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    CARLOS FREDERICO

    MARTINS MENCKe ARMANDO

    MORAIS VENTURAso professores doDepartamento deMicrobiologia do Institutode Cincias Biomdicasda USP.

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    3/12REVISTA USP, So Paulo, n.75, p. 50-61, setembro/novembro 200752

    ALTOS E BAIXOS

    DA TERAPIA GNICA

    m 1990, foi realizado nos

    Estados Unidos o primeiro

    Protocolo Clnico de Terapia

    Gnica em humanos, em duas

    crianas portadoras da imuno-

    deficincia combinada severa.

    O sucesso parcial desse pro-

    tocolo levou a uma exploso

    no desenvolvimento de vrios

    estudos com perspectivas de

    uso teraputico dos genes. O

    frenesi causado pelos resul-

    tados iniciais levou, durante

    a dcada de 1990, a se comparar a terapia

    gnica com outras tecnologias que revo-

    lucionaram a medicina moderna, como o

    desenvolvimento de vacinas, anestesias

    e a descoberta de antibiticos. A relativa

    facilidade de manipulao dos vetores

    genticos derivados de vrus e o aumento

    na capacidade de se isolar genes humanos

    geraram expectativas de avano rpido

    nesse tipo de terapia e muita excitao

    na mdia e mesmo nas pesquisas na rea.

    Esse entusiasmo inicial, no entanto, no foi

    confirmado, e vrios problemas foram en-

    contrados em protocolos clnicos de terapia

    gnica realizados em seres humanos, o que

    deixou claro que ainda temos uma longa

    estrada a percorrer antes que o emprego

    dessa tecnologia possa ser incorporado

    de forma mais genrica ao dia-a-dia dos

    hospitais. No entanto, avanos claros tm

    sido conseguidos, e novas abordagens tm

    ampliado o espectro de ao da terapia g-

    nica, abrindo novos horizontes de uso.

    O aumento na quantidade de protocolos

    clnicos reflete o fato de que h grandes es-

    peranas de sucesso da terapia gnica para

    combater doenas que afligem a sociedade

    h muito tempo, com poucas perspectivas namedicina clssica. Entre as grandes mudan-

    as recentes, destacamos o uso de molculas

    de RNA dupla-fita que agem como silen-

    ciadores gnicos atravs de mecanismos de

    RNA interferncia (RNAi). Esses mecanis-

    mos eram praticamente desconhecidos at

    poucos anos atrs, e sua descoberta resultou

    na premiao do Nobel em Medicina de

    2006 aos americanos Andrew Z. Fire e

    Craig C. Mello. As expectativas dessas

    novas abordagens empregando RNAi so

    descritas no final deste artigo. Em relao

    a nosso pas, cabe a ns optar por assistir

    a esses avanos como espectadores, para

    posteriormente pagar pelos medicamentos

    que sero criados, ou investir para tambm

    contribuir com propostas nossas, criando

    alternativas, e tambm considerar o combate

    a doenas que afligem principalmente os

    pases menos desenvolvidos.

    HISTRICO

    O trabalho pioneiro descrito por Oswald

    T. Avery e seus colaboradores em 1944 j

    mostrou que possvel transferir genes de

    uma cepa bacteriana patognica para outra

    no-patognica, identificando o DNA como

    portador da informao gentica. Essa des-

    coberta fundamental foi logo seguida pela

    proposta da estrutura dupla-hlice do DNA,

    por James Watson e Francis Crick em 1953.

    Estavam lanadas bases para a busca de uma

    forma de inserir genes saudveis em indi-

    vduos que deles necessitassem, hiptese

    que foi aventada em 1964 por trs prmios

    Nobel: Edward L. Tatum, Joshua Lederberg

    e Arthur Kornberg. O isolamento do primei-

    ro gene, por Jon Beckwith e colaboradores

    em Harvard (1969), levou a declaraes

    reforando essa possibilidade. No entanto,

    teve incio tambm uma polmica sobre a

    segurana da engenharia gentica e possi-

    bilidades de sua utilizao para propsitos

    de eugenia. Esse debate estendeu-se durante

    toda a dcada de 1970 e culminou na criao

    de legislaes adequadas de segurana em

    diversos pases.

