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550 - ARQ. BRAS. OFTAL. 62(5), OUTUBRO/1999 EDITORIAL Erros vernáculos mais freqüentemente cometidos no meio médico acadêmico Parte II Carlos R. Souza-Dias Por um equívoco deixou de sair no número anterior o verbete que segue: Estágio. Com muita freqüência, tenho visto esta palavra mal empregada. Muitos colegas a usam quando deveriam dizer estádio. Estágio é o nome que se dá ao tempo em que se freqüenta um serviço para aprender alguma coisa (quase sem- pre, tenho colegas fazendo estágio na nossa Clínica da Sta. Casa, em alguma das suas Seções). Estágio é, também, o nome de cada uma das fases de um foguete espacial, que vão sendo ejetadas durante o vôo. Estádio, além do nome do campo para realização de jogos esportivos, significa fase, época, período. Portanto, as fases da evolução de uma doença são chamadas estádios. Aliás, é comum ver-se a palavra estadiamento (e não estagiamento), um neologismo relativo ao ato de dividir a evolução de uma doença em suas diferentes fases. Nasal e temporal. Tenho visto, com enervante freqüência, colegas dizerem que operam o oblíquo superior por via nasal. Parece-me uma técnica cirúrgica inadequada e bastante difícil; é aconselhável pedir auxílio do oto-rino-laringologista. Por que não operar por via conjuntival, abordando o tendão por via medial ao reto superior ou, se se quer abreviar, apenas por via medial? Substituam-se as palavras nasal e temporal pelas mais corretas medial e lateral. Lembro-me de que antigamente se dizia reto interno e reto externo, bobagem semelhante a esta; felizmente, corrigiu-se o erro e, atualmente, todos dizem reto medial e reto lateral. Vale aqui comentar também outro erro semelhante, que é dizer-se que o olho dirigiu-se para dentro ou para fora, querendo-se dizer que o olho dirigiu-se medialmente ou lateralmente. Eu somente poderia entender que um olho dirigiu-se para dentro se ele entrasse órbita adentro ou, se se dirigiu para fora, luxou para fora da órbita. Neologismos. Há certa tendência, atualmente, de criar neo- Livre Docente pela Universidade de São Paulo – Escola Paulista de Medicina e Professor Titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo Obras consultadas: Dicionário da Língua Portuguesa, Antenor Nascentes, Bloch Editores; Gramática Metódica da Língua Portuguesa, Napoleão Mendes de Almeida, Edição Saraiva; Dicionário de Questões Vernáculas, Napoleão Mendes de Almeida, Editora Caminho Suave; Dicionário Etimológico Nova Fronteira, Antonio Geraldo da Cunha; Utilidades Vernáculas (5 a edição), Antonio Giannella; Nomina Anatomica, 5ª edição, MEDSI, 1983. logismos. É claro que o progresso da ciência exige novas palavras, mas duas coisas devem ser observadas: 1) É preciso verificar se já não há uma palavra portuguesa que exprima o que se quer denominar; 2) A criação da nova palavra deve obedecer às normas do idioma. Muitas vezes se inventa uma nova palavra desnecessariamente, como “O autor usou o ter- mo sarcóide para descrever lesões de pele biopsiadas...”. O verbo biopsiar não existe; por que não dizer “...lesões de pele submetidas a biópsia”? O mesmo se diga de “cicloplegiar” e tantos outros neologismos desnecessários. O idioma infor- matês é o campeão dessas barbaridades. No sentido de... Não se usa mais, no Brasil, a preposição “para”. Foi substituída por “no sentido de”. Antes se dizia: “Darei uma aula para ensinar estrabismo aos alunos”. Hoje, diz-se: “Darei uma aula no sentido de ensinar estrabismo aos alunos”. Antes se dizia: “Faremos uma campanha para erradi- car a catarata em São Paulo”; hoje, diz-se “Faremos uma cam- panha no sentido de erradicar a catarata em São Paulo”. Pode- ríamos ainda dizer, corretamente, “Faremos uma campanha com a finalidade de (ou com o intuito de) erradicar a catara- ta...”. Ridículo! Isso é mais um exemplo de pseudo-erudição. O mesmo. Esta é uma expressão errada, mas lamentavel- mente muito disseminada. Quem a utiliza crê estar falando eruditamente - mal sabe que está cometendo um erro grossei- ro. Mesmo é um pronome adjetivo e exige, por isso, a presen- ça do substantivo que está sendo qualificado: “Ambos es- tão infectados com a mesma bactéria “. Da maneira como se está usando ultimamente (“Devemos estudar português e as matérias que têm relação com o mesmo”; “Este remédio pro- voca efeitos colaterais; é preciso evitar o uso do mesmo”), o termo seria um pronome substantivo (no exemplo, usado em lugar de “português” e de “Este remédio”), o que é um erro. Por que não dizer: “Devemos estudar português e as matéri- as que com ele têm relação” e “Este remédio provoca efeitos colaterais; é preciso evitar o seu uso”? Esse erro ridículo tem sido visto em discursos de pessoas consideradas cultas (e que deveriam ser cultas, em vista da posição que ocupam na sociedade!). Justiça seja feita aos americanos; nunca os ouvi dizer “This drug causes collateral effects; the use of the same must be avoided”.

