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® BuscaLegis.ccj.ufsc.br Ampliação do foro privilegiado de Prefeitos, Ministério Público e combate à corrupção lato sensu: a inconstitucionalidade da proposta de Emenda 358/2005 Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini* Visa a presente tese demonstrar a inconstitucionalidade da proposta de Emenda Constitucional nº 358/2005, no que diz respeito à nova redação do inciso X do artigo 29, e do novo artigo 97-A e respectivo parágrafo único, que ampliam e perpetuam o foro privilegiado de Prefeitos. A proposta de Emenda Constitucional nº 358/2005, aprovada no Senado Federal no fim de 2006, está pronta para votação na Câmara dos Deputados, com o que estarão definidas novas mudanças na Constituição Federal, finalizando-se a denominada reforma do Poder Judiciário, iniciada com a aprovação da Emenda Constitucional 45/2004. Apesar de alguns avanços, essa proposta de emenda possui dois dispositivos que merecem muita atenção da sociedade brasileira e dos congressistas da atual legislatura, na medida em que estabelecem a ampliação das prerrogativas de foro para agentes políticos, cujas graves conseqüências vão além de mera formalidade. Trata-se da nova redação do inciso X do artigo 29, que estabelece o “julgamento do Prefeito, por atos praticados no exercício da função ou a pretexto de exercê-la, perante o Tribunal de Justiça”; e do novo artigo 97-A e respectivo parágrafo único, que dispõe que “a competência especial por prerrogativa de função, em relação a atos praticados no exercício da função pública ou a pretexto de exercê-la, subsiste ainda que o inquérito ou a ação judicial venham a ser iniciados após a cessação do exercício da função” (caput). E mais, que “a ação de improbidade de que trata o art. 37, § 4º, referente a crime de responsabilidade dos agentes políticos, será proposta, se for o caso, perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de função, observado o disposto no caput deste artigo” (parágrafo único). Tais propostas de reforma constitucional contém, no mínimo, as seguintes novas regras: 1ª) os Prefeitos passam a ser processados perante o Tribunal de Justiça, não apenas em matéria de responsabilidade criminal – como é hoje –, bem como em relação à sua responsabilidade civil e por ato de improbidade administrativa; 2ª) os detentores de prerrogativa de foro, como é o caso dos Prefeitos, mantém o privilégio de serem julgados pelo tribunal, em razão dos atos ilícitos cometidos no exercício do mandato, mesmo após a

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    Ampliao do foro privilegiado de Prefeitos, Ministrio Pblico e combate corrupo lato sensu: a inconstitucionalidade da proposta

    de Emenda 358/2005

    Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini*

    Visa a presente tese demonstrar a inconstitucionalidade da proposta de Emenda Constitucional n 358/2005, no que diz respeito nova redao do inciso X do artigo 29, e do novo artigo 97-A e respectivo pargrafo nico, que ampliam e perpetuam o foro privilegiado de Prefeitos.

    A proposta de Emenda Constitucional n 358/2005, aprovada no Senado Federal no fim de 2006, est pronta para votao na Cmara dos Deputados, com o que estaro definidas novas mudanas na Constituio Federal, finalizando-se a denominada reforma do Poder Judicirio, iniciada com a aprovao da Emenda Constitucional 45/2004. Apesar de alguns avanos, essa proposta de emenda possui dois dispositivos que merecem muita ateno da sociedade brasileira e dos congressistas da atual legislatura, na medida em que estabelecem a ampliao das prerrogativas de foro para agentes polticos, cujas graves conseqncias vo alm de mera formalidade. Trata-se da nova redao do inciso X do artigo 29, que estabelece o julgamento do Prefeito, por atos praticados no exerccio da funo ou a pretexto de exerc-la, perante o Tribunal de Justia; e do novo artigo 97-A e respectivo pargrafo nico, que dispe que a competncia especial por prerrogativa de funo, em relao a atos praticados no exerccio da funo pblica ou a pretexto de exerc-la, subsiste ainda que o inqurito ou a ao judicial venham a ser iniciados aps a cessao do exerccio da funo (caput). E mais, que a ao de improbidade de que trata o art. 37, 4, referente a crime de responsabilidade dos agentes polticos, ser proposta, se for o caso, perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionrio ou autoridade na hiptese de prerrogativa de funo, observado o disposto no caput deste artigo (pargrafo nico). Tais propostas de reforma constitucional contm, no mnimo, as seguintes novas regras: 1) os Prefeitos passam a ser processados perante o Tribunal de Justia, no apenas em matria de responsabilidade criminal como hoje , bem como em relao sua responsabilidade civil e por ato de improbidade administrativa; 2) os detentores de prerrogativa de foro, como o caso dos Prefeitos, mantm o privilgio de serem julgados pelo tribunal, em razo dos atos ilcitos cometidos no exerccio do mandato, mesmo aps a

