AQUISIÇÃO DAS LÍQUIDAS ALVEOLARES NO PB EM CONTEXTOS … · 2019. 2. 8. · 3 Machado, Bruna...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE LETRAS
AQUISIÇÃO DAS LÍQUIDAS ALVEOLARES NO PB EM CONTEXTOS DE ONSET:
UMA ANÁLISE OTIMALISTA
Bruna Vieira Cabral Machado
Rio de Janeiro
2018
2
BRUNA VIEIRA CABRAL MACHADO
AQUISIÇÃO DAS LÍQUIDAS ALVEOLARES NO PB EM CONTEXTOS DE ONSET:
UMA ANÁLISE OTIMALISTA
Monografia submetida à Faculdade de Letras da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito
parcial para obtenção do título de Licenciatura em Letras
na habilitação Português e Literaturas da Língua
Portuguesa.
Orientador: Prof. Doutor Gean Nunes Damulakis
Rio de Janeiro
2018
3
Machado, Bruna Vieira Cabral
M149 a Aquisição das líquidas alveolares no PB em
contexto de onset: Uma análise otimalista / Bruna
Vieira Cabral Machado. -- Rio de Janeiro, 2018.
36 f.
Orientador: Gean Nunes Damulakis.
Trabalho de conclusão de curso (graduação) -
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade
de Letras, Bacharel em Letras: Português -
Literaturas, 2018.
1. Aquisição. 2. Líquidas. I. Damulakis, Gean
Nunes, orient. II. Título.
CIP - Catalogação na Publicação
Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os dados fornecidos pelo(a) autor(a), sob a responsabilidade de Miguel Romeu Amorim Neto - CRB-7/6283.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, por ser Onipresente, Onipotente e Onisciente. Sem Ele
eu nada seria e sem Ele eu não estaria aqui.
Àquela que me deu por herança a sua fé e a sua força: minha mãe, Alline Vilela, que
sempre me apoiou em todas as minhas escolhas, me entendendo até mesmo quando eu não me
entendia; àquela que por muito tempo foi pai e mãe e que abdicou tantas coisas por mim, às
vezes, sem o devido reconhecimento; àquela que é tão parecida comigo e ao mesmo tempo tão
diferente; àquela que é a razão da minha vida.
A meu pai, Rogério Machado, que me passou sua paixão por esportes e me levava para
assistir às suas aulas de educação física nas escolas, mas que faleceu meses antes de poder
presenciar meu ingresso para faculdade e que não poderá estar presente em vida para me ver
realizar este tão esperado feito.
A meu segundo pai, Roberto Vilela, por sempre me apoiar e ajudar no que preciso; por
me levar e buscar na faculdade todas as vezes que precisei; por ser esforçado o suficiente para
termos sempre o necessário e, por isso, ser um grande pai.
A meu irmão, Davi Vilela, por ser o melhor presente que recebi nos últimos anos; por ser
uma criança carinhosa e extraordinária; por ser, também, a inspiração para esta pesquisa e por
me ceder meus primeiros dados, ainda quando esta monografia era apenas um trabalho de
linguística IV.
Aos meus avôs, Edimilson Cabral e Sueli Cabral, que me permitiram, e ainda permitem,
ter de tudo o que preciso; aqueles que me apóiam, mimam e me entendem; aqueles que nunca
permitiram que nada faltasse em nossa casa; aqueles que me deixavam, enquanto criança,
comer sorvete na cama enquanto assistia televisão; aqueles que nos cedem sua casa sempre
quando precisamos e que me amam incondicionalmente.
À minha avó, Dinorá Machado, por ser aquela que cuidou de mim durante toda a minha
infância; por eu ter aprendido e herdado seu jeito calmo, atento e sério de ser; por ser aquela
que me levava para a escola todos os dias e que não nos deixava mexer na televisão ou levar
caneta para a sala; aquela pra quem eu e minhas primas servíamos de companhia nos passeios
aos bancos ou lojas do Méier; aquela que faleceu durante meu ensino médio e que, mesmo
não estando presente em vida, estará sempre guardada em meu coração.
Aos meus tios, primas e irmão por parte de pai e de mãe que compartilham momentos de
felicidade e superação, sempre unidos e alegres.
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A todos meus irmãos em Cristo que sempre me apoiaram e estiveram comigo,
principalmente aqueles que me conhecem desde pequena, acompanharam minha trajetória e
estiveram comigo nos momentos de tristeza e alegria. Particularmente, ao meu eterno pastor
Júlio Saraiva, que sempre esteve comigo em oração e preocupação, me apoiando em vários
momentos de minha vida profissional e que sempre será o primeiro convidado a comparecer
em eventos de lançamento de meus livros.
Agradeço também à minha professora de linguística IV, Suzi Lima, por ter visto
potencial em meu trabalho de final de curso e por ter me direcionado para uma iniciação
científica.
Por fim, deixo meus últimos agradecimentos a meu orientador, Gean Damulakis, por
estar comigo durante esses dois anos e meio de pesquisa e estudo, por ter compartilhado do
seu conhecimento comigo e ter me possibilitado participar de apresentações científicas, tendo
um papel fundamental no meu crescimento enquanto pesquisadora e aluna.
A todos que fazem, verdadeiramente, parte da minha vida, o meu muito obrigado.
6
“Ao Rei eterno, ao Deus único, imortal e
invisível, sejam honra e glória para todo o
sempre. Amém.”
(I Timóteo 1:17)
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................08
1. REVISÃO TEÓRICA........................................................................................10
1.1 O onset complexo no PB................................................................................10
1.2 Estratégias de reparo.......................................................................................12
1.3 A teoria da otimidade ....................................................................................14
2. METODOLOGIA............................................................................................. 18
2.1 Descrição geral dos dados .............................................................................19
2.2 Análise dos dados ..........................................................................................20
3. RESULTADOS.................................................................................................. 22
3.1 Aquisição x estabilização ...............................................................................22
3.2 Estratégias de reparo ......................................................................................22
3.3 Hierarquia de restrições ..................................................................................27
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................32
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................34
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INTRODUÇÃO
No que concerne à aquisição da linguagem, comumente observa-se na fala de crianças
estratégias de produção que procuram reparar determinados segmentos e estruturas da língua,
simplificando-os — seja em apagamentos ou substituições — devido a questões articulatórias
e/ou perceptuais. O input obtido seria, desta forma, a adaptação do output alvo. Esta
dificuldade, seja ela de articulação e/ou percepção, é observada devido a níveis de
complexidade encontrados nos segmentos de determinada língua.
Estudos sobre a aquisição fonológica têm uniformemente concordado em definir a
classe das líquidas (/l/, /R/, / ʎ / e /ɾ/) como aquela de maior complexidade à produção da
criança. De acordo com Lamprecht (2004), o fato da consoante /ɾ/ possuir uma produção
fonológica um pouco mais complexa do que em comparações com consoantes oclusivas,
africadas ou fricativas, influencia diretamente no período de sua aquisição. Enquanto palavras
como /'kaza/ tem seu output alvo alcançado logo nos primeiros estágios de aquisição, palavras
como /'kaɾa/ e /'kabɾa/ somente terão de fato sua produção alvo realizada por volta dos cinco
anos de idade.
Outro fator presente na aquisição da linguagem e atingido apenas nos últimos estágios
da aquisição é a ramificação da sílaba CCV. Segundo Toni (2017, p. 260),
Enquanto os ataques simples e vazios manifestam-se como as
primeiras estruturas silábicas a emergir na produção infantil, tendo alta
produtividade na fala adulta, o ataque complexo é o último tipo silábico a
apresentar realizações regulares na fala da criança, mostrando-se também
pouco produtivo na língua alvo.
