3 igrejas barrocas

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1 3 IGREJAS BARROCAS TEXTO MEMÓRIA A Arquitetura Barroca Arquitetura religiosa dos séculos XVII e XVIII Itália, Portugal e Brasil Igreja de Santo André do Quirinal Igreja e Torre de S. Pedro dos Clérigos Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis

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13 IGREJAS BARROCAS

TEXTO MEMÓRIA

A Arquitetura BarrocaArquitetura religiosa dos séculos XVII e XVIII

Itália, Portugal e Brasil

Igreja de Santo André do Quirinal

Igreja e Torre de S. Pedro dos Clérigos

Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis

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2Introdução do tema

O barroco na arquitetura surge como uma etapa posterior ao advento do classicismo no renascimento. À medida que os estudos de obras da antiguidade clássica prosseguia, arquitetos do renascimento apresentavam os novos usos da linguagem clássica: as ordens, a proporção e a simetria. Deve-se notar que não se tratava simplesmente de copiar os elementos e princípios de construção da Roma e Grécia antigas, mas antes era um aplicar de tais princípios, o que levaria a fazer-se novas construções, com novas técnicas e novas volumetrias e modulações. No barroco o uso destes elementos prossegue, porém acrescido de uma liberdade ornamental inéditas.

As primeiras construções renascentistas se diferem das obras barrocas em vários aspectos:

Modulação – enquanto a construção clássica usa a repetição de elementos, causando um ritmo e uma visão seqüencial, o barroco produz um acúmulo de elementos, de tal forma que o que sobressalta é o conjunto inteiro, sendo praticamente inviável a leitura dos elementos de per si.

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3Volumetria – no barroco as aresta tem seu uso reduzido, de modo que a apreensão do prédio se torna mais incerta. O prédio tende a ser curvo, as paredes sinuosas, a fachada com protuberâncias, janelas que saltam em painéis elaboradíssimos, com o resultado de um movimento, uma agitação visual que renega a límpida formalidade do clássico formal.

Qualidade Pictórica – o barroco aproxima a arquitetura da pintura pelo uso de adereços, esculturas, colunas semi-embutidas, ressaltadas ou aprofundadas em nichos. A fachada nunca é estática nem facilmente decifrável, e os relevos conferem uma leitura sempre diferente ao observador que ladeia o prédio.

Iluminação – a qualidade pictórica é fortemente subsidiada pelo uso criativo do jogo de luz. O claro e escuro, a luz e a sombra, o contraste de cor, tudo colabora para uma produção dinâmica, movimentada, de tal modo que o excesso confere uma dramaticidade exacerbada, uma teatralidade que tende ao absurdo.

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4A emotividade, o impacto, a ostentação e grandiloquencia implícita no barroco foi instrumento da Igreja Católica Romana como resposta à Reforma Protestante. Não só a volumetria e a fachada modificou-se, mas o interior também foi alterado. Os nichos das imagens, o claustro, o altar, o arco do altar, tudo foi se impregnando da presença escultórica, anjos, flores e todo tipo de ornamento, acumulam-se num crescente e, amiúde, assombroso conjunto espetacular que visa uma impressão imponente e opressiva.

Segundo Bruno Zevi, a arquitetura barroca criou princípios como: fim da estaticidade e da simetria; libertação espacial; busca da fantasia e do movimento; antítese entre espaços interiores e exteriores. As grandes alterações na arquitetura das igrejas foram motivadas pela necessidade de adaptar as exigências da nova ortodoxia litúrgica, proposta pelo Concílio de Trento, que mudou, substancialmente, os cerimoniais, incluindo o ritual da missa, do qual passou a fazer parte da pregação.

Embora as primeiras igrejas propriamente fossem, geralmente, de dimensões modestas, como a igreja Santo Andre do Quirinal, foram as grandes igrejas, como a Basílica de S Pedro e a Igreja de Il Gesù, ambas em Roma, que preparam as linhas orientadoras da arquitetura barroca. As plantas das igrejas barrocas apresentam grande diversidade formal e imaginativa, baseavam-se em formas geométricas curvas (elipses e ovais) ou irregulares (trapezoidais), preferindo-se as de nave única.