    Em 1977, os pesquisadores MichaelWigler e Richard Axel conseguiram a pri-

    meira correo gentica propriamente dita

    em clulas de mamfero cultivadas in vitro.

    Esses pesquisadores inseriram o gene que

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    codifica a enzima timidina quinase em c-

    lulas portadoras de deficincia nesse gene.

    A metodologia utilizada, com DNA purifi-

    cado, apesar de fornecer dados inequvocos,

    ainda era pouco eficiente. Ganhou fora,

    ento, a proposta aventada anteriormente de

    utilizar vrus no-patognicos como vetores

    transportadores de genes. Essa idia gerou

    intensas pesquisas e j nos anos de 1983 e

    1984 foram propostos os primeiros sistemas

    de vetores derivados de trs espcies virais:

    retrovrus, adenovrus e vrus adenoassocia-

    dos (AAV). Uma ilustrao desses vrus

    mostrada na Figura 1.

    A idia de usar os prprios vrus como

    veculos para transportar e introduzir

    genes em um paciente, promovendo a

    cura de doenas, de uma simplicidade

    extraordinria e abre enormes perspecti-

    vas para a sade humana. Basicamente,

    essa proposta pretende utilizar estratgias

    dos vrus, que puderam aperfeioar essa

    entrega gentica atravs de evoluo

    por milhes de anos. A conseqncia

    do domnio da manipulao dos genes

    trouxe possibilidades que extrapolam a

    experimentao em bancada, podendo

    ento ser propostas aplicaes clnicas

    em seres humanos, como as implcitas na

    definio de terapia gnica, qual seja: a

    Vrus

    Retrovrus Adenovrus adenoassociado

    FIGURA 1

    Principais vrus que servem de vetores para protocolos de terapia gnica

    transferncia de material gentico novo

    para clulas de um indivduo resultando

    em benefcio teraputico.

    No incio do sculo XXI, com o seqen-

    ciamento do genoma humano e o desenvol-

    vimento das ferramentas de comparao de

    genes baseada na informtica, foi desvendado

    um universo jamais imaginado anteriormente.

    Essas ferramentas foram um apoio fundamen-

    tal na medida em que vrias doenas humanas

    eram, custa de muito trabalho, relacionadas

    a defeitos em genes especficos. Os dados do

    genoma humano foram anunciados vrias

    vezes com pompa e euforia. As manchetes

    identificavam que, com a revelao do Livro

    da Vida, estaramos prximos de resolver

    problemas seculares. De fato, com esses

    dados foi possvel identificar pelo menos

    70.000 defeitos genticos em seres humanos

    (http://www.ornl.gov/sci/techresources/Hu-

    man_Genome/posters/chromosome/). A ca-

    pacidade de interferir na constituio gentica

    de um indivduo, por meio da terapia gnica,

    surge ento como uma espcie de tbua de

    salvao para resolver problemas relaciona-

    dos sade humana, pela cura de doenas

    genticas herdadas dos pais, ou mesmo de

    doenas que podem ser adquiridas durante

    a vida, como o cncer, doenas do corao

    e infeces virais.

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    VETORES GENTICOS E OS

    PROCESSOS DE TERAPIA GNICA

    O desenvolvimento de novos vetores

    genticos tem buscado superar os problemas

    encontrados nos trabalhos iniciais de terapia

    gnica. O vetor ideal deve ser de fcil pro-

    duo, no deve gerar resposta imunolgica

    ao vrus ou ao transgene pelo paciente, deve

    promover a expresso do transgene de modo

    eficiente e por longo tempo, alm de, se pos-

    svel, ter especificidade no tecido alvo. Os

    principais vetores testados at o momento

    tm sido os derivados de adenovrus e retro-

    vrus, sendo que ambos apresentam vrias

    limitaes. Embora vetores adenovirais

    apresentem alta eficincia, estes induzem

    uma elevada resposta imunolgica que re-

    duz o tempo de expresso do transgene e

    praticamente impede a reaplicao em um

    mesmo paciente.

