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    Representaes mstico-religiosas em Tenda dos Milagres: o vis docandombl na fico televisiva1

    Representations mystical-religious in a Tent of Miracles: the bias of candomblin TV fiction

    Representaciones mstico-religioso en Tienda de Los Milagros: la parcialidad

    del candombl en ficcin TV

    Robria Ndia Arajo Nascimento2

    Resumo

    Este texto expe os resultados de uma pesquisa que analisou as simbologias da religiosidade afro-

    brasileira, especialmente o candombl, na minissrie Tenda dos Milagres, inspirada na obra de JorgeAmado. Os fragmentos dos captulos, as descries das cenas e as entrevistas com praticantescontextualizam tradies e rituais que integram a mitologia dessa vertente, auxiliando a compreensode suas representaes no espao social.

    Palavras-chave: Tenda dos Milagres. Fico televisiva. Candombl.

    Abstract

    This text presents the results of a study that analyzed the symbols of african-Brazilian religion, especiallyCandombl, in the miniseries Tent of Miracles, inspired by the work of Jorge Amado. The fragments ofthe chapters, descriptions of scenes and interviews with practitioners contextualize traditions and ritualsthat are part of the mythology of that area, assisting the comprehension of its representations in the social

    space.Keywords: Tent of Miracles. TV fiction. Candombl.

    Resumen

    Este artculo presenta los resultados de un estudio que analiz las smbologas de la religiosidad afro-brasilea, especialmente el Candombl, en la miniserie Tienda de los Milagros, inspirado en la obra deJorge Amado. Los fragmentos de los captulos, las descripciones de escenas y entrevistas conpracticantes contextualizan las tradiciones y rituales que forman parte de la mitologa de esa rea,ayudando a la comprensin de sus representaciones en el espacio social.

    Palabras clave: Tienda de los Milagros. Laficcin televisiva. Candombl.

    1Intitulada Os arqutipos mstico-religiosos na fico televisiva: o universo simblico de Tenda dos Milagres, dalinha de pesquisa Mdia e Estudos Culturais do Curso de Comunicao Social da UEPB com recursos do CNPq econcluda no ano de 2012. O artigo, portanto, apenas sintetiza o estudo, na tentativa de sinalizar o potencialinvestigativo das tramas literrias de Jorge Amado em suas transposies televisivas, que, na nossa tica,

    configuram ricos objetos de anlise para apropriaes de diversas reas do conhecimento cientfico.2Doutora em Educao pela Universidade Federal da Paraba (UFPB). Mestre em Cincia da Informao pelaUniversidade Federal da Paraba (UFPB). Professora Titular do curso de Comunicao Social da UniversidadeEstadual da Paraba (UEPB). Brasil, Paraba, Campina Grande. E-mail: [email protected]

    Acesse este artigo online

    QR CODE: Website:http://www.revistas.ufg.br/index.php/ci

    DOI:http://dx.doi.org/10.5216/36145

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    1 INTRODUO

    Quem ateu e viu milagres como eu/Sabe que os deuses sem DeusNo cessam de brotar, nem cansam de esperar/E o corao que soberano e que senhor

    No cabe na escravido... (Milagres do Povo- Caetano Veloso, abertura de Tenda dos Milagres)

    ste artigo elege como eixo de anlise os arqutipos mstico-religiosos3que

    perpassam a minissrie Tenda dos Milagres, baseada no romance homnimo

    de Jorge Amado, escrito em 1969. Os dispositivos de mediao

    comunicacional so considerados aqui em suas matrizes de identificao cultural e circulao

    simblica (HALL, 2004). A narrativa expe a fase de engajamento de Jorge Amado s questes

    socioculturais, entrelaadas com personagens atuantes nas causas da miscigenao e da

    cidadania dos negros, nos anos de 1930. Aborda a religiosidade ancestral, a partir do

    candombl4, notabilizando suas prticas e tradies.

    A problematizao do sincretismo entre candombl e cristianismo nessa minissrie

    pode ser vista enquanto reflexo da dinmica da midiatizao religiosa. Como consequncia de

    um acelerado processo de secularizao, observamos o fluxo de diversas prticas de

    religiosidade em diferentes produtos da mdia, a exemplo dos ficcionais. No nosso entender,

    esse fato forja a disseminao cultural religiosa na sociedade e nos sugere algumas questes:

    Como so as religiosidades da mdia? De que modo os diferentes produtos/gneros constroemsuas verses de religiosidades? Assim, o enfoque deste texto pode contribuir para o mbito da

    comunicao, cincias sociais ou cincias da religio5, uma vez que se reporta ao universo do

    3Trata-se de uma observao de um produto audiovisual de natureza miditica, o que exclui deste texto qualquerdiscusso de carter teolgico sobre a religiosidade afro-brasileira. Para fins de esclarecimento, a expressoarqutipos tambm no se refere perspectiva terica junguiana, aludindo aqui s simbologias de matrizesafricanas relacionadas a histrias, imagens e mitos herdados que configuram a tradio oral do candombl. O ttuloda minissrie, homnimo ao romance, faz referncia tipografia do personagem Ldio Corr (Milton Gonalves),

    talentoso arteso de madeira, local peculiar que agrega o sagrado e o profano. Funciona tanto como residnciacomo ponto de encontro da boemia baiana. Expe objetos que aludem aos milagres dos santos, encomendadospelos catlicos beneficiados pelas graas alcanadas. Metaforicamente mstico e milagroso, o espao tambmacolhe as mquinas rotativas de impresso dos primeiros folhetos de denncia social produzidos por PedroArchanjo, sendo considerado ainda uma Faculdade do Povo.4Em sua etimologia, o vocbulo apresenta uma juno do termo quimbundo candombe(dana com atabaques)com iorub ilou il(casa). Desse modo, significa" casa de dana com atabaques". uma religio derivada doanimismo africano, que cultua os Orixs, consideradas divindades da natureza, a partir de danas, oferendas esacrifcios. Em levantamentos recentes, aproximadamente 3 milhes de brasileiros (1,5% da populao total)declararam o candombl como sua religio. Hoje, existem 2.230 terreiros registrados na Federao Baiana deCultos Afro-brasileiros e catalogados pelo Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA (Universidade Federal daBahia) no Mapeamento dos Terreiros de Candombl de Salvador (Mais informaes no site www.ufba.edu.br).5A fico televisiva, por suas caractersticas de hibridismo e preocupao com a identidade nacional, veculo de

    interculturalidade, podendo ativar a competncia cultural, a socializao das experincias criativas e oreconhecimento das diferenas e alteridades (LOPES, 2004). Segundo a autora, permite o conhecimento dos queos outros fazem, como pensam, como manifestam sua f, quais seus pertencimentos tnicos, quais as expectativase conflitos de diferentes geraes em diversos tempos histricos. Essa pluralidade de tematizaes pode servir aos

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    candombl, vertente pouco notabilizada, porque costuma ser atrelada a estigmas e preconceitos.