Desta maneira, o fator pouca produtividade e a questão de ser a estrutura CV a
principal estrutura silábica do português brasileiro e nas línguas naturais em geral parecem
aliar-se ao fato de os únicos fonemas aceitos no PB em posição de segunda consoante serem
/l/ e /ɾ/, fazendo com que a criança, em seu processo de reparo da sílaba complexa, procure de
alguma forma padronizar-se, seja com simplificação ou ressilabificação, transformando
estruturas antes CCV em CV.CV, CVC e/ou CV.
Baseando-nos no trabalho de Ribas, Bonilha e Lamprecht (2003), no qual definem a
idade de 1 ano como o estado zero e a idade de 5 anos como o estado final de aquisição do
componente fonológico de uma língua, a nossa pesquisa busca: (a) investigar o que ocorre na
gramática fonológica da criança após o “estado final”; (b) estabelecer se é possível encontrar,
9
com frequência, estruturas de reparo na fala de crianças de idades entre 6 e 7 anos; e (c)
indicar quais estruturas são consideradas ótimas neste estágio.
Utilizando-nos do modelo teórico da Teoria da Otimidade (OT), baseado em
restrições, com o intuito de estabelecer hierarquias entre os outputs obtidos, e pensando nos
trabalhos anteriormente desenvolvidos por Bonilha, Lamprecht e Ribas (2003); Matzenauer e
Lamprecht (1997); e Matzenauer & Miranda (2012), formulamos três hipóteses que guiaram a
pesquisa referida ao presente trabalho. São elas:
I. Apesar de a criança dominar já aos 5 anos de idade o sistema fonológico de sua língua,
estruturas de reparo ainda podem ser encontradas na fala de crianças mais velhas;
II. Estruturas VLV1 encontram-se estabilizadas, enquanto estruturas CLV ainda podem
apresentar estruturas de reparo;
III. Fidelidade à sílaba tônica: a complexidade na sílaba átona pode migrar/ser atraída,
com frequência, para a sílaba tônica.
Para tal, sistematizamos nossos dados a partir dos seguintes padrões: (a) qualidade da
líquida (/l/ ou /ɾ/); (b) tipo de onset (simples ou complexo); (c) tonicidade da sílaba na qual a
líquida se encontra (tônica ou átona); e (d) em caso de CLV, tipo C1 (/p,b,t,d,k,g/) . Foram
analisados dados de 37 crianças falantes do português brasileiro, estudantes do 1º ano do
ensino fundamental do Colégio de Aplicação da UFRJ (CAP UFRJ), em dois tipos de testes: o
primeiro de nomeação espontânea e o segundo de repetição. A partir disto, verificamos que
apesar de a aquisição já estar completa, a criança ainda encontra dificuldades na estabilização
de onsets complexos, principalmente no que se refere à estrutura /ClV/, gerando uma
assimetria em comparação aos dois onsets estudados: enquanto que a líquida lateral em
contexto de onset simples encontra-se anteriormente estabilizada em relação à líquida não
lateral, em onset complexo a estabilização da líquida /l/ estende-se para além da idade de 6
anos, sofrendo constantes reparos como rotacismo e troca de C1.
1onde L é lido como a representação das líquidas /r/ ou /l/.
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1. REVISÃO TEÓRICA
1.1 O ONSET COMPLEXO NO PB
Estudos na área da fonologia atestam a existência de um padrão no desenvolvimento
fonológico e na aquisição da sílaba no português brasileiro, encontrando regularidades na
emergência dos padrões silábicos no repertório da língua da criança. Segundo Lamprecht
(1990, 1993) e Matzenauer-Hernandorena (1996), o inventário fonológico da criança se
constrói e reconstrói diversas vezes e de forma gradativa à medida que começam a empregar
os traços com valor fonológico. A sílaba, desta maneira, surgiria logo no primeiro estágio de
aquisição em sua forma mais simples, tendo, somente aos 5 anos, suas estruturas mais
complexas dominadas pela criança, conforme a sequência que se pode ver a seguir: CV e V >
CVV > CVC > CCV. Deste modo, de acordo com Matzenauer& Miranda (2012, p. 102) as
estruturas V, CVV, CVC e CCV seriam derivadas da estrutura básica CV.
A seguir, pode-se observar a estrutura silábica em sua forma completa. Os elementos
entre parênteses são não obrigatórios na constituição de uma sílaba no PB. Sendo o português
uma língua de núcleo vocálico, a vogal se torna o elemento essencial da sílaba, não podendo
ser seu núcleo opcional, diferentemente do que ocorre em posições de onset e coda.
(1) Exemplo de estrutura CCVC:
t ɾ e s
11
A estabilização tardia do onset complexo pode ser analisada devido à baixa
produtividade do padrão CCV no português brasileiro — alguns contextos advindos apenas de
empréstimos ou estrangeirismo, como em "Vladimir" — e ao fato de que a aquisição das
únicas duas consoantes permitidas em contexto de C2 (/l/ e / ɾ/) ser estabilizada apenas entre
os 3 e 4 anos de idade. Em suma, no ataque ramificado CCV, a primeira consoante
necessariamente é uma obstruinte e a segunda é uma líquida, sendo ela a lateral /l/ ou a não
lateral /ɾ/.
(2) Quadro com os grupos consonânticos permitidos no PB:
Grupos com /ɾ/ Exemplos Grupos com/l/ Exemplos
pr 'professora' pl 'planeta'
br 'broche' bl 'blusa'
tr 'trem' tl 'atlas'
dr 'dragão' - -
kr 'cruz' kl 'bicicleta'
gr 'grande' gl 'globo'
fr 'frango' fl 'flor'
vr 'livro' - -
Quadro 1: grupos CCV permitidos no português brasileiro
Ribas (2003) ainda destaca a existência de fatores que favorecem a correta produção
de onsets complexos. São eles: contexto precedente e seguinte do onset complexo; ponto,
modo e sonoridade da obstruinte; tonicidade; e idade. No que se refere à consoante C1 da
sílaba, a autora defende que no grupo com C/l/V há preferência pela a obstruinte plosiva surda
/p/; enquanto que para o grupo C/ɾ/V as sílabas favorecidas são as com presença de labiais e
sonoras /b/ e /v/.
Matzenaeur & Miranda (2012) também observam este fenômeno, apresentando toda a
classe das plosivas e nasais como adquiridas na primeira fase de aquisição (aproximadamente
um ano e nove meses de idade), apontando, contudo, a obstruinte /f/ como a única fricativa
adquirida, uma vez que as outras consoantes da mesma classe possuem emprego variável.
Deve-se, portanto, ressaltar que o fato de a aquisição e de a estabilização das
obstruintes em contextos de onset — tanto simples quanto complexo — ocorrerem em fases
distintas devido aos níveis de complexidade encontrados no inventário fonológico do PB,
12
favorece a existência de estratégias que buscam reparar a falta do segmento requerido em
determinado contexto. Vale ainda ressaltar, que na tabela fonética consonantal do português é
possível encontrar oito maneiras de articulação das consoantes — sendo elas: oclusivas,
fricativas, africadas, nasais, laterais, vibrantes, tepe, retroflexa —, cada uma denotando suas
dificuldade e emergências específicas. Assim, as estratégias de reparo surgem, na gramática
infantil, como uma adaptação do input alvo. O que não equivale afirmar que sua produção seja
desordenada e desigual; ao contrário:
Essas tentativas contêm “erros” e desvios de pronúncia que podem mostrar
muitas coisas: que estratégias a criança está utilizando para produzir
determinados tipos de sons, qual a dificuldade que a criança está enfrentando
para produzir outros tipos e, muitas vezes, podem inclusive mostrar o nível de
consciência fonológica da criança, por exemplo.