    Pelo menos em um caso o resultado foi

    dramtico: em 1999, a aplicao de grandes

    quantidades de adenovrus recombinantes

    provocou a morte de um jovem paciente,

    gerando enorme controvrsia sobre o uso de

    terapia gnica em seres humanos. Vetores

    retrovirais, por outro lado, permitem a in-

    tegrao do transgene no genoma da clula

    hospedeira, restaurando a deficincia celular

    de um modo que pode ser permanente. No

    entanto, a eficincia na produo de retro-

    vrus recombinantes baixa, o que limita

    a possibilidade de seu uso, e a insero no

    genoma no impede o silenciamento poste-

    rior da expresso do transgene. Alm disso,

    recentemente foi reportada a inativao de

    um proto-oncogene em linfcitos, induzin-

    do a proliferao tumoral (leucemia) em

    pacientes submetidos ao tratamento com

    esse tipo de vrus durante trs anos. Vetores

    derivados de vrus adenoassociados (AAV)

    parecem resolver alguns desses problemas,

    pois esses pequenos vrus no esto ligados a

    nenhuma doena humana, so relativamentefceis de se obter, e pouco estimulam o

    sistema imunolgico do paciente, aumen-

    tando o tempo de expresso do transgene.

    Sua produo em larga escala, no entanto,

    consiste em um problema cuja soluo ainda

    no simples.

    Sistemas de transferncia gnica inde-

    pendentes de vrus tm sido desenvolvidos

    como alternativas aos problemas causados

    pelos vrus recombinantes. Em uma dessas

    abordagens, o transgene, na forma de DNA

    livre, aplicado diretamente no paciente.

    Essas vacinas de DNA so compostas pela

    clonagem do gene de um antgeno prove-

    niente de um patgeno, em um plasmdeo

    bacteriano. Isso possibilita obter esse

    plasmdeo em grande quantidade a partir

    do cultivo de bactrias e purific-lo (DNA

    apenas). Ao ser injetado num tecido, a parte

    eucaritica desse plasmdeo expressa a pro-

    tena antignica e gera uma resposta imune,

    de forma similar a uma vacina normal com-

    posta por antgenos proticos. No caso das

    vacinas de DNA, no entanto, descobriu-se

    que algumas delas, alm de despertar uma

    resposta imune que protege o indivduo

    contra uma infeco futura (preveno),

    podem tambm atenuar a sintomatologia

    de uma infeco em andamento, atuando

    como uma vacina teraputica. Um exemplo

    a ao que uma vacina de DNA, composta

    por um antgeno da bactria que causa a

    tuberculose, tem ao combater a infeco

    ativa em camundongos. Como se trata da

    transferncia de um gene novo para um

    tecido causando benefcio teraputico,

    mais uma estratgia de terapia gnica que

    est prestes a ser testada em seres humanos,

    e com grande possibilidade de sucesso.

    Os lipossomos catinicos constituem

    uma categoria parte em termos de m-

    todos de transferncia gnica, sendo at

    chamados de vetores no-virais. Estes

    so compostos por lipdeos com cabea

    polar positiva e formam complexos com o

    DNA neutralizando a sua carga negativa,

    o que permite seu transporte atravs da

    membrana citoplasmtica. Complexos de

    lipossomos e plasmdeos expressando ge-

    nes que medeiam a resposta imune celular

    foram injetados diretamente em clulastumorais de melanomas. Como resultado,

    observou-se inibio do crescimento do

    tumor e remisso parcial em parte dos

    pacientes. A tendncia de um aperfeio-

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    amento cada vez maior da eficincia dessa

    metodologia.