    Nesse raciocnio, o texto se apropria de uma adaptao literria para a TV no intuito de traduzir

    suas expresses e despertar o interesse para a discriminao social que ainda envolve as

    expresses e subjetividades afro-brasileiras. Com tal propsito, a abordagem pode favorecer a

    compreenso dessa mitologia cultural, informando sobre suas simbologias, seus fazeres e

    saberes, a partir das estratgias discursivas e estticas de fabulao teleficcionais.

    O protagonista Pedro Archanjo (Nelson Xavier) rene uma sntese de qualidades

    resilientes enfrentando, corajosamente, o seu no saber na busca de fundamentao para se

    contrapor s teorias racistas que vigoravam na sociedade. Entre rituais de f e rituais profanos,

    o carisma e a sua personalidade solidria derivam de uma misso mstico-religiosa sob a

    proteo do orix Xang6. O personagem apresenta ambivalncias prprias do universo doescritor Jorge Amado que, paradoxalmente, fortalece seus heris permeando-os com as

    fraquezas humanas, fator que pode assegurar verossimilhana e acentuar reconhecimentos entre

    as classes sociais por eles representadas. Adotando a minissrie7como pano de fundo, este artigo

    apresenta os resultados de uma pesquisa que se voltou fico televisiva nas suas interfaces

    com o universo cultural religioso.

    2 O ESPAO DA FICO: PANORAMA CONCEITUALRessaltando o poder de ressonncia da fico na esfera da audincia, Lopes (2004)

    assinala que esse gnero adquire valor estratgico na criao e consolidao de novas

    identidades culturais compartilhadas, consistindo numa narrativa popular sobre a nao. Torna-

    se, assim, um lugar privilegiado na TV de onde se anuncia uma nao representadae no s

    imaginada: Histrias narradas pela televiso so, antes de tudo, importantes por seu

    significado cultural, oferecendo material precioso para se entender a cultura e a sociedade de

    que expresso (LOPES, 2004, p. 125).Na mesma direo, Silverstone (2002) reitera que astramas ficcionais so nossa cultura, gostemos disso ou no, expressando as consistncias e

    contradies da fantasia (...) oferecendo textos para que ns, suas audincias, nos posicionemos,

    nos identifiquemos (SILVERSTONE, 2002, p. 82). Jost (2010) considera que o gnero

    ficcional no representa uma mentira, mas traduz um olhar especfico sobre a realidade que

    estudos acadmicos, no sentido de popularizar as diferentes identidades religiosas que a fico recria, o que pode

    ser oportuno discusso do fenmeno religioso na contemporaneidade.6No sincretismo catlico, equivale a So Jernimo ou So Miguel Arcanjo.7Minissrie de 30 captulos, exibida pela Rede Globo em 1985, dirigida por Aguinaldo Silva e Regina Braga,reunida num Box de quatro DVDs, lanado pela Globo Marcas.

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    se mescla aos fatos imaginados8. Nesse sentido, a verossimilhana das tramas tecida no

    interior da narrativa, o que permite o fortalecimento das razes do gnero ficcional em meio

    cultura que o produz.

    Corroborando essa assertiva, Bulhes (2009) postula: A fico no um invlucro

    impenetrvel, uma cpsula suspensa na imaterialidade: s pode transfigurar o real por t-lo

    conhecido, por isso o subverte (BULHES, 2009, p. 22).Logo, com a liberdade da criao

    autoral, o verossmil no est associado somente a uma estratgia de seduo, ao que ocorreu

    ou ao que existe, mas ao que tambm poderia existir, fato que sugere reflexo social para as

    questes problematizadas nas narrativas9, como ocorre em Tenda dos Milagres.

    Na tica de Martn-Barbero (2004), a fruio esttica do gnero ficcional apresenta

    ainda um aspecto significativo para alm da inteno de verdade, da mobilizao da memriae do imaginrio do pblico, uma vez que por seu intermdio entendemos ainda as tradies

    especficas de um povo e as culturas mestias dos pases que so retratados. Por isso, a televiso

    se configura hoje como o dispositivo mais sofisticado de modelagem e formao dos gostos

    populares, numa das mediaes mais expressivas das matrizes narrativas do mundo cultural

    popular (MARTN-BARBERO, 2004, p. 24). Exerce, dessa forma, papel estratgico na cultura

    cotidiana das maiorias, na transformao de suas sensibilidades, na construo de suas

    identidades. Nesse sentido, formata uma imagem estratgica de determinados universos domundo real, possibilitando o reconhecimento entre a audincia, notabilizando um modo

    comprometido de ver, escutar ou ler uma dada historicidade.

    Na esfera da identificao e da visibilidade, os gneros ficcionais ainda se mostram

    em permanente estado de fluxo e redefinio, despertando novas inteligibilidades, mesclando

    particularidades, conformando novas snteses sociais, restituindo e atualizando velhas histrias

    que so caras cultura e memria populares. Segundo Lopes, Borelli e Resende (2002), esses

    gneros compreendem mitologias, reposies arquetpicas, matrizes culturais, estruturas

    8Em Tenda dos Milagres, o personagem Pedro Archanjo foi inspirado na juno de dois ativistas polticos domundo real: o escritor baiano Manuel Querino (abolicionista) e o Ob Miguel Santana (Babalorix), defensoresimportantes da causa da liberdade religiosa na Bahia. O mdico e antroplogo Nina Rodrigues, por sua vez, deuorigem a Nilo Argolo (Oswaldo Loureiro), opositor das ideias vanguardistas do protagonista. Na narrativa emquesto, o carter no-fictcio que perpassa fatos e personagens, se dilui entre as criaes do imaginrio. Aancestralidade discutida pela minissrie, atravs de Pedro Archanjo, na verdade evoca no apenas elementos damemria afetiva do personagem, como um instrumento discursivo para disseminar experincias factuais do

    perodo histrico retratado. Nesse sentido, Tenda dos Milagres rene elementos biogrficos, medida que seentrelaa com a historicidade da dcada de 1930, reproduzindo uma correlao perceptvel no texto, nos cenrios,nos figurinos, nas ambientaes dos captulos.9

    Essa problematizao possvel do gnero ficcional, segundo Lopes (2004), articula-se s ideias de mobilidadediscursiva e plasticidade, pois pensamentos, imagens, smbolos, significados circulam por meio das narrativasficcionais podendo tais questes funcionarem como chave de interpretao de processos identitrios e abordagensscio-histrico-culturais.