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5As paredes se adequaram aos desenhos sinuosos das plantas, dando forma ao interior, alternando entre côncava e convexa, tipo paredes ondulantes, correspondendo ao inesperado efeito de surpresa e luminosidade. Interiormente, estão revestidas por estuques, pinturas, retábulos e telha, criando a ilusão de um espaço maior e confundindo o teto com a parede. As coberturas eram, essencialmente, em abóbodas que, para serem sustentadas, precisavam além das paredes, de contrafortes exteriores: estes eram decorados com volutas ou orelhões que os ocultavam discretamente.

As fachadas seguiram, inicialmente, o esquema renascentista/maneirista na qual o corpo central é rematado por um grande frontão que acentua a verticalidade, mantendo as aletas. Mas o sentido teatral do Barroco e o desejo de atrair e envolver a população exigiram fachadas mais “caprichosas” estas foram divididas por andares, mas também organizadas de modo côncavo e convexo, dando a ideia de que estão seccionadas verticalmente. Esta irregularidade bizarra contribuiu para um fantasiado para jogo de movimento, luz e sombra, como na fachada de Santa Inês, na qual o portal encurvado serve de contraposto à cúpula; ou como na Igreja de S Carlo, cuja fachada parece um relicário ricamente lavrado.

Ao portal principal foi dada mais ênfase pelo janelão superior, pela decoração vertical e pela acumulação da ornamentação envolvente (estuários, relevos, frontões, cartelas, colunas...). As torres sineiras, aos lados das fachadas, também decoradas, constituem elementos independentes do edifício principal, mas que o completam reforçando a verticalidade.

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cúpula da igreja no Quirinal

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Exemplo barroco

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8A decoração interior das paredes, abóbodas e das cúpulas devia aumentar o movimento e por isso consiste em pinturas a fresco representando turbilhões de figuras voadoras, de querubins e de anjos, organizadas em linhas ondulantes e serpentinados, inseridas numa luz celestial, ascendendo ao infinito, na procura de Deus. Construídas em trompe-l’oieil, valorizadas pela luz dos janelões, das janelas e a cúpula com lanternim, as composições pictóricas e cresceram ao sabor da imaginação dos pintores reescrevendo, simbolicamente a história da religião e a ordem divina com ema exuberante alegria. Aos frescos estão associados os mármores policromados, a talha dourada, as esculturas, os retábulos, as telas e os órgãos que contribuíram para a profusão da cor e para o prazer dos sentidos

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Planta de S. Pedro dos Clérigos.

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10As plantas barrocas buscam a simetria, mas não se prendem às formas geométricas regulares, usando livremente as curvas, a sinuosidade, as reentrãncias, obtendo assim um resultado visual interessante, onde surgem nichos, espaços recônditos, e uma direção à surpresa, ao monumental, que seria a visão do espaço-mor: o altar.

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11Devido ao espírito austero da Contra-Reforma, há também as igrejas que apresentam ambientes menos decorados e, por isso, com as estruturas arquitetônicas bem visíveis. Mas de um modo geral a decoração exterior e interior soube esconder as estruturas arquitetônicas, pois tecnicamente não houve progresso, mas antes um cimentar de saberes e uma tônica imaginativa e individualizada.

Assim podemos dizer que o barroco busca a teatralidade, uma comunicação com o povo na praça, de modo que o prédio chama o fiel. O princípio de fazer o reino de Deus na terra, como missão da igreja, é levado à mesa de projeto: não basta criar um ambiente de fé e impacto no interior: o exterior também convoca e emociona.

Ainda que a concepção estrutural não evolua, os materais adquirem maior importância, em virtude de seu uso ornamental: o granito, o mármore, a madeira, até mesmo o ouro, passam a ser usado no espetáculo visual que é o objetivo maior dessa escola.

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12Porta da Igreja de S. Francisco em S. J. del Rey

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13Igreja de Santo André do Quirinal –

(Sant’Andrea no Quirinale)

De Gianlorenzo Bernini

Roma – 1658 – 1678

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14Uma das primeiras construções barrocas, e de dimensões modestas quando comparada com outras obras surgidas posteriormente.