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  • 550 - ARQ. BRAS. OFTAL. 62(5), OUTUBRO/1999

    E D I T O R I A L

    Erros vernculos mais freqentemente cometidos nomeio mdico acadmico

    Parte II

    Carlos R. Souza-Dias

    Por um equvoco deixou de sair no nmero anterior o verbeteque segue:

    Estgio. Com muita freqncia, tenho visto esta palavramal empregada. Muitos colegas a usam quando deveriam dizerestdio. Estgio o nome que se d ao tempo em que sefreqenta um servio para aprender alguma coisa (quase sem-pre, tenho colegas fazendo estgio na nossa Clnica da Sta.Casa, em alguma das suas Sees). Estgio , tambm, o nomede cada uma das fases de um foguete espacial, que vo sendoejetadas durante o vo. Estdio, alm do nome do campo pararealizao de jogos esportivos, significa fase, poca, perodo.Portanto, as fases da evoluo de uma doena so chamadasestdios. Alis, comum ver-se a palavra estadiamento (e noestagiamento), um neologismo relativo ao ato de dividir aevoluo de uma doena em suas diferentes fases.

    Nasal e temporal. Tenho visto, com enervante freqncia,colegas dizerem que operam o oblquo superior por via nasal.Parece-me uma tcnica cirrgica inadequada e bastante difcil; aconselhvel pedir auxlio do oto-rino-laringologista. Porque no operar por via conjuntival, abordando o tendo porvia medial ao reto superior ou, se se quer abreviar, apenas porvia medial? Substituam-se as palavras nasal e temporal pelasmais corretas medial e lateral. Lembro-me de que antigamentese dizia reto interno e reto externo, bobagem semelhante aesta; felizmente, corrigiu-se o erro e, atualmente, todos dizemreto medial e reto lateral. Vale aqui comentar tambm outroerro semelhante, que dizer-se que o olho dirigiu-se paradentro ou para fora, querendo-se dizer que o olho dirigiu-semedialmente ou lateralmente. Eu somente poderia entenderque um olho dirigiu-se para dentro se ele entrasse rbitaadentro ou, se se dirigiu para fora, luxou para fora da rbita.

    Neologismos. H certa tendncia, atualmente, de criar neo-

    Livre Docente pela Universidade de So Paulo Escola Paulista de Medicina eProfessor Titular da Faculdade de Cincias Mdicas da Santa Casa de So PauloObras consultadas: Dicionrio da Lngua Portuguesa, Antenor Nascentes, BlochEditores; Gramtica Metdica da Lngua Portuguesa, Napoleo Mendes de Almeida,Edio Saraiva; Dicionrio de Questes Vernculas, Napoleo Mendes de Almeida,Editora Caminho Suave; Dicionrio Etimolgico Nova Fronteira, Antonio Geraldoda Cunha; Utilidades Vernculas (5a edio), Antonio Giannella; Nomina Anatomica,5 edio, MEDSI, 1983.

    logismos. claro que o progresso da cincia exige novaspalavras, mas duas coisas devem ser observadas: 1) precisoverificar se j no h uma palavra portuguesa que exprima oque se quer denominar; 2) A criao da nova palavra deveobedecer s normas do idioma. Muitas vezes se inventa umanova palavra desnecessariamente, como O autor usou o ter-mo sarcide para descrever leses de pele biopsiadas.... Overbo biopsiar no existe; por que no dizer ...leses de pelesubmetidas a bipsia? O mesmo se diga de cicloplegiar etantos outros neologismos desnecessrios. O idioma infor-mats o campeo dessas barbaridades.