(OTHERO, 2005, p.1)
Logo, como afirmado anteriormente, as produções das crianças são organizadas
sistematicamente, podendo estabelecer-se padrões estruturais do funcionamento da aquisição
da língua materna por meio delas. É interessante observar ainda que esta sistematicidade se
atesta quando a preferência a determinado processo se mostra ocorrente apenas em
determinada fase da aquisição, não voltando a apresentar fortes ocorrências nas fases que se
seguem, conforme especificaremos a seguir.
1.2. ESTRATÉGIAS DE REPARO
A escolha inconsciente da criança pelo reparo a ser utilizado em determinada estrutura
diz sobre a capacidade já desenvolvida pela mesma acerca de sua língua. Ou seja, reparos
como metátese, transposição, epêntese e inserção demonstram o conhecimento da criança
acerca da existência de um constituinte silábico que, por questões articulatórias, ainda não
consegue ser alcançado. Deste modo, segundo Toni (2017, p. 261), observar o período de
surgimento dessas manipulações silábicas, assim como sua natureza, poderia auxiliar a acessar
o conhecimento fonológico da criança acerca de elementos que ainda estão em
desenvolvimento em seu sistema linguístico.
O Quadro 2 abaixo, encontrado em Ribas (2003, p. 29), apresenta as estratégias de
reparo utilizadas por crianças com idades entre 1:00 e 5:3, em que o sinal de + representa a
aplicação da estratégia.
13
Estratégias Exemplos Fase 0 Fase I Fase II Fase III
1:00 - 1:11 2:00 - 3:00 3:2 - 4:00 4:2 - 5:3
Substituição de
líquida
prato→ ['platu] + + +
Metátese cobra→ ['kɔrba] + + +
Substituição de
obstruinte
pedra→ ['pɛwka] +
Epêntese trem→ ['terẽy] + + +
Semivocalização bloco→ ['bwɔku] +
Apagamento da
sílaba CCV
travesseiro→ [vi'seru] + +
Coalescência trem→ ['sẽy] + +
Assimiliação
(traçoobstruinte
seguinte)
estraga→ [is'kaga]
+
Assimilação da coda
nasal
brincar→ [mĩn'ka] +
Metátese das
plosivas (recíproca)
dragão→ [ga'dãw] +
Produção C1V bicicleta→ [bi'lɛta] +
Produção V procurar→ [oku'ya] +
Quadro 2: Panorama das estratégias de reparo usadas entre as idades de 1:00 e 5:3, retirado de
Ribas (2003, p. 29)
Assim, a partir do quadro disposto por Ribas (2003), é possível dividir o processo de
aquisição em dois grupos: o primeiro abrangeria a fase 0 e se estenderia até meados da fase I;
e o segundo seria composto pelos últimos meses da fase I sendo acompanhado até o final da
fase III. Esta divisão pode ser realizada de acordo com a necessidade que levou à produção
das estratégias pertencentes a cada fase. Enquanto que os reparos observados no primeiro
grupo apenas nos mostram a necessidade de suprir as dificuldades articulatórias do falante, o
segundo grupo nos revela que este mesmo falante já possui a capacidade de perceber a
existência de determinado constituinte silábico que, por motivos também articulatórios, não
consegue ser produzido na forma alvo.
Ainda tendo em vista esta classificação, é válido estabelecer que as estratégias de
reparo que encontramos em nossos testes e que acompanham o período de estabilização
coincidem com as identificadas por Ribas (2003), acrescentando ainda a substituição de
obstruinte2 e a cópia de padrões silábicos tônicos para átonos.
2 No decorrer de nosso trabalho, optamos por nomear este mesmo processo por “Troca de C1”.
14
1.3. A TEORIA DA OTIMIDADE
A atenção sobre a fonologia é facilmente identificada através das diferentes vertentes
de estudos e modelos teóricos voltados para a análise dos sons das línguas. Vertentes
estruturalistas (Ferdinand Saussere), gerativistas (Noam Chomky), funcionalistas (André
Martinet) e entre outras, vem sendo amplamente difundidas no meio linguístico,
principalmente a partir da primeira metade do século XX. Contudo, é na década de 50, com a
difusão do modelo gerativista de Noam Chomsky, que a linguística passa de um modelo
estritamente baseado em regras — o estruturalismo — para um modelo voltado para a
competência (todo o conhecimento linguístico abarcado por um indivíduo) e o desempenho
(ou seja, a prática da fala, que ocorre toda vez em que o falante desenvolve frases; resultado
diretamente ligado à competência), que é o que conhecemos como gerativismo.
Entretanto, como explicita Matzenauer e Azevedo (2017), há nos anos de 1990 uma
reviravolta no que concerne ao pensamento sobre a fonologia das línguas proporcionado pela
Teoria da Otimidade — difundida principalmente por McCarthy & Prince (1993) e Prince &
Smolensky (1993) —, a doravante OT (Optimality Theory). Esta reviravolta ocorre, segundo
as autoras devido
ao verificar-se que as teorias propostas podem ser divididas em dois grandes
blocos, dependendo da forma de mapear a representação fonológica (ou
input) na representação fonética (ou output): (a) com base em regras (que têm
de ser aplicadas quando encontram seu contexto) e (b) com base em restrições
(que na TO podem ser violadas).
(MATZENAUER e AZEVEDO, 2017, p. 2)
Assim sendo, a Teoria da Otimidade diferencia-se dos modelos derivacionais clássicos
em virtude da focalização nas restrições — e não mais em regras — universais e violáveis que
podem ser aplicadas ao output produzido por determinado falante e, deste modo, hierarquizar
as possíveis produções a serem encontradas em determinado constituinte. Logo, é proposto
pela OT um modelo voltado à seleção de outputs, no qual um output é selecionado como
“ótimo” por comparação entre os demais candidatos, assumindo e validando, por
consequência, as variações existentes na língua.
No Quadro 3 a seguir, retirado de Matzenauer e Azevedo (2017), encontram-se
resumidas algumas características diferenciadoras dos modelos derivacionais clássicos — que
tem sua base em regras e foco no input — e da Teoria da Otimidade:
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Modelos Derivacionais Teoria da Otimidade
Base em regras Base em restrições
Regra → específica de língua Restrição → universal
Regra → generalização "aplique" Restrição → generalização "não aplique"
Regra → não violável Restrição → violável
Foco: input Foco: output
Processamento serial Processamento paralelo
Output→ consequência de derivação Output→ escolhido por comparação
Quadro 3: Paralelo entre Modelos Derivacionais e a Teoria da Otimidade
(Quadro 1, In: MATZENAUER, C. L. B.; AZEVEDO, R. Q, 2017)
Nesta análise e segundo Bonilha (2005), "sob o enfoque da OT, a fonologia da criança
passa a ter o mesmo modelo e o mesmo quadro de restrições da fonologia do adulto":
Adquirir uma língua significa ranquear as restrições que compõem a
gramática de acordo com a hierarquia específica dessa língua. Esse
ranqueamento ocorre de forma contínua e gradual, sendo que, no decorrer da
aquisição, as diferentes hierarquias apresentadas pela criança correspondem
aos diferentes estágios de aquisição.