A Igreja de Santo André no Quirinal é uma igreja católica titular de Roma, na Itália.

Foi erguida para ser a igreja do seminário jesuíta de Roma. Foi projetada por Bernini, com o auxílio de Giovanni de' Rossi.

Sede do noviciado da Compania de Jesus, está situada na colina do Quirinal, próxima do Palácio do Quirinal. A pequena igreja foi construída entre 1658 e 1670, , a pedido do cardeal Camillo Pamphili, familiar de Inocêncio X. Existia uma iglesia prévia, do Século XVI.

O contrato foi firmado em 1658 e as obras começaram por volta de 1661, sendo finalizada em 1670. O patrono das obras foi o cardeal Camillo Francesco Maria Pamphili, e o

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15edifício logo se tornou famoso pela sua planta original, em forma ovóide. Bernini a considerava uma de suas melhores criações. O pátio defronte é cercado por muros curvos, harmonizando-se com a forma da igreja.

No interior, o altar-mor é iluminado por uma fonte oculta de luz, criando um efeito teatral, como era o gosto dos barrocos. Várias obras de arte decoram as paredes e capelas laterais, inclindo peças de Guillaume Courtois, Antonio Raggi, Baciccia, Filippo Bracci, Giacinto Brandi, Pierre Legros, Carlo Maratta e outros . Numa das capelas está a tumba do rei Carlos Emanuel IV da Sardenha, e noutra as relíquias de Santo Estanislau Kostka.

É considerada uma das obras-mestras da arquitetura de Bernini. Seu filho recordava como, anos depois, Bernini se sentaria no interior da igreja para observar o jogo de luzes, o brilho obtido e o mobiliário policromado.

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16A planta tem forma elíptica. Sua colocação transversal, com o altar e a entrada opostos no eixo menor, permite chegar rapidamente ao centro, na plenitude do edifício.

No altar se encontra O Martírio de Santo André, de Borgognone. A primeira capela abriga três telas de Baciccia: Morte de São Francisco Xavier e outros dois quadros de 1705. Na segunda capela se encontram três quadros de Giacinto Brandi de 1682. Na outra capela à esquerda há uma Senhora com Menino e São Estanislau de Kostka de Carlo Marattacom um pedaço pintado em afresco sobre A glória dos Santos de Giovanni Odazzi. Na primeira capela há outra Senhora com Menino e Santos de Ludovico Mazzanti, com teto sobre a Gloria dos Anjos de Giuseppe Chiari.

Carlos Manuel IV de Saboya, rei da Sardenha e Piemonte, está enterrado em uma das capelas laterais. Os restos de São Estanislau de Kostka também repousam aqui, na chamada Câmara de São Stanislau Kostka. Sua luxuosa estátua,

realizada com mármores de cores distintas, foi esculpida no século XVIII por Pierre Legros.

Em 1658 o Cardeal Pamphilj, sobrinho do Papa Inocêncio X, financiou a construção da igreja do vizinho convento dos jesuítas. Do projeto foi encarregado Bernini. Os trabalhos terminaram treze anos depois. Sobre a fachada, em uma só ordem, domina um átrio semicircular, sustentado por duas colunas e ladeado por dois altos pilares que sustentam o tímpano.

O interior decorado com estuques dourados e com mármores preciosos, foi construído sobre uma planta elíptica. Quatro capelas de outros tantos nichos profundos abrem-se sobre o espaço central: neles destacam-se telas de 1600 e 1700.

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Também a cúpula em caixotões dourados é ornada por frisos, decorações e magníficos estuques. Sob o altar encontra-se a urna de bronze e lazulite com o corpo do santo.

