2012v27n1a1

50
ESTUDO DE PROBLEMAS PRELIMINARES VINCULADOS À EXISTÊNCIA DA ARQUEOLOGIA FORENSE E DA ANTROPOLOGIA FORENSE NO BRASIL Sergio Francisco Serafim Monteiro da Silva Carlos Celestino Rios e Souza Daniela Vitório Fuzinato Luiz Roberto Fontes Patrícia Akemi Carvalho Yamashita RESUMO Uma nova forma de avaliar a interação e a distinção operacional entre a arqueologia da morte e antropologia biológica e as ciências forenses, tais como arqueologia forense, a antropologia forense, odontologia forense, a medicina forense, a criminalística, entomologia forense, biologia e química forense, relacionadas, é o propósito deste artigo. No Brasil, o uso de métodos e técnicas de antropologia e odontologia, sujeitos à secular medicina legal, por instituições ligadas aos interesses de nichos de segurança pública, tem ocorrido isoladamente, centralizado em pessoas e setores institucionais voltados para a pesquisa acadêmica em geral. No entanto, o uso de técnicas e métodos de arqueologia com os tradicionais fins forenses é definitivamente o que falta no caso brasileiro. Assim, a partir de um curso criado por um dos autores na Academia de Polícia de São Paulo, vem a possibilidade de pensar sobre a relação produtiva e interativa entre a Universidade e a Polícia e o projeto de uma linha de pesquisa absolutamente necessária e incipiente como um recurso para investigação de cenas do local de crime, especificamente o enterro clandestino humano de qualquer natureza e os achados fortuitos de ossos humanos. PALAVRAS-CHAVE: Arqueologia forense, Antropologia forense, Ciências forenses ABSTRACT A new way to check the bodies of synergy and operational distinction between parts of the archeology of death and biological anthropology and forensic sciences such as forensic archeology, the forensic anthropology, forensic odontology, forensic medicine, the criminalistic, forensic entomology, biology and chemistry and forensic related, is the purpose of this article. In Brazil, the use of methods and techniques of anthropology and dentistry, subject to the secular

description

arqueologia e antropologia forense

Transcript of 2012v27n1a1

  • ESTUDO DE PROBLEMAS PRELIMINARES VINCULADOS EXISTNCIA DA

    ARQUEOLOGIA FORENSE E DA ANTROPOLOGIA FORENSE NO BRASIL

    Sergio Francisco Serafim Monteiro da Silva

    Carlos Celestino Rios e Souza

    Daniela Vitrio Fuzinato

    Luiz Roberto Fontes

    Patrcia Akemi Carvalho Yamashita

    RESUMO

    Uma nova forma de avaliar a interao e a distino operacional entre a arqueologia da morte e

    antropologia biolgica e as cincias forenses, tais como arqueologia forense, a antropologia

    forense, odontologia forense, a medicina forense, a criminalstica, entomologia forense, biologia

    e qumica forense, relacionadas, o propsito deste artigo. No Brasil, o uso de mtodos e

    tcnicas de antropologia e odontologia, sujeitos secular medicina legal, por instituies ligadas

    aos interesses de nichos de segurana pblica, tem ocorrido isoladamente, centralizado em

    pessoas e setores institucionais voltados para a pesquisa acadmica em geral. No entanto, o uso

    de tcnicas e mtodos de arqueologia com os tradicionais fins forenses definitivamente o que

    falta no caso brasileiro. Assim, a partir de um curso criado por um dos autores na Academia de

    Polcia de So Paulo, vem a possibilidade de pensar sobre a relao produtiva e interativa entre a

    Universidade e a Polcia e o projeto de uma linha de pesquisa absolutamente necessria e

    incipiente como um recurso para investigao de cenas do local de crime, especificamente o

    enterro clandestino humano de qualquer natureza e os achados fortuitos de ossos humanos.

    PALAVRAS-CHAVE: Arqueologia forense, Antropologia forense, Cincias forenses

    ABSTRACT

    A new way to check the bodies of synergy and operational distinction between parts of the

    archeology of death and biological anthropology and forensic sciences such as forensic

    archeology, the forensic anthropology, forensic odontology, forensic medicine, the criminalistic,

    forensic entomology, biology and chemistry and forensic related, is the purpose of this article. In

    Brazil, the use of methods and techniques of anthropology and dentistry, subject to the secular

  • legal medicine, by institutions linked to the interests of public safety niches make up isolated,

    centralized in individuals and institutional sectors focused on academic research in general.

    However, the use of techniques and methods of archeology with traditional forensic purposes is

    definitely lacking in the Brazilian case. Thus, from a course created by author in the Police

    Academy of So Paulo, comes the prospect of thinking about the productive and interactive

    relationship between the University and the Police and the design of a line of research absolutely

    necessary and incipient as a resource to investigation of local crime scenes, specifically the

    clandestine human burial of any clandestine nature and the meetings of human bones.

    KEYWORDS: Forensic archeology, Forensic anthropology, Forensic sciences.

  • INTRODUO

    A Arqueologia e a Antropologia, quando associadas ao meio forense, apresentam

    conformaes tericas e metodolgicas similares, mas no constituem a mesma coisa1. A

    Arqueologia baseia-se em um problema perceptivo, estritamente vinculado ao contexto de

    campo, na observao de instantes de um passado a partir dos vestgios de objetos abandonados

    cultura material por sociedades pretritas. Os mtodos de apresentao dos dados

    arqueolgicos so, particularmente, visuais: a evidncia primeiramente visualizvel no mbito

    de uma teoria pr-estabelecida. O processo de observao arqueolgica considera, nos estratos

    do solo ou nas unidades de deposio, as nuances de colorao, textura e compactao,

    indicando a presena de antigas estacas, manchas de fogueira, sugerindo traos relacionados ao

    processamento de alimentos: as camadas de solo2 so removidas, examinadas e registradas

    sistematicamente e os artefatos, polens, sementes e ossos, so identificados e datados em suas

    posies e seqncias. atravs da escavao que so organizados os dados para a interpretao

    de um evento passado. No pleiteada somente a reconstruo fsica do que foi escavado, mas

    uma percepo sobre o ambiente, a economia e as atitudes sociais das pessoas que ali existiram,

    ou seja, a dinmica sistmica da cultura material.

    A natureza dessas prticas arqueolgicas tem muito em comum com os processos de

    identificao utilizados em certos tipos de investigao criminal: o relevante no caso da

    arqueologia forense a questo dos remanescentes humanos inumados3 e seus materiais

    associados (vestgios de agentes lesivos, vestes, adornos, entre outros que favoream a

    identificao).

    No caso da Antropologia, esta se aplica aos contextos forenses quando surgem os

    seguintes quesitos tradicionais da rea da criminalstica e da medicina legal: Os remanescentes

    so humanos? Eles representam quantos indivduos? Qual o intervalo de tempo desde a morte?

    Os indivduos podem ser identificados? Quais foram a causa e a maneira da morte? O perodo

    de tempo desde a morte (IPM), incluindo o registro contextual do corpo e a recuperao dos

    materiais associados aos ossos, de competncia da arqueologia. Nesse caso, os arquelogos

    podem escavar desde corpos de vtimas recm-enterrados por seus assassinos, quanto corpos

    inumados h mais de dez anos (HUNTER, COX, 2005; BYERS, 2007a).

    Os suportes operacionais da arqueologia e antropologia em meio forense ocorrem no

    processo de localizao, evidenciao, registro, recuperao, transporte e tratamento laboratorial

    dos restos humanos, propiciados pela escavao sistemtica e nos processos de identificao

  • humana e da causa mortis, a partir dos restos sseos e dentrios encontrados, respectivamente.

    Existe uma correlao entre as prticas tcnico-operacionais da antropologia forense, da

    arqueologia forense e da medicina legal no mbito da perinecroscopia, na anlise do local e do

    corpo no local de crime, externo, interno, de exumao administrativa, judicial, cannica

    (ARBENZ, 1988; 45-56) e arqueolgica.

    ANTROPOLOGIA E SEU EMPREGO COMO CINCIA FORENSE

    Histrico e definies

    Ao conjunto de conhecimentos cientficos da Antropologia Biolgica (Fsica) e Cultural

    que pode ser aplicado na prtica ao Direito e administrao das leis denominamos

    Antropologia Forense. O termo empregado por Croce e Junior (1996:36) define a prpria

    aplicao prtica ao Direito de um conjunto de conhecimentos da Antropologia Geral. Essa

    aplicao visa responder as questes relacionadas identidade mdico-legal e identidade

    judiciria ou policial. O primeiro processo de identificao implica no uso do conhecimento

    mdico (SCHMITT, CUNHA, PINHEIRO, 2006; KROGMAN, ISCAN, 1986) e das cincias

    correlatas; o segundo, distinto da natureza mdica, diz respeito antropometria e

    dactiloscopia. Existe um interesse mtuo da rea das cincias jurdicas e mdicas em englobar de

    uma s vez a rea de conhecimento da antropologia forense. Esta, por sua vez, traria embutida a

    arqueologia (forense).

    Histricos, textos tericos e reunies de casusticas bastante abrangentes, relacionados

    Antropologia Fsica, Bioarqueologia e Antropologia e Arqueologia Forenses foram escritos por

    Larsen (1999), Buikstra e Beck (2006), Komar e Buikstra (2007), Byers (2007a, 2007b) e

    Ubelaker e Blau (2007), respectivamente. Buikstra e Beck (2006) e Komar e Buikstra (2007)

    reconstroem um histrico denso sobre a bioarqueologia no mundo e uma teoria e prtica

    contemporneas da Antropologia Forense, assim como Ubelaker e Blau (2007) renem

    casusticas significativas da Arqueologia e da Antropologia Forenses em vrios pases. Esses dois

    autores incluem pesquisadores do Brasil e Amrica do Sul. Larsen (1999) descreve casos

    pertinentes Bioarqueologia e a sua importncia na interpretao de comportamentos humanos

    no passado, enquanto Byers (2007a, 2007b) preocupa-se com a elaborao de textos-manuais

    complexos, tericos e prticos, para o uso de estudantes de Antropologia Forense.

    No mbito da investigao criminal, a antropologia biolgica, por meio da

    antropometria, tem subsidiado mtodos e tcnicas para a identificao humana. Sobre essa

  • contribuio, os trabalhos de Alphonse Bertillon (1853-1914), que relacionavam dados

    antropomtricos com os da identificao, foram bastante usuais antes da criao de um processo

    de maior eficcia, alcanada pela papiloscopia, atravs da datiloscopia, e mais recentemente

    pelas anlises biomoleculares comparativas.

    No sc. XIX, a Antropologia era considerada uma subdisciplina da Histria Natural que

    tratava exclusivamente do homem e das raas humanas (TOPINARD, s.d.). Para esse autor, a

    antropologia da poca j apresentava pelo menos trs definies complementares como as de

    Pierre Paul Broca (1824-1880), segundo o qual a anthropologie est la science qui a pour objet

    letude du group humain, considr dans son ensemble, dans ses dtails et dans ses rapports avec

    le reste de la nature: a Antropologia seria uma histria natural do gnero humano, onde o

    homem estudado sob o ponto de vista da sua estrutura, suas funes, condies de existncia,

    faculdades, instintos, de seus hbitos e costumes, de suas migraes, de suas indstrias, de suas

    sociedades (VILA, 1958:30).