  • cessao do exerccio das funes, no mais retornando o processo para a instncia comum, como atualmente; 3) em regra especial, para que no subsista qualquer dvida, a ao de improbidade haver de ser distribuda perante o tribunal competente, para aqueles agentes pblicos detentores de prerrogativa de foro, em matria criminal, alterando o atual regime de competncia para o julgamento da ao de improbidade junto a primeira instncia. Embora outras conseqncias possam ser tiradas das mudanas em curso, apresenta-se conveniente focalizar-se as alteraes atinentes ampliao das prerrogativas dos Prefeitos, com a conseqente dilatao das competncias dos tribunais, em especial dos Tribunais de Justia dos Estados. Essas novas regras, a nosso ver, traro conseqncias prticas indesejveis. No lugar de aumentarem a eficincia do Poder Judicirio e do Ministrio Pblico na defesa da ordem jurdica, do regime democrtico e dos interesses sociais indisponveis, dentre os quais avultam o combate ao arbtrio, ineficincia administrativa e corrupo, inversamente, contrariando o interesse geral, se estar reduzindo a eficincia do controle judicial sobre as administraes municipais, com violao, portanto, do princpio constitucional da eficincia, dentre outros princpios a seguir estudados, retirando-se dos Promotores de Justia e dos Juizes de Direito de 1 Instncia, as respectivas atribuies para investigar, processar e julgar cada um dos 5560 Prefeitos brasileiros. No lugar de uma rede nacional de Promotores de Justia e Juzes de Direito capilarmente distribudos pelos mais de oito milhes de quilmetros quadrados do nosso imenso Pas, autoridades essas residentes nas comarcas dos rinces mais distantes do territrio nacional, e, portanto, prontas para detectar os desvios cometidos e tomar rapidamente as providncias devidas e in loco, todo esse aparato de Justia, formado por milhares de agentes, ser substitudo, em cada um dos Estados da Federao, por apenas um Procurador-Geral de Justia, e, provavelmente, por somente um pequeno colegiado de Desembargadores do respectivo Tribunal de Justia Estadual, o que no razovel e proporcional. Com efeito, humanamente impossvel ao Chefe do Ministrio Pblico do Estado, por maior que seja a sua assessoria, exercer as atribuies de fiscalizar, investigar e processar todo e qualquer Prefeito de Municpio integrante do territrio do Estado-membro, bem assim da Cmara do Tribunal de Justia para o julgamento de todos os casos envolvendo os alcaides de Municpios sob a sua jurisdio.

    O atraso ou a no prestao dos servios pblicos em questo parecem inevitveis, diante de to pequena estrutura, desproporcional ao problema, o que gerar maior desprestgio da Justia e a elevao dos nveis de impunidade. Os princpios constitucionais da eficincia, proporcionalidade e razoabilidade, certamente no foram cogitados pelos autores, redatores e revisores da Emenda 358/2005. Tais mudanas no merecem vingar, porque somente beneficiaro injustamente os Prefeitos dos mais de cinco mil Municpios brasileiros, que passaro a ter verdadeira imunidade, tornando-se irresponsveis por seus atos, o que produzir a elevao dos desmandos, impunidade e mais corrupo, ante a ausncia de controle judicial, em contraposio aos princpios da legalidade, moralidade e da probidade administrativa, comportamentos esses que se tornaro exemplos para os administrados, alimentando o ciclo vicioso da impunidade e da criminalidade, presente em toda a sociedade. necessrio que entendamos que o exemplo dado por aqueles que comandam o Pas, queiram ou no, para o bem ou para o mal. Se queremos construir para o futuro das novas geraes uma sociedade justa e solidria, a impunidade e a corrupo devem ser