    De uma forma genrica, as etapas envol-

    vidas em um experimento de terapia gnica

    so: o isolamento do gene, a construo

    de um vetor, a transferncia para clulas

    no tecido-alvo, e a produo da protena

    codificada e expressa pelo gene teraputico

    nessas clulas. A transferncia do gene para

    clulas est mostrada na Figura 2.

    Para introduo de genes em organismos

    atravs de terapia gnica, duas estratgias

    bsicas podem ser utilizadas: in vivo e

    ex vivo(Figura 3). Na estratgia in vivo,

    vetores eficientes (como os adenovrus)

    podem levar o transgene diretamente ao

    rgo-alvo adequado (como o fgado) por

    aplicao direta no organismo (como a

    injeo endovenosa), levando eficiente

    expresso do transgene. A estratgia ex vivo

    baseia-se na modificao de clulas (como

    pela infeco por um vetor retroviral) de um

    tecido-alvo (como os linfcitos), retiradas

    de um paciente e cultivadas in vitro. Essas

    clulas selecionadas, em geral atravs de

    uma marca de resistncia a antibiticos,

    que so expandidas e reintroduzidas no

    paciente, iro expressar o gene exgeno

    desejado. A possibilidade de realizar pro-

    tocolos ex vivotem assumido perspectivas

    novas na associao de protocolos de terapia

    gnica e uso de terapia celular, atravs da

    modificao gentica de clulas-tronco,

    que apresentam diferenciao em vrios

    tecidos potenciais.

    APLICAES DA TERAPIA GNICA

    Como discutido anteriormente, os pa-

    cientes portadores de doenas genticas

    so vistos como potenciais beneficirios

    da terapia gnica, pois a introduo de

    um gene normal poderia reverter o quadro

    clnico. Um exemplo fcil de entender a

    hemofilia, em que os indivduos tm umamutao em um dos genes responsveis

    pela sntese de um dos fatores de coagula-

    o. Caso esse fator seja reintroduzido no

    sangue, o tempo de coagulao volta ao

    FIGURA 3

    Estratgias de terapia gnica in vivoe ex vivo

    FIGURA 2

    Etapas envolvidas em um experimento de terapia

    gnica, exemplificado com um vetor viral

    1. Isolamentodo gene

    2. Construodo vetor

    3. Transduo

    4. Liberao daprotena teraputica

    Clula-alvo

    mRNA

    Protena

    Ex vivo:1. coleta e cultivo in vitrodas clulas do paciente;

    2. transduo com vetor carregando o gene teraputico;3. seleo e expanso das clulas com gene teraputico;4. reintroduo das clulas modificadas no paciente.

    In vivo:1. formulao apropriada do vetor que carrega o gene teraputico;2. injeo direta do vetor no tecido-alvo do paciente.

    12

    3

    4

    1

    2

    Ex vivo In vivo

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    normal, evitando hemorragias que podem

    ser fatais. Os genes que codificam para os

    fatores VIII e IX (hemofilias A e B) foram

    clonados em diferentes vetores. Para que

    haja o benefcio teraputico necessrio

    que o gene seja expresso nas clulas de

    um tecido do indivduo que possibilite

    a liberao do fator de coagulao no

    sangue. Nesse caso, as clulas do fgado

    mostraram-se apropriadas, pois esse rgo

    intensamente irrigado.

    Doenas genticas adquiridas durante a

    vida, como o cncer, doenas do corao

    e infeces virais (Aids, por exemplo),

    no entanto, tambm so alvos para pro-

    tocolos de terapia gnica. A idia nesses

    casos basicamente introduzir genes que

    possam interferir no metabolismo da clula

    cancerosa, bloquear a replicao viral ou

    simplesmente estimular o sistema de defesa

    imunolgico, propiciando um benefcio

    teraputico ao paciente. Esses protocolos

    de terapia gnica para doenas genticas

    adquiridas tm sido muito estudados dada

    a clara relevncia que sucessos podem ter

    em sade humana.