O Projetista

Gian Lorenzo Bernini, foi Arquiteto, Pintor e Escultor. Nascido em 7 de dezembro de 1598, veio a falecer em 28 de novembro de 1680

Organização dos espaços e composição

As fachadas seguiram, inicialmente, o esquema renascentista/maneirista na qual o corpo central é rematado por um grande frontão que acentua a verticalidade, mantendo as aletas. Mas o sentido teatral do Barroco e o desejo de atrair e envolver a população exigiram fachadas mais “caprichosas” estas foram divididas por andares, mas também organizadas de modo côncavo e convexo, dando a ideia de que estão seccionadas verticalmente. Esta irregularidade bizarra contribuiu para um

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18fantasiado para jogo de movimento, luz e sombra, como na fachada de Santa Inês, na qual o portal encurvado serve de contraposto à cúpula; ou como na Igreja de S Carlo, cuja fachada parece um relicário ricamente lavrado

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19Planta e vista interna da igreja.

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20Igreja e Torre de S. Pedro dos Clérigos

De Nicolau Nasoni

Porto, Portugal – 1731-1763

Sobre o arquiteto

Nicolau Nasoni, nascido na Itália, adaptou-se muito bem em Portugal e estabeleceu-se na

cidade do Porto, onde produziu extensa obra arquitetônica.

Fez a Igreja Bom Jesus de Matosinho, a fachada da Igreja da Misericórdia e do Paço Episcopal, e da loggia da Sé

O total envolvimento de Nasoni com este projeto revela seu apreço por sua fé, uma vez que nada cobrou pelo trabalho e envolveu-se nele por aproximadamente trinta anos, voluntariamente.

Soluções projetuais

A implantação

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21A escolha do lote foi muito óbvia em se conhecendo a tradição católica: a igreja deve estar no alto e dominar visualmente a cidade. A questão era o lote: ao invés de um lote regular e no topo da colina, tem-se um declive considerável no terreno. Para complicar ainda mais, a face mais baixa é mais larga que a face oposta, que é mais alta.

O dilema de Nasoni foi: se fizesse a fachada para o lado mais baixo, ganhando largura, perderia a regalia da implantação mais alta do prédio. Se optasse pelo oposto, jogando a fachada para o ápice da colina, perderia espaço e teria de fazer uma frente muito acanhada.

Sua solução foi interessantíssima: usar a face mais baixa para a fachada da igreja e colocar na face mais alta e estreita a torre.

Pode parecer elementar, mas quantas vezes se viu um arquiteto deslocar a torre de um prédio para o fundo?

Nesta criatividade ocorreu algo curioso: o prédio não possui fundo, uma vez que a torre, mesmo estando na quina espremida do lote, se impõe como elemento valioso e interessante na cidade.

A Torre

Com a altura de 75,60m possui quatro pavimentos. O desnivelamento sugeria a fachada para a parte mais larga, que fica mais baixo. Caso a torre fosse feita ali, perde-se-ia a chance de uma altura maior. Caso a fachada estivesse na parte mais alta, a entrada ficaria acanhada e incômoda.

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22Nasoni lidou com a declividade do terreno, normal na cidade do Porto, de modo criativo. Deslocou a implantação da torre para a face oposta da fachada principal da igreja. Nisto ele obteve um resultado ímpar, que foi a volumetria da torre única, entretanto absolutamente simétrica, uma vez que ela faz o fechamento, ou a conclusão do prédio maior da igreja. Assim ele obtém uma riqueza espacial interessantissima, pois ambas as faces do prédio possuem vitalidade projetual.

A torre ricamente trabalhada possui frontões, cornijas, pilastras, grinaldas, florões e todo tipo de ornamentação tão cara ao barroco.

Volumetria da Igreja

Com um desenho elíptico, oblongo, a igreja possui as curvas barrocas, que renegam as arestas simples e formais do classicismo mais solene. As paredes curvas, trabalhadas de forma simples, parecem se mover num inchaço curioso. Todo o prédio parece ter movimento – o que é típico do barroco mais autêntico. Neste jogo volumétrico as extremidades surgem como pólos nevrálgicos que atraem o olhar e o interesse. De um lado a fachada imponente, de cor pesada, rebuscada e com todo o trabalho clássico tradicional: colunas embutidas, frotão sugerido, capitel, cornija etc. Tudo recoberto com o jogo pictórico de luz e sombra, com adereços que sobressaem do conjunto, cornijas que vão e vem em relação à parede e a rica movimentação barroca que joga tão bem com a luz e sombra. Todavia, a ausência de claros torna o inteiro conjunto da fachada

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23excessivamente austero, dono de uma dramaticidade singular.