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    narrativas que respondem pela possibilidade de elaborao de grandes totalidades do imaginrio

    coletivo (LOPES; BORELLI; RESENDE, 2002, p. 254).

    luz desse ponto de vista, a investigao da fico televisiva em seus entremeios com

    a religiosidade se insere no campo epistemolgico dos Estudos Culturais, uma vez que os

    produtos ficcionais so produtores de sentidos e podem ser entendidos como vetores ativos de

    produo e comunicao de saberes, o que favorece a compreenso das mediaes culturais

    (JOHNSON, 2006). Em um pensamento similar, Motter (2004) considera que os romances, as

    histrias de amor, correm em paralelo com o desenvolvimento de temticas sociais, que so

    pinadas do cotidiano, como tambm questes embrionrias e nebulosas, marginalizadas

    como tabus, objetos de proscrio e silncio. (MOTTER, 2004, p. 259).

    Gordillo (2010) assinala que a fico desempenha importantes funes, sobretudo nosentido filogentico, por reproduzir desdobramentos e hibridaes que suscitam reflexes,

    discusses e ressonncias no espao social. Alm disso, ainda permite: fabulizao, numa

    tentativa de atrair as pessoas para outros contextos, mediante a ao de personagens, tempos e

    espaos (por modos de representao popular);socializadora, ao unir grupos sociais em torno

    de temticas comuns, gerando adeses, gostos e preferncias; funo identitria, pois surge

    como intrprete da vida social, compartilhando os significados coletivos e expressando as

    mutaes culturais; disseminadora de modelos, ao organizar situaes e personagensfamiliares, convertendo os esteretipos em sugestes de comportamento social; funo

    formativa, pois alguns relatos expem mensagens educativas.

    3 METODOLOGIA

    Tendo em vista as premissas tericas apresentadas, o percurso metodolgico foi

    desenvolvido em dois momentos: o primeiro, destinado observao criteriosa da minissrie

    para ser possvel registrar e descrever os aspectos relacionados ao candombl, anotando as

    particularidades num dirio de observao. Este tambm serviu como instrumento de registro

    nas visitas aos terreiros, que caracterizou o segundo momento do estudo. Entretanto, antes dos

    dois procedimentos, e com a inteno de familiarizar os alunos envolvidos10na pesquisa com

    o universo mstico-religioso de Jorge Amado, foi recomendada a leitura da obra homnima que

    inspirou a adaptao televisiva. A Anlise de Narrativas norteou a percepo dos captulos, a

    partir da verificao das enunciaes verbais dos dilogos para sua posterior transcrio. Para

    10 Joo Saraiva da Silva Neto e Walqusia Raquelle Freire Gouveia, alunos-pesquisadores do Curso deComunicao Social da UEPB.

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    Motta (2007) as narrativas consideram as histrias contadas e absorvem as prticas culturais,

    atentando para os sentidos que as envolvem. Assim, a enunciao um recurso comunicativo

    que pressupe, mediante cdigos, articulaes sintticas e pragmticas, sequncias encadeadas

    que formam dilogos intencionais. Constituindo a anlise das prticas culturais, os enunciados

    narrativos so relatos que se desenrolam cronologicamente, com vis factual, ficcional ou

    hbrido, abertos s significaes de uma dada historicidade11.

    Como o processo da pesquisa envolve aes de objetificao e subjetivao de

    procedimentos, vinculadas teoria estudada e seus pressupostos, optamos por descrever cenas

    e falas, traduzindo a simbologia do candombl, por acreditarmos que, desse modo, estaramos

    nos aproximando das referncias e representaes do universo afro-brasileiro. Ancorando

    nossos passos nessas perspectivas, buscamos:1 - Identificar os captulos para posterior seleo das cenas emblemticas e dos

    personagens;

    2 - Localizar e descrever os aspectos vinculados religiosidade afro-brasileira, bem

    como os orixs mencionados, a fim de perceber a noo de acontecimento narrativo (o que foi

    dito e como foi dito, quais recursos semnticos e imagticos foram mobilizados);

    3 - Verificar as ambincias dos captulos (objetos, figurinos, contextos espao -

    temporais no que concerne reconstituio das prticas do candombl e da historicidaderetratada).

    Em seguida, o trabalho de campo correspondeu s visitas aos terreiros. De acordo com

    Maffesoli (2005), o processo de anlise se apoia na empiria e progride passo a passo a partir de

    observaes e indues, que como um quebra-cabea se ajusta at ser possvel visualizar um

    significado (MAFFESOLI, 2005, p. 150).Para Laplantine (1996), o observador realiza um

    processo de subjetivao ao procurar conhecer um dado contexto, inferindo, ajustando

    questes, experimentando e construindo hipteses, pois nunca somos testemunhas objetivasobservando objetos, mas sujeitos observando outros sujeitos (LAPLANTINE, 1996, p. 169).

    Nesse sentido, a situao de observao requer a proximidade do pesquisador em busca da

    inteligibilidade do cenrio que investiga. Para Geertz (2000), as pesquisas de campo consideram

    a observao fundamental para a percepo das diferentes realidades que surgem nos contextos

    pesquisados. Estes, por sua vez, funcionam como laboratrios sociais onde podemos nos

    11De acordo com o autor, os discursos narrativos miditicos se constroem atravs de estratgias comunicativas(atitudes organizadoras do discurso) e recorrem a operaes lingusticas e extralingusticas que guardamintencionalidades.

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    aproximar das alteridades dos informantes em seus prprios ambientes, o que talvez possa

    ampliar a escuta das sensibilidades.

    As entrevistas consideraram as experincias subjetivas das fontes, adotando a

    modalidade semi aberta, que parte de um roteiro-base, mas no privilegia a linearidade por se

    ater ao processo dialgico de interlocuo. Foram ouvidos representantes e adeptos do

    candombl, cujas declaraes so aqui sintetizadas, uma vez que o amplo escopo da pesquisa

    impede transcries literais no espao de um artigo. Antes do registro dessas falas, destacamos

    a seguir alguns recortes temticos da minissrie.

    4 SIMBOLOGIAS DO CANDOMBL EM TENDA DOS MILAGRES

    Para os fins propostos, apresentamos alguns fragmentos do produto audiovisual. NoCaptulo 5, Rosa de Oxal12(Dhu Moraes) se consulta com a me Maj Bass (Chica Xavier)

    atravs dos bzios:

    Maj Bass: T vendo um homem que te acompanha, uma sombra que est sempre

    do teu lado. Coisa mais esquisita, Rosa, uma sombra que no tem cara, no tem cabea... Rosa

    de Oxal: meu av! Ele era escravo na fazenda de Pedro Unho, e acreditava que quando os

    negros morrem a alma deles volta pra frica. Isso verdade, num me? [E Maj Bass, triste,

    confirma]. Um dia, colocaram ele no Pelourinho de castigo. To grande esse castigo, me!Durou tanto tempo que meu av resolveu voltar pra frica... Ele se matou! [Nesse momento,

    entra emflashbacka cena em que o escravo descido decapitado do Pelourinho]. O corpo do

    meu av voltou pra frica, me, mas a cabea dele ficou escrava na Bahia (...) [Rosa se levanta

    e chora]. E essa sombra que a senhora t vendo junto de mim, do meu av. Eu sonho com a

    cabea dele todos os dias... Todos os dias essa sombra me aparece, pra me dizer que no h

    liberdade possvel (...).

