidade). Sob outro aspecto – ora utilizado –, o interesse dito do coletivo, em contraposição ao interesse individual, representa interesses decorrentes de elementos extrínsecos ao homem, assim compreendidos interesses que remetem ao Estado como ente diverso da sociedade genericamente considerada (p. ex., as políticas direcionadas à proteção financeira de setores específicos da sociedade).

(17) ROMITA, Arion Sayão. Op. cit., p. 45.

(18) Sobre o tema, José Luiz Monereo Pérez indica que tanto a Declaração Francesa de 1789 quanto o Bill of rights da Inglaterra de 1689 “se limitan a proclamar los derechos individuales y a establecer los principios de la organización política. Se ha señalado que lo que faltaba em el contenido de la Decración de 1789, desde el punto de vista de los sistemas políticos actuales, era el control de constitucionalidad y el reconocimiento de los derechos sociales. Respecto a lo primero, ya que em principio parecería contra-rio al legicentrismo de la Declaración; u lo segundo, porque la Revolución francesa fue una revolución burguesa o de élites em que las clases populares no llegaron a ocupar el papel dominante, y proque sus fundamentos ideológicos todavía no estaban bien desarrollados” (PÉREZ, José Luiz Monereo. La protección de derechos fundamentales. El modelo europeo. Albacete: Editorial Bonarzo, 2009, p. 13). Sobre

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Page 29: A D C e o unDAmentAl proteção emprego - ltr.com.br · robertA Ferme sivolellA Juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região desde 2004, doutora em Direitos Sociais pela

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acabaram por refletir o individualismo e o subjetivismo que marcaram o liberalis-mo como movimento partícipe do estabelecimento do Estado Moderno. Surgido de marcos modernos históricos como a dissolução da ordem feudal, a contestação do poder temporal da Igreja e o combate à monarquia absoluta e ao Estado centraliza-do, o modelo liberal acabou por ter de se deparar com o desafio de harmonizar as liberdades e garantias individuais com as exigências da sociedade e dos próprios interesses que construíram as bases teóricas do pensamento liberal.

Segundo Norman José Solórzano Alfaro,

cualquier decisión sobre cuál ha de ser el derecho fundamental siempre apa-rece circunscrita y vinculada a un determinado contexto social, político, eco-nómico, cultural, en fin, histórico. Aún más, esa decisión-elección no sólo está vinculada a un determinado modo de organización de la vida social, es decir, a un determinado orden de relaciones de producción y reproducción sociales, sino que las condiciones de factibilidad para la realización de los de-rechos humanos están dadas por la medida del producto social, por la riqueza social real generada por/en ese orden de relaciones de producción.(19)

Refletiam o pensamento liberal individualista e, ainda como reflexos do capi-talismo concorrencial que surgiu em meio ao cenário do racionalismo iluminista e a hegemonia da classe burguesa, os direitos inerentes à individualidade, ditos “negativos” por representarem deveres de abstenção do Estado face aos direitos do cidadão, de cunho individual, civil e político. Traçavam-se os alicerces do Estado Democrático de Direito, a partir da soberania popular, da tripartição de poderes e da teoria universal dos direitos fundamentais,(20) através dos chamados direitos de 1ª dimensão.(21) A categoria formada principalmente como expressão da ideologia ocidental liberal dos séculos XVIII e XIX, referentes às liberdades individuais, à igual-dade formal (eis que se refere à negativa de atuação do Estado perante a igualdade genericamente considerada), à propriedade e às resistências contra a opressão.(22) Corresponde tal gama de Direitos ao Estado Minimalista da época, como forma de assegurar a liberdade individual, e, no campo econômico, a liberdade de mercado.

o tema, também a obra de MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Tradução de Leandro Konder. São Paulo: Martin Claret, 2008.

(19) ALFARO, Norman José Solórzano. Derecho Moderno e Inversión Ideológica: Una mirada desde los Derechos Humanos. In: RÚBIO, David Sanchez (Org.). Direitos Humanos e Globalização- fundamentos e possibilidades desde a teoria crítica. 2. ed. em homenagem a Joaquín Herrera Flores. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010, p. 44.

(20) BEDIN, Gilmar A. Os Direitos do Homem e o Neoliberalismo. 2. ed. Ijuí: Unijuí, 1998, p. 50-54.

(21) Conforme nomenclatura sugerida por Paulo Bonavides, em cuja divisão teórica segundo cada dimensão baseia-se este estudo, em BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 474-478.

(22) Consagram tal dimensão de direitos à Constituição Americana de 1787 as Constituições Francesas de 1791 e 1793 e o Código Napoleônico de 1804.

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