    Para o prprio Bertillon, a Antropologia deveria ser uma cincia pura e concreta, que

    visa o conhecimento completo de um determinado grupo humano, considerando-se as raas,

    sua variao comparada dentro de seu prprio ambiente separadamente da fauna4. Ainda, para

    Jean Louis Armand De Quatrefages de Brau (1810-1892), a antropologia seria uma histria

    natural do homem produzida da mesma forma como um estudante de zoologia analisa um

    animal. Entretanto, segundo o antroplogo alemo Rudolf Martin (1864-1925), descrito por

    Topinard (s.d.), a histria natural desses homindeos deve consider-los no tempo e no espao.

    A Antropologia tradicional alcanou grande desenvolvimento graas incorporao da

    pesquisa cientfica. Destacaram-se, fora do Brasil a British Association for the advancement of

    Science Section of Antropology (1822), a Socit Ethnologique de Paris (1839), a Berliner

    Gessellschaft fr Anthropologie, Ethnologie und Urgeschichte (1869) e a Socit dAnthropologie

    de Paris (1895), entre outras. Segundo vila (1958), foi Paul Broca (1824-1880) o impulsionador

    da Antropologia, criando o Laboratrio de Antropologia da Escola de Altos Estudos em 1871 e a

    Escola de Antropologia de Paris, em 1876. No Brasil, essa escola francesa influenciou o

    desenvolvimento da antropologia fsica na segunda metade do sculo XIX. Surgem Joo Batista

    de Lacerda, Jos Rodrigues Peixoto, Roquete Pinto e Fres da Fonseca, incentivador da

    Quando mile Laurent escrevia o seu LAnthropologie Criminelle, publicado em 1893, a

    Antropologia Criminal era considerada uma cincia jovem, cujas primeiras pesquisas j estavam

  • em andamento por volta de 1870. Contemporneos a Laurent, Esquirol e Morel criavam a

    psiquiatria, com Pinel; Broca estabelecia as bases da antropologia e Orfila e Tardieu estudavam

    medicina legal. Em 1871, Cesar Lombroso (1836-1909) publicava Luomo delinquente5, obra que

    influenciou profundamente os tratados de criminologia, antropologia criminal e medicina legal

    produzidos na primeira metade do sculo XX no Brasil. Lombroso (1895)6 havia, ento,

    caracterizado um indivduo criminoso a partir de concluses emitidas do exame cadavrico em

    383 crnios de criminosos e o estudo antropomtrico de 3.939 criminosos vivos. Na poca,

    mile Dortel (1891) j conclua que nenhuma caracterstica antropolgica nitidamente definida

    pode ser reconhecida como trao do criminoso lombrosiano e sim os caracteres psquicos,

    preexistentes criminalidade; o crime seria um epifenmeno, um acidente na vida dos

    epilticos, por exemplo.

    Carpena (1909) entende Antropologia maneira de Paul Broca: cincia que estuda um

    grupo humano considerado em seu conjunto, em seus detalhes e em suas relaes com o resto

    da natureza. Tambm aceitava a proposio de Bertillon (1878), segundo a qual a antropologia

    o conhecimento completo do grupo humano considerado em cada uma das quatro divises

    tpicas: variedade, raa, espcie e lugar, comparados entre si e com seu respectivo meio

    ambiente, em seu conjunto e em suas relaes com o restante da fauna. Para Bertillon o essencial

    estudar o homem em relao com o meio que o cerca e com as espcies que o precederam.

    Parece que, a priori, a Antropologia estuda o homem numa perspectiva fenomenolgica

    corporal, psquica e social, desdobrando-se artificialmente em Antropologia Fsica

    (psicosomtica ou biolgica) e Antropologia Cultural (Etnologia ou psicosocial). A

    Antropologia Criminal, que utiliza meios da Antropologia convencional, estuda o todo criminal

    (CARPENA, 1909:22).

    Os mtodos de estudo da Antropologia Criminal no incio do sculo XX incluam as

    medies craniomtricas, os ndices cranianos, suas representaes grficas, as anomalias do

    crnio, as anomalias dentrias, o desenvolvimento cerebral, o estudo do indivduo vivo, a

    identificao - maneira de Bertillon, a dactiloscopia, os caracteres psquicos, dados biogrficos,

    altura e peso, psicologia experimental, pletismografia (registro da psique), craniologia criminal,

    antropometria comparada, anomalias psquicas, atavismo orgnico e psquico, entre outras. A

    recorrncia de alguns desses eixos temticos na moderna Antropologia Forense ocorrem em

    relao ao processo da identificao de indivduos (vivos ou mortos) e no estudo

    comportamental do agente do delito e da vtima na perspectiva de uma criminologia

  • (CARVALHO, 1961, 1964; FERNANDES, FERNANDES, 1995), da dinmica da agresso

    (MEGARGEE, HOKANSON, 1976) e da neurocincia (BENNETT, HACKER, 1996).

    Em 1939, o mdico Ardio Fernandes Martins exemplificou um modelo de exame de

    esqueleto humano, indicando sua completude, articulao, cor, mensuraes e ndices. Suas

    observaes finais surpreendem:

    [...] Em nota final [...] seus ossos no apresentam fratura ou seus

    vestgios, assim como qualquer outro indcio macroscpicamente

    observvel de leso anatomo-patolgica. Das verificaes acima

    relatadas pde o perito deduzir as seguintes concluses: 1) o esqueleto

    apresentado ao exame pertenceu a indivduo do sexo masculino, dados

    os seus caracteres gerais e particularmente as constataes da plvica;

    2 ) o individuo era de idade adulta, preliminarmente pela sua frma

    dentria, seguramente com mais de 35 anos, dadas as sinostses

    craneanas, menos de 50 anos por no estar ossificada a parte mdia da

    sutura coronal, sua idade pode, pois ser avaliada de 40 anos, em favor

    de que fala ainda a ossificao do ponto sagital posterior. Esta

    concluso tirada de acordo com os dados de Topinard fica sujeita as

    restries possveis decorrentes de quaisquer condies individuais

    especiais; 3) a sua estatura dadas as dimenses dos ossos longos pode

    ser avaliada em um metro e setenta centmetros, pelas tbuas de

    Manouvrier. Pelo conjunto dos caracteres sseos pde-se afirmar que

    esse indivduo era de raa branca. Dadas as rugosidades e asperezas

    pronunciadas dos membros superiores plausvel que ele tivesse

    profisso manual (MARTINS, 1939, p. 210-211).

    Os requisitos tcnicos estabelecidos por Bertillon para a identificao humana

    fundamentavam-se na unicidade antropomtrica entre os homens, a imutabilidade dessa

    caracterstica aps os 20 anos de idade, a praticabilidade das mensuraes e a classificabilidade

    dos dados antropomtricos individuais em fichas7.

    Outros conjuntos sinalticos descritos por Almeida Jnior (1956) incluem o uso de

    caractersticas morfolgicas corporais objetivando a identificao. Assim, estariam includas a

    identificao otomtrica (ngulo aurculo-temporal, dimetros da orelha), craniogrfica

    (tomada de perfil do crnio e comparao), geomtrica (mensuraes da face), dentria (forma

    da arcada, disposio dos dentes, anomalias), oftalmogrfica (comparao de fotografias do

  • fundo do olho), radiogrfica (mensuraes das falanges, metacarpo e metatarso), flebogrfica

    (comparao da conformao superficial das veias do dorso da mo), palmar (comparao de

    desenhos dos sulcos palmares das mos), poroscpica (comparao de poros por sua

    imutabilidade e individualidade) e umbilical (morfologia do umbigo).

    Snow (1982) e Iscan (1988) contriburam para o desenvolvimento da antropologia

    voltada rea das cincias forenses na seo de Antropologia Fsica da American Academy of

    Forensic Sciences (AAFS), fundada em 1971, nos EUA. As pesquisas forenses voltaram-se

    identificao, por meio de tcnicas antropolgicas, de vtimas da Segunda Guerra Mundial e da

    Guerra da Coria, por exemplo. Foi nesse perodo que surgiram os textos mais significativos da

    antropologia forense, escritos por Krogman e Iscan (1986), Stewart (1979) e Snow (1982).

    Paralelamente produo cientfica, produz-se, de forma crescente, uma literatura

    biogrfica de mdicos legistas e antroplogos/arquelogos forenses, com descries informais de

    suas atividades e experincias na rea da investigao criminal, como os clssicos de Smith

    (1962) e Ubelaker e Scammel (1992).

    No Brasil, no caso de So Paulo, muitas dcadas depois dos trabalhos realizados por

    Godoy (1936a, 1936b, 1937, 1947), Daunt e Godoy (1937) e Godoy e Jnior (1947), no extinto

    Laboratrio de Anthropologia do Instituto de Identificao Gabinete de Investigaes

    Criminais, o Ncleo de Antropologia do Instituto Mdico Legal de So Paulo realiza exames de

    identificao mdico-legal em cadveres e esqueletos humanos. O trabalho do Ncleo inclui

    exames de confronto de caractersticas individualizadoras da pessoa procurada, recuperando

    vnculos genticos e dados dos registros mdicos, hospitalares e odontolgicos para comparao.

    Segundo Coelho e Jnior (2008), a rotina de trabalho integrada entre os Ncleos de

    Antropologia e de Odontologia Legal, vinculada aos papiloscopistas do necrotrio do IML, o

    Instituto de Identificao Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD), o Departamento de Homicdios e

    Proteo Pessoa e o Ncleo de Biologia e Bioqumica Laboratrio de DNA do Instituto de

    Criminalstica de So Paulo.

    Nos casos de material severamente decomposto, esses dois Ncleos estabelecem as

    possibilidades de coletar impresses digitais, encaminhando ao IIRGD dedos ou luvas

    cadavricas. Os esqueletos humanos recebem tratamento diverso: a) Os parentes de vtimas

    suspeitas so entrevistados e recolhidos documentos mdico-hospitalares e odontolgicos, assim

    como dados para a identificao pessoal; b) Realizam-se percias complementares nos locais de

    encontro dos restos humanos para a coleta complementar de ossos, fragmentos, dentes e outros

  • materiais que sero essenciais no decorrer da percia mdico-legal; c) Realiza-se a limpeza do

    cadver ou dos ossos e dentes humanos para possibilitar o estudo antropolgico e odontolgico;

    d) Convoca-se o dentista responsvel pela elaborao dos documentos odontolgicos referentes

    vtima suspeita; e) Aps as etapas anteriores, encaminhado o material biolgico da vtima e

    dos familiares para determinao do vnculo gentico. A fundamentao dos procedimentos

    encontra-se no seguinte comentrio:

    A existncia de uma pessoa definida pelo nascimento com vida e

    seu devido registro civil, assim como a pessoa deixa de existir

    legalmente com o devido assento de bito no cartrio de registro

    civil e, como se sabe, s se pode emitir a declarao de bito da

    pessoa perfeitamente identificada (COELHO, JUNIOR, 2008, p.86).

    A pesquisa realizada por Lessa (2005), entre maio e outubro de 2005 e apresentada

    Secretaria Nacional de Segurana Pblica (SENASP), resultou na coleta de dados quantitativos e

    qualitativos sobre o estado da arte dos procedimentos tcnico-operacionais dos peritos em

    Antropologia Forense em cinco capitais brasileiras, alertando para a necessidade de

    antroplogos forenses nas instituies periciais. Recorrendo-se aplicao de questionrio s

    amostras de entrevistados, foi avaliada a capacitao dos profissionais e a adequao dos

    procedimentos realizados de forma correta e suficiente. Trata-se de uma primeira

    movimentao, para alm das tradues e comentrios empreendidos pelo historiador da

    UNICAMP, Pedro Paulo Funari sobre o estado da arte da poltica da Arqueologia Forense na

    Amrica Latina. Ambas so contribuies imprescindveis para a compreeno do

    (re)nascimento ou conformao da Arqueologia e da Antropologia em meio forense no Brasil.

