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215 Goiânia, v. 10, n.2, p. 215-240, jul./dez. 2012. * Recebido em: 16.06.2012. Aprovado em: 03.08.2012. Agradecemos a contribuição de Inácia Antônio de Farias, Maria Pe- reira Bispo, Helena Ferreira da Silva, Ruimar Antônio de Farias, Lucrécia Bento Filho, Solange Nascimento, Magda Sueli Pereira Costa, Valdirene Jesus, Francisco Costa Santos, Edson da Costa Santos, Verônica Welosowski, Camila Moraes Wichers, Luana Antoneto Alberto, Paulo Zanettini, Cláudio Souza, Uelde Ferreira e a Zanettini Arqueologia. ** Mestre em Arqueologia pelo MAE/USP, especialista em Gestão Ambiental no SENAC-SP, Doutorando em Ambiente e Sociedade pelo LAP/NEPAM/UNICAMP. E-mail: [email protected] *** Historiadora e Mestranda em Arqueologia do MAE/USP. E-mail: [email protected]. **** Mestre em Arqueologia pelo MAE/USP. E-mail: patricia_fi[email protected] C OSSOS DO OFÍCIO: CEMITÉRIOS, LICENCIAMENTO AMBIENTAL E PRÁTICA ARQUEOLÓGICA EM ARRAIAS, TOCANTINS * RAFAEL DE ABREU E SOUZA** MÁRCIA LIKA HATTORI*** PATRÍCIA FISCHER**** Resumo: este artigo discute o papel desempenhado pela arqueologia em um cemitério rural, con- templando o referencial teórico, as metodologias e os passos adotados no processo. Embora os cemi- térios constem como sítios arqueológicos a serem protegidos desde a lei de 1961 nem todo cemitério é um sítio. Como atuar fora desta categoria? Quando os cemitérios são da alçada arqueológica? A Portaria IPHAN basta? Com base nestas questões discutimos nossa prática nestes contextos. Palavras-chave: Licenciamento Ambiental. Conflitos. Arqueologia de Contrato. Cemitérios. ...os profissionais da arqueologia estão de fato diante de um conflito extremamente complexo, que merece profunda reflexão e para a qual de pouco adianta a clássica atitude do arqueólogo/avestruz, tão comum entre nós, de ignorar o que se passa, enterrar a cabeça no sedimento das escavações e prosseguir como se nada estivesse ocorrendo a sua volta (Tânia Andrade Lima). om o avanço das grandes obras no país, os estudos de impacto ambiental têm se torna- do cada vez mais correntes. Apesar das prerrogativas teóricas sobre as quais se embasa o licenciamento ambiental, a prática das avaliações tem resultado em produtos com ARTIGO ARTIGO

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* Recebido em: 16.06.2012. Aprovado em: 03.08.2012. Agradecemos a contribuição de Inácia Antônio de Farias, Maria Pe-

reira Bispo, Helena Ferreira da Silva, Ruimar Antônio de Farias, Lucrécia Bento Filho, Solange Nascimento, Magda Sueli Pereira Costa, Valdirene Jesus, Francisco Costa Santos, Edson da Costa Santos, Verônica Welosowski, Camila Moraes Wichers, Luana Antoneto Alberto, Paulo Zanettini, Cláudio Souza, Uelde Ferreira e a Zanettini Arqueologia.

** Mestre em Arqueologia pelo MAE/USP, especialista em Gestão Ambiental no SENAC-SP, Doutorando em Ambiente e Sociedade pelo LAP/NEPAM/UNICAMP. E-mail: [email protected]

*** Historiadora e Mestranda em Arqueologia do MAE/USP. E-mail: [email protected].**** Mestre em Arqueologia pelo MAE/USP. E-mail: [email protected]

C

OSSOS DO OFÍCIO:

CEMITÉRIOS, LICENCIAMENTO

AMBIENTAL E PRÁTICA

ARQUEOLÓGICA

EM ARRAIAS, TOCANTINS*

RAFAEL DE ABREU E SOUZA**MÁRCIA LIKA HATTORI***PATRÍCIA FISCHER****

Resumo: este artigo discute o papel desempenhado pela arqueologia em um cemitério rural, con-templando o referencial teórico, as metodologias e os passos adotados no processo. Embora os cemi-térios constem como sítios arqueológicos a serem protegidos desde a lei de 1961 nem todo cemitério é um sítio. Como atuar fora desta categoria? Quando os cemitérios são da alçada arqueológica? A Portaria IPHAN basta? Com base nestas questões discutimos nossa prática nestes contextos.

Palavras-chave: Licenciamento Ambiental. Conflitos. Arqueologia de Contrato. Cemitérios.

...os profissionais da arqueologia estão de fato diante de um conflito extremamente complexo, que merece profunda reflexão e para a qual de pouco adianta a clássica atitude do arqueólogo/avestruz, tão comum entre nós, de ignorar o que se passa, enterrar a cabeça no sedimento das escavações e prosseguir como se nada estivesse ocorrendo a sua volta (Tânia Andrade Lima).

om o avanço das grandes obras no país, os estudos de impacto ambiental têm se torna-do cada vez mais correntes. Apesar das prerrogativas teóricas sobre as quais se embasa o licenciamento ambiental, a prática das avaliações tem resultado em produtos com

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padrões de qualidade duvidosos e situações, de cunho eminentemente político, que inserem a Arqueologia no fulcro dos debates mais atuais sobre os impactos (negativos ou positivos) das obras de infraestruturas em territórios ocupados. O licenciamento, de um modo ou de outro, tem posto em cheque nosso papel e exigido posicionamentos claros dos pesquisadores em torno das questões éticas emergentes.

A qualidade de muitos dos estudos do meio socioeconômico, no âmbito legal da produção dos EIA/RIMA (Estudos de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental) previstos pela resolução CONAMA 001/86, tem sido questionada, em es-pecial quanto às posturas colonialistas1 e às legislações que atuam como pano de fundo. Ao despreparo e não engajamento de profissionais pouco qualificados, soma-se o pouco conhecimento e clareza das leis em torno de áreas cemiteriais e remanescentes esque-léticos afetados por obras. Se, por um lado, antropólogos, geógrafos e historiadores responsáveis pelos levantamentos não dispõem de técnicas de campo próprias para a localização e visualização de cemitérios cujos vestígios materiais são fugazes, arqueólo-gos os encontram a partir das prospecções, mas não têm claro se cemitérios “recentes” (com toda a imprecisão que o termo coloca), não indígenas, competem à sua alçada. Essa falta de clareza no âmbito do licenciamento ambiental vem acarretando impactos diversos sobre áreas cemiteriais, fazendo com que inúmeras comunidades fiquem com-pletamente desprotegidas em relação a suas áreas sagradas frente o avanço de grandes obras sobre seus territórios.

Este artigo discute o papel desempenhado pela Arqueologia na área do Ce-mitério da Fazendinha, município de Arraias, estado do Tocantins2. Contempla o re-ferencial teórico, os marcos éticos, as metodologias e os passos adotados no decorrer da investigação, a fim de atender às demandas colocadas pela existência de um cemitério desativado, incidente sobre faixa a ser diretamente afetada pela futura barragem de captação a cargo da Itafós Mineração.

No local denominado Fazendinha, situado em propriedade homônima, pró-ximo às margens do rio Bezerra, existe um antigo cemitério rural não mais utilizado havia algumas décadas3, sendo o mesmo referenciado na memória coletiva das comuni-dades do entorno. Diferentes etapas de campo da Arqueologia, conformadas por dife-rentes profissionais, trouxeram à tona as distintas subjetividades a que os trabalhos esti-veram sujeitos. As primeiras etapas do programa, a saber, o diagnóstico e a prospecção, pautados em olhares diversos sobre o papel do arqueólogo e o que seria o “arqueológico” (LUCAS, 2001), localizaram o cemitério, mas não o consideraram como sendo alçada da arqueologia. O mesmo só foi “visto” durante a finalização das etapas de resgate, a partir do olhar de um dos integrantes da equipe, que chamou atenção para o fato. Mas a pergunta continuou: um cemitério rural, de meados do século XX, seria uma questão a ser tratada pela equipe de arqueologia, tendo em vista que o mesmo não constava dos demais estudos de avaliação de impacto?

O despreparo profissional para lidar com as diferentes realidades que o contex-to do licenciamento demanda aos arqueólogos é questão atualíssima que subjaz a pró-pria formação e qualidade dos trabalhos de Arqueologia (DIAS, 2010; ZANETTINI, 2010). É inegável que diferentes formações em Arqueologia influenciam os olhares sobre o mundo e, por consequência, sobre os vestígios. Inúmeros outros conflitos ocasionados justamente pelo “não olhar” poderiam ter sido acarretados pela questão do cemitério da Fazendinha, destarte a área já estar inserida em uma zona de tensão socioambiental. Em 2011, por exemplo, foi dado início a um procedimento preparatório para Inquérito 216

Civil Público a fim de apurar a veracidade de denúncias de crime ambiental feitas contra a Itafós, em torno da destruição de cavernas e grutas da região. Constataram inúmeras dúvidas em torno de possíveis impactos à Furna Lapa do Bom Jesus, caverna de romarias imemoriais (cadastrada como sítio arqueológico, no intuito de salvaguardar o patrimônio da área indiretamente afetada do empreendimento, AID). Em 2010, a mineração proibiu a população de realizar a romaria por riscos de desabamento.

