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OS LIMITES CONSTITUCIONAIS DA TERCEIRIZAÇÃO

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Os Limites COnstituCiOnais da terCeirizaçãO

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1ª edição — 2014

2ª edição — 2015

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Gabriela Neves DelgadoProfessora Adjunta de Direito do Trabalho dos Programas de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília — UnB. Doutora em Filosofia do Direito pela UFMG. Mestre em Direito do Trabalho pela

PUC Minas. Líder do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania (UnB — CNPq). Advogada.

Helder Santos AmorimMestre em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Procurador do Trabalho.

Professor de Direito Constitucional na Escola Superior Dom Helder Câmara. Membro do Conselho Editorial do Boletim Científico da Escola Superior do Ministério Público da União — ESMPU.

Os Limites COnstituCiOnais da terCeirizaçãO

2ª edição

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EDITORA LTDA.

Rua Jaguaribe, 571 CEP 01224-001 São Paulo, SP — Brasil Fone (11) 2167-1101 www.ltr.com.br Junho, 2015

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Delgado, Gabriela Neves

Os limites constitucionais da terceirização / Gabriela Neves Delgado, Helder Santos Amorim. — 2. ed. — São Paulo : LTr, 2015.

Bibliografia

1. Direito do trabalho 2. Direito do trabalho — Brasil 3. Terceirização 4. Terceirização — Brasil I. Amorim, Helder Santos. II. Título.

15-03828 CDU-34:331.6(81)

1. Brasil : Terceirização : Direito do trabalho 34:331.6(81)

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Sumário

Introdução ................................................................................................................................................ 7

Capítulo I Apontamentos Sociológicos sobre a Terceirização no Brasil

1. Ciclos de inserção da terceirização no processo produtivo brasileiro ......................................... 11

2. Fundamentos constitutivos do modelo toyotista de produção refletidos na terceirização ..... 13

Capítulo II A Terceirização no Direito Comparado

1. A matriz neoliberal e as relações de trabalho rarefeitas ................................................................. 19

2. A tensão entre o regime de emprego socialmente protegido e a terceirização no direito com-parado ................................................................................................................................................... 22

3. A OIT e a política internacional de proteção à relação de emprego ............................................. 28

Capítulo III A Terceirização Trabalhista e o Histórico de

Formação da Súmula n. 331 do TST

1. A terceirização na legislação e na jurisprudência trabalhista brasileira ..................................... 31

2. Atividade-fim e atividade-meio: a formação do pensamento jurisprudencial contido na Súmula n. 331 do TST ......................................................................................................................... 32

3. Da locação de mão de obra à prestação de serviços: apontamentos sobre a evolução da legislação e da jurisprudência trabalhista no Brasil ....................................................................... 39

4. A influência da legislação de regência da terceirização na Administração Pública ................... 49

5. Terceirização de serviços em atividades-fim: a fraude à lei ........................................................... 56

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Capítulo IV Os Limites Constitucionais da Terceirização

1. A chegada ao Supremo Tribunal Federal do tema da terceirização na iniciativa privada ....... 67

2. A problematização do tema de repercussão geral 725/STF: “terceirização de serviços para consecução da atividade-fim da empresa” ..................................................................................... 73

3. A questão constitucional à luz do princípio da legalidade ............................................................ 79

4. A relação de emprego à luz do constitucionalismo social ............................................................. 87

5. O sistema constitucional brasileiro do emprego socialmente protegido ..................................... 92

6. A terceirização e o regime paralelo de emprego rarefeito ........................................................... 106

7. Limites imanentes ao direito de contratar a terceirização de serviços: uma análise da norma de direito fundamental..................................................................................................................... 113

8. A inconstitucionalidade da terceirização de serviços na atividade-fim das empresas à luz dos direitos fundamentais dos trabalhadores ...................................................................................... 124

9. A inconstitucionalidade da terceirização na atividade-fim das empresas: o valor social da livre-iniciativa e a função social da empresa ................................................................................ 135

