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161 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Juán Carlos Pachón Mateos José Carlos Pachón Mateos Remy Nelson Albornoz Enrique Indalecio Pachón Mateos Celso Salgado de Melo Bradiarritmias, Marca-passos e Desfibriladores 6 INTRODUÇÃO Existem poucas áreas na medicina nas quais a tecnologia tenha contribuí- do de forma tão decisiva como no tratamento e prognóstico das bradiarrit- mias. Os marca-passos cardíacos atuais devolvem vida normal para os pa- cientes tanto na sua qualidade quanto com relação ao tempo de sobrevida. Em 1883, Gaskell, fisiologista inglês, descobriu que a destruição da região do nó atrioventricular provocava claramente uma dissociação entre o ritmo dos átrios e o ritmo dos ventrículos, estes com uma freqüência me- nor, ao que denominou bloqueio cardíaco. Em 1930, Hyman idealizou um marca-passo com gerador elétrico manual e publicou trabalhos importan- tes a respeito do tratamento elétrico da parada cardíaca, antecipando a uti- lidade da estimulação cardíaca artificial quando cessa a atividade espontâ- nea. Em 1958, Senning realizou o primeiro implante de marca-passo cardía- co com fonte interna de energia. Em 1959, Furman demonstrou a possibi- lidade de estimulação endocárdica por via transvenosa 1 , consolidando as bases da moderna estimulação cardíaca. Em 1965, Adib Jatene e Décio Kormann, no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, construíram e ini- ciaram a fabricação dos primeiros marca-passos e eletrodos nacionais, lar- gamente utilizados em nosso meio e em toda a América do Sul. BRADIARRITMIAS Considera-se bradiarritmia uma freqüência cardíaca menor que 60bpm. Evidentemente este conceito é relativo à situação metabólica e à

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Juán Carlos Pachón MateosJosé Carlos Pachón Mateos

Remy Nelson AlbornozEnrique Indalecio Pachón Mateos

Celso Salgado de Melo

Bradiarritmias, Marca-passos

e Desfibriladores 6

INTRODUÇÃO

Existem poucas áreas na medicina nas quais a tecnologia tenha contribuí-do de forma tão decisiva como no tratamento e prognóstico das bradiarrit-mias. Os marca-passos cardíacos atuais devolvem vida normal para os pa-cientes tanto na sua qualidade quanto com relação ao tempo de sobrevida.

Em 1883, Gaskell, fisiologista inglês, descobriu que a destruição daregião do nó atrioventricular provocava claramente uma dissociação entreo ritmo dos átrios e o ritmo dos ventrículos, estes com uma freqüência me-nor, ao que denominou bloqueio cardíaco. Em 1930, Hyman idealizou ummarca-passo com gerador elétrico manual e publicou trabalhos importan-tes a respeito do tratamento elétrico da parada cardíaca, antecipando a uti-lidade da estimulação cardíaca artificial quando cessa a atividade espontâ-nea. Em 1958, Senning realizou o primeiro implante de marca-passo cardía-co com fonte interna de energia. Em 1959, Furman demonstrou a possibi-lidade de estimulação endocárdica por via transvenosa1, consolidando asbases da moderna estimulação cardíaca. Em 1965, Adib Jatene e DécioKormann, no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, construíram e ini-ciaram a fabricação dos primeiros marca-passos e eletrodos nacionais, lar-gamente utilizados em nosso meio e em toda a América do Sul.

BRADIARRITMIAS

Considera-se bradiarritmia uma freqüência cardíaca menor que60bpm. Evidentemente este conceito é relativo à situação metabólica e à

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idade do paciente, mesmo porque, freqüência cardíaca de 50bpm ou me-nos é normal durante o sono ou em pacientes idosos, assim como uma fre-qüência de 70bpm é bradicárdica em recém-nascidos ou em pacientescom febre. Isto demonstra que o diagnóstico de bradiarritmia depende doquadro clinico do paciente2.

Etilogia das Bradiarritmias

De forma simplificada, as causas de bradiarritmias podem ser agrupa-das conforme critérios anatomofuncionais em quatro grupos:

A. Causas autonômicas;B. Doença do nó sinusal;C. Bloqueio atrioventricular;D. Bloqueios intraventriculares.

Causas Autonômicas

São representadas pela síncope neurocardiogênica e pela síndrome doseio carotídeo. Nestas, a bradiarritmia ocorre por ação do sistema nervo-so autônomo, mesmo a ausência de lesões do sistema éxcito-condutor car-díaco. É necessário que a inervação cardíaca eferente parassimpática es-teja íntegra.

O sistema nervoso central é muito exigente com relação ao seu supri-mento de oxigênio. A filogênese das espécies mostra claramente o desen-volvimento de diversos mecanismos para garantir a circulação cerebral deforma segura. O reflexo pressorreceptor responde pelo controle neural,imediato, da pressão arterial, mantendo o tônus vasomotor sistêmico e afreqüência cardíaca. Os sensores deste reflexo são prolongamentos neu-ronais, situados na túnica média das grandes artérias intratorácicas, prin-cipalmente no arco aórtico e na bifurcação das carótidas. Estas estruturastambém são encontradas na parede do ventrículo esquerdo e se denomi-nam pressorreceptores. A estimulação dos pressorreceptores inibe o contin-gente vascular do sistema nervoso simpático e estimula as terminaçõescardíacas eferentes vagais3.

Síncope Neurocardiogênica

Nesta condição, ocorre síncope por bradicardia, assistolia e/ou vaso-dilatação severas, em decorrência de diversos estímulos, tais como dor,emoções, estresse, parada súbita de esforço físico, sangramento, perma-nência em posição ortostática, estimulação simpática, etc. Trata-se de umreflexo mediado pelo sistema nervoso autônomo que parece ter sido mui-

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to importante na evolução dos animais superiores, para preservar a vidaem situações extremas de ataque e defesa. É muito freqüente em jovens.Normalmente é tratada com orientação ao paciente e uso de betabloquea-dores, retentores hídricos, depressores do inotropismo, etc. Nos casosmuito graves — síncope neurocardiogênica maligna — pode ser necessárioimplante de marca-passo bicameral com programação específica, devidoà ineficácia farmacológica.

Síndrome do Seio Carotídeo

Ao contrário da síncope neurocardiogênica, é observada caracteristi-camente em idosos. Doenças degenerativas, principalmente a arterioscle-rose, comprometem a parede das artérias ocasionando endurecimento queprovoca uma “irritabilidade” dos pressorreceptores. Nestes pacientes, acompressão ou o estiramento das artérias toracocervicais provoca inten-sa resposta dos pressorreceptores, com bradicardia intensa (bradicardiasinusal e/ou bloqueio nodal AV funcional) e vasodilatação generalizadacom hipotensão severa. Esta resposta freqüentemente ocasiona tonturase/ou síncope, sendo conhecida como síndrome do seio carotídeo hipersen-sível3. Tipicamente, estes pacientes são idosos, referindo estes sintomasquando realizam manobras que comprimem ou estiram a região das ca-rótidas (Fig. 6.1).