Não incluída a área cemiterial nos estudos do EIA relativo ao meio socio-econômico, popularmente chamado de “meio antrópico”, a Arqueologia manifestou preocupação em torno da questão até então negligenciada pelas demais esferas profis-sionais da avaliação de impactos ambientais. Como esta, várias outras áreas cemiteriais corriam risco. Frente à iminência de impactos e ao risco potencial aos sepultamentos porventura ainda existentes no local, concebeu-se uma ação emergencial voltada ao debate da presença dos cemitérios frente o avanço do empreendimento. Assumir este posicionamento, todavia, impingiu à equipe de Arqueologia lidar com dimensões legais e jurídicas que fugiam a alçada arqueológica, uma vez que as áreas cemiteriais inseridas no empreendimento não foram cadastradas como “sítio arqueológico” para que os en-terramentos não se tornassem acervo e fossem retirados, dado terem sido encontradas pessoas que se relacionavam com o cemitério e tinham seus parentes sepultados ali. Foram, assim, assumidos pressupostos de que os direitos humanos básicos em relação aos mortos são mais fortes do que os direitos à pesquisa científica (LIMA, 1994). Por outro lado, esta estratégia limitou a ação arqueológica à prospecção para localização dos possíveis sepultamentos, sendo de responsabilidade do poder público municipal, na figura do coveiro e a partir de um decreto (ainda em trâmite), o contato direto com os remanescentes e seu translado.

Este artigo, por isso, explicita os posicionamentos assumidos no processo (LASCHEFSKI, 2007, p. 51), os quais se pautaram por posturas teóricas e aborda-gens metodológicas associadas à Arqueologia em zonas de conflito, coadunadas com princípios éticos e socialmente responsáveis no que se referem à mediação das questões envolvidas, debruçando-se, a equipe, sobre as racionalidades divergentes/convergentes existentes. Buscou-se igualmente equacionar as diversas linguagens de valoração e atin-gir soluções de interesse comum.

Uma vez comunicado ao empreendedor a respeito da existência do Cemité-rio, deu-se início a formatação da ação emergencial, no intuito de aferir a presença de remanescentes esqueléticos ainda preservados, levada a cabo em um curto período de tempo fornecido à equipe entre dezembro de 2011 e janeiro de 2012. Tornou-se clara a necessidade de se construir um corpus de informações (quer na forma de depoimentos, quer na obtenção de registros escritos), que contribuísse à elucidação dos fatos e no estabelecimento de marcos temporais mais precisos, destarte as dificuldades sabidas (neste local foram enterradas pessoas provenientes de populações rurais, possivelmente iletradas e, via de regra, eclipsadas dos registros escritos oficiais).

Para o estabelecimento da ação emergencial, foram instituídos os seguintes passos:1 Buscar possíveis descendentes com o intuito de identificar afinidades com o cemité-

rio da Fazendinha, levantar narrativas acerca da história local, referências patrimo-niais e identificar pontos de tensão entre os diferentes atores envolvidos, prestando esclarecimentos necessários aos agentes, dado o caráter da ação, com base nas pre-missas da História Oral Temática.217

2 Desenvolver prospecções sistemáticas e intensivas objetivando a localização, delimi-tação e estado de conservação dos sepultamentos ali porventura presentes;

3 Promover ações devotadas ao esclarecimento dos atores envolvidos no que tange ao processo, por meio de reuniões envolvendo comunidade, empreendedor e a Admi-nistração municipal;

4 Estabelecer parceria com a Prefeitura Municipal de Arraias visando a exumação, o translado e o reenterramento dos remanescentes esqueléticos do antigo Cemitério da Fazendinha para o Cemitério Municipal de Arraias.

Apesar da exumação, translado e reenterramento constituírem atribuição le-gal da Prefeitura Municipal de Arraias, a Arqueologia voltou-se às questões bioarqueo-lógicas (BUISKTRA; BECK, 2009), valendo-se de conhecimentos científicos e técni-cas próprias à situação, que resultou na identificação, delimitação e destinação de dois sepultamentos. A equipe permaneceu, ainda, por mais alguns dias para acompanhar o reenterramento a pedido de algumas pessoas da comunidade Lagoa da Pedra.

Conforme plano de trabalho estabelecido, as pesquisas na área do Cemitério da Fazendinha envolveram três linhas de ação, buscando, dentro do cronograma esta-belecido, reduzir impactos negativos sobre a área do cemitério, envolvendo a articulação de premissas de ordem científica, ética e de responsabilidade social empresarial no que tange ao patrimônio cultural material e imaterial das comunidades envolvidas.

O processo permitiu reflexões e norteamentos sobre o desafio de se trabalhar com cemitérios rurais, seu tombamento ou não enquanto sítio arqueológico, as dificul-dades trazidas por diferentes olhares oriundos de arqueólogos com distintas formações e a ética do nosso trabalho, especificamente no âmbito do licenciamento ambiental.

O CONTEXTO DAS AÇÕES

O município de Arraias, com uma população de 10.626 habitantes (IBGE, 2007), está localizado a sudoeste do estado do Tocantins, próximo ao limite com o Estado de Goiás, a cerca de 410 km de Palmas. Suas atividades econômicas baseiam-se na agropecuária e na extração mineral desde o período colonial.

Neste espaço insere-se o Cemitério da Fazendinha e as pessoas que a ele se relacionam. As inúmeras fazendas da região, dentre elas a propriedade denominada Fazendinha, intercaladas por moradias de sitiantes, trabalhadores rurais, povoados e comunidades quilombolas, são devedoras de um processo histórico específico que com-partilha o passado da mineração e da escravidão colonial (APOLINÁRIO, 2007).

Encravada em colinas, a cidade é cerceada por linhas de pedra que acom-panham a sinuosidade do relevo: muros construídos por escravos, que a contornam há mais de dois séculos. Quilombolas e moradores das áreas rurais (que, em geral, guardam grau de parentesco com as comunidades remanescentes de quilombo) são devedores de um processo contínuo de passagens, idas e vindas que caracterizaram a mobilidade colonial e todos os processos migratórios que concorreram a partir desse fenômeno.

A importância de Arraias no quadro regional se vê reduzida apenas após me-ados do século XX com a fundação de Brasília e posterior criação do estado do Tocan-tins. Se, por um lado, as estradas abriram os caminhos do povoamento da região, no século XX passaram a distanciar comunidades dos centros mais dinâmicos, dando-lhe 218

conotação de núcleos “periféricos”. Mesmo assim, a criação da capital federal colaborou para certo fluxo migratório (e emigratório).

Neste contexto, a luta das comunidades remanescentes de quilombo das áreas rurais do município de Arraias fez-se cada vez mais presente. A comunidade de Lagoa da Pedra, localizada próxima ao cemitério da Fazendinha, foi reconhecida em 2004. Alvo de estudos e primeira comunidade quilombola reconhecida do Tocantins, teve suas manifestações culturais (festas e rituais, dentre outras) documentadas por diferen-tes pesquisadores (TESKE, 2006; 2010; JESUS, NASCIMENTO, 2009).

Estas populações rurais mantêm relações diversas com os proprietários das grandes fazendas nas quais estão inseridos, moram ou trabalham (COSTA, 2008), e o caso do cemitério da Fazendinha é exemplo. Muitos dos proprietários permitiam práticas de enterramento no interior de suas propriedades até recentemente, em distân-cias que possibilitavam aos parentes dos falecidos realizarem ritos e cultos. A partir da segunda metade do século XX, com mudanças nas relações de poder entre comunida-des rurais, quilombolas ou não, e os proprietários de terras, estes passam a proibir tais atividades em alguns locais. Apesar disso, continua-se a enterrar em fazendas e em áreas públicas não controladas pelo Estado, mantendo práticas religiosas seculares.

ARQUEOLOGIA EM ZONAS DE CONFLITO: HISTÓRIA ORAL, ÉTICA E PROSPECÇÃO

A ação emergencial desenvolvida no Cemitério da Fazendinha pautou-se por pressupostos teóricos advindos da chamada Arqueologia em Zonas de Conflito ou em áreas de dimensão conflituosa (BARBANTI JR., 2002, p. 5), cujas abordagens têm crescido em diversos países, como apontam estudos realizados por Schofield (2004, 2009), Hardy (2010), Meskell (1998), Defreese (2009), Stone (2009), Funari e Oliveira (2008), Ferreira (2008) e grupos como o Emek Shaveh, composto por arqueólogos atu-antes nas regiões de conflito israelenses.