10. A inconstitucionalidade da terceirização na atividade-fim das empresas estatais: a regra constitucional do concurso público ................................................................................................ 143

11. Uma resposta à questão constitucional: a constitucionalidade da Súmula n. 331 do TST .... 152

Conclusão ............................................................................................................................................. 159

Referências Bibliográficas .............................................................................................................. 163

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introdução

O presente livro, Os Limites Constitucionais da Terceirização, resulta de um esforço conjugado dos autores, estudiosos do tema da terceirização, no sentido de apresentar reflexões doutrinárias e jurisprudenciais atualizadas sobre o fenômeno das relações de trabalho trianguladas no Brasil, de modo a contribuir para a sua melhor contextualização, prestando-se, ainda, a delinear limites à sua prática, em conformidade com o horizonte constitucional de proteção ao trabalho humano.

Aqui se pretende apresentar reflexões doutrinárias e jurisprudenciais, estas colhidas em sua maioria do próprio Supremo Tribunal Federal, que estabelecem limites constitucionais à terceiri-zação, tendo em vista o impacto que a triangulação da relação de trabalho exerce sobre diversos direitos e valores protegidos pela Constituição da República de 1988, especialmente considerando o horizonte constitucional de proteção ao trabalho humano.

Parte-se da premissa de que a questão dos limites constitucionais da terceirização compreen-de, muito além da liberdade de iniciativa do empreendedor, também o dever estatal de proteção constitucional aos direitos fundamentais dos trabalhadores, como veículo de afirmação do Estado Democrático de Direito.

O livro busca identificar como esses direitos fundamentais se relacionam, definindo-se reciprocamente. Por conseguinte, também pretende reforçar os contornos constitucionais da ter-ceirização na iniciativa privada, com respeito ao conteúdo humanista da Constituição, sintetizado no princípio da dignidade da pessoa humana.

A obra é integrada por quatro capítulos organicamente vinculados a esse objetivo central, o que submete a distribuição dos temas e reflexões a uma metodologia tópica, voltada a apresentar respostas às questões constitucionais concretamente formuladas perante o Supremo Tribunal Federal.

O primeiro capítulo, sob o título Apontamentos Sociológicos sobre a Terceirização no Brasil, ana-lisa esse fenômeno em perspectiva sociológica, no contexto do sistema toyotista de produção e da conjuntura econômica de matiz neoliberal que se firmou no Brasil, sobretudo nos anos noventa do século XX. A seu lado, são também identificadas repercussões do modelo trabalhista de contrata-ção triangulada no mundo do trabalho, com ênfase para o processo de precarização do trabalho humano que a fórmula terceirizada proporciona.

O segundo capítulo, sob o título A Terceirização no Direito Comparado, identifica, em um primeiro momento, a morfologia do trabalho influenciada, no plano internacional, pela matiz ideológica neoliberal, em que se esteia o modelo de organização produtiva flexível, como fator determinante

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para o surgimento de um cenário econômico propício ao desenvolvimento de relações de trabalho rarefeitas, de baixa densidade protetiva, tal como a terceirização trabalhista, por exemplo.

Em seguida, é feito um paralelo, em sede de Direito Comparado, entre o regime de emprego socialmente protegido e o regime de trabalho triangulado (terceirização), nos diversos sistemas jurídicos. A proposta é demonstrar a existência de uma zona de tensão que coloca, de um lado, os empregados que desfrutam plenamente de uma relação de emprego protegida, fundada no clássico contrato de emprego e, de outro lado, os trabalhadores rarefeitos submetidos a contratos atípicos de trabalho, que não oferecem a mesma proteção social, atirados ao espaço do trabalho--mercadoria, como é o caso da terceirização.