A própria altura da fachada apresenta uma imponência impossível de não ser sentida. Mirando a fachada vemos o bojo do corpo principal da igreja sobressaindo-se. Como um animal gigantesco, o prédio domina totalmente o cenário. Não basta contemplar sua face principal, a fachada, mas seu corpanzil se apresenta simultaneamente, sendo que deste ponto de vista temos a torre que se vê mais ao fundo como a grande cauda ereta disputando atenção.

Assim Nasoni consegui num terreno difícil, um lote absolutamente desigual e mal proporcionado, implantar um igreja singular, multifacetada e que se tornou o marco da cidade. É, como dizem, a ex-libris do Porto, ou

seja, a marca visual, a identidade da cidade, aquilo que faz o visitante ter certeza de que está não apenas em mais uma cidade medieval européia, mas ali, precisamente, na cidade do Porto.

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24Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis

Francisco Lima Cerqueira

São João Del Rey, Minas Gerais, Brasil - 1774

Francisco de Lima Cerqueira nasceu na freguesia de S. Mamede, concelho de Valença, já na fronteira com a Espanha. Em 1761 estava já em Minas; e em 1763 estava em Ouro Preto onde arrematou o chafariz e encanamento do Alto das Cabeças; dois anos mais tarde vêmo-lo em Congonhas para fazer um acréscimo nas torres do santuário do Bom

Jesus de Matosinhos e de novo em 1769 para construir a capela-mor deste templo.

Voltou depois a Ouro Preto para fazer o pórtico, arcos do coro e lavatório da sacristia da igreja da Ordem Terceira do Carmo.

A partir de 1774 encontrámo-lo a dirigir as obras da bela igreja de S. Francisco de S. João del Rei, segundo um projeto que pertencera ao Aleijadinho. Mas durante as obras propôs outras soluções que vieram a ser aceites, sendo hoje difícil saber em que ponto começou a mostrar os seus dotes como arquiteto, a intervir no desenho inicial do Aleijadinho; artista que, curiosamente, o poderá ter apoiado neste projeto pois foi o executor das partes da escultura ornamental da portada desta igreja e da que Lima Cerqueira construiu nesta mesma cidade para a Ordem Terceira do Carmo.

Importância da obra na

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25carreira do autor

Assim podemos notar que a construção da Igreja daOrdem Terceira do Carmo foi importantíssima na vida de Lima Cerqueira, configurando sua afirmação como arquiteto pleno. O próprio fato de ele ter podido acrescentar e alterar o projeto original demonstra o reconhecimento de sua qualificação profissional.

Sobre a Ordem Terceira dos Franciscanos no Brasil

Reproduzimos a seguir trechos do trabalho interessantíssimo de Adalgisa Arantes Campos, detalhando aspectos da organização e do modo de vida dos membros desta Ordem.

As ordens terceiras de São Francisco da Penitência seus

templos

As ordens terceiras de São Francisco surgiram

nas Minas após 1740, muitas vezes dentro da igreja paroquial,

estabelecendo-se em altar próprio ou em nicho emprestado, onde

colocavam a imagem do patriarca. Constituíram uma vasta

jurisdição denominada “presídia”, principalmente a congênere de

Vila Rica, abrangendo vários arraiais visitados vez por outra pelo

cobrador da ordem. Em grandes concentrações urbanas, chegaram

a edificar templo próprio, através de obras que muito se

delongavam, como Vila Rica (1766-1837), Mariana (1762-1822),

São João del Rei (1774-1827), Diamantina (1766-1798) 1.

Ponderando sobre essa demora na conclusão dos

templos de Mariana e de Vila Rica, Raimundo Trindade considerou

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26as despesas avultadas para se conseguir breves (documentos

pontifícios contendo uma decisão ou declaração de caráter privado)

e indulgências, os inúmeros processos na Justiça contra o Cabido

marianense (em razão de conflito de jurisdição), o Vigário Capitular,

a Arquiconfraria de São Francisco dos Pardos e até contra os

construtores José Pereira Arouca e Domingos Moreira de Oliveira

e seus herdeiros2.