Diferente, no entanto, das abordagens que giram em torno de conflitos ma-nifestos como guerras, fundamentalismos, soberanias territoriais, regimes totalitários, etc., como são os casos enfocados pelos autores citados, no Brasil a arqueologia em zona de conflitos pode relacionar-se também ao processo de avanço dos grandes empreendi-mentos sob comunidades e seus territórios.

Com o aquecimento da economia no momento atual, empreendimentos têm gerado zonas de conflito ou se tornado pivôs de conflitos de cunho socioambiental, que ganham expressão no bojo dos licenciamentos. Sabe-se, em teoria, que é este um dos “poucos processos em que a participação popular se encontra formalizada, com a institucionalização da consulta pública aos estudos e relatórios ambientais” (LASCHE-FSKI, 2007, p. 40). Conforme a Carta Magna e disposições surgidas a partir dela, o licenciamento pode ser utilizado para prever, mitigar, resolver e mesmo evitar conflitos, atuando como mediador entre os atores envolvidos e suas diferentes linguagens, so-cialmente válidas, e discursos de valoração (ALIER, 2007, p. 14). Apesar disso, sabe-se que os diagnósticos realizados para o licenciamento de obras, na prática, estão muito aquém, e continuam a, reiteradamente, reafirmar posturas colonialistas de não envolvi-mento com as comunidades locais nas tomadas de decisão que afetarão a elas próprias. Relacionados ao contexto capitalista-mercadológico que envolve o menor preço e, mui-tas vezes, um menor investimento na pesquisa, além, claro, da própria formação dos 219

pesquisadores e do olhar para determinadas questões, o licenciamento ambiental tem se tornado um dos grandes palcos de conflitos no país.

É importante ressaltar que o conflito, como pontuou Simmel (THEODO-Simmel (THEODO-RO, 2005, p. 54), não possui conotação negativa, sendo inerente a qualquer sociedade humana que se caracteriza por interesses convergentes e divergentes que se intensificam em seu interior (SILVA, 2005, p. 11). O conflito vem sendo encarado como parte das subjetividades que compõem as linguagens de valoração sobre lugares e territórios, so-cial e politicamente construídos.

Atualmente, conflitos socioambientais têm sido abordados pela Ecologia Po-lítica (LITTLE, 2006; ESCOBAR, 2005) dentro do contexto do licenciamento e da formação de Parques e Unidades de Conservação dos mais diversos tipos previstos pelo SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), no caso brasileiro (ARRU-DA, 1999). Apesar disso, a Arqueologia tem dado contribuições tímidas ao campo, mas, tendo em vista o quadro atual, deve, claro, ser questionada quanto a seu papel no escopo do licenciamento. Questões recentes em torno da ferrovia Transnordesti-na (HATTORI, 2011), da PCH Culuene (FAUSTO, 2002) e das hidrelétricas do rio Tibagi (TOMMASINO; NOELLI; MOTA, 1998) vêm obrigando os arqueólogos a avaliarem a própria práxis. Recentemente, dois cemitérios rurais foram inundados pelas obras da UHE Cana Brava e pela UHE Serra da Mesa, tendo sido acusado o empre-endedor de violar direitos humanos, apesar das prévias demandas e recomendações de exumação e reenterramento acordadas com as famílias, muitas delas pertencentes à comunidade Kalunga. Estudos arqueológicos foram desenvolvidos nessas UHEs, mas os cemitérios rurais não foram encarados como do escopo da Arqueologia.

Para Ferreira (2008), não podemos nos furtar dos conflitos sociais, pois se as identidades culturais ainda trazem marcas e sinais do nacionalismo e do colonialismo, o trabalho arqueológico implica responsabilidade social e engajamento político. No mundo da economia global, como pondera Hodder (2002), as questões e problemas arqueológicos não devem impor-se verticalmente; os arqueólogos têm obrigação ética de partilhá-las e negociá-las com os interesses dos diversos grupos de uma comunidade.

Só assim a Arqueologia poderia contribuir com o desafio da valoração e com tensões e conflitos envolvendo o valor subjetivo de uso e os danos simbólicos causados por empreendimentos de grande escala, já que oferece alternativas às buscas tradicionais de soluções que se dão apenas através de escolhas de caráter exclusivamente econômico, político ou ecológico (SILVA, 2005, p. 11). Acolhendo diversidade e transversalidade, a Arqueologia realizada em torno de questões conflituosas, sejam prementes ou laten-tes, pode ganhar o status de representante de princípios que regem direitos humanos e agente de transformação social (MUSZKAT, 2008, p. 16) no escopo das políticas que os empreendimentos, hoje, vêm adotando para minimizar impactos socioambientais.

O respeito aos diferentes interesses manifestos no processo, não apenas das po-pulações envolvidas, mas dos demais atores sociais, serviu como pano de fundo às ações emergenciais promovidas pela equipe, pautadas, deste modo, por abordagens oferecidas pelas teorias de alteridade (SAID, 2001; BHABHA, 2003; HALL, 2003). A lógica da diferença e da representação do outro respaldou as ações, e calibrou o olhar para o respeito aos regimes de verdade dos diferentes sujeitos. Arqueólogos estão sempre lidando com o patrimônio do outro e esta situação, para Bezerra (2007), demanda um constante estado de alerta para a compreensão da intrincada rede de relações na qual o patrimônio está inserido, em especial nos contextos de licenciamento. 220

A Arqueologia, aqui, está sendo vista, portanto, como prática política (FER-REIRA; FUNARI, 2009), implicando na percepção dos sujeitos envolvidos nas rela-ções e no reconhecimento do uso do passado como um caminho para o fortalecimento das comunidades com as quais se lida durante as pesquisas arqueológicas. Isto deve ocorrer a partir de um processo contínuo de negociação para o qual a Arqueologia dis-põe de alguns instrumentos interessantes de mediação (PYBURN; BEZERRA, 2006).

No âmbito da ação emergencial no Cemitério da Fazendinha, a Arqueologia bus-cou dialogar com instrumentos e estratégias de sustentabilidade socioambiental em contex-to capitalista. Acredita-se ser possível ao arqueólogo contribuir, através do incremento da coesão social, com questões éticas no âmbito das diferenças entre diversos grupos sociais na compreensão e na valorização do passado (FUNARI; ROBHRAN-GONZALEZ, 2008).

PROCEDIMENTOS PARA O LEVANTAMENTO DOS ATORES A PARTIR DA HISTÓRIA ORAL TEMÁTICA

Os procedimentos levados a cabo a partir da perspectiva da História Oral Temática objetivaram localizar possíveis descendentes, no intuito de identificar afini-dades e relações de pertencimento com o Cemitério da Fazendinha, levantar narrativas acerca da história local, referências patrimoniais e identificar pontos de tensão entre os diferentes atores envolvidos.

A escolha por um método qualitativo como este tem se revelado particular-mente eficaz em áreas exploratórias, especialmente em campos temáticos, onde inexis-tem fontes de informações acessíveis e organizadas. Van Maanen (1985) afirma que os métodos qualitativos envolvem técnicas interpretativas que procuram descrever os significados – não a frequência – de certos fenômenos que ocorrem no mundo social.

A identificação e análise dos atores sociais envolvidos têm sido elemento fun-damental para o estudo de conflitos socioambientais, tema bastante debatido nos úl-timos dez anos. Tal abordagem busca explicitar interesses específicos de cada ator, se-guido do levantamento das interações entre cada um deles. Alguns autores trabalham com uma etnografia do contexto (LITTLE, 2006), outros têm utilizado como análise a teoria de jogos e a teoria do drama (HOWARD, 1992; BRYANT, 1998; BARBANTI JR, 2001; BREDARIOL, 2001).

Parte-se, ainda, do pressuposto de campo definido por Bourdieu (1990) como um espaço onde se manifestam relações de poder, estruturado a partir da distribuição desigual de “capital simbólico” determinante à posição ocupada pelo agente específico. Autores como Zhouri (2001) e Zucarelli (2006), utilizando esses conceitos, definem o campo ambiental como um espaço de conflito, no qual diferentes ideias, valores e re-presentações sobre o ambiente, enunciadas por segmentos sociais distintos, se opõem e disputam reconhecimento e legitimidade.

Levando-se em conta o caráter emergencial das ações voltadas a questão cemi-terial, optou-se pelo levantamento de atores a partir da metodologia mencionada, com o intuito de analisar diferentes visões de mundo sobre o cemitério, relações territoriais e suas problemáticas, e identificar atores envolvidos no processo. Para isso, recentemen-te, trabalhos de arqueologia tem incorporado o uso da História Oral com o intuito de incorporar as diferentes leituras do passado das comunidades para a interpretação dos vestígios arqueológicos (BECK, SOMMERVILLE, 2005; WHITELEY, 2002; ECHKO-HAWK, 2000).221

Para a ação arqueológica, foram adotadas as prerrogativas do gênero da História Oral Temática, na qual a entrevista tem caráter temático e é realizada com grupo de pessoas sobre assunto específico. A entrevista, que tem característica de depoimento, não abrange, necessariamente, toda a existência do informante. Assim, optou-se por um trabalho que direcionasse as questões postas aos entrevistados sobre a área cemiterial da Fazendinha.