Na realidade brasileira, parte-se do pressuposto de que essa zona de tensão deve ser resolvida à luz da matriz vanguardista da Constituição de 1988, que anuncia um largo sistema de proteção ao trabalho e à relação de emprego em contraponto às multifacetadas relações de trabalho rarefeitas. Note-se que a proteção ao trabalho humano, em condição de dignidade, é também fundamento da Organização Internacional do Trabalho, sendo sua base principiológica constitutiva.

O terceiro capítulo, A Terceirização Trabalhista e o Histórico de Formação da Súmula n. 331 do TST, propõe-se a desenvolver a análise do complexo processo de evolução hermenêutica no seio da Justiça do Trabalho, que culminou com a edição da Súmula n. 331 do TST, em meio às sérias transformações políticas e econômicas mundiais, determinadas pela planificação do pensamento neoliberal.

Nesse capítulo, será demonstrado que, diante do conflituoso embate entre a pungente exi-gência econômica por flexibilização da organização empresarial e a imperatividade protetiva do Direito do Trabalho, a Justiça do Trabalho, num complexo processo de adaptação herme-nêutica, e sob o influxo da legislação que disciplina a terceirização na Administração Pública, cuidadosamente adotou uma divisa jurídica entre a legítima terceirização de atividade-meio e a intermediação fraudulenta de mão de obra, assim considerada a terceirização praticada na atividade-fim da empresa.

Assim, será identificada na Súmula n. 331 do TST uma interpretação jurídica compromissória dos interesses constitucionalmente protegidos, que, preservando a integridade do pensamento jurisprudencial construído em décadas de amadurecimento do Direito do Trabalho, compreende a terceirização em atividade-fim como um ato de fraude à lei, contra a aplicação das normas im-perativas de proteção ao trabalhador, equiparável à comercialização de mão de obra.

A importância de se retomar o histórico de formação da Súmula n. 331 do TST se dá como parâmetro e pressuposto para o melhor entendimento dos limites constitucionais da terceiriza-ção — objeto central desta obra — a ser analisado no quarto capítulo.

No quarto Capítulo, Os Limites Constitucionais da Terceirização, a obra se encaminha ao ápice de sua reflexão, dedicando-se, primeiramente, a problematizar o tema de repercussão geral 725/STF, que versa sobre a “terceirização de serviços para a consecução da atividade-fim da empresa”, à luz de todos os elementos constitucionais afetados pela prática, enfrentando logo de plano a questão relativa à constitucionalidade da Súmula n. 331 do TST à luz do princípio da legalidade.

Nesse ponto, o livro se propõe a demonstrar que a fórmula jurisprudencial albergada na Súmula n. 331 do TST, no ponto em que reputa ilícita a terceirização de atividade-fim, por fraude à relação de emprego, decorre de uma ampla interpretação do sistema jurídico, que preserva a integridade do Direito, conferindo segurança jurídica aos atores da relação de trabalho, do que resulta a legitimidade democrática dessa interpretação, em linha de obediência ao princípio da legalidade.

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Evoluindo esse raciocínio, o capítulo se dirige a demonstrar a conformidade material da Súmula n. 331 à Constituição da República, a partir do caráter fundamental dos direitos sociais dos trabalhadores, previstos nos arts. 7º a 11 da Constituição, no marco teórico do constitucio-nalismo social. Nesse marco, identifica-se o conteúdo protetivo específico, constitucionalmente atribuído ao regime de emprego socialmente protegido, assegurado no art. 7º, I, da Carta Política. Demonstra-se que esse conteúdo compreende um componente espacial, consistente na pretensão de máxima integração do trabalhador ao empreendimento econômico, e um elemento temporal, que diz respeito à pretensão de máxima continuidade do vínculo de trabalho.

Em seguida, e em contraponto, o estudo se propõe a demonstrar a existência de um regime paralelo de emprego rarefeito, de baixa densidade protetiva, instituído no modelo de relação triangular de trabalho. Identifica-se, assim, o regime de emprego terceirizado, desnaturado em sua substância protetiva, em decorrência das repercussões deletérias imanentes da terceirização sobre o trabalho humano, em face da lógica de mercado que intercepta o trabalhador e o benefi-ciário final da mão de obra.