Todos esses confrontos se deram porque, no

setecentos, os terceiros compartilhavam de uma visão de mundo

hierárquica, um sentimento de retaliação, de soberba, de profunda

afeição à pompa barroca e aos sinais visíveis da fé, buscando

sempre privilégios e favores espirituais. A ordem tinha um

sentimento de corporação, aspirando à isenção da jurisdição

ordinária, autonomia e regalias.3 Encontrava-se submetida à

Província Franciscana da Imaculada Conceição, instalada no

Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, não raro apelando

diretamente ao papa. No setecentos elas defenderam os valores de

uma religião tridentina, evitando-se, na medida do possível, as

contaminações culturais. A mais destacada, verdadeira cabeça na

difusão da espiritualidade franciscana, era a de Vila Rica,

2

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considerada por Röwer como um oásis do franciscanismo nas

Minas

Na ausência de ordens regulares, os terceiros constituíam

uma alternativa entre a experiência religiosa secular e a monástica,

efetivada através da preparação religiosa denominada noviciado,

que culminava no rito solene da profissão. A ordem terceira seguia

a Regra franciscana, excetuando o voto de castidade e de clausura.

Seus membros sempre disputariam os lugares principais em

cerimônias, usando para isso o argumento de que não eram

simples confraria. Para obter os lugares de destaque nas

procissões as irmandades geralmente alegavam o critério de

antigüidade, que pouco serviria aos terceiros, que se agremiaram

tardiamente 4. Ser terceiro significava jejuar, confessar-se e

comungar com maior freqüência (cerca de quatro vezes ao ano) em

datas específicas do calendário religioso; fazer um ano de

noviciado para o aprendizado dos valores da Regra, quando então

o irmão elaborava o seu primeiro testamento, que deveria ser

renovado de cinco em cinco anos e arquivado pela ordem;

interiorizar e defender a visão hierárquica, tão bem representada

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27nos cargos da mesa administrativa e nas manifestações rituais. Nas

procissões iniciava-se com o menos graduado até atingir o mais

importante: irmãos noviços, irmãos professos mais modernos,

professos mais antigos, irmãos sacerdotes e, por último, irmãos de

Mesa. A hierarquia geral da ordem terceira era: Comissário geral

(sede em Madri), Ministro provincial (Convento de Santo Antônio

situado no Rio de Janeiro), Reverendo Comissário (jurisdição

espiritual, era funcionário remunerado da ordem e irmão professo),

irmão ministro (jurisdição temporal), vice-ministro, secretário,

síndico, escrivão e tesoureiro, doze definidores, o irmão mestre de

noviços e a irmã mestra de noviças, irmão zelador e irmãos

presidentes de ruas. Tinha-se ainda o vigário do culto divino,

funcionário contratado. Esse conjunto hierárquico era distribuído

em duas alas 5.

O projeto espiritual/ideológico da ordem terceira

demorou algumas décadas para se aclimatar nos trópicos, pois se

prendia a normas de comportamento mais rígidas, à necessidade

da mortificação da carne (jejuns e abstinência em determinadas

datas sagradas) e à penitência. Portanto, dois séculos depois,

propagava-se na Capitania o ideal tridentino. No plano social, esses

devotos mais ou menos abastados não se destacaram pela

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caridade externa ao grupo, zelando, sobretudo, pelos interesses e

carências dos próprios irmãos, parentes, amigos e benfeitores, os

quais deveriam ser ajudados na necessidade, doença e morte6.

Quanto ao perfil econômico social desses irmãos,

não pode ser reduzido a abastados comerciantes, funcionários da

Coroa e intelectuais. Muitos construtores, artífices e artistas

participaram de seus quadros, como por exemplo João Gomes

Batista (+1788), Henrique Gomes de Brito (+1782), José Pereira

Arouca (+1795), Manoel Francisco de Araújo (+1799) e Manoel da

Costa Ataíde (1830)7. Personalidades dotadas de uma piedade

eremítica, como Feliciano Mendes (+1765) de Congonhas e o irmão

Lourenço (+1819) do Caraça, também foram franciscanos

professos 8.