Para Meihy (2005), os trabalhos em história oral, independente do gênero, devem seguir alguns procedimentos e princípios, tais como: projeto, a escolha das co-lônias4, a formação de rede, a entrevista, o processo de transcriação, a conferência, o uso autorizado dos textos e o arquivamento dos depoimentos (CAMPOS, CAMPOS, 1976). Nesta abordagem, a coleta dos dados orais é realizada por meio da entrevista – conversa entre narrador e pesquisador. Seus produtos, as narrativas orais, constituem a principal fonte de pesquisa, pois contém o relato e a experiência de vida em que o narrador presta testemunho sobre uma determinada situação.

Pollak (1992) e Bosi (1994) atentam ao fato de que quando se trabalha com essa metodologia há o desafio de como interpretar o material. Não deve se perder de vista o fato de que a memória pessoal é, ao mesmo tempo, uma memória social, familiar e grupal.

PROCEDIMENTOS PARA MEDIAÇÃO

Para aplicação dos procedimentos de mediação, a equipe de Arqueologia par-tiu de premissas básicas à práxis do processo em curso, como rigor, abertura, alterida-de e clareza, para esclarecer de maneira objetiva e linguagem apropriada as questões envolvidas (menos competitiva e rivalizante) e os procedimentos tomados, e a serem tomados, junto a todos os atores envolvidos.

Para propor soluções à questão da área cemiterial, optou-se pela metodologia de reuniões, sempre frente a frente com os envolvidos (evitando-se contatos por e-mail ou telefo-nes), em locais menos formais (escolas, casas, campo, etc.), com membros representativos dos atores sociais (comunidade, empreendedor e prefeitura). Partiu-se sempre do pressuposto de que a lógica formal seria de pouca utilidade se não fosse considerada a existência de discursos não expressos (interesses) junto daqueles discursos manifestos (posição) (MUSZKAT, 2008, p. 28). Para tal, foi necessário, a fim de metabolizar estratégias reflexivas, que a dinâmica de encontros esclarecesse informações que girassem em torno do contexto sociohistórico do evento, dos agentes coletivos do processo, das formas de articulação dos grupos sociais, e seus posicionamentos, e das formas de interpretação que os agentes possuíam.

Após estudos prévios, percebeu-se que o destino do Cemitério da Fazendinha girava em torno de um conflito percebido e potencial: o primeiro configura-se quando são percebidos e compreendidos os diferentes objetivos em torno da questão e quan-do existe a possibilidade de interferência de um mediador (CHIAVENATO, 2006, p. 210); e o segundo quando se levanta a possibilidade da ocorrência de um confronto imi-nente (KAKABADSE, 2002 apud THEODORO, 2005, p. 50). O objetivo da equipe de arqueologia era assumir papéis integradores e de ligação a fim de traçar objetivos comuns em torno do destino da área cemiterial (CHIAVENATO, 2006, p. 211-2).

PROCEDIMENTOS PARA PROSPECÇÃO NA ÁREA CEMITERIAL

Para o desenvolvimento das pesquisas arqueológicas na área cemiterial, optou-se por prospecção do tipo sistemática intensiva, julgada a mais adequada, tendo em vista as 222

disponibilidades de tempo e recursos no escopo de uma ação emergencial, visando a locali-zação, espacialização e caracterização dos possíveis sepultamentos ainda preservados na área (CARVALHO, 2007; BICHO, 2011).

A ação emergencial, porém, conjugou abordagens oportunísticas e probabilís-ticas do tipo amostral (prospecções intensivas) (ORTON, 2000). Deste modo, além da malha regular de intervenções, foram abertas sondagens em locais em que se julgava provável a existência de sepultamentos devido a marcadores em cota positiva (acúmulo de blocos de rochas, saliências, mudanças na coloração do sedimento em superfície, presença de cruzes, estruturas tumulares, etc.). Ressalta-se que além das informações orais e de uma pequena estrutura de pedras, não havia nenhuma outra evidencia mate-rial da existência do cemitério.

Novamente foi o caráter emergencial da ação que norteou a metodologia a ser aplicada, pautada por método amostral, já que tem, certamente, a vantagem de otimi-zar o tempo disponível, custos e o esforço gasto na investigação. A malha regular, por outro lado, permite modulações e é bastante orgânica, como, por exemplo, no caso de redução das distâncias entre as intervenções caso fosse localizado algum sepultamento. As intervenções cessariam quando da localização de indícios de sepultamentos, sendo, a partir daí, a exumação realizada por funcionário da administração municipal devida-mente autorizado (coveiro).

Com base nesta metodologia, foi elaborado um protocolo de atividades, para implantação de malha padronizada na área cemiterial, com a realização de sondagens em malha de 4m com 0,5 x 0,5m (sendo estreitada ocasionalmente) com profundidade a determinar pela localização dos sepultamentos, abertura de áreas de aprofundamento para exumação, translado e reenterramento.

ATIVIDADES REALIZADAS, ENTREVISTAS TEMÁTICAS E LEVANTAMENTO DOS ATORES ENVOLVIDOS

Com o intuito de levantar outras fontes para embasamento à pesquisa e ações pertinentes voltados à avaliação de área cemiterial, foi realizada uma etapa de coleta de depoimentos em dezembro de 2011.O levantamento realizado teve por objetivos: 1. Buscar possíveis descendentes com o intuito de identificar afinidades e/ou relações

de parentesco com a área cemiterial da Fazendinha;2. Levantar narrativas acerca da história local e referências patrimoniais;3. Obter documentação sobre a Fazendinha;4. Identificar pontos de tensão entre os diferentes atores envolvidos (este envolveu as

reuniões e entrevistas)

Anteriormente, durante os trabalhos de campo realizados em outubro de 2011, deu-se a busca, nas imediações, por antigos moradores que pudessem prestar de-poimentos, confirmando ou não a hipótese estabelecida a partir das fugazes evidências materiais observadas em superfície. A localização de depoentes não se deu com facilida-de, visto não contarmos mais com moradores no entorno do local ou mesmo eventuais ex-proprietários\ocupantes de imóvel próximo já abandonado. Apenas um depoente foi identificado em 2011, o Sr. Francisco Costa Santos, conhecido como “Chico Lenço” (57 anos), vaqueiro, morador da Fazendinha, que relatou que, quando criança, no local, 223

até então, potencial para a área cemiterial, existiam “muitas cruzetas em pé por lá” e, que o cemitério “provavelmente” teria mais de 100 anos. Ainda segundo o Sr. Santos, o local era conhecido como “Terra da Santa”, provavelmente em louvor à Nossa Senhora dos Remédios, padroeira da cidade. Questionado sobre a possibilidade de obtermos novos depoimentos, o Sr. Francisco disse ser muito difícil localizar eventuais parentes dos mortos ali sepultados: “já não moram mais na região”.

Com base nestas informações definimos como colônia a própria cidade de Ar-raias. Para a rede, uma subdivisão da colônia, que funciona como indicativo de como as entrevistas devem ser articuladas, definimos dois caminhos, totalizando nove colabora-dores: pessoas indicadas pelo “marco zero”5, o sr. Francisco Costa Santos, e pessoas que nos procuraram com o intuito de esclarecimentos sobre os trabalhos de Arqueologia e que são lideranças e formadores de opinião.

Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, baseada em roteiro com temas relativos à região da Fazendinha. Cabe ressaltar que, em alguns casos, mais de uma pessoa participou da entrevista, o que certamente direcionou e influenciou algumas discussões. Foram desenvolvidas entrevistas que permearam os temas como a relação do colaborador com o tempo de vida no território em questão, a morte nas comu-nidades rurais, as referências patrimoniais e o próprio cemitério da Fazendinha.

Os resultados obtidos nos legaram importantes informações sobre os proces-sos históricos ali vivenciados e possibilitaram orientar todas as ações posteriores que envolveram as intervenções na área cemiterial. O uso da História Oral Temática inseriu as diferentes narrativas com relação ao local e as relações de pertencimento das comu-nidades do entorno para que um trabalho posterior pudesse ser realizado com base em pressupostos éticos da Arqueologia enquanto ciência social comprometida com o presente (GONZALEZ-RUIBAL, 2006).

Conforme testemunhos, o cemitério da Fazendinha foi utilizado pelas pessoas da região e não somente pelos moradores da propriedade rural e esteve ativo por pelo menos 20 anos (entre 1926 a 1948). Segundo o Sr. Francisco (Chico Lenço), aproxima-damente 20 pessoas estariam enterradas no local. No entanto, considerando a “exclusi-vidade” do cemitério durante o período e os nomes de pessoas que foram enterradas na área (avó e avô de Maria Pereira Bispo e Izabel Pereira Bispo, José Glória, Felipe Neri, Raizada, duas crianças – filhos da Eulália, Sra. Sabina e vizinhos do pai), deveria haver, provavelmente, mais sepultamentos.