À luz dessas premissas, no passo seguinte, a pesquisa se lança a uma análise sobre a ope-racionalização teórica das normas de direito fundamental afetadas pela prática da terceirização, com o fim de identificar os limites imanentes do direito de livre contratação, firmados no denso conteúdo protetivo das regras constitucionais que disciplinam a relação de emprego socialmente protegida.

A partir do estudo de normas constitucionais que disciplinam a terceirização de atividades--meio no âmbito das entidades da Administração Pública, identifica-se a projeção constitucional desse modelo de terceirização em atividade-meio, de caráter absolutamente excepcional, ao espaço da iniciativa privada. Demonstra-se a natureza excetiva desse regime triangulado de trabalho em atividade-meio, vinculado à sua finalidade constitucional legítima, que consiste em permitir ao ente público ou privado a concentração de esforços no desenvolvimento de sua atividade-fim, com emprego de mão de obra contratada diretamente, com a máxima proteção social, nesse espaço central da organização.

Sob essa perspectiva, a terceirização em atividade-meio de entes públicos e privados é apre-sentada como um modelo restrito, excepcional e acessório, socialmente mais vulnerável e por isso carecedor de uma tutela legislativa especial, que confira a máxima densidade protetiva possível ao trabalhador terceirizado, com vistas à máxima superação possível do modelo de emprego rarefeito configurado.

Nesse passo, o capítulo se encaminha a demonstrar a inconstitucionalidade da prática da terceirização na atividade-fim do empreendimento econômico, por violação do regime de emprego constitucionalmente protegido e por afronta à função social da empresa. Em seguida, apresenta razões adicionais para assegurar a inconstitucionalidade da terceirização na atividade-fim das empresas estatais exploradoras de atividade econômica, com base na análise da jurisprudência do STF que prestigia a regra constitucional do concurso público nas atividades permanentes dos órgãos e entes públicos.

O quarto capítulo finaliza-se, assim, como síntese dos argumentos desenvolvidos em seu curso, concluindo pela constitucionalidade da Súmula n. 331 do TST.

Essa interpretação decorre, enfim, em um desenho constitucional que situa a relação de em-prego direta e bilateral entre o trabalhador e o tomador de serviços como o modelo de relação de trabalho que mais e melhor protege o obreiro, eis que dotado de máxima proteção social, estando retratado na leitura integrada dos arts. 7º a 11 da Constituição de 1988, além de diversos princípios humanísticos e sociais do Texto Máximo da República.

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Note-se, enfim, que todos os quatro capítulos estão estruturalmente vinculados com vistas a identificar o padrão jurisprudencial adotado pelo Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Súmula n. 331, como uma importante e decisiva influência no processo de regulação da tercei-rização no Brasil, eis que promovido em respeito às premissas constitucionais de proteção ao trabalho humano.

A obra foi originalmente encerrada pelos autores em julho de 2014, quando foi publicada sua primeira edição. Nesta segunda edição, todo o livro foi revisado, mediante correção de eventuais erros formais. O texto foi aperfeiçoado, além de acrescida bibliografia complementar pertinente ao tema da terceirização trabalhista.

Brasília/Belo Horizonte, março de 2015.

Gabriela Neves Delgado Helder Santos Amorim

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Capítulo I

ApontAmentoS SociológicoS Sobre A terceirizAção no brASil

1. Ciclos de inserção da terceirização no processo produtivo brasileiro

A implantação do fenômeno da terceirização no Brasil é resultado de processo periódico, gradual e incisivo de inserção do modelo toyotista de produção no país, que se estendeu, sobretudo a partir da década de 1970, com a inserção dos “círculos de controle de qualidade” nas grandes empresas(1).