    No sentido de... No se usa mais, no Brasil, a preposiopara. Foi substituda por no sentido de. Antes se dizia:Darei uma aula para ensinar estrabismo aos alunos. Hoje,diz-se: Darei uma aula no sentido de ensinar estrabismo aosalunos. Antes se dizia: Faremos uma campanha para erradi-car a catarata em So Paulo; hoje, diz-se Faremos uma cam-panha no sentido de erradicar a catarata em So Paulo. Pode-ramos ainda dizer, corretamente, Faremos uma campanhacom a finalidade de (ou com o intuito de) erradicar a catara-ta.... Ridculo! Isso mais um exemplo de pseudo-erudio.

    O mesmo. Esta uma expresso errada, mas lamentavel-mente muito disseminada. Quem a utiliza cr estar falandoeruditamente - mal sabe que est cometendo um erro grossei-ro. Mesmo um pronome adjetivo e exige, por isso, a presen-a do substantivo que est sendo qualificado: Ambos es-to infectados com a mesma bactria . Da maneira como seest usando ultimamente (Devemos estudar portugus e asmatrias que tm relao com o mesmo; Este remdio pro-voca efeitos colaterais; preciso evitar o uso do mesmo), otermo seria um pronome substantivo (no exemplo, usado emlugar de portugus e de Este remdio), o que um erro.Por que no dizer: Devemos estudar portugus e as matri-as que com ele tm relao e Este remdio provoca efeitoscolaterais; preciso evitar o seu uso? Esse erro ridculo temsido visto em discursos de pessoas consideradas cultas (eque deveriam ser cultas, em vista da posio que ocupam nasociedade!). Justia seja feita aos americanos; nunca os ouvidizer This drug causes collateral effects; the use of the samemust be avoided.

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    Editorial

    Onde. Este termo advrbio interrogativo, que se relacio-na com lugar (Onde est a leso?, o mesmo que Em quelugar est a leso?) ou um pronome relativo, que significalugar em que (A estrutura onde se encontra a leso...,correspondente a A estrutura, lugar em que se encontra aleso... ou simplesmente A estrutura em que se encontra aleso...). Atualmente se est utilizando com muita freqnciao termo onde como pronome relativo, porm sem conotao delugar (Fiz um trabalho onde ficou demonstrado que o oblquoinferior elevador do olho). Nesse caso, deve-se usar opronome relativo que (Fiz um trabalho em que ficou de-monstrado...). Vale, aqui, uma observao sobre a confusoque s vezes se faz entre onde e aonde. Onde tem conotaoesttica (onde est o seu filho?) e aonde, de movimento(Aonde vai o seu filho?, o mesmo que Para que lugar vai oseu filho?)

    O culos. Tive o desprazer, h dias, de ver escrita, numtrabalho cientfico, essa barbaridade. culos plural; refere-se a um instrumento composto por duas lentes, uma para cadaolho. Cada lente constitui um culo. Deve-se, portanto, sem-pre referir-se aos culos (Os seus culos esto sujos, receitei-lhe culos escuros).

    tico e ptico. tico vem do grego otiks (relativo ou per-tencente ao ouvido) e, ptico, do grego optiks (parte da fsicaque estuda os fenmenos da viso e da luz). H tendncia autilizar-se o termo tico em relao aos fenmenos refrativos dosolhos; o verbete tico j pode ser encontrado em dicionrioscomo sinnimo de ptico. Entretanto, como tenho dito insisten-temente, a linguagem cientfica deve primar pela exatido; per-gunto, ento, por que provocar essa confuso de significados,somente pela preguia de escrever ou pronunciar um p ? Estenda-se esses comentrios a ortptica, pleptica, entptico etc.