Para a Sra. Maria Pereira trata-se, ainda, de um cemitério antigo, pois quando o pai chegou ao local em 1926, o cemitério já existia. Para ela é do “tempo da escravi-dão”, pois quando morava na fazenda do Tonhão “[...] havia uma casarona, vasos, cerca de pedra, tinha tudo que é coisa de escravidão”.

O Sr. Pereira Bispo, instalou-se na fazenda do Tonhão a trabalho. Ali, viviam muitas pessoas no entorno; os vizinhos e os pais dele foram todos enterrados na Fazen-dinha. No entanto, ele nunca levou suas filhas, Izabel e Maria ao cemitério e, portanto, as mesmas não sabiam o local exato do enterramento. O último proprietário da Fa-zendinha, o Sr. Alfredo Martinelli, viveu no local durante cinco anos e não sabia que havia um cemitério na fazenda. O nome “Fazendinha” foi dado pelo padre Pedrocílio à propriedade e mantido pelo Sr. Martinelli. Ele garante que desde 1989 ninguém fora enterrado no local.

Com o intuito de encontrar informações sobre os antigos proprietários, bus-camos o cartório da cidade de Arraias para encontrar a documentação da propriedade. 224

No entanto, como o processo de regularização de terras é bastante recente, realizada pelo Instituto de Terras do Estado do Tocantins (ITERTINS), o histórico de compra e venda da propriedade não abrangeu um grande escopo temporal. No entanto, as in-formações orais dos colaboradores possibilitaram recuar um pouco mais sua trajetória.

O histórico desse cemitério aponta para uma configuração e prática específica presente na região. Ao contrário das afirmações de “vazio demográfico”, com exten-sas propriedades, há grande quantidade de pessoas que vivem na localidade. Segundo Costa (2008), importa lembrar que, após o fim da mineração, outras relações sociais surgiram em torno das atividades agropastoris entre fazendeiros, vaqueiros, agregados das lavouras, tropeiros e seus auxiliares, chamados “camaradas”.

Até hoje, muitos na área da Fazendinha são vaqueiros e vivem nas fazendas. Essa população construiu símbolos, significados e lógicas próprias sobre si e sobre a região, manifestadas em todas as esferas de sua vida, desde o trabalho, a família, o lazer até as relações com o sagrado.

Destarte a relação direta que as senhoras Maria e Izabel Pereira Bispo possuem com o cemitério da Fazendinha, tendo seus avós enterrados no local, há uma memória coletiva do local, já que se trata de parte do processo de configuração das comunidades rurais e, embora inseridas em propriedade particular, como é o caso da gruta Furna Lapa do Bom Jesus, os demais cemitérios que fazem parte do circuito do sagrado, como os do Urubu, Boa Esperança e Canabrava, são territórios de uso da comunidade. Como se pode notar, o território em questão envolve apropriações dos muitos grupos que vi-veram e ainda vivem ali, tornados lugares significativos segundo lógicas particulares do lugar (ZEDEÑO, BOWSER, 2009).

MEDIAÇÃO

As ações de mediação foram divididas em três momentos: aquelas realizadas em campo, em dezembro de 2011, as realizadas após o retorno da equipe para o pla-nejamento estratégico de intervenção propriamente dito, entre dezembro e janeiro de 2012, e as realizadas novamente em campo, concomitantes às ações no cemitério.

Tendo em vista as tensões envolvidas em todo o processo de licenciamento ambiental e as questões postas à Arqueologia, foram realizadas, em dezembro de 2011, cinco reuniões com diferentes atores (Itafós Mineração, Secretaria Municipal de Edu-cação, Escola Municipal, Universidade Federal, lideranças da Comunidade Lagoa da Pedra e a Prefeitura Municipal) para identificação de pontos de tensão, discussão e esclarecimentos em relação ao trabalho arqueológico e sua inserção no processo.

Conforme a metodologia adotada, durante o andamento da etapa de prospec-ção, foram desenvolvidas medidas de mediação para esclarecimentos e identificação de pontos de tensão no âmbito do processo do licenciamento arqueológico e quanto aos trabalhos no Cemitério da Fazendinha, envolvendo reuniões com a Prefeitura e o em-preendedor no que diz respeito aos papéis e responsabilidades de cada um durante os procedimentos de exumação, translado e reenterramento dos indivíduos identificados, no Cemitério Municipal de Arraias, além dos encaminhamentos legais em interação com a Assessoria Jurídica da Prefeitura. Foram realizadas 14 reuniões abarcando dis-tintas temáticas, envolvendo cerca de 50 pessoas (Comunidade de Lagoa da Pedra, Ita-fós Mineração, Prefeitura Municipal e Secretarias de Desenvolvimento Urbano, Meio Ambiente e Cultura). 225

Os temas giraram em torno das tratativas para a exumação e reenterramento, do esclarecimento da atuação da Arqueologia no processo de licenciamento ambiental e do meio socioeconômico, do papel dos diferentes órgãos federais e estaduais envolvidos, da evolução das intervenções no cemitério. Foi também esclarecido à comunidade sobre o empreendimento, pois inúmeras foram as queixas da falta de clareza na explicação do processo e dos possíveis impactos, as relações que poderiam ser estabelecidas assim como alguns dos direitos e deveres das partes envolvidas. A comunidade de Lagoa da Pedra, que usufrui dos serviços de uma universidade multicampi em Arraias, onde muitos cursam graduação em Matemática ou Pedagogia, já havia acessado o EIA, pondo à equipe inúmeras questões. Ressalta-se o acompanhamento, no dia 18 de janeiro, da Sra. Maria Inácia Antônio de Farias, liderança da Comunidade Lagoa da Pedra, às escavações.

IDENTIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES DE PERTENCIMENTO

Os trabalhos realizados durante a etapa de História Oral temática identifica-ram que o Cemitério da Fazendinha fazia parte de toda uma rede de áreas “sagradas”, envolvendo outros cemitérios e uma gruta, a Furna Lapa do Bom Jesus, ainda bastante vivas na memória coletiva da população rural da área envoltória. Ressalta-se o fato de que a Furna Lapa do Bom Jesus ainda é utilizada pelas comunidades rurais e pela ci-dade de Arraias e tem um papel fundamental enquanto patrimônio imaterial e natural da região.

Foi diagnosticado, assim, que, diferentemente de práticas funerárias conhe-cidas e\ou apresentadas na literatura, a população da região relaciona-se mais com um território sagrado, o cemitério, composto por diversos sepultamentos, do que com um enterramento em específico, consanguineamente relacionado a si. O cemitério da Fa-zendinha fazia parte, assim, de uma gama de aspectos da memória coletiva local que torna o lugar e o território uma categoria importante para construção da identidade e reprodução social (ZEDEÑO, 2008).

A perda do referencial exato da localização dos cemitérios mais antigos (de gerações de avós, bisavós e anteriores), como o da Fazendinha, não diminui sua im-portância para as comunidades do entorno e que com ele se relacionam. Só confirma a importância do lugar, neste quesito, enquanto categoria do sagrado, e a importância do conjunto de enterramentos (e não de um ou outro isoladamente).

O cemitério da Fazendinha compõe uma genealogia de cemitérios, utilizados pela população da região em áreas pré-determinadas segundo razões específicas e que abarcavam não apenas uma comunidade, mas toda uma região, até que, também por razões específicas, eram abandonados. Ocupavam, como ocupam hoje, áreas particu-lares, relativamente distantes, para que o acesso ao mesmo fosse acompanhado pela procissão, um longo caminhar do morto, na mortalha, com seus entes queridos, tal qual um calvário.

Essas distâncias percorridas acompanham diferentes manifestações, descritas por Teske (2010) em suas pesquisas sobre as práticas culturais da Comunidade Lagoa da Pedra. Sobre os enterramentos, o autor ressalta que neste caminhar com o morto, porteiras se abrem quando o espírito está preparado para o sepultamento ou o caixão se torna extremamente pesado quando o mesmo não está. Estas relações com os mortos, os espíritos e a área dos mortos podem ser percebidas a todo o momento na região. A Sra. 226

Lucrécia, por exemplo, oleira que chegou à Fazendinha em 1972 como cozinheira do padre Pedrocílio, afirma não se lembrar do Cemitério da Fazendinha por evitar entrar em cemitérios onde, de maneira geral, “a língua adormece”.

O Cemitério da Fazendinha, em uso pelo menos até os anos 1950, fora suce-dido pelo Cemitério do Urubu, segundo os relatos orais. Ambos fazem parte do passado da população da região, com destaque para sua ligação com a história e a memória das comunidades quilombolas ali localizadas, a exemplo da própria Lagoa da Pedra, uma vez que muitos foram os conhecidos e parentes de moradores ali sepultados.