Em meados dos anos 1980, as inovações gerenciais traçadas pelo toyotismo, com especial destaque para a política do just in time, as novas tecnologias de automação e os programas de qualidade total, foram amplamente adotadas pelas empresas do complexo automobilístico, que incorporaram quase que de forma integral o novo modelo de gestão produtiva(2).

A partir dos anos de 1990 o modelo de gestão toyotista se expandiu intensamente por todos os setores da economia brasileira, consolidando uma fase de “epidemia da qualidade e da produ-tividade” no país, acrescida pela implantação dos programas de qualidade total e de terceirização nas empresas, em reforço aos novos mecanismos de gestão já adotados desde a década de 1970(3).

Foi também nos anos noventa que se firmou uma espécie de expansão desvirtuada da ter-ceirização no universo empresarial, que se ocupou de terceirizar, indiscriminadamente, tanto as áreas e os setores periféricos como as áreas e os setores nucleares do setor produtivo.

Sobre a fase de “epidemia da qualidade e da produtividade” no Brasil, nos anos noventa do século XX, esclarece Graça Druck:

(1) DRUCK, Maria da Graça. Terceirização: (des)fordizando a fábrica. São Paulo: Boitempo, 1999. p. 102. (2) Ibidem, p. 103. (3) Ibidem, p. 104.

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Estas duas práticas de gestão, mesmo que já testadas e aplicadas anteriormente em vários setores e empresas, assumem, nesta última década, um caráter epidêmico. De fato, generalizam-se com muita rapidez por todas as atividades da economia, na pro-dução industrial, nos serviços, no comércio, em empresas de porte pequeno, médio e grande. No caso da terceirização, além desta rápida e ampla difusão, há um elemento qualitativo de peso, pois muda o tipo de atividade terceirizada, atingindo não somente aquelas áreas consideradas periféricas — os serviços de apoio (alimentação, limpeza, transporte, etc.), como também as nucleares ou centrais (produção/operação, manuten-ção, usinagem, etc.).(4) (Grifos acrescidos)

Fato é que desde os anos de 1990 a terceirização trabalhista vem se expandindo por diversos setores da economia, seja em alguns segmentos específicos ou por toda a planta empresa-rial, sob a justificativa de que se apresenta como estratégia segura e moderna de desenvolvimento econômico.

Os dados reproduzidos pelo DIEESE em parceria com a CUT, em setembro de 2011, são fortes indicadores da expansão do fenômeno da terceirização no Brasil. Noticiam que, na atualidade, os trabalhadores terceirizados perfazem cerca de 25,5% do mercado formal de trabalho do país. Esse número, todavia, está subestimado, porque parte considerável dos trabalhadores terceiros está alocada na informalidade(5), às margens de um Direito regulado e protegido.

Quanto à distribuição dos subcontratados segundo o setor de atividade econômica, as estatís-ticas tendem a demonstrar uma prevalência do segmento empresarial dos serviços em contraponto ao setor da indústria. Nas regiões metropolitanas do país e no Distrito Federal, por exemplo, a concentração maior de trabalhadores terceirizados mantém-se no setor de serviços em comparação às unidades industriais(6).

Do ponto de vista geográfico, os estados do Ceará, de Minas Gerais, do Espírito Santo, do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Santa Catarina são os que apresentam a maior concentração de contratações terceirizadas, acima da média nacional de 25,5%(7).

Os dados também demonstram que são as “populações mais vulneráveis do mercado de trabalho”, com destaque para mulheres, negros, jovens, migrantes e imigrantes, que preenchem o maior contingente de empregos terceirizados no mercado de trabalho do país(8).

Em geral, são trabalhadores caracterizados por parca qualificação profissional, pois não são destinatários de investimentos em treinamento e qualificação para o trabalho, o que tende a ser justificado pela cultura empresarial com suporte no fato de não se inserirem de forma permanente na cultura organizacional da empresa-mãe(9).