    Outra alternativa. Alter, em latim, significa outro. S porisso j se pode perceber que outra alternativa constitui redun-dncia. Portanto, diga-se to somente alternativa (A melhoralternativa ao tratamento da AIDS a sua preveno). Poroutro lado, a palavra alternativa subentende que haja pelomenos duas coisas, portanto, errneo dizer A nica alterna-tiva para vencer a crise econmica aumentar as exporta-es. Ora, se h alternativa, subentende-se que haja outraopo alm do aumento da exportao; uma alternativa jamaispode ser nica. Neste exemplo, h diversas palavras que po-dem ser empregadas, como sada, recurso, procedimento etc.

    Papila ptica. A palavra papila d idia de salincia; anti-gamente dizia-se papila do nervo ptico porque se pensava,dada a precariedade dos mtodos de observao, que essaestrutura fosse elevada. Hoje, sabe-se que isso no verdade;alis, a Nomina Anatomica denomina-a disco do nervo ptico.Aceito que se diga, para simplificar, disco ptico, mas papilaptica expresso que deve ser eliminada do vocabulrio.

    Passar em lugar de prescrever. um erro to primrio, toabsurdo, que no merece comentrio. Palavra utilizada pelospacientes da Sta. Casa (passar um colrio, passar um culos),com seu caracterstico baixo nvel cultural. Podemos perdoaraquele paciente que conta ao seu amigo: Sinti uma d nuzio, fui na Santa Casa, o dot me pass um corlio e fiqueilogo bo. Vindo de um mdico, imperdovel.

    Pargrafo. coisa muito importante saber separar o textoem pargrafos. Uma correta separao de pargrafos facilita acompreenso do texto. O pargrafo composto por um pero-do (perodo uma orao ou um conjunto de oraes queformam sentido completo) ou um conjunto de perodos queencerram um pensamento. O pargrafo tem incio, meio e fim.Dois pargrafos encerram pensamentos diferentes. Tenho vis-to textos em que os perodos so separados como se fossempargrafos - o texto fica todo entrecortado. Vejo, tambm,pargrafos enormes, s vezes ocupando uma pgina inteira,incluindo diversos pensamentos completos, independentesentre si. O texto fica de difcil leitura e compreenso. No hregra rgida para a construo dos pargrafos; o bom sensodeve imperar, tendo em vista as consideraes acima.

    Patologia. Tornou-se hbito, desde h algum tempo, subs-tituir as palavras doena ou afeco por patologia. O ignoran-te em questes vernculas cr que, falando patologia paradesignar doena, est sendo erudito - ridculo! O mesmo sejadito sobre sintomatologia, tecnologia e metodologia. Talpaciente apresenta rica sintomatologia, No preparo dessemedicamento, utilizou-se tecnologia moderna e Fulano em-pregou metodologia adequada na realizao desse trabalho.Na realidade, o paciente apresenta riqueza de sintomas, nopreparo do medicamento empregou-se tcnica moderna e Fu-lano empregou mtodo adequado.

    Perodo compreendido entre 1990 a 1995. Erro semelhan-te seria dizer Esta mesa est entre mim a voc. Infelizmente,tenho observado esse erro primrio com certa freqncia nostrabalhos cientficos, embora isso parea impossvel. Diga-sePerodo compreendido entre 1990 e 1995. No se confundacom a expresso Os fatos ocorreram de 1990 a 1995.

    Phtisis bulbi. Como disse antes, o latim difcil e poucagente o conhece. Quem se mete a escrever em latim arrisca-sea errar, e erra com freqncia. O melhor escrever em portu-gus. Diga atrofia bulbar e no se arriscar a errar.

    Posio de cabea. Muitas vezes tenho ouvido colegasdizerem que tal paciente apresenta posio de cabea. Naverdade, nunca vi uma pessoa que no apresente algumaposio de cabea. Esta pode ser normal ou anmala, erectaou inclinada, neste caso chamada torcicolo. A causa dessaimpropriedade lingstica reside no fato de que algum, certavez, cometeu-a perante uma platia e todos os que sofrem de

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    Editorial

    preguia, que infelizmente so muito numerosos, passaram aimit-lo, sem pensar no que esto dizendo.

    Pr-requisito. Antigamente dizia-se (corretamente) requi-sito. Hoje, no sei porque, inventou-se a moda de dizer pr-requisito, o que me parece uma bobagem. Antenor Nascentesdefine o vocbulo requisito como: Condio que deve sersatisfeita; exigncia legal ou particular, sem a qual um negciono pode ter andamento. Se o negcio no pode ter anda-mento sem que a tal exigncia seja satisfeita, evidente queesta precisa ser cumprida antes (pr) do incio do negcio.Portanto, o prefixo pr dispensvel; alis, no se encontraem dicionrio a forma pr-requisito.