    Mesmo Ubelaker e Blau (2007) e Buikstra e Beck (2006) j incluem, em seus captulos e extensas

    listas bibliogrficas, nomes de pesquisadores brasileiros e de pases vizinhos.

    Atributos da Antropologia Forense

    A Antropologia Forense est constituda, segundo Hunter (2002), por trs grandes

    reas: a identificao do grupo biolgico, incluindo gnero, estatura e afinidade racial;

    identificao do indivduo biolgico, incluindo sua atividade laborativa, marcas de estresse,

    anlise de DNA e reconstruo facial; e a identificao positiva, baseada na comparao

    dentria, anomalias congnitas e na superposio de fotografias sobre o crnio.

  • Entre as trs partes da identificao mdico-legal8, no mbito da Antropologia Forense,

    a identificao fsica da pessoa inclui procedimentos especficos de acordo com os problemas

    encontrados. Assim, como exemplo, no caso especfico do exame pericial em ossos9, so

    essenciais as seguintes etapas, seguindo-se metodologias rigorosas fundamentadas em pesquisas:

    a) Identificao das unidades sseas e recomposio do esqueleto10. Durante esse

    processo, so identificados os ossos se humanos ou de animais (ANGEL, 1974;

    ARBENZ, 1988; BYERS, 2007a, 2007b; SAUER, LACKEY, 2000) - e calculado o NMI

    (nmero mnimo de indivduos atravs da freqncia e recorrncia de determinados

    elementos esquelticos quanto ao nmero, lateralidade ou tipo). Essa etapa inclui a

    recomposio da conexo anatmica entre os ossos coluna vertebral, da articulao

    temporo-mandibular e ocluso dentria, articulao atlantoccipital e as articulaes dos

    membros superiores e inferiores, seguindo-se da documentao fotogrfica e do registro

    em fichas de laboratrio. Comumente os ossos devem passar por processos de limpeza,

    reconstituio e numerao. Durante essa etapa so coletadas amostras para anlises

    traumatolgicas e patolgicas forenses, bem como de DNA, entre outras;

    b) Diagnose sexual11 pela anlise morfoscpica e morfomtrica do crnio, dos ossos

    plvicos, fmur e outros ossos longos. Uma vasta bibliografia tem sido produzida por

    autores, tanto com estudos voltados antropologia fsica quanto osteoarqueologia e a

    antropologia forense (ARBENZ, 1988; BYERS, 2007 a, b; STEWART, 1954; CARVALHO

    et ali., 1987; CROCE, JUNIOR, 1996; MENDONA DE SOUZA, 1990; LARSEN, 1999;

    UBELAKER, 1980, 1989; BASS, 1995; BROTHWELL, 1981; WHITE, FOLKENS, 2000,

    2005; PEREIRA, MELLO E ALVIM, 1979; COX, 2001; RUBIO-FUENTES, 1975; SOUSA,

    1954; FEREMBACH et ali., 1980; COX, MAYS, 2000; CHAMBERLAIN, 2006). Entre as

    variveis empregadas na diagnose do sexo esto a anlise morfoscpica12 do crnio e

    mandbula (aspectos da inclinao do frontal; proeminncia da glabela e arcos

    superciliares; angulosidade da articulao frontonasal; robusticidade dos rebordos supra-

    orbitrios; desenvolvimento, largura e altura das apfises mastideas; arqueamento

    mandibular, robusticidade, desenvolvimento e curvatura do trgono mental, das inseres

    musculares tuberosidade massetrica abertura do ngulo mandibular13 e caracteres

    mtricos e morfoscpicos do ramo mandibular; comprimento e largura dos cndilos

    occipitais; tamanho das apfises estilides; desenvolvimento da protuberncia occipital

    externa crista nucal; relao comprimento x largura do foramen magnum, entre outros),

  • dos ossos plvicos (predominncia das dimenses verticais ou horizontais, grau do ngulo

    sub-pbico; conformao, no pbis, do corpo, forma do buraco obturador, da cavidade

    cotilide, arco ventral, da concavidade sub-pbica, da linha do ramo pbico inferior;

    ndice e aspecto da abertura da incisura isquitica maior chanfradura isquitica - e

    desenvolvimento da regio compreendida pelo tubrculo pbico e a crista pbica; a

    relao altura x largura e concavidade do sacro e conformao da ala sacralis na vrtebra

    S1), nos ossos longos (a perfurao na fossa do olecrano, na epfise distal do mero pode

    indicar um indivduo feminino ou grcil; o aspecto do desenvolvimento das regies das

    inseres da musculatura esqueltica robusticidade da musculatura verificada nas

    difises dos ossos longos; no fmur o dimetro da cabea (assim como no mero) e o

    ngulo formado pelo eixo longitudinal da difise e o plano sobre o qual so apoiados os

    cndilos da epfise distal).

    c) Clculo etrio ou estimativa da idade da morte. Este clculo, assim como o dos traos

    dimrficos para o sexo, deve, sempre que possvel, considerar o esqueleto como um todo:

    um nmero maior de variveis observadas implica no aumento da acurcia do exame. No

    caso da idade da morte, tm sido consideradas as caractersticas macro e microscpicas,

    como os estgios de desenvolvimento dentrio e do desenvolvimento dos ossos

    (STEWART, 1954; CARVALHO et ali., 1987; CROCE, JUNIOR, 1996). A sinostose das

    suturas cranianas, associada ao fechamento das linhas epifisrias durante o

    desenvolvimento dos ossos longos, costelas (aspecto das extremidades esternais), ossos do

    quadril (aspecto da regio da snfise pbica), caractersticas na escpula e vrtebras so

    indicativos de idades provveis do indivduo. Estgios de degenerao do esqueleto como

    a formao de ostefitos nos corpos vertebrais e o desgaste, abraso e perda dentria

    podem indicar idades superiores a 30 anos para o esqueleto. So considerados os

    elementos dentrios e sseos, observados macroscopicamente, na diagnose etria em

    esqueletos (ARBENZ, 1988; BROTHWELL, 1963, 1981; BUIKSTRA, UBELAKER, 1994;

    COX, 2001; FEREMBACH et ali., 1980; HILLSON, 1996; KROGMAN, 1986; MAYS,

    1999; WHITE, FOLKENS, 2000; COX, MAYS, 2000; GUSTAFSON, 1950;

    CHAMBERLAIN, 2006).

    d) Identificao de leses, traumas, osteopatologias, traos de atividades laborativas. A

    esse respeito, por exemplo, o artigo de Gimenez e Fava (2005) elucida sobre a fratura do

    corpo do osso hiide, da apfise adantide do xis (C1), do corpo vertebral das C1 e C2 e

    luxao da C2 em casos de asfixia mecnica pela constrio do pescoo atravs do

  • enforcamento ou do estrangulamento, relacionados a eventos de homicdio (suicdio e

    acidentes so pouco provveis). Uma grande incidncia de fratura do corpo do hiide foi

    registrada nas amostras analisadas de leses internas por enforcamento completo atpico.

    A maioria dos casos de enforcamento e estrangulamento no resultou em leso ou fratura

    das cervicais. O emprego da microscopia eletrnica de varredura para a identificao de

    picos de elementos como o chumbo, ferro, alumnio, entre outros em regies sseas com

    sinais de passagem de projtil de arma de fogo ou lminas de armas brancas, tem sido

    recorrente pelos peritos do IC-SP. O exame de tipos de instrumentos de crime ou

    acidente possveis e tipos de fraturas j apresentam estudos significativos (CROCE,

    JUNIOR, 1996: 173-305). A ao de energias de ordem mecnica que atuam por presso,

    percusso, compresso, trao, toro, suco, deslizamento, exploso, contrachoque e

    distenso, est subordinada aos agentes dessas energias, as armas, os animais, as peas de

    mquinas e os diversos. Os instrumentos cortantes, contundentes, perfurantes,

    perfurocortantes, cortocontundentes e perfurocontundentes resultam, respectivamente,

    em leses incisas, contusas, punctrias, perfuroincisas, cortocontusas e perfurocontusas

    (CROCE, JUNIOR, 1996:174-175), podendo ou no deixar traos nos remanescentes

    sseos. Outros trabalhos sobre as patologias em esqueletos esto representados pelos

    manuais ou atlas, a exemplo de Aufderheide e Rodriguez-Martin (1998), Ortner e

    Putschar (1981), Ortner (2003) e de Rogers e Waldron (1995), sobre doenas sseas

    articulares; em artigos como o de Kennedy (2000) sobre marcas de estresse ocupacional e

    de Steyn (2000), sobre traumas; em estudos importantes como o de Silva Mello (1999)

    sobre as pseudopatologias sseas.

    e) O clculo da estatura do indivduo considera a mensurao do comprimento dos ossos

    longos dos membros, estando os mesmos ntegros (ARBENZ, 1988; CROCE, JUNIOR,

    1996; CARVALHO et ali., 1987; STEWART, 1954) ou fragmentados (STEELE,

    BRAMBLETT, 1989).

    f) Determinao da causa mortis. Este item considera diversos fatores possveis e em

    sinergia, no caso dos achados de ossadas fora dos cemitrios. As modalidades letferas e os

    trs aspectos bsicos da causalidade jurdica da morte devem ser considerados nas etapas

    de inferncia de alguns traos indicadores das mesmas (CROCE, JUNIOR, 1996;

    COELHO, JUNIOR, 2008).

    g) Determinao do grupo de afinidade tnico-racial14 ou da ancestralidade atravs da

    craniometria (CARVALHO et ali., 1987: 58-62, CROCE, JUNIOR, 1996: 37-45). Nesses

  • casos existem programas que analisam os ndices cranianos como o nasal, de

    prognatismo, transverso, horizontal e vertical, orbitrio, entre outras mensuraes,

    simultaneamente, indicando a situao racial do indivduo em grfico15. Determinados

    traos podem indicar afinidades raciais como a proeminncia dos zigomticos,

    arqueamento do fmur, entre outros. Determinados caracteres epigenticos16 como os

    incisivos em forma de p (shovel-shaped), buraco parietal e suturas no osso maxilar

    podem indicar determinada afinidade tnico-racial.

    h) Determinao ou verificao da identidade pessoal postmortem por meio das

    evidncias dentrias. Esse processo, voltado odontologia forense ou odontologia legal

    (GRADWOHL, 1954:451; ARBENZ, 1988; HILLSON, 1996; OLIVEIRA et ali., 2002)

    vislumbra as formas da dentio (perda dentria), dentes supranumerrios, anomalias de

    posio, ocluso, anomalias congnitas, alteraes premortem por tipo de ocupao,

    acidentes, doenas, afinidade racial, elementos de restauraes, queima, sinais de

    mordidas, clculo etrio em crianas, identificao de fragmentos dentrios.

    i) Reconstruo facial tridimensional (STEWART, 1954; KROGMAN, 1986;

    UBELAKER, 1989; GEORGE, 1993; TAYLOR, 2001 e outros) e a bidimensional

    (UBELAKER, 1989; TAYLOR, 2001 e outros), a partir do crnio, alm das sobreposies

    fotogrficas crnio/foto da face, auxiliam na identificao de pessoas desaparecidas.