Doença do Nó Sinusal

O nó sinusal é a estrutura responsável pela manutenção do ritmo car-díaco normal, graças à sua riqueza em células P (células marca-passo).Estas células elaboram potenciais elétricos lentos e de baixa amplitude,pouco eficazes na estimulação de outras células, porém de forma automá-tica. Células acessórias de transição e de Purkinje formam a junçãosinoatrial que amplifica estes potenciais permitindo uma estimulação se-gura do miocárdio atrial. Na doença do nó sinusal existe lesão do nósinusal e/ou da junção sinoatrial e da parede atrial. Caracteriza-seeletrofisiologicamente pela redução do automatismo sinusal, bloqueiosinoatrial e/ou por instabilidade elétrica da parede atrial. O eletrocardio-grama nestes pacientes freqüentemente apresenta bradicardia sinusal, queé sua manifestação mais típica2,3.

Bradicardia Sinusal

Ao fazermos o diagnóstico de bradicardia sinusal (freqüência cardía-ca menor que 60bpm, em repouso e em vigília) devemos estar atentos para

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sua origem. Pode ser funcional, orgânica ou farmacológica. A bradicardiafuncional ocorre nas pessoas condicionadas fisicamente para os esportes,na estenose aórtica, na hipertensão arterial não-adrenérgica, na vagotoniaprimária, etc. A bradicardia sinusal de origem orgânica corre na verdadei-ra doença do nó sinusal devido à degeneração e destruição das células P,de transição e de Purkinje, freqüentemente ocasionadas por miocardioes-clerose, coronariopatias, miocardiopatias, miocardite, doenças infiltrati-vas como a amiloidose, colagenoses, ou ainda por traumatismo direto donó sinusal que pode ocorrer durante cirurgia cardíaca2,3. A bradicardiasinusal de origem farmacológica é de grande importância diagnóstica, ten-do em vista estar relacionada com iatrogenia. Comumente aparece nospacientes que utilizam betabloqueadores, antiarrítmicos como a amioda-rona, digital ou determinados anti-hipertensivos que depletam as cateco-laminas.

Eletrocardiograma na Doença do Nó Sinusal

O achado mais típico é a bradicardia sinusal persistente acompanha-da ou não de paradas sinusais (Fig. 6.2) e bloqueios sinoatriais. Eventu-almente existe ritmo de escape juncional. O eletrocardiograma na doen-ça do nó sinusal está relacionado na Tabela 6.1.

Fig. 6.1 — Massagem do seio carotídeo em portador de síndrome do seio carotídeo.

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Bloqueios Atrioventriculares

Os bloqueios atrioventriculares podem causar bradicardia, apesar dea freqüência sinusal ser normal (nos casos sem doença sinusal associada);quando irreversíveis, freqüentemente necessitam de implante de marca-passo. São divididos em bloqueios de primeiro, segundo e terceiro graus(Fig. 6.3).

Bloqueio Atrioventricular do Primeiro Grau

Caracteriza-se por condução 1:1, porém com retardo. O eletrocardio-grama mostra o intervalo PR > 200ms. Localiza-se mais freqüentemente

Fig. 6.2 — Três exemplos de doença do nó sinusal. A: Bradicardia sinusal acompanhada deparada sinusal que origina uma pausa de 4300ms. B: Traçados contínuos. Verifica-se ritmo

sinusal com freqüência normal, porém com pausas iguais ao dobro do ciclo básico,caracterizando a presença de bloqueio sinoatrial do segundo grau do tipo II. C: Síndrome

braditaquicardia. Alternância de bradicardia e parada sinusal com períodos de fibrilação atrial.

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no nó atrioventricular, sendo comumente ocasionado por processos infla-matórios, isquêmicos ou farmacológicos, geralmente reversíveis2.

Bloqueio Atrioventricular de Segundo Grau

Neste tipo existem algumas ondas P bloqueadas. O tipo I ou Wenckebachse caracteriza por aumento progressivo do intervalo PR até o surgimentode uma onda P bloqueada seguida por encurtamento do próximo intervaloPR, que inicia um novo ciclo de alargamento do PR e bloqueio. Tipica-mente se localiza no nó atrioventricular. O tipo II ou Mobitz II caracteriza-sepelo aparecimento de onda P bloqueada sem alargamento prévio do in-tervalo PR, ou seja, o bloqueio ocorre de forma inesperada. As lesões res-ponsáveis freqüentemente se localizam ao nível do tronco do feixe de His,(nos casos com QRS estreito) ou no sistema His-Purkinje (nos casos deQRS largo). Tanto o bloqueio tipo I quanto o tipo II, em casos extremos,conduzem ao tipo 2:1, que apresenta ondas P bloqueadas e conduzidas deforma alternada. Quando ocorrem várias ondas P bloqueadas consecuti-vas, o bloqueio é considerado de alto grau ou de grau avançado2.

Bloqueio Atrioventricular de Terceiro

Nesta situação não existe relação entre as ondas P e os complexos QRS.O ritmo atrial é usualmente sinusal e o ritmo ventricular é originado emfoco de escape da junção (mais freqüentemente no bloqueio congênito)ou em foco de escape ventricular (comumente no bloqueio adquirido).Este último tem QRS largo e freqüência lenta (30 a 40bpm). A localiza-ção do bloqueio de terceiro grau é quase sempre na junção atrioventricularna forma congênita, e no feixe de His e ramos do sistema His-Purkinje naforma adquirida2.

Tabela 6.1Eletrocardiograma na Doen˘a do Nð Sinusal

1. Bradicardia sinusal2. Bloqueio sinoatrial3. Parada sinusal4. Ritmo de escape juncional5. Pausa longa pðs-extra-sˇstoles supraventriculares6. Fibrila˘ıo atrial com baixa freq•¸ncia ventricular7. Instabilidade de ritmo pðs-cardioversıo8. Sˇndrome braditaquicardia

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Bloqueios Intraventriculares

Aparentemente, com intenção de garantir a estimulação ventricular eotimizar o sincronismo do miocárdio ventricular, a evolução natural cons-tituiu três ramos (fascículos) principais no sistema de condução intraven-tricular. Estes ramos funcionam como três eletrodos de marca-passo, deforma que a estimulação ventricular persiste pelo terceiro, mesmo tendohavido o bloqueio dos outros dois. Esta concepção corresponde ao siste-ma de condução trifascicular, constituído pelos fascículos ântero-superiore póstero-inferior (que se originam do ramo esquerdo) e pelo ramo direi-to, que corresponde ao terceiro fascículo. Os bloqueios fasciculares nãoreduzem a freqüência cardíaca, que se mantém desde que pelo menos umfascículo esteja conduzindo. No entanto, se ocorre bloqueio nos três aomesmo tempo, surgem os bloqueios atrioventriculares de segundo e terceirograus. O eletrocardiograma nos informa se existe bloqueio unifascicular,bifascicular e, eventualmente, trifascicular. O cardiologista deve estar aten-to para as lesões progressivas dos fascículos, que podem terminar em blo-queio atrioventricular completo. Quando não se tem certeza do grau decomprometimento do sistema de condução intraventricular e/ou atrioven-tricular, deve ser realizado estudo eletrofisiológico invasivo (eletrogramado feixe de His) para que se possa verificar a extensão, a localização e oprognóstico das lesões. Este estudo permite medir o intervalo H-V (tem-

Fig. 6.3 — Esquema dos bloqueios atrioventriculares.