    A consulta aos bzios uma tradio que se mantm viva no candombl. Na cena,

    observamos uma mesa redonda coberta com uma toalha branca, um armrio e vaso de barro

    com gua. Sobre a mesa, h uma vela amarela acesa (em homenagem a Oxum 13, orix feminino

    que guia a leitura dos bzios), um chocalho e uma peneira rasa de palha, onde a me de santo

    joga as conchas. Ambas as personagens usam roupas, leno da cabea e brincos de pedras na

    12Orix associado criao do mundo e da espcie humana. Na Bahia, conhecido por Senhor do Bonfim, devidoao sincretismo com a Igreja catlica. Em outros estados, relacionado a Deus.13

    Orix feminino que reina sobre a gua doce dos rios, simbolizando o amor, a intimidade, a beleza, a riqueza, avaidade e a diplomacia. Na Bahia, associada a Nossa Senhora das Candeias ou Nossa Senhora dos Prazeres. NoSul do Brasil, sincretizada com Nossa Senhora da Conceio, enquanto que no Centro-Oeste e Sudeste conhecida ora pela denominao de Nossa Senhora, ora por Nossa Senhora da Conceio Aparecida.

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    cor branca. No jogo, so utilizadas as rindinloguns, conchas do mar que trazem as mensagens

    dos orixs atravs dasAgbs Odus, pais ou me de santos, Babalorixs e Ialorixs, nicos que

    tm autorizao dos deuses para traduzir os conselhos. Formado por 16 conchas de vrias cores

    e tamanhos (com o objetivo de abrir os caminhos e fazer revelaes), os adeptos sabem quais

    so seus protetores, quais oferendas seus deuses preferem e como e quando sero seus rituais

    de iniciao. Nos momentos que antecedem a consulta, a me ou o pai de santo invoca e sada

    todos os orixs. Durante os primeiros arremessos, o orix da pessoa consulente se manifesta e

    transmite mensagens. Na ocasio, possvel fazer perguntas e receber ensinamentos. Segundo

    a crena, os orixs influenciam o modo como as conchas caem sobre a mesa. So necessrios

    cerca de sete anos para o aprendizado do jogo. Cada orix se comunica a seu modo, tornando-

    se dono da cabea de um filho, sendo o responsvel pelo seu destino e sua proteo,aconselhando e prevendo seu futuro (ALBUQUERQUE, 2012, p. 233).

    Atravs do desabafo de Rosa de Oxal (de que no h liberdade possvel), percebemos

    mensagens relevantes que permeiam a trama da minissrie: o preconceito que assola os negros,

    a falta de expectativas e de f no futuro transmitidas aos seus descendentes, como se no lhes

    fosse permitido ter a dignidade dos direitos humanos e sociais. Albuquerque (2012) explica que

    a chegada dos negros no Brasil, decorrente da dispora, no trouxe apenas a mo de obra barata

    que impulsionou a economia da sociedade, mas tambm a revolta pelas atrocidades daescravido.

    A abordagem do sobrenatural se acentua no captulo 12, quando Me Maj Bass

    revela a Pedro Archanjo a sua misso:

    Maj Bass: Tu foi agraciado com um dom divino! Do povo daqui, tu um dos poucos

    que pode fazer alguma coisa pela tua raa (...) Xang t falando, t te ordenando tudo ver, tudo

    saber, tudo escrever. Tu foi escolhido para ser Ojuob, os olhos de xang!Tu vai ser a luz

    do teu povo, nossos olhos de ver, e nossa boca de falar, tu vai ser nossa coragem e nossoentendimento. Tu vai dizer do nosso amanh! Pedro Archanjo: uma grande honra, me Maj

    Bass. Mas, e se eu falhar? Maj Bass: Xang um dia foi nosso rei. Tu t pondo em dvida a

    sabedoria de um rei, Pedro Archanjo? Ento, tu t achando que maior do que ele!

    [Demonstrando aborrecimento]. Pedro Archanjo [Mais sereno e reflexivo]: A senhora tem

    razo. Maj Bass: Ento, v pra casa, Mestre Archanjo, Ojuob de Xang, e pode comear a

    cumprir tua obrigao, que j t na hora! [Pedro Archanjo levanta-se e beija a mo da sua me

    de santo]. A cena termina ao som da msica Milagres do Povo, de Caetano Veloso, cujo

    trecho aparece na epgrafe deste artigo.

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    Segundo Negro (2009), o candombl uma religio de irmandade, de afetos, que

    valoriza os indivduos, refora suas identidades, integrando-os em uma famlia mstica, que lhes

    proporciona aconchego, amor e proteo filial (NEGRO, 2009, p. 268). Assim, Maj Bass

    representa o afeto e a autoridade mxima nas questes do terreiro. A ela atribudo o arqutipo

    de conhecimento, denominado de ax, bem como a misso de cuidar da vida de seus

    discpulos; conhecer seus amores, dramas e dificuldades; gui-los nas mais diversas

    circunstncias, trabalhando para curar males fsicos e espirituais. Xang, por sua vez, o orix

    mais cultuado no Brasil. Sua representao envolta num intenso simbolismo, que capturado

    com esttica e beleza pela minissrie. As vestes dos personagens obedecem s cores desse orix,

    bem como o toque dos tambores e atabaques reproduzem os rituais dos terreiros. A fora de

    Xang, de acordo com Albuquerque (2012), deriva do elemento fogo. Nesse sentido, opersonagem Pedro Archanjo rene as qualificaes inerentes ao seu protetor: o fogo

    digestivo, pois admira os prazeres culinrios; o fogo sexual, com sua fama de sedutor e

    insacivel; o fogo da justia, afinal o ojuob seria os olhos de Xang na terra. Ao mesmo

    tempo, Archanjo agrega as dualidades humanas: falvel e determinado; divino e profano,

    carregando as imperfeies da carne e do esprito. Assim, o fogo funciona como elemento

    catalisador das reaes simblicas do personagem, pois a justia, em muitas culturas, sobretudo

    nas religiosas, alcanada por meio do fogo: temos a tese do juzo finale tambm a ideia decatstrofe do apocalipse.

    As insgnias do orix so nobres: a coroa, o machado e o trono remetem ao seu poder.