    Mais de 1.300 protocolos clnicos

    aplicados diretamente em seres humanos

    (apenas em 2006, foram iniciados 97 novos

    protocolos), envolvendo terapia gnica, es-

    to sendo aplicados no mundo atualmente,

    e podemos utilizar esse nmero como um

    parmetro do avano de cada estratgia

    desse tipo de terapia. A revista cientfica The

    Journal of Gene Medicinemantm uma re-

    lao atualizada dos protocolos clnicos em

    humanos para consulta no site http://www.

    wiley.co.uk/genetherapy/clinical/, sendo a

    maior parte (61,2%) desses protocolos ainda

    correspondente a testes de fase I (objeti-

    vando apenas verificao de segurana do

    tratamento em poucos pacientes), enquanto

    apenas 32 protocolos esto em fase III, mas

    com chances reais de serem utilizados em

    sade humana.

    Esses dados, quando organizados por

    tipo de doena (Figura 4), indicam que

    atualmente temos uma predominncia de

    protocolos clnicos voltados a tratamento

    de cncer, com cerca de dois teros de to-

    dos os testes (66,5%), seguido das doenas

    cardiovasculares, doenas monognicas

    e doenas infecciosas. Ao contrrio das

    doenas monognicas recessivas como a

    hemofilia, que requerem apenas a expres-

    so do gene funcional para a correo do

    estado patolgico, no cncer o objetivo

    a eliminao do tecido tumoral. O gene

    teraputico, nesse caso, tem um carter

    diferente. Ele deve levar eliminao das

    clulas tumorais, basicamente por duas vias.

    Em uma dessas vias o gene txico (ou

    gera produto txico) apenas para o tumor,

    e, em outra via, o gene busca despertar a

    resposta imune contra o tumor eliminan-

    do-o. Aqui temos as maiores possibilidades

    de aplicao da terapia gnica na clnica

    em curto prazo. Um bom exemplo o gene

    supressor de tumores p53, que, transportado

    por vetores adenovirais, mostra-se efetivo,

    isoladamente ou em combinao com outros

    tratamentos como a radioterapia, para tratar

    diferentes tumores.

    As doenas cardiovasculares, como

    doenas cardacas isqumicas, isquemia

    de membros, neuropatia isqumica ou

    diabtica, podem ser tratadas pelo estmulo

    neovascularizao, que leva normali-

    zao da circulao sangunea local. Uma

    estratgia de terapia gnica em especial,em que o gene do fator de crescimento de

    endotlio vascular aplicado localmente,

    teve efeitos clnicos positivos. Da o grande

    nmero de protocolos em andamento, cada

    FIGURA 4

    Distribuio da aplicao de protocolos clnicos

    por tipo de doena

    Cncer Doenasmonognicas

    Doenasinfecciosas

    Doenascardiovasculares

    Outras doenasGenesmarcadores

    Pessoas sadias

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    vez mais aperfeioados, e uma expectativa

    de aplicao mais ampla tambm em futuro

    prximo.

    As doenas infecciosas, dependendo do

    agente patognico, podem ser vistas como

    doenas genticas adquiridas, conceito mais

    fcil de ser entendido quando se trata de

    infeces virais. Esses microorganismos

    desenvolveram a habilidade de inserir seus

    genomas no interior de clulas do organismo

    hospedeiro, e nelas multiplicarem-se. Nesse

    processo ocorrem patologias devido des-

    truio dos tecidos e reao do organismo.

    O desenvolvimento de genes anti-HIV,

    por exemplo, possibilitou o desenho de es-

    tratgias promissoras de terapia gnica para

    tratar a Aids, sendo contra esse vrus o maior

    nmero de protocolos clnicos para doenas

    infecciosas em andamento. A expectativa

    de que em breve haja a possibilidade de

    inserir genes anti-HIV em clulas-tronco

    da medula ssea in vivo. Essas clulas do

    origem s clulas do sangue, e j foram

    obtidos dados de que linfcitos originrios

    de clulas-tronco com genes anti-HIV tor-

    nam-se resistentes multiplicao do HIV,

    trazendo uma perspectiva promissora para

    pacientes com Aids.