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po decorrido entre a despolarização do feixe de His e a despolarizaçãoinicial da musculatura ventricular). Quando maior que 70ms, existe altorisco de evolução para bloqueio atrioventricular total permanente ou in-termitente, devendo ser considerado o tratamento com marca-passo defi-nitivo2.

Hemibloqueios

O ramo esquerdo do feixe de His bifurca-se nos hemi-ramos ântero-superior e póstero-inferior no plano frontal (em 60% das pessoas podeexistir um terceiro hemi-ramo do ramo esquerdo, chamado de fascículomedial ou médio-septal, que pode ser mais ou menos desenvolvido). Destaforma, os bloqueios destes fascículos promovem alterações do SÂQRS,predominantemente no plano frontal. Caracteristicamente, o SÂQRS apon-ta para o fascículo bloqueado (acima de –30 graus no hemibloqueioântero-superior — desvio para a esquerda — e maior que +120 graus nohemibloqueio póstero-inferior — desvio para a direita) (Fig. 6.4).

Os hemibloqueios isolados não necessitam de tratamento e não sãoindicativos de marca-passo. Entretanto, seu reconhecimento é essencial,pois podem indicar a presença de um processo evolutivo para bloqueioAV completo.

Atualmente são reconhecidos também fascículos do ramo direito, po-rém têm menor significado clínico.

Investigação das Bradiarritmias

Muitas vezes suspeitamos de uma bradiarritmia, porém a mesma nãoestá presente durante a consulta. Para estes casos existem diversos méto-dos de investigação, e os exames complementares mais utilizados são osseguintes:

A. Eletrocardiograma. É o mais útil, no entanto seu curto período deobservação reduz sua sensibilidade;

B. Holter ou eletrocardiografia dinâmica. É de extrema utilidade. Per-mite a correlação clínico-eletrocardiográfica, que é fundamental para in-dicar ou contra-indicar um marca-passo cardíaco. É o exame mais indi-cado quando os sintomas são freqüentes.

C. Looper. Permite o registro contínuo do eletrocardiograma, numaalça de memória, por longos períodos de tempo (uma ou duas semanas).Caso ocorram sintomas, o paciente aciona o sistema e a gravação é inter-rompida para que a memória seja analisada. Alguns equipamentos permi-tem a transmissão do traçado eletrocardiográfico pelo telefone ou pelainternet. Atualmente existem sistemas que podem ser implantados e per-

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mitem a monitoração por período de até dois anos, transmitindo o eletro-cardiograma de forma não-invasiva (telemetria). Este exame é utilizadoquando os sintomas são raros e não foram esclarecidos de outra forma.

D. Teste ergométrico. Permite estudar a resposta cronotrópica do nósinusal, que normalmente está reduzida na doença do nó sinusal, assimcomo os bloqueios freqüência-dependentes. Não obstante, somente temvalor diagnóstico na vigência de anormalidade. Um teste ergométricocompletamente normal não exclui patologia do sistema de condução.

E. Tilt-test. Trata-se de exame não-invasivo para identificar síncopes deorigem funcional. O paciente é colocado em decúbito dorsal numa mesa,que posteriormente é inclinada e estacionada entre 60° a 80°. A freqüên-cia cardíaca, o ECG e a pressão arterial são constantemente registrados.Pacientes com síncope de origem neurocardiogênica tendem a apresentarbradicardia, hipotensão, tontura, pré-síncope e mesmo síncope, constitu-indo tilt-test positivo.

F. Estudo eletrofisiológico transesofágico3. É método de grande utili-dade, principalmente quando o eletrocardiograma e o Holter não foramconclusivos. Permite estudar o automatismo e a condução sinoatrial, acondução interatrial, a estabilidade elétrica das paredes atriais e muitos

Fig. 6.4 — Esquema da ativação ventricular pelo ramo esquerdo no coração normal e nosbloqueios fasciculares do mesmo ramo (hemibloqueios). O ramo direito não está

representado. Observa-se que o SÂQRS aponta para o hemi-ramo bloqueado. Dessa forma,desvia-se para cima e para a esquerda no hemibloqueio ântero-superior (QRS

predominantemente positivo em D1 e negativo em D2, D3 e aVF — R1-S2-S3) e para baixoe à direita no hemibloqueio póstero-inferior (QRS predominantemente negativo ou isodifásicoem D1 e positivo em D2, D3 e aVF — S1-R2-R3). Este comportamento se explica porque abifurcação do ramo esquerdo ocorre num plano próximo ou mesmo coincidente com o plano

frontal. FAS: fascículo ântero-superior; FPI: fascículo póstero-inferior.

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aspectos da condução atrioventricular, inclusive verificando-se a presen-ça ou não de feixes anômalos. Realiza-se conjuntamente o teste da atro-pina, que proporciona uma avaliação farmacológica do nó sinusal e de suainervação.

G. Estudo eletrofisiológico invasivo2. É a forma mais extensa e com-pleta de estudo do sistema de condução. É realizado no laboratório de ca-teterismo cardíaco com posicionamento de eletrodos temporários no átriodireito, ventrículo direito, região do feixe de His, seio coronário ou esô-fago (ao nível do átrio esquerdo). Está indicado na suspeita de lesões ocul-tas do sistema His-Purkinje, de taquicardia ventricular ou de feixes anô-malos associados, ou quando se pretende o tratamento intervencionistadefinitivo.

CONCEITOS BÁSICOS DE ESTIMULAÇÃO CARDÍACA

A estimulação cardíaca é possível com relativa facilidade graças à na-tureza sincicial do miocárdio. Este funciona como uma única célula, deforma que um único estímulo aplicado em qualquer parte do miocárdiose propaga imediatamente, por condução muscular, para todas as células,sem a necessidade de inervação ou de mediadores químicos4, graças à exis-tência entre as células miocárdicas dos discos intercalares, que são verda-deiras sinapses elétricas altamente eficazes.

Limiar de Estimulação e Estímulos

Limiar de estimulação é a quantidade mínima de energia capaz dedespolarizar o miocárdio. De acordo com a quantidade de energia igual,inferior ou superior ao limiar, os estímulos podem ser classificados emlimiares, sublimiares e supralimiares.

A moderna estimulação artificial do coração fundamenta-se na utili-zação de estímulos de natureza elétrica, que apresentam amplitude (nor-malmente medida em volts) e duração ou largura de pulso (normalmen-te medida em milissegundos). Quanto maior a duração, menor a ampli-tude do pulso necessária para ser eficaz, até um limite mínimo que é a“Rheobase” (intensidade limiar para estímulo de duração infinita (Fig. 6.5).

Os estímulos naturais, entre células cardíacas são também de nature-za elétrica e se constituem no potencial de ação, apresentando uma largu-ra de pulso (duração do potencial de ação, 250 a 400ms) que correspon-de aproximadamente ao intervalo QT e uma amplitude (amplitude dopotencial de ação, 110 a 120mV). Os estímulos da estimulação artificialsão originados pelo gerador do marca-passo e possuem uma amplitudegeralmente igual a 3500 a 5000mV (3,5 a 5 volts) e uma largura de pulso

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de 0,4 a 1ms (Fig. 6.6). Conclui-se, dessa forma, que a estimulação natu-ral consta de pulsos de grande duração e baixa amplitude, e que a estimu-lação cardíaca artificial utiliza pulsos de muito curta duração e de gran-de amplitude. Independentemente destas características, desde que o es-tímulo seja limiar ou supralimiar, o resultado será o mesmo — a despo-larização do miocárdio (Fig. 6.5). Por razões de segurança, a estimulaçãotanto natural como artificial deve sempre ser supralimiar.