    Segundo a mitologia africana, teria sido um bravo guerreiro, sendo divinizado como heri aps

    a sua morte numa batalha na qual defendia seu povo. Da emerge o mito que inspira a misso

    de Archanjo, pois a clera conduz o machado de Xang para o enfrentamento dos inimigos,

    tornando-se o guardio das esperanas. Prandi (2001), em valiosa obra sobre a mitologia

    Iorub, esclarece que o mundo dos orixs reflete a vida dos seres humanos. Os orixs alegram-se e sofrem, vencem e perdem, conquistam e so conquistados, amam e odeiam (PRANDI,

    2001, p. 24). Nesse sentido, os mitos configuram a ontologia do candombl, considerada pelo

    autor como uma religio atica, uma vez que no h moral dogmtica explcita, reunida em

    livro sagrado, como ocorre em outras expresses de f.Na tica do estudioso do panteo

    africano, a percepo da africanizao do candombl com suas mitologias implica considerar

    o aparecimento do sacerdote na sociedade metropolitana como algum capaz de superar uma

    identidade com o baiano pobre, ignorante e preconceituosamente discriminado (PRANDI,

    2001, p. 106).

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    102Comun. & Inf., Goinia, GO, v. 18, n. 2, p. 93-111, jul./dez. 2015

    A representao do terreiro na minissrie, por sua vez, cercada de humildade.

    Localizada num vasto terreno na periferia da cidade, a casa rstica e cercada por animais

    (galinhas, bodes, porcos, muitos dos quais preparados para o abate e as futuras obrigaes

    dos filhos de santo), rvores, fontes, plantas de diferentes espcies, numa aluso ao territrio

    africano e s savanas. No porto de entrada, observamos uma imagem de Exu14, para dar as

    boas vindas aos que chegam. Ao lado, um grande salo, destinado aos cultos e s festas,

    ornamentado por representaes dos orixs. Destacam-se entre elas, pelo grande porte,

    assentadas num altar chamado deIl Ax, Xang, Oxal, Ogum15e Oxum, com suas respectivas

    vestes e cores. H no local um conjunto de quartos-templos, denominados de Peji,onde os

    filhos de santo passam pelo ritual de iniciao ou precisam realizar obrigaes anuais, a

    depender dos compromissos assumidos com seus guias protetores, e que lhes permitem se isolardos demais membros da comunidade. Existe tambm uma cozinha ritual, especfica para

    preparar as oferendas dos orixs, os ebs, comidas que os santos apreciam. Atrs do terreiro,

    h uma sala reservada, chamada de camarinha ou runc, destinada recluso de novios ou

    novias, como so chamados os iniciantes. Alm dos cultos tradicionais, o terreiro tambm

    realiza batismos, casamentos, aniversrios dos filhos e filhas de santo, conhecidos no

    candombl como Povo do Santo.Ao longo da minissrie, so mostradas algumas dessas

    cerimnias.Vinagre Silva (2008) enfatiza que os terreiros guardam as tradies e simbolizam a

    cultura oral dos afrodescendentes, configurando nichos de sociabilidade para o enfrentamento

    do preconceito. A geografia cultural desses locais expressa, pois, uma ocupao sociopoltica,

    uma vez que os Ils so casas religiosas, mas tambm espaos tnicos, de moradia, de

    acolhimento, de prestao de servios assistenciais coletividade. Para a autora, as relaes de

    parentesco - consanguneo e religioso-, articuladas s relaes de gnero, intertnicas e de

    classe, modelam e regulam relaes, no s religiosas, mas afetivas, econmicas, socioculturaise tico-polticas. Desse modo, as prticas africanas so ressignificadas cotidianamente nesses

    territrios, formando elos entre o presente e o passado, entre o mundo contemporneo real e o

    14 o orix da comunicao, conhecido como mensageiro no jogo de bzios. Deve receber as oferendas emprimeiro lugar a fim de assegurar que tudo corra bem nas celebraes do terreiro. Foi sincretizado como o diabocristo pelos colonizadores, devido ao seu estilo irreverente, brincalho e forma como representado no cultoafricano. Por ser provocador, indecente, astucioso e sensual, comumente confundido com a figura de Satans.

    Mas, de acordo com a construo teolgica Iorub, no faz oposio a Deus, nem considerado umapersonificao do mal.15Ogum considerado o principal orix a descer do Orun(o cu) para o Aiye(a Terra) aps a criao, tendo amisso de ser guerreiro. No sincretismo catlico conhecido como So Jorge e Santo Antonio.

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    mundo mtico, elos entre o territrio religioso dos terreiros e a vida social (VINAGRE SILVA,

    2008, p. 5).

    A autora ressalta ainda que os terreiros valorizam e preservam a identidade cultural

    dos filhos de santo, uma vez que produzem a reafirmao tnica, incorporando indivduos

    discriminados socialmente em outros espaos: negros/no-negros, homens/mulheres/crianas,

    indivduos de diferentes orientaes sexuais e pertencentes a distintas classes, inclusive os

    portadores de deficincia e de comprometimento mental, que no aceitos em outras prticas

    religiosas. No terreiro de candombl, os segmentos subalternizados da sociedade podem

    experimentar a possibilidade de ascenso e de desenvolvimento de uma nova sociabilidade,

    metamorfoseando seus lugares de desvantagem social com posies de prestgio na hierarquia

    religiosa (VINAGRE SILVA, 2008, p. 6).Torna-se vlido ressaltar um forte exemplo de preconceito religioso no captulo 23,

    quando os filhos de santo so presos durante a realizao de um culto:

    Dr. Pedrito Gordo (Cludio Mamberti): Deu tudo certo na ao, Z Alma Grande

    (Tony Tornado)? Tudo doutor, tudo! [Responde o negro com um sorriso de satisfao].

    Chegamos no meio do ato, a tava todo mundo vestido com roupa de santo. Ns fechamos o

    cerco. [Nesse momento, Z Alma Grande puxa pelo brao o negro que estava vestido com uma

    roupa prpria do ritual e o coloca diante do delegado]. T a o resultado: Esse o pai Quinquin,ele diz que macho, casado, cheio de filho, mas aproveita a feitiaria para usar roupa de

    mulher e virar mame Oxum, [Debocha do homem]. Jornalistas de um jornal local chegam

    para fazer o registro da ocorrncia. Jornalista: Com licena, Dr. Pedrito, a gente quer fazer um

    flagrante para o jornal A Tarde, o senhor permite? Dr. Pedrito Gordo: vontade! Jornalista:

    Com licena! [O jornalista e o fotgrafo entram na sala, enquanto o delegado se aproxima do

    grupo para sair nas fotos]. Jornalista: E agora uma foto de mame Oxum! [Ironiza, apontando

    para o homem com as vestes de santo!]. [O negro travestido se recusa]. Dr. Pedrito Gordo: Vaisair na primeira capa do jornal, fique a, seu cabra! E agora todo mundo pra masmorra!

    [Empurra o preso e os outros]. Eu quero ver qual o santo que vai tirar vocs de l! E agora

    escreva a no seu jornal, meu filho, que o delegado Pedrito Gordo apenas um justiceiro! So

    os mestres da Bahia que afirmam a alta periculosidade da negralhada. Eu apenas trato de cortar

    o mal pela raiz evitando que ele se propague!