  • combatidas prioritariamente. Caso contrrio, estaremos realimentando a secular marca da sociedade brasileira, timbrada por histricas e crescentes injustias e desigualdades, que na atual quadra j atingiram o nvel do insuportvel, colocando sob fogo cerrado os direitos bsicos de qualquer cidado vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade e o prprio Estado Democrtico de Direito. No bastasse a violao das normas-princpio da eficincia, proporcionalidade, razoabilidade, moralidade, probidade administrativa e legalidade, o que j seria suficiente para a rejeio do projeto de reforma da Constituio, outras razes igualmente recomendam a rejeio das mudanas constitucionais sob anlise. Com efeito, os somente vinte e sete Procuradores-Gerais de Justia, chefes, em cada Estado da Federao, do respectivo Ministrio Pblico Estadual, certamente no so as autoridades ministeriais mais apropriadas para o exerccio das atribuies de fiscalizar, investigar e processar Prefeitos. A primeira razo prtica. No possvel que o Procurador-Geral, sediado na Capital, e detentor de um grande nmero de competncias administrativas, polticas e funcionais, previstas na Constituio, na Lei Orgnica Nacional, na Lei Orgnica Estadual, nos Cdigos de Processo etc., possa fiscalizar com adequao e eficcia o que ocorre em cada Municpio do territrio estadual. Sem Promotores suficientes, as investigaes no so realizadas e os casos no so levados ao Poder Judicirio, o que pragmaticamente importa na prpria supresso do constitucional princpio da inafastabilidade da jurisdio. No podemos esquecer que os Juzes e Tribunais so inertes (princpio da inrcia), funcionando apenas quando provocados. Se o Ministrio Pblico no provoca por meio do oferecimento das denncias criminais ou das peties iniciais das aes de improbidade, os processos judiciais no nascem, transformando o Poder Judicirio em mero expectador dos desmandos cometidos pelos demais poderes. No se deve ignorar que o direito instncia da realidade,1 no podendo ser produzido esquecendo-se os fatos da vida, a no ser que a oculta inteno do legislador seja criar algo ineficaz, desprovido de condies de concretizao, um modelo meramente formal, o que no se admite possa ocorrer. O segundo motivo funcional: o Procurador-Geral de Justia no vitalcio no cargo, exercendo mandato por dois anos, o que gera a descontinuidade dos servios prestados pelo Ministrio Pblico, contrariando os princpios da continuidade e da regularidade dos servios pblicos. Para o desempenho de uma atividade que deve ser permanente, necessrio que tenhamos agentes pblicos titulares e estveis no exerccio de tais complexas, continuadas e relevantes tarefas.

    1 Leciona Eros Grau que: Parece-me virtuosa a referncia a ela doutrina real do direito como campo no

    qual praticamos o pensar (a busca dos significados), e no meramente o conhecer (a busca da verdade). Insisto em que no h, no direito, o verdadeiro, mas o aceitvel (justificvel). A doutrina real do direito , fundamentalmente, mas no exclusivamente, um sistema semiolgico, ao passo que a teoria jurdica formal um sistema lgico. O direito, de resto, no uma questo cientfica, porm uma questo poltica (Oscar Correas 1982/13). Ademais, o que me parece suficiente a justificar perseverana no trato do modo de pensar assim designado pois a doutrina real do direito no designa, para mim, seno isso, um modo de pensar o direito , o que me parece suficiente a justific-lo, dizia, o fato de que a sua compreenso plena (do direito) transcende a anlise exclusivamente da norma. No se trata apenas de afirmar que o direito norma, deciso e ordenamento e estrutura, mas, sobretudo repito , que o direito instncia da realidade. E que o direito apreendido do exterior: uma criao do homem, no redutvel s categorias e modelos rgidos da lgica formal (Menezes Cordeiro 1989/LXI). (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, 5 edio revista e ampliada. So Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 35-36).