    Ptose. comum colegas dizerem ou escreverem, at mesmoem teses, que tal paciente apresenta ptose. Isto demonstraimperdovel preguia. Ptose significa queda, e eu pergunto,queda de qu? Do rim (nefroptose), do testculo (orquiopto-se)? Na maioria das vezes o colega quer dizer blefaroptose;porque omitir o radical blfaro?

    Quando de. Esta uma construo que no existe em portu-gus, embora possa parecer elegante ao inculto. (Houve mui-tos discursos quando da inaugurao deste auditrio). Evite-se essa impropriedade dizendo Houve muitos discursos porocasio da (ou durante a) inaugurao deste auditrio.

    Refrao. Em linguagem coloquial (jargo de ambulatrio),diz-se freqentemente Vou fazer a refrao desse paciente,ou mesmo Vou fazer refrao nesse paciente. No se admi-te, contudo, num trabalho cientfico, que se diga tal improprie-dade. O que faz a refrao a natureza; o mdico pode,quando muito, examinar o estado refrativo do paciente, mediro vcio de refrao ou, mais adequadamente, fazer a refratome-tria. Tambm se pode dizer optometria, embora menos apro-priado.

    Retiniano. Vale o mesmo comentrio que fiz para corneanoe iridiano. Diga-se retnico.

    Se comparado. Quantas vezes tenho lido, em trabalhosoftalmolgicos, este erro, cometido simplesmente por nopensar no que se est dizendo, usando frmulas tradicionaiserradas. Alis, em cincia, o fato de considerar tudo que antigo como coisa certa, sem parar para pensar, leva freqen-temente a erro. Diz-se: As leses corneais foram muito fre-qentes, se comparadas com o grupo controle. Pergunto: ese elas no fossem comparadas com o grupo controle, noseriam muito freqentes? Pensando um pouco sobre a cons-truo dessa frase, v-se que ela estaria melhor se dissesse:As leses corneais foram muito freqentes, em comparaoao grupo controle, eliminando-se o condicional se.

    Seja ou , esteja ou est? O modo subjuntivo dos verbos

    tambm chamado modo da possibilidade. Ele utilizado,entre outros casos, para fatos duvidosos ou indeterminados.Os seguintes exemplos esclarecem a questo: Fulano afirmaque a retina est normal e Ciclano supe que a retina estejanormal. No segundo caso, o autor deixa dvida; Ciclano notem certeza do que diz. Esta questo apresenta-se com muitafreqncia nas redaes cientficas.

    Seje. O presente do subjuntivo do verbo ser : seja, sejas,seja.... No entendo por que algumas pessoas (muitas, infeliz-mente) dizem seje para a primeira e a terceira pessoas!!! Eu sdesculparia esse erro se cometido pelo meu neto de trs anosde idade; depois disso, torna-se imperdovel.

    Somatria. Errado; diga-se somatrio.

    Ter x haver. Erro to disseminado que, infelizmente, pare-ce estar irremediavelmente introduzido no idioma. O verbo terd idia de posse (Eu tenho [possuo] um automvel) e o verbohaver significa existir (H [existe] um automvel na rua). Harraigadssima tendncia a confundir o significado do verboter, confundindo-o com haver. Assim, diz-se a trs por dois:Tem gente que pensa assim, em lugar de H gente quepensa assim. Creio ser fcil distinguir a diferena entre ter ehaver nas seguintes frases: O paciente tem uma leso nacrnea e H uma leso na crnea do paciente. Pode-sedizer, sem alterar o sentido: O paciente possui uma leso nacrnea e Existe uma leso na crnea do paciente.

    Trauma e traumatismo. um privilgio para ns, oftalmo-logistas, poder contar com a presena do Dr. Cssio GalvoMonteiro entre ns. Seria um crime deixar de aproveit-la embenefcio do bom portugus. Ensinou-nos ele, entre mil outrascoisas teis, um pormenor lingstico mdico muito til naprtica: traumatismo o ato de provocar um ferimento e trau-ma a sua conseqncia, a leso causada por ele. A pauladana cabea o traumatismo e a conseqente fratura o trauma.O sufixo ismo significa ao, portanto traumatismo a ao detraumatizar. comum a expresso Fulano tem trauma deavio; uma maneira popular de dizer que Fulano tem medode andar de avio, por ter sofrido um traumatismo emocional;possivelmente viu um avio cair ou coisa semelhante.