MARCA-PASSOS CARDÍACOS

A utilização de marca-passos cardíacos totalmente implantáveis parao tratamento a longo prazo das bradiarritmias constitui-se numa das maisespetaculares intervenções médicas nos últimos 30 anos (Fig. 6.7). Osmarca-passos convencionais são sistemas que monitoram constantemen-te o ritmo cardíaco estimulando ininterruptamente o coração, desde quea freqüência cardíaca espontânea seja menor que a programada4. Basica-mente, são constituídos por:

Fig. 6.5 — Gráfico de intensidade/duração. Quanto menor a intensidade de um estímulo,maior a duração necessária para que ele seja capaz de despolarizar a célula. Este gráfico

divide os estímulos em três categorias: os localizados acima e à direita da curva são ossupralimiares; os localizados à esquerda e abaixo são sublimiares, e, finalmente, aqueles

que coincidem com a curva constituem os limiares.

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A. Fonte de energia;B. Circuito eletrônico;C. Eletrodos.A fonte de energia e o circuito são acondicionados numa cápsula de

titânio, hermeticamente fechada, constituindo o gerador de pulsos.Fonte de energia. A fonte de energia ou bateria dos marca-passos deve

alimentar o circuito eletrônico e ao mesmo tempo fornecer a energia decada pulso durante toda a vida útil do sistema. Muitos tipos de bateriasforam testados. As primeiras utilizadas eram constituídas de Hg/Zn. Pos-teriormente surgiram as baterias recarregáveis e as atômicas; no entanto,o melhor resultado foi obtido com as de Li/I (lítio-iodo), que são as usa-das atualmente, mesmo porque apresentam longa vida útil, não liberamgases, são hermeticamente seladas, impermeáveis e de dimensões reduzi-das, ao mesmo tempo que estão livres dos riscos da energia atômica. Acapacidade da bateria é um dado muito importante, pois, considerando-seo consumo de energia do marca-passo, nos permite calcular a longevida-de do sistema4.

Circuito eletrônico. O circuito é componente fundamental do marca-passo, sendo responsável por suas funções. Os circuitos atuais conciliamgrande complexidade e diversificação de funções, miniaturização e

Fig. 6.6 — Esquema representativo da comparação entre a estimulação cardíaca natural ea artificial. A primeira se processa com pulso de baixa amplitude e grande duração (potencialde ação) e a segunda é constituída de pulsos de grande amplitude e curta duração (pulso do

circuito de saída dos marca-passos cardíacos) ambos, normalmente, são supralimiares.

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baixíssimo consumo de energia. A moderna tecnologia dos circuitos CMOSassociada aos microprocessadores responde por essa grande evolução. Oscircuitos dos marca-passos modernos apresentam vários módulos: (a)módulo de telemetria, que transmite informações de forma bidirecionalentre o marca-passo e o médico, através do programador; (b) módulo deprogramação, que permite modificar os parâmetros do gerador, de formanão invasiva; (c) módulo oscilador, responsável pelo controle do tempo;(d) módulo de saída, que responde pela produção dos pulsos aplicados aocoração, e (e) módulo de proteção, que garante as freqüências máxima emínima de estimulação em caso de pane do sistema.

Eletrodos. Os geradores dos marca-passos são conectados ao coraçãoatravés de eletrodos, filamentos condutores revestidos por material isolan-te, biologicamente inerte. Conduzem os pulsos do gerador ao coração eos sinais cardíacos (ondas R, P e T) do coração ao gerador. O condutor éconstituído por ligas metálicas especiais altamente resistentes, e o isolante

Fig. 6.7 — Esquema representativo dos principais componentes da estimulação cardíacamoderna. A: Gerador do marca-passo, constituído por uma bateria e um circuito eletrônico

hermeticamente fechados numa cápsula de titânio (Material de publicidade do fornecedorSt. Jude); B: eletrodo do marca-passo, constituído por um condutor metálico MP-35N

Nickel-Alloy e por material isolante, geralmente silicone ou poliuretano; C: posição típica doseletrodos intracardíacos num marca-passo bicameral, atrioventricular (Material de publicidade

do fornecedor Medtronic).

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geralmente é de silicone ou de poliuretano. Atualmente existem eletrodosque apresentam um pequeno depósito de corticóide na ponta, que impe-de a fibrose reacional de forma a permitir limiares de estimulação crôni-cos bastante reduzidos.

Tipos de Marca-passos

Os marca-passos podem ser temporários (utilizados para o tratamen-to de bradiarritmias reversíveis) ou definitivos (para tratamento de bra-diarritmias irreversíveis). De acordo com o número de pólos em contatocom o coração, podem ser monopolares, quando somente um pólo estáem contato com o miocárdio (geralmente o pólo negativo), ou bipolares,quando os dois pólos estão em contato com o miocárdio. Quando somen-te os átrios ou os ventrículos são estimulados, os marca-passos sãounicamerais. Os marca-passos são denominados bicamerais (Fig. 6.7-B)quando átrios e ventrículos são estimulados/monitorados pelo mesmo sis-tema (atualmente já existem marca-passos multicamerais conhecidoscomo ressincronizadores). Os marca-passos de demanda respeitam o ritmopróprio do paciente, sendo denominados não-competitivos ou sincrônicos.Contrariamente, os sistemas competitivos ou assincrônicos não respeitamo ritmo natural e estimulam de forma permanente e independente da pre-sença de ritmo próprio do paciente. Com relação à posição dos eletrodos,os sistemas podem ser endocárdicos (implantados por via transvenosa) ouepicárdicos (implantados por toracotomia). Com relação à capacidade deprogramação, podem ser não-programáveis, programáveis (quando apre-sentam até dois parâmetros programáveis) e multiprogramáveis (commais de dois parâmetros programáveis). Os não-programáveis e osprogramáveis até dois parâmetros são obsoletos e já não mais existem nomercado nacional.

Programabilidade dos Marca-passos

A evolução da microeletrônica permitiu o aparecimento dos marca-passos que apresentam a possibilidade de programação não-invasiva de-pois de implantados. Isto reside na função de troca de informações entreprogramador e o gerador do marca-passo através de telemetria ou radio-freqüência. Dentre muitos parâmetros programáveis, destacam-se: fre-qüência, energia do pulso (amplitude e/ou duração do pulso), sensibili-dade, período refratário, modo de estimulação, histerese, resposta auto-mática de freqüência, etc. Estas programações permitem que se acompa-nhe o paciente durante a longevidade do marca-passo, obtendo-se, quan-do necessário, uma avaliação detalhada dos limiares de estimulação e de

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sensibilidade, das condições da bateria e do eletrodo, sendo possível a cor-reção dos parâmetros e o seu ajuste conforme o quadro clínico do pacien-te, proporcionando uma estimulação cardíaca com o máximo de seguran-ça, conforto e eficiência4.