    A cena reflete o quanto as religies de origem africana no Brasil enfrentaram a

    represso policial embasada na lei, at a dcada de 1970, do sculo XX, quando ento a

    violncia fsica foi refreada, resultado de uma luta vitoriosa dos integrantes das religies afro-

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    brasileiras pela incluso constitucional (ISAIA; MANOEL, 2012). Mas alm do preconceito

    religioso, identificamos ainda o preconceito racial, quando o delegado se refere alta

    periculosidade da negralhada, afirmando que preciso cortar o mal pela raiz.

    No captulo 26, Maj Bass vai delegacia reivindicar permisso para festejar seus 75

    anos com um toque no terreiro:

    Maj Bass: Boa tarde, Dr. Pedrito [O delegado, que est de cabea baixa, no

    responde de imediato a sua saudao]. Tempo depois, indaga com indiferena: a senhora?

    Um minutinho que eu j lhe atendo. [Mas propositalmente a ignora]. Pedrito Gordo: O que a

    senhora deseja? [Pergunta impaciente]. Maj Bass: O senhor deve estar lembrado que tambm

    proibiu o toque dos tambores na festa do meu aniversrio. Eu vim aqui no meu direito de cidad

    desse pas. Eu quero saber o por qu da sua proibio. [Depois de algum silncio, o delegadodeixa de escrever, vira-se na direo de Maj, e responde com veemncia]. Pedrito Gordo:

    do interesse do Governo, da Polcia, das famlias, que cessem de uma vez por todas esses

    costumes brbaros, enganadores, fetichistas... Em resumo, essa charlatanice que vocs chamam

    de religio: o candombl. [Maj Bass expressa tristeza em seu silncio]. Em seguida, pergunta:

    O senhor cristo, doutor? Pedrito Gordo: [Aumenta o tom de voz e responde com desdm].

    Sou Catlico, Apostlico Romano, minha senhora! [Volta a escrever]. Maj Bass: Pois ento,

    deixe que eu lhe diga. Jesus Cristo baixou na Terra para salvar o senhor, faz dezenove sculos,no ? Nessa mesma poca, Xang baixou na frica pra me salvar! [O delegado se espanta e

    pergunta]. Pedrito Gordo: Mas o que a senhora quer dizer com isso? Maj Bass: Que a f

    uma s, doutor. Ela pode ter vrias formas, mas uma s. Por que, ento, o seu Jesus pode

    baixar, e o meu Xang, no pode? [Ele ouve esse desabafo e, em seguida, d gargalhadas]. Mas,

    meu Deus do cu! A mulher enlouqueceu! Comparando a f Catlica com bruxaria! Maj

    Bass: A minha crena to antiga quanto a sua, doutor. E pra mim, tem a mesma importncia

    tambm. Pedrito Gordo: (Altera o tom de voz e grita, apontando o dedo para ela). Pode ter pravoc, mas no tem pra mim, nem para as instituies que eu defendo. [Continua gritando]. E

    pare de uma vez por todas de fazer esse tipo de comparao! Se pensa que vai me confundir, se

    engana. Maj Bass: [Serena e calma]. Eu vim aqui, doutor, para pedir que autorize o toque dos

    tambores na minha festa. Pedrito Gordo: [Ele franze as sobrancelhas, tira os culos, e volta a

    olhar para os papis sobre a mesa]. Pois, seu pedido est negado! E se a senhora insistir vai para

    a cadeia!

    Todavia, a festa acontece, contrariando a ordem policial e tornando-se um episdio

    marcante exibido no captulo 28, quando Xang, finalmente, fizera justia:

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    Pedrito Gordo: Vocs num to sabendo que a feitiaria tava proibida? [Grita,

    interrompendo a festa no terreiro!]. Agora vamos ver, Maj Bass, quem pode mais aqui, se a

    feitiaria ou a lei? Maj Bass grita sob a influncia de Xang, em transe. Leva essa mulher pro

    xadrez, diz o delegado. [Z Alma Grande se aproxima]. Pedrito Gordo insiste: T esperando o

    qu? Leva ela daqui! Z Alma Grande contesta a ordem: Mas ela t... T tomada, doutor. Ela

    t com o santo, no posso fazer isso! [Pedrito Gordo ri alto]. Pedrito Gordo: Ih, santo de mentira,

    ela t presa!!! [Grita o delegado. Inicia-se um som de suspense]. Pedrito Gordo: Pega ela pelo

    brao e leva! [Z Alma Grande d um passo em direo me de santo]. T esperando o qu,

    negro? Pega ela pelo brao e leva! [Obedecendo, Z Alma Grande se aproxima da me de santo

    devagar, com muito medo]. Pedro Archanjo: Ogum cape damegi(saudao de Ogum!) [Grita

    Pedro Archanjo]. Z Alma Grande, para surpresa dos presentes, entra em transe ao ouvir essaspalavras. Incorporando Ogum, anda em direo ao delegado, que se assusta com o homem de

    olhos fechados e expresso contrada. Pedrito Gordo: Ficou maluco, Z? Ficou louco, homem?

    [Grita o delegado para ele e os outros agentes tentam deter Z Alma Grande, mas sem sucesso,

    porque ele parece mais forte!]. Pedro Archanjo: Ogum chamou as cobras e elas saltaram sobre

    os guerreiros! [Comemora!]. Z Alma Grande, ainda incorporando Ogum, derruba o revlver

    da mo do delegado e parte em sua direo, que sai correndo dali, muito assustado. O toque dos

    tambores reinicia no terreiro e todos os presentes se confraternizam.

    5 A RESSONNCIA DA FICO

    A anlise da minissrie, em seus entremeios terico-conceituais, apontou a

    necessidade de uma observao do universo do candombl. Assim, buscamos verificar como

    se configura o pertencimento religioso a essa vertente, tomando como lcus os terreiros16do

    municpio de Campina Grande, na Paraba, etapa em que nos aproximamos dos seus adeptos17

    para compreendermos os significados de sua religiosidade. Fizemos visitas aos templos e

    assistimos a alguns rituais, como oferendas e cantos para os orixs, nas giras abertas ao pblico.

    No terreiro Senhor do Bonfim, o mais antigo da cidade, o sincretismo est presente: imagens

    de santos catlicos aparecem lado a lado com os orixs. Na entrada, se v uma grande imagem

    16Durante a coleta de dados, foram visitados os terreiros Senhor do Bonfim, Terreiro Jos Pinheiro, Terreiro Filhosde Oxum e Terreiro Ians. Os pesquisadores assistiram aos cultos (reunies pblicas denominadas de giras,

    porque os praticantes, homens e mulheres vestidos de branco, danam ao som dos atabaques, em crculo,acompanhando as cantigas para os santos) para favorecer a observao da realidade estudada e realizar oscontatos para as entrevistas.17Dados coletados em julho e agosto de 2012, com trinta praticantes.