    Tropia e foria. Com muita freqncia tenho visto e ouvi-do, em trabalhos sobre estrabismo, as palavras tropia e foria.Diz-se, por exemplo, que fulano estava em tropia ou queoutro apresenta foria. Essas palavras no significam nada.Se Fulano est em tropia, como dizem, pode estar emortotropia ou em heterotropia e, neste caso, em esotropia,exotropia, hipertropia ou ciclotropia. O mesmo se diga daforia: ortoforia ou heteroforia. Portanto, dizer-se apenastropia ou foria parece-me expresso de preguia, injustific-vel em cincia, que exige preciso de termos.

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    Editorial

    Um, uma. Alguns trabalhos mostram verdadeira torrentedos indefinidos um e uma. Isso traz grande deselegncia aotexto. Dizia o saudoso mestre Napoleo Mendes de Almeidaque um, um, um linguagem suna. Sempre que escrever umou uma, experimente elimin-lo e veja se o sentido da fraseficou prejudicado. Na maioria das vezes no ficou e acrescen-tou-se elegncia orao. Posso citar centenas de exemplos:Falou com uma voz lenta e solene; Manifestou-se com umacerta seriedade; Repassadas de um certo e justificado oti-mismo; O governo enfrenta uma grave crise. Experimentesuprimir esses uns e veja se houve prejuzo ao sentido dasfrases e se no se acrescentou elegncia. No digo que nuncase use os indefinidos; muitas vezes eles so necessrios, atmesmo por questo eufnica.

    Vrgula. Um dos requisitos para a boa redao do trabalhocientfico tornar a leitura, por diversos meios, de fcil com-preenso, agradvel. O leitor tem de esforar-se para entendero assunto, muitas vezes complexo; preciso que se lhe facilitea compreenso da linguagem. A vrgula um dos fatores queamenizam a leitura. Se escrevssemos sem ela, teramos devoltar freqentemente ao incio dos perodos para poder en-tend-los. E s vezes no os entenderamos ou entenderamosalgo diferente do que o autor deseja dizer. Vejam-se estesexemplos: No opere j este paciente ou No, opere j estepaciente; Jamais colem nas provas ou Jamais, colem nasprovas. Infelizmente, vejo um desconhecimento quase totaldas regras de colocao de vrgulas entre a esmagadora maio-ria dos colegas. Com muita freqncia, parece que estes escre-vem uma pgina sem nenhuma vrgula e, ao fim, pegam ummacinho de vrgulas de uma caixinha ao lado e espargem-nassobre o texto; onde carem, a ficam.

    So muitas as regras para a colocao da vrgula, mas obom senso pode substituir o conhecimento de muitas delas,desde que se saiba para que serve a vrgula e que se conheamalgumas regras principais. claro que se deve ter algum co-nhecimento de sintaxe; jamais escrever corretamente quemdesconhece o que vem a ser sujeito, predicado, objeto diretoou indireto, adjunto adnominal ou adverbial etc.. De modogeral, pode-se dizer que a vrgula indica pequena pausa. Masa recproca nem sempre verdadeira. Em linguagem falada, svezes, por mera questo de nfase, separa-se o sujeito do seuverbo por breve pausa, ou o verbo do seu complemento, aopasso que graficamente isso constitui grave erro; no se sepa-ram por vrgula palavras que mantm entre si estreita relaosinttica. Quantas e quantas vezes tenho visto sujeitos sepa-rados dos seus verbos por vrgula, como: O residente, faltou aula por estar enfermo. Em grande nmero de casos, asvrgulas exercem papel de parnteses. Aberto o parntese, claro que o devemos depois fechar. O paciente (aps desper-tar da anestesia) sentiu-se bem; o mesmo que O paciente,aps despertar da anestesia, sentiu-se bem. Desta forma, seretirarmos a locuo que est entre as vrgulas, surgiro liga-dos os termos essenciais da orao, ou os que tm entre si