Ribas, Bonilha e Lamprecht (2003) apontam que a diferença da Teoria da Otimidade
para modelos mais tradicionais, como a Fonologia Natural, é a passagem do nível descritivo
para o nível explanatório, deixando de ser um ‘instrumento de descrição’ e passando a ser,
assim, um ‘instrumento de análise’ e compreensão do processo. Em suma, o que se pode
observar na OT, no que concerne à aquisição, é um ordenamento e reordenamento constante
de hierarquias que ocorrem em direção à adequação da língua alvo; este reordenamento pode
ser observado mais especificamente no período de aquisição da língua, no qual o inventário
fonológico da criança está em constante construção, apresentando novos constituintes os quais
emergem em conformidade com a sua percepção e com a sua necessidade.
A este ordenamento e reordenamento constante na gramática da criança estabelece-se a
noção de marcação e não-marcação, a qual, segundo Damulakis (2010),
O valor não-marcado é preferido translinguisticamente e, por conta disso,
ocorre em todas as línguas, ao passo que o valor marcado é evitado
16
translinguisticamente e ocorre em apenas um grupo de línguas, sendo “usado
por gramáticas apenas para criar contrastes”3.
Dessa forma, percebe-se que para itens não-marcados há uma maior facilidade para
sua articulação do que em comparação a itens marcados. Por este motivo, uma estrutura
marcada tende a aparecer mais tardiamente na construção fonológica da criança, como o
observado na aquisição da complexidade em onset, por exemplo.
Para melhor compreensão da diferença entre marcações, a seguir pode-se observar os
termos utilizados para diferenciar marcado de não-marcado (RICE, 2007:80 apud
DAMULAKIS, 2010:20):
Marcado não-marcado
(a) menos natural
mais complexo
mais específico
menos comum
inesperado
não básico
menos estável
aparece em poucas gramáticas
tardio na aquisição
perda antecipada no déficit linguístico
implica o traço não-marcado
mais difícil de articular
perceptualmente mais saliente
menor espaço fonético
mais natural
mais simples
mais geral
mais comum
esperado
básico
estável
aparece em mais gramáticas
antecipado na aquisição
perda tardia no déficit linguístico
implicado por traço marcado
mais fácil de articular
perceptualmente menos saliente
maior espaço fonético
(b) sujeito à neutralização
improvável de ser epentético
gatilho de assimilação
mantém-se na coalescência
retido no apagamento
resultado de neutralização
provável de ser epentético
alvo de assimilação
perdido na coalescência
perdido no apagamento
Quadro 4: Termos para diferenciar marcado de não-marcado
(RICE, 2007:80 apud DAMULAKIS, 2010:20)
Neste sentido, é possível afirmar que sílabas abertas, como V e CV, possuem valor
não-marcado, uma vez que são encontradas em todas as línguas do mundo, entretanto sílabas
travadas, como CVC e VC, ou sílabas com onsets ramificados como em CCV e CCVCC são
tidas como marcadas, pois esta característica é observada em apenas uma parte das gramáticas
das línguas no mundo.
3 Cf. KAGER, 1999: 2 apud DAMULAKIS 2010, p.16 e 17
17
De acordo com o observado no Quadro 4 anteriormente apresentado, as restrições são
violáveis e universais, sendo possível somente através delas, montar a chamada hierarquia de
restrições. Desta maneira, conforme detalha Matzenauer e Azevedo (2017), cada candidato
pode violar ou respeitar determinada restrição; entretanto, o output apenas é considerado
"ótimo" quando, em relação aos demais, o candidato que o produz viola apenas restrições
ranqueadas mais abaixo na hierarquia da língua em análise. Sob tal aspecto, o candidato que
produz um output que viola as restrições mais altamente ranqueadas na língua tem sua
produção logo descartada em referência às demais.
(3) Tableau exemplificativo da palavra 'tigre', na gramática do português brasileiro, retirado
de Staudt e Fronza (2007).
/'tʃigɾi/ NO
Complex
DEP – IO LIN Complex
Tônica
MAX – IO
a) 'tʃigɾi *! *
b) 'tʃiɾgi *! *
c) 'tʃigi *
d) 'tʃigiɾi *!
Tableau 1: Hierarquia do output [‘tʃigi] para ‘tigre’ (In: Tableau d: Staudt e Fonza 2007, p.8)
No Tableau representado, o candidato que produz o output /'tʃigi/ é selecionado como
ótimo por violar apenas MAX- IO — que proíbe apagamentos —, a restrição mais baixa da
hierarquia apresentada. Neste sentido, os outputs (a), (b) e (d) são imediatamente descartados
por violarem as duas restrições mais altas na hierarquia: NoComplex, que proíbe sílaba
complexa, observado em /'tʃigɾi/ e /'tʃiɾgi/ (candidatos (a) e (b)); e DEP-IO, que proíbe a
epêntese, o que se verifica em /'tʃigiɾi/ (candidato (d)).
18
2. METODOLOGIA
Os dados utilizados neste presente trabalho procedem de dois anos de pesquisa
científica realizada sob orientação do professor doutor Gean Damulakis (UFRJ), e consistiu
em duas etapas: em um primeiro momento o estudo voltou-se sobre a aquisição de /l/ e /ɾ/ na
análise da fala de crianças com idade entre 3 e 7 anos; e em sua segunda fase, foram feitos
testes apenas com crianças entre 6 e 7 anos para analisar, em um viés otimalista, o que ocorre
no chamado 'período de estabilização' fonológica.
Para a segunda fase da pesquisa aqui descrita foram analisadas gravações de áudio de
37 crianças falantes do português brasileiro, estudantes do 1º ano do ensino fundamental do
Colégio de Aplicação da UFRJ (CAP UFRJ), com idades entre 6 e 7 anos, sendo 15 meninos
e 22 meninas. O experimento fundamentou-se em duas tarefas: a primeira consistiu em uma
tarefa de nomeação espontânea e a segunda em uma tarefa de repetição. Os testes foram
produzidos através de slides em PowerPoint com imagens diversas dos personagens da turma
da Mônica nos quais era pedida a nomeação da cena vista, e as falas foram gravadas por meio
de um aplicativo de gravação de um smartphone.
As imagens foram apresentadas a fim de obter respostas em forma de frase, que eram
falas provocadas com perguntas do tipo “Quem são eles?” ou “O que ela está fazendo?”. A
escolha por imagens que representavam ações e não apenas meros objetos se deu por
entendermos que as respostas das crianças seriam por meio de frases e não palavras soltas, o
que possibilitaria uma menor preocupação na produção da palavra alvo, aproximando-se de
uma conversa espontânea, visto que as crianças não apenas descreveriam a cena, mas também
poderiam deixar suas impressões. Dessa maneira, ambos os testes (de nomeação espontânea e
de repetição) possuíam o objetivo de verificar como ocorreria a produção de palavras com
onset complexo CCV — em que C1 era composta por uma das obstruintes /p,b,t,d,k,g,f,v/ e C2
pela líquida lateral /l/ ou pela líquida não lateral /ɾ/ — e com onset simples CV em contexto
intervocálico (VLV) — sendo C representado por /l/ ou /ɾ/. O grupo de palavras VLV foi
determinado como grupo controle, dado que o assumimos como adquirido e estabilizado
devido à idade das crianças do estudo. É importante ressaltar que a pesquisa se voltou para a
estabilização e os reparos recorrentes em contextos de CCV e que a escolha por dois tipos de
testes se deu pelo fato de que em uma produção espontânea a criança ao ver uma imagem de
um grupo de meninos em sala de aula, por exemplo, poderia nomear a ação como 'eles estão
estudando' e não 'eles estão escrevendo', ficando, neste caso, a palavra 'escrevendo' — alvo a
ser analisado — oculta de sua produção.