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    de Iemanj18 pintada na parede. Nos demais terreiros visitados, emergem o catolicismo e

    expresses da umbanda, atravs das figuras dos pretos-velhos e caboclos, o que sugere tanto a

    dupla pertena quanto a mescla de prticas no pas.

    O perfil social dos entrevistados envolve pessoas das classes sociais populares, com

    pouco nvel de escolaridade, embora este no tenha sido um critrio definido a prioripara a

    seleo das suas vozes. Concluram apenas o Ensino Fundamental, segundo as informaes

    coletadas, com exceo da me de santo, que quase terminou o Ensino Mdio. Porm, de acordo

    com Isaia e Manoel (2012), o povo de santo, dividido entre os adeptos e consulentes dos

    servios de candombl no Brasil, formado por uma maioria de indivduos com essas

    caractersticas. Os autores informam que muitos atuam na sociedade oferecendo consultas nos

    bzios, dando receitas de banhos de ervas e remdios caseiros, ou realizando aconselhamentose rezas contra mau-olhado, ao mesmo tempo em que exercem atividades laborais pouco

    remuneradas. Entretanto, no Brasil, o candombl se mistura muito com a umbanda. Muitas

    mulheres atuam como benzedeiras, atendendo nos terreiros pessoas acometidas por diferentes

    enfermidades, sugerindo oferendas ou trabalhos para diferentes demandas dos consulentes.

    Assim, percebemos que a fico tanto retrata os rituais dos terreiros de candombl, como o

    cotidiano ecltico dos adeptos19.

    Os interlocutores do estudo (identificados aqui pelo primeiro nome) declararam que ocandombl visto com preconceito pela sociedade. Joabi, de 22 anos, estofador e ex-

    protestante, j ouviu dizer que candombl coisa do diabo. Todavia, a minissrie, segundo

    ele, contribui para informar os telespectadores que a religio possui atributos para ajudar.

    Indagados sobre as representaes na mdia, os demais declararam que poucos so os programas

    ou telenovelas que abordam essa religio, fator que, na opinio deles, no ajuda a esclarecer

    sobre os mitos.ParaAlessandro, 35 anos, pintor, o candombl uma escolha: Entrei h quinze

    anos, por vontade de conhecer a religio e gostei.Antes, ele era Catlico. Ktia, 36 anos,auxiliar de Servios Gerais, ingressou no candombl na infncia: Me criei dentrodo terreiro,

    acho que eu tinha uns 5 anos. O terreiro era ao lado da minha casa, por isso eu escutava os

    toques. Essa praticante diz frequentar igreja catlica e o espiritismo ao mesmo tempo.

    18No sincretismo vista como Nossa Senhora dos navegantes, Nossa Senhora da Conceio ou Nossa Senhora daGlria. Considerada a rainha do mar, os adeptos a homenageiam no dia2 de fevereiro, em Salvador; e no ltimodia de cada ano no Rio de Janeiro e em outros estados do pas. As oferendas incluem perfumes, rosas brancas eespelhos.19

    Utilizamos aqui a acepo de adeptos, quando os entrevistados assumem o pertencimento religioso docandombl, mas no participam dos cultos na atualidade ou esto afastados dessas experincias h muito tempo;e adotamos a expresso praticantes, em referncia aos indivduos ativos tanto na frequncia aos rituais ecerimnias, como em relao f declarada nos censos de informaes religiosas.

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    Joo, 43 anos, cabeleireiro, contou que aderiu por motivos de sade: H 34 anos. Eu

    sentia arrepios, calafrios, tonturas, apago, zumbido nos ouvidos, mas os mdicos no

    descobrirem nada. Dos praticantes, o nico que faz atendimento em sua residncia atravs

    do jogo de bzios e realiza trabalhos para ajudar as pessoas. Sua religio anterior era o

    catolicismo. J o aougueiro Cleiton, de 18 anos, conta que procurou um terreiro porque tinha

    viso de espritos: Entrei h dois anos. Eu comecei a ver umas coisas e hoje, acredito no que

    vejo, e fao minhas obrigaes pro santo. Perguntados se sofrem preconceito religioso, todos

    responderam que sim, acrescentando que isso muito triste!. As razes, de acordo com eles,

    envolvem a falta de conhecimento das pessoas. A maioria ouve muito comentrio de que a

    nossa religio no coisa de Deus.

    Os outros, a exemplo de Joo, afirmaram que o candombl considerado macumba,e que j ouviu insultos do tipo: Todo veado macumbeiro. Joabi, por sua vez, declarou que

    muitos pensam que sua religio uma prtica do diabo. Alessandro destaca que muitos

    amigos se afastaram dele. Muitas pessoas, mas no ligo, infelizmente, so ignorantes. A

    entrevistada Ktia explica que ainda hoje apontada nas ruas como macumbeira, mas,

    segundo ela, essa discriminao tambm resulta da ignorncia social. Cleiton revelou que

    muitos amigos, de outras religies, dizem que ele vai para o inferno, porque adepto do

    candombl.Joabi assinala que a mdia retrata sua religio de forma discriminada. Segundo ele,

    os programas televisivos abordam o candombl sem respeito: como uma coisa qualquer, lugar

    de baderna. S Tenda dos Milagresmostrou com respeito a nossa religio. Para Alessandro,

    a mdia, em algumas produes, no informa a realidade dos terreiros. bom que eles relatem

    a histria do candombl, mas contando a verdade, e no inventando histrias que no so

    verdadeiras, como acontece hoje em dia. O entrevistado Joo diz que os programas no

    mostram totalmente a verdade, s como eles querem. Ktia observa que nas novelas pode athaver uma referncia ao candombl, porm os programas de cunho evanglico da TV so contra

    e combatem essas manifestaes. Na fico no existe a oposio, mas tambm no existe a

    informao: nas novelas, h um tom de comdia, um pai de santo engraado, afeminado. J os

    evanglicos so contra, criticam a gente nos programas deles, so muito agressivos. Cleiton

    reiterou: h muita discriminao, a mdia fala como se a gente no tivesse sentimento, fosse

    uma seita sem histria. Mas Tenda dos Milagresmostrou a religio, as msicas, as roupas dos

    santos, os terreiros.

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    Entre as lideranas religiosas, foram ouvidos o Tatalorix 20 Vicente Mariano, do

    Terreiro Senhor do Bonfim, e a Ialorix21Ivonete Silva, do Terreiro do Jos Pinheiro. Sobre o

    seu ingresso no candombl, o pai Vicente Mariano declarou: Entrei h 68 anos, por motivos

    de doena. Na poca, eu tinha 16 anos. Toda a tarde a minha testa inchava e sangrava, e ningum

    curava, ningum sabia o que era. A eu conheci um senhor, chamado Joo Honrio, que vendia

    carvo e tinha conhecimento com o povo do candombl, e ele me disse: Vicente, isso no

    coisa de mdico, no, coisa espiritual. A, ele me levou l no terreiro e eu fiquei at hoje...