    Outras informaes no tratadas acima se referem ao prprio local do achado, o

    contexto da inumao e da exumao, a uma etapa de levantamento e recognio visuogrfica

    do local do crime (DESGUALDO, 1999). A distribuio estratigrfica dos vestgios, seu contexto

    e dataes relativa e absoluta dizem respeito aos mtodos da Arqueologia. Os parmetros

    estatsticos, no exemplo dos itens acima, esto predominantemente representados por pesquisas

    aplicadas internacionais. Assim, sempre desejvel a verificao e o desenvolvimento de

    pesquisas bsicas ou aplicadas, em mbito nacional, com amostras populacionais representativas

    de cada regio brasileira.

    No Brasil, o processo de desenterramento ou exumao17 do cadver ou sua ossada, em

    qualquer lugar onde se encontre sepultado apresenta formalidades legais previstas no art. 6, I,

    do Cdigo de Processo Penal Brasileiro, bem como a no observncia das mesmas como pena de

    acordo com o art. 67 da Lei de Contravenes Penais. A sepultura citada em Croce e Junior

    (1996:363) est inserida no contexto do coemiterium. O registro fotogrfico da posio em que

  • foram encontrados o caixo e o cadver (ou seus restos sseos) est previsto no art. 164 do CPP.

    Amostras de ossos, cabelos e solo da cova e do entorno podero ser coletados pelos peritos. Os

    mtodos de evidenciao e exumao dos restos sseos de cadveres inumados constitui um dos

    arcabouos da cincia arqueolgica. Comumente, essa tarefa deixada sempre nas mos de

    coveiros ou dos bombeiros. Mesmo em casos de inumaes criminosas, distintas das inumaes

    oficiais em cemitrios so os bombeiros que executam as tarefas de escavao e retirada dos

    restos humanos. Eventualmente um mdico legista ou um perito e auxiliares, participam

    operacionalmente dessa atividade. Vai ser na perspectiva de tornar sistemtica a etapa de

    localizao, evidenciao, documentao, mapeamento, retirada e tratamento prvio do material

    sseo para as consecutivas anlises mdico-legais e antropolgicas forenses que a Arqueologia

    torna-se uma disciplina forense voltada ao contexto do achado ou do local do evento.

    Por outro lado, o objeto da antropologia, quando em relao com a investigao

    criminal, quer na polcia, no juzo criminal ou civil, refere-se identidade humana, a priori.

    Torna-se indispensvel a identificao da individualidade de uma pessoa em casos de

    infanticdio, disputas de heranas, nos casos de cadveres ou esqueletos de indivduos

    encontrados sem documentos ou sinais indicativos de identidade, especialmente com suspeitas

    de crime18. Nesses casos, a identificao pode ser feita no vivo, no morto e em restos e outros

    materiais no local do crime (CARVALHO et ali., 1987:56).

    Podemos resumir os principais dados osteolgicos, odontolgicos e os procedimentos

    laboratoriais dos antroplogos forenses e dos arquelogos forenses no quadro 1:

    Tabela 1

    Dados osteolgicos, odontolgicos, mtodos e tcnicas de anlise de interesse da antropologia

    forense aps a recuperao de remanescentes humanos de substratos criminais ou arqueolgicos.

    Dados osteolgicos e odontolgicos obtidos em laboratrio

    Procedimento e dado

    osteolgico/odontolgico

    Mtodos e tcnicas

  • 1 Tratamento das amostras a) Preservao dos parmetros da cadeia de custdia

    inicial quanto aos procedimentos concomitantes ou

    intramuros, incluindo a recepo e manipulao; b)

    Limpeza; c) Reconstituio; d) Identificao do elemento

    sseo ou fragmento sem verificao da espcie.

    2 Identificao da Espcie a) Anlise da morfologia ssea do crnio por anatomia

    comparada de vertebrados; b) Morfologia dos ossos

    longos dos membros por anatomia comparada de

    vertebrados; c) Morfologia dentria por anatomia

    comparada de vertebrados; d) Morfologia ssea das

    extremidades dos membros por anatomia comparada de

    vertebrados.

    3 Clculo do NMI a) Identificao de ossos e fragmentos com uso de fichas

    de unidade ssea e lateralidade; b) Identificao de dentes

    e fragmentos com uso de fichas de unidade dentria,

    lateralidade e regio do complexo maxilo-mandibular.

    4 Diagnose do Sexo a) Identificao de traos dimrficos para sexo pela

    cranioscopia; b) Identificao de traos dimrficos

    osteoscpicos para sexo nos ossos plvicos; c) Obteno

    de medidas e comparao com tabelas de dados

    craniomtricos associados ao dimorfismo sexual; d)

    Obteno de dados osteomtricos e sua comparao em

    tabelas de dimorfismo sexual; e) Anlise bioqumica

    (amelogenina).

  • 5 Estimativa da Idade (biolgica

    ou morte)

    a) Uso comparado de diagramas de desenvolvimento

    dentrio no complexo maxilo-mandibular; b) Uso de

    parmetros comparativos associados aos graus de

    sinostose das suturas cranianas; c) Uso de parmetros

    associados ao grau de fechamento das linhas epifisrias

    nos ossos longos, pelve, occipital, calcneo, escpulas e

    vrtebras; d) Anlise comparativa da snfise pbica pelo

    aspecto da mesma em diagramas; e) Anlise comparativa

    das costelas por diagramas de remodelaes da epfise

    costal; f) Anlise da ocorrncia de formaes ostefticas

    vertebrais; g) Anlise microscpica e radiogrfica do

    tecido sseo; h) Uso de diagramas de comparao dos

    graus de desgaste dentrio e eventual perda dentria no

    complexo maxilo-mandibular.

    6 Clculo da Estatura a) Mensurao de ossos longos (fmur, tbia, mero, ulna,

    rdio, fbula) e comparao com tabelas de propores; b)

    Mensurao de regies de ossos longos e comparao

    com tabelas de propores corporais por segmentos

    sseos; c) Mensurao de metacarpianos e metatarsianos

    e comparao com tabelas de proporo; d)

    Reconstituio do esqueleto (crnio, coluna vertebral,

    sacro, pelve e ossos dos membros inferiores).

    7 Determinao da

    Ancestralidade

    a) Anlise de caracteres cranioscpicos e comparao por

    tabelas; b) Mensurao de dados craniomtricos e

    comparao por tabelas e grficos; c) Identificao e

    comparao de caracteres epigenticos dentrios por

    grupos de ancestralidade.

  • 8 Doenas a) Inferncia de diagnsticos provveis pela morfologia

    de remodelaes sseas antemortem; b) Anlise de

    ocorrncias degenerativas das superfcies articulares

    entesfitos, ostefitos, osteoporose, osteoartrite; c)

    Emprego de radiografias, xeroradiografias e outros

    recursos da imaginologia; d) Comparao das

    caractersticas das doenas sseas inferidas visando a

    identificao individual.

    9 Traumas e Leses a) Identificao de traumas e leses por agentes lesivos

    diversos; b) Anlise de tipos de fraturas; c) Identificao

    da natureza dos traumas e leses: antemortem,

    perimortem e postmortem; d) Identificao ou inferncia

    do agente lesivo relacionado ao tipo de trauma e leso

    sseos.

    10 Inferncia de Causa da

    Morte

    a) Identificao de traumas, leses ou doenas e sua

    severidade ou morbidade nas regies cavitrias crnio,

    trax e abdmen.

    11 Reconstruo Facial a) Sugesto de reconstruo facial bidimensional a partir

    do crnio; b) Sugesto de reconstruo facial

    tridimensional a partir do crnio; c) Divulgao do

    material produzido para fins de identificao; d)

    Comparao dos resultados e incio de percias

    complementares sobre vtimas suspeitas em potencial.

    Existe uma relao dinmica entre a osteologia ou a biologia do esqueleto humano e a

    antropologia forense (KROGMAN,1986; UBELAKER, 1980, 1989, s.d.; STEELE,

    BRAMBLETT,1989; BUIKSTRA, UBELAKER, 1994; BASS, 1995; REICHS, BASS, 1998;

    WHITE, FOLKENS, 2000, 2005; COX, MAYS, 2000; HAGLUND, SORG, 2002; KOTTAK,

    2003). Os objetivos bsicos referem-se identificao e determinao da causa jurdica da

    morte. Nesses casos, a Antropologia em meio forense inclui as anlises antropomtricas

    sugeridas por scan (2000); a estimativa da estatura em esqueletos (SJOVOLD, 2000); o clculo

    de sexo, idade, estudo dos traumas e distino de ossos humanos e animais atravs da anlise

  • esqueletal descrita por Sauer e Lackey (2000); a determinao ou identificao de traos e

    marcas de estresse ocupacional (KENNEDY, 2000); a identificao de patologias sseas e

    traumas antemortem em casos criminais sugerida por Steyn e scan (2000).

    A vez da Odontologia Forense

    A Odontologia Forense19 tem como objetos de estudo a identificao humana atravs da

    anlise do complexo maxilo-mandibular, considerando: a) os traos de identificao no

    dentrios, b) as informaes obtidas atravs dos ossos cranianos, c) a anlise dos tecidos e

    fludos orais, d) a estimativa da idade pelo desenvolvimento dentrio e outras caractersticas, e)

    os procedimentos laboratoriais, f) o emprego de registros mdicos e odontolgicos antemortem

    da vtima a ser identificada, g) anlise de dentes em casos de desastre de massa, h) as marcas de

    mordidas e i) anlise de remanescentes dentrios de procedncia arqueolgica (ARBENZ, 1988;

    WHITTAKER, MACDONALD, 1989; BOWERS, BELL, 1997; CLEMENT, 2000).

    A presena de peritos oficiais, especialistas em odontologia forense no Brasil, ainda

    inexistente. Poucos peritos, com formao na rea da Odontologia, atuam nesse campo. Em So

    Paulo, no Instituto Mdico Legal, o Ncleo de Odontologia Legal (NOL/IML) dever promover

    o aprimoramento cientfico e tecnolgico na rea. As percias realizadas nesse ncleo

    compreendem dois tipos de exames: a) Exames em vivos, com nfase nas leses corporais,

    responsabilidade profissional (erro odontolgico), verificao da idade biolgica e estudo das

    marcas de mordidas; b) Exames em mortos e em materiais, com a emisso de laudos tcnicos

    periciais, quando se torna impossvel a identificao humana por meio da papiloscopia. Nesse

    tipo de exame, nos casos de identificao antropolgica de esqueletos, a estimativa da idade

    obtida pela anlise dos arcos dentrios e respectivos dentes, pela pesquisa em prteses dentrias

    e em fragmentos dentrios e anlise de marcas de mordidas (COELHO, JUNIOR, 2008). Ainda

    a Faculdade de Odontologia da Universidade de So Paulo possui um Laboratrio de

    Odontologia e Antropologia Forense para casos que exijam a relao entre o saber cientfico e

    acadmico com o conhecimento pericial.

    ARQUEOLOGIA COMO CINCIA FORENSE OU EM MEIO FORENSE

    Consideraes preliminares

    O trabalho do arquelogo pode apresentar diferentes facetas: ele no somente escava,

    mas efetua, tambm, coletas em sondagens, sempre centrado na cultura material20 e seus

  • desmembramentos estruturais e conjunturais, diacrnicos e sincrnicos, no passado, na

    dinmica de sociedades humanas extintas, seus contextos sistmicos relacionados vida

    cotidiana. A arqueologia ocupa-se do passado humano em suas dimenses espacial e temporal,

    interpretando-o por meio de teorias, mtodos e tcnicas e dos vestgios da cultura material.