Resposta Automática de Freqüência

Esta característica representa outro grande avanço da estimulação car-díaca moderna. Alguns marca-passos são equipados com biossensores quepermitem detectar continuamente a atividade física do paciente (de for-ma direta ou por avaliação metabólica), ajustando a freqüência de estimu-lação para obter uma proporcionalidade entre a freqüência cardíaca e de-manda metabólica do momento. Estes sistemas claramente melhoram acapacidade física do paciente, desde que o miocárdio apresente condiçõesfavoráveis, aproximando os sistemas artificiais à fisiologia cardiovascu-lar normal. Atualmente existem vários tipos de biossensores. Os maisutilizados detectam o movimento do corpo, a atividade respiratória, ointervalo QT, a temperatura do sangue venoso central ou a contratilida-de miocárdica.

Função Antitaquicardia

Alguns marca-passos apresentam função antitaquicardia, sendo empre-gados para tratamento em longo prazo de alguns tipos de taquicardias su-praventriculares. Nesse sentido exercem o seu benefício através deoverpace (estimulação preventiva ligeiramente acima do ritmo sinusal),overdrive (estimulação com freqüência mais rápida que a da taquicar-dia), underdrive (estimulação competitiva com freqüência mais lenta quea da taquicardia) ou por estimulação programada (extra-estímulos acopladosao ciclo da taquicardia). Devido à grande evolução da ablação por radio-freqüência, atualmente os marca-passos antitaquicardia, exceto pela fun-ção overpace, ficaram praticamente restritos aos desfibriladores automá-ticos implantáveis.

Modos de Estimulação

A grande variedade dos marca-passos cardíacos modernos tornou ne-cessária a criação de um código para definir o modo de estimulação queestá sendo empregado num determinado momento. O código atual foi pro-posto pela North American Society of Pacing and Electrophysiology(NASPE) e pelo British Pacing and Electrophysiology Group (BPEG), sen-do constituído por cinco letras:

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Primeira letra: representa a câmara estimulada: A (átrio), V (ventrícu-lo), D (átrio e ventrículo) e O (nenhuma);

Segunda letra: identifica a câmara sentida: A, V, D ou O (idem);Terceira letra: indica a resposta do marca-passo à detecção de um si-

nal natural: T (deflagração), I (inibição), D (deflagração e inibição) e O(sem resposta);

Quarta letra: identifica as capacidades de programabilidade e se apre-senta telemetria ou resposta de freqüência: P (programável), M (mul-tiprogramável), R (com resposta de freqüência), C (telemetria) e O (ne-nhuma);

Quinta letra: identifica a presença ou não de funções antitaquicardia:P (pacing), S (shock), D (pacing + shock) e O (nenhuma).

Normalmente, o marca-passo é identificado pelas três primeiras le-tras. Os mais freqüentemente utilizados são os seguintes: AAI – mar-ca-passo que estimula o átrio, sente o átrio e se inibe em presença deuma onda P espontânea (Fig. 6.8); VVI – marca-passo que estimula oventrículo, sente o ventrículo e se inibe nessa eventualidade (em pre-sença de uma onda R) (Fig. 6.9); e DDD – marca-passo bicameral queestimula átrio e ventrículo, sente átrios e ventrículos, deflagra em ven-trículo quando sente átrios e inibe o estímulo nas duas câmaras quan-do sente o ventrículo, sendo também chamado de marca-passo fisioló-gico (Fig. 6.10).

Noções de Eletrocardiografia dos Marca-passos Cardíacos

O eletrocardiograma dos marca-passos apresenta uma característi-ca peculiar, que é a espícula (artefato elétrico originado pelo estímu-lo do marca-passo). Está ausente somente quando o marca-passo estátotalmente inibido pelo ritmo próprio do paciente ou em condiçõespatológicas, como na fratura completa de eletrodo ou falência total dogerador. Normalmente é uma onda muito estreita e de grande ampli-tude nos sistemas unipolares. Nos sistemas bipolares, freqüentementea espícula é muito reduzida e até mesmo invisível em algumas deriva-ções. Desde que eficaz, a espícula é seguida pela despolarizaçãoectópica do miocárdio da câmara estimulada (átrios ou ventrículos).A despolarização ventricular assim obtida é constituída por um com-plexo QRS alargado (>120ms), tendo em vista que se propaga pelomiocárdio parietal sem a intervenção do sistema de condução. Suamorfologia e SÂQRS dependem da posição do eletrodo. Nos implan-tes em ventrículo direito, resulta uma morfologia tipo bloqueio deramo esquerdo (a mais freqüente — implantes endocárdicos), e nos

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implantes em ventrículo esquerdo geralmente surge uma morfologiatipo bloqueio de ramo direito (mais comum em implantes epicárdi-cos). Quando o marca-passo estimula ao mesmo tempo em que ocor-re uma despolarização natural, surgem os complexos de fusão epseudofusão (ver adiante).

Intervalos de Tempo

Intervalo de pulso. É o intervalo de tempo (ms) entre duas espículasconsecutivas da mesma câmara, inversamente proporcional à freqüênciade estimulação. Calcula-se dividindo 60.000ms (1 minuto) pela freqüên-cia programada.

Intervalo de escape. É o intervalo entre um QRS natural sentido e apróxima espícula. Normalmente este intervalo é igual ao intervalo depulso, no entanto é maior quando o sistema está programado com his-terese.

Largura de pulso. É a duração de um único pulso do marca-passo. Nor-malmente é programável. Não pode ser analisada com precisão no ECG,por falta de resolução e filtragem adequadas. Deve ser medida somentepor intervalômetros eletrônicos.

Intervalo AV. Somente existe em marca-passos bicamerais. É o inter-valo entre as espículas atrial e ventricular do mesmo ciclo.

Fig. 6.8 — Esquema do eletrocardiograma do marca-passo unicameral atrial (AAI).

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Batimentos de Fusão e Pseudofusão

Quando a câmara é despolarizada em parte por estímulo natural e emparte pelo estímulo do marca-passo, ocorrem os batimentos de fusão, queapresentam uma morfologia correspondente à soma vetorial do batimentonormal com o batimento totalmente comandado. Eventualmente o mar-ca-passo estimula no momento em que o miocárdio em contato com o ele-trodo acaba de ser despolarizado por evento natural (extra-sístole ousinusal), ocorrendo no ECG uma espícula sem efeito sobre um QRS ouuma onda P naturais. Este fenômeno é conhecido como batimento depseudofusão (Fig. 6.11).

INDICAÇÕES DE MARCA-PASSO CARDÍACO

Indicações de Marca-passo Cardíaco Definitivo5

Atualmente, os resultados a longo prazo da estimulação cardíaca sãoexcelentes, tendo ampliado as aplicações desta modalidade terapêutica.Não obstante, deve-se ter o máximo rigor na seleção das indicações.

Consideram-se indicações para implante de marca-passo cardíaco defi-nitivo os seguintes quadros clínicos, desde que irreversíveis e sintomáticos:

Fig. 6.9 — Esquema do eletrocardiograma do marca-passo unicameral ventricular (VVI).