Com o levantamento destas relações de parentesco foi possível notar que o cemitério apresenta forte relação com o passado quilombola da região e por isso vivo, enquanto lugar, na memória da maioria dos moradores. Mostra, por exemplo, que uma das pessoas cujos avós foram sepultados no cemitério da Fazendinha, em 1948, é pri-ma de uma das principais lideranças quilombolas. Ficou claro, ainda, a sucessão dos cemitérios e das diferentes gerações, o mais antigo o da Fazendinha, seguidos pelo do Urubu e da Boa Esperança. Percebeu-se também a impossibilidade de traçar a relação direta entre um sepultamento e um parente vivo, já que a localização dos primeiros era menos importante do que da área cemiterial em si. Os entes queridos falecidos ali estavam, naquele espaço, naquele polígono, sem necessariamente ser relevante a exata localização do “jazigo”.

Características comunitárias típicas das comunidades quilombolas e de popu-lações rurais, somadas a suas formas específicas de sociabilização, constroem a lógica e a ética que rege a relação destas pessoas com o cemitério antigo enquanto lugar significa-tivo importante dentro da esfera do sagrado (e não necessariamente com este ou aquele túmulo). Mesmo porque, sendo as cruzes produzidas em madeira e os enterramentos geralmente feitos em mortalhas, sem marcos visíveis, a referência espacial, mesmo na memória dos envolvidos diretamente no enterro, se reconstrói dinamicamente.

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO REFLEXIVO

Com os dados obtidos pelas atividades desenvolvidas durante a etapa de His-tória Oral Temática, em dezembro de 2011, a equipe deu andamento ao planejamen-to das intervenções na área cemiterial em apreço. Uma vez que todo o planejamento pautou-se pela constante retroalimentação de informações, os novos dados conduziram a reorientações da própria estratégia de intervenção.

Durante este período, julgou-se pertinente o debruçar-se sobre reflexões que objetivariam o equacionamento da questão e o aprofundamento do conhecimento a respeito do local, a fim de serem definidas as medidas compatíveis de salvaguarda.

Foram pontuados aspectos relacionados à competência, ética e questões legais. Quanto a competência, de forma bastante sumária, é de pleno domínio da Arqueologia lidar com o aspecto da morte nos mais diversos contextos, lugares e cronologias. É vasta a literatura produzida a respeito e as especificidades técnicas no que se refere ao proces-so de escavação e interpretação dos dados oriundos de sítios funerários (MENDONÇA DE SOUZA et al., 2013).

Quanto à ética, é ampla a discussão travada a respeito da postura que o arque-ólogo deve manter em relação a locais sagrados e de forte apelo simbólico, no que tan-ge às intervenções, sobretudo, no caso de eventualmente existirem sepultamentos que possam guardar vínculos com membros de uma determinada comunidade ao seu redor 227

e, portanto, eivada de laços afetivos, sejam por parentesco direto ou indireto, consan-guinidade e outros. Qualquer ação voltada à exumação de remanescentes esqueléticos humanos neste sentido – neste caso um cemitério abandonado, ganha um caráter de “profanação” e, só poderia se dar com a plena anuência dos envolvidos e preferencial-mente, de forma participativa, conforme diretrizes do IPHAN e das sociedades cientí-ficas as quais a Arqueologia está ligada (ZANETTINI ARQUEOLOGIA, 2012).

Quanto ao jurídico, intervir em cemitérios (ativos ou abandonados) extrapola completamente os limites de competência da Arqueologia propriamente dita, consti-tuindo esta uma matéria jurídica específica, sendo necessários procedimentos legais, publicação de proclamas, bem como a presença de peritos\profissionais devidamente autorizados para a exumação, a fim de promover o reenterramento em local adequado (ZANETTINI ARQUEOLOGIA, 2012).

Vale salientar mais uma vez, que existem contextos (tanto no Brasil como no exterior) onde esta lógica se altera, podendo ocorrer, a interação entre arqueólogos e as ciências forenses (HUNTER; COX, 2005). Um bom exemplo tem sido o da própria Arqueologia Forense, incipiente no Brasil, cujo objetivo versa sobre a aplicação de pa-radigmas, teorias e metodologias da Arqueologia aos contextos forenses (HAGLUND, 2001), e do mais estruturado campo latino-americano da Arqueologia da Repressão e da Resistência, voltado à localização de pessoas desaparecidas em regimes de exceção, onde a contribuição do arqueólogo com seus métodos e técnicas auxilia na busca e identificação de cidadãos desaparecidos (presos políticos mortos nos regimes de exceção argentinos e uruguaios; massacres no continente africano, dentre outros) (FUNARI; ZARANKIN; REIS, 2008).

Com base nestes pressupostos, a partir de dezembro de 2011 a equipe de-bruçou-se sobre as questões metodológicas intrinsecamente relacionadas à logística de campo, gestão de pessoal, além dos pontos éticos, científicos e de responsabilidade social a serem observados, não apenas na consolidação das ideias como em sua imple-mentação prática. Somando-se tempo, pessoal, recursos e condicionantes climáticas, foi composta uma equipe de quatro arqueólogos (sendo uma bioarqueóloga) e 10 auxiliares de campo, para aplicar, a princípio, a malha de prospecção planejada.

Ficou igualmente estabelecido, após consultas à comunidade, reuniões inter-nas, consultas a especialistas na temática e ao empreendedor, e uma vez que a área cemiterial não seria cadastrada enquanto “sítio arqueológico”, que a responsabilidade da equipe de arqueologia cessaria quando da localização e documentação, in loco, de possíveis sepultamentos, ficando a exumação, translado e reenterramento a cargo da Prefeitura Municipal de Arraias. Importa ressaltar que os arqueólogos não são os únicos com interesses no passado material e nos remanescentes humanos de populações e arte-fatos que, por vezes, são considerados puramente “material arqueológico”, outros agen-tes consideram parte de sua própria herança cultural. Uma vez localizadas pessoas que tinham seus parentes enterrados no cemitério e identificado que a área rural do entorno relacionava-se de algum modo com memórias sobre cemitério e das pessoas ali sepulta-das, optou-se em não alçar o Cemitério da Fazendinha à categoria de “sítio” – domínio técnico específico, que transformaria os remanescentes esqueléticos em acervo.

Foram concomitantemente pontuados os principais aspectos da ação com o empreendedor, a Itafós Mineração Ltda., bem como dado start ao acordo com a Pre-feitura Municipal de Arraias através de contato direto com o Prefeito em consulta ao Assessor Jurídico municipal, ainda em dezembro de 2011. Foi igualmente dada conti- 228

nuidade às relações estabelecidas com os diferentes grupos que compõem um dos agen-tes identificados, a “comunidade”. Deu-se prosseguimento, assim, aos contatos com a ONG Viva Arraias, com a Comunidade Quilombola de Lagoa da Pedra e com profes-sores da Universidade Federal do Tocantins.

ETAPA DE PROSPECÇÃO NO CEMITÉRIO DA FAZENDINHA

Durante todo o processo, a metodologia de prospecção fora retroalimentada pelas questões que se colocaram pelo próprio terreno em exame, a partir da adaptação de uma malha inicial de sondagens de 4x4m, tarefa desenvolvida entre os dias 4 e 19 de janeiro de 2012. A malha foi aplicada e irradiada a partir da única estrutura tumular formada por blocos de pedra seca irregulares, junto à qual se contava com duas cruzes de aroeira calcinadas.

Figura 1: Estrutura tumular em alvenaria de pedra secaFonte: Zanettini Arqueologia (2012).

Após a aplicação da malha, planejada inicialmente no interior de um polígono anteriormente determinado de 2 mil m2 (aproximadamente 40x50m), foram abertas sondagens ao redor da área delimitada, quando possível, a cada 8m. Por fim, no en-torno da estrutura tumular foi aplicada uma malha com intervalação de 2 metros, que resultou na localização de um sepultamento. Foram ainda abertas sondagens de cunho oportunístico em áreas aparentemente propícias a conterem sepultamentos, ante a ob-servação das feições ali presentes. Por fim, com objetivo de compreender a configuração estratigráfica do terreno fora aberta uma trincheira de 32,5m, no sentido norte-sul, cortando a área definida para a intervenção. 229

Uma vez que o sepultamento no interior da estrutura tumular atingiu 1,50m de profundidade (literalmente a “sete palmos”), foram aprofundadas algumas sondagens. As sondagens inicialmente abertas partiram do pressuposto de que os enterramentos só poderiam estar acima do sedimento rico em fosfato que forma o embasamento de toda a área. Entretanto, após a localização do sepultamento na es-trutura tumular a uma profundidade superior àquela esperada, a estratégia foi revista e providenciado o aprofundamento de todas as intervenções objetivando atingir a matriz rochosa. O total de intervenções realizadas na área do Cemitério da Fazen-dinha foi de 109 sondagens e uma trincheira. O plano prospectivo final pode ser observado na Figura 2.

Figura 2: Plano de atividades desenvolvidas na prospecção Fonte: Zanettini Arqueologia (2012).