    Interessam as formas de deposio, a formao dos depsitos, a inferncia de contextos de vida

    (sistmicos) a partir de elementos dos contextos arqueolgicos.

    A arqueologia como cincia fora do meio forense pode ser entendida como aquela

    construo encontrada nos textos de autores como Anderson (1962), Arenas (1988), Goldberg

    (1993), Perring (s.d.), Schiffer (1978), Sharer e Ashmore (s.d.), bem como as linhagens voltadas

    bioarqueologia e arqueologia funerria de Sprague (1968), Ubelaker (1980), Larsen (1999) e

    Pearson (2002), e aos manuais e compndios multifacetados de Heizer e Graham (1967), Hester

    et ali., (1975), Barker (1977), Pallestrini et ali., (1982, 1984), Joukowsky (1986), Loredo (1994), e

    Haglund e Sorg (2002) e o pretenso manual de Brothwell e Pollard (2001) entre muitos outros,

    vinculados s vrias linhagens terico-metodolgicas da arqueologia processual, ps-processual,

    como antropologia, cognitiva, histrica, marxista, subaqutica, do presente, industrial, de

    contato, de contrato, de gnero, indgena, da morte ou funerria, contempornea, ps-moderna,

    entre outras tantas modalidades, enfocando sistemas e subsistemas culturais, nveis de

    complexidade scio-cultural, territorialidade, evoluo, cultura material, processos formativos

    dos depsitos arqueolgicos, arqueometria, arqueografia e outros conceitos, praticadas por

    arquelogos no mundo. Esse tipo de sntese sobre a arqueologia como disciplina tradicional ou

    acadmica, distinta da arqueologia praticada em meio forense, foi tentada por Hunter et ali.,

    (2002), sem muita eficcia.

    A arqueologia como uma disciplina forense (HUNTER, 2000) apresenta reas de

    interesse comuns com a investigao criminal que incluem a anlise de esqueletos (sob o vis da

    antropologia fsica, biolgica ou da bioantropologia), anlise cientfica, pesquisa de campo,

    escavao e a recuperao dos vestgios/provas. Outro aspecto relevante a datao dos

    intervalos desde a deposio e decomposio de corpos humanos e objetos at sua descoberta

    atravs da observao de processos tafonmicos, cromatognsicos e escalas comparativas de

    processos de degradao de distintos materiais em meios e circunstncias diversas.

    Steyn et ali., (2000) e Hunter (2000)21 retomaram princpios bsicos da arqueologia,

    referentes ao resultado e dinmica dos processos formativos dos depsitos ou stios

    arqueolgicos, como a estratigrafia e a superposio. A estratigrafia relaciona-se ao processo de

    formao das camadas ou estratos22; a superposio define a forma de ordenamento da deposio

  • dos vestgios e contrape-se aos processos erosivos causados pela gua, plantas, atividades

    antrpicas e de animais: os processos erosivos e os de acmulo por superposio23 constituem

    processos formativos de estruturas e substratos. Uma relativa ordem de deposio entre os

    objetos encontrados no interior de uma cova (unidade estratigrfica ou estrutura funerria)

    esperada como resultado da dinmica de superposio do seu contedo, de uma gradativa e

    cronolgica sedimentao, hipoteticamente constante. Nessa perspectiva, os mtodos

    arqueolgicos voltam-se identificao e interpretao das mudanas observveis em um

    substrato ou rea de eroso e disperso, enfim, remodelao tafonmica do contexto

    arqueolgico. Esse contexto , por sua vez, expresso de parcelas de um contexto sistmico, de

    vida. Outro princpio da arqueologia inclui o carter fragmentrio ou vestigial do seu objeto: os

    objetos de cultura material (artefatos) e outros (ecofatos) constituem vestgios arqueolgicos,

    traos ou indcios de acontecimentos, aes, gestos, doenas, guerras, traos de comportamento.

    Para Hunter et. ali., (2002), uma cova identificada no interior das camadas

    estratigrficas de uma matriz de solo apresentaria uma integridade contextual a ser interpretada.

    A verificao de camadas associadas in situ indica a possibilidade de compreenso dos processos

    envolvidos que resultaram na atual disposio dos vestgios. Entretanto, essa compreenso

    somente ser possvel a partir da localizao do evento e sua recuperao a partir do emprego de

    tcnicas de rotina que incluem o reconhecimento de remodelaes nas superfcies de reas que

    possam conter vestgios de cenas de crime (locais de crime inidneos). Essas tcnicas envolvem

    a fotointerpretao de fotografias areas; prospeco de campo, que envolve a varredura

    sistemtica para a deteco de reas discretas de vegetao, diferenas de topografia e do solo; o

    emprego de ces farejadores; rastreamento geofsico da subsuperfcie, por meio do emprego de

    tcnicas de resistncia eltrica, magnetometria, GPR e detectores de metais (CONNOR, 2007;

    DUPRAS et. ali., 2005; HUNTER et. ali., 2002; HUNTER, COX, 2006); coleta de amostras de

    sedimentos, lquidos e gases e a escavao para identificar distrbios na colorao, textura e

    propriedades fsicas que possam indicar a presena de covas.

    Assim, a arqueologia fundamenta-se em um problema de percepo (HUNTER, 2002),

    cuja natureza constitui-se de princpios cientficos. A viso do arquelogo, relacionado ao seu

    prprio contexto scio-cultural, capta e constri uma multiplicidade de instantes de vida

    humana e suas extenses fragmentrias num passado datvel e espacialmente situado. Sutis

    diferenas cromticas e de textura entre pores de solo ou sedimentos indicam fases, perodos,

    reinados, catstrofes, chuvas ou guerras. Pores vestigiais de artefatos cermicos indicam

    etapas de sua confeco, descarte, uso, temperaturas de queima, tipos de fornos; restos de ossos

  • de animais cortados e queimados apontam tipos de processamento dos alimentos, sua escolha e

    nveis de dispndio de energia para a sua obteno e as caractersticas dietrias de um indivduo

    ou populao.

    Durante a produo de conhecimento arqueolgico interessa a natureza e a formao

    das camadas, estratos e unidades estratigrficas: seu contedo, os artefatos, carvo, sementes,

    polens, ossos de animais e humanos, sua posio, seqncia e datao. Nesse processo, as

    escavaes, como procedimentos clnicos e provedores de dados complementares, auxiliam na

    produo de interpretaes sobre o passado e no somente reconstrues fsicas daquilo que foi

    encontrado. So bem vindas a percepo do meio ambiente, da economia, das atitudes sociais

    implicadas, em nveis locais, regionais ou intercontinentais.

    A natureza da produo de conhecimento arqueolgico, em especial suas etapas

    relacionadas escavao sistemtica e documentao visual, apresenta muita coisa em comum

    com processos usados em certos tipos de investigaes criminais. Quando a Arqueologia

    estabelece relao de interdisciplinaridade ou multidisciplinaridade com questes jurdicas ou

    de investigao criminal, tanto atuais quanto antigas, passa a atuar como uma cincia forense na

    medida em que se estrutura como tal: o investigador da cena do crime ou seu assistente podem

    ser treinados no uso das tcnicas arqueolgicas (MORSE, CRUSOE, SMITH, 1976; MORSE,

    STOUTAMIRE, DUNCAN, 1976).

    Podemos considerar a Arqueologia Forense como detentora de duas vertentes: a) Uma

    estruturada nas respostas utilizao de mtodos e tcnicas arqueolgicas convencionais para

    solucionar casos forenses; b) Outra voltada ao uso de mtodos e tcnicas das cincias forenses

    para solucionar casos arqueolgicos. Ainda, a Arqueologia Forense pode estar subordinada

    Antropologia Forense, Tanatologia ou Medicina Legal ou mesmo constituir disciplina

    independente ou com estruturao prpria.

    As duas vertentes, podendo ocorrer conjuntamente, representam formas de relaes

    entre a arqueologia e as disciplinas forenses, como a antropologia forense, a medicina legal e a

    odontologia legal, a tafonomia, tanatologia, traumatologia, toxicologia e entomologia forenses.

    Essa nossa hiptese fundamenta-se pelo aparecimento dessa terminologia - Arqueologia Forense

    - mais tardiamente que a Antropologia Forense, resultante de demandas sociais voltadas

    soluo de crimes hediondos aparentemente insolveis, crimes de guerra, crimes polticos e

    grandes eventos e acidentes que resultam na destruio em massa de grupos humanos em vrias

    localidades do Mundo, em tempos relativamente recentes. So de interesse de uma arqueologia

  • voltada s prticas forenses: os locais de crimes inidneos, com ocultao de corpos, como nos

    casos de homicdios relacionados a estupros e atentados violentos; antigos locais com restos de

    suicidas; covas da Guerra do Paraguai; da Revolta de Canudos; da batalha medieval de Blood Red

    Roses, na Inglaterra; da guerrilha do Araguaia; as valas de Perus, em So Paulo, Brasil; as covas

    para inumao das vtimas das Revolues de 1924 e 1932, ocorridas em So Paulo; a

    recuperao de cenas de extermnio e ocultao de corpos de civis durante as guerras da

    Yugoslvia, Bsnia e Iraque; as recorrentes covas clandestinas de dignitrios ou civis

    desconhecidos com envolvimento poltico e ideolgico produzidas durante regimes

    ditatoriais/totalitrios, em pases latino-americanos e europeus; as ininterruptas ocultaes de

    cadveres e seus vestgios, vtimas de organizaes criminosas voltadas ao narcotrfico em pases

    como o Brasil. Todos esses casos envolvem a presena de corpos humanos, comumente j

    esqueletonizados, inumados, esparsos ou escondidos em valas, poos, sob pisos, em variados

    estados de degradao ou reduo e que necessitam de interveno especificamente

    arqueolgica para a sua localizao, evidenciao, registro e retirada.

    ARQUEOLOGIA E INVESTIGAO POLICIAL

    Durante a dcada de 1970, nos EUA, Bass e Birkby (1978) encontraram, entre policiais e

    investigadores criminais, um desconhecimento profundo quanto ao emprego dos mtodos e

    tcnicas da arqueologia tradicional para o bom andamento da investigao de casos criminais.

    Os procedimentos de uma escavao e remoo sistemtica de remanescentes humanos

    esqueletizados, que poderiam ampliar as possibilidades de soluo de casos criminais, eram

    desconhecidos pelos agentes da lei.

    Os mtodos que poderiam fazer a diferena, naquele momento, durante uma exumao

    de cova clandestina, incluam, desde o incio, os seguintes procedimentos operacionais: a)

    Localizao, b) Exposio, c) Escavao, d) Interpretao de eventos relacionados ao

    sepultamento, e) Remoo dos ossos, f) Transporte e o curioso emprego de instrumentos para

    localizar covas24. A localizao de covas em grandes reas tornava-se possvel e aceitvel com o

    uso de retro-escavadeiras especiais, com raspadeiras25 com lminas lisas, que seriam teis para

    decapar superfcies e tornar visveis as marcas e contornos cromticos superficiais de covas

    contendo restos humanos. Os arquelogos, na perspectiva de Bass e Birkby (1978), seriam

    detentores de ampla e tradicional experincia em localizar e remover restos humanos e no-

    humanos inumados: seriam os profissionais preparados para reconstruir eventos do passado e

    interpretar fatos culturais.