19
2.1. DESCRIÇÃO GERAL DOS DADOS
As palavras selecionadas são pertencentes a diversas classes gramaticais (como
numerais, verbos, substantivos e adjetivos) e foram pensadas para encaixarem-se ao contexto
infantil e para serem familiares às crianças, sendo sistematizadas a partir dos seguintes
critérios: (a) segmentos: /l/ e /ɾ/; (b) onsets: C_V e V_V; (c) em caso de C1_V: tipo C1; e (d)
tonicidade da sílaba analisada: tônica ou átona4.
Os critérios acima foram estabelecidos por entendermos que (a) como define
Lamprecht (2004), a aquisição das líquidas ocorre em momentos distintos e que este fato
poderia, de alguma forma, interferir no período de estabilização fonológica da língua; (b) os
onsets simples em contextos intervocálicos já estariam estabilizados por apresentarem menor
grau de complexidade se comprado às estruturas CCV; (c) a característica da C1 interferiria
significativamente na qualidade do êxito da produção; (d) conforme observado a seguir em
Damulakis (2005), a preferência pela sílaba tônica interferiria na produção de CCV tônicos e
átonos, em que a produção alvo seria alcançada com maior êxito quando em sua posição de
sílaba tônica, por ser esta a posição mais conservadora da língua:
“[...] quando a líquida é a segunda consoante do onset, deve-se observar a
posição da sílaba na escala em que está o onset. Em outras palavras, é muito
mais provável que a líquida seja apagada na situação 4, [sílaba não
analisada em pé] ao passo que, em estando na situação 1 [sílaba tônica ou
cabeça de pé]5, sua permanência será favorecida. (DAMULAKIS, 2005)
No Quadro que se segue encontram-se as palavras com contexto CCV tônico
selecionadas para os experimentos acima citados. Vale explicitar que as lacunas expostas se
devem ou a ausência do cluster no português ou ao fato de não termos encontrado palavras
que fossem favoráveis ao reconhecimento da criança devido a não familiaridade com a
mesma.
Grupos com C/ɾ/V
(tônico)
Exemplos Grupos com C/l/V
(tônico)
Exemplos
pr 'preto' pl 'planta'
br 'branco' bl 'blusa'
tr 'três' tl 'atleta'
dr - - -
4 Não foi possível controlar se a sílaba estava em posição pretônica ou postônica, sob pena de ficar o teste muito
longo. 5 Acréscimos realizados com objetivo de descrição das situações apresentadas.
20
kr 'cruz' kl 'bicicleta'
gr 'igreja' gl 'globo'
fr 'frutas' fl 'flauta'
vr - - -
Quadro 5: grupos CCV tônicos utilizados nos experimentos da pesquisa.
No Quadro 6, encontram-se as palavras com contexto CCV átono selecionadas para os
experimentos acima citados. As lacunas, aqui mais presentes, ocorrem pelos mesmos motivos
anteriormente descritos.
Grupos com C/ɾ/V
(átono)
Exemplos Grupos com C/l/V
(átono)
Exemplos
pr 'professora' pl 'planetas'
br 'abraçando' bl 'bíblia'
tr 'quatro' tl -
dr 'quadro' - -
kr 'escrevendo' kl -
gr 'ogro' gl -
fr 'chifres' fl 'fluminense'
vr 'livro' - -
Quadro 6: grupos CCV átonos utilizados nos experimentos da pesquisa.
2.2. ANÁLISES DOS DADOS
Cada participante viu um total de 24 imagens, familiares ao contexto infantil, a partir
da apresentação de slides. Deve-se destacar, contudo, que, apesar do teste de repetição possuir
a função de preencher as lacunas deixadas pelo teste de nomeação espontânea, em algumas
ocorrências, as crianças não deixaram de produzir a frase por elas anteriormente pensada,
insistindo, à vista disso, em sua produção inicial. Como por exemplo, mesmo ao ouvir "Eles
estão jogando bola", algumas crianças não deixavam de produzir a sentença "Eles estão
jogando futebol". É necessário ressaltar ainda, que todos os participantes foram submetidos
aos dois tipos de testes e, no caso de mais de uma produção para o mesmo item pretendido,
considerou-se sempre a última. Com isso, o total de palavras analisadas produzidas no
experimento foi de 1.109, sendo divididas da seguinte maneira:
21
C/ɾ/comp.
(tônica)
C/l/comp.
(tônica)
C/ɾ/comp.
(átona)
C/l/ comp.
(átona)
V/ɾ/V
simpl.
(tônica)
V/l/V
simpl.
(tônica)
V/ɾ/V
simpl.
(átona)
V/l/V
simpl.
(átona)
221
dados
192
dados
296 dados 109 dados 73
Dados
73
dados
73
dados
72
Dados
Quadro 7: Total de produções conforme a complexidade e tonicidade.
22
3. RESULTADOS
3.1. AQUISIÇÃO X ESTABILIZAÇÃO
Inicialmente, apresentaremos os resultados obtidos em comparativo com a primeira
pesquisa realizada no ano de 20166 — mencionada anteriormente na seção dedicada à
metodologia — que focalizava a aquisição dos segmentos /ɾ/ e /l/ por crianças com idades
entre 3 e 7 anos. A comparação faz-se necessária por percebermos a nítida inversão que
ocorre na fase de estabilização no concernente às estruturas analisadas.
Como resultados de nossa primeira pesquisa — que se atentava para o período de
aquisição — confirmamos os dados apresentados por Bonilha, Lamprecht e Ribas (2003),
Lamprecht (2004) e Matzenauer & Miranda (2012), que postulavam as líquidas como a última
classe a ser preenchida na tabela fonológica da criança. Desta forma, foi percebida a
preferência pelo segmento /l/, que apresentou-se estável em onset simples já aos 3 anos de
idade, enquanto que a establididade, no mesmo contexto, para o segmento /ɾ/ foi encontrada
apenas aos 4 anos. Logo, conclui-se que há uma notória preferência da líquida lateral /l/ em
comparação com a não-lateral /ɾ/ em onset simples no período de aquisição.
No entanto, quando falamos em onset complexo, os efeitos se modificam. Os
resultados da presente pesquisa revelaram que, apesar da emergência das estruturas /CɾV/ e
/ClV/ apresentarem-se na mesma época de aquisição, no tocante à estabilização os papéis se
invertem: enquanto na aquisição há preferência por /l/, no período de estabilização constata-se
um número maior do que 97% para a produção-alvo de estruturas /CɾV/ e um número
significativamente baixo — apenas 59% — de 'sucesso' no que se refere às estruturas /ClV/. O
que nos leva a concluir que a líquida lateral /l/ é preterida em onset complexo quando em
confronto com a não-lateral /ɾ/ em mesmo contexto.
Mediante a esta breve comparação, iremos a seguir detalhar os resultados obtidos na
presente pesquisa no relacionado às estratégias de reparo utilizadas pelas crianças nesta fase
de estabilização, assim como apresentar algumas hierarquias na gramática de determinados
sujeitos aqui levados em consideração.