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1. Síndrome do seio carotídeo hipersensível;2. Síncope neurocardiogênica (forma cardioinibidora maligna);3. Doença do nó sinusal;4. Síndrome braditaquicardia que não responde a drogas antiarrít-

micas;5. Fibrilação atrial com freqüência ventricular reduzida;6. Bloqueio atrioventricular de terceiro grau;7. Bloqueio atrioventricular de segundo grau tipo I;8. Bloqueio atrioventricular de segundo grau tipo II;9. Bloqueio atrioventricular avançado;10. Lesão His-Purkinje grave (intervalo H-V > 70ms);11. Bloqueio de ramo alternante.São consideradas indicações discutíveis:1. Paciente com síncopes de repetição e bloqueio bifascicular, sem

nenhuma outra causa aparente que justifique os sintomas;2. Bloqueio de ramo alternante assintomático;3. Bloqueio Mobitz II assintomático, com QRS estreito;4. Bloqueio atrioventricular congênito.

Fig. 6.10 — Esquema do eletrocardiograma do marca-passo atrioventricular (DDD). A:estimulação ventricular seguindo uma onda P sinusal; B: estimulação atrial com condução

AV normal; C: estimulação atrial e ventricular; D: estimulação ventricular seguindo umaextra-sístole atrial; E: inibição total do marca-passo por uma extra-sístole ventricular.

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Indicações para Marca-passo Temporário3,6,7

O marca-passo temporário pode ser transcutâneo, esofágico, epicárdicoou transvenoso.

Marca-passo transcutâneo. É aplicado com placas adesivas sobre oprecórdio. Utiliza geradores especiais que produzem pulsos de alta ten-são capazes de comandar o coração sem contato direto. Por esta razão, émal tolerado sem sedação. Comumente é utilizado em situações de extre-ma urgência, enquanto se providencia a via endovenosa. Além disso é usu-almente aplicado como reserva de estimulação em procedimentos quepodem ocasionar bradi ou taquiarritmias (cirurgias em pacientes de ris-co, estudos eletrofisiológicos, reversão endovenosa de taquiarritmias, etc.).

Marca-passo esofágico. A grande proximidade entre o coração e o esô-fago permite que um eletrodo intra-esofágico comande tanto átrios comoventrículos, desde que os pulsos tenham duração e amplitude adequados.Torna-se necessário um gerador de pulsos específico (cardioestimuladortransesofágico3). A estimulação ventricular transesofágica geralmente é

Fig. 6.11 — Esquema representativo dos fenômenos de fusão e pseudofusão. No primeiro,o QRS é constituído pela despolarização natural e artificial. No segundo, a despolarização é

totalmente natural, havendo somente a superposição da espícula do marca-passo. Nestecaso, no momento da estimulação do marca-passo a área subjacente ao eletrodo já estava

despolarizada por vias naturais. É importante observar que o batimento de maior duração é ocomandado. O complexo de fusão tem duração intermediária. O batimento natural e o de

pseudofusão têm duração normais.

QRSSinusal

QRSComandado

Fusão Pseudo-Fusão

E E

E

90ms 140ms 110ms 90ms

E = espícula do marca-passo

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mal tolerada sem sedação, porém pode ser facilmente utilizada duranteanestesia geral. A estimulação atrial transesofágica é facilmente utilizadade forma transitória, para diagnóstico de bradi ou taquiarritmias ou parareversão de taquicardias no pronto-socorro3 (ver sessão de Cete).

Marca-passo temporário epicárdico. É praticamente utilizado em todacirurgia cardíaca. Finos eletrodos maleáveis são transfixados no epicárdiodos ventrículos e/ou átrios, sendo conectados a um marca-passo tempo-rário convencional. A estimulação é obtida de forma segura e com baixaenergia. O pólo positivo pode ser suturado no subcutâneo. No pós-opera-tório, são retirados por tração direta desde que o risco de bradi ou detaquiarritmia tenha sido eliminado.

Marca-passo temporário transvenoso (endocárdico). É uma formaextremamente útil e segura para tratamento imediato de bradi e/ou taqui-arritmias, sendo o mais utilizado em unidades de emergência. É retiradologo que desvanece o risco de arritmia. É colocado através de punção ve-nosa (veias basílicas, subclávias, jugulares ou femorais) ou através de dis-secação. Em condições de extrema urgência, pode ser aplicado por pun-ção transtorácica do ventrículo direito, porém esta técnica deve ser evi-tada pelo risco de lesões nas coronárias, pulmões e ventrículos.

O marca-passo temporário está indicado em situações de urgência e/ou risco de arritmias. Mais comumente se aplica nas bradiarritmias, po-rém também pode ser útil na reversão de taquiarritmias. Está indicadoem procedimentos diagnósticos, ou de forma profilática nas seguintescondições:

1. Controle de emergência de qualquer bradiarritmia sintomática(sinusal ou por bloqueio AV);

2. Como profilaxia em:• infarto agudo do miocárdio com bradiarritmia ou infarto ante-

rior com bloqueio de ramo recente;• cateterismo cardíaco direito em portador de bloqueio de ramo

esquerdo;• grandes cirurgias gerais em portadores de distúrbios do sistema

éxcito-condutor do coração8;• testes farmacológicos.

3. Disfunção do marca-passo definitivo em paciente dependente;4. Pós-operatório de cirurgia cardíaca;5. Simulação de marca-passo definitivo para escolha do tipo de mar-

ca-passo;6. Procedimentos diagnósticos (estudo eletrofisiológico invasivo).Durante o implante de marca-passo definitivo ou temporário, as

morfologias da onda P, do QRS e do ST são muito importantes para orien-tar quanto à posição do eletrodo e quanto às condições da junção

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eletrodo-coração, inclusive permitindo o posicionamento correto de umeletrodo de marca-passo temporário quando não se dispõe de radioscopia(Tabela 6.2).

SEGUIMENTO CLÍNICO DOS PORTADORES DE MARCA-PASSOS

Os pacientes portadores de marca-passos definitivos devem ser acom-panhados rotineiramente para prevenir disfunções, programar o sistemade estimulação conforme as necessidades clínicas e ajustar o consumo deenergia do gerador para se obter o máximo de segurança com a maior lon-gevidade possíveis. Normalmente reavaliamos o paciente com 30 diasapós a retirada dos pontos do implante, a cada três meses no primeiro anode implante e a cada seis meses após o primeiro ano. Depois do términoda garantia nominal do gerador, o paciente deve ser avaliado a cada trêsmeses pelo menos.