  • Sem um mtodo o arqueolgico no poderia existir diferena no processo da

    exumao para fins de investigao policial. Esse mtodo estaria voltado reconstruo dos

    eventos de um crime, redirecionando etapas da investigao. A partir do material e do contexto

    encontrado, poder ser discriminada a sua rea de interesse e a sua natureza: forense/no-

    forense (arqueolgico, paleontolgico, antropolgico, etnogrfico); humano/no-humano.

    Quanto aos materiais de origem humana, podero ser pesquisados sobre sua importncia

    forense atravs da determinao da idade, sexo, estatura, ancestralidade, caracteres individuais,

    doenas, traumas e leses, o intervalo postmortem. Alguns desses procedimentos so comuns

    Medicina Legal, Antropologia Biolgica, Bioarqueologia, Tafonomia, entre outros.

    O trabalho do arquelogo para localizar, evidenciar e remover sistematicamente os

    restos humanos justape-se ao trabalho forense. Mesmo considerando "grotesco" o emprego de

    raspadeiras durante as escavaes arqueolgicas, por operadores treinados a ver alteraes na

    superfcie do solo, ou mesmo de enxadas, de uso corrente durante determinadas etapas de

    escavao em muitos stios arqueolgicos brasileiros, so alguns dos recursos empregados por

    arquelogos e investigadores forenses.

    A Arqueologia Forense e seus mtodos e tcnicas podem ser vislumbrados nos trabalhos

    de Connor (2007), Ubelaker e Blau (2007), Dupras et ali., (2005), Hunter et ali., (2002, 2006),

    Hunter (2000), Cox e Mays (2000), Hoshower (1998), Morse et ali., (1976, 1983), no artigo

    pioneiro de Bass e Birkby (1978) e, no caso brasileiro, nos recentes textos de Silva et ali., (2005,

    2007), entre outros.

    As preocupaes e atributos dos arquelogos envolvidos em questes forenses podem

    ser resumidas no quadro 2:

    Tabela 2

    Procedimentos tcnico-operacionais para a localizao e tratamento em

    campo de remanescentes humanos esqueletizados

    Procedimentos tcnico-operacionais da arqueologia forense

    Tipo de procedimento e ordem relativa Caractersticas do procedimento

    1 Ocorrncia a) Boletins de ocorrncia, constatao do caso e

    incio da investigao policial.

  • 2 Elaborao e manuteno de uma

    cadeia de custdia

    a) Elaborao ou adoo de cadeia de custdia

    com procedimentos que preservem a

    autenticidade dos vestgios; b) Observao de

    procedimentos anteriores (externos ao

    laboratrio) e posteriores.

    3 Prospeco a) emprego da varredura sistemtica espiral,

    linear, em grade; b) uso de instrumentos GPR,

    resistividade, detector de metais; c) uso de ces

    farejadores; d) estudos das caractersticas do

    terreno em casos de inumaes clandestinas

    ossos, vestes, objetos, instrumentos, vegetao

    retirada, buracos de animais; e) demarcao das

    reas inidneas com presena de remanescentes

    humanos.

    4 Levantamento/mapeamento a) mapeamento planialtimtrico e localizao de

    pontos de referncia (datum); b) limpeza; c)

    quadriculamento.

    5 Interveno escavao

    arqueolgica/coleta sistemtica

    a) interveno arqueolgica forense no invasiva;

    b) interveno arqueolgica forense invasiva; c)

    escavao.

    6 Documentao/registro a) mapeamento dos vestgios arqueografia; b)

    fotografias e desenhos de campo para registro do

    contexto; c) retomada de coordenadas

    planialtimtricas dos vestgios inseridos em seus

    contextos de deposio.

    7 Coleta de amostras a) coleta de macro e micro-amostras de acordo

    com resolues especficas (Res. SSP 194, de

    materiais biolgicos e 196, no caso de drogas); b)

    observncia da cadeia de custdia.

    8 Recuperao a) retirada sistemtica dos remanescentes

    humanos em recipientes lacrados, de acordo com

  • procedimentos da cadeia de custdia adotada.

    9 Acondicionamento a) acondicionamento preliminar em recipientes

    lacrados em campo e recipientes para transporte

    adequado; b) observncia nos procedimentos de

    acondicionamento de materiais midos; c)

    observncia quanto embalagem de materiais

    friveis, de epfises e dentes esparsos.

    10 Transporte a) transporte controlado dos materiais e amostras

    embalados.

    11 Encaminhamento ao laboratrio a) observncia das normas administrativas para o

    encaminhamento guias e outros de materiais

    para anlise laboratorial no IC ou IML ou outro.

    12 - Legislao correlata a) Resoluo SSP- 194, de 2/06/1999 (Estabelece

    normas para coleta e exame de materiais

    biolgicos para identificao humana); b)

    Resoluo SSP- 382, de 1/09/1999 (Dispe sobre

    diretrizes a serem seguidas no atendimento de

    locais de crime); c) CPP, arts. 163, 164, 165, 166,

    167, 168, 169 e 170; d) Resolues em andamento

    (sobre cadeia de custdia); e) Lei n 3.924, de

    26/07/1961, art. 2 e legislao correlata; f)

    legislao prevista no Direito Funerrio.

    Esses procedimentos, sugeridos nessa ordem, podem passar a fazer parte da rotina de

    investigadores da rea forense no caso brasileiro.

    PRTICAS CORRELATAS S DA ARQUEOLOGIA FORENSE NO CASO DA POLCIA PAULISTA

    A interface entre o forense e o no-forense (UBELAKER, s.d.) representa o problema de

    tipificao de um evento no seu prprio contexto de deposio. A separao dos remanescentes

    humanos de interesse criminal daqueles que constituem objeto da arqueologia e da

    antropologia, no tem sido feita na maioria dos casos, nos quais a interveno feita pelos

  • investigadores criminais. No Estado de So Paulo, Brasil, o encontro de remanescentes humanos

    esqueletizados de origem arqueolgica funde-se em casos de interesse criminal, perdendo-se nos

    depsitos dos Institutos de Medicina Legal ou museus temticos. Por outro lado, raros so os

    casos de confuso de vestgios forenses com arqueolgicos, durante escavaes de pesquisa

    arqueolgica. Nos achados fortuitos, durante as investigaes criminais e mesmo durante

    exumaes tradicionais em cemitrios ou recuperao de corpos em locais de desmoronamento,

    so encontrados remanescentes humanos arqueolgicos e isso representa um problema.

    Ainda os casos especficos dos crimes de natureza poltica que resultaram em crimes de

    homicdio, envolvendo ou no aes de tortura, com a sistemtica ocultao dos cadveres

    constituem problemas extremamente graves ainda hoje no Brasil.

    Voltada para a formao e ensino dos policiais civis do Estado de So Paulo, a Academia

    de Polcia "Dr. Coriolano Nogueira Cobra", antiga Escola de Polcia (FONSECA, 1988),

    desenvolve atividades pedaggicas dirigidas formao tcnica, profissional e de constante

    especializao dos seus membros. Nesse contexto, o ensino dos mtodos e prticas arqueolgicas

    voltadas ao interesse forense no encontra precedentes desde 2005. Os estudos em arqueologia

    forense, que incluem a instrumentalizao de novos mtodos investigao policial e percia

    criminal por meio da escavao e interpretao de restos de humanos inumados em contextos

    de homicdios seguidos da ocultao de cadveres ou suicdios e casos de morte por causas

    inespecficas, no apresentam registros prprios dentro das estratgias operacionais da polcia

    paulista.

    Conjuntamente com a Medicina Legal Antropologia Forense, a Arqueologia pde ser

    trabalhada nesta escola durante os anos de 2005 a 2010, junto aos alunos dos cursos de formao

    e especializao das variadas carreiras policiais do estado de So Paulo.

    Revisando a bibliografia policial, localizamos artigos significativos produzidos entre

    1936 e 1947, em So Paulo, que possuem afinidades tanto com a antropologia26, odontologia

    quanto com a arqueologia forense.

    Um dos primeiros registros de exumao de esqueleto de cova clandestina,

    documentada em laudo tcnico pericial, data de 1923 e refere-se ao caso de um imigrante

    oriental que faleceu de morte acidental, sendo inumado em sua propriedade, no interior de So

    Paulo27. Este e outros casos do mesmo perodo, que incluem ossadas esparsas na regio da Serra

    da Cantareira e na Baixada Santista28 indicam uma polcia preocupada com a documentao

    fotogrfica do cadver no contexto em que fora encontrado.

  • Oscar de Godoy (1936), antroplogo do Servio de Identificao de So Paulo estudou

    restos de cinco indivduos, provveis membros da Ordem de So Francisco, encontrados em

    nichos funerrios situados na "Sala dos Tmulos", esquerda das Arcadas do antigo convento

    (1639/43-1828) que atualmente abriga a Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo. Os

    esqueletos exumados constituem restos de indiscutvel valor arqueolgico e histrico29. A

    metodologia de anlise mdico-forense aplicada pelo Dr. Godoy incluiu os restos humanos,

    deixando de lado as caixas funerrias, contas de rosrios, restos de cordo usados nos hbitos

    religiosos e outras pequenas peas30. Esse autor estuda os ossos do ponto de vista morfolgico e

    antropolgico, identificando o grupo etrio, sexo, estatura, osteopatologias. Sugeriu

    hipoteticamente o grupo ancestralidade dos mesmos, baseado em dados histricos.

    Ainda em 1936, Godoy descreveu as caractersticas morfolgicas, de sexo, idade e as

    caractersticas de uma leso no crnio por projtil de arma de fogo de um esqueleto incompleto,

    encontrado na estrada de rodagem de Porto Ferreira31. Nesse e no caso anterior, o antroplogo

    no teve acesso ao local do encontro da ossada. Parte do esqueleto foi recolhida e entregue para

    as anlises antropolgicas com a finalidade de evidenciar a causa da morte e outras informaes

    sobre o indivduo assassinado.

    Caso similar ocorreu em 1947, quando Godoy e Moncau Jnior (1947)32 , mdicos do

    Laboratrio de Antropologia do Servio de Identificao de So Paulo, examinaram peas sseas

    com sinais de traumas provenientes de um poo, na Penha e da Fazenda Sua, no distrito de

    Guaimb, Getulina, SP. Dois esqueletos incompletos, sem referncias ao contexto das suas

    deposies foram analisados e diagnosticados sexo, idade, estatura e sinais ou traumas que

    possivelmente resultaram na morte dos indivduos. Mas e os locais de encontro dessas ossadas?

    Esqueletos trazidos de contextos de homicdio, suicdio ou morte por causas

    inespecficas representam um problema identificao humana33 durante as etapas da

    investigao policial. Durante o perodo em que Godoy atuou, uma leso patolgica na

    mandbula funcionava como um trao importante para a identificao individual34. As anlises

    biomoleculares com o emprego do DNA na identificao ainda no eram empregadas35.