3.2. ESTRATÉGIAS DE REPARO
Referente aos fatores que decidimos analisar — qualidade da líquida, tipo de onset,
tonicidade e tipo de C1 —, no pertinente a tonicidade e a qualidade da líquida, percebemos
que:
6 MACHADO, Bruna. Produção das líquidas intervocálicas e em onset complexo na aquisição de PB como L1.
Orientado por: Gean Damulakis. Trabalho apresentado na 7a SIAC UFRJ, 2016.
23
(a) a manutenção da produção-alvo em sílaba tônica foi preferida, havendo mais ocorrências
de reparos nas estruturas complexas de posição átona. Assim como descrito em Damulakis
(2005), além das estratégias ganharem mais força em contextos átonos, nota-se que a
preferência pela sílaba tônica se dá também pela grande capacidade migratória que o onset
complexo possui em direção a sílaba tônica, quando a complexidade se encontra
originalmente em posição menos privilegiada;
(b) a qualidade da líquida interferiu diretamente na utilização ou não de estratégias. Como
relatado na seção anterior, há uma maior predileção por estruturas complexas com a líquida
não-lateral do que com a lateral.
O gráfico 1 abaixo apresenta tais resultados de forma mais detalhada e explícita.
Gráfico 1: Porcentagem total de estratégias de reparo
É preciso, no entanto, comentar a assimetria encontrada entre os contextos átonos e
tônicos de /l/ e /ɾ/. Enquanto que com a líquida lateral a fidelidade à sílaba tônica foi
assegurada, havendo o dobro de reparos em contextos átonos com relação a contextos tônicos,
o mesmo não acontece com a líquida não-lateral, apresentando, dados inversos: mesmo que
com baixa frequência, há 1,8% de reparos em contextos tônicos para 0,67% em ambiente de
silaba átona.
No tocante às estratégias de reparo, examinaremos mais a fundo os reparos
encontrados em contexto de /ClV/ por ter havido grande índice: das 192 produções de /l/
complexo tônico, encontramos nas falas dos participantes 32 ocorrências de estratégias de
reparo, totalizando, conforme considerado no Gráfico 1, 17,18% da produção absoluta. Sob tal
aspecto, observamos cinco diferentes tipos de reparos para o referido contexto, foram eles:
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
[Cl] (Tônico)
[Cr] (Tônico)
[Cl] (Átono)
[Cr] (Átono)
[Cl] (Tônico) [Cr] (Tônico) [Cl] (Átono) [Cr] (Átono)
Série 1 17.18 1.8 40.36 0.67
Porcentagem total de estratégias de reparo
24
rotacismo; troca de C17; cópia; apagamento; e metátese. Destaca-se nessas estratégias o uso
mais acentuado de rotacismo como nos exemplos de João em (4), de Guilherme em (5) e de
Aline em (6)8:
(4) Eles estão andando de [bisi'klɛtɐ]. (produção-alvo)
Andando de [bisi'kɾɛtɐ]. (produção realizada)
(5) O Cebolinha está tocando flauta. (produção-alvo)
O Cebolinha está tocando [ˈfɾawtɐ]. (produção realizada)
(6) Eles são atletas olímpicos. (produção-alvo)
Eles são [a'tɾɛtɐʃ] olímpicos. (produção realizada)
O quadro a seguir apresenta a quantidade detectada para cada uma das cinco
estratégias acima citadas.
Estratégias para /l/
complexo (tônico)
Quantidade Exemplos
Rotacismo 8,33 % 'globo' → [ˈgɾobu]
Troca de C1 4,68 % 'atletas' → [aˈklɛtɐʃ]
Cópia 2,08 % 'bicicleta' → [blisiˈklɛtɐ]
Apagamento 1,04 % 'flauta' → [ˈfawtɐ]
Metátese 0,52 % 'atletas' →[aˈtɛʲtɐs]9
Quadro 8: estratégias de reparo para /l/ complexo (tônico)
Já das 109 produções de /l/ complexo átono, encontramos nas falas dos participantes
44 ocorrências de estratégias de reparo, totalizando, conforme considerado no Gráfico 1,
40,36% da produção absoluta. Nesta direção, observamos novamente cinco diferentes tipos de
reparos para o contexto supracitado, foram eles: cópia; rotacismo; apagamento; metátese; e
7Também nomeada como 'substituição de obstruinte', segundo Ribas (2003). 8 Para preservação da identidade, os nomes 'João', 'Guilherme' e 'Aline' não se equivalem aos verdadeiros nomes
das crianças. 9 Importante destacar que o dado [aˈtɛʲtɐs] além de metátese possui iodização da lateral.
25
resolução de hiato10. Evidencia-se neste contexto o uso mais acentuado de cópia, como
exemplificado pela fala de Esther em (7) e de Miguel em (8)11.
(7) Eles estão carregando a [ˈbibliɐ]. (produção-alvo)
Eles estão carregando a [ˈblibliɐ]. (produção realizada)
(8) Eles estão carregando a [ˈbibliɐ]. (produção alvo)
Eles estão carregando a [ˈbɾibɾiɐ]. (produção realizada)
O quadro abaixo apresenta a quantidade detectada para cada uma das cinco estratégias
relacionadas.
Estratégias para /l/
complexo (átono)
Quantidade Exemplos
Cópia 23,85 % 'bíblia' → [ˈblibliɐ]
Rotacismo 8,25 % 'planetas' → [pɾaˈnetɐʃ]
Apagamento 3,12 % 'fluminense' → [fumiˈnẽsi]
Metátese 1,83 % 'bíblia' → [ˈblibiɐ]
Resolução de Hiato 0,91 % 'bíblia' → [ˈblibɐ]
Quadro 9: estratégias de reparo para /l/ complexo (átono)
Tendo em vista o alto índice de cópia apresentado, é preciso salientar que todas as
ocorrências deste reparo foram direcionadas ao item 'bíblia'. Acreditamos que por ser a sílaba
tônica quase idêntica à átona complexa (bí. bli. a) — ambas possuem a mesma obstruinte
como C1 e a mesma vogal como núcleo, divergindo apenas na complexidade do onset —, o
padrão /bli/ teve grande força, migrando para sílaba tônica em mais de dois terços da
produção do referido item: de 35 vezes que o item aludido foi contabilizado, em 29 dos casos
houve algum tipo de reparo, sendo 26 deles cópias. É possível também notar que em todos os
casos em que houve rotacismo na sílaba de origem /bli/ → /bɾi/, as crianças migraram a
mesma estratégia para a sílaba tônica inicial, como observado no exemplo (8), anteriormente
citado.
10 Vale lembrar que essa “estratégia” não se relaciona, ao menos não diretamente, à questão das líquidas. 11 De igual modo, para preservação da identidade, os nomes 'Esther' e 'Miguel 'não equivalem aos verdadeiros
nomes das crianças.
26
Ainda no tocante ao postulado por Damulakis (2005), no que se refere à fidelidade
pela sílaba tônica, é preciso destacar que em situações como 'bicicleta'→ 'blicicleta' (conforme
analisado no Quadro 8), apesar de o ataque ramificado já estar em sua posição tônica, também
é possível verificar que a complexidade (espúria) em onset migra para uma sílaba com acento
secundário: (,blici)('cleta).
Já no pertinente ao contexto /CɾV/, das 221 produções de /ɾ/ complexo tônico,
encontramos nas falas dos participantes apenas 5 ocorrências de estratégias de reparo,
totalizando, conforme considerado no Gráfico 1, somente 1,8% da produção absoluta. Dessas
ocorrências, observamos dois apagamentos, dois lambdacismos e uma epêntese. Abaixo
podemos verificar em (9) um exemplo de apagamento e em (10), no mesmo contexto, uma
epêntese.