  • A terceira razo eminentemente poltica, pois a eleio, nomeao e eventual reconduo do Procurador-Geral de Justia, verdadeiramente, o Promotor-Geral de Justia do Estado, envolve conjecturas que ultrapassam as esferas estritamente funcionais, tornando-o refm de sua prpria condio de agente poltico. Como cedio, o Procurador-Geral de Justia do Estado escolhido por um processo poltico misto, que envolve o prprio Ministrio Pblico, na elaborao de uma lista trplice formada por Promotores ou Procuradores de Justia, aps eleio interna, e a escolha de um dos nomes pelo Governador do Estado. Esse processo poltico pode expor o eleito e escolhido Procurador-Geral, a presses polticas das mais diversas, inclusive aquelas inconfessveis, escusas, como a prpria cobrana da nomeao, por futura manipulao do escolhido no exerccio das funes ministeriais, vigiado facilmente pelos detentores do poder,2 controle que se torna muito difcil de ocorrer, quando a atribuio est disseminada entre vrios agentes. No se deve esquecer que Plato, na antiguidade, desiludiu-se com a poltica ateniense, cujo governo se degenerou de injustia em injustia, levando-o a abandonar o seu ideal de participao poltica, alimentado desde a juventude.3 No se tem notcia de que algo tenha mudado no decorrer da histria da humanidade. Entender que o processo de nomeao do Procurador-Geral no est envolto a uma verdadeira mirade de interesses polticos, agir com ingenuidade, que no se compactua com o universo poltico. O Procurador-Geral de Justia responsvel pela representao externa do Ministrio Pblico Estadual, a includa a gesto poltica dos assuntos de interesse da Instituio junto ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo, como, por exemplo, a aprovao de projeto de lei para a criao de cargos, fixao de vencimentos, proposta oramentria etc. Entregar ao Procurador-Geral toda a atividade de poltica externa do Ministrio Pblico e atribuir-lhe o dever de fiscalizar, investigar e processar Prefeitos, agentes polticos ligados visceralmente aos Partidos Polticos, aos Deputados e ao Governador, , no mnimo, fonte de desnecessrio e no recomendvel constrangimento, porque dessa relao no se descarta a velada e ilegal omisso do Procurador-Geral, em prejuzo do interesse pblico. No difcil imaginar que poder o Procurador-Geral se ver diante do difcil e concreto dilema decorrente do jogo poltico, no raramente perverso, de negociar a aprovao dos projetos de interesse do rgo, em troca de sua conivncia com desmandos administrativos; ou, ento, de impor arrematado prejuzo ao Ministrio Pblico e seus membros, cujos interesses administrativos, econmicos e polticos seriam rejeitados, em nome do altaneiro exerccio das funes ministeriais, na fiscalizao, investigao e processamento dos responsveis por crimes contra a Administrao Pblica e atos de improbidade administrativa. Alis, a expresso popular engavetador-geral no pode ser esquecida, porquanto representativa dessa degenerao, queiramos ou no.

    No se deve esquecer que os Procuradores-Gerais so seres humanos, e, portanto, detentores dos defeitos e qualidades comuns a todos. Apesar do elevado nvel de formao e educao desses homens e mulheres pblicos, a condio pessoal desses agentes, por si s, no lhes garante contra as presses a que esto sujeitos. Ao contrrio disso, a prpria

    2 Michel Foucault, cuidando das caractersticas do poder, assevera que ele um tipo de organizao do espao,

    que ele disciplina o controle do tempo, e que a vigilncia um dos seus principais instrumentos de controle. (FOUCAULT, Michel. Microfsica do poder; organizao e traduo de Roberto Machado, 23 edio. So Paulo: Edies Graal Ltda., 2007, p. XVII-XVIII). 3 PLATO. Histria da filosofia. Organizado e redigido por: Bernardette Siqueira Abro. Revisto por: Mirtes

    Ugeda Coscodai. So Paulo: Editora Nova Cultura Ltda., 1999, p. 46-47.

  • condio de Procurador-Geral, face a natureza poltica do cargo, a relevncia das atribuies e o monoplio de competncias constitucionais e legais, atrai e facilita o trabalho dos grupos de presso, mesmo quando movidos por escusos interesses econmicos ou polticos.