    estreita ligao sinttica: O paciente sentiu-se bem. A ora-o no perdeu sentido. Uma das regras mais importantes decolocao de vrgulas a que se aplica a esse caso: duasvrgulas ou nenhuma. O lugar onde colocar a primeira delastambm tem sido confundido por muitos; lembre-se de queelas separam uma locuo que pode ser retirada da orao,sem que esta perca sentido. Veja-se o exemplo: O aluno, quepor desconhecimento, chegou atrasado, perdeu a prova. Seretirarmos o que est entre vrgulas, a orao fica truncada: Oaluno chegou atrasado, perdeu a prova. O autor quis dizer:O aluno que chegou atrasado perdeu a prova. Portanto,esse pronome relativo que deve vir antes da vrgula, pois nofaz parte do adjunto adverbial por desconhecimento. Escre-va-se, ento: O aluno que, por desconhecimento, chegouatrasado, perdeu a prova. No estaria errado escrever Oaluno, que por desconhecimento chegou atrasado, perdeu aprova; o que est entre as vrgulas equivale a um aposto que,se eliminado, no prejudica o sentido da orao O alunoperdeu a prova.

    Citemos algumas das regras para emprego de vrgulas; so-mente as mais freqentemente aplicadas na redao cientfica.

    1. Emprega-se vrgula entre vrios sujeitos de um mesmoverbo: Vrus, bactrias, fungos e Rickettsias constituem oselementos etiolgicos das infeces. Tambm separa diver-sos complementos de um mesmo verbo: A lavagem das moselimina sujeira, bactrias, esporos e vrus. Note-se que, en-tre o penltimo e o ltimo elemento, substitu as vrgulas pelaconjuno aditiva e. Isso no obrigatrio, mas creio ser maisadequado para a linguagem cientfica. Poderia ter colocadotambm a conjuno alternativa ou. Note-se que a conjunosubstitui a vrgula, no se soma a ela. Vale lembrar, aqui, que ilgico usar vrgula antes do etc., pois este significa e outrascoisas (j consta o e). Ningum escreveria Mas, pras, eoutras coisas. Infelizmente o erro est consagrado pelo uso(ainda considero melhor no us-la). A no substituio davrgula pela conjuno e entre os dois ltimos elementos dosujeito ou do complemento composto indica que, alm doselementos citados, existem outros A lavagem das moselimina sujeira, bactrias, esporos, vrus . como se houves-se um etc. aps a palavra vrus. O trabalho cientfico noadmite tal forma.

    2. s vezes, a vrgula utilizada para dar nfase a certaslocues: O mdico empregou, e o caso exigia, toda a suacapacidade.

    3. No aposto. Aposto o substantivo ou a locuo subs-tantiva que explica ou esclarece outro substantivo. O apostodeve vir entre vrgulas. Ex.: O glaucoma, essa molstia trai-oeira, importante causa de cegueira; Os pacientes daSanta Casa, sempre de baixo nvel scio-econmico e cultu-ral, apresentam caractersticas patolgicas diferentes docliente particular.

    4. Nos adjuntos adverbiais. Adjunto adverbial um advr-bio, ou uma expresso adverbial, que indica uma circunstnciade tempo, lugar, modo etc. (modificando o verbo). O glauco-ma no tratado, com o passar do tempo, leva cegueira; O

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    Editorial

    glaucoma no tratado, lentamente, acaba levando ceguei-ra; O glaucoma, no Brasil, importante causa de cegueira.Quando o adjunto adverbial vem no incio da orao, deve virseparado por vrgula: Com freqncia, o glaucoma tem leva-do pessoas cegueira neste pas. Esta regra no absoluta;a vrgula usada para dar nfase ao adjunto adverbial ou paraevitar m interpretao. Pode-se dizer O glaucoma no Brasil importante causa de cegueira (sem vrgulas), mas o mesmono ocorre com a orao O glaucoma no tratado lentamenteacaba levando cegueira. Neste caso, pode-se entender queo advrbio lentamente refere-se ao verbo tratar e no, comoquer dizer o autor, ao verbo levar, e o significado da orao gravemente alterado.