    Na Figura 5, apresentada a distri-

    buio de tipos de vetores que tm sido

    empregados em protocolos clnicos. Como

    pode ser observado, os vetores derivados

    de adenovrus e retrovrus continuam como

    os principais veculos para ensaios em seres

    humanos, perfazendo quase metade de todos

    os testes. Outros vrus bastante empregados

    so os derivados de vrus adenoassociados

    (AAV), vrus no-patognicos, que, apesar

    de muito limitados no espao disponvel

    para o transgene, permitem a sua expresso

    durante bastante tempo, no induzindo res-

    posta imunolgica, e os derivados de vrus

    da famlia poxviridae (como o vaccinia,

    empregado em seres humanos durante mais

    de dois sculos em processos de imunizao

    contra a varola).

    Vetores no-virais tambm esto setornando populares, atravs de uso direto

    de DNA plasmidial livre ou em lipossomos.

    Um destaque o uso de transferncia di-

    reta de molculas de RNA em pouco mais

    de 1% dos ensaios clnicos (1,3%, Figura

    5). Esse valor ainda bastante pequeno,

    mas h expectativas de aumento signifi-

    cativo nos prximos anos medida que

    se apresentarem novas propostas com o

    emprego de RNAi. De fato, o processo

    celular de interferncia de RNA, ou RNAi,

    tem provocado uma verdadeira corrida de

    empresas farmacuticas para estudar suas

    propriedades farmacolgicas. Esse fato foi

    impulsionado pela facilidade de fabricao

    dessas molculas, aliado s possibilidades

    de uso in vivo, e discutido em detalhes

    a seguir.

    RNAi: A NOVA FACE DA TERAPIA

    GNICA

    O fenmeno de silenciamento gnico a

    partir de molculas de RNA dupla-fita teve

    seu mecanismo revelado em 1998, atravs

    de experimentos com um verme nematide

    (Caenorhabditis elegans). Poucos anos mais

    tarde (2001) foi comprovada sua existncia

    tambm em clulas de mamferos, o que

    abriu enormes perspectivas tecnolgicas.

    Basicamente, pequenas molculas de RNA

    so sintetizadas nas clulas, a partir do seu

    genoma, de modo a produzir estruturas

    similares a grampos, formando molculas

    FIGURA 5Distribuio dos protocolos clnicos por tipo de vetor

    Retrovrus

    Vrusadenoassociado

    Lipossomos

    Poxvrus

    Transfernciade RNA livre

    Outrossistemas

    Transfernciade DNA livreAdenovrus

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    9/12REVISTA USP, So Paulo, n.75, p. 50-61, setembro/novembro 200758

    de RNA dupla-fita (ou duplexes de RNA,

    tambm conhecidos como microRNA, ou

    miRNA) que controlam a expresso de

    genes celulares, seja a partir da degradao

    do RNA mensageiro, seja a partir de um

    bloqueio da sntese protica. Esse sistema

    interfere na expresso gnica das clulas,e por isso recebeu o nome de RNA inter-

    ferncia (RNAi).

    A descoberta do mecanismo de RNAi

    mudou completamente a forma como

    entendemos o metabolismo de controle

    gentico na clula humana, e tambm

    propiciou uma ferramenta poderosa para

    inibir genes especficos e assim determinar

    sua funo na clula. Isso pode ser obtido

    pela introduo de uma pequena molculaduplex de RNA (19 a 30 pares de base)

    diretamente nas clulas em cultura, visando

    ao silenciamento especfico do gene-alvo

    a ser estudado. Essas molculas, conheci-

    das como siRNA (small interfering RNA),

    devem ser complementares seqncia

    do gene-alvo e podem reduzir a expresso

    deste em at 80%. Alternativamente, ve-

    tores (em geral derivados de vrus, como

    adenovrus, retrovrus ou vrus adenoas-sociados) podem tambm ser usados para

    entregar, no interior das clulas, genes

    que expressam uma molcula de RNA

    palindrmica, que pode gerar uma duplex

    de RNA na forma de grampo, conhecida

    como shRNA (do ingls short hairpin

    RNA). Como o siRNA, o shRNA tem como

    objetivo o silenciamento do gene-alvo em

    estudo, apresentando a possibilidade de um

    silenciamento permanente nas clulas, nocaso de uso de retrovrus. O mecanismo de

    silenciamento gnico por RNAi ilustrado

    na Figura 6.