    No possuindo natureza divina, h que se ter cautela no sentido de se preservar a autoridade dos Procuradores-Gerais de Justia, para que no haja prejuzo na concretizao dos servios prestados pelo Ministrio Pblico, normalmente geradores da incompreenso e hostilidade dos adversrios diretos sob o crivo do Parquet, em seus procedimentos investigatrios e inquritos civis instaurados pelas Promotorias de Justia, e respectivas aes penais pblicas e aes civis pblicas, cujos destinatrios finais no so os requeridos, mas a defesa do interesse pblico e a prpria sociedade.

    Para que esses servios continuem a ser prestados, recomendvel que os milhares de Prefeitos desse pas sejam fiscalizados, investigados e processados pelos milhares de Promotores de Justia estaduais, bem assim julgados pelos correspondentes Juzes de Direito.

    A revista VEJA, em edio de capa tratou do tema UMA PRAGA NACIONAL: corrupo e inrcia nas prefeituras desviam mais de 20 bilhes de reais por ano. Em tal reportagem esse peridico faz um diagnstico dessa verdadeira calamidade pblica representada pelo desperdcio, desvio e corrupo, sustentados pelo dinheiro pblico, movimentado pelas 5560 prefeituras do pas, gerando um prejuzo estimado de 20 bilhes de reais.4 Se se almeja verdadeiramente combater a noticiada pandemia administrativa, a opo pela ampliao do foro privilegiado dos Prefeitos, vm contra esse projeto de probidade na Administrao Pblica, que alm de um compromisso constitucional, um compromisso com o bem comum, com a Repblica, com a Justia, com a dignidade e a esperana de cada um dos brasileiros.

    O direito no apenas norma. O direito tambm instncia da realidade. E a realidade brasileira vem indicando que a prerrogativa de foro tem historicamente contribudo somente para manter intacto, o que Ruy Barbosa denominou outrora de regime da impunidade, ao comentar a absoluta ineficcia das disposies normativas destinadas a conter e sancionar a corrupo administrativa, pois ns lhe passamos a mo pela cabea e consolidamos no Brasil o regimen da impunidade. 5

    Para se ter idia do que estamos falando, no plano nacional, nos ltimos dez anos, o Supremo Tribunal Federal no condenou nenhum poltico detentor de foro privilegiado junto a maior Corte do Pas, nas minguadas vinte e nove aes penais propostas, apesar da magnitude e repetio continuada dos escndalos, tudo indicando que essa indesejvel tendncia de impunidade, que naturalmente realimenta a corrupo administrativa, haver de se firmar no mbito dos Estados, com a aprovao da Emenda Constitucional 358/2005, pois esse projeto, evidentemente, no vem para salvaguardar a sociedade, mas, para imunizar polticos e administradores habituados a violar os j mencionados princpios constitucionais da legalidade, moralidade, eficincia, probidade administrativa etc., alm, tambm, dos princpios republicano e da isonomia, porquanto ao serem beneficiados com a pretendida

    4 UMA PRAGA NACIONAL: corrupo e inrcia nas prefeituras desviam mais de 20 bilhes de reais por ano.

    In: VEJA, So Paulo: Editora Abril, ed. 1851, ano 37, n. 17, p. 40-47, 28-4-2004. 5 BARBOSA, Ruy. Cometrios constituio federal brasileira, vol. III. So Paulo: Livraria Saraiva & Cia.,

    p. 457-458.

  • reforma, passaro a integrar a casta dos impunes e desiguais, pois no passveis, na prtica, de responsabilidade por seus atos.6

    Se ns brasileiros queremos uma verdadeira Repblica, baseada na igualdade entre os cidados, na temporariedade dos mandatos polticos e na responsabilidade dos mandatrios, as alteraes de que estamos tratando no merecem aprovao. Ao contrrio disso, tudo recomenda que os Prefeitos sejam julgados na primeira instncia, pois a opo do constituinte em conferir-lhes foro privilegiado em matria criminal nos Tribunais de Justia, mostrou-se indesejvel e ineficaz, por no permitir, na esfera da realidade, o controle judicial da moralidade administrativa.