Regra geral, nos grupos sociais marginalizados e pouco qualificados para o trabalho, o tra-balhador se submete a trabalhos precários e desprovidos de integração social por falta de opção

(4) DRUCK, Maria da Graça. Terceirização: (des)fordizando a fábrica, cit., p. 105. (5) Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não fecha. Dossiê sobre o impacto da terceirização sobre os trabalhadores e propostas para garantir a igualdade de direitos. São Paulo: DIEESE/CUT, set. 2011. Disponível em: <http://www.sinttel.org.br/downloasds/dossie- terceirizacao-cut.pdf>. Acesso em: 19.6.2014, p. 5.(6) Ibidem, p. 9.(7) Ibidem, p. 9.(8) Ibidem, p. 4.(9) DUTRA, Renata Queiroz. Do outro lado da linha: poder judiciário, regulação e adoecimento dos trabalhadores em call centers. São Paulo: LTr, 2014. p. 57.

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(mesmo que o trabalho seja rigorosamente caracterizado pela privação) e para manter o status de provedor do grupo doméstico a que se vincula(10).

Essa lógica, anunciada na terceirização trabalhista, enfraquece todo o sentido de progressi-vidade social que um eventual modelo de gestão empresarial considerado mais moderno possa assegurar.

2. Fundamentos constitutivos do modelo toyotista de produção refletidos na terceirização

A terceirização é elemento nuclear do modelo toyotista de produção que se construiu na plataforma econômica brasileira, seja por refletir, em suas premissas constitutivas, os principais fundamentos gerenciais do toyotismo, seja por sua significativa abrangência no mer-cado de trabalho.

A implantação do fenômeno da terceirização no Brasil é resultado de processo periódico, gradual e incisivo de inserção do modelo toyotista de produção no país, sobretudo a partir dos anos 1990(11).

A terceirização trabalhista reflete, em seu modelo de gestão empresarial, os principais fundamentos constitutivos toyotistas, desenvolvendo novos arquétipos de acúmulo de capital estruturados no neoliberalismo e diferenciados modelos de contratação e de organização dos trabalhadores(12).

A nova panorâmica produtiva desenhada pelo toyotismo é fundada em multifacetados me-canismos de controle externo e interno da produção.

O controle externo da produção arquiteta novos mecanismos de relações interempresariais que se estabelecem prioritariamente por estratégias combinadas de demissões maciças e de criação de empregos precários e flexíveis(13).

A terceirização trabalhista espelha com clareza a fluidez desses novos mecanismos de relações interempresariais fundados em demissões maciças e na criação de empregos precários e flexíveis.

As empresas terceirizadas, em harmonia com o modelo toyotista de produção enxuta e de estrutura horizontalizada, adotam fórmulas redutoras, concentrando-se exclusivamente no núcleo de seu processo produtivo, transferindo para terceiros outras etapas e processos periféricos do circuito de produção(14).

Sobre a nova panorâmica produtiva, bem descreve Márcio Túlio Viana:

Hoje, a fórmula é horizontalizar o mais possível, para enxugar a máquina, aumentar a eficiência, garantir a qualidade e conquistar um mercado que parece cada vez mais

(10) Consultar: ZALUAR, Alba. A máquina e a revolta: organizações populares e o significado da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 120; FREITAS, Maria Vany de Oliveira. Entre ruas, lembranças e palavras: a trajetória dos catadores de papel em Belo Horizonte. Belo Horizonte: PUC-Minas, 2005. p. 23.(11) Note-se que as empresas podem utilizar, concomitantemente, vários modelos de gestão (taylorista, fordista ou toyotista) em seu multifacetado processo produtivo. É claro que nas últimas décadas do século XX predominou, no complexo empresarial, a utilização do modelo toyotista de produção.(12) DELGADO, Gabriela Neves. Terceirização: paradoxo do direito do trabalho contemporâneo. São Paulo: LTr, 2003. (13) MAJNONI D’INTIGNANO, Béatrice. A fábrica de desempregados. Tradução de Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. p. 85. (14) DELGADO, Gabriela Neves. Terceirização: paradoxo do direito do trabalho contemporâneo. São Paulo: LTr, 2003.