    Perguntado se sofre algum tipo de preconceito pela opo religiosa, afirmou: Sim. Dos crentes,

    que so mais preocupados com a religio dos outros, os catlicos so menos, respeitam mais,

    frequentam terreiro e as festas. Uma vez, teve uns crentes que entraram aqui disfarados de

    estudantes, dizendo que estavam fazendo uma pesquisa da universidade e comearam a nosinsultar.Sobre a minissrie, informou que no acompanhou durante a exibio na rede Globo.

    Mas, ao assistir algumas cenas, se emocionou com Pedro Archanjo e Xang: A me de santo

    de l parece uma de verdade, comentou sorrindo.

    Ivonete Silva pertence religio h trinta e dois anos: Entrei no candombl pelo meu

    sofrimento. Estava muito doente e a medicina no me curou. Eu estava na UTI e um amigo foi

    me visitar no hospital. Atravs dele descobri que tinha um sacerdote do candombl, um pai de

    santo que morava na Bahia. E assim eu conheci a religio e comecei o tratamento espiritual.Fiquei curada. Alguns familiares tambm entraram no candombl por minha causa, como

    minhas duas irms, minhas duas filhas e uma prima. A partir desse momento, elas escolheram

    conhecer a religio. Entraram por amor e f aos orixs. Diferente de mim, que entrei pela dor,

    n?

    Indagada se h preconceito social, lamentou que vive isso diariamente, como foi

    mostrado na minissrie: A todo instante. Existem pessoas que quando me veem na rua vestida

    de baiana, parecem que esto vendo um extraterrestre. Vou lhe dizer um exemplo: j aconteceude jogarem pedras na gente, no terreiro, em momentos de culto. Chamam a gente de filho do

    20Essa expresso designa o grau mais elevado na hierarquia do candombl, alcanado aps 25 anos de iniciao.Entretanto, no Brasil, o termo tambm associado Umbanda, em razo da mescla de prticas entre os cultos etradies. O Tatalorix Vicente Mariano nos conta que foi iniciado no candombl de Nao Nag, aos 16 anos ,no estado de Pernambuco. Sua Me de Santo foi a Yalorix Zefa Felino da Costa, filha do Babalorix Pai Ado eda Yalorix Ldia Alves. Ao chegar em Campina Grande, funda na rua Prudente de Morais, localizada na EstaoVelha, o Terreiro de Umbanda Senhor do Bonfim, que foi inaugurado em 1967, e desde ento o mais conhecidoe visitado da cidade.21

    Sinnimo de me de santona esfera do senso comum, o termo indica a funo de sacerdote do terreiro, cujomasculino se reporta a Babalorix. a pessoa com mais tempo de experincia na tradio afro-brasileira,responsvel pela iniciao dos filhos de santo e pelo repasse dos ensinamentos aos recm-formados para acontinuidade da religio.

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    demnio e outras barbaridades. Tudo por pura ignorncia. Isso diminuiu, mas existe. Quem

    conhece nossa religio, sabe como ela bela e como buscamos fazer o bem. Sofremos

    preconceito, infelizmente. Mas Tenda dos Milagresretratou bem a perseguio aos terreiros,

    aos cultos, por isso mostrou a verdade.

    A me de santo entende que a mdia no costuma tratar de temas ligados ao candombl,

    como se o assunto no tivesse importncia: Ah, com certeza, no! No vejo isso na televiso,

    no cinema, nos jornais. No temos o apoio das entidades polticas. Muito raro passar algo na

    TV relacionado ao candombl. Limitam a nossa religio a casos isolados. E no assim que

    acontece. No se pode generalizar. No candombl, para eles, s tem negros. E no assim: eu

    sou branca, muitos filhos de santo tambm so. O que eu percebo que estamos vivendo uma

    ditadura disfarada de democracia, s transmitindo na mdia o que convm. Mas ao assistir aminissrie, fiquei alegre de ver uma histria to bonita, um romance que liga f e amor luta

    dos negros.

    6 CONSIDERAES FINAIS

    Tenda dos Milagres realiza uma problematizao histrica e social das questes da

    poca, medida que discute a prtica do candombl em meio s dificuldades privadas das

    relaes humanas e familiares, atrelando-se aos fatos amorosos, afetivos e polticos do contextoretratado, a exemplo das situaes que apontam o preconceito tnico-social e religioso. Nas

    apropriaes narrativas com a obra que lhe deu origem, dissemina a valorizao da cultura

    negra e da sociabilidade baiana, abordando a tica do candombl em suas diversas nuances,

    notabilizando os estigmas que ainda colocam essa vertente religiosa sob suspeita social.

    Em relao etapa emprica do estudo, foi possvel constatar um sentimento de

    insatisfao entre os praticantes a respeito das informaes superficiais e/ou distorcidas que a

    mdia dissemina em torno da religiosidade afro-brasileira. Para os interlocutores, as novelas eminissries ainda retratam pouco esse universo, e quando o fazem adotam o tom da comdia ou

    da stira, associando pais e mes de santo a charlates. Nos programas humorsticos, os

    personagens nos terreiros surgem atrelados a pardias de homossexuais, em caricaturas

    generalistas (muitos lembraram o personagem Painho, de Chico Ansio, que abusava dos

    trejeitos e do sotaque baiano). Nessa perspectiva, ainda falta, em novelas e filmes, uma

    abordagem sobre o candombl, no sentido de promover visibilidade positiva e valorativa aos

    seus preceitos e prticas, como ocorreu em Tenda dos Milagres.

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    110Comun. & Inf., Goinia, GO, v. 18, n. 2, p. 93-111, jul./dez. 2015

    Para alm dos esteretipos, pensamos que quando a fico televisiva sugere esse

    debate, permite, de certo modo, uma reflexo sobre a formao do povo brasileiro e lana um

    olhar sobre a religiosidade de matriz africana, trazida para o Brasil com a escravido. Isso pode

    favorecer a percepo das dificuldades que envolvem a insero do negro na sociedade, ao

    mesmo tempo em que visibiliza a sua capacidade de resilincia frente aos desafios, uma

    caracterstica de sua ancestralidade. Portanto, no contexto de uma sociedade midiatizada, com

    prticas de f fluidas e plurais, as mensagens de Tenda dos Milagres continuam proativas e

    transcendem a temporalidade em que foram escritas, gerando a circulao e interao de

    mitologias religioso-culturais, reelaborando a valorizao da identidade tnica, forjando a

    ressonncia dos arqutipos e simbolismos que contam a histria de cidadania do povo baiano a

    partir das representaes de sua religiosidade multifacetada.

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    Recebido em: 15/06/2015Aceito em: 13/08/2015Publicado em: 04/12/2015