    Se o Congresso Nacional quer verdadeiramente contribuir para a soluo desse grande problema, que a endmica corrupo nacional, h, inicialmente, que reconhecer o problema, para, em seguida, adotando as medidas necessrias, criar as condies formais e materiais, constitucionais e legais, aparelhando o Ministrio Pblico e o Poder Judicirio do sculo XXI, para enfrentar a arraigada e histrica corrupo administrativa.

    No lugar da ampliao do foro privilegiado, os Prefeitos devem perder esse verdadeiro privilgio, fonte de imunidade e irresponsabilidade. A reforma que todos ns esperamos vem de encontro revogao do atual inciso X do artigo 29 da CF, para o fim de submeter os Prefeitos a julgamento perante a primeira instncia nos processos criminais e por ato de improbidade administrativa.

    A reforma que a sociedade brasileira espera, no sentido da supresso e rejeio do novo artigo 97-A e respectivo pargrafo nico, para que no se tenha a ampliao do foro para aqueles que deixaram as funes pblicas, mantendo, outrossim, a ao de improbidade na primeira instncia. A aprovao de alteraes no sentido proposto, representar a derrota de alguns poucos, que no se atentaram para o compromisso constitucional de probidade na Administrao Pblica, e para os tratados internacionais firmados pelo Brasil nesse novo milnio, onde a corrupo e os corruptos no tm lugar, devendo ser combatidos e banidos pelos rgos de controle do Estado, pela sociedade civil organizada e pelo cidado, com todas as foras disponveis, ante o mal que essas prticas produzem para a sociedade.

    Os tempos so outros, e apesar de Plato ter-se afastado da poltica por no suportar conviver com a degenerao da sociedade, o seu ideal, para a felicidade coletiva, continua presente, pois os estudos que desenvolveu na Academia no geraram seu afastamento e alienao, mas a produo da theora necessria para se conhecer o Bem, com o fito de iluminar e transformar a realidade. 7

    Essa a luz que se almeja da maioria dos integrantes da Cmara dos Deputados e do Senado da Repblica, para que a poltica resgate o seu verdadeiro papel na sociedade, no lugar do desencanto de todos ns brasileiros.

    Sendo assim, a ttulo de concluso, podemos afirmar que: 1) o Projeto de Emenda Constitucional 358/2005, no merece ser aprovado no que se refere ampliao da prerrogativa de foro de prefeitos para as aes de improbidade administrativa (proposta de nova redao do inciso X do artigo 29 da CF, e do pargrafo nico do artigo 97-A da CF), porquanto impedir a concretizao do controle judicial dos atos cometidos por esses agentes polticos;

    6 EM 10 ANOS, STF NO CONDENOU NENHUM POLTICO: desde 1996, tribunal responsvel por julgar

    parlamentares e ministros concluiu 29 processos penais. So Paulo: O Estado de So Paulo, p. A8 - Nacional, 1802-2007. 7 Obra citada, p. 52.

  • 2) o Projeto de Emenda Constitucional 358/2005, no merece ser aprovado no que se refere manuteno da prerrogativa de foro em razo de atos ilcitos cometidos no exerccio do mandato, mesmo aps a cessao do exerccio das funes (proposta de redao do artigo 97-A da CF), na medida em que perpetuar o impedimento acima referido, imunizando esses agentes polticos; 3) os dispositivos de que trata o projeto de emenda constitucional proposta de nova redao do inciso X do artigo 29, e do novo artigo 97-A e respectivo pargrafo nico so inconstitucionais, por violarem os princpios da eficincia, proporcionalidade, razoabilidade, moralidade, probidade administrativa e legalidade; 4) esses dispositivos de que trata o projeto de emenda constitucional, igualmente atentam contra o princpio republicano e o princpio da igualdade; 5) o interesse pblico primrio e os direitos de cidadania recomendam que a reforma constitucional que interessa a sociedade, na atual ambincia de corrupo administrativa, a de supresso do atual inciso X do artigo 29, submetendo os Prefeitos, como se d com qualquer cidado, a julgamento em primeira instncia.

    *Promotor de Justia Substituto de 2 Grau do Ministrio Pblico do Estado do Paran.

    Disponvel em: http://www.mp.pr.gov.br/eventos/tsmateus.doc Acesso em: 6 de junho de 2007