    Em locais inidneos36, como o quarto da residncia de LMS, foi encontrado o esqueleto

    de um provvel recm-nascido. Exumado por agentes da Delegacia de Piracicaba em 22 de

    novembro de 1936, esse esqueleto foi encaminhado aos especialistas do Servio de Identificao

    de So Paulo que concluram tratar-se de feto a termo. A forma como o policial havia retirado os

    o proceder a exhumao tive o

  • mximo cuidado, sobrelevando notar que, devido a deficiencia de meios aqui, remetto a dita

    Esse cuidado descrito pelo policial comea a indicar os nveis de dificuldade envolvidos

    na recuperao de restos humanos ocultos em covas clandestinas ou expostos em locais

    inidneos. Procedimentos sistemticos da arqueologia, em especial aqueles relativos escavao

    dos restos inumados tem sido de grande importncia em pases como a Colmbia, Argentina,

    Chile, Venezuela e Peru. Nesses casos, os peritos atuam em conjunto com equipes de

    antropologia e arqueologia forenses no resgate de restos humanos.

    A escavao arqueolgica nesses casos distingue-se da exumao lcita37, a qual, j h

    muito praticada pelos Mdicos Legistas, com ou sem participao de Peritos Criminais, est

    prevista no Cdigo de Processo Penal (CPP), artigos 163, 164, 165 e 166 (ARBENZ, 1988).

    Durante uma exumao jurdica ou na exumao cannica, fazem-se instrumentos de auxlio s

    reas de conhecimento da antropologia e da arqueologia, em conjunto. A antropologia a de

    uso da Medicina Legal, assim como a arqueologia.

    A convergncia de prticas das cincias forenses com vestgios de interesse

    especificamente arqueolgico ocorreram em mais de um evento, mesmo antes do caso 38, em So Paulo, caracterizado por contrabando de material

    arqueolgico. Nesse caso, o estudo mdico legal de uma mmia contrabandeada possivelmente

    do deserto de Atacama, contraps-se s anlises bioarqueolgicas, mais pertinentes para a

    resoluo do caso. Constitua objeto arqueolgico contrabandeado, produto relacionado a

    crime.

    Godoy (1947) recebeu restos sseos e artefatos arqueolgicos provenientes de

    escavaes no arqueolgicas empreendidas pelas autoridades policiais da cidade de Salto e da

    Fazenda Jangada, no municpio de Guararapes. O mdico e antroplogo, ento professor de

    Antropologia Criminal da Escola de Polcia de So Paulo e funcionrio do Servio de

    Identificao do Departamento de Investigaes, realizou no somente a descrio morfolgica

    dos onze esqueletos exumados assistematicamente39, como tambm a descrio tipolgica dos

    artefatos de cultura material, arriscando identificar a sua possvel origem. Nesse caso, a parcela

    laboratorial da pesquisa arqueolgica foi realizada por agente da polcia. A pesquisa de campo,

    ou a etapa de exumao dos vestgios, no foi realizada por arquelogos, mas sim por

    profissionais da construo civil e pelos delegados de polcia de Salto e Guararapes. Nesse caso,

  • em especial, etapas de uma pesquisa arqueolgica foram experimentadas pelos agentes e

    administradores da investigao policial.

    A RECUPERAO DE RESTOS SSEOS INUMADOS

    O local do achado

    Durante a investigao criminal em locais de encontro de ossadas, restos inumados ou

    expostos em reas urbanas e rurais, torna-se necessria a preocupao exclusiva com o cadver

    em si, suas vestes e objetos associados, sua identidade40 e mesmo as leses produzidas por

    instrumento de crime, marcas deixadas pelos assassinos e sinais de reduo do corpo pela

    queima ou marcas de mordidas de animais. Entretanto, o local41, a cova, a rea com ossos

    dispersos, enfim, o conjunto do esqueleto inserido no local onde foi encontrado constituem

    elementos de interesse das cincias forenses, em especial antropologia e arqueologia (Hunter,

    2002).

    Sob esse aspecto, a importncia da arqueologia na investigao criminal de locais de

    encontro de ossadas ou de inumaes ilcitas tem sido historicamente relacionada s tcnicas de

    escavao e documentao do contexto de uma parcela do local de crime. A Arqueologia

    Forense, em voga nos Estados Unidos desde as dcadas de 1970 e 1980, est representada por

    duas vertentes especficas j mencionadas: a que emprega os mtodos e tcnicas das cincias

    forenses para examinar e interpretar achados arqueolgicos, como por exemplo, o estudo de

    crimes e cenrios de batalhas durante a Idade Mdia na Europa; e a que usa os mtodos e

    tcnicas da arqueologia tradicional para localizar e recuperar vestgios associados a locais de

    crime atuais.

    Na Amrica do Norte e Central, a Arqueologia Forense e a Antropologia Forense so

    ministradas em cursos nas principais Universidades42. Existe a concepo de que a Arqueologia

    Forense, enquanto subdisciplina da Antropologia Forense, aplica mtodos arqueolgicos para os

    trabalhos forenses nas cenas de crime, combinando saberes da osteologia com tcnicas

    arqueolgicas para auxiliar na recuperao e preservao de evidncias importantes para os

    investigadores. Inicialmente, com o uso de um background em osteologia, o arquelogo forense

    infere idade, sexo e outros caracteres fsicos dos remanescentes humanos e atravs de sua

    experincia em escavao, examina o contexto dos artefatos e ossos que sero precisamente

    localizados e recuperados de acordo com determinadas legislaes, variando de pas para pas e

    de um estado para outro (no caso dos EUA). Nesses casos, a distino entre os remanescentes

  • humanos de interesse arqueolgico, de interesse forense ou de outra natureza (ossos e dentes

    no-humanos) sempre necessria.

    No Brasil, a Lei n 3.924, de 26 de julho de 1961 (OLIVEIRA, 1995) estabelece a guarda e

    proteo dos monumentos arqueolgicos de qualquer natureza existente no territrio nacional e

    todos os elementos que neles se encontrem. Nesse sentido, pelo art. 2, no item c, constituem

    monumentos arqueolgicos os stios identificados como cemitrios, sepulturas (ou locais de

    pouso prolongado ou de aldeamento, "estaes" e "cermicos") nos quais se encontrem vestgios

    humanos de interesse arqueolgico ou paeloetnogrfico. Quaisquer atos de aproveitamento

    econmico, destruio ou mutilao desses monumentos constituem crimes contra o

    Patrimnio Nacional, punveis com a aplicao das sanses dos arts. 163 a 167 do Cdigo Penal.

    Os esqueletos humanos encontrados nessas circunstncias, isto , inseridos em stios

    arqueolgicos, constituem vestgios que escapam da esfera do interesse policial e passam ao

    interesse da arqueologia, da antropologia e da biologia. Entretanto, elementos da prtica

    investigativa policial no local de crime e da prtica da escavao arqueolgica possuem estreitas

    relaes, podendo mesmo se justapor, como observamos no caso descrito por Godoy (1947).

    O conceito de local de crime est descrito na Resoluo SSP-382, de 1 de Setembro de

    1999 que Dispe sobre diretrizes a serem seguidas no atendimento de locais de crime, Seo VI,

    Dos Conceitos, art. 18 a 2343. Sob uma perspectiva conceitual criminalstica, local o espao

    fsico (ou rea geogrfica) interno ou externo onde teria ocorrido um evento criminoso, com

    produo de vestgios desse evento e cujo esclarecimento depende da atuao de Peritos

    Criminais. O local do fato apresenta ou no interesse judicirio-penal. O local da infrao penal,

    assim como o local e o local do fato todo e qualquer espao fsico, aberto ou fechado, onde se

    desenvolveu a prtica de um crime, comum ou especial, com produo de vestgios e que

    necessita de providncias dos Peritos Criminais, em obedincia aos arts. 158 do Cdigo de

    Processo Penal (NUCCI, 2007) e 328 do Cdigo de Processo Penal Militar (QUEIROZ et ali.,

    2004:369). O local de crime pode ser comum (homicdio, aborto, genocdio, entre outros) ou

    especial (crimes militares).

    Outra categoria de local inclui o do indiferente penal. destitudo de interesse

    judicirio-penal e apresenta cirscunstncias que fazem presumir ocorrncia de infrao penal,

    necessitando da presena e providncias de Peritos Criminais para o seu esclarecimento como

    os eventos de morte natural, suicdios consumados e autoleses (QUEIROZ et ali., 2004:370). O

    local do fato, sob a perspectiva da Criminalstica, pode ser classificado quanto ao espao fsico e

    quanto ao estado de preservao dos vestgios produzidos pelo evento. Assim, locais internos

  • (fechados) apresentam dimenses matematicamente mensurveis e os locais externos (abertos)

    no. Tanto um quanto o outro podem ser imediatos, representando o espao mesmo da

    consumao do evento ou mediatos, adjacentes, vinculados aos imediatos atravs dos vestgios

    produzidos. Vincula-se tanto um quanto o outro mesma ocorrncia quando representam fases

    sequenciais de um mesmo evento (QUEIROZ et ali., 2004:370).

    Conjuntamente ao local ou enquanto traos da existncia do mesmo, o estado de

    preservao dos vestgios de um evento dita uma outra classificao complementar. Locais

    idneos, teoricamente, apresentariam a totalidade dos vestgios de um evento, preservados no

    espao de tempo at a chegada dos Peritos. Por outro lado, locais inidneos (no preservados)

    apresentam os vestgios produzidos pela prtica de um evento deteriorados qualitativa ou

    quantitativamente em decorrncia da ao antrpica, dos animais, das intempries e pela ao

    da decomposio cadavrica. Os locais prejudicados apresentam os vestgios destrudos

    quantitativa, plena e irreversivelmente pela ao da chuva, vento, luz solar ou artificial e pela

    ao do calor. Nesses casos, no existem condies de efetivao das percias, sendo aplicada a

    regra contida no art. 167 do CPP.

    Outra classificao proposta em Queiroz et ali., (2004) inclui os locais distinguidos pela

    natureza dos eventos: aqueles originados de infrao penal (locais de crime comum, crime

    especial e de contraveno penal) e do indiferente penal (locais de morte natural, de suicdio

    caracterizado, de acidente comum, domstico ou virio, seguido de morte e local de acidente do

    trabalho, tambm seguido de morte da vtima).

    A nomenclatura tcnico-jurdica de um evento dada pelos estatutos jurdico-penais

    antecedida da locuo prepositiva local de, que constitui, via de regra, a forma de nominar os

    locais. Excepcionalmente podem ser aplicadas designaes criminalsticas, mdico-legais,

    jurdicas e criminalsticas e jurdicas e mdico-legais. Nos locais de crime, a coleta,

    acondicionamento, preservao e encaminhamento de material biolgico para anlise biolgica

    de identificao esto previstas em resoluo prpia da Secretaria de Segurana Pblica, como

    no Estado de So Paulo (Resoluo SSP/SP-194, de 2 de junho de 1999). Essa resoluo inclui

    dentes e ossos novos ou antigos, sendo de importncia como parte dos procedimentos de campo

    para a arqueologia forense, durante uma escavao sistemtica. A coleta de plos e cabelos que

    eventualmente estejam disponveis no local do crime tambm foi sistematizada por essa

    resoluo, assim como o tratamento de limpeza das amostras de ossos e dentes em laboratrio

    para subseqente anlise.

  • ELEMENTOS DE TANATOLOGIA E SUA IMPORTNCIA PARA A ANTROPOLOGIA E ARQUEOLOGIA

    FORENSES

    O processo de decomposio cadavrica, descrito em inmeros manuais de Medicina

    Legal resulta de um conjunto de fenmenos transformativos do corpo humano. Esses

    fenmenos decorrentes de desestruturaes biomoleculares provocados pela anxia celular

    podem acarretar o rompimento das membranas celulares e a desintegrao dos tecidos

    orgnicos pela autlise. A putrefao dos tecidos moles, salvo em casos de queima intensiva ou

    processos conservativos extremos, est sempre acompanhada de micro e macroorganismos, com

    sua toxidade prpria e sua eficcia desintegradora.