    FIGURA 6

    Esquema de silenciamento gnico atravs do mecanismo de RNAi, seja atravs

    de vetores virais recombinantes, seja atravs de molculas duplexes de siRNA. DICER e

    RISC so as principais enzimas envolvidas no processo que leva degradao do RNAm

    Vrusrecombinante siRNA exgeno

    siRNA

    siRNA

    siRNA e RISC

    degradaodo mRNA

    shRNA

    transcrio

    Genoma do vrus

    DICER

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    Apesar de a descoberta do mecanismo

    de RNAi datar de pouco mais de 6 anos,

    rapidamente se demonstrou que vetores

    virais ou pequenas molculas de siRNA

    podem atuar in vivo. Atualmente j foram

    publicados mais de 100 artigos cientficos

    relatando o funcionamento de RNAi dire-tamente com experimentos em animais,

    alguns cujo gene-alvo do silenciamento

    pode trazer benefcios teraputicos. Mais

    recentemente, foram iniciados protocolos

    clnicos em fase I (de segurana no uso em

    humanos), e alguns j foram concludos,

    sem que se verificasse nenhum efeito

    txico. possvel que em mais alguns

    poucos anos seja lanado o primeiro

    produto farmacolgico formado apenaspor pequenas duplexes de RNA, que atue

    silenciando a expresso de um gene. Essa

    velocidade no desenvolvimento de um

    produto baseado em siRNA espantosa

    e deve-se a vrios fatores, incluindo os

    extensos trabalhos anteriores para terapia

    gnica e a alta eficincia dessas molculas

    na modulao da expresso gnica.

    Defato, vrios so os problemas de sa-

    de que resultam de expresso aumentadade um ou mais genes, entre eles, tumores,

    hipercolesterolemia e infeces virais.

    E esses alvos tm sido extensivamente

    investigados em trabalhos com clulas e

    em animais. As estratgias variam pelo

    uso direto de duplexes de RNA (siRNA)

    ou vetores virais (shRNA), e pela forma

    de aplicao nos animais, dependendo do

    objetivo do trabalho. Molculas pequenas

    e artificiais de siRNA esto se tornandocada vez mais populares pela versatilidade

    e facilidade na sua produo e introduo

    em clulas ou in vivo. Alm disso, so

    consideradas como drogas pequenas e

    assim podero ser usadas em pouco tempo

    como produtos farmacuticos comuns,

    podem ser introduzidas diretamente ou

    atravs de lipossomos, sem as questes

    de biossegurana normalmente levantadas

    para vetores virais.Essas molculas esto sendo testadas

    a partir de aplicaes que podem ser

    intravenosas (sistmicas), mas tambm

    podem ser direcionadas a tecidos espec-

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    ficos. Aplicaes intra-oculares tm tido

    bastante interesse, visando obteno de

    terapia a doenas genticas associadas no

    olho. Destacam-se estudos de inibio do

    gene VEGF (vascular endothelial growth

    factor), que pode promover vasculariza-

    o prxima retina, o que est associado

    doena de degenerao macular relacio-

    nada idade (AMD, do ingls age-related

    macular degeneration), causando perda

    de viso em milhes de idosos no mundo

    inteiro. Vrias empresas farmacuticas j

    iniciaram protocolos clnicos de fase I com

    humanos, sendo que pelo menos alguns

    desses j esto recrutando pacientes para

    iniciar os de fase II. Os resultados tm

    sido animadores.

    Resultados promissores, e surpreen-

    dentes, tambm tm sido obtidos com a

    aplicao de molculas de siRNA atravs

    de inalao com administrao intranasal,

    tendo como alvo doenas respiratrias.