(9) O short do Cebolinha é preto e a blusa é verde. (produção-alvo)
O short do Cebolinha é ['petu] e a blusa é verde. (produção realizada)
(10) O short do Cebolinha é preto e a blusa é verde. (produção-alvo)
O short do Cebolinha é [pe'ɾetu] e a blusa é verde. (produção realizada)
Em ambiente de /CɾV/ átono, das 296 produções realizadas foram encontradas nas
falas dos participantes apenas 2 ocorrências de estratégias de reparo, totalizando, conforme
considerado no Gráfico 1, menos de 1% da produção absoluta. Nesse contexto foi encontrado
um apagamento e uma cópia, ambos descritos abaixo.
(11) Uma, duas, três quatro. (produção-alvo)
Uma, duas ['teʃ], quatro. (produção realizada)
(12) A vaca tem dois chifres. (produção-alvo)
A vaca tem dois ['ʃɾifɾiʃ]. (produção realizada)
Como foram poucas as ocorrências em ambiente /CɾV/, dispomos a seguir as
produções encontradas em ambos os contextos:
27
Estratégias para
/ɾ/ complexo
(tônico)
Exemplos
Estratégias para
/ɾ/ complexo
(tônico)
Exemplos
Apagamento 'braço' → [ˈbasu]
'preto' → [ˈpetu]
Apagamento 'quatro' → [ˈkwatu]
Lambdacismo 'igreja' → [ˈigleʒa]
'frutas' → [ˈflutaʃ]
Epêntese 'chifres' → [ˈʃiɾifɾiʃ]
Epêntese 'preto' → [ˈperetu]
Quadro 10: estratégias de reparo para /ɾ/ complexo tônico e átono
Neste âmbito, podemos concluir que, diferentemente de /ClV/, o ataque ramificado
/CɾV/ em seus contextos tônico e átono encontra-se totalmente estabilizado aos 6 anos de
idade. Complementamos ainda que no consonante ao tipo de C1, as obstruintes que
favoreceram significativamente a realização de reparos foram a oclusiva alveolar /t/ em sílaba
tônica e a oclusiva bilabial /b/ em posição átona, tendo esta última grande incidência,
entretanto, basicamente em uma palavra por depender de seu contexto.
3.3. HIERARQUIA DE RESTRIÇÕES
Nesta seção, analisaremos os dados que mais se realçaram no tópico 3.2 do presente
trabalho com o objetivo de estabelecer hierarquias de restrições para a gramática de
determinados sujeitos para estabelecermos comparativos do que é mais recorrente na
gramática infantil no período analisado. No entanto, antes de apresentarmos as hierarquias,
disponibilizamos abaixo uma breve descrição das restrições utilizadas:
(a) MAX-IO: apagamentos estão proibidos.
(b) Complex (acento): sílabas complexas devem ser portadoras do acento.
(c) OCP [-cont]: dois segmentos valorados positivamente para o traço [±cont] não podem
estar na mesma posição silábica.
(d) Contig[uidade]: segmentos devem estar em correspondência de forma contígua.
(e) OCP [coronal]: dois segmentos com traço [CORONAL] não podem estar na mesma
posição silábica.
(f) Ident (COR): segmentos no output devem manter o traço [CORONAL].
28
(g) NoOnsComp: onsets devem ser simples.
Dito isto, as hierarquias que se seguem corresponderão aos resultados de maior
relevância encontrados na atual pesquisa. São eles:
(a) em contexto de /ClV/ tônica: estratégias de reparo como rotacismo e troca de C1, como em
'globo' → [ˈgɾobu] e 'atletas' → [aˈklɛtɐʃ], respectivamente.
(b) em contexto de /ClV/ átona: reparos como cópia em situações de ambientes quase
idênticos, como em 'bíblia' → [ˈblibliɐ] e apagamento, como observado em palavras como
'fluminense' → [fumiˈnẽsi].
Desta forma, como se pode observar a seguir, o Tableau2 em (13) corresponde à
gramática de Aninha no que diz respeito ao contexto de /ClV/ tônica, considerando C1 como a
obstruinte alveolar /t/.
(13) Hierarquia de /aˈtlɛtɐʃ/da participante Aninha (6 anos):
/aˈtlɛtɐʃ/
MAX-IO
Complex
(acento)
OCP
[-contínuo]
Contig.
OCP
[coronal]
Ident(
COR)
No
complex
onset
aˈtɾɛtɐʃ *! *
aˈtlɛtɐʃ *! * *
aˈplɛtɐʃ * *
aˈklɛtɐʃ * *
aˈtɛtɐʃ *!
aˈtɛitlɐʃ *! * *
Tableau 2: Hierarquia dos outputs [aˈplɛtɐʃ] e [aˈklɛtɐʃ ] para ‘atletas’
Como demonstrado acima, neste período de estabilização, para um item como
/aˈtlɛtɐʃ/, o output considerado ótimo para a gramática de Aninha é /aˈplɛtɐʃ/ ou /aˈklɛtɐʃ/12,
por ser aquele que apresenta uma estrutura CCV em que C1 seja [-coronal], violando apenas
12 É necessário ressaltar que os dados de Aninha nos levam à produção /aˈklɛtɐʃ/, e que o desempate dos dois
candidatos estaria ligado a uma restrição que envolvesse os traços que diferenciam /k/ de /p/ e indiquem a
similaridade e dissemelhança desses com /t/.
29
as restrições Ident (COR) e NoOnsComp — em que a primeira proíbe o uso de duas coronais
consecutivas e a segunda, a presença de onset complexo — ranqueadas mais abaixo na
hierarquia proposta para a participante. É válido ressaltar, ainda, que a hierarquia acima diz
mais sobre a gramática de Aninha: ela já permite onsets complexos (NoOnsComp já foi
dominado), por exemplo.
A escolha do output ótimo, assim como a presença dos demais candidatos a outputs
restantes na hierarquia, atesta a dificuldade encontrada ainda no estágio de estabilização para
ambientes /tl/. Este fato pode se amparar na restrição *OCP [coronal], que proíbe que duas
coronais — sejam elas /tl/ ou /tr/ — façam parte de uma mesma sílaba. Isso significa que os
clusters compostos pelas labiais e dorsais devem ter uma aquisição anterior à de coronais.
O tableau 2 ainda possibilita afirmar que reparos muito comuns nos primeiros estágios
de aquisição do onset complexo, como é o caso de /aˈtɛtɐʃ/, em que CCV transforma-se em
CV, encontram-se superados neste período, respeitando a restrição mais alta da hierarquia —
MAX- IO, que proíbe apagamentos —, sendo, deste modo, pouco produtivos.
As restrições apresentadas em (13), no entanto, podem variar de acordo com a
consoante que assume o papel de C1 da sílaba. Como visto no tableau anterior, obstruintes que
se posicionam como primeira consoante e possuem o mesmo traço distintivo da obstruinte
seguinte — [coronal] — tendem a ser os alvos constantes dos reparos nas produções neste
período. Entretanto, é possível perceber que as estratégias utilizadas podem mudar conforme o
contexto em que a sílaba complexa está inserida. Observe-se o Tableau 3 em (14):
(14) Hierarquia de /ˈbibliɐ/ do participante Miguel (6 anos):
13 Esse item também fere a restrição DEP-IO (que proíbe epêntese). Essa restrição é bastante baixa no PB, haja
vista a alta ocorrência de inserções nessa língua.