    Fatores intrnsecos ao corpo, como idade, constituio, nveis de obesidade, patologias,

    causa da morte, leses/mutilaes, medicamentos ingeridos e extrnsecos como a temperatura,

    humidade, alteraes e permanncias climticas e ambientais, interferncias antrpicas, tipos e

    comportamentos da fauna e flora circundantes determinam diferenas na durao das fases da

    decomposio cadavrica e seus resultados quando da descoberta do cadver.

    Para Oliveira-Costa (2003: 61), os dados entomolgicos so significativos para a

    determinao do IPM (intervalo postmortem), em especial para intervalos superiores a trs dias.

    Em associao com tcnicas da cronotanatognose e da necropsia, o sequenciamento da

    ocorrncia de entomofauna representa uma possibilidade de investigao cronotanatognsica

    na rea forense desde fins do sc. XIX.

    As fases crticas, quando ocorre com maior intensidade a perda de elementos para a

    identificao do indivduo esto representadas pela liquefao e em especial a esqueletizao do

    cadver. A mumificao natural pode suceder a fase liquefativa, abrangendo partes ou todo o

    corpo. Em corpos inumados a sucesso da fauna cadavrica (artrpodes) est representada pelos

    seguintes grupos: gastrpodes, crustceos, aracndeos, caros, miripodes, tisanuros,

    hompteros, colepteros, dpteros e himenpteros. Antes da inumao, os insetos depositam os

    ovos, que so transportados junto ao cadver para a sepultura ou penetram na mesma. A

    decomposio cadavrica em corpos inumados mais lenta que em cadveres expostos. Entre a

    entomofauna vamos encontrar a ao inconstante de caros, colepteros e dpteros em intervalo

    de 1 a 30 anos de inumao. Aps dois meses de inumao, agem os dpteros

    (permanentemente), seguidos dos caros e dos colepteros44.

    O campo da tafonomia foi definido por Efremov em 194045 como o estudo dos

    processos pelos quais os remanescentes orgnicos passam da biosfera para a litosfera em

  • decorrncia de processos biolgicos e geolgicos. Particularmente, os contextos forenses

    necessitam da reconstruo dos processos perimortem e postmortem, assim como da

    discriminao entre traumas naturais e antrpicos. Muitos processos podem alterar a aparncia

    dos ossos humanos. Fatores envolvidos no transporte e disperso dos ossos de um esqueleto

    incluem animais, a gravidade, gua ou processos fluviais. As propriedades dos prprios ossos

    influenciam na sua reao a esses processos tafonmicos (Ubelaker, 1997:77)46. Nos casos

    forenses, os processos biolgicos e fsicos devem ser considerados para a reconstruo do

    contexto da morte e as sequncias posteriores mesma.

    Para Roksandic (2002)47 questes relacionadas tafonomia na pesquisa de restos

    humanos, sobre o uso da tafonomia para compreender as prticas funerrias devem considerar

    as seqncias gerais da decomposio dos tecidos e da posterior desarticulao dos ossos nas

    conseqncias da decomposio e as seqncias da desarticulao ou desintegrao dos tecidos

    moles tendes, fscias, ligamentos tendinosos, entre outros - formadores das articulaes. So

    analisadas a amplitude dos movimentos ps-deposicionais das unidades esquelticas e a

    influncia da gravidade no espao em que ocorre a decomposio. Assim, para compreender os

    movimentos ps deposicionais dos ossos necessrio compreender: a) As conseqncias da

    decomposio dos tecidos moles; b) As seqncias da desarticulao ou desintegrao dos

    tecidos articulares inseridos entre os ossos; c) O potencial e graus de disperso dos elementos

    esquelticos de acordo com a natureza das articulaes e as formas dos ossos. Corpos

    depositados em covas profundas e estreitas e em posio fetal, vertical, podem apresentar, caso o

    soterramento da cova seja gradativo e posterior esqueletonizao ou seu contedo no tenha

    retido a disperso dos ossos do esqueleto, formas diferenciadas, no similares s deposies de

    aspecto estrelado - covas amplas.

    A observao arqueolgica minuciosa dos ossos de um esqueleto in situ de suma

    importncia quando os problemas se voltam a interpretao de sepultamentos humanos. A

    queda gradativa e subsequente reacomodao dos ossos de um esqueleto resultam em contextos

    de campo surpreendentes. As dimenses dos espaos de ar existentes entre o corpo e o

    sedimento circundante/substrato na cova determinam os limites e a dinmica de movimentao

    entre os elementos anatmicos durante o processo de decomposio cadavrica. Os limites da

    cova, impostos por paredes, blocos ou outras estruturas construtivas determinam os limites da

    desarticulao dos ossos.

  • DISCUSSO E CONSIDERAES FINAIS

    Entre 2004 e 2005 foi registrado o incio de uma disciplina denominada Arqueologia

    Forense no interior de uma instituio de ensino policial do Estado de So Paulo de forma ainda

    no encontrada no pas. Essa disciplina esteve ativa entre 2005 e 2010. Atividades similares

    foram desenvolvidas pela Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto (USP) no mesmo perodo,

    entretanto com foco na rea da antropologia forense.

    Hipoteticamente o emprego de mtodos e tcnicas da arqueologia, em especial aqueles

    voltados aos trabalhos de campo, vinculados s etapas de gerenciamento de projetos,

    prospeco, mapeamento, abordagens horizontais e verticais de covas clandestinas inumaes

    criminosas para a efetiva ocultao de cadveres evidenciao, decapagem controlada,

    documentao, exumao, transporte e eventuais etapas de laboratrio que incluam limpeza,

    registro e reconstruo, foram temas tratados na disciplina oferecida na Academia de Polcia no

    Estado de So Paulo. Subsdios conceituais provenientes de disciplinas forenses como a

    Medicina Legal, Odontologia Legal, Entomologia Forense e a Criminalstica foram empregados

    enquanto elementos de fundamentao da proposta dessa disciplina. A permeabilidade da

    arqueologia voltada s prticas forenses , a priori, evidente, conquanto sejam estabelecidos seus

    limites. Assim, Arqueologia Forense no significa Antropologia Forense, bem como no sub-

    disciplina da Medicina Legal, da Tanatologia ou da Criminalstica. Trata-se, ao lado da

    Entomologia Forense e da Odontologia Legal, de uma nova disciplina voltada investigao

    criminal, independente quanto ao seu substrato conceitual bsico e a sua forma de produo de

    conhecimento cientfico. Antes uma parcela diferenciada de saber arqueolgico, a servio das

    cincias - jurdicas e mdico-legais.

    A ideia da existncia de detetives arquelogos, perpetrada pela DiscoverySchool.com48,

    fundada em 2002, considera as etapas de escavao e anlise de ossos inumados em locais de

    eventos criminosos. Interessaria encontrar similaridades entre os procedimentos de escavao e

    anlise antropolgica dos ossos e corpos encontrados em Chiribaya, Peru, inumados por volta

    de 1350 a 1450, bem como dos ossos escavados em Barrington, no Illinois. Essas similaridades

    no estariam nos detalhes da cultura antiga de Chiribaya, mas sim nas identidades dos corpos, a

    causa da morte e se existiam sinais de homicdio ou suicdio. A forma de abordagem

    especificamente forense para a qual a arqueologia est voltada tem sido denominada

    Arqueologia Forense: trata-se do uso das tcnicas da arqueologia convencional para a descoberta

    de evidncias fsicas de uma cena de crime. Nesse sentido, a arqueologia est lado a lado com os

    estudos das evidncias descobertas em cenas de crimes e utilizados para resolver casos em

  • tribunais. Usada para investigar detalhes de um crime, tais como a identidade de uma vtima ou

    o tempo decorrido e as caractersticas de um crime, a arqueologia produz um saber maneira

    das cincias forenses49.

    A Arqueologia Forense, para alguns50, desenvolveu-se nos Estados Unidos da Amrica e

    no Reino Unido entre 1970 e 1980 em resposta as recorrentes consultas de agncias de

    segurana em relao busca, descoberta e recuperao de materiais inumados associados a

    cenas de crimes. Est vinculada escrita de uma histria da violncia e da histria do corpo nas

    sociedades humanas.

    Em 1976, Dan Morse e James Stoutamire, do Departamento de Antropologia da

    Universidade do Estado da Flrida, em Tallahassee, e Jack Duncan, do Crime Laboratory do

    Department of Criminal Law Enforcement do Estado da Flrida publicaram informaes sobre

    um curso de antropologia e arqueologia forenses desenvolvido naquela universidade entre 1975

    e 1976 ministrado por trs instrutores da rea criminal, um arquelogo e dois antroplogos

    fsicos aos alunos daquele centro de ensino. O programa de leituras inclua tcnicas de pesquisa,

    uso de detector de gs metano, osteologia, aplicao da antropologia fsica na identificao de

    esqueletos humanos, proteo e preservao das evidncias, mtodos de escavao, registro de

    dados, mapeamento do local e interpretao dos dados arqueolgicos. Os projetos individuais

    incluam temas sobre toxicologia e corpos inumados, magnetmetros e detectores de metais,

    papis inumados, recuperao de impresses digitais, de pegadas, anlise serolgica e

    investigao de desastres. O texto bsico utilizado na poca foi o de Hester, Heizer e Graham51.

    Quatro covas foram preparadas para as aulas prticas de campo. Uma continha dois grandes

    cadveres de ces em decomposio; uma cova circular continha papis; uma com esqueleto e

    objetos associados ao crime, como projteis, estojos, papel queimado e com gasolina, arma

    branca, solues de mercrio e arsnico na regio abdominal, adornos pessoais; e uma quarta

    cova continha somente indcios, tecidos, entre outros. As escavaes foram realizadas com

    sistema de redes ou grade e um datum, aps retirada da vegetao.

    O uso de tcnicas arqueolgicas para a recuperao de restos humanos em investigaes

    criminais de locais de crime deveria ser parte do treinamento dos policiais responsveis, j que a

    consultoria de arquelogos normalmente ocorre em perodos curtos e descontnuos.

    Em 1998, Lisa Hoshower52, do U. S. Army Central Identification Laboratory, do Hawaii,

    publicou referncias ao emprego controlado de procedimentos de escavao arqueolgica e seu

    conhecimento por parte dos antroplogos forenses de agncias de investigao. A escavao por

  • nveis culturais, naturais ou arbitrrios com o meticuloso registro da distribuio horizontal e

    vertical dos vestgios constitui a nfase da prtica arqueolgica forense. Entretanto, em

    decorrncia de circunstncias no convencionais encontradas nos locais de busca por

    remanescentes de soldados norte-americanos desaparecidos em conflitos armados no sudoeste

    da sia, como as complicaes ambientais, da fauna e flora, geogrficas, o tempo reduzido das

    misses, as diferenas polticas e choques emocionais e as novas ocupaes populacionais sobre

    as reas com restos humanos, os antroplogos forenses envolvidos obrigatoriamente adaptaram

    tcnicas arqueolgicas convencionais s situaes encontradas. Mesmo diante de condies

    adversas e de situaes no convencionais para escavar, foi mantido o equilbrio entre a mxima

    recuperao de dados e o protocolo cientfico. A Arqueologia Forense depara-se com a

    necessidade de prover protocolos das estratgias de escavao.

    Em fins de 2005, o Departm