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exigente. Da empresa se diz que quanto menor, melhor. O slogan passa a ser: small is beautiful. (15) (Grifos acrescidos)

No contexto da produção horizontalizada, as despedidas maciças ocorrem significativamente nas grandes empresas, que passam a concentrar suas atividades no núcleo central de produção, descentralizando etapas acessórias do processo produtivo para empresas periféricas. A estratégia do foco possibilita, inevitavelmente, a redução do número de empregos diretos e dos encargos trabalhistas, previdenciários e tributários da empresa-mãe.

Note-se que é comum verificar, no processo de reengenharia empresarial patrocinado pelo fenômeno da terceirização trabalhista, a prática dos “empregos induzidos”(16). Ou seja, no con-texto de produção horizontalizada, os empregados despedidos são comumente contratados por empresas periféricas, em serviços terceirizados, de natureza precária e flexível e pouco onerosa do ponto de vista empresarial(17).

Este processo de realocação da mão de obra comumente não assegura qualquer sentido de segurança aos trabalhadores terceirizados, em razão da alta rotatividade da mão de obra contratada. “Esse fato tem uma série de consequências para o trabalhador, que alterna períodos de trabalho e períodos de desemprego resultando na falta de condições para organizar e planejar sua vida, inclusive para projetos pessoais como formação profissional, mas tem também um rebatimento sobre o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) uma vez que essa alta rotatividade pressiona para cima os custos com o seguro-desemprego”(18).

Note-se que o processo de criação e eliminação de empregos diretos, regra geral, também é insuficiente para suprir as demandas originárias de fluxos de criação permanente, fator que também conduz parte significativa dos trabalhadores dispensados para trabalhos temporários, autônomos e informais, sem segurança e em condições de expressiva precariedade(19). Além dis-so, significativo contingente dos trabalhadores excluídos do sistema de produção central tende a permanecer sem emprego.

A natureza precária, flexível e pouco onerosa das contratações terceirizadas em com-paração às contratações empregatícias diretas também pode ser demonstrada pela pesquisa realizada pelo DIEESE em parceria com a CUT. Todos os dados lançados comprovam que “a estratégia de otimização dos lucros via terceirização está fortemente baseada na precarização do trabalho”(20).

As estatísticas confirmam que a terceirização trabalhista provoca redução expressiva de patamares salariais. A remuneração dos trabalhadores terceirizados, em dezembro de 2010, foi inferior, em 27,1%, à remuneração dos trabalhadores diretos. Além disso, constata-se que a

(15) VIANA, Márcio Túlio. Alguns pontos polêmicos da terceirização. Repertório IOB de Jurisprudência, São Paulo, n. 8, Caderno 2, p. 155, 2ª quinz. abr. 1997. (16) MAJNONI D’INTIGNANO, Béatrice. A fábrica de desempregados, cit., p. 88. (17) VIANA, Márcio Túlio. A proteção social do trabalhador no mundo globalizado. O direito do trabalho no limiar do século XXI. Revista LTr, São Paulo, n. 7, v. 63, p. 885-896, p. 887, jul. 1999. (18) Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não fecha. Dossiê sobre o impacto da terceirização sobre os trabalhadores e propostas para garantir a igualdade de direitos. São Paulo: DIEESE/CUT, set. 2011. Disponível em: <http://www.sinttel.org.br/down-loasds/dossie-terceirizacao-cut.pdf>. Acesso em: 19.6.2014, p. 6.(19) MAJNONI D’INTIGNANO, Béatrice. A fábrica de desempregados, cit., p. 85. Sobre o tema, consultar, ainda: HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2003. p. 144-145. (20) Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não fecha. Dossiê sobre o impacto da terceirização sobre os trabalhadores e propostas para garantir a igualdade de direitos. São Paulo: DIEESE/CUT, set. 2011. Disponível em: <http://www.sinttel.org.br/down-loasds/dossie-terceirizacao-cut.pdf>. Acesso em: 19.6.2014. (Grifos acrescidos)

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remuneração dos trabalhadores terceirizados se concentra nas faixas de 1 a 2 salários mínimos e de 3 a 4 salários mínimos, enquanto os trabalhadores diretos estão mais distribuídos entre as variadas faixas salariais(21).