As intervenções sugerem que o cemitério guarda relação espacial com o rio Bezerra e sua cachoeira, tanto como ponto de orientação como pelo uso da feição do-liforme do relevo cárstico que caracteriza a região. O Cemitério da Fazendinha está implantado em terraço fluvial seco em base de encosta, composto por sedimentos are-nosos que foram aproveitados pela população para a abertura de covas, uma vez que o restante do terreno possui rochas aflorantes. Devido a isto, foi possível observar, com certa facilidade, a variação na coloração dos sedimentos e identificar as marcas de esca-vação derivadas da abertura das covas no passado. O desenho ilustrativo, esquemático, abaixo, representa o relevo e a inserção do cemitério na paisagem local.

230

Figura 3: Croqui esquemático com a representação do Cemitério da Fazendinha Fonte: Zanettini Arqueologia (2012).

O sepultamento 1 fora localizado a partir de uma marca de cova observada no perfil de uma das sondagens, optando-se, assim, por uma expansão desta intervenção. A prospecção retirou o sedimento inicial resultante da abertura da cova, caracterizado por sedimento arenoso e pouco compactado, devido, justamente, seu uso para preen-chimento do buraco que marcava a cova. A aproximadamente 1,20m de profundidade localizou-se o crânio, visualizada parte do osso frontal.

Juntamente com a presença de funcionário do cemitério Municipal de Ar-raias, foi aberta uma área de formato retangular, de 3,50 x 1,65m, com escalonamento interno para exumação do esqueleto. Com a abertura da área, a equipe de Arqueologia pode observar mais claramente a marca da cova (aproximadamente 2,20m de compri-mento por 0,65m de largura), entrando no sedimento fosfórico a aproximadamente 0,5m de profundidade, seguindo até abaixo do corpo.

O sepultamento 1 correspondia a um indivíduo adulto, do sexo masculino, e já não apresentava tecidos moles, cabelos ou unhas. Foi enterrado em decúbito dorsal, com pernas estendidas em paralelo, sendo que o crânio estava orientado para a cacho-eira do rio Bezerra. Os membros superiores estavam hiperfletidos, com os úmeros es-tendidos (paralelos ao tronco) e o rádio e a ulna dobrados sobre o úmero, sendo que as mãos estavam próximas da epífise proximal do úmero. Os pés estavam um ao lado do outro, com falanges apontando para a superfície, indicando que o corpo fora sepultado envolto em algo como uma rede (corroborando para as informações orais) ou mortalha.

Possuía roupas em estado médio de preservação que, pela aparência, pareciam ser de terno. Os botões de plástico do paletó indicam que provavelmente a data do óbito deu-se pós-Segunda Guerra Mundial, entre os anos 1960-1970, informações que corroboram com a data de uso estimado para o cemitério. Aparentemente, o indivíduo fora sepultado sem os calçados, somente com meias, como é bastante comum em áreas rurais no Brasil.

Apesar dos ossos estarem em ótimo estado de preservação, praticamente intei-ros, optou-se por peneirar todo o sedimento retirado do entorno do esqueleto para que se evitasse qualquer perda de partes ósseas desconectadas. Foram retirados durante este processo alguns fragmentos, como falanges.

O sepultamento 2 estava localizado no interior da estrutura tumular próxi-ma das cruzes de aroeira que caracterizavam, junto dos relatos orais, o local enquanto cemitério. Inicialmente, fora aberta sondagem com 1 x 0,5m, que atingiu 1,30 m de profundidade, sem a localização de qualquer fragmento ósseo. A equipe realizou, então, uma tradagem para averiguação, quando, a 1,60m de profundidade, foram retirados dois fragmentos ósseos que compunham a mesma parte anatômica (ulna). 231

Ao observarem-se os perfis Norte e Sul da sondagem, notou-se que o comportamento ali observado, um corte vertical com mudança acentuada de coloração de sedimento, referia-se a uma marca de cova.

No dia seguinte, as paredes N, S e W da estrutura tumular de pedras jus-tapostas foram desmontadas para a retirada do sepultamento, sob acompanhamento do funcionário do Cemitério Municipal de Arraias. Com a abertura da Trincheira 1 (sentido N-S), próxima a estrutura de perda, foi possível observar que a mesma não pos-suía embasamento e que fora construída apenas pela sobreposição de blocos de rocha a partir da superfície.

Para a retirada do esqueleto foi aberta uma área de aprofundamento para a exumação de 2,90 x 2,20m, com interior escalonado. Há 1,40m de profundidade foi encontrado o crânio e os pés, sendo que o restante do corpo estava aproximadamente 0,1m mais abaixo, até 1,50-1,60m de profundidade.

Os remanescentes ósseos indicaram tratar-se de indivíduo adulto, do sexo fe-minino, enterrado em decúbito dorsal, com os membros superiores hiperfletidos, úme-ros estendidos paralelos ao corpo e o antebraço fletido sobre o tórax. Já os membros inferiores e os pés encontravam-se estendidos, sugerindo um enterramento realizado em caixão.

Este sepultamento fora enterrado em cova de 1,84 de comprimento, com lar-gura variando entre 0,55m na parte maior e 0,3m na parte menor. Esta variação, que dava uma aparência trapezoidal a marca observada, era na verdade resultante do forma-to do caixão, cuja confirmação material deu-se com o peneiramento do sedimento que envolvia o esqueleto (para afastar qualquer possibilidade de perda de partes anatômicas do mesmo) onde foram encontrados fragmentos de madeira e pequenos pregos.

Apesar da adoção do caixão, o processo de deterioração e conservação dos remanescentes apresentou-se menor em relação ao outro sepultamento identificado, sendo estabelecidas duas hipóteses a respeito: a) a estrutura tumular de pedra atuou com um “vaso”, acumulando material orgânico que propiciou o estabelecimento de vegetação de maior porte e raízes maiores e mais profundas, e o acúmulo de água, que colaboraram na aceleração dos processos tafonômicos; e b) este era um indivíduo mais antigo que aquele localizado no sepultamento 1, mais suscetível às implicações de pro-cessos de decomposição do esqueleto.

Outros diferenciais deste enterramento foram a presença das cruzes de aroeira, do caixão e da estrutura de pedra, confirmando a informação oral do vaqueiro Chico Lenço, morador do local, referente a este ser enterramento que despendeu maior gasto de energia porque a pessoa ali sepultada teria mais posses ou status social diferenciado na comunidade (ZANETTINI ARQUEOLOGIA, 2011).

REENTERRAMENTO DOS REMANESCENTES ESQUELÉTICOS

Como medida cabível, a opção pelo reenterramento dos remanescentes es-queléticos identificados no Cemitério da Fazendinha se deu a partir de decisão orien-tada com base no consenso, sendo atingida através da mediação entre os atores sociais envolvidos.

Embora no Brasil essa temática ainda não tenha, ainda, sido devidamente aprofundada, tem-se em outros países políticas e práticas consolidadas a respeito, no-tadamente na América do Norte e Austrália, em especial no campo da arqueologia 232

forense e de pesquisas bioarqueológicas, sobretudo quando existem vínculos entre as populações e os remanescentes esqueléticos. Lima (1994) lembra que o antigo SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) instruía aos arqueólogos a rei-numação de remanescentes encontrados durante os trabalhos de restauração empreen-didos em Igrejas, mas que com a descentralização do órgão (com o IBPC, o IPHAN e as regionais), os procedimentos ficaram obscuros.

Tais posturas surgiram a partir dos anos 1980, em resposta a posições de cunho colonialista e reivindicações advindas de comunidades indígenas, envolvendo, inicialmente, a repatriação e o traslado de remanescentes esqueléticos que então com-punham acervos em museus e instituições congêneres (LIMA 1994; WALLIS, BLAIN 2001). Passo importante para tal foi a criação do World Archaeolgical Congress, WAC, em 1986 (CARVALHO, FUNARI, 2009).

Os debates em torno dos remanescentes esqueléticos de Kennewick Man, ocor-ridos em meados dos anos 1990 e o reenterramento de Larsen Bay (McGUIRE, 1994) constituem exemplos importantes e conhecidos, representando marcos importantes na redação dos códigos de ética para os profissionais de Arqueologia ao redor do mundo.

A própria localização de Ernesto Che Guevara na Bolívia, com outros qua-tro guerrilheiros, em 1997, deu-se no contexto de prospecções arqueológicas forenses, resultando em seu reenterramento em Santa Clara, Cuba (RODRÍGUEZ SUÁREZ 2008). Pode-se citar, ainda, a bem sucedida empreitada no sítio arqueológico de Nova Iorque (African Burial Ground), pela Universidade de Howard, em Washington, EUA, a partir de reinvindicações por parte da população afro-americana atual, resultando, inclusive, na implantação de um monumento-memorial para abrigar os remanescentes esqueléticos no local, com o objetivo de homenagear, de forma expressa a primeira ge-ração de africanos que contribuiu para a construção histórica e cultural da identidade da sociedade americana (YENTSCH; BEAUDRY, 2001).