Desgaste do Gerador

A bateria de um marca-passo é uma fonte limitada de energia e apre-senta um desgaste progressivo durante a vida útil do sistema, mesmo queo marca-passo esteja inibido. As baterias atuais de Li/I mantêm a tensãode saída durante 70% a 75% de sua duração. Os marca-passos apresentam

Tabela 6.2Caracterˇsticas EletrocardiogrÛficas EndocavitÛrias durante Implante de

Marca-passo EndocÛrdico TemporÛrio (Fig. 6.12)

Corrente Onda P* QRS* de Lesıo (ST)

1 - veia cava superior negativa semelhante ausente semelhante a AVR a AVR2 - Ûtrio direito alto negativa semelhante ausente grande a AVR3 - Ûtrio direito m˚dio isodifÛsica semelhante ausente grande a AVR4 - Ûtrio direito baixo positiva semelhante ausente grande a V15 - veia cava inferior positiva semelhante ausente pequena a AVF ou D36 - ventrˇculo direito v/entrada positiva muito grande presente se pequena semelhante a V1 impactado7 - ventr culo direito ponta positiva muito grande presente se pequena semelhante a V3 impactado8 - ventrˇculo direito v/saˇda pequena polifÛsico presente se semel. AVL tipo RSRíSí impactado

*⁄ importante realizar o ECG completo imediatamente antes do implante, pois os padrþes,principalmente de AVR; V1, V2 e V6; D2, D3 e AVF; e AVL podem, por analogia, orientarquanto ao posicionamento do eletrodo endocavitÛrio.

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circuitos especiais que detectam a queda de tensão da bateria e transmi-tem diversas informações, de forma que o médico pode acompanhar comsegurança a disponibilidade de energia do sistema. Todos os marca-passosapresentam um relé magnético. A colocação de um ímã sobre a região daloja do gerador ativa esse relê desligando o circuito de sensibilidade e aci-onando o modo de funcionamento magnético. A medida da freqüênciamagnética é o parâmetro mais simples e seguro para controlar o desgastedo gerador. Isto pode ser realizado com um intervalômetro que detecta ospulsos na superfície corporal, informando o intervalo de pulso, a freqüên-cia e a duração de cada pulso. Esta análise não pode ser feita somente comum eletrocardiógrafo, porque pequenas variações de freqüência podem sermascaradas por erro de velocidade do papel. Normalmente os marca-pas-sos reduzem a freqüência de estimulação magnética de 5 a 15ppm váriosmeses antes de seu esgotamento completo. Este comportamento permiteque se indique a troca profilática e eletiva do gerador de pulsos antes queocorram disfunções do sistema.

Outros Indicadores do Final de Vida do Marca-passo

A redução da freqüência magnética é o indicador universal de desgas-te do gerador. Não obstante, existem outros indicadores adicionais. Mui-tos modelos também reduzem a freqüência sem ímã, aumentam a largu-ra de pulso, indicam a amplitude do pulso ou a tensão e/ou impedância

Fig. 6.12 — Principais morfologias do eletrograma intracavitário das câmaras direitas.

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interna da bateria por telemetria. Alguns modelos emitem mensagem peloprogramador indicando ao médico a necessidade de troca eletiva do ge-rador de pulsos. Os sistemas bicamerais revertem automaticamente paramodos de estimulação ventricular no sentido de poupar energia.Verifica-se, desta forma, que é muito importante que se programe o gera-dor em cada visita do paciente para que possam ser obtidas estas e outrasinformações valiosas e indispensáveis ao seguimento do caso.

Avaliação do Comando e Sensibilidade do Marca-passo

Depois da análise das condições da bateria, verificam-se o comando ea sensibilidade. Quando o marca-passo está inibido pelo ritmo sinusal, ocomando pode ser verificado com a aplicação do ímã, que torna o mar-ca-passo assincrônico e, portanto, competitivo, ou ainda programando afreqüência acima da freqüência sinusal. Programa-se a energia de formaa se obter a menor energia capaz de comandar o coração (limiar de co-mando), normalmente abaixo de 0,3ms de largura com 2,5V na fase crô-nica. Atualmente, os programadores permitem a verificação automática dolimiar de comando. O aumento progressivo do limiar de comando pro-voca a falha de comando ou bloqueio de saída cujas causas principais estãoenumeradas na Tabela 6.3.

A avaliação da sensibilidade também é feita com programação.Reduz-se a freqüência de estimulação até o aparecimento de ritmo espon-tâneo do paciente e conseqüente inibição do marca-passo. Nesse momen-to, reduz-se a sensibilidade até que comece a ocorrer competição (limiarde sensibilidade), e que nos dá o valor da amplitude da onda P e/ou daonda R que está chegando ao gerador. Quando não se consegue detectarcorretamente a onda P ou a onda R, mesmo em níveis máximos de sensi-bilidade, considera-se existir falha de sensibilidade (Tabela 6.3), situaçãona qual o marca-passo passa a competir com o ritmo próprio do pacien-te. A maioria dos programadores e marca-passos modernos medem auto-maticamente as ondas P e R, não sendo necessária a medida ponto a pon-to. A sensibilidade também pode ser anormalmente excessiva, ocorrendoinibições ou deflagrações indesejáveis ocasionadas por miopotenciais damusculatura esquelética por ondas T, por ondas P em marca-passo ventri-cular, por estímulo atrial inibindo o estímulo ventricular em sistema DDD(crosstalk), por ruído de instalação elétrica ambiental, etc. Nos marca-pas-sos bicamerais avaliam-se independentemente os limiares de comando ede sensibilidade nas câmaras atriais e ventriculares.

De acordo com os dados obtidos, faz-se a programação definitivamantendo-se margens de segurança adequadas. Também devem ser ajus-tados a freqüência, a histerese, os períodos refratários, o intervalo AV nos

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marca-passos atrioventriculares e a resposta automática de freqüência nossistemas com biossensores.

COMPLICAÇÕES DOS MARCA-PASSOS

As complicações relativas à estimulação cardíaca artificial podem serprecoces (que ocorrem nos primeiros 30 dias do implante e freqüente-mente estão relacionadas com a cirurgia) e tardias. Afortunadamente, sãobastante raras, desde que sejam considerados os cuidados e técnicas per-tinentes14,15.

Complicações Precoces

A. Pneumotórax ou hemotóraxB. Sangramento/hematoma da loja do geradorC. Embolia gasosaD. Taquicardia ou fibrilação ventricularE. Perfuração atrial ou ventricularF. PericarditeG. Estimulação frênica/diafragmáticaH. Deslocamento do eletrodoI. Falha da conexão do gerador

Tabela 6.3Causas de Falha de Comando e/ou de Sensibilidade

1. Falha eletrÞnica do gerador2. Desgaste da bateria do gerador3. Programa˘ıo inadequada4. Fratura do eletrodo5. Lesıo do isolante do eletrodo6. Aumento do limiar de estimula˘ıo e/ou de sensibilidade ï inflama˘ıo na jun˘ıo eletrodo/cora˘ıo ï rea˘ıo por corpo estranho ï infarto ou fibrose da regiıo do implante ï perfura˘ıo ï deslocamento do eletrodo ï dist­rbios hidroeletrolˇticos ï drogas antiarrˇtmicas ï doen˘as infiltrativas7. Miocardiopatia grave

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J. Falha de comando e/ou de sensibilidadeK. Infecção

Complicações Tardias

Ocorrem após 30 dias de implante e atualmente são muito raras:A. Falha de comando e/ou de sensibilidadeB. Deslocamento de eletrodoC. Estimulação muscular esqueléticaD. Erosão ou pré-erosãoE. Migração do geradorF. InfecçãoG. Falha do isolanteH. Fratura do eletrodoI. Falha eletrônica do circuitoJ. Trombose venosaK. EndocarditeL. Arritmias induzidas ou mediadas pelo marca-passoM. Síndrome do marca-passoN. Oversensing

Arritmias Induzidas ou Mediadas pelo Marca-passo

Arritmias induzidas. Quando ocorre falha de sensibilidade, o marca-passo pode competir com o ritmo próprio do paciente ocasionando esti-mulações em período vulnerável que podem resultar em taquicardia (Fig.6.13) ou fibrilação atrial ou ventricular, de acordo com a câmara que es-tiver sendo estimulada.