/ˈbibliɐ/
MAX-IO
Complex
(acento)
Contig.
OCP
[-contínuo]
No
complexonse
t
ˈblibliɐ13 * **
ˈblibiɐ *! * **
ˈblibɐ *! * **
ˈbibɾiɐ *! **
ˈbibliɐ *! * **
30
Tableau 3: Hierarquia do outputs [bliblia] para ‘bíblia’
Conforme apresentado em (14), o output [ˈblibliɐ] é considerado como ótimo entre os
demais por sua produção ser encontrada com maior predominância na fala dos participantes
(62,85%). Nota-se que a produção escolhida viola apenas a restrição mais baixa da hierarquia
proposta — NoOnsComp —, enquanto que todas as demais produções violam restrições de
fidelidade: neste caso, outputs como [blibɐ] e [ˈbibɾiɐ] são os menos produtivos, visto que
violam MAX- IO, que proíbe apagamento, e Complex (acento), que determina a existência
que a sílaba tônica seja complexa.
Logo, diferentemente do demonstrado em (13), assume-se em (14) que, em ambientes
de sílabas quase idênticas onde o ataque ramificado se encontra em posição átona, a produção
ótima será aquela que apresentar cópia, ou seja, aquela em que a complexidade migrar para a
sílaba tônica sem deixar de permanecer em sua posição inicial.
Finalmente, é preciso destacar os resultados obtidos através da análise comparativa das
produções de 'fluminense' e 'flamengo', na qual obtivemos por um número considerável de
vezes o seguinte padrão:
(15) Flamengo, fluminense, botafogo e vasco (produção alvo)
[fla'mẽgu], [fumi'nẽsi], botafogo e vasco (produção realizada)
Os comportamentos assimétricos do onset complexo nos itens ‘flamengo’
(manutenção do cluster) e ‘fluminense’ (queda da lateral) podem ser explicados a partir da
diferença acentual entre eles, o que permite a influência do acento secundário nos itens. Pois,
enquanto 'flamengo' possui um único acento, na segunda sílaba ([fla'mẽgu]), é possível
distinguir, no item 'fluminense', os acentos secundário, em (,flumi), e o primário, em ('nẽsi).
De alguma maneira, parece haver uma contagem moraica da lateral nesses casos, de maneira
que cada pé ficaria com duas moras: (fu.mi) e (fla)14.
Assim sendo — e remetendo-nos à situação anteriormente encontrada e analisada para
o item 'bicicleta', quando encontramos 'bicicleta'→ 'blicicleta' —, podemos, mais uma vez,
confirmar o postulado por Damulakis (2005), no que se refere à fidelidade pela sílaba tônica,
14Deixamos em aberto essa proposta, considerando esse padrão como residual para análises futuras.
ˈbibiɐ *!
31
verificando que a complexidade ou a não complexidade em onset migra para uma sílaba com
acento secundário, (,blici)('cleta) e (,fumi)('nẽsi), considerando esta produção ótima.
32
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base na primeira parte de nossa pesquisa (que visava à descrição dos processos
fonológicos ocorrentes na gramática da criança em “período de aquisição”) e em nosso
presente trabalho, pode-se afirmar que: enquanto na fase de aquisição — focalizada por nós
nas idades entre 3 e 5 anos — foram observadas um total de sete estratégias, sendo
lambdacismo, apagamento e rotacismo, listadas como as mais utilizadas, no período de
estabilização — idades de 6 e 7 anos — ainda foram contabilizados sete reparos, tendo sido,
no entanto, rotacismo, cópia e troca de C1 as estratégias mais frequentes. É válido destacar
ainda, que cinco dos reparos encontrados na primeira fase apareceram com certa recorrência
no período seguinte, conforme se pode observar nos quadros a seguir15:
3 – 5 anos Quantitativo de incidência
(onset simples)
Porcentagem de incidência16
(onset complexo)
Lambdacismo 11,50% 2,56%
Apagamento 1,76% 30,53%
Rotacismo - 14,67%
Cópia - 0,88%
Inversão silábica 0,44% 0,44%
Posteriorização 0,88 % -
Semivocalização 1,32% -
Quadro 11:estratégias observadas no período de aquisição e suas incidências em dados
6 – 7 anos Porcentagem de incidência17
Lambdacismo 0,33%
Apagamento 1,22%
Rotacismo 4,44%
Cópia 3,66%
15 Deve-se reforçar que as setas representam as estratégias mais observadas em ambos os períodos analisados. 16 Os números apresentados para os onsetssimples referem-se a um total de 226 produções de palavras (sendo
113 produções da líquida não lateral e 113 referentes à líquida lateral), enquanto que os resultados obtidos para
os onsets complexos descrevem um total de 226 produções (na qual 117 produções se destinam ao cluster /CɾV/
e 109 ao /ClV/). 17 Os números apresentados descrevem um total de 818 produções de palavras que possuíam em seu interior
onsets complexos tanto em ambientes átonos quanto em ambientes tônicos (na qual 517 produções se destinam
ao cluster /CɾV/ e 301 ao /ClV/)..
33
Metátese 0,36%
Troca de C1 1,10%
Epêntese 0,24%
Quadro 12:estratégias observadas no período de estabilização e suas incidências em dados
Em vista disto, podemos sustentar que os resultados obtidos corroboram o quadro de
Ribas (2003), citado na revisão teórica do presente trabalho, da mesma maneira que
confirmam o fato de as escolhas dos reparos, ainda que inconscientes, estarem relacionadas
com a real necessidade que levou à produção das estratégias pertencentes a cada fase, uma vez
que os reparos de maiores incidências do segundo grupo nos revelam que a criança já possui a
capacidade de perceber a existência de determinado constituinte silábico que, por motivos
articulatórios, não consegue ainda ser produzido na forma alvo.Fato que corrobora essa
explicação são a extinção da semivocalização e a presença da epêntese nas produções dos
sujeitos.
Devemos, contudo, destacar que a alta incidência de cópia no item 'bíblia' — o que
gerou alto índice de cópia no resultado final da comparação entre as demais estratégias —,
provavelmente, esteja relacionada ao fato de sua C1 e da vogal que ocupa o núcleo da sílaba
serem as mesmas tanto na sílaba átona quanto na sílaba tônica, ocasionando dificuldades de
processamento por causa, também, da semelhança entre as sílabas.
Por fim, ao compararmos as duas fases estudadas — aquisição e estabilização —
percebemos uma assimetria no que concerne à aquisição das líquidas /l/ e /ɾ/ em contextos de
onset complexo e suas correspondentes estabilizações, em que aos 6 anos de idade ainda
observamos uma incidência de 41% de reparos para /ClV/, contrastando com 2% de reparos
para contextos /CɾV/. Devido a isto, concluímos que a líquida lateral é primeiramente
adquirida por questões articulatórias e de marcação, mas sua estabilização, em ambiente de
onsets complexos, pode se prolongar por um período maior com relação à líquida não-lateral
por motivos de incidência na língua, uma vez que há mais contextos silábicos complexos
possíveis no português brasileiro com a líquida /ɾ/, o que geraria uma maior familiaridade aos
novos falantes que reproduziriam sílabas /ClV/ como /CɾV/ em um processo de
rotacismo.Além disso, vale ressaltar a importância, nessa fase, da restrição OCP [-cont], a
responsável, juntamente com a frequência assinalada acima, pela maior realização de /CɾV/,
acima de /ClV/.
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