Por ocasião do surgimento desses sodalícios, a

mineração já se encontrava em franco declínio, estimulando-se

mais a diversificação da economia; a sociedade se achava bastante

estratificada e também miscigenada, demonstrando a existência de

grandes fortunas individuais. Os terceiros foram responsáveis por

um grande surto na arquitetura e ornamentação a partir do terceiro

quartel, quando ascendia o gosto artístico rococó (1760-1840).

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28Esse período de assentamento das populações revelou obras

aclimatadas, que empregaram a mão de obra, os materiais e

feições raciais locais.

(...)

A difusão da espiritualidade franciscana nas

Minas foi feita pelos eremitas, frades esmoleres da Terra Santa e

do convento de Santo Antônio (Rio de Janeiro), visitadores

diocesanos (Dom frei de Guadalupe) e, de uma maneira mais

sistemática, pelas ordens terceiras. Tem-se então a transplantação

de crenças, invocações e práticas voltadas à expiação, dotadas de

um programa iconográfico específico, bastante influenciado pelas

ordens regulares, bem diferente da temática dos demais sodalícios

do período. Na arte dos terceiros são abundantes os crucifixos, a

representação da palma do martírio, cravos, disciplina, cilícios,

chicotes, ampulhetas, crânios, rosário, atributos para ajudar na

penitência e na santificação.

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29O Papa Patrocinava

Em 1658 o Cardeal Pamphilj, sobrinho do Papa Inocêncio X, financiou a construção da igreja do vizinho convento dos jesuítas. Do projeto foi encarregado Bernini. Os trabalhos terminaram treze anos depois. Sobre a fachada, em uma só ordem, domina um átrio semicircular, sustentado por duas colunas e ladeado por dois altos pilares que sustentam o tímpano.

O interior decorado com estuques dourados e com mármores preciosos, foi construído sobre uma planta elíptica. Quatro capelas de outros tantos nichos profundos abrem-se sobre o

espaço central: neles destacam-se telas de 1600 e 1700.

Também a cúpula em caixotões dourados é ornada por frisos, decorações e magníficos estuques. Sob o altar encontra-se a urna de bronze e lazulite com o corpo do santo.

Portanto havia forte interesse em patrocinar igualmente nas regiões ultramarinas a construções de novas igrejas a fim de sedimentar a influência e o domínio católico romano, tanto na questão religiosa, como também como instrumento de controle político.

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Comparações

Os três prédios são propostas diferentes entre si por motivos bastante evidentes: o tempo e o local diferem grandemente.

Bernini como pioneiro do barroco construiu uma igreja elegante, que lida com as proporções clássicas de vários modos em sua fachada e em sua planta. Na fachada as proporções áureas são bem evidentes e o jogo de volumes, nos adornos que se projetam da parede, usando a luz e sombra com maestria, promovem um visual tão rico que o prédio aparenta ser maior do que é de fato.

O frontão e o pórtico da entrada são delineados com tal cuidado que podemos ler os princípios clássicos com facilidade.

Nasoni, por sua vez, produziu um prédio austero, com uma fachada grave, de tal solenidade que, exceto a escadaria, todo o resto é opressivo. Mesmo sua torre carece de delicadeza, mas abemos que não é isso que o barroco procura. Ele procura o teatro, o

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31drama, a angustiosa obsessão de dominar a cidade.

Neste ponto Nasoni foi muito feliz e inteligente. A brutalidade da fachada sem cor e grandiloquente é compensada pela genial solução espacial da planta: a torre se coloca ao fundo da igreja, solução raramente vista. E nesta posição ela se sobressai magnificamente por um motivo elementar: o fundo é mais alto que a frente. Assim Nasoni apropriou-se com perspicácia do melhor promontório do Porto, e facilmente instalou a sua torre como marco de toda a cidade.

No século em que foi construída a construção se valia da luz diurna para mostrar melhor seu impacto, mas hoje podemos conferir que os efeitos luminosos artificiais conferem ao conjunto uma encantadora imagem na noite portuguesa.

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32O efeito de luz à noite dá ao inteiro prédio, igreja-torre uma leveza que não possui de dia. O que simplesmente conta a favor da capacidade projetual de Nasoni, ainda que ele não o tenha previsto.