Em relação à jornada de trabalho, os trabalhadores terceirizados realizam uma jornada de 3 horas a mais na semana em comparação aos trabalhadores diretos, indicador aferido sem consi-derar as horas extras ou bancos de horas porventura realizados(22).

A condição de rotatividade permanente da mão de obra terceirizada também é comprovada na pesquisa realizada pelo DIEESE, que noticia o tempo de 5,8 anos de permanência no emprego para os trabalhadores diretos e, em média, de 2,6 anos para os trabalhadores terceirizados. Desse índice decorre a alta rotatividade dos terceirizados: 44,9% contra 22% dos diretamente contratados(23).

Os índices de acidentes de trabalho graves e fatais alcançam proporções alarmantes na ter-ceirização trabalhista, pois são os terceirizados que via de regra ocupam os postos de trabalho mais precários e arriscados(24).

Embora encobertos das estatísticas oficiais do Ministério da Previdência Social, dados da fiscalização do trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, divulgados em 2005 em um seminário sobre o tema, indicam que de cada dez acidentes de trabalho ocor-ridos no Brasil, oito são registrados em empresas terceirizadas e nos casos em que há morte, quatro entre cinco ocorrem em empresas prestadoras de serviços (Gazeta do ES, 2005).(25)

No setor elétrico, por exemplo, no período de 2003 a 2012, o número de acidentes fatais com trabalhadores terceirizados foi 5,33 vezes maior do que com os trabalhadores próprios diretamente contratados. Segundo Grijalbo Fernandes Coutinho, cada vez que um trabalhador próprio morreu no exercício de suas funções laborativas, pela média anual da década apurada, morreram 6,33 trabalhadores terceirizados(26).

Na lógica toyotista, o controle interno da produção resulta de mecanismos combinados de produção enxuta e de pronto atendimento (just in time), com a meta de se alcançar a qualidade total no processo produtivo(27).

A produção enxuta e o pronto atendimento são facetas de uma nova forma de organização industrial, diversa do modelo de produção em massa fordista. Reforçam a lógica da abolição dos estoques, ao programar que as mercadorias sejam produzidas com alto grau de especialização, porém em pequena escala, conforme demanda específica e individualizada do mercado consu-midor(28).

Note-se que o aprimoramento tecnológico associado à demanda específica e individualizada do mercado consumidor tende a tornar os produtos rotativos, especializados e supérfluos, em padrão consentâneo ao formatado pela lógica da “obsoletagem programada”(29).

(21) Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não fecha. Dossiê sobre o impacto da terceirização sobre os trabalhadores e propostas para garantir a igualdade de direitos. São Paulo: DIEESE/CUT, set. 2011. p. 6. Disponível em: <http://www.sinttel.org.br/downloasds/dossie-terceirizacao-cut.pdf>. Acesso em: 19.6.2014. (Grifos acrescidos)(22) Idem. (23) Idem.(24) Ibidem, p. 16.(25) Idem.(26) COUTINHO, Grijalbo Fernandes. Terceirização: máquina de moer gente trabalhadora. São Paulo: LTr, 2015. p. 194.(27) MAJNONI D’INTIGNANO, Béatrice. A fábrica de desempregados, cit., p. 85. (28) DELGADO, Gabriela Neves. Terceirização: paradoxo do direito do trabalho contemporâneo. São Paulo: LTr, 2003. (29) Idem.

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