    5. Para isolar certas palavras e expresses explicativas,corretivas, continuativas ou conclusivas, tais como: por exem-plo, alm disso, isto , a saber, alis, digo, ou melhor, outros-sim, ento etc. (neste caso a vrgula obrigatria). O glauco-ma, isto , a hipertenso intra-ocular pode levar cegueira;H diversos remdios para o glaucoma, a saber, a pilocarpina,os beta-bloqueadores, os inibidores da anidrase carbnicaetc.; O estrabismo, alm disso, causa problemas emocio-nais. Sempre duas vrgulas!

    6. Para isolar as conjunes adversativas porm, contudo,todavia, entretanto e no entanto e as conjunes conclusivaslogo, pois, portanto quando esto no meio da orao ou, prin-cipalmente, quando a iniciam: O glaucoma grave, entretan-to, pode ser curado. Contudo, seu tratamento no difcil;Voc ainda R1, logo, ainda no pode operar catarata.

    7. Para separar as oraes subordinadas adverbiais e ascoordenadas: A dor era tanta, que o paciente chegou a des-maiar; Como est melhorando, continuemos com o mesmoremdio; Se houver infeco, aplique-se um antibitico;No corra, no mate, no morra; No um aleijado mental,mas comete erros imperdoveis.

    8. Para indicar supresso do verbo (zeugma). Os R2 ope-ram de tudo, enquanto os R1, s ptergio (...enquanto os R1s operam ptergio).

    Ponto e vrgula. O ponto e vrgula tem mais fora que avrgula e menos que o ponto final. Ele usado para:

    1) Separar oraes absolutas que tm certa extenso, so-bretudo se elas possuem partes j divididas por vrgulas:Antigamente, o antibitico mais utilizado era o cloranfenicol;hoje, prefere-se usar a penicilina e os seus derivados. interessante o fato de que, nas reunies, os residentes sen-

    tam-se no fundo da sala; os assistentes, geralmente, preferemsentar-se frente. Tenho visto, com freqncia, colegas usa-rem ponto e vrgula em lugar de virgula, em separao desimples palavras.

    2) Separar as partes principais de uma frase, cujas partessubalternas so separadas por vrgulas: Paulo, Roberto eSlvia so R1; Alberto, Maria e Snia, R2; Ceclia e Antnio,R3. Note que, nas duas ltimas partes, o verbo ser (so) estsubstitudo por vrgula (zeugma).

    Dois pontos. Tenho visto, freqentemente, os dois pontosutilizados de forma errada. O seu emprego , entretanto, muitosimples:

    1) Para anunciar uma citao: Aristteles dizia a seusdiscpulos: Meus amigos, no h amigos; Os estrablogossempre afirmam: a ambliopia deve ser tratada precocemente.

    2) Para indicar uma enunciao ou uma enumerao: Osmeios legtimos de obter sucesso profissional so trs: estu-do, trabalho e tica; Os trs antibiticos mais utilizadosatualmente so: a penicilina, o cloranfenicol e a tetraciclina.

    Visualizar. A lngua portuguesa muito rica. Geralmentesobejam palavras para expressar alguma coisa, muitas vezesintroduzindo sutis diferenas. Quantas vezes tenho ouvidoou lido frases como Foi difcil visualizar a retina porque ovtreo estava turvo. Visualizar significa ver com a imagina-o, imaginar. Garanto que sou capaz de visualizar perfeita-mente, de olhos fechados, a retina de um olho portador decatarata madura. Por que desvirtuar o significado de palavrato til? Quando quisermos usar o termo visualizar, com o seusignificado correto, j no mais o teremos disponvel, poisestar, por fora do mau uso, significando outra coisa. Oportugus conta com vrias palavras, com sutis diferenassemnticas entre elas, para utilizar-se nessa frase: ver, enxer-gar, vislumbrar, entrever, lobrigar, avistar, discernir e distin-guir. Com toda essa riqueza, por que escolher um termo erra-do? Ser porque o ignorante cr ser mais elegante dizer visua-lizar, tal como ocorre com patologia, metodologia, tecnologia esintomatologia? O mesmo se diga quanto ao substantivo vi-sualizao, utilizado em lugar do termo correto visibilida-de, como em A m visualizao (visibilidade) do fundo deolho impossibilitou um diagnstico correto . Os americanostambm erram, dizendo visualize; os seus dicionrios confe-rem o mesmo significado ao termo que em portugus.

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    Arquivos Brasileiros de Oftalmologia

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