Também podem ocorrer arritmias induzidas devido a uma disfunçãoextremamente rara chamada runaway e que se deve a uma grave alteraçãodo circuito eletrônico do marca-passo, resultando numa estimulação ex-tremamente rápida, podendo conduzir a taquicardia e/ou fibrilação dacâmara estimulada. Atualmente, circuitos específicos de proteção contraesse tipo de problema, incorporados ao marca-passo, praticamente elimi-naram esta complicação.

Arritmias mediadas. Estas ocorrem em marca-passos bicamerais. Amais freqüente é a taquicardia por reentrada eletrônica. Geralmente ocorredevido a uma onda P retrógrada (freqüentemente pós-extra-sístole ventri-cular) que é sentida pelo circuito atrial ocasionando a deflagração no ven-trículo. Se a despolarização ventricular origina uma outra onda P retró-grada, a situação se perpetua, ocasionando uma taquicardia por reentra-da AV eletrônica, mediada pelo marca-passo. Esta arritmia pode ser facil-

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mente interrompida pela colocação do ímã sobre o gerador, podendo serprevenida por programação adequada. Outra arritmia que pode ocorrerem marca-passos DDD relaciona-se com o aparecimento espontâneo ouinduzido de fibrilação atrial ou flutter atrial. Nestes casos, o circuito atrialpode “sentir” a elevada freqüência atrial e deflagrar uma estimulação ven-tricular também com alta freqüência, resultando em comprometimentohemodinâmico ou em arritmias mais graves. Estas complicações podemser evitadas, de forma eficaz, com programação criteriosa. Neste sentido,deve-se atentar para a programação de uma freqüência de upper-rate bai-xa (freqüência máxima permitida para a estimulação ventricular).

Síndrome do Marca-passo

É uma grave complicação da estimulação cardíaca unicameral ventri-cular (Fig. 6.14). Ocorre tipicamente em pacientes que apresentam con-dução ventriculoatrial, ocasionando contração atrial quando as valvas AVestão fechadas. Isto ocasiona refluxo sangüíneo para as circulações pulmo-nar e sistêmica com sintomas de hipotensão arterial, palpitações, dispnéia,adinamia, etc. Este quadro pode ocorrer mesmo na ausência de conduçãoventriculoatrial, devido somente à falta de sincronismo AV. A forma maiseficaz de tratamento é a escolha correta do modo de estimulação (estimu-lação atrial ou, se existe distúrbio da condução AV associado, estimulaçãoAV seqüencial) que será obtida com a troca do marca-passo.

DESFIBRILADORES-CARDIOVERSORES AUTOMÁTICOS

IMPLANTÁVEIS (DCAI)

São próteses implantadas para o tratamento automático de taquiarrit-mias graves. Incorporam também um marca-passo convencional de formaa tratar tanto bradi como taquicardias. O desfibrilador implantável foiconcebido por Mirowsky, na década de 1960.

Fig. 6.13 — Falha de sensibilidade de marca-passo ventricular. A terceira espícula cai sobrea onda T, induzindo uma taquicardia ventricular.

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Funcionamento do DCAI

Após o implante, o DCAI monitora o ritmo cardíaco analisando con-tinuamente cada intervalo. Isto permite classificá-los, dentre outras, nasseguintes categorias básicas:

• Bradicardia;• Ritmo sinusal;• Taquicardia;• Fibrilação.Da mesma forma que um marca-passo convencional, o DCAI estimu-

la se houver risco de bradicardia, ou se inibe se existir ritmo próprio

Fig. 6.14 — Esquema do eletrocardiograma de portador da síndrome do marca-passo. Ossintomas decorrem da disfunção hemodinâmica pela ativação retrógrada ventriculoatrial (B)

ou por perda do sincronismo AV (A).

Fig. 6.15 — Cardioversão automática por DCAI em portador de taquicardiaventricular recorrente.

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adequado. Se for detectada uma taquicardia ventricular, o DCAI poderátentar revertê-la por estimulação ventricular programada e/ou com cho-que de cardioversão sincronizada (Fig. 6.15), conforme a programação es-tabelecida pelo médico. Finalmente, caso seja detectada uma fibrilaçãoventricular, o DCAI aplica rapidamente um choque de alta energia paradesfibrilação (Fig. 6.16). Atualmente já existem DCAI bicamerais capazesde aplicar terapias automáticas independentes em átrio e ventrículo.

Implante do DCAI

Na década passada, os DCAI eram implantados por via epicárdica atra-vés de toracotomia. Atualmente, devido à grande redução de volume daspróteses e devido ao surgimento de eletrodos para desfibrilação endo-cárdica, são implantados por via endocárdica com técnica muito seme-lhante à do implante de um marca-passo convencional (Fig. 6.17).

Indicações para Implante de DCAI

Devido ao grande e rápido avanço da tecnologia nesta área, as indica-ções de DCAI estão em constante evolução. No momento, de forma sin-tética, consideram-se as seguintes indicações:

Fig. 6.16 — Registro obtido por telemetria da memória de um desfibrilador implantado emportador de doença de Chagas. À esquerda observa-se um episódio de fibrilação ventricular

espontânea com os registros captados pelo eletrodo atrial, pelo eletrodo ventricular e poruma derivação entre o eletrodo ventricular e a loja do gerador. Os átrios estão em ritmosinusal durante a fibrilação ventricular. O desfibrilador aplica, de forma automática, uma

descarga de 17J entre o ventrículo direito e a loja do gerador, obtendo a imediata reversão dafibrilação, abortando o que seria uma morte súbita.

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a. Sobrevivente de parada cardíaca por taquiarritmia ventricular grave(taquicardia ou fibrilação ventriculares), não relacionada a causasreversíveis ou tratáveis (infarto agudo do miocárdio, distúrbio hi-droeletrolítico, intoxicação, choque elétrico, trauma, etc.);

b. Taquicardia ventricular sustentada, recorrente, mal tolerada;c. Pós-infarto com comprometimento miocárdico severo (FE < 40%),

taquicardia ventricular não-sustentada e indução reprodutível detaquicardia ventricular sustentada no estudo eletrofisiológicoinvasivo;

d. Condições de alto risco dependentes de anomalias genéticas taiscomo a síndrome do QT longo, a síndrome de Brugada, a taquicar-dia ou fibrilação ventriculares catecolaminérgicas, cardiomiopatiahipertrófica, etc.;

e. Recentes estudos randomizados têm recomendado o implante deum desfibrilador em casos com cardiomiopatia dilatada grave, pós-infarto do miocárdio, com fração de ejeção ≤ 30%, independentede arritmias. Esta indicação, entretanto, está sob avaliação clínica.

Fig. 6.17 — Implante de DCAI. Atualmente, a maioria absoluta dos implantes é realizadapor via endocárdica (Ilustração do folder do fabricante Guidant, Inc.).

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