A sua vez, arqueólogos vêm atuando ativamente na localização e reenterra-mento de soldados mortos em combate, com especial destaque para a Commonwealth War Graves Commission, engajada na questão dos óbitos decorrentes da Iª Guerra Mun-dial (SMITH, McKEE, 2011; DEWILDE et al., 2004).

Torna-se patente, por um lado, que os exemplos de reenterramento envolven-do o cenário arqueológico têm orbitado em torno de como preocupações acadêmicas e éticas podem coexistir de maneira construtiva (MEIGHAN, 1992, p. 704; LIMA, 1994), sendo na atualidade o reenterramento visto como uma das formas de exercício da ética profissional arqueológica, com consciência e dimensão antropológicas, uma vez que valoriza tanto os direitos dos sujeitos envolvidos como de seus herdeiros culturais (KLESERT; POWELL, 1993, p. 348).

Pelas questões envolvidas e sua recorrência, vários países tem avançado no esforço de produzir leis para que medidas sejam tomadas com base em princípios éticos comuns, resguardando o devido espaço às pesquisas científicas e às atitudes de respon-sabilidade social. Este quadro legal tem girado em torno do acesso aos cemitérios, às práticas de exumação, políticas de reenterramento e repatriação, das responsabilidades sobre os remanescentes esqueléticos humanos e ações possíveis e plausíveis em cemité-rios em desuso, assim como o papel do arqueólogo nesta conjuntura.

Assim, a decisão tomada em favor do reenterramento dos remanescentes es-queléticos localizados a partir da intervenção arqueológica provenientes do Cemitério da Fazendinha, foi pautada pela literatura internacional, se dando através da mediação 233

entre os atores envolvidos (Arqueologia, Prefeitura, Empreendedor, Comunidade), den-tro de uma perspectiva socialmente responsável, ética e moralmente orientada, confor-me explicitado nos itens precedentes.

Através de acordo estabelecido com o poder público de Arraias, ficou ajustada a exumação, o translado e o reenterramento dos sepultamentos retirados no Cemitério Municipal. Os esqueletos foram colocados em invólucros individuais, com suas respec-tivas identificações, atendendo, assim, às demandas e inquietações da Comunidade em relação ao processo de escavação e da possível mescla dos remanescentes esqueléticos encontrados.

Deste modo, no dia 17/01, depois de muita negociação e esforço da equipe, com acompanhamento do funcionário do Cemitério Municipal, foram reenterrados em cova comunal, aberta pelo funcionário do Cemitério Municipal, juntamente com fragmentos das cruzes de aroeira encontradas em um dos sepultamentos, os dois se-pultamentos exumados. Isto não foi feito sem uma última dificuldade: os funcionários municipais requisitavam o nome dos indivíduos transferidos. Ficou ainda acordado com a Itafós Mineração a aplicação de lápide e epitáfio, que tornariam expressa à co-munidade, de forma adequada, a proveniência dos sepultamentos e a razão de ali se encontrarem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os procedimentos tomados pela equipe de Arqueologia pautaram-se por prá-ticas e abordagens teórico-metodológicas específicas, buscando a mediação de conflitos potenciais para as questões postuladas pelos agentes sociais dentro de princípios éticos, científicos e de responsabilidade social. Esta foi a estratégia tomada pela equipe frente às dificuldades enfrentadas na prática arqueológica posta pelo licenciamento.

As atividades realizadas no sentido de levantar quais os atores envolvidos, as entrevistas temáticas, a identificação de pontos de tensão, das relações de pertenci-mento, o planejamento estratégico e a prospecção no cemitério, foram procedimentos assumidos no intuito de buscar resoluções e consensos entre os envolvidos, cujo diálogo foi estabelecido a partir da Arqueologia, pautados sempre pelo respeito às diferentes formas de percepção e no acesso à informação resultante de toda a ação promovida no Cemitério da Fazendinha.

As intervenções arqueológicas, embora massivas, não permitiram afastar por completo a eventual identificação de novos remanescentes esqueléticos, cabendo pro-por, no caso de virem a ser efetuadas novas descobertas quando das intervenções e obras, que sejam adotados os mesmos procedimentos ora adotados, devendo a equipe de Arqueologia ser acionada pelo empreendedor para tal e desenvolvidas as ações perti-nentes. No que tange aos três cemitérios (re)localizados e georreferenciados no entorno do empreendimento (Urubu, Canabrava e Boa Esperança), a salvo de intervenções, foi requisitado que se promovesse a limpeza, realizada com dificuldade pelas comunidades, e sinalização, como forma de garantir que não venham a sofrer interferências, e, do mesmo modo, que o acesso seja assegurado aos interessados.

O exemplo do caso do cemitério da Fazendinha tende a repetir-se cada vez mais, tendo em vista a violenta política desenvolvimentista que está sendo adotada pelo país. Ele põe em cheque questões como a da qualidade dos produtos do licenciamento arqueológico e a legislação que envolve nossa atividade, o resultado dos olhares diferen- 234

ciados implicados pelas diversas formações dos profissionais envolvidos e a questão da ética associada à práxis da profissão junto a comunidades humanas.

Os cemitérios constam como sítios arqueológicos a serem protegidos pela lei de 1961: mas todo cemitério é um sítio? Como atuar fora desta categoria? O código de ética da Sociedade de Arqueologia Brasileira, SAB, “reconhece como legítimos os direitos dos grupos étnicos investigados à herança cultural de seus antepassados, bem como aos seus restos funerários”, sendo é dever do arqueólogo atendê-los em suas reivindicações, uma vez comprovada sua ancestralidade. A ancestralidade é baseada em laços afetivos e apropriação ou em identificação positiva e por DNA? Mas quando os cemitérios são da alçada arqueológica? Quais instrumentos legais podem orientar os profissionais? A Portaria IPHAN basta?

As problemáticas agravam-se no âmbito do licenciamento ambiental. Sob perspectiva histórica do desenvolvimento da legislação ambiental, sabe-se que o com-ponente antrópico foi a princípio subdimensionado nos diagnósticos ambientais e nos prognósticos de impactos. Infelizmente, o aspecto “social” dentro de um EIA, em geral, “nada mais é do que uma série de coletas de dados, estatísticos e demo-gráficos, que muitas vezes estão defasados” (MAZZUCCHELLI, DERIVI, 2010). Ao não reconhecer que o tempo da memória e o tempo do social são outros tempos, e que linguagens de valoração econômicas apenas fornecem referências aos impactos a contextos como os do “sagrado” (ALIER, 2011) (a perda de uma Igreja, por exemplo), o licenciamento e os estudos de impactos não possibilitarão vivências harmônicas (se possíveis) entre comunidade e empreendimento.

As questões não estão de modo algum encerradas e as discussões envolvem ampla gama de questões que exigem um posicionamento ético dos profissionais, em especial no que concerne às demandas das pessoas e comunidades envolvidas.

CONTEMPORARY CEMETERIES, ENVIRONMENTAL LICENSING AND ARCHAEOLOGICAL PRACTICE IN ARRAIAS, TOCANTINS.

Abstract: this article discusses the role of archeology in a rural cemetery, including theo-retical references, methods and steps taken during the process. Although the cemeteries are considered as archaeological sites to be protected since the law of 1961, not every cemetery can be considered as one. How to act beyond this category? When are the cemeteries under the responsibility of archeology? Is the IPHAN ordinance enough? Based on these issues we discuss the archaeological practice in such contexts.Keywords: Environmental licensing. Conflicts. Contract Archaeology. Burial ground.

Notas

1 Entende-se “posições de cunho colonialista” posturas que fazem parte de um processo global essencial-mente transnacional e transcultural, a colonização, que produziram uma escrita/leitura centralizada e homogeneizadora das grandes narrativas imperiais do passado (HALL, 2003).

2 Ações desenvolvidas no âmbito do Programa de Resgate Arqueológico - Extração, Infraestrutura Associada e Fabricação de Superfosfato Simples, no município de Arraias, estado do Tocantins, empreendimento de responsabilidade da Itafós Mineração Ltda. A Arqueologia ficou a cargo da Zanettini Arqueologia.

3 O cemitério foi utilizado enquanto tal no período circunscrito às décadas de 1920 e 1950, conforme levantamentos desenvolvidos.235

4 Comunidade de destino, colônia e rede: são conceitos de história oral para definir o grupo gerador da pesquisa. A comunidade de destino é o resultado de uma experiência que qualifica um grupo, de maneira a configurar uma coletividade com base identitária. A colônia é uma parcela de pessoas de uma mesma comunidade de destino, cuja finalidade é tornar o estudo viável. A rede é uma subdi-visão da colônia, a menor parcela de uma comunidade de destino, e deve ser sempre plural para o aproveitamento de diferentes argumentos (FERNANDEZ, 2010).

5 “Marco zero” refere-se ao primeiro colaborador, aquele que conhece o contexto e se pode, a partir de suas indicações de pessoas constituir-se a rede.

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