A igreja da ordem terceira de S. Francisco, em S. João Del Rey parece-se um pouco com a igreja do Porto, em sua planta. O corpo ovalóide da igreja se repete em Minas, ainda que em menor escala. Mas a igreja mineira não enfrentou os problemas que Nasoni encarou no Porto. Não há declives. Não há distorção no lote.

Mas sabemos que a ausência de problemas pode significar também a falta de criatividade,

uma vez que não se conta com desafios provocadores.

Ali temos um projeto basicamente feito por Aleijadinho que foi terminado por Francisco de Lima Cerqueira. Os pesquisadores, hoje, tem dificuldades em separar o que cada um deles responde, de fato, no projeto.

O que vemos ali é uma solução ao avesso do Quirinal: a fachada não é retilínea. Mas também não reproduz a solução de Nasoni em que o prédio possui duas faces: ao contrário, só a fachada interessa. Ela é mais larga que o corpo principal da igreja, assim se destacando inteiramente do prédio.

Esta opção projetual poderia resultar numa tentativa fracassada, soando como um mero cenário, uma fraqueza na volumetria, já que praticamente não se vê o volume em si, mas sim a frente.

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33O que compensa plenamente esse partido é a praça da sé. O espaço obtido com o largo que surge à frente da igreja compõe uma melodiosa composição em que tudo se harmoniza. As palmeiras, as escadarias que simetricamente se afastam, depois se tentam aproximar, os sinuosos degraus da escadaria, a amplidão de toda a entrada – a soma de tudo faz um conjunto encantador.

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34Se o barroco nasceu da contra-reforma e visava seduzir o transeunte, temos aqui um belo exemplo. Além disso a igreja mineira conta com aquilo que seria a evolução do barroco: ela é rococó. Suas dimensões modestas não impedem de possuir no interior uma riqueza visual bela e agradável. Longe da escuridão do barroco opressivo, o visitante encontra paredes brancas, ornamentadas em profusão mas não sem ritmo.

À medida que se aproxima do altar ele se envolve com as paredes incrustadas de elementos pictóricos, até o clímax em que não se discernem mais as paredes. Isto é um jogo dramático calculado, mas equilibrado – se é que podemos atribuir ao rococó e ao barroco algum equilíbrio.

Boa parte desse equilíbrio vem da luz, que o arquiteto trouxe para o interior. A luz

somando-se ao branco da parede constrói um espaço refrescante em nada opressivo, antes festivo.

Este aspecto festivo, no sentido frugal do termo, leve, é que apenas ela, dentre as três obras analisadas, possui.

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35Conclusão

Sant Andrea do Quirinal

- o clássico especialmente bem calculado, que impressiona pela geometria e nobreza dos materiais.

São Pedro dos Clérigos

- Uma solução um tanto bruta, mas que reflete uma inteligência admirável em sua implantação.

São Francisco de Assis

A graciosidade do rococó somada ao inteligente uso do espaço frontal.

Soluções diferentes, inteligencia projetual em cada uma, fornecendo lições de arquitetura que se evidenciam para o olhar que busca aprender.

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37BIBLIOGRAFIA

BENEVOLO, Leonardo – A arquitetura na

renascença.

CAMPOS, Adalgisa Arantes

“As Ordens terceiras de São Francisco nas Minas Coloniais: Cultura artística e procissão de Cinzas”. In: Estudos de História (UNESP). Franca, v. 6, n. 2, p. 121-134, 1999.

As Ordens Terceiras de São Francisco nas

Minas Coloniais: Cultura artística e

Procissão de Cinzas

OLIVEIRA, Eduardo Pires de.

Entre Douro e Minho e Minas Gerais no Século XVIII. Relações Artísticas – Traslado de Sua Majestasde sobre os passageiros dos Brasis.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Santo_Andr%C3%A9_no_Quirinal_(t%C3%ADtulo_cardinal%C3%ADcio)

http://gestercabral.blogspot.com/2008/12/igreja-de-santo-andr-do-quirinal.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/Gian_Lorenzo_Bernini