    Esses estudos tm se mostrado eficientes

    na inibio de vrus que agridem o sistema

    respiratrio, tais como o vrus respiratrio

    sincicial (RSV, que j est sendo testado

    em protocolo clnico em fase I) e mesmo

    o vrus influenza H5N1, que provoca a

    temida gripe aviria.

    Outros alvos para testes com RNAi

    incluem a reduo da apoliprotena B

    (APOB) no fgado, o que em macacos

    resultou em reduo de colesterol no

    sangue. Vrios vrus mortais, como

    hepatite B, hepatite C, rotavrus e HIV

    (Aids), tambm tm sido alvos para

    terapia com siRNA, tambm com re-

    sultados promissores. Silenciamento

    gnico atravs do mecanismo de RNAi

    tambm tem sido proposto como poss-

    vel terapia para vrios tipos diferentes

    de tumores. Os alvos para combate ao

    cncer envolvem uma grande quantidade

    de vias: oncogenes, mediadores de ciclo

    celular e apoptose, genes envolvidos

    em degradao e estabilidade protica,

    angiognese, molculas relacionadas invaso metasttica e adeso celular.

    Alm disso, siRNA tambm pode auxiliar

    no tratamento com radiao ionizante e

    agentes quimioterpicos.

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    ser teis de acordo com o objetivo terapu-

    tico a ser alcanado, sendo que em alguns

    casos a terapia gnica deve ser usada em

    combinao com protocolos mais clssicos,

    de modo a garantir, se no a cura, pelo

    menos uma melhoria de qualidade de vida

    de pacientes que hoje padecem de doenasgenticas herdadas ou adquiridas.

    Os avanos recentes esto sem dvida

    fazendo renascer as perspectivas que eram

    esperadas anteriormente, mas os sucessos

    devem ser observados com otimismo cau-

    teloso, e ainda requerem intenso trabalho

    de pesquisa. Temos convico de que o

    empenho da comunidade acadmica, que

    estamos testemunhando, trar mais apli-

    caes bem-sucedidas da terapia gnica eque esta deve se firmar como importante

    ferramenta na prtica clnica de um futuro

    relativamente prximo. Esperamos que o

    Brasil possa atuar como participante ativo

    nessas pesquisas, pois tem condies de rea-

    lizar contribuies significativas, e ampliar

    seu impacto na medicina experimental.

    BIBLIOGRAFIA

    MIR, Luis (org.). Genmica: Cincias da Vida. So Paulo, Atheneu, 2004.

    MORALES, Marcelo M. (ed.). Terapias Avanadas: Clulas-tronco, Terapia Gnica e Nanotecnologia Aplicada Sade. So

    Paulo, Atheneu, 2007.

    VENTURA, A. M. Terapia Gnica Utilizando Vetores Virais, in Luiz Rachid Trabulsi e Flvio Alterthum (eds.). Microbiologia.

    4aed. So Paulo, Atheneu, pp. 573-9.

    Site

    http://www.wiley.co.uk/genetherapy/clinical/.

    MUITAS ESPERANAS PARA A

    TERAPIA GNICA

    Durante as dcadas de 1980 e 1990,

    artigos sobre terapia gnica anunciavamuma nova revoluo da medicina. Apesar

    de alguns resultados positivos terem sido

    alcanados, as dificuldades encontradas

    e os problemas criados, sobretudo pela

    introduo de vrus recombinantes em

    organismos, infelizmente, no permitiram

    que essa revoluo ocorresse como previsto.

    Essa frustrao, no entanto, tem dado lugar

    a um trabalho cada vez mais consistente,

    com protocolos clnicos sendo realizadosde modo cada vez mais direcionado, e com

    boas perspectivas. Alm disso, o conheci-

    mento acumulado com os experimentos de

    terapia gnica tem servido de base para no-

    vas estratgias e uso de novas ferramentas,

    como o caso de protocolos com RNAi.

    provvel que as vrias estratgias possam